Com a devida vénia transcrevemos artigo publicado na edição de hoje do Jornal de Negócios on line
Até já
Pedro Santos Guerreiro - [email protected]
Um desconhecido demitiu-se do Governo. Querem fazer uma algazarra disso. Fazer do
desconhecido um mártir. Alinhar no populismo fácil de atacar a EDP. Invocar a lengalenga
de que os lóbis ganham sempre. Pois querem. Querem e fazem bem.
Henrique Gomes era um desconhecido. Depois do bulício destes dias, vai continuar a sê-lo: as
polémicas em Portugal são como o Carnaval, duram dois dias e, no fundo, ninguém leva a mal. Mas
a política de subsidiação energética está longe de ser uma desconhecida. Henrique Gomes quis
alterá-la, não conseguiu, então demitiu-se. Álvaro Santos Pereira e Passos Coelho também quiseram
mudá-la, não conseguiram, então mudaram de opinião.
O sector da energia é sempre subsidiado. Na construção ou na operação, há sempre subsídios,
evidentes ou evanescentes, até no petróleo. O primeiro mito a desfazer é portanto que a alternativa
a subsidiar produção de energia é... não subsidiar produção de energia. O que há é muitos lóbis a
disputar as fatias do bolo. Quando Patrick Monteiro de Barros quis construir uma refinaria em
Sines, ela seria paga pelo Estado; quando se ataca as eólicas para construir nuclear, é com subsídios;
quando as indústrias defendem a cogeração, querem subsídios; quando se anunciam carros
elétricos, micro-produção caseira ou os maiores parques de solar fotovoltaica da Europa, é porque
há subsídios, subsídios, subsídios. Pronto: é só para desintoxicar dos paladinos da boa utilização dos
dinheiros públicos que não querem mais que apropriar-se deles.
Subsidiar não é em si mesmo errado. No caso da cogeração, é preciso separar os escandalosos casos
de quem anda a queimar "a seco" só para receber subsídio das indústrias que incluem a energia no
seu processo produtivo. No caso das barragens e das eólicas, já aqui foi dito, essa opção estratégica
está tomada, não se desmantela agora, aproveita recursos naturais de Portugal e será mais
competitiva à medida que o petróleo inexoravelmente encarece. O problema não é pois a
subsidiação, mas a escolha tecnológica que assiste e, no caso, é o seu valor, se é justo ou excessivo.
Porque "subsídio" é apenas um nome fino para impostos que pagamos cegos e tarifas que
suportamos mudos. A fatura energética é uma fartura energética. Para muita, muita gente,
incluindo autarquias.
O subsídio é excessivo? A "troika" diz que sim. Santos Pereira e Passos diziam, antes, que sim. Um
estudo encomendado pelo Governo diz que sim. Quem diz que não? Quem recebe. A EDP, pois
claro. Mas não só: a Endesa, a Iberdrola, todos os operadores de renováveis, que andam calados
atrás das costas largas de António Mexia.
Os CMEC são contratos com uma origem antiga, custam 27 euros por ano a cada família portuguesa
e são, já aqui foi escrito, um excelente negócio para a EDP, pois o Estado assume o risco da
operação. Era isso que Henrique Gomes queria desfazer. Debalde. E porquê?
Essa é a grande pergunta: porquê? O Governo queria. A troika exigiu. O Ministério da Economia
avançou com um imposto especial para tirar de um lado o que os subsídios davam por outro. Adiouse tudo por causa da privatização. Perdeu-se o tempo certo. A secretária de Estado do Tesouro
anunciou no dia da venda aos chineses que o Governo continuava livre para decidir tarifas. Não
continuou nada: os chineses enfureceram-se. O Governo, se os queria enganar, enganou-se. E calouse.
Não foi só um secretário de Estado que se demitiu de um cargo, foi um Governo que se demitiu da
sua função, tornando-se perigosamente parecido com quem criticara violentamente no passado.
O encaixe brutal da privatização tem contrapartidas, como se viu nas nomeações de políticos para a
administração, como se vê agora nesta postura obediente aos chineses. No fundo, percebe-se agora,
parte desse encaixe da privatização será pago por nós, consumidores e indústrias. É por isso que este
é o país "até já": Santos Pereira diz até já a Henrique Gomes, Passos diz até já a Sócrates, todos
dizemos até já aos lóbis, mudamos para que tudo fique na mesma, neste até já Portugal, até já
sectores não transacionáveis, até já cepa torta, sempre "até" e sempre "já" e sempre "nunca", nunca,
nunca mais saímos disto.
15-03-2012
Download

Até já