1 CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL MARIA CAMILA LIMA CAVALCANTE A MULHER COMO RESPONSÁVEL FAMILIAR PELO BENEFÍCIO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: UM ESTUDO DE CASO COM AS BENEFICÁRIAS DO BAIRRO GRANJA PORTUGAL FORTALEZA 2012 2 MARIA CAMILA LIMA CAVALCANTE A MULHER COMO RESPONSÁVEL FAMILIAR PELO BENEFÍCIO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: UM ESTUDO DE CASO COM AS BENEFICÁRIAS DO BAIRRO GRANJA PORTUGAL Monografia submetida à aprovação Coordenação do Curso de Serviço Social do Centro Superior do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Graduação. FORTALEZA 2012 3 MARIA CAMILA LIMA CAVALCANTE A MULHER COMO RESPONSÁVEL FAMILIAR PELO BENEFÍCIO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: UM ESTUDO DE CASO COM AS BENEFICÁRIAS DO BAIRRO GRANJA PORTUGAL Monografia como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – FaC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data da aprovação: ____ /____ /____ BANCA EXAMINADORA Profª Drª Mônica Duarte Cavaignac (Orientadora) Profª Ms.Joelma Maria Freitas Profª Ms. Socorro Letícia Fernandes Peixoto 4 Aos meus pais pelo amor incondicional. Obrigada, por tudo! 5 AGRADECIMENTOS A Deus, o mais sincero agradecimento, por minha vida, pela sabedoria e força que me concedeste, fazendo-me superar os obstáculos desta caminhada. Obrigada, pelos bons e inesquecíveis momentos proporcionados durante esses quatro anos de caminhada, onde conheci pessoas memoráveis. Aos meus pais Francisco Vieira e Maria José pelo amor incondicional, apoio, carinho e esforço que fizeram para me manter e para concretizar meu sonho, compartilhando sempre a minha trajetória. A minha avó Terezinha Cosme e a minha tia/madrinha Sirlândia Cosme obrigada pela acolhida, pelo apoio, pela compreensão e por sempre estarem comigo. Aos meus familiares e amigos agradeço pelo carinho, força, apoio e amizade sincera que sempre me transmitiram, e acima de tudo obrigada por compreenderem minha ausência na vida de vocês. A minha grande mestra e orientadora professora Drª. Monica Duarte Cavaignac a quem eu admiro, respeito e tenho como grande exemplo de profissional. Obrigada pela credibilidade, apoio, paciência e compreensão não só durante a construção deste trabalho, mas durante esses quatro anos de convivência. À banca examinadora composta pelas mestres Joelma Maria de Freitas e Socorro Letícia Fernandes Peixoto só tenho a agradecer pela oportunidade de tê-las conhecido e pela honra de tê-las como professora e como exemplo de profissional. À Flaubênia Girão, grande mulher e profissional, coordenadora do Curso de Serviço Social, da Faculdade Cearense, obrigada por seu esforço diante da construção desse curso, obrigada pela confiança em nós demonstrada e pela contribuição em minha formação profissional. Às grandes profissionais Sandra Lima, Valney Rocha que aqui escolho para representar a grandiosa equipe que compõe o corpo docente da Faculdade Cearense obrigada pelos conhecimentos transmitidos durante nosso curso, pelo compromisso com a formação ética-política desses novos profissionais. Às minhas amigas e companheiras, de curso e de tantos momentos inesquecíveis compartilhados juntas nesses quatro anos, em especial a minha querida equipe composta por: Ana Ayla, Juliana Basílio, Maria de Jesus e Michelle Santos. Quero expressar o meu enorme carinho por vocês, sentirei saudades de compartilhar nossas angústias, nossas alegrias e de organizar nossas festas de fim de semestre... Esses momentos ficarão para sempre em minha memória e em meu coração. Que nossa amizade se fortaleça cada vez mais para além dos muros da faculdade! 6 À amiga Maiara Lopes, obrigada pelos bons momentos e pelos conhecimentos partilhados. Obrigada por sua atenção nesses anos de faculdade e principalmente por ter acompanhado o processo de construção deste trabalho de conclusão de curso, jamais esquecerei a essa grande parceria pautada em momentos ora de orientações e discussões, ora de compartilhamento de angústias e conquistas. Amizade verdadeira! As minhas queridas Érika Cavalcante, Lorena Suely e Rita Gaspar que escolho para representar todas (os) as (os) amigas (os) e colegas que fiz ao longo deste curso, desejo uma carreira brilhante pautada na ética, na responsabilidade e no compromisso com os usuários e com nossa profissão. Ao professor Igor Monteiro, obrigada pela dedicação com que ministraste esta cadeira de Trabalho de Conclusão de Curso. Obrigada pela escuta sempre atenta, pelas dicas, pelo incentivo e por acreditar em nosso potencial. À comissão de formatura da primeira turma de Serviço Social da Faculdade Cearense, quero dizer que foi muito bom compartilhar e conhecer todas vocês. Tivemos momentos difíceis, mas superados pela vontade de vencer e de ter uma linda comemoração. Agradeço também pelos ensinamentos repassados nos campos de estágio por onde passei durante as disciplinas de Estágio Supervisionado em Serviço Social, estagiei no Distrito de Assistência Social (DAS), e no Centro de Referência de Assistência Social – Granja Portugal (CRAS – GP) equipamentos estes situados na territorialidade de abrangência da Secretaria Executiva Regional V. Às minhas supervisoras de campo, Ana Durcila (DAS), e Joseíla Cruz (CRAS – GP) obrigada por me escutarem, me acalmarem, e acima de tudo por acreditarem no meu potencial. À todas as mulheres do Grupo de Família, que muito contribuíram para a construção dessa monografia, obrigada, sem a vossa ajuda não teria subsídios suficientes para desenvolver este trabalho. A todos e todas que contribuíram direta e indiretamente para a conclusão dessa monografia, obrigada pela cumplicidade, amizade, compreensão, ensinamentos e principalmente por acreditarem em mim e na realização desse sonho. 7 “Que nada nos defina que nada nos sujeite. Que a liberdade seja nossa eterna substância.” Simone de Beauvoir. 8 RESUMO Esta monografia busca analisar como as mulheres beneficiárias do Programa Bolsa Família residentes no bairro Granja Portugal o concebem, bem como procura compreender as mudanças ocorridas em suas vidas após a inserção no Programa. No Brasil, a Assistência Social passa a ser reconhecida como direito social e dever do Estado a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988. Desde então percebese o desenvolvimento de bases legais que visam efetivá-la como política pública, dentre as quais mencionam-se a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, a Política Nacional de Assistência Social – PNAS e o Sistema Único de Assistência Social – SUAS. A Política de Assistência Social visa ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais e à universalização dos direitos sociais. Na década de 1990 ganham visibilidade os programas de transferência de renda, que visa atender as necessidades básicas das famílias, por meio da transferência direta de renda. Dentre estes programas, o que mais tem destaque no combate à pobreza é o Programa Bolsa Família, criado mediante a Lei 10.836, de 09 de janeiro de 2004. Destaca-se também a centralização das políticas na figura da mulher, que passa a ser a responsável familiar pelo recebimento e titulação do cartão, assim como pela destinação dada ao recurso recebido do Programa, tendo certa autonomia no que se refere à liberdade de tomar decisões no âmbito familiar. As categorias utilizadas para a elaboração e discussão desta pesquisa foram: pobreza, gênero, família, matricialidade e autonomia. O presente trabalho para alcançar seu objetivo embasa-se na pesquisa quanti-qualitativa, documental e bibliográfica. A pesquisa de campo desenvolveu-se entre os meses de setembro e novembro de 2012, durante a qual foram aplicados 10 (dezesseis) questionários e realizadas 6 (seis) entrevistas semi-estruturadas com as mulheres que participam do grupo de família do CRAS Granja Portugal. O trabalho revela que diversas transformações ocorreram na vida das mulheres e de suas famílias, mas elas ainda anseiam por novas mudanças, por melhores condições de vida, pois elas ainda convivem com diversas expressões da questão social que afligem suas vidas e de seus familiares. Palavras Chaves: Assistência Social. Família. Pobreza. Programa Bolsa Família. 9 RESUMEN Este artículo pretende examinar cómo las mujeres beneficiarias de Bolsa Familia residentes en Portugal de la Granja del programa el concebir y busca comprender los cambios en sus vidas después de la inserción en el programa. En Brasil, la Asistencia Social será reconocida como un derecho social y un deber del estado desde la promulgación de la Constitución Federal de 1988. Desde entonces se da cuenta del desarrollo de base jurídica para cometerlo como política pública, entre los que menciona la ley orgánica de LOAS de Bienestar Social, el Nacional Social asistencia políticaPNAS y el único System-ITS de Asistencia Social. Objetivos de política de asistencia sociales a hacer frente a la pobreza, garantizar mínimos sociales y la universalización de los derechos sociales. En 1990 gana a transferencia de ingresos de la visibilidad de programas, cuyo objetivo es satisfacer las necesidades básicas de las familias, a través de la transferencia directa de ingresos. Uno de estos programas, que tienen mayor énfasis en la lucha contra la pobreza es el programa de Bolsa Família, creado por la ley del 09 de enero de 2004 10.836. También la centralización de las políticas en la figura de la mujer, que pasa a ser el responsable para la valoración de recibo y la tarjeta, así como por la asignación para el programa de la familia, habiendo recibido cierta autonomía con respecto a la libertad de tomar decisiones dentro de la familia. Las categorías utilizadas para la preparación y discusión de esta investigación fueron: pobreza, género, familia, matricialidade y autonomía. El presente trabajo para alcanzar su meta detrás de investigación cuantitativa y cualitativa, bibliográfica y documental. Investigación de campo ha desarrollado entre los meses de septiembre y noviembre de 2012, durante los cuales 10 fueron aplicados cuestionarios (16) y llevado a cabo 6 (seis) entrevistas semiestructuradas con mujeres que participan en el grupo familiar de la Granja de CRAS de Portugal. El trabajo revela que se han producido varios cambios en las vidas de las mujeres y sus familias, pero todavía ansían para nuevos cambios, por mejores condiciones de vida, ya que aún viven con diversas expresiones de temas sociales que azotan sus vidas y sus familias. Palabras clave: Asistencia Social. Familia. Pobreza. Programa de subsidio familiar. 10 SUMÁRIO LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS INTRODUÇÃO..........................................................................................................................13 1. A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL: ANÁLISE DE CONJUNTURA..........................................................................................................................17 1.1 A política de assistência social: aspectos legais.................................................................... 28 1.2 A política de assistência social em Fortaleza........................................................................ 37 1.3 Os programas de transferência de renda.................................................................................40 1.3.1 O Cadastro Único e o acesso ao Programa Bolsa Família................................................. 43 2. AS CATEGORIAS DE ANÁLISE: ENTRE CENÁRIO, SUJEITOS E PROBLEMAS.............................................................................................................................50 2.1 O combate à extrema pobreza e à pobreza: meta a ser alcançada pelo Programa Bolsa Família..........................................................................................................................................51 2.2 Matricialidade, família e gênero: a mulher no centro das políticas públicas.........................58 2.3 A autonomia adquirida pela mulher no cenário familiar: um novo poder de decisão?..........64 3. O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM ANÁLISE: UM ESTUDO DE CASO COM AS MULHERES QUE PARTICIPAM DO GRUPO DE FAMÍLIA NO BAIRRO GRANJA PORTUGAL.............................................................................................................................. 67 3.1O percurso teórico-metodológico para a construção e investigação do objeto.......................70 3.1.1Os procedimentos utilizados para a maior aproximação com o objeto................................70 3.1.2O lugar da pesquisa: Centro de Referência de Assistência Social – CRAS Granja Portugal.........................................................................................................................................73 3.1.3Os sujeitos da pesquisa: as mulheres beneficiárias do Programa Bolsa Família que participam do grupo de família no CRAS Granja Portugal..........................................................74 3.2O perfil das responsáveis familiares do Programa Bolsa Família...........................................75 3.3A ótica das mulheres beneficiadas pelo Programa Bolsa Família...........................................80 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................... 99 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................. 104 APÊNDICES.............................................................................................................................109 11 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CadÚnico - Cadastro Único CAEN – Centro de Aperfeiçoamento de Economistas do Nordeste CAPs – Caixas de Aposentadoria e Pensão CAS – Coordenadoria de Assistência Social CASSI– Coordenadoria de Políticas Públicas de Assistência Social CentroPop – Centro de Referência da População Rua CF/88 – Constituição Federal CGU – Controladoria Geral da União CIBs – Comissões Intergestores Bipartite CITs – Comissão Intergestores Tripartite CLT – Consolidação das Leis do Trabalho CMAS – Conselho Municipal de Assistência Social CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social CNH Popular – Carteira Nacional de Habilitação Popular COEDUC – Coordenadoria de Educação CRAS – Centro de Referência de Assistência Social CRAS GP – Centro de Referência de Assistência Social Granja Portugal CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social DAS – Distrito de Assistência Social DRU – Desvinculação das Receitas da União EAN – Espaço de Acolhimento Noturno para População de Rua ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço FHC – Fernando Henrique Cardoso FMAS – Fundo Municipal de Assistência Social FSSF – Fundação de Serviço Social de Fortaleza IAPs – Institutos de Aposentadorias e Pensões IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICS – Instâncias de Controle Social IDH – Índice de Desenvolvimento Humano IGD – Índice de Gestão Descentralizada INPS – Instituto Nacional de Previdência Social IPECE – Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará LBA – Legião Brasileira de Assistência LEP – Laboratório de Estudos da Pobreza LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social ME – Ministério da Educação MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social MS – Ministério da Saúde 12 NOB/SUAS – Norma Operacional Básica/ Sistema Único de Assistência Social NIS – Número de Identificação Social PAC – Programa De Aceleração Do Crescimento PAIF – Programa de Atenção Integral às Famílias PAF – Programa de Acompanhamento Familiar PBF – Programa Bolsa Família PETI – Programa De Erradicação Do Trabalho Infantil PMF – Prefeitura Municipal de Fortaleza PNAS - Política Nacional de Assistência Social PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNPM – Plano Nacional de Políticas para as Mulheres PRONATEC – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego PSB - Proteção Social Básica PSE - Proteção Social Especial RF – Responsável Familiar SEDAS –Secretaria Municipal de Educação e Assistência Social SEMAS - Secretaria Municipal de Assistência Social SICON – Sistema de Gestão de Condicionalidades SMDS– Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SESC– Serviço Social do Comércio SESI – Serviço Social da Indústria SER‟s – Secretarias Executivas Regionais SETAS– Secretaria do Trabalho e Ação Social SICON – Sistema de Gestão de Condicionalidades SIBEC – Sistema de Benefícios ao Cidadão SINPAS – Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social SUAS – Sistema Único de Assistência Social TCU – Tribunal de Contas da União UFC – Universidade Federal do Ceará 13 INTRODUÇÃO As disparidades no contexto histórico, político e econômico do Brasil, nos fazem conhecer as crises, os avanços e retrocessos que o País teve de percorrer ao longo dos anos no transcorrer do seu desenvolvimento, principalmente no âmbito da assistência social. O processo de maior impacto em nível nacional refere-se à dinâmica sofrida pela sociedade devido às transformações ocorridas no mundo do trabalho, determinados pela lógica capitalista. Tais transformações ocorrem concomitantemente ao desenvolvimento da globalização, e com ela vêm atreladas as altas taxas de desemprego, que desencadearam o agravamento das mais diversas expressões da questão social, como a pobreza, a fome, a violência, a criminalidade, dentre outras. Enfim, para tentar resolver essa onda de mazelas que se instala na sociedade atual, o Estado, em vez de atender ao aumento da demanda por serviços sociais, tem reduzido seu papel no enfrentamento da questão social. O que se vê é a transferência de responsabilidades sociais para o chamado terceiro setor, a partir da perspectiva de solidariedade e de despolitização da sociedade, em detrimento da organização política em torno da universalização dos direitos sociais. O presente estudo tem como objetivo investigar como as mulheres beneficiárias do Programa Bolsa Família – PBF residentes no bairro Granja Portugal, concebem o Programa, bem como buscar compreender as mudanças ocorridas em suas vidas após a inserção neste programa de transferência de renda. Para isso faz-se necessário compreender o papel da mulher no combate à pobreza; conhecer as transformações ocorridas em sua vida e de sua família após a inserção no PBF, bem como suas perspectivas; apreender o que é ser pobre na concepção das mulheres beneficiárias; entender as relações de gênero no contexto familiar; compreender a relevância do PBF na vida das mulheres. A Assistência Social passa a ser concebida como direito social, ou seja, é dever do Estado e direito do cidadão conforme estabelecido na Constituição Federal de 1988, no artigo 203: “A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social”. E com a instituição da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, da Política Nacional de Assistência Social e do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, é perceptível que a assistência social 14 valoriza-se cada vez mais como política pública, que visa ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais e à universalização dos direitos sociais. Na década de 1990, os programas de transferência de renda ganham maior visibilidade. O governo passa a utilizá-los como política social que visa atender às necessidades básicas das famílias. Nesta mesma década que tem-se o desenvolvimento de diversos auxílios destinados a suprir as necessidades das famílias que estavam em situação de pobreza, dentre os quais mencionam-se o: auxílio gás, bolsa alimentação, bolsa escola, entre outros. No ano de 2003, o governo federal decide unificar num só cartão todos os benefícios. É nesse momento que surge o Programa Bolsa Família – PBF, que em pouco tempo é transformado no maior programa de transferência de renda do País. O PBF é criado mediante a Lei 10.836, de 09 de janeiro de 2004. O Programa agrega condicionalidades de acesso como critério para garantir o recebimento do benefício, ou seja, a família deve cumprir com suas responsabilidades no que se refere à área da assistência social, saúde e educação. O seu público alvo são aquelas famílias que vivem situadas na linha de pobreza, identificada por uma renda mensal de até R$70,01 (setenta reais e um centavo) a R$ 140,00 (cento e quarenta reais) por pessoa, ou extrema pobreza, identificada por uma renda mensal de até R$ 70,00 (setenta reais) por pessoa. Visa combater a fome e a pobreza, através da garantia de uma renda mínima que ajude as famílias a ultrapassar a situação de risco em que vivem. O interesse pela temática vem desde o período em que a pesquisadora residia no interior do Estado, pois várias críticas eram feitas ao Programa, como por exemplo: “as pessoas não querem mais trabalhar”; “o dinheiro é usado para comprar roupa, móveis e não para prover a segurança alimentar”. Mas, por meio das observações, era perceptível que o recurso pecuniário proveniente do Bolsa Família era utilizado de forma diferenciada pelas beneficiárias, o que aguçou a curiosidade da pesquisadora tanto sobre o perfil e a realidade do público-alvo, quanto sobre os impactos do Programa em suas condições de vida. O empenho pela referida área e pela temática ampliou-se cada vez mais, visto que, ao adentrar no âmbito acadêmico, a pesquisadora sempre esteve atenta a tudo que se referia à assistência social. As experiências de estágio favoreceram maior aproximação com o objeto de pesquisa, já que este sempre esteve vinculado à Proteção Social Básica – PSB, no âmbito da qual situa-se o Cadastro Único e o PBF. O contato 15 com as beneficiárias do Bolsa Família também impulsiona o desenvolvimento da pesquisa, pois as observações iniciadas no interior do Estado do Ceará permaneceram presentes no campo de estágio na capital – Fortaleza. A metodologia utilizada para alcançar os objetivos propostos neste trabalho tem por base a pesquisa quanti-qualitativa, que aborda não só o perfil socioeconômico das mulheres beneficiárias do PBF que participam do Grupo de Família no CRAS – Granja Portugal, mas também suas concepções, motivações, sentimentos e perspectivas após a inserção no referido Programa. Desse modo, foram aplicados questionários com o intuito de recolher informações para serem tabuladas e posteriormente analisadas. Já por meio das entrevistas estruturadas, onde o roteiro já está elaborado, procurou-se compreender a realidade complexa em que vivem as mulheres, bem como compreender as contradições, as angústias e as perspectivas das mulheres mediante um papel de tamanha responsabilidade, que é ser responsável familiar pelo recebimento do benefício. A pesquisa bibliográfica e documental também foram fontes de extração de conhecimentos e de dados relevantes para o desenvolvimento do estudo, pois permitem a análise de dados já registrados anteriormente. O espaço geográfico do bairro Granja Portugal, localizado na periferia da cidade de Fortaleza, é o local onde a pesquisa de campo se desenvolve. A escolha da territorialidade deve-se ao fato da pesquisadora ter sido estagiária do Serviço Social, no Centro de Referência de Assistência Social – Granja Portugal (CRAS - GP), localizado na Rua Humberto Lomeu, nº 1230, bairro Granja Portugal. Os sujeitos da pesquisa são mulheres beneficiárias do PBF, que frequentam o grupo de família do CRAS Granja Portugal. Dentre as mulheres pesquisadas estão: Violeta, que tem 43 anos, é casada, natural de Fortaleza, tem cor parda e possui três filhos. Já Margarida tem 39 anos, é solteira, natural de Madalena (cidade interiorana do Estado do Ceará), de cor parda e tem quatro filhos. Rosa tem 33 anos, é solteira, natural de Fortaleza, de cor parda e tem quatro filhos. Flor de Liz tem 37 anos, é casada, natural do Piauí, de cor parda e tem quatro filhos. O estudo encontra-se estruturado em três capítulos. O primeiro capítulo, intitulado “A Política de Assistência Social no Brasil: a trajetória histórica e a análise de conjuntura da Assistência no País” busca analisar desde os primórdios do desenvolvimento da política de assistência no Brasil, apresentando os seus marcos legais, assim como o seu desenvolvimento e sua atuação na cidade de Fortaleza. Neste 16 capítulo também são abordados de forma mais específica, o Cadastro Único e o Programa Bolsa Família. O segundo capítulo denominado “As Categorias de Análise: entre cenário, sujeitos e problemas”, aborda uma análise conjuntural das mudanças ocorridas na vida das mulheres antes e depois de sua inserção como beneficiária do Programa. Possibilita a compreensão de como as mulheres veem o PBF, no que diz respeito à inserção social, poder econômico, afirmação no espaço doméstico (poder de decisão, de compra) e ampliação do acesso a serviços públicos de educação e saúde, visando melhor qualidade de vida para sua família. No terceiro capítulo, nomeado “O Programa Bolsa Família em análise: um estudo de caso com as mulheres que participam do grupo de família no CRAS Granja Portugal”, busca-se apresentar o pensamento e compreender a concepção das beneficiárias a respeito do Programa, e conhecer as perspectivas anteriores e posteriores à sua inserção, assim como o que elas almejam para o futuro. Através deste estudo propõe-se uma reflexão crítica sobre a realidade em que a sociedade brasileira está inserida, marcada por profundas desigualdades sociais. Ao mesmo tempo, busca-se fazer uma análise do Bolsa Família tomando-se como referência a população do bairro Granja Portugal da cidade de Fortaleza, cujas condições de vida refletem a situação de pobreza e de extrema pobreza em que vivem as famílias atendidas pelo Programa em todo o país. Faz-se necessário compreender a conjuntura presente buscando conhecer, analisar e avaliar os limites da Política de Assistência Social, que, embora seja reconhecida como uma política social que visa assegurar o acesso aos direitos sociais, em sua trajetória encontra limites estruturais que comprometem a sua efetivação. Isso ocorre devido à própria lógica do sistema capitalista, que rege toda a vida social, política, econômica, histórica e cultural do País, limitando a área de cobertura dos programas e projetos sociais, selecionando e focalizando as ações da política de assistência social, tendo em vista expandir o espaço do mercado. 17 1. A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL: A TRAJETÓRIA HISTÓRICA E A ANÁLISE DE CONJUNTURA DA ASSISTÊNCIA NO PAÍS. A assistência social no Brasil passa por uma série de transformações ao longo dos anos. Ela inicia sua trajetória como ação voltada para o assistencialismo, que ainda hoje perdura em nosso meio, mediante práticas clientelistas. No final do século XX ocorre o desenvolvimento da assistência social com caráter de política pública inserida no âmbito da seguridade social, no mesmo patamar que a saúde e a previdência social. Neste sentido, a política de seguridade social possui como objetivo fazer o enfrentamento da questão social1, a qual é compreendida não como resultado das desigualdades sociais produzidas na sociedade capitalista, fruto das relações contraditórias entre capital e trabalho, mas sim como caso de polícia, conforme afirmava o então presidente Washington Luís, o último presidente da República Velha, esteve no comando do governo entre 1926 a 1930. Ou seja, o crescimento significativo das organizações e lutas operárias que contestavam as péssimas condições de trabalho, de salário e de vida da classe operária é visto como um movimento de revoltosos e de criminosos que afetam a ordem vigente. Com as reivindicações da classe trabalhadora em torno de melhores condições de trabalho e de vida é que as expressões da questão social como, por exemplo, a fome, a pobreza, a violência, o desemprego, entre outras refrações, são compreendidas sob outra ótica, a dos direitos sociais. A burguesia, sentindo-se ameaçada pela inserção dos trabalhadores no cenário político, vê nas ações jurídicas do Estado uma forma de conter as manifestações do proletariado, garantindo, por meio das Leis Sociais, o reconhecimento de sua cidadania social. Assim, o Estado amplia sua função de regulador da vida social. 1 De acordo com Iamamoto (2001, p.p 10 – 11), entende-se por questão social a expressão ampliada das desigualdades sociais: o anverso do desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social. Sua produção/reprodução assume perfis e expressões historicamente particulares na cena contemporânea. Requer, no seu enfrentamento, a prevalência das necessidades da coletividade dos trabalhadores, o chamamento à responsabilidade do Estado e a afirmação de políticas sociais de caráter universal, voltadas aos interesses das grandes maiorias, condensando um processo histórico de lutas pela democratização da economia, da política, da cultura na construção da esfera publica. 18 No final da primeira década do século XX, o Estado cria as normas jurídicas para regulamentar e controlar os contratos de trabalho, fato que marca o início da formação da legislação social brasileira. A primeira lei, em 1919, refere-se ao seguro em relação aos acidentes de trabalho. Em 1920, surge a Comissão Especial de Legislação Social com a função de analisar as iniciativas referentes à área trabalhista. Em 1923, a Lei Elói Chaves2 cria as Caixas de Aposentadoria e Pensão – CAPs –, as quais asseguravam alguns benefícios como assistência médica, férias, aposentadoria, pensões para dependentes e auxílio funerário aos trabalhadores de empresas ferroviárias, portuárias, marítimas, entre outras. Em 1933, surge os Institutos de Aposentadorias e Pensões – IAPs, extinguindo assim as CAPs. É a partir dos IAPs que o sistema público de previdência passa a se desenvolver no Brasil. Com a crise do capital no final da década de 1920, tem-se o início das mudanças referentes às relações entre Estado e sociedade, cuja política social brasileira sob o governo de Getúlio Vargas amplia direitos historicamente conquistados pelos trabalhadores. Em 1930 surge o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, e a partir deste, surge a Carteira de Trabalho, documento que assegura alguns direitos para os trabalhadores que estão empregados com carteira registrada. “Progressivamente o Estado brasileiro passa a reconhecer a questão social como uma questão política a ser resolvida sob sua direção.” (SPOSATI, et al, 2008, p.42). A partir de então, a assistência social se configura em duas esferas: primeiro como ação governamental voltada para a prestação de serviços e, segundo, como uma amortização das tensões sociais. Segundo Behring e Boschetti (2009), em 1942, a assistência social inicia seu processo de centralização no âmbito federal, por meio da então primeira dama Darcy Vargas, que funda a primeira grande instituição de assistência social, a Legião Brasileira de Assistência – LBA3, reconhecida por sua colaboração com o Estado, visto que esta 2 Segundo Iamamoto e Carvalho (2009), a partir da lei criada pelo Decreto nº 4.682 - de 24 de janeiro de 1923 lançam-se as bases para o desenvolvimento da futura política de Seguro Social, a iniciativa tem origem devido à proposta de um grupo de empresários do setor de ferrovias de São Paulo. Em 1930 assiste-se a expansão dos Seguros Sociais. A lei que até então havia criado as Caixas de Aposentarias e Pensões ampliação a sua cobertura fazendo surgir os Institutos de Aposentadorias e Pensões, os IAPs, que passam a abranger as categorias profissionais englobando o maior número de funcionários assalariados que vivem na área urbana e que trabalham no setor público e privado. 3 A LBA foi criada pelo Decreto-lei nº 4. 830, de 15 de novembro de 1942 e transformada em Fundação pelo Decreto-lei nº 83. 148, de 8 de fevereiro de 1969. Sempre presidida por uma primeira-dama e reconhecida como órgão de colaboração com o Estado no tocante aos serviços de assistência social. 19 instituição surge para atender as famílias “dos pracinhas” envolvidos na Segunda Guerra Mundial. Este fato ressalta as características de tutela, favor e clientelismo na relação entre Estado e sociedade no Brasil. De acordo com Sposati (2008, pp. 45 – 46), a LBA “Representa a simbiose entre a iniciativa privada e a pública, a presença da classe dominante enquanto poder civil e a relação benefício/caridade x beneficiário/pedinte, conformando a relação básica entre Estado e classes subalternas.”. Nesse período, outros marcos da política social foram: a criação do salário mínimo, em 1940; a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT em, 1943; a criação do “sistema S” (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI, Serviço Social do Comércio –SESC, Serviço Social da Indústria – SESI). Tais medidas foram de suma importância para o campo assistencial, contudo o principal intuito dos governos populistas, no período de 1930 a 1964, é desenvolver economicamente o Brasil, tanto que o País fora marcado pelo processo de urbanização e industrialização, embora mantendo sua raiz agrárioexportadora. O período que compreende os anos de 1946 a 1964 é marcado pelo desenvolvimentismo que impulsiona os setores econômicos do País, por meio do Plano de Metas – cujo lema é “crescer 50 anos em 5” –, do presidente Juscelino Kubitschek. Este Plano propõe um salto na economia brasileira, por meio da estratégia de substituição de importações, ou seja, o Brasil passa a produzir os produtos que até então importa de outros países. Tal processo acirra as lutas sociais tanto nas cidades, como no campo mediante as ações das Ligas Camponesas, movimento social que trata da organização dos trabalhadores do campo, cujo objetivo é lutar por reforma agrária e contra os grandes latifundiários que concentram ampla parte das terras brasileiras em seu domínio. A política social durante a Era Vargas (1930 – 1945) e o Populismo (1946 – 1964) tem sua expansão marcada por um processo lento e seletivo, destacando que nesse período a separação entre os Ministérios da Saúde e da Educação em 1953, e a criação de novos IAPs. Já no período tecnocrático-militar compreendido entre 1964 a 1985 há uma abertura política voltada para o desenvolvimento de política social. Os militares passam a se preocupar com a classe pauperizada, que cada vez mais se organizava em torno de 20 um movimento organizado e consciente. Contudo a intenção real dos militares é manterse no poder, e desmobilizar os movimentos sociais que lutam por reformas sociais. O Estado naquele momento tinha grandes planos para acelerar o crescimento econômico e social do País. A burguesia da época associava-se ao capital estrangeiro, o intuito é “deixar o bolo crescer para depois dividir”, mas, como a divisão não faz parte da lógica do capital, isso não ocorre. A questão social passa a ser enfrentada ora por meio da repressão, ora por meio da assistência. De acordo com Pereira (2008, p.37), “A política social é então, utilizada como estratégia de enfraquecimento das organizações populares e não como uma medida eficaz para atender as necessidades sociais.”. No período da ditadura militar foram criadas diversas instituições que apontaram avanços na área social, tais como: o Instituto Nacional de Previdência Social – INPS (1966) que representa a unificação dos IAPs, ou seja, aumenta o número de categorias cobertas pela previdência (por exemplo, os trabalhadores rurais) e benefícios, (tais como: seguros de acidentes pessoais); o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS (1967); o Ministério da Previdência e Assistência Social – MPAS (1974); e o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social – SINPAS (1975). As inovações mencionadas restringem-se aos contribuintes da previdência; os demais trabalhadores contam com ações ligadas à filantropia. De acordo com Behring e Boschetti (2009) uma das principais heranças da ditadura militar refere-se aos espaços abertos nas áreas de saúde, previdência e educação privada, pois configura o acesso às políticas sociais em dois aspectos o primeiro para aqueles que podem pagar pelo serviço. O segundo, para aqueles que necessitam pelo mérito da pobreza. A partir de 1974, as fissuras do projeto tecnocrático e modernizador-conservador começam a ficar mais visíveis em função do esgotamento do “milagre econômico brasileiro” 4. O Brasil nos anos seguintes inicia uma abertura lenta e gradual rumo à democracia. 4 Sobre este momento, Behring (2008, p. 134) assinala que foi um período no qual havia as condições políticas – a ditadura militar no seu período mais duro – para a instalação de grandes unidades produtivas transnacionais, num momento de forte liquidez de capital e de abundância de crédito. Ainda de acordo com a autora o milagre econômico brasileiro foi sustentado a partir de alguns processos: um êxodo rural de grandes proporções, concentrando força de trabalho barata no espaço urbano, que foi absorvida pela construção civil e pela indústria manufatureira de bens duráveis; e o oferecimento de facilidades para empréstimos privados a juros flutuantes, mesmo, muitas vezes, sem garantias de investimento produtivo. 21 Pensar sobre as políticas sociais, em especial sobre a política de assistência social brasileira, pressupõe decifrar o contexto de crise e contradições vivenciado pela sociedade capitalista. As crises são inerentes à dinâmica do sistema capitalista, mas para enfrentar a crise estrutural5 que se inicia na década de 1970, o capital não pode assumir compromissos sociais. Entre as expressões desta crise, destacam-se: a crise do petróleo, fazendo com que o valor do produto aumentasse; a crise do padrão de acumulação taylorista/fordista, transformando, consequentemente, as relações de trabalho; a queda da taxa de lucro, em decorrência do excesso de produção; a crise do Welfare State; e a intensificação das lutas sociais. Buscando superar a crise e garantir a acumulação capitalista, o capital realiza um processo de reestruturação econômica e política que afeta diretamente o mundo do trabalho, a materialidade e a subjetividade da classe trabalhadora. Tal processo pressupõe a reforma do Estado para efetivação do projeto neoliberal, cujas principais diretrizes são: liberalização comercial e financeira, privatização de empresas estatais, desregulamentação dos direitos sociais e trabalhistas, redução dos gastos públicos e focalização das políticas sociais. Para Behring e Boschetti (2009, p. 127), A hegemonia neoliberal da década de 1980 nos países capitalistas centrais não foi capaz de resolver a crise do capitalismo nem alterou os índices de recessão e baixo crescimento econômico, conforme defendia. As medidas implementadas, contudo, tiveram efeitos destrutivos para as condições de vida da classe trabalhadora, pois provocaram o aumento do desemprego, destruição de postos de trabalho não-qualificados, redução dos salários devido ao aumento da oferta de mão-de-obras e redução dos gastos com as políticas sociais. Com a mundialização do capital, sob o modelo de acumulação flexível, a classe trabalhadora, que depende da venda de sua força de trabalho para sobreviver, é cada vez mais explorada em nome do lucro capitalista. Nesse contexto, marcado pelo crescimento do capital financeiro, aprofundam-se as desigualdades sociais, com o aumento da concentração de renda, do desemprego e da precarização do trabalho, agravando a questão social, cuja manifestação imediata é a pobreza. 5 Para conhecimento e análise mais aprofundada sobre a crise do capital, ver Ricardo Antunes, David Harvey, entre outros. 22 As contradições expressas por meio das diversas expressões da questão social dão origem ao desenvolvimento das políticas sociais, que se configuram como respostas – geralmente setorializadas e fragmentadas – aos movimentos reivindicatórios da classe trabalhadora. Tais políticas têm origem na Europa, no final do século XIX, com o surgimento do pauperismo e do movimento trabalhista de caráter socialista, resultados da intensa onda de industrialização no continente. No Brasil, elas só se desenvolveram a partir do início do século XX, num cenário econômico, político e social marcado pela industrialização tardia, pelo crescimento do proletariado urbano e por sua organização e luta política em busca de direitos sociais. O que é mais contraditório e singular na realidade brasileira é que o desenvolvimento e a ampliação das políticas sociais ocorrem em períodos de governos autoritários e antidemocráticos. De acordo com Behring e Boschetti (2009, p. 136) “a questão social, passa a ser enfrentada num mix de repressão e assistência, tendo em vista manter sob controle as forças do trabalho que despontavam”. Compreende-se, então, que a política social passa a ser implementada mais como um mecanismo de controle sobre a classe operária, do que como uma medida que visa atender efetivamente às suas necessidades. Mais uma vez, a preocupação centra-se em conter os ânimos dos trabalhadores e manter o equilíbrio da ordem social burguesa. Na década de 1980, a sociedade brasileira encontra-se mergulhada na inflação, devido à crise do chamado “milagre brasileiro” e à recessão econômica; do ponto de vista social, a população vê o aprofundamento da miséria, da exclusão e da desigualdade social. Os anos 1990, por sua vez, inauguram as medidas neoliberais, cujos efeitos, segundo Behring e Boschetti (2009, p. 139) têm impactos severos no continente latinoamericanos, tais como: Empobrecimento generalizado da América Latina, especialmente no seu país mais rico, o Brasil; crise dos serviços sociais públicos num contexto de aumento da demanda em contraposição a não expansão dos direitos; desemprego; agudização da informalidade da economia; favorecimento da produção para exportação em detrimento das necessidades internas. Ou seja, características regionais preexistentes à crise da dívida foram exacerbadas no contexto dos anos 1980, quando a estagnação chega à periferia, fazendo cair os índices de crescimento, deslegitimando os governos militares e dando fôlego às transições democráticas, tendo como sua maior expressão o endividamento. 23 A partir do referido momento, o Estado e a sociedade têm suas relações redefinidas, pois entra em cena o projeto neoliberal, que defende a redução da responsabilidade do Estado para com as classes subalternas, estabelecendo que o poder público garanta apenas os mínimos sociais para a população. Neste cenário vê-se uma regressão da política de assistência social, que ganhara estatuto de política pública constitutiva do sistema de seguridade social na “Constituição Cidadã” de 1988. As ações assistenciais passam por um processo de refilantropização, ou seja, o Estado passa a ser desresponsabilizado pelo enfrentamento da questão social. A sociedade torna-se autorresponsável por seus problemas sociais, entrando em cena o terceiro setor, por meio de ações desenvolvidas por organizações não governamentais – ONGs6, entidades filantrópicas, organização da sociedade civil de interesse público – OSCIP7 e organizações sem fins lucrativos, entre outras que atuam no desenvolvimento de projetos socioeducativos. Para Raquel Raichelis (2009, p.385) nesse processo, O Estado deixa de prestar serviços diretos à população e passa a estabelecer parcerias com organizações sociais e comunitárias, incluindo-se aí as fundações e institutos empresariais que, atualizando seu discurso, convertem a assistência social e a finlantropia para a linguagem do capital – agrega valor ao negócio, responsabilidade social das empresas, ética empresarial são alguns dos termos que passam a ser recorrentes. Sobre a afirmação da assistência como política social inserida no âmbito da seguridade social, Oliveira (2003, p. 11) afirma que: “trata-se de uma incorporação tardia e em uma conjuntura marcada por reformas que argumentam a necessidade da adequação da seguridade social brasileira às exigências do ajuste neoliberal.”. Isto leva ao entendimento de que a assistência social nasce para atender as pessoas que não têm como prover sua subsistência. 6 As ONG‟s atuam no terceiro setor da sociedade civil. São organizações que atuam em diversas áreas, tais como: meio ambiente, assistência social, saúde, educação, desenvolvimento sustentável, entre outras. Elas possuem funções importantes na sociedade, pois seus serviços chegam em locais e situações em que o Estado é pouco presente. Muitas vezes trabalham em parceria com o Estado e seus recursos advêm de financiamentos dos governos, empresas privadas, venda de produtos e da população em geral (através de doações). Grande parte da mão-de-obra que atua nas ONGs é formada por voluntários. 7 As OSCIP's são entidades privadas atuando em áreas típicas do setor público, e o interesse social que despertam merece ser, eventualmente, financiado, pelo Estado ou pela iniciativa privada, para que suportem iniciativas sem retorno econômico. 24 De acordo com Mota, “o acesso aos direitos sociais estão condicionados aos processos sociais” (apud OLIVEIRA, 2003, p.11), ou seja, são dependentes das relações de forças entre as classes. Segundo Behring e Boschetti (2009, p. 156), a tendência geral tem sido a de restrição e redução dos direitos, sob o argumento da crise fiscal do Estado, transformando as políticas sociais (...) em ações pontuais e compensatórias direcionadas para os efeitos mais perversos da crise. As possibilidades preventivas e até eventualmente redistributivas tornam-se mais limitadas, prevalecendo o já referido trinômio articulado ao ideário neoliberal para as políticas sociais, qual seja a privatização, a focalização e a descentralização. Sendo esta última estabelecida não como partilhamento de poder entre esferas públicas, mas como mera transferência de responsabilidades para entes de federação ou para instituições privadas e novas modalidades jurídico-institucionais correlatas componente fundamental da “reforma” e das orientações dos organismos internacionais de proteção social. A década de 1980 passa a ter um duplo reconhecimento, pois a mesma é vista como a década economicamente perdida, em função do grave contexto em que se encontra inserido o País. Ao mesmo tempo, como um período de conquistas democráticas em virtude das lutas sociais e da promulgação da Constituição Federal de 1988, o início dos anos de 1980 é marcado pelo aumento do desemprego e pela crise da dívida interna e externa·. Fatores que ratificam a denominação de década perdida, marcada por uma intensa estagnação econômica. O Estado passa então a ser “satanizado”. Conforme assinala Behring (2008, p. 134), A crise dos serviços sociais públicos; o desemprego; a informalização da economia; o favorecimento da produção para a exportação em detrimento das necessidades internas. Ou seja, características regionais preexistentes à crise da dívida foram exacerbadas no contexto dos anos 1980. No contexto político da Nova República, o então presidente José Sarney (1985 – 1990) propõe o Plano Cruzado na tentativa de tirar a nação brasileira da crise, o plano fracassa,pois não consegue equilibrar a economia do País, a inflação, a dívida externa e interna só aumentam, junto à crise cresce a insatisfação dos empresários e da sociedade que se sentem enganados mediante as medidas propostas apresentadas pelo plano, tal medida provoca o avanço do movimento sindical e popular. O contexto econômico em que o Brasil adentra na década de 1990 pouco se difere da década anterior. Conforme afirma Behring (2008, p. 137), o País está “paralisado pelo baixo nível de investimento privado e público; sem solução consistente para o problema do 25 endividamento; e com uma situação social gravíssima.” Assim, a política social do governo Sarney tem como principal ação o Programa do Leite8, que se desenvolve com caráter seletivo e fragmentado. Em 1988 é promulgada a nova Constituição Federal – CF/88, denominada de “Constituição Cidadã”, porque traz para os trabalhadores e para os movimentos sociais a retomada do Estado democrático de direito. O povo brasileiro aspira por liberdade democrática, redução das desigualdades, acesso aos direitos sociais, soberania da nação e reforma agrária. Assim, é a partir da Constituição Federal de 1988 que se tem o marco legal para as transformações da sociedade brasileira. Ela redefine o papel da assistência social no País, qualificando-a como política pública de seguridade social. Conforme o Artigo 194 da CF/88: A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo único Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I - universalidade da cobertura e do atendimento; II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV - irredutibilidade do valor dos benefícios; V equidade na forma de participação no custeio; VI - diversidade da base de financiamento; VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. (p.53). Nas eleições de 1989 tem-se a tensão entre dois projetos antagônicos: de um lado o projeto neoliberal, representado por Fernando Collor de Melo, e, do outro, o projeto democrático, representado por Luis Inácio Lula da Silva. Na disputa eleitoral Collor é eleito e junto com ele instala-se no Brasil uma onda neoliberal, vista como tardia, embora seus traços em solos brasileiros tivessem sido delineados inicialmente na década passada. 8 Desde o início do governo, o presidente Sarney investiu em políticas sociais. A bandeira vinha no slogan “Tudo pelo Social”. Dentro dessa estratégia, um dos programas de maior destaque do governo foi o Programa Nacional do Leite.Criado no primeiro ano da Nova República, o Programa Nacional do Leite beneficiava três milhões de crianças carentes em 1987. O êxito foi reconhecido internacionalmente e apontado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a iniciativa mais importante do mundo, naquela época, na área de assistência governamental, modelo a ser seguido por países que conviviam com elevadas taxas de desnutrição.Ver mais em: http://josesarney.org/o-politico/presidente/politicas-dogoverno/programa-nacional-do-leite/ 26 Dentro da lógica neoliberal, Boschetti (2009) afirma que há um permanente e gradual desmonte da Seguridade Social, tendo em vista que os princípios da universalidade e a gestão descentralizada e democrática de acesso dos direitos estão sendo desconsiderados. A autora menciona três caminhos que direcionam a desconsideração do que é posto pela Constituição Federal de 1988: O primeiro caminho do desmonte é o da desconfiguração dos direitos previstos constitucionalmente. Estes não foram nem uniformizados e nem universalizados.(...) a política de assistência (...) é restritiva e os benefícios, serviços e programas não atingem mais dos que 25% da população que teria direito; O segundo caminho do desmonte é a fragilização dos espaços de participação e controle democráticos previstos na Constituição; A terceira, e talvez mais destrutiva forma de desmonte, é a via do orçamento. As fontes de recurso não foram diversificadas, contrariando o dispositivo constitucional, e permanece a arrecadação predominantemente sobre a folha de salários. (BOSCHETTI, 2009, p.p 333 – 334) Nesse último caminho ocorre um “desvio” do dinheiro por meio da Desvinculação das Receitas da União – DRU9, que destina os recursos da Seguridade Social para o pagamento da dívida pública. Quanto ao recurso advindo para o financiamento da seguridade social, este provém da folha de pagamento dos empregadores e empregados, caracterizando o caráter regressivo da seguridade, que não transfere renda do capital para o trabalho. Vale ressaltar que a maior parte dos recursos da seguridade é destinada para a previdência (60%); em segundo lugar vem a saúde, com (14%); e, em terceiro, fica a assistência, com (6%); o restante do orçamento é destinado aos demais programas, projetos e serviços ofertados pelo governo. O presidente propõe o Plano Collor para “salvar a economia nacional”, mas suas ações voltam-se contra ele: a inflação aumenta,o Plano fracassa, o País “abre os braços” ao processo de privatização. Em seu governo é vetada a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS. Enfim, o caos em que a Nação se encontra culmina num momento histórico, o impeachtment, organizado pelos estudantes “caras pintadas”, que finda com Collor deposto. O vice-presidente, Itamar Franco, assume o poder com uma grave herança socioeconômica, dentre as mazelas cita-se a inflação, o desemprego, a fome e a 9 De acordo com o Ministério do Planejamento, a DRU objetiva dar maior flexibilidade à alocação dos recursos públicos. A principal fonte de receita é o IPI e o Imposto de Renda. Ver mais em: http://www.planejamento.gov.br/link_secretaria.asp?cod=478&cat=51&sec=8&sub=129# 27 indigência que afeta a população brasileira. Tentando conter os ânimos da classe burguesa e proletária, Itamar procura governar com o intuito de trazer um entendimento nacional e estabilização econômica para o País. Na área social de seu governo destacase a aprovação da LOAS, Lei que regulamenta os pressupostos constitucionais e que institui os benefícios, os serviços, os programas e os projetos destinados ao enfrentamento da questão social que afeta a população vulnerabilizada. Na eleição de 1994 é eleito como presidente da República o ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso – FHC, que na época pensa num plano de estabilização econômica, o Plano Real, para “salvar” o País da hiperinflação e que consequentemente o leva à vitória como presidente. Segundo Behring (2008, p. 158) “trata-se de uma verdadeira restrição externa ao crescimento, de uma adaptação regressiva ao capitalismo mundial, de uma desestruturação sistêmica e, por fim, de uma vulnerabilidade nunca dantes vista.”. No governo Lula, que tem como slogan de campanha, “Brasil, um país de todos” atua de forma dicotômica, pois busca claramente atender as demandas da classe burguesa e proletária, visto que no âmbito econômico tem-se o favorecimento dos interesses do capital financeiro nacional e internacional e no lado social tem-se a implementação de uma série de programas, projetos e serviços que são direcionados para os segmentos mais pobres da população. Considerando a atual conjuntura socioeconômica e política do Brasil, faz-se mister analisar os limites de atuação da política de assistência, assim como sua concretização e efetivação no que diz respeito ao acesso aos direitos sociais. A afirmação da Assistência Social como política social, necessita ser compreendida e debatida, pois as limitações apresentadas para sua ampliação e execução encontram-se fincadas dentro do sistema capitalista, que domina o cenário contemporâneo, no qual estamos inseridos. As consequências do modelo neoliberal para a política social, de acordo com Telles, “são enormes, não só porque o aumento do desemprego leva ao empobrecimento e ao aumento generalizado da demanda por serviços sociais públicos, mas porque corta os gastos, flexibilizam-se os direitos.” (apud BEHRING, 2008, p. 160). Uma das consequências é a privatização dos serviços públicos e a seletividade das políticas sociais, uma vez que a estrutura oferecida pelo governo não é suficiente para atender a elevada demanda apresentada pela população, isso leva à degradação das 28 condições de vida, de trabalho e de acesso aos direitos sociais, o que fere o principio da universalidade pregado pela Constituição Federal de 1988. 1.1 A política de assistência social: aspectos legais A Assistência Social no Brasil passa a ser concebida como direito social a partir do momento em que é inscrita na Constituição Federal de 1988, sendo este o seu marco histórico social. Na CF/88, mais especificamente nos Artigos 203 e 204, ela é definida como: Art. 203 - A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. Art. 204 - As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no Art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.Parágrafo único. É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a programa de apoio à inclusão e promoção social até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de: I - despesas com pessoal e encargos sociais;II - serviço da dívida;III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados. (p.56) A seguridade social brasileira é instituída a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual incorpora dois modelos: um deles, denominado bismarkiano, está condicionado a uma contribuição mensal e constitui uma espécie de seguro social; e o outro modelo, o beveridgiano, compreende os direitos como universais, devendo garantir os mínimos sociais a todos que estão em condições de necessidade. Conforme afirma Boschetti (2009, p. 324), nossa Constituição restringe a previdência aos trabalhadores contribuintes, universaliza a saúde e limita a assistência social a quem dela necessitar. 29 De acordo com Mota (2010, pp.15–16), “a institucionalização da assistência social como política pública e a consideração dos serviços e benefícios como direitos contratuais dos trabalhadores, colocou a prática da Assistência Social em novos patamares”, ou seja, ela passa a ser interpretada como algo que está além da proteção social, passa a ser compreendida como um fetiche social que é utilizado para enfrentar as desigualdades sociais impostas pelo sistema capitalista. Surge então uma nova clientela e agora mais ampliada, composta por pobres, miseráveis, inaptos para produzir e desempregados. Instala-se na sociedade, um caos social e econômico. A classe dominante passa a observar a assistência social como um caminho pelo qual será possível combater a pobreza, ou pelo menos, um caminho que busca soluções para amenizar as vulnerabilidades da classe proletária atingida pelas desigualdades sociais resultantes da dominação e do controle impostos pelo sistema capitalista. Para que haja a efetivação do acesso aos direitos, surgem diversas leis que asseguram o acesso dos cidadãos aos serviços ofertados no âmbito da assistência social. A Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS10 Lei Nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, surge como o instrumento legal que dispõe sobre a organização da Assistência Social no Brasil. Representa o marco legal para o reconhecimento da assistência social como direito do cidadão brasileiro, isto é, apresenta os pressupostos estabelecidos na CF/88, nos artigos 203 e 204, os quais garantem o acesso aos benefícios, serviços, programas e projetos socioassistenciais oferecidos por alguma instância do Estado. 10 A LOAS, em seu Art. 4º estabelece que: A assistência social rege-se pelos seguintes princípios:I supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica; II universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas; III - respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade; IV - igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais; V divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão. Já em seu Art. 5º define: A organização da assistência social tem como base as seguintes diretrizes: I - descentralização político-administrativa para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e comando único das ações em cada esfera de governo; II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis; III - primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social em cada esfera de governo. 30 A elaboração da LOAS é o pilar necessário para o avanço e construção da política de assistência social no Brasil, pois reconhece e impulsiona o desenvolvimento de ações no âmbito assistencial fazendo com que se concretize o direito do cidadão de acessar os serviços assistenciais e a responsabilidade do Estado de oferecer a prestação de serviços à população. A Política Nacional de Assistência Social – PNAS11, aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, em 2004, expressa a materialidade da assistência social como pilar da seguridade social, ou seja, busca assegurar aos cidadãos a concretização do acesso aos referidos direitos sociais como saúde, educação e assistência social. Seu objetivo compreende a incorporação das demandas da população e o atendimento de tais demandas se efetiva por meio de programas, projetos e serviços ofertados nos diversos equipamentos da rede pública. Hoje há uma nova compreensão de assistência social. Ao longo dos anos mudam não só as concepções, mas também as ações da proteção social. Com isso surge o duplo efeito da assistência: “o de suprir sob dado padrão pré-definido um recebimento e o de desenvolver capacidades para maior autonomia.” (PNAS, 2004, pp. 15–16). A duplicidade surge da nova percepção conferida à assistência que passa a ser compreendida como direito relacionado à proteção social e à seguridade social que assume no desenvolvimento de suas ações, foco na centralidade sociofamiliar identificando dentro da dinâmica demográfica e socioeconômica o processo de exclusão e inclusão social das famílias que vivem em situação de vulnerabilidade social12. 11 São objetivos da PNAS: Prover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e, ou, especial para famílias, indivíduos e grupos que deles necessitarem; Contribuir com a inclusão e a equidade dos usuários e grupos específicos, ampliando o acesso aos bens e serviços socioassistenciais básicos e especiais, em áreas urbana e rural; Assegurar que as ações no âmbito da assistência social tenham centralidade na família, e que garantam a convivência familiar e comunitária. (PNAS, 2004, p. 33). 12 Por vulnerabilidade social, a PNAS (2004, p.33) compreende: Famílias e indivíduos com perda ou fragilidade de vínculos de afetividade, pertencimento e sociabilidade; ciclos de vida; identidade estigmatizadas em termos étnico, cultural e sexual; desvantagem pessoal resultante de deficiências; exclusão pela pobreza e, ou, no acesso às demais políticas públicas; uso de substâncias psicoativas; diferentes formas de violência advinda do núcleo familiar, grupos e indivíduos; inserção precária ou não inserção no mercado de trabalho formal e informal; estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem representar risco pessoal e social. 31 Pretendendo levantar esses dados, a Política trabalha numa perspectiva socioterritorial e para isso divide os municípios brasileiros em grupos organizados: Municípios pequenos 1: com população até 20.000 habitantes; Municípios pequenos 2: com população entre 20.001 a 50.000 habitantes; Municípios médios: com população entre 50.001 a 100.000 habitantes; Municípios grandes: com população entre 100.001 a 900.00 habitantes; Metrópoles: com população superior a 900.000 habitantes. (PNAS, 2004, p.16). A divisão dos municípios permite que a Política analise a situação de vulnerabilidade social de determinado território e por meio dos dados obtidos é possível confrontar a realidade local com a do País buscando trabalhar com as particularidades de cada região. A dinâmica populacional é um relevante indicador para a análise e desenvolvimento de ações, pois, de acordo com o contexto social e econômico, há um processo de reconhecimento das mudanças ocorridas no âmbito territorial e populacional visível, principalmente, nas cidades de médio e grande porte e também nas metrópoles. Nos espaços urbanos é possível verificar uma intensa produção e reprodução das precárias condições de vida e de trabalho. O número de desempregados e de atividades informais aumentam aceleradamente e com isso, a população vê a fragilização das relações sociais expressas na violência, na perda dos vínculos familiares e sociais e, consequentemente no crescimento do número de excluídos e vulnerabilizados. De acordo com a PNAS, isso faz do Brasil um país com um dos maiores índices de desigualdade do mundo. A proposta da PNAS de construir a rede de gestão descentralizada de serviços socioassistenciais visa alcançar maior eficiência, eficácia e efetividade diante das ações executadas. A Política atua pautada em três vertentes: as pessoas, as circunstâncias e a família: “A proteção social exige a capacidade de maior aproximação com o cotidiano da vida das pessoas, pois é nele que riscos, vulnerabilidades se constituem.” (2004, p. 15). É preciso relacionar o individuo com sua realidade, buscando compreender o contexto em que ele está inserido, articulando as três vertentes em sua totalidade e, posteriormente, intervindo para atender as necessidades dos indivíduos que vivem em condição de vulnerabilidade social. A política pública de assistência social visa dar segurança no âmbito da sobrevivência, haja vista buscar que a família alcance rendimentos para prover sua 32 autonomia e segurança alimentar, bem como na vivência familiar. Desse modo, “marca sua especificidade no campo das políticas sociais, pois configura responsabilidades de Estado próprias a serem asseguradas aos cidadãos brasileiros.” (PNAS, 2004, p. 32). A organização da política pública tem como base princípios democráticos que buscam assegurar: I – Supremacia do atendimento; II – Universalização dos direitos sociais; III – Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito; IV – Igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação; V – Divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais. (PNAS, 2004, p.32). As diretrizes da Política estão pautadas na descentralização político administrativa, na participação da população, na primazia da responsabilidade do Estado e por fim na centralidade na família. A política pública de assistência social trabalha articulada com as políticas setoriais para atender as particularidades de cada município, visando ao enfrentamento e também à garantia de acesso aos direitos sociais. Através da Política busca-se prover o atendimento das necessidades e a universalização dos direitos que estão objetivados sob a seguinte perspectiva: Prover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e, ou, especial para as famílias, indivíduos e grupos que dele necessitarem; Contribuir com a inclusão e equidade dos usuários e grupos específicos, ampliando o acesso aos bens e serviços socioassistenciais básicos e especiais, em áreas urbana e rural; Assegurar que s ações no âmbito da assistência social tenham centralidade na família, e que garantam a convivência familiar e comunitária. (PNAS, 2004, p.32). Os cidadãos e grupos usuários da política de assistência social são aqueles que se encontram em situação de risco e vulnerabilidade social. As mulheres pesquisadas para o desenvolvimento da pesquisa enquadram-se no perfil de vulnerabilidade acima exposto, pois vivem numa área periférica da cidade de Fortaleza, o bairro Granja Portugal. Este bairro sofre com a questão da violência, com a falta de saneamento básico, com a precariedade dos equipamentos de saúde, assistência e de educação. Em 2003, durante a IV Conferência Nacional de Assistência Social – CNAS, realizada em Brasília, foi deliberada a criação do Sistema Único de Assistência Social – SUAS um sistema público que organiza, de forma descentralizada, participativa e democrática os serviços socioassistenciais no Brasil. O SUAS tem suas 33 bases de implantação consolidadas em 2005, por meio da sua Norma Operacional Básica do SUAS13 - NOB/Suas, que apresenta as competências de cada órgão federado e os eixos de implementação e consolidação da iniciativa. O SUAS tem como modelo de gestão a gestão participativa, articulando os esforços e recursos dos três níveis de governo – federal, estadual e municipal. Com o intuito de executar e financiar a PNAS, envolve diretamente as estruturas e marcos regulatórios nacionais, estaduais, municipais e do Distrito Federal. De acordo com Simões (2008, p. 307), as funções socioassistenciais do SUAS são respectivamente: a proteção social, a vigilância social e a defesa dos direitos socioassistenciais. Dentre as funções do SUAS é que se desenvolve a pesquisa, pois o trabalho trata especificamente da Proteção Social Básica – PSB visto que a pesquisa desenvolve-se no Centro de Referência de Assistência Social, do bairro Granja Portugal, equipamento este relacionado à PSB. O SUAS é coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS, tem sua gestão composta pelo poder público e pela sociedade civil, que participa diretamente do processo de gestão compartilhado do SUAS. Segundo dados do MDS, em julho de 2010, 99,7% dos municípios brasileiros já estavam habilitados em um dos níveis de gestão do SUAS. Buscando assumir o compromisso com a implantação do sistema de assistência social, os Estados buscam adequar-se dentro dos modelos estabelecidos pela Política tanto no que se refere à gestão e ao cofinanciamento. Segundo o MDS (2007, p. 3), o SUAS tem o objetivo de: “assegurar a concretude dos preceitos da LOAS e integrar o governo federal com os estaduais e municipais em uma ação pública comum de garantia de direitos universais.”. O SUAS surge como requisito essencial da LOAS para dar efetividade à assistência social. Todavia, a consolidação da assistência como política pública e como direito social exige o enfrentamento de diversas vulnerabilidades sociais, sendo este o maior desafio apresentado para a universalização do sistema. Com o objetivo de 13 A NOB/SUAS, aprovada em 2005, pelo CNAS, apresenta os eixos estruturantes para a realização do pacto a ser efetivado entre os três entes federados e as instâncias de articulação, pactuação e deliberação, visando à implementação e consolidação do Sistema Único de Assistência Social – SUAS no Brasil. (2005, p.75) 34 organizar suas ações, a assistência no Brasil é divida em dois tipos: o primeiro refere-se à Proteção Social Básica - PSB e o segundo refere-se à Proteção Social Especial - PSE. A PSB é destinada à prevenção de riscos sociais e pessoais. Por meio do desenvolvimento de programas, projetos, serviços e benefícios, ela prevê o acolhimento, a convivência e a socialização dos indivíduos e das famílias que estão em situação de vulnerabilidade social decorrente de sua situação de pobreza e das fragilidades de vínculos sejam estes familiares ou sociais. Os serviços da PSB são referenciados pelo Centro de Referência de Assistência Social – CRAS. Dentre os serviços ofertados podem ser citados: Programa de Atenção Integral às Famílias – PAIF; Programas de inclusão produtiva e projetos de enfrentamento da pobreza; Centro de Convivência para Idosos; Serviços para crianças de 0 a 6 anos que visem o fortalecimento do vínculo familiar, com ações que favoreçam a socialização, a valorização do brinquedo e a defesa dos direitos da criança; Serviços socioeducativos para crianças e adolescentes na faixa de 6 a 14 anos, visando a sua proteção, socialização e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários; Programas de incentivo ao protagonismo juvenil, com fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Centros de Informação e de Educação para o Trabalho para jovens e adultos. (SUAS, 2003, p. 10). Os atendimentos no CRAS Granja Portugal tem como objetivos: proporcionar a prestação de serviços, identificando e articulando as necessidades e demandas da população usuária dos serviços prestados no equipamento, e analisando suas peculiaridades sociais, no que diz respeito ao desenvolvimento social, econômico e familiar das famílias. Com base em sua política geral, as ações desenvolvidas no CRAS visam garantir à população um atendimento satisfatório no que se refere às demandas e necessidades apresentadas pelos usuários, assegurando as condições necessárias para o pleno exercício da cidadania. São vários os programas e projetos desenvolvidos pelo CRAS Granja Portugal, mas aqui ressalta-se aqueles que estão relacionados ao PBF tais como: Cadastro Único, Inclusão Produtiva, Programa de Atenção Integral à Família – PAIF, Programa de Acompanhamento Familiar – PAF e Pro Jovem Adolescente. O Cadastro Único é um sistema único de informações que funciona como banco de dados, contendo informações sobre as condições socioeconômicas das famílias com renda mensal de até meio salário mínimo, de forma a substituir a implementação de políticas públicas. 35 A Inclusão Produtiva é um programa que visa promover a cidadania das famílias inseridas nos programas de transferência de renda através do acesso a informações e reflexões acerca dos seus direitos, da inserção na rede de proteção social e da capacitação para atividades produtivas. O Programa de Atenção Integral à Família – PAIF é um trabalho de caráter continuado que visa a fortalecer a função de proteção das famílias, prevenindo a ruptura de laços, promovendo o acesso e usufruto de direitos e contribuindo para a melhoria da qualidade de vida. Tem como público famílias em situação de vulnerabilidade social. Já o Programa de Acompanhamento Familiar – PAF orienta as famílias em situação de extrema vulnerabilidade e/ou risco social por meio do acompanhamento sistemático no CRAS. O Pro Jovem Adolescente por sua vez é um serviço que tem como públicoalvo adolescentes e jovens de 15 a 17 anos. Ele busca o fortalecimento da convivência familiar e comunitária, o retorno dos adolescentes à escola e sua permanência no sistema de ensino. Isto é feito por meio do desenvolvimento de atividades que estimulem a convivência social, a participação cidadã e uma formação geral para o mundo do trabalho. A Proteção Social Especial – PSE destina-se a famílias e indivíduos que já se encontram em situação de risco e que tiveram seus direitos violados, ou seja, são famílias que já estão com os vínculos familiares e sociais fragilizados por ocorrência de abandono, maus-tratos, abuso sexual, uso de drogas, entre outros. A PSE tem os seus serviços referenciados pelos Centros de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS, que apoiam as pessoas a superarem suas dificuldades por se tratarem de situações de violação de direitos do cidadão e da própria legislação. As ações da PSE estão subdivididas em média e alta complexidade. Os serviços relacionados à média complexidade são aqueles em que a relação social e familiar estão debilitadas, mas os vínculos ainda não foram rompidos. A média complexidade trabalha no intuito de garantir a sobrevivência e a inclusão de indivíduos na rede social. Para isso desenvolve ações como: “orientação e apoio sóciofamiliar, plantão social, abordagem de rua, cuidado no domicílio, serviços de habilitação e reabilitação de pessoas com deficiência na comunidade e medidas socioeducativas em meio aberto.” (SUAS, 2003, p. 12). 36 Já os serviços relacionados à alta complexidade são aqueles referentes à proteção integral dos indivíduos ou da família, uma vez que os vínculos familiares e sociais estão sem referência e/ou ameaçados em decorrência da situação em que se encontra o usuário. A alta complexidade busca construir novos modelos de atenção, proteção e garantir os cuidados necessários para aqueles que dependem dos serviços socioassistenciais como: “atendimento integral institucional, casa lar, república, casa de passagem, albergue e família substituta.” (SUAS, 2003, p. 12). Os recursos financeiros voltados para o financiamento da Seguridade Social está previsto no artigo 195 da Constituição Federal, cujas fontes de custeio são voltados para a política de saúde, de assistência e previdência social. Todos os gastos com a seguridade social são, portanto, financiados por meio dos recursos advindos do orçamento da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios através dos recursos arrecadados mediante as contribuições sociais, sejam estes de fonte direta ou indireta. O financiamento do Sistema é representado pelos Fundos de Assistência Social nas esferas do poder federal, estaduais e municipais, sendo especificamente representado no âmbito federal pelo Fundo Nacional, criado pela LOAS. O financiamento dos benefícios se dá de forma direta aos usuários; já o financiamento socioassistencial é repassado fundo a fundo e com base na renda per capita de cada territorialidade, ou seja, os municípios recebem de acordo com o número de pessoas atendidas. Caso este número seja reduzido os repasses financeiros ficam por conta dos pisos de atenção e os seus valores vão depender do tipo de proteção básica a ser oferecida aos cidadãos. A participação popular na gestão das políticas públicas de assistência social é regulamentada pela LOAS, e concretizada a partir da implementação do Controle Social, que, de acordo com a PNAS (2004, p.51): Tem sua concepção advinda da Constituição Federal de1988, enquanto instrumento de efetivação da participação popular no processo de gestão político–administrativa–financeira e técnico–operativa, com caráter democrático e descentralizado. Dentro dessa lógica, o controle do Estado é exercido pela sociedade na garantia dos direitos fundamentais e dos princípios democráticos balizados nos preceitos constitucionais. A efetivação da participação popular se dá através dos conselhos e conferências, sendo os primeiros responsáveis pelas deliberações, fiscalizações e pelo 37 financiamento das ações e as segundas responsáveis pela avaliação da política. A gestão das ações e a aplicação de recursos do SUAS são negociadas e pactuadas nas Comissões, que se dividem em: Comissões Intergestores Bipartite - CIBs e Comissões Intergestores Tripartite – CITs, tendo suas atividades acompanhadas e aprovadas pelo CNAS e seus pares locais, que desempenham um importante trabalho de controle social. O Controle Social que auxilia na gestão, no monitoramento e na avaliação das atividades da rede socioassistencial é de fundamental importância para a construção e consolidação da PNAS e para a implementação do SUAS que conta com o apoio e com o esforço coletivo da população e dos entes federativos. 1.2 A política de assistência social em Fortaleza A assistência social em Fortaleza tem sua trajetória marcada, inicialmente, pela Fundação de Serviço Social de Fortaleza – FSSF, órgão criado no ano de 1969. A Fundação fica responsável pelos serviços assistenciais oferecidos às pessoas pobres da cidade. Em 1992, o órgão é extinto, ocupando o seu lugar a Secretaria do Trabalho e Ação Social – SETAS, que passa a trabalhar com base no que é estabelecido pela CF/88. Em 1997, o então prefeito de Fortaleza, Juraci Magalhães, divide a cidade em Secretarias Executivas Regionais – SER‟s, com o intuito de descentralizar a gestão. Em cada Secretaria é instalado um Distrito de Assistência Social – DAS. Neste mesmo ano, a SETAS é extinta, surgindo logo após a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social – SMDS. Com tantas mudanças, a política de assistência social é visivelmente afetada, pois a demanda por parte dos usuários é maior do que o número de serviços e programas ofertados. O prefeito cria, então, a Coordenadoria de Assistência Social – CAS, um núcleo integrante da SMDS para ajudar na execução dos programas e projetos sociais. Em 2001, a SMDS dá lugar à Secretaria Municipal de Educação e Assistência Social – SEDAS, a qual é subdividida em duas coordenações: a de Educação – COEDUC e a de Políticas Públicas de Assistência Social – CASSI, antigamente denominada CAS. A grande missão da CASSI refere-se ao combate à 38 exclusão social, garantindo o acesso dos excluídos aos programas e projetos ofertados pelo governo. Para que a assistência seja realmente institucionalizada como política pública e habilitada no âmbito municipal para exercer sua função de assegurar o acesso aos direitos sociais foram necessárias algumas medidas, entre as quais Pereira (2008, p.48), destaca: Implantação do Conselho Municipal de Assistência Social - CMAS, elaboração do Plano Municipal de Assistência Social - PMAS, a criação do Fundo Municipal de Assistência Social – FMAS e a comprovação orçamentária de recursos próprios destinados à Assistência Social. No ano de 2007, a CASSI é extinta e a Prefeitura Municipal de Fortaleza – PMF institui a Secretaria Municipal de Assistência Social – SEMAS, por meio da Lei complementar nº 0039, de 10 julho de 2007, publicado no Diário Oficial do Município em 13 de julho de 2007. Segundo a atual prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins (2011) em sua palavras introdutórias na cartilha, Assistência Social é política de direito, ela diz que, a Política de Assistência Social na cidade de Fortaleza busca a inclusão e a proteção social, de todo o povo fortalezense propiciando uma vida digna para toda a sua população em especial para os segmentos mais pobres que vivem em situação de vulnerabilidade social. Por meio da SEMAS os profissionais buscam garantir o ingresso das pessoas mais pobres à política de assistência social consolidando-a como política pública que garante os direitos humanos e sociais. A SEMAS surge com o objetivo de coordenar a Política Municipal de Assistência Social na cidade de Fortaleza. Conforme estabelecido no SUAS, ela formula políticas, elabora diretrizes e identifica as prioridades da população mais vulnerável buscando melhorar suas condições de vida. Para melhor atender a população, a Secretaria é estruturada da seguinte forma: Coordenação de Proteção Social Básica, Coordenação de Proteção Social Especial, Coordenação de Gestão do SUAS, Coordenação do Cadastro Único e Bolsa Família, Coordenação Administrativa Financeira e Fundo Municipal de Assistência Social. O Fundo Municipal de Assistência Social – FMAS é responsável pelo orçamento de todos os recursos da SEMAS, financiando assim as ações relacionadas à assistência social. A Política Municipal também conta com o apoio do Conselho 39 Municipal de Assistência Social – CMAS, responsável por fiscalizar a execução da política por meio de seus representantes: o poder público e a sociedade civil. A Secretaria tem seu gabinete composto pela Secretária Municipal de Assistência Social e ligado a esta temos a secretária executiva, a chefia do gabinete e as assessorias institucionais, jurídicas, de comunicação e de tecnologia da informação. Os equipamentos coordenados pela SEMAS são: no âmbito da Proteção Social Básica, 24 CRAS, espalhados entre as seis SERs; no âmbito da Proteção Social Especial, há 4 CREAS, o Centro de Referência da População Rua – CentroPop, o Espaço de Acolhimento Noturno para População de Rua – EAN e a Casa de Passagem. Através da parceria com a Secretaria dos Direitos Humanos e com a Coordenadoria da Mulher, há o Centro de Referência da Mulher Francisca Clotilde e a Casa Abrigo para Mulheres Vítimas de Violência Doméstica. Há também entidades que trabalham de forma indireta com a assistência social, a Secretaria é a responsável pelo convênio dos equipamentos junto à PMF, e também por acompanhar e monitorar as ações das entidades cadastradas. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2010) registram que Fortaleza tem 2.452.185 (dois milhões quatrocentos e cinquenta e dois mil cento e oitenta e cinco) habitantes e 53,2% são mulheres. Tais mulheres constituem o público para o qual o governo designa algumas de suas políticas públicas. São elas os sujeitos da pesquisa. Conforme afirmam Peixoto e Osterne (2012, p.55), A Prefeitura de Fortaleza através da Coordenadoria de Políticas Públicas para Mulheres, tem implementado políticas destinadas à garantia e ampliação dos direitos das mulheres em Fortaleza, a partir de vários eixos de atuação que contemplam o enfrentamento das desigualdades de gênero e preconceitos sofridos pelas mulheres. É sabido que as políticas sociais passam por ampla reformulação dentro do contexto social, político e econômico das décadas de 1980 e 1990 no Brasil. As mudanças ocorrem a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988. Com o surgimento do neoliberalismo, todavia, vê-se uma acirrada precarização do mundo do trabalho, consequentemente a população mais vulnerável sofre com o pauperismo14 e os 14 Por pauperismo compreende-se o processo de produção da pobreza, resultante do desenvolvimento das forças produtivas. Segundo Iamamoto (2001, p.15) pauperismo é um “segmento formado por contingentes populacionais miseráveis aptos ao trabalho mas desempregados, crianças e adolescentes e 40 sujeitos mais atingidos são as mulheres, responsáveis pela gestão da vida familiar e por sua reprodução. Neste contexto um dos desafios da SEMAS, é aumentar o número de beneficiárias do PBF em Fortaleza, com o intuito de reduzir a pobreza e a desigualdade social que assola, principalmente as mulheres negras e pobres da periferia da cidade. De acordo com os dados do Cadastro Único, “em 2005 eram 175.053 famílias inseridas (...), seis anos depois, 311.189 famílias. Isso também se refletiu com expressivo aumento de famílias do PBF, passando, no ano de 2005, de 95.518 famílias beneficiadas a 199.333.” (GONÇALVES et al, 2012, p. 81). O trabalho da Secretaria de Assistência Social pauta-se na gestão de uma política pública que visa a efetivação dos direitos sociais com aspirações emancipatórias, fazendo com que o público beneficiário tenha acesso não apenas ao benefício pecuniário, mas também a outros programas e projetos, como o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – PRONATEC, que oferece qualificação profissional e oportunidade de acesso ao mercado de trabalho. A ênfase, entretanto recai nos programas de transferência de renda, com destaque para o Programa Bolsa Família, que é o maior programa de transferência de renda do País. 1.3 Os programas de transferência de renda A pobreza acompanha o desenvolvimento da sociedade desde os primórdios da humanidade, mas no capitalismo ela é produto das desigualdades sociais e econômicas. No capitalismo não se trata de uma pobreza fruto da escassez, mas resultado de um processo de acumulação pautado na exploração de uma classe por outra que dá origem a uma série de consequências com a exclusão social, a violência e a desorganização dos grupos mais vulnerabilizados. Uma das primeiras tentativas de resolver a pauperização da classe proletária é o desenvolvimento do Estado de Bem Estar Social, mais conhecido como Welfare State, que de acordo com Andersen, envolve a responsabilidade do Estado, no sentido de que este deve garantir o bem-estar básico dos cidadãos. É com base nesse espírito de segmentos indigentes incapacitados para o trabalho (idosos, vítimas de acidentes, doentes etc.) cuja sobrevivência depende da renda de todas as classes, e, em maior medida, do conjunto dos trabalhadores. 41 coesão social que o Estado passa a desenvolver políticas sociais que visam minimizar as desigualdades e a pobreza. De acordo com Lavinas: Na América Latina e em especial no Brasil, não se chegou a organizar um estado de bem estar social capaz de abranger toda a sua população carente de ajuda para suprir suas necessidades básicas de existência. O sistema de proteção social implantado era voltado para os seguimentos formais da economia e se caracterizava por oferecer uma cobertura restrita que atendia a uma parcela reduzida da população excluindo de fato os mais pobres por estes terem vínculos instáveis e precários no mercado de trabalho. (apud SANTANA, 2007, p.2). No Brasil não houve o desenvolvimento do Welfare State propriamente dito, mas sim o que muitos estudiosos chamam de “Estado de mal-estar social”. Segundo Cohn, Particularmente no caso do Brasil, durante o período desenvolvimentista, que se estendeu do pós-guerra até início dos anos 80, a questão da pobreza não ganhou espaço como uma ação sistemática do Estado. Cria-se que a própria concepção de desenvolvimento econômico que conduzia as ações do Estado levaria automaticamente ao desenvolvimento social por meio da incorporação dos excluídos ao mercado formal de trabalho e pela mobilidade social que teriam. A pobreza não era concebida como um fenômeno estrutural da sociedade brasileira e, consequentemente, políticas sociais voltadas para a população nessa condição não se desenvolveram. Apenas recentemente, após a década de 90 a pobreza, como um problema social a ser enfrentado pela sociedade como um todo e pelo Estado em particular, ganha espaço como tema de debate entre os governos e ações voltados especificamente para a redução das desigualdades sociais passaram a ser implementadas. (apud SANTANA, 2007, p.p 2 – 3). Os programas de transferência de renda passam a ter mais visibilidade em meados da segunda década de 1990, quando o governo passa a utilizá-los como política social que visa suprir as necessidades básicas das famílias. É nesta década que observase o desenvolvimento de diversos auxílios destinados a suprir as necessidades das famílias que estão em situação de pobreza. Dentre tais auxílios podem ser citados: auxílio gás, bolsa alimentação, bolsa escola, entre outros. Várias experiências foram pioneiras para o desenvolvimento e ampliação dos programas de transferência de renda. Cunha (2009, p.335), aponta algumas destas experiências: 1995: experiências pioneiras de Campinas e do Distrito Federal, com transferência de recursos a famílias que garantissem a frequência escolar de suas crianças; 1996: Programa Bolsa Escola de Belo Horizonte; 1996: Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – Peti (âmbito nacional); 1998: 42 Programa Nacional de Garantia de Renda Mínima (MEC); 2001: Bolsa Escola e Bolsa Alimentação (âmbito nacional); 2002: Auxílio Gás (âmbito nacional); e 2003: Cartão Alimentação (âmbito nacional). Os programas de transferência de renda são debatidos em três vertentes: a primeira refere-se ao programa como direito do cidadão, sem levar em conta a questão de renda, ou seja, de acesso universal. Segundo Cunha (2009, p.333), “seria uma forma de garantia de cidadania, de autonomia e poder de escolha, de compartilhamento da riqueza produzida por todos e fortaleceria o sentimento de solidariedade e de pertencimento dos cidadãos.”. A segunda vertente compreende que o Programa e as políticas públicas devem atuar de forma a garantir a sobrevivência das famílias mais vulnerabilizadas. Tal concepção restringe a transferência de renda apenas para aquelas famílias extremamente pobres. A terceira visão concebe o Programa como uma política que visa minimizar a pobreza e as desigualdades socais, com tratamento diferenciado para a família. No ano de 2003, o Governo Federal decide unificar num só cartão todos os benefícios assistenciais. É nesse momento que surge o Bolsa Família, o maior programa de transferência de renda do País. O intuito é buscar garantir os mínimos sociais para que as pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade social possam garantir sua sobrevivência. Mas nesse período há um grande desafio para a implementação desses programas, já que há uma forte desregulamentação dos direitos sociais conquistados com a Constituição Federal de 1988. Tudo isso resulta do desenvolvimento da política neoliberal, que busca reduzir o papel do Estado frente à regulamentação da economia e dos direitos sociais. Conforme Assumpção (2010, p.50) tais ações “vai ao encontro dos preceitos defendidos pelas agências internacionais tais como o FMI (Fundo Monetário Internacional)” que propõe a redução dos gastos sociais e a intervenção do Estado na economia. Aos poucos, os programas de transferência de renda ganham centralidade no combate à pobreza e à desigualdade social; passam a assegurar aos beneficiários acesso às dimensões sociais e econômicas, permitindo uma análise dos impactos gerados às futuras gerações quanto à superação desse quadro de vulnerabilidade social. 43 1.3.1 O Cadastro Único e o acesso ao Programa Bolsa Família O Cadastro Único – CadÚnico para programas sociais é um instrumento de coleta de dados das famílias que buscam se cadastrar, mais especificamente daquelas de baixa renda, ou seja, com renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa. É por meio do cadastro que o governo federal, estadual ou municipal faz a identificação socioeconômica das famílias que tem o perfil dos programas sociais. O Decreto nº 6.135, de 26 de junho de 2007, regulamenta o CadÚnico e sua gestão é disciplinada pela portaria GM/MDS nº 376, de 16 de outubro de 2008. A gestão do cadastro é regulamentada pelo governo federal, através do MDS. As informações do cadastro são utilizadas, obrigatoriamente, para a seleção de beneficiários dos programas sociais, por isso são essenciais para a seleção das famílias. Os municípios são responsáveis pelo cadastramento e pela atualização de dados. De acordo com as Orientações Técnicas sobre o Cadastro Único e o PBF, são objetivos do CadÚnico: Traçar o perfil socioeconômico da população de baixa renda para servir como base na elaboração de políticas públicas dos governos municipais, estaduais e federal, voltadas para esse público; Identificar as famílias mais vulneráveis para definir a concessão dos benefícios, principalmente o PBF; Servir como base de informações para estudos e pesquisas. (MDS, 2010, p.6). O cadastro busca identificar informações sobre as características do domicílio para saber sobre o número de cômodos existente, o tipo de construção, se há rede de esgoto e de tratamento de água. Busca também a identificação dos membros familiares, ou seja, quer saber o número de pessoas que vivem na residência, se há gestantes, idosos, mães amamentando e pessoas com deficiência. Outras informações referem-se à documentação civil dos membros da família, suas qualificações quanto ao nível escolar e à experiência profissional e, por fim, busca identificar as despesas da família com aluguel, transporte, alimentação, entre outras. Nas Orientações Técnicas do CRAS está descrito que, para o Cadastro Único, a família é compreendida como uma, “unidade nuclear composta por um ou mais indivíduos e que pode, eventualmente, ser ampliada por outros indivíduos que contribuam para o rendimento ou tenham suas despesas atendidas por aquela unidade familiar.” (MDS, 2010, p.7). A noção de família está além da relação consanguínea, ou seja, entende-se por família o conjunto das pessoas que vivem em uma determinada 44 residência, independente de parentesco. Há também o conceito de família unipessoal, quando se refere a uma única pessoa. Para que determinada família faça parte do CadÚnico é preciso que ela tenha o perfil estabelecido pelo Estado. Os critérios necessários para adequação ao perfil dizem que as famílias precisam ter renda mensal de até ½ (meio) salário mínimo por pessoa ou ter renda familiar mensal de até três salários mínimos. Para ser titular do cadastro é necessário que a pessoa tenha mais de 16 anos e, de preferência, ter a mulher como responsável. Outro critério é que os membros da família possuam documentação civil oficial. Para fazer o cadastro é necessário que o titular leve toda a documentação exigida, como carteira de identidade, carteira de trabalho e previdência social (para aqueles que têm vinculo empregatício), certidão de nascimento, certidão de casamento, declaração escolar das crianças e dos adolescentes, comprovante de endereço com CEP, CPF, titulo de eleitor, extrato ou cartão do beneficio social (caso já tenha algum benefício). Com toda a documentação em mãos é possível fazer o cadastro, mas a inclusão não ocorre de forma automática: as famílias passam por uma seleção e se estiverem dentro do critério do Programa, passam a receber o benefício mensalmente. De acordo com o desenvolvimento dos programas sociais foram estabelecidas normas de acesso, visto que somente o MDS, tem a competência exclusiva de conceder benefícios federais as famílias. Com o cadastro aprovado a família que se enquadra nos critérios, passa a acessar os benefícios como: Programa Bolsa Família (PBF), Programa Social de Energia Elétrica, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), Projovem Adolescente, Carteira Nacional do Idoso, Isenção em concursos públicos e vestibulares, Obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Benefício Variável Jovem, Programa Próximo Passo. Aqui no Ceará, o Governo Estadual concede aos usuários outro benefício, que é a Carteira Nacional de Habilitação Popular – CNH Popular. Por isso é importante manter o cadastro sempre atualizado, pois é com base nos dados que o acesso aos programas é garantido. O Programa Bolsa Família – PBF, criado pelo governo federal em 09 de janeiro de 2004, através da Lei nº 10. 836 e do Decreto nº 6. 824 de 16 de abril de 2009 45 com o intuito de reduzir a pobreza no nosso País é uma das principais ações do Programa Fome Zero15. O Programa visa à transferência direta de renda à beneficiária. Uma característica relevante do PBF refere-se ao cumprimento de condicionalidades tais como: na área da saúde, educação e assistência social. O público alvo do Programa são as famílias que vivem em situação de extrema pobreza e de pobreza sendo a primeira identificada por uma renda mensal de até R$ 70,00 (setenta reais) por pessoa e a segunda com renda mensal de R$ 70,01 (setenta reais e um centavo) a R$ 140,00 (cento e quarenta reais) por pessoa. Com isso afirma-se que, “O critério principal para a inclusão é a renda mensal da família. As famílias que possuem menor renda são incluídas primeiro, selecionadas de forma automática pelo Governo Federal.” (MDS, 2010, p. 10). Para calcular a renda mensal das famílias é preciso somar o dinheiro de todas as pessoas que trabalham e dividir pelo número de pessoas que vivem na residência. O valor que cada família recebe varia de R$ 32,00 a R$ 306,00, pois o mesmo depende de dois fatores: o primeiro é a renda mensal da família e o segundo está relacionado ao número de crianças e/ou adolescentes que a família possui. A família tem direito de receber o benefício por, no mínimo, dois anos ou até quando a situação de pobreza persistir. Ressalta-se que há diferentes tipos de benefícios estabelecidos pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome – MDS: Benefício Básico, de R$ 70,00, pago às famílias com renda mensal de até R$ 70,00 por pessoa, ainda que elas não tenham crianças, adolescentes ou jovens; Benefício Variável, de R$ 32,00, pago às famílias com renda mensal de até R$ 140,00 por pessoa, desde que tenham crianças e/ou adolescentes de até 15 anos, gestante e/ou nutrizes. Cada família pode receber até cinco benefícios variáveis; Benefício Vinculado ao Adolescente, de R$ 38,00, pago às famílias que tenham adolescentes de 16 e/ou 17 anos freqüentando a 15 O Programa Fome Zero, na concepção do MDS, é uma estratégia impulsionada pelo governo federal para assegurar o direito humano à alimentação adequada às pessoas com dificuldades de acesso aos alimentos. Tal estratégia se insere na promoção da segurança alimentar e nutricional buscando a inclusão social e a conquista da cidadania da população mais vulnerável à fome. Atua a partir de quatro eixos articuladores: acesso aos alimentos, fortalecimento da agricultura familiar, geração de renda e articulação, mobilização e controle social. Ver: www.fomezero.gov.br/. Sobre o Programa, na concepção de Silva (2010, p.163), o Programa Fome Zero é uma estratégia representada por um conjunto de políticas governamentais e não governamentais cujo propósito maior é erradicar a fome e a desnutrição no País. Seus principais programas são: Bolsa Família; Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA); Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf); Restaurantes Populares e Centros de Referência de Assistência Social (CRAS). 46 escola. Cada família pode receber até dois benefícios variáveis vinculados ao adolescente. (2012, p. 6). De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, os objetivos do Bolsa Família estão articulados a três dimensões essenciais Alívio imediato da pobreza, por meio da transferência direta de renda às famílias; Ampliação do acesso a serviços públicos que representam direitos básicos nas áreas de Saúde, Educação e Assistência Social, por meio das condicionalidades, contribuindo para que as famílias rompam o ciclo intergeracional de reprodução da pobreza; Coordenação com outras ações e programas dos governos, nas suas três esferas, e da sociedade, de modo a apoiar as famílias para que superem a situação de vulnerabilidade e pobreza. (2012, p. 5). Para participar do PBF é preciso fazer a inscrição no Cadastro Único. Toda família que se torna beneficiária do Programa, para receber o benefício mensalmente, precisa ter em mãos o seu cartão magnético. O pagamento é determinado pelo último número presente no cartão, o qual é denominado de Número de Identificação Social – NIS. As condicionalidades16 anteriormente citadas referem-se aos compromissos assumidos pelo governo e pelas famílias beneficiárias visando à ampliação e o acesso dos usuários aos seus direitos sociais, nas áreas da Assistência Social, da Educação e da Saúde. Segundo o MDS, “O acesso aos serviços é direito assegurado pela CF/88: é responsabilidade do poder público garantir não só o acesso, mas também a qualidade aos serviços nessas áreas.” (2012, p. 9). Ainda segundo o MDS, há o acompanhamento por meio do poder público do cumprimento das condicionalidades. O intuito é monitorar os resultados e identificar os pontos positivos e negativos que impossibilitam o acesso das famílias aos serviços básicos nas referidas áreas. Este acompanhamento acontece de forma articulada mediante a atuação da União, dos Estados e dos Municípios, bem como por meio da parceria entre o Ministério da Saúde – MS, Ministério da Educação – ME e MDS. Os 16 De acordo com o MDS, os objetivos do acompanhamento das condicionalidades são: monitorar o cumprimento dos compromissos pelas famílias beneficiárias, como determina a legislação do programa; responsabilizar o poder público pela garantia de acesso aos serviços e pela busca ativa das famílias mais vulneráveis; identificar, nos casos de não cumprimento, as famílias em situação de maior vulnerabilidade e orientar ações do poder público para o acompanhamento dessas famílias. 47 registros são armazenados e compartilhados nos sistemas informatizados, facilitando e agilizando o cruzamento de dados. As condicionalidades da assistência social estão relacionadas às crianças e adolescentes com idade até 15 anos, que foram retiradas das condições de trabalho infantil e que são atendidas pelo Programa de Erradicação ao Trabalho Infantil – PETI. Elas devem frequentar os serviços socioeducativos e de convivência e as demais atividades realizadas no CRAS e no CREAS da cidade. Cabe aos pais ou responsáveis garantir pelo menos 85% de frequência mensal nos serviços de fortalecimento de vínculos e convivência. O compromisso estabelecido pelo governo com as famílias na área da educação é algo estabelecido na Lei, como por exemplo, no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, no artigo 53, que especifica claramente que toda criança e adolescente deve frequentar a escola buscando desenvolvimento, exercendo sua cidadania e se qualificando profissionalmente para o futuro. De acordo com as condicionalidades, o público entre 6 e 15 anos deve ter frequência escolar mínima de 85% e os jovens beneficiados entre 16 e 17 anos devem ter frequência escolar mínima de 75%. Na saúde, o compromisso diz respeito ao cumprimento do calendário de vacinação das crianças de até 7 anos, buscando manter o calendário em dia; outro compromisso deve ser cumprido pelas mulheres de 14 a 45 anos, que devem fazer a consulta de pré-natal e acompanhamento de nutrizes, conforme o calendário definido pelo MS, outro compromisso é verificar o peso, as medidas e fazer exames regularmente das crianças. Caso haja descumprimento dos compromissos por parte da família beneficiária, o governo não faz o seu desligamento de forma imediata, ou seja, os efeitos são gradativos, conforme estabelecido pelo MDS: Primeiro, a família é notificada. Persistindo o problema, o benefício é bloqueado, depois suspenso, mas não cancelado. Somente em caso de reiterada reincidência a família é excluída do programa. (2012, p.11). Quando há essa situação de descumprimento das condicionalidades, as famílias ficam sujeitas às sanções, que foram estabelecidas de acordo com a Portaria GM/MDS nº 321 de 29 de setembro de 2008. Para que elas não sofram com os efeitos 48 gradativos do Programa, é necessário que as mesmas comuniquem o motivo que as leva a descumprir o compromisso. O acompanhamento das famílias que estão em situação de descumprimento de condicionalidades é feito nos CRAS, por meio do acompanhamento familiar, que é realizado de acordo com o desenvolvimento de encontros coletivos ou individuais que priorizam as famílias em situação de vulnerabilidade social e aquelas em situação de descumprimento. O objetivo do acompanhamento familiar é construir novos projetos de vida, bem como fortalecer os vínculos familiares e comunitários. Os encontros referentes a este atendimento trazem temáticas atuais, que, são situações vivenciadas por aquelas famílias ou utilizam temas centrais para debater no encontro, como por exemplo: educação integral, alfabetização de adultos e saúde materno-infantil. O intuito é fazer com que as famílias reflitam sobre a sua atual condição de vida, fazendo com que elas busquem alternativas que levem a ver novas possibilidades de vida e também de acesso qualificado às políticas sociais. Todo o registro do acompanhamento familiar é feito no Sistema de Gestão de Condicionalidades - SICON17. O PBF possui uma gestão de benefícios que de acordo com as Orientações Técnicas do CRAS, Se caracteriza como um conjunto de processos e atividades que garantem a continuidade ou a interrupção da transferência de renda às famílias beneficiárias do programa. Ela pode ser realizada pelos gestores municipal e federal; pela Caixa Econômica Federal ou a partir da repercussão de atualizações cadastrais efetuadas no Cadastro Único. (2010, p. 26). Este trabalho em conjunto resulta de uma gestão compartilhada entre União, Estados e municípios, que gerem, aperfeiçoam, ampliam e fiscalizam o Programa 17 De acordo com o MDS, o SICON é o módulo de acompanhamento familiar do Sistema de Gestão de Condicionalidades do Programa Bolsa Família criado e desenvolvido pelo MDS. Neste módulo, o gestor poderá registrar o diagnóstico da situação de vulnerabilidade das famílias acompanhadas, as atividades em que estão inseridas, as avaliações do desenvolvimento do trabalho e qual Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) e Centro de Referência Especializada da Assistência Social (CREAS) está acompanhando essa família. O módulo de acompanhamento familiar permite que o gestor municipal do PBF solicite a interrupção temporária dos efeitos do descumprimento das condicionalidades no benefício da família.A Instrução Operacional nº 33, de 03 de dezembro de 2009 contém os procedimentos operacionais a serem adotados pelos gestores municipais para o registro do acompanhamento familiar no SICON/PBF e a solicitação de interrupção temporária dos efeitos do descumprimento das condicionalidades no benefício das famílias. Ver: http://www.mds.gov.br/falemds/perguntasfrequentes/bolsa-familia/condicionalidades/gestor/sicon-2013-sistema-de-gestao-das-condicionalidades 49 compartilhando assim suas responsabilidades no que diz respeito ao combate à pobreza e à desigualdade que assolam o Brasil. A gestão de benefícios é regulamentada pela Portaria do MDS nº 555, de 11 de novembro de 2005, que define em seis atividades a gestão: bloqueio, desbloqueio, cancelamento de beneficio, reversão de cancelamento de beneficio, suspensão de beneficio e reversão de suspensão. A gestão descentralizada conta com o apoio do Índice de Gestão Descentralizada – IGD, criado pelo MDS para apoiar os estados e municípios na gestão de PBF e do Cadastro Único. “O IGD é um indicador que mede a qualidade da gestão do programa e do cadastramento de famílias de baixa renda. Quanto maior o IGD, maior o repasse mensal de recursos financeiros.” (MDS, 2012, p.12). Para calcular o IGD é preciso saber a qualidade e integridade das informações e da atualização da base do Cadastro Único, bem como as informações sobre o cumprimento das condicionalidades nas áreas de educação e saúde. O número exato é calculado da seguinte forma: multiplica-se um valor de referência pelo total de cadastros válidos e atualizados das famílias cadastradas, sendo o cálculo voltado apenas às famílias com renda mensal per capita de até meio salário mínimo. Os recursos provenientes do IGD podem ser utilizados em atividades de gestão de condicionalidades e de benefícios, no acompanhamento das famílias beneficiárias, como no caso das que estão em situação de vulnerabilidade social. Os recursos também podem ser destinados ao cadastramento de novas famílias, para a atualização do Cadastro Único, na implementação de programas complementares, como ocorre em algumas prefeituras ou em governos estaduais que possuem outros programas que ajudam na ampliação dos benefícios pagos as famílias, na fiscalização do PBF e do Cadastro Único e no controle social do município. O controle social do PBF é exercido por Instâncias de Controle Social – ICS instaladas nos municípios e nos estados. As ICS “são comitês ou conselhos paritários compostos por representantes da sociedade civil e do Governo.” (MDS, 2012, p.17). Ou seja, há o desenvolvimento de ações em conjunto que visam compartilhar responsabilidades com o objetivo de ampliar o nível de eficácia e efetividade das políticas e programas públicos, buscando articular a ICS com outros instrumentos de fiscalização das políticas, executada pelo MDS, por meio de uma equipe técnica responsável pela auditoria que posteriormente passam pelo controle da Controladoria 50 Geral da União – CGU, o Tribunal de Contas da União – TCU e os Ministérios Públicos Federal e Estaduais. 2. AS CATEGORIAS DE ANÁLISE: ENTRE CENÁRIO, SUJEITOS E PROBLEMAS. Pobreza, matricialidade, gênero, família e autonomia são categorias de grande relevância para o desenvolvimento e compreensão do Programa Bolsa Família – PBF, pois o mesmo gira em torno de tais categorias de análise. O principal alvo do PBF é o enfrentamento à pobreza que atinge milhares de pessoas em todo o País. Tal categoria torna-se relevante neste estudo, pois o trabalho tem como objeto de estudo as beneficiárias do Programa, que tem como critério de acesso a questão da renda. A pobreza traz consigo diversas manifestações da questão social que assolam boa parte da população brasileira, dentre as quais podemos citar a fome, a desigualdade social, a violência, dentre outras. A categoria pobreza é abordada desde um recorte mais geral até chegar ao âmbito local, ou seja, o trajeto sai do contexto brasileiro, passa pelo nordestino e chega ao contexto estadual, onde temos um recorte específico de um bairro periférico da capital cearense. Este bairro é denominado Granja Portugal, o qual sofre com as disparidades econômicas e sociais. Lá se encontra um grande número de pessoas beneficiadas pelo Programa Bolsa Família. Este Programa tem a família como foco de suas ações, sendo ela a responsável pelo desenvolvimento da matricialidade sociofamiliar, ou seja, a família passa a ser o núcleo central das ações desenvolvidas pela Política, pois a mesma precisa de apoio para que possa desempenhar seu papel de protetora e provedora de seus membros. À família cabe o papel de aliada no combate à pobreza que atinge todos os seus membros. Faz-se mister falar de outra categoria denominada gênero, pois, com o surgimento dos novos arranjos familiares, as relações entre homens e mulheres se modificam tanto no contexto familiar, como no social e no cultural, enfim tais transformações refletem em novos papeis para esses seres. Este trabalho tem como ênfase o papel da mulher, tendo em vista que esta passa a ser responsável pela titulação do cartão, pelo recebimento do benefício e também pelo cumprimento das 51 condicionalidades do Programa, sendo-lhe atribuída, assim, certa autonomia no que se refere ao poder de decisão no contexto familiar e econômico. A família passa a ser um lugar de transformação e é principalmente por esta razão que as ações da política de assistência social estão focadas nela. Por meio do benefício, há variações de comportamentos e de responsabilidades entre os seus membros, visto que ao longo dos anos ocorrem diversas alterações na composição familiar. Hoje, na sociedade moderna, encontramos vários tipos de arranjos familiares: família nuclear, ampliada, reconstruída, matrifocais e monoparentais. A partir das transformações ocorridas na composição familiar, passa-se a debater sobre a questão de gênero anteriormente mencionada e sobre a possibilidade de conquista de autonomia por parte das mulheres, já que seu papel como mantenedora e como chefe de família passa a ser mais comum na atualidade. A mulher se apresenta, a cada dia, como um sujeito que almeja conquistar espaço no contexto socioeconômico e político, desvinculando-se do estereótipo sociocultural que a classifica como um “sexo frágil”. A autonomia que a mulher busca adquirir no âmbito familiar por meio do benefício, é uma “porta” que abre espaço para que ela tome decisões, controle o recurso advindo do Programa e com isso ela sente-se com mais liberdade de expressão e, passa a se reconhecer como sujeito de direitos e como consumidora. Em contrapartida, a sociedade, em seus mais variados setores, econômico, político, social ou cultural, passa a reconhecer essa nova configuração feminina que é a de consumidora. Percebe-se que o foco na figura da mulher é muito forte, o que se deve a dados que apontam para uma feminização da pobreza, ou seja, grande parte da população que vive na linha de pobreza ou da extrema pobreza é composta por mulheres. Para combater este velho problema social, o PBF foca suas ações neste público atribuindo-lhe novas responsabilidades, tais como: combater a pobreza, garantir a segurança alimentar, educacional e de saúde da família. 2.1 O combate à extrema pobreza e à pobreza: meta a ser alcançada pelo Programa Bolsa Família. A pobreza e a vulnerabilidade social são manifestações da desigualdade social visíveis em todos os países na atualidade, inclusive no Brasil e neste estado, o 52 Ceará. As expressões da questão social tornam-se cada vez mais latentes, devido ao processo de concentração de renda e poder nas mãos de uma minoria, fator resultante do processo de modernização e industrialização do País, que visa “deixar o bolo crescer para depois dividir”. Como não houve a divisão da riqueza socialmente produzida, milhares de brasileiros sofrem devido às suas precárias condições de trabalho e de vida. O perfil da pobreza no Brasil, segundo dados divulgados pelo MDS (2011) com base no Censo 2010, apontam que 16,27 milhões de pessoas estão situadas na linha de extrema pobreza. Verifica-se que nas regiões Norte e Nordeste há o maior número de pessoas dentro dessa linha, respectivamente 56,4% e 52,5%. Quanto aos dados referentes ao sexo, há certo equilíbrio, porque o universo feminino atingido por essa vulnerabilidade social é de 50,5% e o masculino é de 49,5%. A pesquisa também divulga dados referentes à cor/etnia das pessoas que vivem em extrema pobreza esta revela que 70,8% são pardas ou pretas; a população indígena totaliza 39,9% e os brancos 4,7%. No que se refere à faixa etária, os números apontam que 50,9% são jovens, 39,9% são crianças e 12,8% são idosos. Percebe-se que a pobreza atinge todo o País, mas se concentra em grande parte nas regiões mais pobres, atingindo uma população que, diante das vulnerabilidades sociais, é mais exposta a essa expressão da questão social: mulheres, pardas ou pretas e jovens, entre as quais 56,4% são atingidas na área rural e 43,6% na área urbana. Tal quadro resulta do desenvolvimento histórico, social e econômico do País, que há muito se delineia de forma desordenada e desigual, gerando grandes disparidades, principalmente nos setores econômicos e sociais da vida dos brasileiros. Para superar essa situação em todo o País, o governo federal lança por meio do Decreto nº 7.492, o Plano Nacional de Erradicação da Pobreza Extrema18. A proposta abrange os seguintes eixos, de acordo com o artigo 5º de tal Decreto: “garantia de renda, acesso aos serviços públicos e inclusão produtiva.”. Ou seja, a garantia de renda efetiva-se por meio dos programas de transferência de renda, o acesso aos 18 De acordo com o MDS, o Plano Brasil sem Miséria, instituído por meio do Decreto 7.492, 2 de jun. 2011, tem por objetivo elevar a renda e as condições de bem-estar da população. As famílias extremamente pobres que ainda não são atendidas serão localizadas e incluídas de forma integrada nos mais diversos programas de acordo com as suas necessidades. Ver: http://www.mds.gov.br/falemds/perguntas-frequentes/superacao-da-extrema-pobreza%20/plano-brasilsem-miseria-1/plano-brasil-sem-miseria. 53 serviços públicos é possível através da ampliação e qualificação dos serviços, e por fim, a inclusão produtiva vem para capacitar mão de obra com o intuito de fazer com que os cidadãos e cidadãs adentrem no mercado de trabalho. Das cinco regiões brasileiras, o Nordeste é a mais pobre e a que mais sofre com a questão das desigualdades sociais, expressas por meio da seca, do trabalho infantil, da criminalidade, da violência, da miséria, da desnutrição, entre outras manifestações sociais. Dentro desta região está localizado o Estado do Ceará, que também sofre com as disparidades sociais resultantes da concentração de renda e de poder, gerada pela modernização e industrialização, fazendo com que a lógica do sistema capitalista gire em torno do mercado e do capital. Sabe-se também que o sistema político é responsável pela disseminação da pobreza e das vulnerabilidades sociais, que afetam grande parte da sociedade cearense. Faz-se necessário, portanto, o desenvolvimento de políticas púbicas para atenuar as disparidades sociais que afetam os cidadãos e as cidadãs cearenses, garantindo-lhes acesso aos direitos sociais, econômicos, políticos e culturais. Estudo recente realizado pelo IPECE (2012) na cidade de Fortaleza mostra a diferença de renda entre moradores dos bairros ricos e pobres. A disparidade econômica é identificada pelo poder aquisitivo dos moradores que vivem na área mais privilegiada da cidade, que chega a ser quinze vezes maior que a renda das pessoas que vivem nos bairros periféricos. Entre os bairros mais ricos da capital, o estudo aponta aqueles que estão situados na territorialidade da SER II19. Dentre os bairros mais pobres cita-se a Granja Portugal, e demais bairros da SER V20, Regional esta, onde o estudo identifica o maior número de pessoas que vivem com menor poder aquisitivo. 19 De acordo com o IPECE (2012), os bairros mais ricos, com renda média entre R$ 2.000,01 e R$ 3.659,54, estão concentrados, segundo o estudo, em uma única Secretaria Executiva regional da Capital. Entre os dez mais ricos, nove estão localizados na SER II: Meireles, Guararapes, Cocó, De Lourdes, Aldeota, Mucuripe, Dionísio Torres, Varjota e Praia de Iracema. Na décima posição está o bairro de Fátima, que pertence a SER IV. Ver mais em: http://m.g1.globo.com/ceara/noticia/2012/10/diferenca-derenda-entre-bairros-ricos-e-pobres-de-fortaleza-e-de-15-vezes.html?sub=true. 20 De acordo com o estudo do IPECE (2012), os bairros mais pobres são: Conjunto Palmeiras, Parque Presidente Vargas, Canindezinho, Siqueira, Genibau, Granja Portugal, Pirambú, Granja Lisboa, Autran Nunes e Bom Jardim são os bairros onde vive a população com menor poder aquisitivo. Entre os bairros mais pobres, seis estão localizados na SER V, a regional administrativa com menor renda média pessoal. Ver mais em: http://m.g1.globo.com/ceara/noticia/2012/10/diferenca-de-renda-entre-bairros-ricos-epobres-de-fortaleza-e-de-15-vezes.html?sub=true. 54 Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios- PNAD/ IBGE (2012, p. 04), “a extrema pobreza no Ceará (...) apresentou uma queda de 10,7 pontos percentuais de 2001 a 2009, o que representa em termos proporcionais uma redução na taxa de quase 50% nesse período.”. Apesar do declínio sabe-se que grande parte da população sofre com as desigualdades sociais. As disparidades econômicas, sociais e climáticas refletem bem o quanto a população cearense, situada na linha de extrema pobreza e pobreza é afligida por este fenômeno. O Estado do Ceará sabe-se que é um dos mais atingidos por essa manifestação da questão social. Dentre as pessoas apreendidas o destaque é para aquelas que vivem em áreas rurais e, que em sua maioria, são jovens. A pobreza no Ceará não é fruto apenas das condições climáticas e da concentração de renda. Sua origem também está penetrada no patriarcalismo 21 e no mandonismo que sempre estiveram presentes na política cearense, como pontos marcantes para o agravamento das disparidades econômicas e sociais que até hoje se fazem presentes na vida de milhares de cearenses. De acordo com os dados obtidos na pesquisa desenvolvida pelo Laboratório de Estudos da Pobreza – LEP do Centro de Aperfeiçoamento de Economistas do Nordeste – CAEN, da Universidade Federal do Ceará – UFC, entre os anos de 2007 e 2010, o número de pessoas vivendo em situação de extrema pobreza no Ceará teve aumento de 51,64%. Segundo a pesquisa, milhares de cearenses vivem na miséria, ou seja, em situação de extrema pobreza, sem acesso a água tratada, esgoto, moradia digna, alimentação e escolaridade, ligados a atividades informais ou mesmo ilegais, de difícil acesso aos programas tradicionais. Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE cerca de 16,2 milhões de brasileiros são extremamente pobres, o equivalente a 8,5% da população. O Ceará possui 10% das pessoas abaixo da linha de pobreza no País, que é de 16 milhões de habitantes, sendo o sétimo Estado do Brasil em número de pessoas que vivem em extrema pobreza. As pessoas têm renda que variam de R$ 67,00 (sessenta e sete reais) a R$ 134,00 (centro e trinta e quatro reais) por mês. Já a capital cearense se encontra na quarta posição entre as cidades com maior índice de pobreza do País. 21 O patriarcalismo de que nos fala Gilberto Freyre em sua obra Casa-grande e senzala aponta o chefe da família e senhor de terras e escravos era autoridade absoluta nos seus domínios.Ou seja, patriarcalismo é preponderância da família sobre as demais instituições, é um sistema social que , norteia as relações de poder da sociedade. 55 Dentro do contexto de pobreza cita-se a realidade do bairro Granja Portugal que apresenta um elevado percentual de pessoas que vivem em condição de extrema pobreza, de acordo com os dados do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará – IPECE (2012), 10,44% da população do bairro, são atingidas por esta expressão da questão social, o que equivale a 4.141 pessoas. A pobreza no bairro é visível, porque está relacionada não só com a renda da população, mas atrelada à precária infraestrutura do bairro, aos índices de violência que atinge seus moradores, enfim, tal realidade é resultado dos problemas relacionados à falta de investimentos nas áreas como saúde, educação, assistência social, habitação, infraestrutura, ou seja, uma consequência do modelo neoliberal que reduz o papel do Estado, com isso os parcos investimentos em recursos humanos e materiais não abarcam a enorme demanda que se apresenta nos equipamentos da rede pública do município. No bairro Granja Portugal, a renda per capita média da população é de um salário mínimo, isso se reflete em diversos problemas detectados no bairro como: falta de saneamento básico, atendimento de saúde ineficaz, crescimento populacional intenso o que resulta em uma ocupação desordenada do espaço físico do bairro. A maioria dos habitantes vivem do trabalho artesanal, comércio e feiras locais. No caso do bairro Granja Portugal as particularidades podem ser observadas de acordo com sua territorialidade, isto ocorre porque o bairro encontra-se subdividido em 07 comunidades: Mela-Mela, Novo Mundo, Santo Antonio, Menino Deus, Cacimbinhas, Santa Clara e Belém as particularidades existentes em cada uma das comunidades, precisam ser compreendidas de acordo com a territorialidade e especificidade de cada local, pois a realidade do bairro se difere de uma comunidade para outra. Esta situação é perceptível no bairro Granja Portugal, onde se encontra um baixo Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, de acordo com os dados apresentados pelo Diagnóstico Social (2011, p. 15) do referido bairro, o IDH da Granja Portugal é de 0,394, isso é resultado do negligenciamento da área pelo poder público, que não oferta serviços básicos à população de forma eficiente onde haja a garantia de acesso e a conquista de direitos e políticas públicas. Neste sentido, o PBF tem como critério de seleção a renda, ou seja, só são inseridas no Programa aquelas famílias que estão situadas na linha de extrema pobreza ou na linha da pobreza. 56 Por extrema pobreza entende-se a linha estabelecida até R$ 70,00 (setenta reais) per capita mensais, de modo que as pessoas residentes em domicílios com renda menor ou igual a esse valor são consideradas extremamente pobres. A extrema pobreza compreende um público de pessoas que não têm acesso a boas condições de moradia, de educação, saúde, saneamento, lazer, ou seja, são cidadãos desprovidos do acesso a direitos sociais mínimos. A pobreza, por sua vez, é compreendida pelo MDS como a linha de rendimento mensal de R$70,01(setenta reais e um centavo) a R$140,00 (cento e quarenta reais). Percebe-se que, para o governo determinar a condição de pobreza ou extrema pobreza, ele se embasa no valor mensal da renda familiar, dividida entre todos os membros que moram na mesma residência. A pobreza em si traz diversas expressões da questão social que assolam a população brasileira, como a fome, a desigualdade e a exclusão social, entre outras. As vulnerabilidades sociais são decorrentes do sistema no qual estamos inseridos, o sistema capitalista, que não permite que todos obtenham condições de igualdade social, política, econômica e cultural. A pobreza não é, portanto, um fenômeno recente. Ela é resultado do desenvolvimento do capitalismo industrial, que passa a submeter cada vez mais o trabalho ao capital. A pobreza deve ser compreendida dentro do contexto histórico atual com base na dimensão econômica e social vigente. Segundo Silva (2010, p.22), a pobreza é um fenômeno complexo e multidimensional, devendo ser concebida para além da insuficiência de renda, mas como resultado da relação de exploração do trabalho, da desigualdade na distribuição da riqueza, na falta de acesso aos serviços sociais básicos e, principalmente, na não participação do cidadão na vida social e política da nação. Há diversas interpretações sobre pobreza, as quais serão abordadas a seguir. Como expressão da questão social que tanto assola a população, ela é uma temática que instiga o desenvolvimento, a compreensão, a pesquisa de novas produções acadêmicas e de novas políticas sociais que visem amenizá-la. Conforme Peixoto (2010, p.96) “As tentativas em descrevê-la, analisá-la, buscar formas de mensurá-la persistem em face da concretude cada vez maior e mais visível desse fenômeno.”. As múltiplas concepções de pobreza fazem com que ela seja entendida não apenas como falta de comida, ou de dinheiro, mas como falta de acesso à educação, à 57 saúde, a condições de vida, de trabalho e lazer com qualidade e, acima de tudo, de acesso aos direitos sociais. Sobre a definição de pobreza, Osterne afirma que: É em principio ampla, imprecisa e supõe graduações. Mesmo existindo em toda parte, é sempre relativa a uma dada sociedade (...). Por comportar ideias de recursos, necessidades e escassez, jamais poderia expressar-se como uma noção estática, tampouco válida em toda parte. (apud LIMA, 2008, p.91). A pobreza está além da falta de renda, expressa-se nas precárias condições em que os cidadãos e cidadãs vivem. A falta de efetivação dos direitos os insere na conjuntura de desigualdades sociais e injustiças. As parcas políticas sociais não atingem a todos de forma equitativa, de modo que há um déficit de acesso a outras famílias que também precisam do incentivo das políticas para buscar melhores condições de vida. Segundo Rocha: A pobreza no Brasil é definida da renda e não da situação nutricional, o que fazemos é associar erroneamente pobreza a fome. (...) para se acompanhar a evolução da pobreza no País, é imprescindível levar em consideração as particularidades e diferenciações locais quanto ao modo de vida e o nível de desenvolvimento social e produtivo. (apud LIMA, 2008, p.90). As políticas sociais têm que compreender a pobreza em suas múltiplas dimensões e tentar minimizar os seus efeitos de acordo com as particularidades de cada territorialidade, onde seus programas estão em ação, ou seja: “Exige-se agregar ao conhecimento da realidade a dinâmica demográfica associada à dinâmica socioterritorial em curso.” (PNAS, 2004, p.43). A seca, a fome, a falta de trabalho e, consequentemente de renda são manifestações da desigualdade e da exclusão social que levam milhares de cearenses a viverem nessa situação. A pobreza tem que ser estudada, portanto, em sua multidimensão, pois ela é fenômeno que muda de acordo com a conjuntura. Sendo assim, nada adianta tentar enfrentá-la com os mesmos mecanismos utilizados em épocas passadas. A pobreza deve ser compreendida numa outra óptica que não seja a da marginalização, criminalização, ou como um caso de polícia, mas de política, que visa assegurar melhores condições de vida e de trabalho para a população. 58 2.2 Matricialidade, família e gênero: a mulher no centro das políticas públicas. Na sociedade contemporânea, as discussões sobre gênero são fundamentais, pois, dentro do contexto histórico e social, permitem conhecer e refletir sobre as representações construídas ao longo do tempo em que se desenvolvem as relações sociais. É neste universo de conhecimento e reflexão que se podem compreender as diferenças e as desigualdades históricas entre o ser masculino e o feminino. Diversos estudos buscam compreender não apenas as diferenças genéticas entre homens e mulheres, mas também as diferenças psicológicas e sociais, a fim de descrever tais distinções, surgem as seguintes indagações: O que é ser homem? O que é ser mulher? De acordo com Scott, para obter tal resposta é preciso estudar o assunto por meio de três abordagens: “o patriarcado, as relações sociais e a identidade de gênero compreendendo as abordagens dentro do contexto familiar.” (apud AMARAL, 2005, p.13). Neste contexto, faz-se mister distinguir sexo de gênero. Assim, para Giddens (2005, p. 102), sexo refere-se “às diferenças anatômicas e fisiológicas que definem os corpos masculino e feminino. Gênero, em contrapartida, diz respeito às diferenças psicológicas, sociais e culturais entre homens e mulheres.”. Em suma, sexo está ligado ao fator biológico e o gênero ao fator social. Nos dias atuais, observa-se que ainda há uma forte desigualdade de gênero. Isso ocorre em decorrência do próprio desenvolvimento das relações entre os seres, já que por muito tempo se vê a persistência da submissão da mulher ao homem, uma vez que os homens detém o controle das decisões, de voto ou de poder, fazendo reger toda a vida econômica, histórica, social, política e cultural de uma determinada época. Mas no contexto contemporâneo, há uma mudança significativa quanto a essa relação, já que as mulheres, aos poucos, estão ampliando seu espaço na vida em sociedade. Segundo Giddens (2005, p. 105), “as diferenças de gênero não são biologicamente determinadas, são culturalmente produzidas. De acordo com essa visão, as desigualdades de gênero surgem porque homens e mulheres são socializados em papeis diferentes.”. A desigualdade é resultado de uma socialização diferenciada de funções entre homens e mulheres, cabendo a cada um papéis específicos dentro da execução 59 e/ou elaboração de determinadas atividades. Babieri refere-se ao conceito de gênero como um: Conjunto de práticas, símbolos, representações, normas e valores sociais que as sociedades elaboram a partir das diferenças anatômico-fisiológicas e que dão sentido à satisfação dos impulsos sexuais, à reprodução da espécie humana e, em geral, ao relacionamento entre pessoas. (apud AMARAL, 2005, p.16). Gênero, portanto, é uma abordagem repleta de representações e de significados criados pela sociedade, que impõe a forma como os homens e as mulheres devem se comportar, representando assim, as diferenças nas relações de poder. Com essa atitude, os grupos presentes na sociedade estabelecem valores e normas que, aos poucos, vão sendo incorporados e seguidos pelas pessoas. Segundo Amaral (2005, p. 19), São circunstâncias sociais que impõem as diferenças e as desigualdades e, nas relações cotidianas das pessoas, seja no espaço doméstico ou não, estas adquirem significados que são incorporados pelas pessoas e aparecem nas suas atitudes, comportamentos, representações, enfim, nas suas interações com o mundo. Pensar na construção de conceitos que identifiquem com clareza as diferenciações de gênero, leva-se a discutir sobre as vantagens e desvantagens em ser homem ou mulher, discussão esta em nível biológico e social. A diferença, na maioria das vezes, coloca a mulher em situação de desvantagem quando referida ao contexto social, pois as mulheres são vistas como seres frágeis, logo, discriminadas e subjugadas ao poder masculino. Já os homens ficam em desvantagem quando se trata do âmbito emocional, pois eles são vistos como seres fortes, não podem deixar-se levar pela emoção, que não podem chorar, porque isso não ficou para os homens. Todas as noções de vantagens e desvantagens foram construídas pela sociedade e fixadas aos seus componentes como normas que devem ser seguidas. As diferenças e oposições entre os sexos masculino ou feminino levam a sociedade a discriminar, a excluir e a tornar desigual a relação entre homens e mulheres, fazendo sobrepor cada vez mais relações de poder e hierarquia entre os seres. Com o passar dos anos, as mulheres vão conquistando espaço na sociedade “machista”, adquirindo protagonismo social por meio de sua determinação por melhores condições de vida. A mulher amplia seu espaço, torna-se provedora e protetora de sua família. Vale ressaltar que a função de proteger a família é um papel histórico que 60 marca a identidade feminina, ou seja, não é uma mudança ou uma atribuição atual, mas sim um papel tradicional incumbido à mulher. As políticas sociais por sua vez, focam suas ações nesse público, devido ao fenômeno da feminização da pobreza. Com isso, milhares de brasileiras beneficiárias dos programas sociais passam a ser responsáveis por prover o sustento de suas famílias. Pensar sobre tais mudanças é refletir sobre as conquistas das mulheres ao longo dos anos, através dos movimentos feministas que lutam pela igualdade de direitos entre homens e mulheres. Com as modificações no contexto sócio-histórico é possível verificar que as mulheres ganharam espaço no mercado de trabalho, embora ainda haja milhares de mulheres exercendo a função de trabalhadora doméstica. Com a centralização das políticas públicas na figura da mulher, destaca-se um termo que é de suma importância nesse estudo, qual seja, a matricialidade, tendo em vista o foco do Programa na família, mais especificamente na figura materna, ou seja, na mulher, a mãe. Esta é denominada responsável familiar, pois detém o controle do benefício. Segundo as Orientações Técnicas do CRAS (2011, p. 12), “A matricialidade sociofamiliar se refere à centralidade da família como núcleo social fundamental para a efetividade de todas as ações e serviços da política de assistência social.”. As categorias matricialidade sociofamiliar, gênero e família estão correlacionadas e discutir sobre as mesmas requer compreensão dessa articulação. É preciso compreender as reconfigurações do espaço público, dentro da dinâmica societária, para então envolver os rearranjos familiares que surgem ao longo do tempo e, acima de tudo, compreender o papel da família, bem como a centralidade das políticas sociais na matricialidade sociofamiliar. A PNAS (2004, p. 41), quando se refere à matricialidade, assinala que é preciso: Reconhecer as fortes pressões que os processos de exclusão sociocultural geram sobre as famílias brasileiras, acentuando suas fragilidades e contradições, faz-se primordial sua centralidade no âmbito das ações da política de assistência social, como espaço privilegiado e insubstituível de proteção e socialização primárias, provedoras de cuidados aos seus membros, mas que precisa também ser cuidada e protegida. De acordo com a PNAS (2004), a família, independentemente de sua formação, tem um papel de grande relevância na mediação das relações sociais. Ela assume o papel de mediadora entre o sujeito e a coletividade. A matricialidade 61 sociofamiliar, como centro da Política, ancora-se no fato de que a família tem a responsabilidade de prevenir, proteger, promover e incluir seus membros no meio social, cultural, político e econômico. Juntamente com as ações desenvolvidas por esta política, ela tem o papel fundamental de intermediar a relação tão necessária para o desenvolvimento do(s) seu (s) membro(s). Analisando a centralidade da matricialidade inserida no contexto do PBF, destaca-se a focalização do Programa na figura da mulher, como responsável familiar pelo controle do benefício, ou seja, é a mulher a representante da família diante da política de assistência social. Esta representação é visível no CRAS Granja Portugal, pois as mulheres procuram massivamente este equipamento socioassistencial, enquanto os homens frequentam de forma menos intensa. Nos encontros realizados no CRAS, mais especificamente nos encontros do grupo de família, as famílias acompanhadas são representadas em sua totalidade por mulheres. A centralização do Programa na mulher deve-se à questão de que, para o governo, ela é uma aliada no combate à pobreza, pois a mulher como chefe de família preocupa-se em atender as necessidades de sua família. De acordo com a ministra do MDS Tereza Campello (2012), “priorizar as mulheres como titulares dos benefícios, mais que assegurar recursos para alimentação, remédios, material escolar e higiene, conquistamos avanços com aumento do poder decisório da mulher e do exercício de seus direitos reprodutivos.”. Ou seja a mulher é tida como uma pessoa confiável para garantir a aquisição dos itens acima mencionados. Daí resulta a centralização do Programa na figura da mulher, pois é ela a representante de sua família nas reuniões da escola, do CRAS, é a mulher quem mais frequenta o Postos de Saúde. Essa presença da mulher nos diversos espaços faz com que o governo, a política e o próprio Programa a eleja como responsável familiar. A análise do contexto familiar requer um esforço preliminar para que se possa compreender cada momento histórico em que a família teve sua configuração e sua função modificada, pois durante muito tempo a concepção de família esteve relacionada à ideia da tríade pai, mãe e filhos. Entretanto, esta instituição social faz parte de uma construção social, inserida numa realidade dinâmica, rompendo assim com a concepção de família como grupo natural e estático, passando a ser concebida dentro de um processo histórico influenciado pelas determinações econômicas, sociais, políticas e culturais. 62 No mundo contemporâneo, há diversas concepções de família. Esta, agora, não se refere apenas às figuras do pai, da mãe e dos filhos. Para os programas de transferência de renda, mais especificamente para o PBF, denomina-se família o grupo constituído por todas as pessoas que moram numa mesma residência, ou seja, a compreensão de uma família está além de laços consanguíneos. A diversidade de família não permite elaborar uma descrição precisa sobre o termo, pois nos dias atuais, com as mudanças estruturais, encontram-se famílias diversas. Dentre as diversas formas de família, podem-se citar: a família nuclear formada por pai, mãe e filhos; a família ampliada na qual inserem-se avós, irmãos, tios, sobrinhos, ou seja, há diversos membros da família reunidos; a família reconstruída, formada por novos membros, advindos de outros casamentos ou não; as famílias matrifocais, formadas por uma mulher e seus filhos, sendo estes advindos ou não de outros relacionamentos, e um companheiro; e as famílias monoparentais, tipo de família composto por pessoas que vivem sem cônjuge ou com vários filhos, podendo ser chefiadas tanto por homens, quanto por mulheres. As transformações sociais do atual contexto influenciam na elaboração do conceito, e na estrutura familiar, pois as famílias tendem a se formar com um número menor de componentes e ao mesmo tempo em que ocorre uma diversificação das novas constituições de família. Segundo a PNAS (2004, p.42), tais mudanças tem como resultado: “Enxugamento dos grupos familiares (famílias menores), uma variedade de arranjos familiares (monoparentais, reconstruídas), além dos processos de empobrecimento acelerado e da territorialização das famílias geradas pelos movimentos migratórios.”. Embora no contexto familiar haja fragilidades e contradições, é nesse espaço que a Política de Assistência Social é socializada, permitindo o acesso à proteção social para todos os seus membros, independente de seu formato. Destacar a relevância da categoria família no atual contexto nos leva a entendê-la como um processo social envolto por mudanças e construções. Nesse cenário destacam-se os novos "arranjos" e "composições" familiares como fora acima mencionado desmistificando os conceitos e pré-conceitos estabelecidos ao longo da história. Com isso abre-se o caminho para o acesso à cidadania. De acordo com a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, a família é à base da sociedade e por esta razão cabe ao Estado dar-lhe proteção. Esta afirmação é 63 ratificada no inciso no 8º do referido artigo que estabelece: “O Estado assegura a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos de coibir a violência no âmbito de suas relações.”. A centralidade da Política na família recai sobre o fato de que esta tem como uma de suas funções fazer a mediação das relações entre o sujeito e o Estado, embora esteja inserida num espaço contraditório, marcado pela luta cotidiana em busca da sobrevivência no contexto social capitalista. A centralidade torna-se mais visível a partir da década de 1990, quando o sistema neoliberal passa a vigorar, pois transfere a responsabilidade do Estado para a sociedade e, consequentemente, para a estrutura familiar. Segundo Osterne A família tem sido pensada como base estratégica das políticas públicas, numa perspectiva de parceria com os programas sociais, no sentido da construção de sua autonomia. Nesse contexto, a família e a comunidade têm se revelado como fontes naturais de solidariedade, uma vez que se aciona o protagonismo familiar para transferir, aos próprios sujeitos, portadores de necessidades, responsabilidades pelos seus carecimentos, vinculando-os ao processo de ajuda mútua. (apud PEIXOTO, 2010, p.2) O papel da família é reconhecido na Constituição Federal de 1988, no ECA, na LOAS e no Estatuto do Idoso como um importante elemento da vida social, pois a mesma é uma instituição merecedora da proteção do Estado. O que acontece atualmente, todavia, é um processo de desproteção da família por parte do Estado, em decorrência da fragilidade das políticas públicas. Não é porque as ações estão centralizadas na família que o Estado tem que fugir de sua responsabilidade; é preciso proteger a família para que ela possa exercer a função de protetora de seus membros. Segundo Mioto (2004), a família, na atual sociedade brasileira, além de ser reconhecida como instância de cuidado e proteção, deve ser reconhecida como instância a ser cuidada e protegida, ponto em que se enfatiza a responsabilidade pública para com os seus membros, garantindo-lhes acesso aos serviços públicos de forma universal e equitativa. O lugar da família como centro das políticas públicas, em especial das políticas de Proteção Social, está articulado à necessidade de combater a pobreza e a exclusão social decorrentes das desigualdades impostas pelo sistema capitalista. Isto conforme afirma Mioto: É necessário pelo fato de que à sua situação de pobreza está diretamente ligada à má distribuição de renda, onde o modo de produção capitalista não 64 garante o pleno emprego, ficando as famílias em situação de vulnerabilidade, havendo a necessidade de inclusão social através das políticas sociais ofertadas pelo Estado. No Brasil o grau de vulnerabilidade vem aumentando, dadas as desigualdades, próprias de sua estrutura social, onde cada vez mais se nota a exigência de as famílias desenvolverem formas estratégicas para manterem a sobrevivência. (apud VANZETTO, 2005, p.6) De acordo com a Lei nº 10.836/2004, que cria o PBF, família é uma unidade nuclear onde os indivíduos que a compõe possuem ou não laços consanguíneos, ou seja, família para o Programa, refere-se a todas as pessoas que vivem sob o mesmo teto. Daí o interesse em protegê-la em sua totalidade, sendo por esta razão o desenvolvimento da Política de Assistência Social voltado para atender as necessidades sociais das famílias, não importando sua composição ou arranjo familiar. O intuito da Política é fortalecer e proteger os vínculos familiares, possibilitando o acesso igualitário e universal aos direitos sociais. 2.3 A autonomia adquirida pela mulher no cenário familiar: um novo poder de decisão? As mulheres e os homens, ao longo da história da humanidade, sempre desempenharam papéis diferenciados, tendo em vista que as atividades exercidas por um ou por outro eram divididas com base no sexo biológico. A figura feminina estava sempre associada à fragilidade, enquanto a figura masculina associava-se à força e à coragem. Enfim, é um fato que a mulher, desde o início do desenvolvimento da humanidade, é colocada em situação de dependência em relação ao homem. Na transição do século XIX para o XX, acontece o fortalecimento do movimento feminista, que ganha voz e vez para lutar por mais espaços sociais e por acesso aos direitos sociais da mulher, acesso este que deve ser pautado na igualdade social de ambos os sexos. Neste contexto, a mulher ganha espaço nas mais diversas áreas, como na econômica, social, política e cultural; modifica-se o seu papel sóciohistórico, pois a sua função social extrapola o âmbito doméstico e familiar; a mulher adquire certa autonomia, liberdade de expressão, emancipação política e social, enfim, ela amplia seu espaço de dominação. A mulher do século XXI assume um lugar diferente na sociedade, sendo-lhe destinadas novas funções, tais como a de combater a pobreza, garantir a segurança alimentar, educacional e de saúde de sua família. O sujeito da pesquisa é a mulher beneficiária do PBF, que participa do grupo de família do CRAS Granja Portugal. Esta beneficiária, que é acompanhada pelo 65 grupo, encontra-se em situação de vulnerabilidade social e de descumprimento das condicionalidades do Programa, ou seja, devido às fragilidades sociais que atingem suas vidas e de suas famílias e a recorrência no descumprimento de alguma condicionalidade do PBF, é necessário inseri-la no acompanhamento para que ela possa fortalecer os vínculos familiares e assim superar a situação de vulnerabilidade social que afeta todo o seu contexto familiar. Ela é monitorada através do acompanhamento familiar, espaço onde são trabalhadas as noções de liberdade, de possibilidades e de responsabilidades das mulheres, bem como de suas respectivas famílias, dando voz ativa a seu senso crítico. Uma das possíveis implicações do PBF na vida das mulheres refere-se à questão da autonomia, que pode ser conquistada por esses sujeitos, após a inserção no Programa, vindo daí a possibilidade de modificar a vida familiar no que se refere ao “poder” relacionado não apenas ao âmbito doméstico, mas também ao poder adquirido no que alude ao consumo, pois as mulheres detêm em seu controle a posse do cartão de benefício e estas recebem mensalmente um valor pecuniário referente ao número de crianças e adolescentes inseridos no Programa. Com o controle do benefício, elas veem a oportunidade de assegurar as necessidades básicas de sua família e de seu lar e, ainda, ajudam a movimentar a economia do bairro, pois adquirem crédito no mercado local. Mas essa certa autonomia conquistada pelas mulheres não se refere apenas à questão econômica, o que a torna uma mulher consumidora; mas a sua relação com os demais membros da família passa por transformações, visto que ela sabe as necessidades de seu lar, de seus filhos e suas próprias necessidades. Então, a partir daí, ela busca garantir as coisas mais essenciais ocupando assim um espaço que lhe permite tomar decisões que visam atender a todos que com ela residem. Percebe-se com isso que o lugar que a mulher passa a ocupar está além do fator econômico; aos poucos, ela vai ampliando mais e mais seu espaço no âmbito familiar. De acordo com o I Plano Nacional de Políticas para as Mulheres – I PNPM (2009, p. 13), a compreensão da autonomia deve estar atrelada ao Poder de decisão sobre suas vidas e corpos, assim como as condições de influenciar os acontecimentos em sua comunidade e país e de romper com o legado histórico, com os ciclos e espaços de dependência, exploração e subordinação que constrangem suas vidas no plano pessoal, econômico, político e social. 66 Sobre a questão do empoderamento da mulher, através do recebimento do benefício, é possível destacar que pode haver a possibilidade de melhorar tanto as suas condições de vida, quanto da sua família. Isto pode se refletir em diversos âmbitos de sua vida, como por exemplo, nas condições financeiras, e até mesmo no que se refere à conscientização de seus direitos e deveres como cidadã, sem falar no resgate de sua autoestima, que se reflete em três dimensões: a vida individual, a familiar e comunitária. Empoderamento quer dizer, em outras palavras, a capacidade das mulheres poderem decidir sobre determinadas questões que se referem tanto às suas vidas, quanto à vida dos membros de sua família, sobremodo dos filhos. A política pública vem usando esse termo com o intuito de enfatizar o protagonismo das mulheres no que toca à questão do enfrentamento da pobreza e na garantia da segurança alimentar. Pois, por meio do benefício recebido mensalmente, chegam os mínimos sociais necessários à manutenção do lar e da família. Nas palavras de Romano (2002, p. 18), A abordagem do empoderamento implica o desenvolvimento de capacidades das pessoas pobres e excluídas e de suas organizações para transformar as relações de poder que limitam o acesso e as relações em geral com o Estado, o mercado e a sociedade civil. Assim, através do empoderamento visa-se a que essas pessoas pobres e excluídas venham a superar as principais fontes de privação das liberdades, possam construir e escolher novas opções, possam implementar suas escolhas e se beneficiar delas. O empoderamento feminino, cujo efeito pode ser um resultado da inserção da mulher no PBF, permite um reordenamento do espaço doméstico, pois a relação patriarcal dominante até então passa a ser “ameaçada” por esse “novo poder” que pode surgir no âmbito familiar, uma vez que a “autonomia” conquistada por essas mulheres lhes permite maior acesso ao espaço público. Conforme, já mencionado, essa mulher passa a ter mais consciência de seus direitos, aumenta também a sua capacidade de fazer escolhas e decidir como e para que fim ela vai usar aquele dinheiro. Dentro desse contexto, surgem diversas perguntas que giram em torno das categorias até aqui discutidas, pois sabe-se que há uma centralização das políticas e do Programa na figura feminina. Sabe-se que a mulher sempre é a responsável pelo recebimento do benefício, por decidir que destino ela deve dar ao dinheiro. Diante de tantas responsabilidades, é possível afirmar que essa mulher adquire autonomia após sua inserção no PBF? Se adquire, como ela se manifesta no contexto familiar? E, 67 principalmente, qual a visão das beneficiárias no que se refere à centralização do Programa na figura feminina e qual a sua compreensão a respeito de autonomia? Enfim, na procura por tentar responder tais perguntas, o capítulo seguinte busca analisar a compreensão das mulheres beneficiárias do PBF que participam do grupo de família do CRAS Granja Portugal e, ao mesmo tempo, busca apresentar respostas às perguntas acima indagadas. Neste capítulo também é apresentado o perfil das mulheres, assim como a territorialidade onde a pesquisa se desenvolve. 3. O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM ANÁLISE: UM ESTUDO DE CASO COM AS MULHERES QUE PARTICIPAM DO GRUPO DE FAMÍLIA NO CRAS GRANJA PORTUGAL. A análise do PBF tem por base os dados do MDS (2012) sobre o município de Fortaleza/CE, os quais demonstram o total de famílias inscritas no Cadastro Único até o terceiro trimestre do presente ano. O número de famílias cadastradas é de 330.141, dentre as quais: 167.912 possuem renda per capita familiar de até R$70,00; 256.824 possuem renda per capita familiar de até R$ 140,00; e 316.676 possuem renda per capita de até meio salário mínimo. Conforme mencionado em capítulos anteriores, o PBF é um programa de transferência de renda que beneficia famílias pobres e extremamente pobres, as quais tem que estar inscritas no CadÚnico para programas do governo federal. Assim, de acordo com o MDS (2012), o público beneficiado pelo PBF, no mês de outubro de 2012, é de 199.329 famílias, representando uma cobertura de 112,5 % da estimativa de famílias pobres no município. O valor total transferido pelo governo federal em benefícios às famílias atendidas alcança o valor de R$ 24.677.409,00 (vinte e quatro milhões seiscentos e setenta e sete mil quatrocentos e nove reais) por mês. Quanto ao acompanhamento das condicionalidades no município de Fortaleza, no que se refere à educação, estima-se que a frequência escolar, até julho de 2012, teve o percentual de 81,64% para crianças e adolescentes com faixa etária entre 6 e 15 anos. Isto equivale a 169.302 alunos acompanhados. Já para os jovens com faixa etária entre 16 e 17 anos, o percentual atingido reduz, visto que o acompanhamento só atinge 66,36% dos alunos, ou seja, apenas 29.925 jovens são acompanhados de um total de 45.098. 68 No âmbito da saúde, o acompanhamento familiar, até junho de 2012, teve como percentual atingido 41,82 %, índice este que não atinge nem 50% do público do Programa, pois o número de famílias a serem acompanhadas é de 157.458 e a equipe de saúde fez o acompanhamento de 65.844. Para a assistência social chegam as repercussões de descumprimentos de condicionalidades tanto da área da saúde, quanto da educação, o que leva os profissionais a verificar no SICON a situação de cada membro daquela família, ou seja, ao verificar o sistema, o profissional identifica quem está em situação de descumprimento. Segundo os dados do MDS, 46.309 famílias descumpriram seus compromissos no presente ano. É sabido que o descumprimento de condicionalidades não leva à perda do benefício de imediato, mas leva a perdas gradativas, por meio de sanções. Uma das sanções refere-se à advertência, que, até o mês de setembro de 2012, teve registro de 1.350 casos. Por sua vez, o número de famílias com benefício bloqueado neste mesmo período é de 624. Os casos de primeira suspensão contabilizados são de 297; já os de segunda suspensão são 129 e, por fim, o número de cancelamentos de benefícios é bem reduzido; de acordo com os dados, 63 benefícios foram cancelados. Contudo, antes de chegar à última sanção o profissional responsável, seja o assistente social ou o psicólogo, faz o recurso online, ou seja, existe uma página no site do MDS onde os profissionais têm “autoridade” para deferir ou indeferir determinado recurso. De maneira que os dados obtidos até o mês de julho de 2012 apontam que 792 recursos foram cadastrados e avaliados, sendo 765 deferidos e 27 indeferidos. As famílias que estão em situação de descumprimento de condicionalidades são inseridas no acompanhamento familiar do SICON. Ao todo, 3.279 famílias foram inseridas até setembro deste ano. No caso do bairro Granja Portugal esse número é de 168 famílias, que estão sendo acompanhadas pela equipe técnica do CRAS Granja Portugal. Em Fortaleza, avalia-se que o número de famílias de baixa renda com perfil para o Cadastro Único seja de 269.411, sendo que 177.158 são famílias consideradas pobres. De acordo com o MDS, na capital do Ceará, até outubro de 2012, foram inseridas 199.329 famílias no PBF. 69 O valor destinado a cada família é distribuído de acordo com os tipos de beneficio22 pagos. Até o mês de setembro de 2012, 170.074 famílias receberam o Benefício Básico; 292.818 famílias receberam os Benefícios Variáveis (48.005 Benefício Variável Jovem; 1.520 Beneficio Variável Nutriz; 2.202 Benefício Variável Gestante) e 23.675 famílias receberam o Benefício de Superação da Extrema Pobreza na Primeira Infância. A população do bairro Granja Portugal cadastrada no Cadastro Único corresponde apenas a 13,5%, ou seja, apenas 5.370 pessoas do bairro têm acesso aos programas, projetos e serviços ofertados pelo governo federal. (SEMAS, CADASTRO ÚNICO, 2011). Abaixo segue o percurso teórico-metodológico pelo qual a pesquisa teve base para que seu desenvolvimento lograsse êxito. Neste tópico apresentam-se os procedimentos utilizados para maior aproximação com os sujeitos e o local da pesquisa. Em seguida, fala-se do perfil das mulheres beneficiadas pelo PBF, assim como a ótica pela qual elas compreendem o Programa. Por fim, apresenta-se análise do Programa articulada com a realidade desse bairro periférico da cidade de Fortaleza. 3.1 O percurso teórico-metodológico para a construção e investigação do objeto. É sabido que a pesquisa é uma construção de conhecimento que percorre um longo caminho, buscando alcançar um determinado fim. Buscar construir tais conhecimentos requer entender as modificações ocorridas no contexto socioeconômico e político brasileiro, compreendendo a dialética da realidade. Nesse momento, percebese que as coisas e as pessoas não são estáticas, o mundo se transforma e, consequentemente, transforma as pessoas que nele vivem. 22 Segundo o MDS (2012) os benefícios são: Benefício Básico, pago no valor de R$ 70,00 concedido apenas a famílias extremamente pobres; Benefício Variável, pago no valor de R$ 32,00 concedido pela existência de crianças de 0 a 15 anos, gestantes e/ou nutrizes – limitado a 5 benefícios por família; Benefício Variável Vinculado ao Adolescente, pago no valor de R$ 38,00 concedido pela existência de jovens entre 16 e 17 anos – limitado a 2 jovens por família; Benefício para Superação da Extrema Pobreza na Primeira Infância, com valor correspondente ao necessário para que a todas as famílias beneficiárias do PBF – com crianças entre 0 e 6 anos – superem os R$ 70,00 de renda mensal por pessoa.Ver: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/beneficios 70 Neste percurso é apresentado o bairro em que se desenvolve a pesquisa, assim como o equipamento socioassistencial – CRAS Granja Portugal – onde a pesquisadora encontra seus sujeitos e desenvolve a pesquisa. Por fim, apresentam-se os interlocutores – as mulheres beneficiárias do PBF que frequentam o CRAS Granja Portugal e que fazem parte do grupo de família. 3.1.1 Os procedimentos utilizados para a maior aproximação com o objeto. A presente pesquisa tem por objetivo geral compreender como as mulheres beneficiárias concebem o PBF, bem como apreender as transformações ocorridas em suas vidas após sua inserção no referido Programa. Busca também compreender o papel da mulher no que se refere ao enfrentamento da pobreza, assim como entender a possibilidade de conquistar ou não certa autonomia após tornarem-se beneficiárias do PBF. O interesse pela temática vem desde o período em que a pesquisadora residia no interior do estado do Ceará, pois várias críticas no nível do senso comum são feitas ao Programa, como por exemplo: “Ah, agora esse povo não quer mais trabalhar”, “usam o dinheiro pra tudo, menos pra comprar comida e as coisas da escola”, “por que o „governo‟ não dá trabalho ao invés de dinheiro?” Enfim, são essas e muitas outras interpretações que as pessoas têm a respeito do Programa que impulsiona o desejo por compreendê-lo. As observações, questionamentos e reflexões acerca do PBF são suscitados de forma mais intensa quando a pesquisadora adentra na vida acadêmica e, mais precisamente, quando inicia a disciplina de Estágio Supervisionado em Serviço Social. Já no âmbito acadêmico, surge a oportunidade de vivenciar experiências únicas na área da Assistência Social, por intermédio da Prefeitura Municipal de Fortaleza – PMF e da Secretaria Municipal de Assistência Social – SEMAS. O primeiro estágio se desenvolve na Secretaria Executiva Regional V – SER V, no Distrito de Assistência Social – DAS e as demais experiências são no CRAS Granja Portugal. Nesses períodos, a pesquisadora teve maior proximidade com a Proteção Social Básica – PSB, fazendo o acompanhamento do núcleo do Cadastro Único, o que favorece maior contato com o PBF e seu público de beneficiárias. 71 Vale ressaltar que a escolha por desenvolver a pesquisa no CRAS Granja Portugal deve-se não apenas ao anseio da pesquisadora em conhecer mais sobre o PBF e suas beneficiárias, mas deve-se também à relação de proximidade entre a pesquisadora e os profissionais daquele equipamento. A presente pesquisa torna-se relevante para que impulsione a discussão sobre o papel da mulher não apenas como mãe, como esposa ou como dona de casa, mas como um sujeito que, por meio dos programas de transferência de renda, vê a oportunidade de transformar sua vida e a da sua família, pois essa mulher passa a adquirir certa autonomia e com isso luta para minimizar as expressões da questão social mais latentes em seu lar, como a pobreza e a fome. A pesquisa se desenvolve por meio do embasamento no método dialético, o qual busca fazer uma análise da realidade e entender as contradições existentes na sociedade capitalista, contradições estas que se acentuam por meio da exploração de uma classe sobre a outra. Este método ajuda a compreender e a analisar o processo histórico, econômico e social vigente na atualidade. O percurso metodológico que norteia o desenvolvimento da investigação tem por base a pesquisa quanti-qualitativa. Por meio dela é feita uma abordagem socioeconômica das mulheres beneficiárias do PBF e, para além disso, a pesquisa permite conhecer as complexidades e contradições acerca do objeto que está sendo investigado. De acordo com Goldenberg (2003, p.63), a articulação entre a pesquisa qualitativa e a quantitativa baseia-se “na ideia de que os limites de um método poderão ser contrabalançados pelo alcance de outro.”. Ou seja, uma metodologia complementa a outra. O trabalho também contempla outros tipos de pesquisa, tais como a bibliográfica e a documental. De acordo com Gil (2002, p.44), a primeira “é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos.”. E a segunda, apesar de ter semelhanças com a primeira, apresenta uma diferença fundamental, que é a natureza dos dados. Assim, segundo o autor, a pesquisa documental “vale-se de materiais que não recebem ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa.”. (GIL: 2002, p.46). Os relatos dos artigos, dos livros e dos demais documentos como o Decreto nº 5.209 de 17 de setembro de 2004 que regulamenta o PBF, o Relatórios de 72 Informações Sociais e a Apresentação do orçamento 2012 trazem mais consistência teórica, o que é fundamental no desenvolvimento da pesquisa. A pesquisa de campo é um instrumento essencial. Conforme Gil (p.53, 2002), “é desenvolvida por meio da observação direta das atividades do grupo estudado e de entrevistas com informantes para captar suas explicações e interpretações do que ocorre com no grupo.”. Ou seja, é na pesquisa de campo que se dá o contato dos sujeitos com a pesquisadora. Dentre os recursos técnicos aplicados, elencam-se as entrevistas estruturadas, os questionários e as visitas ao bairro pesquisado, meios que permitem conhecer a realidade das famílias. Através deste contato surgem novas indagações, que proporcionam uma análise mais profunda do contexto social em que vivem as famílias e favorecem o conhecimento das perspectivas almejadas pelas mesmas no que se refere ao seu futuro. O processo de pesquisa de campo desenvolve-se nos meses de setembro a novembro. A princípio, a pesquisa tem início com uma roda de conversa. Após o encontro do grupo, as mulheres selecionadas para participar da pesquisa são convidadas a se reunirem novamente para que a pesquisadora pudesse lhes apresentar o intuito da pesquisa; elas ficaram bem à vontade para perguntarem sobre a mesma e para se organizarem em duplas para poder ir ao CRAS dar sua entrevista. Logo após, inicia-se a fase da aplicação dos questionários e entrevistas. Salienta-se que, para aplicar tais instrumentais, a pesquisadora explica o objetivo da pesquisa e entrega a cada mulher um termo de compromisso assinado pela mesma, no qual ressalta-se o sigilo de identidade de cada mulher que se disponibiliza a cooperar para o desenvolvimento da pesquisa. Em meados de outubro, a pesquisa é interrompida por problemas de ordem social, que afetam a vida das famílias que residem no bairro. Este problema é resultado do alto índice de violência que atinge a população da Granja Portugal, o conflito entre gangues rivais que se enfrentam diariamente interrompe o andamento da pesquisa, que vem a ser retomada em meados do mês de novembro, quando os conflitos na área são amenizados. O percurso metodológico que norteia a pesquisa é de fundamental importância, porque o mesmo possibilita trilhar um caminho no qual a tendência é pensar a realidade, buscando compreendê-la e por meio da convivência, do contato direto e com isso tentar intervir nesta realidade que é passível de transformações. 73 3.1.2 O lugar da pesquisa: Granja Portugal. Centro de Referência de Assistência Social – CRAS O bairro Granja Portugal está inserido na área de abrangência da Secretaria Executiva Regional V – SER V, sendo esta a segunda maior secretaria do município em extensão territorial. Ela abrange 17 bairros: Aracapé, Bom Jardim, Canindezinho, Conjunto Ceará, Conjunto Esperança, Genibaú, Granja Lisboa, Granja Portugal, Jardim Cearense, Maraponga, Mondubim, Parque Presidente Vargas, Parque Santa Rosa, Parque São José, Prefeito José Walter, Siqueira e Vila Manoel Sátiro. Abriga grandes conjuntos habitacionais, como: Conjunto Ceará, Conjunto Esperança e Prefeito José Walter, assim como áreas de risco e favelas, sendo estas em torno de 18 e 40, respectivamente. Granja Portugal é um bairro centenário, inicialmente habitado por portugueses que criavam galinhas, vindo daí a denominação do bairro que é subdividido em sete comunidades: Mela-Mela, Novo Mundo, Santo Antônio, Menino Deus, Cacimbinhas, Santa Clara e Belém. A renda per capita média das famílias residentes no bairro é de um salário mínimo, o que reflete diversos problemas detectados no bairro: falta de saneamento básico, atendimento de saúde ineficaz, crescimento populacional intenso, o que resulta em uma ocupação desordenada do espaço físico do bairro. A maioria dos habitantes vive do trabalho artesanal, comércio e feiras locais. A população que reside na área de abrangência da SER V é de 452.875 mil habitantes. Este número revela que esta regional é a mais populosa. A população periférica vive em estado de extrema pobreza, marcada pela marginalização social, pela falta de recursos básicos, por um baixo desenvolvimento escolar, desemprego, falta de perspectivas e baixa estima. O bairro Granja Portugal possui uma densidade demográfica de 71 pessoas por km², tem113. 826 domicílios, com uma população total de 37.369 mil habitantes. Em termos de equipamentos sociais, conta com dois postos de saúde, cinco escolas da rede municipal, uma creche, uma Casa Brasil23 e um Centro de Idosos, hoje denominado 23 Projeto da prefeitura em parceria com o governo federal, que oferece um espaço gratuito para formação e capacitação tecnológica, aliando a cultura, arte e participação popular. O público-alvo são jovens entre 16 e 24 anos de idade. 74 CRAS – Granja Portugal. Para o lazer a comunidade conta com a Praça da Granja Portugal, com seu campo de futebol e a Igreja Católica de Santo Antônio. O CRAS – Granja Portugal,espaço onde a pesquisadora tem acesso às mulheres beneficiárias do PBF, é uma instituição de natureza pública. Cujos programas e projetos abrangem; Cadastro Único, Inclusão Produtiva, Programa de Atenção Integral à Família – PAIF, Programa de Acompanhamento Familiar – PAF e Pro Jovem Adolescente. Dentre os programas citados, a pesquisa tem como foco o Cadastro Único, pois é por meio dele que as famílias têm acesso ao PBF. O foco principal da pesquisa são as famílias que estão sendo acompanhadas pelo PAIF e pelo PAF, programas mais acessados pelas mulheres visto que elas são acompanhadas por meio do grupo de família do referido equipamento socioassistencial. O CRAS – Granja Portugal está ligado à rede de PSB que visa prevenir situação de risco e vulnerabilidade social por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários e do acesso às políticas públicas, mais precisamente no acompanhamento do CadÚnico, que tem como principal objetivo identificar e caracterizar a condição socioeconômica das famílias para que elas possam ser inseridas em programas como o Bolsa Família – programa de transferência direta de renda com condicionalidades que busca beneficiar famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza. 3.1.3 Os sujeitos da pesquisa: as mulheres beneficiárias do Programa Bolsa Família que participam do grupo de família no CRAS Granja Portugal. Os sujeitos da pesquisa são as mulheres beneficiárias do PBF que participam do grupo de família, o qual faz parte das ações desenvolvidas pelo PAIF e PAF. Ambos visam orientar as famílias, fazer acompanhamento sistemático, fortalecer a função de proteção das mesmas e prevenir a ruptura de laços, ou seja, visa fortalecer os vínculos dos membros familiares que estão em situação de extrema vulnerabilidade e/ou risco social. Com o grupo é desenvolvido um trabalho de caráter continuado que visa promover, além das funções acima mencionadas, o acesso e usufruto de direitos, contribuindo para a melhorar a qualidade de vida daqueles usuários. 75 O grupo de família do CRAS – Granja Portugal faz o acompanhamento de 20 (vinte) famílias, mas as mulheres que frequentam o grupo com mais assiduidade são 15 (quinze). Este número oscila de um encontro para o outro. Os encontros ocorrem duas vezes ao mês e os temas tratados variam a cada quinzena, pois o intuito é debater sobre assuntos que estejam articulados com a realidade das mulheres e suas famílias, fazendo-lhes refletir sobre a sua atual situação e impulsionando-as a buscar novas perspectivas de vida. As mulheres selecionadas para o desenvolvimento da pesquisa residem, em sua maioria na Rua Luminosa, rua esta onde encontra-se o maior número de beneficiárias do Programa. Trata-se das veteranas do grupo, critério que favorece para maior aprofundamento sobre o tema, permitindo assim compreender as mudanças ocorridas em suas vidas antes e após a inserção no PBF. A aproximação com as mulheres ocorre desde o início do estágio supervisionado quando a pesquisadora passa a participa das atividades do grupo. O que proporciona maior contato e confiança para que elas aceitem a participar da pesquisa. A abordagem das mulheres do grupo inicialmente é mediada pela supervisora de campo, por meio de uma roda de conversa, onde a pesquisadora teve a oportunidade de explicar os objetivos da pesquisa, antes mesmo de concluir sua fala, as mulheres já estavam se organizando para virem ao CRAS dar sua entrevista e responder ao questionário. Imagina-se que o tema da pesquisa tenha sido um fator relevante para a aceitação imediata das mulheres, pois cada uma quer narrar as mudanças, as conquistas, bem como as dificuldades enfrentadas antes e depois da inserção no PBF. Quanto à compreensão desse momento ressalta-se que é de suma importância, pois cada palavra, cada resposta é fundamental para compreender as falas, os pensamentos e os sentimentos de cada uma das mulheres. 3.2 O perfil das responsáveis familiares do Programa Bolsa Família. Com o intuito de conhecer mais detalhadamente as protagonistas desta pesquisa, faz-se necessário traçar seu perfil socioeconômico, uma vez que por meio da aplicação de questionários, as condições de vida tanto econômicas, quanto familiares e habitacionais das beneficiárias do PBF ficam mais visíveis. 76 Vale ressaltar que o grupo pesquisado é o grupo de família do CRAS – Granja Portugal, cujas atividades são realizadas quinzenalmente no âmbito do equipamento socioassistencial. As mulheres pesquisadas frequentam o grupo há mais de um ano e a maioria reside no bairro Granja Portugal, mais especificamente, na Rua Luminosa, conforme já fora mencionado. Esta rua concentra um grande número de beneficiárias, do PBF e reflete várias expressões da questão social como violência, pobreza, criminalidade, drogas, dentre outras expressões que são bem visíveis a todos que por ela passam. Segundo a descrição das próprias moradoras da Luminosa: Lá tem muita gente que recebe o benefício. Drogas na porta lá de casa, no meio da rua, as gangues, bala, muita bala, é muito perigoso. Agora lá tá em guerra, tava um tiroteio, os de lá vem pra cá, os daqui vão pra lá, tava aquela coisa, ficam ameaçando, diz que vão invadir. Lá tá tremendo, fica um negócio perigoso. Quando tem [tiroteio] entra todo mundo pra dentro de casa. Houve umas mortes por lá e fica aquela coisa, aquele pra lá e pra cá e na hora é muito menino no meio da rua, muito menino, mas a gente fica perdida, porque é bala perdida. Ainda bem que os meus [referindo-se aos filhos] diz assim, mãe fulano tá com conversa de que vão invadir, então fique por aqui num vá lá pra baixo não, fica aqui pela rua, porque na correria[...] aí já procuram num ficar nem pra lá, nem pra cá, ficam já dentro de casa. Os meus já sabe é muito perigoso, perigoso mesmo. Às vezes tem coisa que nem é na Luminosa, mas como lá tem venda de droga aí vem pra lá. (MARGARIDA, 39 anos, 4 filhos, grifos nossos). A minha moradia é boa, mas ... assim, tem drogas porque lá todo mundo conhece todo mundo, assim não tenho medo porque é perigosa, assim tem menino que se envolve com drogas essas coisa e eu não quero os meu filho envolvido. Quando tem conflito do lado de lá a gente já tem medo. Mas do lado de lá eles num respeita ninguém. Eu não tenho nada contra eles, nenhum. Eu tenho medo assim de bala perdida né? Bala perdida. (FLOR DE LIZ, 37 anos, 4 filhos, grifos nossos). A sensação de estar vivendo em guerra, no meio do conflito, a própria questão da violência vivenciada no dia-a-dia fazem as mulheres viverem com medo, embora em alguns momentos sintam-se mais confiantes porque no bairro e na rua todo mundo se conhece. Tal realidade não está centrada apenas na rua Luminosa, mas em outras que compõem o bairro. De acordo com dados obtidos na Cartilha da Regional V, denominada o Mapa da Criminalidade e da Violência em Fortaleza (2011), a preocupação das mulheres centra-se na questão de que os índices de criminalidade e violência no bairro estão crescendo a cada ano. De acordo com a referida Cartilha, as vítimas de homicídios são do sexo masculino, solteiros, com faixa etária entre 14 e 26 anos, com baixos níveis de escolaridade. Os crimes em sua maioria são cometidos por arma de fogo. Os locais com 77 maiores ocorrências de mortes violentas na área do Grande Bom Jardim24, entre os anos 2007 e 2009 são preferencialmente, as ruas centrais dos bairros. Na Granja Portugal, as ocorrências em sua maioria concentram-se nas ruas Coronel Fabriciano, Luminosa e Taubaté. A idade das participantes varia entre 33 a 60 anos. A maioria das entrevistadas é natural de Fortaleza. Três delas são naturais de cidades interioranas como Madalena, Viçosa do Ceará e Morro Branco; apenas uma é natural do Estado do Piauí. Em relação ao estado civil, cinco são casadas e cinco são solteiras, o que reflete os novos arranjos familiares existentes na atualidade. As que se declaram solteiras já passaram pela experiência do matrimônio. Em suas falas revelam que, mesmo quando viviam com o companheiro, sempre ajudaram a prover o sustento de sua família, pois trabalhavam, fazendo costura, lavando roupa, sendo babá e até mesmo fazendo artesanato. Com o dinheiro proveniente dos “bicos”, elas ajudam a pagar as despesas de sua residência e a suprir as necessidades de seus filhos, as suas e de seu lar, o que leva a compreender que essas mulheres, mesmo antes de se tornarem beneficiárias do PBF, já sentem-se responsáveis por suas famílias, assumindo o papel de chefes. Quanto à etnia /raça, oito declaram-se serem pardas, uma declara-se negra e a outra declara-se branca. A maioria não possui nenhum tipo de deficiência, seja visual, auditiva, física ou mental; apenas duas disseram sofrer algum tipo de deficiência, no caso uma delas declara que possui deficiência física, pois a mesma é portadora da patologia hanseníase25 e outra declara ter problema na visão, pois já perdeu quase toda a capacidade de enxergar. 24 A área do Grande Bom Jardim, é integrada pelos referidos bairros: Bom Jardim, Siqueira, Canindezinho, Granja Portugal e Granja Lisboa. Todos estes bairros estão localizados na territorialidade da SER V, área esta identificada pelas altas taxas de homicídios. 25 A hanseníase é uma das mais antigas doenças que acometem o homem. É uma doença causada pelo Mycobacterium leprae. O bacilo de Hansen é um micróbio que apresenta afinidade pela pele e nervos periféricos. Trata-se de uma doença infecciosa, crônica, de grande importância para a saúde pública devido à sua magnitude e seu alto poder incapacitante, atingindo principalmente as pessoas em faixa etária economicamente ativa comprometendo seu desenvolvimento profissional e/ou social. O alto potencial incapacitante da hanseníase está diretamente relacionado à capacidade do bacilo penetrar a célula nervosa e também ao seu poder imunogênico. Atualmente a hanseníase tem tratamento e cura.Ver: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/visualizar_texto.cfm?idtxt=31199 78 No que se refere ao nível de escolaridade das mulheres, nenhuma é analfabeta; o que prevalece entre elas é o ensino fundamental, variando as séries, cinco cursaram até a quarta série, duas chegaram a cursar a quinta, uma chega a cursar até a sétima, mas concluir o ensino fundamental que refere-se à oitava série, apenas uma delas declara que fechou esse ciclo de ensino. Quanto à situação no mercado de trabalho, nenhuma trabalha, mas todas almejam adentrar no mercado de trabalho, com o intuito de melhorar a renda familiar e, consequentemente, ter melhores condições de vida. Atualmente, em suas residências, quem trabalha são os filhos e o companheiro. Quanto às atividades por elas desempenhadas, para ajudar nas despesas de casa, várias atividades foram citadas, como: faxina, serviços de babá, artesanato, corte e costura. A renda das famílias, conforme já fora mencionado situa-se em torno de um salário mínimo26; poucas declaram que a renda familiar chega a um valor maior que um salário mínimo, tendo em vista que seus companheiros trabalham de carteira assinada ou recebem o Benefício de Prestação Continuada – BPC27. O pagamento dos gastos da família tem como responsável as mulheres. São elas que arcam com as despesas, uma parcela bem menor divide essa tarefa com o companheiro. Como no caso de duas mulheres que vivem com seus cônjuges, a eles cabem à responsabilidade de fazer as compras para o mês. Para as esposas fica a responsabilidade de pagar conta de água, luz, comprar material escolar, roupas para os filhos. A dificuldade em obter uma renda fixa é devido ao empecilho de não ter com quem ou onde deixar os filhos, pois o trabalho de carteira assinada requer disponibilidade de tempo e como elas não têm, optam por trabalhos que tenham horários flexíveis e que não ocupem todos os dias na semana. Outro fator refere-se à baixa escolaridade das mesmas, pois conforme descrito acima, elas não possuem nem o ensino fundamental completo. 26 27 O valor do salário mínimo vigente no ano de 2012 é de R$ 622,00. De acordo com o Ministério da Previdência Social, o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social – BPC-LOAS, é um benefício da assistência social, integrante do Sistema Único da Assistência Social – SUAS, cuja operacionalização do reconhecimento do direito é do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS e assegurado por lei, que permite o acesso de idosos e pessoas com deficiência às condições mínimas de uma vida digna. Ver mais em: http://www.previdencia.gov.br/conteudoDinamico.php?id=23 79 Quanto ao número de pessoas que residem em suas casas, varia entre três e nove pessoas. Já o número de filhos varia entre um a nove. A faixa etária é a que mais se difere, pois eles têm entre quatro meses a vinte e quatro anos. Algumas mulheres ainda criam seus netos. Alerta-se que a faixa etária limite para receber o benefício do PBF é até dezessete anos. Quanto à escolaridade dos filhos, dezoito frequentam a escola, o que prevalece entre eles é o ensino fundamental, sete cursam da primeira è quarta série e oito cursam da quinta à oitava série. No ensino médio também foram registrados alunos, mas numa proporção bem menor, apenas três. No que se refere às condições de moradia, a maioria das mulheres pesquisadas tem casa própria; apenas três moram de aluguel. Na habitação o que prevalece é a moradia em casa, sendo esta propriedade das beneficiárias. O tipo de material de construção de todas as residências é o tijolo. Quanto às condições estruturais de moradia – instalação elétrica, hidráulica e sanitária, a maioria possui infraestrutura adequada, com todos os tipos de instalação. Três mulheres relatam que possui infraestrutura precária, ou seja, possui em sua residência instalação elétrica e hidráulica adequada, para que as condições estruturais fiquem completa falta apenas a instalação sanitária. No que se refere ao acesso a outros serviços, programas e projetos sociais, apenas duas tiveram acesso, pois participaram de um curso para cuidador de idosos e de cozinha popular; as demais não participaram de nenhum outro programa, a não ser o próprio Bolsa Família. De todas as mulheres entrevistadas oito nunca teve nenhum vínculo com órgãos de defesa de direitos; duas já precisaram acessar serviços jurídicos. Um caso recente relatado por uma das mulheres refere-se ao processo movido contra o ex-marido, pois a mesma está separada a pouco mais de dois anos e o ex-companheiro nunca pagou a pensão dos filhos. Ela, desde então, luta para assegurar o direito dos filhos de receber a pensão do pai. Pois já se passaram oito meses após o acordo feito e ele veio a pagar apenas um mês de pensão. A outra relata que o neto estava envolvido com drogas ao ser apreendido pela polícia foi conduzido à Delegacia da Criança e do Adolescente – DCA. Quanto à participação política, a declaração da maioria é que nunca teve nenhuma participação em movimento social, associação comunitária ou outro movimento político; apenas uma declara que participa de uma associação de um determinado vereador do bairro. 80 3.3 A ótica das mulheres beneficiadas pelo Programa Bolsa Família. Faz-se necessário compreender a visão das mulheres beneficiadas sobre o PBF. Para isso as entrevistas aplicadas durante o desenvolvimento da pesquisa tornaram-se um instrumento muito relevante, pois através da aplicação deste recurso é possível compreender que concepção as mulheres têm sobre o Programa e fazer uma análise articulando a teoria com o pensamento das mulheres. A situação de vulnerabilidade social em que se encontram as famílias das mulheres que residem no bairro Granja Portugal as expõe às mais diversas expressões da questão social no mundo contemporâneo. Fala-se, aqui, da fome, da violência, da criminalidade, das drogas e, principalmente, da pobreza, que é uma das expressões mais latentes na periferia de Fortaleza. Porém, a pobreza que afeta a população está além da falta de renda; expressa-se também por meio da precária infraestrutura sanitária, elétrica e hidráulica em que vivem as famílias; revela-se nas desigualdades sociais, na falta de acesso a melhores serviços de saúde, educação, pois os serviços ofertados não são suficientes para atender toda a demanda. Conforme afirma Yazbek (1993, p. 41), As políticas sociais assumem o papel de atenuar, através de programas sociais, os desequilíbrios no usufruto da riqueza social entre diferentes classes sociais, bem como os possíveis conflitos sociais decorrentes das precárias condições de vida a que se encontram submetidas as classes subalternas. Num contexto de crise, conforme já fora mencionado no primeiro capítulo, onde cresce o sentimento de insegurança, a redução das políticas de proteção social, o rebaixamento salarial e o aumento do desemprego, geram um terreno propício para a criminalização da pobreza e, conseqüentemente, dos movimentos sociais, que lutam em defesa da afirmação e da efetivação dos direitos sociais. Há uma retomada do Estado policial, que passa a repreender as manifestações da classe subalterna e, em contraposição, para acalmá-la, desenvolve as políticas de transferência de renda, que visam atender de forma imediatista as necessidades mais urgentes das pessoas que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza. A pobreza aqui estudada é resultado da exploração existente na sociedade capitalista. É preciso conhecer de forma mais próxima a realidade das classes subalternas, que vivenciam uma realidade marcada pela desigualdade, onde há poucos com muito e muitos com pouco. 81 Entram em cena os programas de transferência de renda, que surgem com o intuito de minimizar tais desequilíbrios sociais e econômicos. O PBF, que faz parte da rede de combate à pobreza beneficia várias famílias que vivem no bairro Granja Portugal, um dos bairros mais pobres de Fortaleza. As famílias que lá vivem sofrem com as diversas refrações da questão social acima mencionadas. As mulheres28 beneficiárias do PBF participam do Programa desde o seu surgimento. Somente uma entre as entrevistadas, disse que recebe o benefício há uns quatro ou cinco anos. Com base na quantidade de tempo em que as mesmas tornam-se beneficiárias, uma das perguntas iniciais da entrevista refere-se exatamente à questão do objetivo do Programa, pois o intuito maior é saber se as mulheres que frequentam o grupo de família conhecem o PBF. Eis a compreensão delas sobre os objetivos: Pra mim ele surgiu para ajudar as pessoas que tem mais necessidade. (VIOLETA, 43 anos, 3 filhos, grifos nossos). Ele veio pra ajudar a gente né? E como ajuda! Eu que diga, estou com dois anos separada, ainda tô conseguindo [sobreviver] por causa dele, porque eu deixei de trabalhar. Por causa disso ai [PBF], porque eu não posso deixar meus filhos só, porque onde eu moro é muito perigoso mesmo, é muito perigoso mesmo. Pra mim é muito importante mesmo porque ajuda na alimentação, ainda pago água, energia, é a segurança. (MARGARIDA, 39 anos, 4 filhos, grifos nossos). Pra ajudar aquelas pessoa humilde né? Na pobreza, que vive na pobreza. (FLOR DE LIZ, 37 anos, 4 filhos, grifos nossos). Ou seja, elas encontram no PBF uma forma de “ajuda” para suprir as necessidades do seu lar e de sua família, embora não seja suficiente para suprir todas as necessidades da família. Outro ponto relevante que merece destaque por meio das narrativas é a concepção do acesso ao Programa como uma ajuda não como um direito social, ou seja, o fetiche da ajuda contrapondo-se à noção de direitos. No que se refere à compreensão das beneficiárias sobre as pessoas que têm direito de participar do Programa, pontua-se não apenas um fator, mas vários. Dentre eles, o que gera consenso é o de que o benefício deve ser destinado às pessoas que estão 28 Buscando assegurar a não identificação dessas mulheres, associa-se o nome de cada uma a nomes de flores, sendo elas identificadas por: Violeta, 43 anos, 3 filhos; Margarida, 39 anos, 4 filhos e Rosa, 33 anos, 4 filhos. Angélica, 40 anos, 3 filhos. Flor de Liz, 37 anos, 4 filhos. Dália, 38 anos, 5 filhos. 82 em situação de extrema pobreza, fator este subentendido quando elas falam em baixa renda, pessoas carentes e baixa pobreza. Ao mesmo tempo em que elas identificam as pessoas que devem ser beneficiárias, surge uma crítica que está expressa no relato de Margarida, em que às vezes o benefício é destinado para algumas pessoas que não precisam. Já Rosa destaca a necessidade de o benefício ser destinado às pessoas que não tem marido e que têm muitos filhos, pois estas necessitam de meios para suprir as necessidades do lar e da família. Seguem abaixo as declarações das mulheres, sobre as pessoas que devem ser beneficiadas pelo Programa, As pessoas que tem mais baixa renda no caso. (VIOLETA, 43 anos, 3 filhos, grifos nossos). Pra mim é as pessoas carentes mesmo, as que precisam, infelizmente vem pra muita gente que nem precisa, mas é para os mais carentes mesmo. (MARGARIDA, 39 anos, 4 filhos, grifos nossos). Eu acho que só aquelas pessoas que precisam mesmo né? Que vive em baixa pobreza. Tem uns que não tem marido, tem muitos filhos e o marido foi embora e deixou só aquela pessoa pra assumir toda a casa. Já é uma ajuda do governo. (ROSA, 33 anos, 4 filhos, grifos nossos). Eu creio que sou uma porque viver só com um salário não dá, não dá, porque fica muito puxado, pagar água, luz, fazer feira, vestir, num dá não Fazia cinco anos que o meu marido ajuntava latinha. Tinha dia que não tinha o que comer. Hoje em dia mudo. Quando eu recebo o Bolsa Família chega eu me emo... emociono. Quando eu via meus filhos olhando pros outro com vontade de comer uma recheado e eu não tinha como comprar. E hoje em dia quando eu recebo o meu marido vai fazer a feira compra ai eu fico feliz. Já compro algo assim para dentro de casa e pago com o Bolsa Família e tudo isso é maravilhas. É conquista. (FLOR DE LIZ, 37 anos, 4 filhos, grifos nossos). Acho que as família de baixa renda, as que não tem renda né? Eu penso assim. Que não tenha uma renda que possa garantir o sustento da família. Eu penso assim. Como eu né? Porque eu só tenho essa renda do Bolsa Família e algum bico que meu esposo faz. (DÁLIA, 38 anos, 5 filhos, grifos nossos). Nas falas das mulheres percebe-se que a maior preocupação está na inclusão das pessoas extremamente pobres no PBF, pois no decorrer das entrevistas elas criticam muito as pessoas que tem melhores condições de vida e recebem o beneficio. Percebe-se certa indignação em várias falas, visto que na rua e no bairro em que elas moram tem pessoas que necessitam mais. E aí surgem várias perguntas: Como é feita a fiscalização do Programa? Como são selecionados os seus beneficiários? E se a assistência social é tida como um dever do Estado e direito de todos que dela necessitarem por que existem 83 pessoas que ainda são excluídas do acesso aos programas, projetos e serviços ofertados pelo governo? Quando ouvem-se esses relatos e quando buscam-se explicações plausíveis para justificá-los, percebe-se que a política em si tem falhas e estas só poderão ser corrigidas quando o Estado passar a investir mais em política sociais, quando aumentar os gastos sociais no que se refere a investimentos materiais e humanos para o desenvolvimento de suas ações. Faz-se necessário pensar em meios que universalizem o acesso da política de assistência social, que, ao invés de atender a todos que dela necessitam, acaba fazendo uma seleção dos que mais precisam, dentre os mais vulnerabilizados que se apresentam na rede socioassistencial. A falha da Política ao ser apontada pelas mulheres, também impulsiona a pensar novos modos de inserção da família nos programas de transferência de renda, pois no momento do cadastro os dados repassados pelas famílias são declaratórios e para confirmá-los, é necessário maior número de profissionais atuando em campo e principalmente, é necessária uma fiscalização mais intensa para que possa identificar a situação em que vivem as famílias. Os beneficiários são selecionados com base na renda, a fiscalização é feita por meio de auditorias do MDS, assim como envolve o responsável pela unidade familiar e os agentes públicos até a Rede Pública de Fiscalização, mas é necessária uma equipe técnica maior, que possa dar conta de toda a territorialidade, pois sabe-se que o número de técnicos responsáveis pelo acompanhamento, gestão e fiscalização do Programa é bem reduzido. Necessita-se de mais profissionais para que o atendimento seja realizado de forma mais satisfatória. O reduzido número de técnicos é resultante da própria lógica capitalista, que acaba delegando diversas tarefas a uma única pessoa, o que deixa o sistema moroso e não permite que o atendimento aos usuários seja realizado de forma eficiente e eficaz, por que o sistema visa uma intervenção emergencial capaz de dar respostas e resultados mesmo que parciais naquele exato momento. A política social brasileira tem caráter seletista, focalista e emergencial. Para que ela se torne uma política universal, necessita estar articulada a outras políticas, pois ela sozinha não é capaz de resolver a situação da população mais vulnerável; ela precisa fazer uma articulação com as políticas estruturais, específicas e locais. De acordo com Wanderley (2008) a primeira interfere diretamente na questão da renda, na redução das 84 desigualdades e na universalização dos direitos sociais; a segunda destina-se a promover a segurança alimentar das famílias visando combater a fome da população carente; a terceira refere-se exatamente ao desenvolvimento de ações realizadas em parceria com a sociedade civil. A relação entre as três políticas acima mencionadas precisam ser concretizadas, pois caso não sejam as ações da atual forma de executar a política de assistência social estão fadadas a continuar no plano do assistencialismo. As pessoas tendem a permanecer com a ideia de que a política está para socorrer os pobres, e por meio desse pensamento o direito social não se politiza ficando eternamente no plano da “ajuda”. Quanto ao Responsável Familiar – RF pelo PBF, as mulheres logo se identificam como tais, pois a questão levantada por uma delas se refere à temática da relação de gênero, já que em suas falas destacam o controle do dinheiro e do que se coloca em casa pelo companheiro. Para as mulheres, ser responsável pelo recebimento do benefício e pela titulação do cartão lhes dá poder de decisão e de compra, pois são elas que recebem o benefício e que sabem o que os filhos e o lar necessitam. Margarida justifica a questão da mulher ser RF pelo PBF, quando em sua fala afirma enfaticamente que a mãe deve ser a responsável, pois segundo ela, As coisas é pra ele, o que ele bota ali e mais nada... Tem uns que são bom, o meu não foi muito bom não, mas pra ele lá... Já serve mais pra mim porque ele não é daquele homem de dar calçado, dá essas coisas, então foi um modo de eu ter e pra dar a meus filhos também era um complemento pra mim. (MARGARIDA, 39 anos, 4 filhos). As mulheres preocupam-se muito no que se refere aos cuidados com os filhos, tendo em vista que a área por elas habitada em alguns momentos sofre com a questão da violência, criminalidade e drogadição. Os homens quando fazem parte de algum arranjo familiar cabe à responsabilidade com o “grosso”, ou seja, de acordo com as mulheres eles se preocupam com o essencial que é colocar o arroz e o feijão. É com esse tipo de atitude que as mulheres por meio do beneficio iniciam a aquisição de outras coisas para o lar, para si e para as famílias. A vontade de adquirir algo resulta não apenas da fonte de renda, que é o PBF, mas principalmente da vontade de poder melhorar suas condições de vida, já que durante muito tempo suas vidas foram destituídas de benfeitorias, como ter acesso ao mercado capitalista e comprar roupas, fazer o cabelo, as unhas ou até mesmo comprar 85 alguns alimentos como chocolate, sorvete entres outros, tidos como “supérfluos” até então. E a oportunidade de poder consumir, as insere no mercado consumidor, isso consequentemente faz com que a economia local movimente-se. A centralização do Programa na figura da mulher, segundo as entrevistadas, refere-se à questão da boa administração e da responsabilidade das mulheres quando recebem o benefício, pois são elas quem se preocupam em atender às necessidades de sua família. Ressalta-se a ideia de que elas devem ser responsáveis pelo benefício e por combater a pobreza que afeta sua família. Outro ponto tocado pelas mulheres refere-se à questão da autonomia, embora tal conquista seja parcial, elas acreditam que sendo responsáveis pelo cartão, não precisam depender totalmente dos cônjuges. Margarida e Dália ratifica o pensamento quando dizem que, As mulheres sabe administrar mais, porque tem muitos homens bruto que ainda tem aquela coisa assim que... gosta que fique dependente dele a gente não tem aquela liberdade para ter alguma coisa, ele segura e num dão. (MARGARIDA, 39 anos, 4 filhos, grifos nossos). Eu acho muito bom. Melhor que o homem. A mulher quando ela pega nesse dinheiro já pensa no que fazer compra leite pras criança, lápis, já o homem não. Não pensa como a mulher, pra mulher os filhos é mais importante. (DÁLIA, 38 anos, 5 filhos, grifos nossos). Percebe-se, nas falas das mulheres, que o Programa, além de lhes dar “certa autonomia” no âmbito familiar e econômico, ajuda na movimentação do comércio local, pois os donos das mercearias passam a vender para elas a prazo, pois sabem que as mesmas terão o dinheiro para pagar a conta todos os meses. Elas se sentem livres para administrar e destinar o dinheiro para suprir principalmente as necessidades dos filhos. É sabido que o Programa têm condicionalidades que devem ser cumpridas por ambas as partes, tanto pelo governo, quanto pelas famílias. Quando a pesquisadora pergunta sobre as condicionalidades e sua relevância, todas concordam que elas são importantes para assegurar e conhecer os direitos. Quanto às dificuldades em cumprilas, elas relatam que fazem o possível para não perder as reuniões no CRAS, para estarem presentes no dia e na hora marcados para a verificação do peso das crianças, uma das condicionalidades da área da saúde. A área também exige que o calendário de vacina das crianças seja cumprido. Ou seja, é mediante o cumprimento das condicionalidades que o Programa visa concretizar os direitos dos cidadãos aos serviços de saúde, educação e assistência social. 86 As maiores dificuldades das mulheres para cumprir com as condicionalidades referem-se à área da saúde, pois antes era bem mais difícil cumprilas, visto que elas tinham que sair de casa na madrugada para enfrentar filas no Posto de Saúde, com o intuito de conseguir uma ficha para serem atendidas. Hoje, com a intervenção das agentes de saúde, as coisas mudaram, pois as profissionais visitam as residências de cada família e comunicam o dia e a hora em que as mesmas devem comparecer ao Posto com seus filhos, visando que estas não percam o dia estabelecido para o seu atendimento. Quanto às vantagens e dificuldades do PBF, compreende-se em seus relatos que o Programa é visto conforme fora mencionado anteriormente, como uma grande “ajuda”, pois é por meio do benefício que elas garantem o custeio dos gastos e a sustentação de suas famílias. Em contrapartida, quando se fala das dificuldades, elas ressaltam a questão das sanções do Programa, visto que há uma dificuldade maior para a resolução do problema. Conforme elas falaram, o empecilho refere-se às questões burocráticas pelas quais é necessário passar para que o caso seja solucionado. Para melhor compreensão seguem abaixo os relatos das mulheres, Vantagem: As vantagem pra mim eu acho assim... uma vantagem porque eu posso pagar uma coisa que eu compro, pra mim, minhas necessidades. Pago uma água, um gás... pago alguma coisa pra eles [filhos] mesmo pro colégio... eu acho bom. Dificuldades: Dificuldade quando acontece um problema, quando tira a gente do Programa. Pra gente ajeitar de novo é a maior burocracia, digo isso, porque já aconteceu comigo. O meu já foi bloqueado, ai eu vim para ajeitar disseram que tinha ajeitado e nada deu receber. Ai depois foi que eu fiz de novo que a assistente social olhou aí sim, ajeitaram. (VIOLETA, 43 anos, 3 filhos, grifos nossos). Vantagem: Pra mim é muitas né? Principalmente porque é uma forma de sobrevivência pra mim e pros meus filhos. Eu passei seis meses trabalhando, pra mim isso aí [benefício] é a minha maior ajuda, é a renda que eu posso viver. Dificuldades: pra mim eu não vejo nenhum não, porque ele tá pedindo uma coisa certa que às vezes as pessoas fica reclamando muito, mas ta certo, porque eu nunca vi uma coisas para num ser na moleza não, tá certo, é tão pouco que pede: um peso, fazer um cadastramento, uma reunião, vim coisas aqui... uma coisa assim tão pouco. (MARGARIDA, 39 anos, 4 filhos, grifos nossos). Vantagem: Pra mim foi uma ótima! Meu marido não é um bom dono de casa, só bota o grosseiro mesmo. E o Bolsa Família vei pra ajudar muito, porque é com esse dinheiro que eu compro os cadernos pros meninos, compro chinela, mando cortar os cabelo, compro umas roupinha pro final do ano. Dificuldade: É quando bloqueia o cartão e num avisa, porque sempre a gente tem que comprar umas coisinha fiado no botequim para pagar com esse dinheiro, a gente tem que chegar para aquela pessoa e dizer que não tem, então já é um mês que a pessoa espera a gente receber aquele dinheiro e 87 a pessoa vai atrás de ajeitar, mas nem sabe se vai receber no outro mês. (ROSA, 33 anos, 4 filhos, grifos nossos). As vantagens relatadas são muitas, pois o Programa deixa de ser compreendido apenas como uma ajuda do governo, mas como uma oportunidade de adentrar no mundo consumidor, permitindo a sobrevivência da família como um todo e, ainda, movimenta a economia local. Quanto às dificuldades, as reclamações referem-se mais à questão dos descumprimentos das condicionalidades, que levam a sanções. Essa burocracia que tanto as beneficiárias reclamam é resultado dos parcos investimentos em recursos humanos e também da falta de conhecimento sobre seus direitos e deveres. As famílias, muitas vezes, não tem um grau de escolaridade que lhes permita maior compreensão dos critérios do Programa, além disso, tem os impasses da realidade do bairro, que às vezes as impossibilitam de frequentar o CRAS, a escola ou o posto de saúde. Os impasses aqui referidos estão relacionados à precária infraestrutura das ruas do bairro, que impossibilita o descolamento de algumas famílias que moram à margem do rio, principalmente em épocas de chuva, ou a falta de recurso para se locomover no transporte coletivo urbano. Outro fator refere-se à questão da criminalidade, que está associada ao tráfico de drogas. Menciona-se também a falta de conhecimento sobre o Programa e o Cadastro Único, pois as famílias desconhecem que podem além do PBF participar de outros projetos, programas e serviços ofertados, tais como: PRONATEC, isenção de concurso, CNH Popular, dentre outros. Quanto à compreensão do que é ser pobre, no momento em que a pesquisadora indaga, as beneficiárias param para refletir sobre a pergunta. Algumas não se identificam como pobres, apenas uma assume sua condição de pobreza. Embora elas não se reconheçam como pobres, admitem que em alguns momentos passam por dificuldades. As respostas obtidas foram: Não eu acho assim, que pobre, pobre, pobre... pobre são aquelas pessoas que não tem onde morar que moram na rua, pra mim são esses tipos de pessoas né? (VIOLETA, 43 anos, 3 filhos, grifos nossos). Ser pobre é mais para aquelas pessoas que às vezes passa na televisão, que não tem o que botar no fogo e que não tem um pedaço de pão coisa assim. Eu acho que são essas pessoas assim, que é pobre, que tem dificuldade. Eu pelo menos aqui, acolá passo por uma dificuldade, porque lá em casa é só um salário para pagar tudo, água, luz, gás, fazer compra só dá uma rodada. (ROSA, 33 anos, 4 filhos, grifos nossos). 88 Pra mim não é uma coisa muito boa não, pobre tá dizendo que a gente não tem dinheiro, não tem as coisa pra... acho muito bom não. (DÁLIA, 38 anos, 5 filhos, grifos nossos). Ser pobre? É o que eu passei com... [choro] fome, muita fome. Dava água com açúcar pros meu filho e hoje em dia mudou. Muito ruim, muito ruim ser pobre. A gente não ter algo né? Querer e não ter. (FLOR DE LIZ, 37 anos, 4 filhos, grifos nossos). As beneficiárias expõem o que pensam e o que sentem percebe-se que há uma contradição em suas falas, pois essas mulheres apesar de serem beneficiárias do PBF que visa beneficiar famílias pobres e extremamente pobres não se reconhecem como pobres, pois a pobreza, para elas é refletida na falta de moradia e de acesso à alimentação, o que leva ao entendimento que o Programa é para atender apenas e tão somente as pessoas extremamente pobres, para que elas possam atingir um patamar mais elevado que lhes dê condições de ter uma moradia e alimentação. É sabido que o PBF surge para retirar milhões de brasileiros e brasileiras da condição de pobreza e de extrema pobreza. Quando a pesquisadora indaga sobre a situação de pobreza das famílias das beneficiárias, elas são enfáticas em dizer que sua família saiu da condição de pobreza, embora no momento anterior elas não se reconheçam como pobres. As falas de cada mulher são interessantes porque elas destacam a questão da segurança, da confiança e de continuação no sentido de assegurar a alimentação, o vestuário, o material escolar, o pagamento de água, luz, gás enfim é a garantia que elas têm todos os meses de assegurar os mínimos necessários à sobrevivência de sua família e à satisfação de suas necessidades pessoais. Dália é a única que declara que sua família ainda se encontra na linha de extrema pobreza. Seguem abaixo as falas das mulheres, Mudou porque assim, serve muito, para tudo, pelo menos porque agora eu precisava comprar um óculos para mim, se não fosse o Bolsa Família? Eu não tinha como comprar, porque eu ia pagar com o dinheiro de quem? Eu não ia poder comprar porque não ia confiar no dinheiro de um ou de outro, e o Bolsa Família não... já é uma segurança. (VIOLETA, 43 anos, 3 filhos, grifos nossos). Melhorou e muito, é tipo assim, é um dinheiro que vem que a gente tem certeza que pode contar. Eu tenho vontade de fazer, de ajeitar alguma coisa, pagar água, energia né? Se não tivesse esse dinheirim como é que ia tá pagando água e energia, sem tá trabalhando? É uma garantia muito 89 grande. Eu, pra mim, acho muito importante. (MARGARIDA, 39 anos, 4 filhos, grifos nossos). Saiu. Assim porque hoje em dia eu pego meu dinheiro, vou ali no mercantil já compro um pedaço de carne, uma fruta pros menino comer, uma bolacha, um pão. Ai quando eu recebo já pago pra continuar comprando. Coisa que ele [esposo] não podia dar como eu já falei eu já posso botar. (ROSA, 33 anos, 4 filhos). Saiu. Melhorou muito, por causa desse Bolsa Família. Todo mês eu já conto com aquele dinheirinho certo pra pagar alguma coisa. Tem a pensão do meu filho que já dá pra pagar o aluguel né? Mas aquele dinheirim já dá pra comprar outras coisas pra o meu filho. (ANGÉLICA, 40 anos, 3 filhos, grifos nossos). Saiu. Por causa do Bolsa Família e do emprego do meu marido. (FLOR DE LIZ, 37 anos, 4 filhos, grifos nossos). Não, apesar de tá ganhando na extrema pobreza, é $166,00, mas ainda continua na pobreza. Quando arranjar um emprego, ter um salário ai vai melhorar. E é difícil, ainda mais da minha parte que tenho esse menino que é muito bebê e ele [esposo] já tem mais de 60 ano. Ai fica mais difícil. (DÁLIA, 38 anos, 5 filhos, grifos nossos). A partir do momento em que elas têm a segurança de garantir o pagamento da água, da luz, de comprar alimentação ou alguma outra necessidade, as mulheres consideram-se fora da linha da pobreza, pois ser pobre está relacionado à falta de recursos que sejam capazes de atender a tais necessidades. Percebe-se que as mudanças são pontuais, mas, mesmo assim, as mulheres acreditam que suas famílias conseguiram sair da condição de pobreza. São estas mudanças que as fazem pensar que conquistaram autonomia, já que são elas que sabem para onde e para que destinar o dinheiro. Sabe-se que a mulher é a RF pelo PBF, o que se reflete na centralização do Programa na figura feminina. Este foco está associado à questão de que a mulher é vista como uma aliada no combate à pobreza. Para as beneficiárias, as mulheres ajudam a minimizar a pobreza quando, além de receberem o benefício, as mesmas se dispõem a trabalhar para complementar a renda familiar, quando administram bem os recursos advindos do benefício e quando investem na alimentação de sua família, pois de acordo com as mulheres, A necessidade é a do alimento você não consegui ficar sem o almoço, você não consegui amanhecer o dia sem a primeira coisa que é levantar e butar sua chaleira de café no fogo, ter aquele dinheiro pra comprar o pão. No dia que você amanhece sem aquilo você já se preocupa. (ROSA, 33 anos, 4 filhos, grifos nossos). 90 Porque a mulher ajeita tudo dentro de casa, ajeita direitinho. E o homem não, o homem não conta pra nada. A mulher é tudo, é chefe, é tudo, mulher é tudo. Porque ela pega daquele dinheiro vai ajeitando aquelas coisinhas, colocando tudo no eixo ali...ai eu vou pra frente por causa disso ai. (ANGÉLICA, 40 anos, 3 filhos, grifos nossos). Eu acho muito bom, é bom. Melhor que o homem. Eu acho, que o dinheiro na mão do homem... a mulher quando ela pega nesse dinheiro já pensa no que fazer compra leite pras criança, lápis, já o homem não. Não pensa como a mulher, pra mulher os filhos é mais importante. (DÁLIA, 38 anos, 5 filhos, grifos nossos). A família, independentemente do arranjo familiar que a compõe, ainda é um espaço de sobrevivência e de proteção. A mulher assume, nesse contexto, o papel de chefe de família que mais se destaca entre os componentes familiares, pois ela adquire o papel de mãe, de mulher, de provedora do lar, de protetora, enfim, a mulher assume múltiplas funções em busca de melhorar as condições de vida da sua família, fazendo-a sair da condição de vulnerabilidade social em que se encontra. Para elas, as mulheres devem sim, ser as responsáveis familiares pelo PBF, pois mais uma vez elas ressaltam a questão da responsabilidade, da independência feminina e do controle da mulher na gestão dos recursos. De acordo com a resposta de Rosa e Dália, percebe-se o quanto é relevante para elas à centralização do Programa. Com toda certeza. Porque eu acho que a mulher é mais, sabe mais controlar o dinheiro. Porque tem homem que pega pra beber, tem homem que pega e num aparece nem em casa. Ai se for o homem que tiver o benefício, eu tiro pelo meu marido se fosse ele que recebesse o Bolsa Família, eu num via nem o azul do dinheiro dele, porque é a mesma coisa que eu não vejo o do salário, eu vejo do salário em coisas grosseiras. Às vezes você tá com vontade de comer um picolé, ai você num tem nem um real no bolso. (ROSA, 33 anos, 4 filhos, grifos nossos). Na minha opinião deve. Porque a mulher é mais... pensa mais do que o homem. Assim ... eu digo assim porque pegar o dinheiro saber o que vai fazer com ele, comprar as coisa pros filho. O homem eu penso que ele não tem esse pensamento como o da mulher. (DÁLIA, 38 anos, 5 filhos.). As mulheres aqui encontradas são mães, avós, esposas e chefes de família, elas passam a construir um novo cenário, que é a mulher como responsável familiar. Daí surge à questão da centralização da figura feminina no combate à pobreza, pois são elas as que frequentam e acessam, na maioria das vezes, as ações propostas e executadas pela política de assistência social, de saúde e de educação. E essa responsabilidade que recai sobre a mulher não é algo dos dias atuais; vem desde os primórdios quando é incumbido à mulher o papel de dona-de-casa, aquela que deve cuidar sempre da família, 91 que deve estar atenta às suas dificuldades, que deve ser boa mãe, boa companheira, são traços ligados especificamente à relação de gênero, em que os papeis dos homens e das mulheres estão divididos em obrigações que cada um deve cumprir no âmbito familiar. No tocante à matricialidade sociofamiliar percebe-se que ela é essencial para que a política possa intervir na realidade do bairro, pois muitas famílias que ali residem sofrem com algum tipo de vulnerabilidade social, que necessitam consequentemente de uma orientação técnica para que possa vir a superar e a fortalecer a relação dos vínculos familiares que não se encontram rompidos, mas apenas fragilizados diante de tantas expressões da questão social que atinge a realidade do bairro Granja Portugal. Inicialmente nenhum familiar das beneficiárias relata que discorda sobre a centralização do Programa na figura feminina, até mesmo porque são as mulheres que se fazem presentes nas reuniões escolares, nos encontros do grupo de família do CRAS e no próprio posto de saúde. Mas, com o passar do tempo, a questão de gênero entra em cena; os homens sentem-se incomodados com as atitudes de suas companheiras que passam a tomar as decisões no âmbito familiar e pessoal. Com isso revela-se o outro “lado da moeda”, visto que o controle e o poder masculino estão sendo ameaçados pelas ações das mulheres. Elas relatam que o impacto do Programa na relação familiar. Ele [marido] dizia assim: dizia que eu ficava muito besta. Isso num é toda vida não, num é toda vida não. Eu nunca dependi das coisas dele. Por pouco assim minha casa só tinha um quartozim não tinha instalação de água, nem de energia, de água era numa torneira lá fora e foi justamente por causa desse Bolsa Família que eu consegui colocar minha água lá pra dentro, porque eu lavava roupa no chão, fazia as coisas no chão lá de casa. Sabe eu não tinha uma pia, eu não tinha nada! Eu fazia isso ai [encanar água, comprar pia], porque ele não fazia. Ora se eu lavava roupa, se ele num fazia e aos poucos eu fui fazendo encanei água lá pra dentro, a piazinha, porque não tinha e tudo isso ele brigava, porque não fazia nem queria que eu fizesse, eu ficava só penando, o Bolsa Família me ajudou muito nisso também. Ele dizia que eu tomava a frente dele. Passei muitos anos de barro no chão, de areia e ele nada, ai a primeira coisa que fiz foi a minha areazinha, para eu me sentar e fazer minhas peças. Minha casa só tem dois compartimentos, três com o banheiro, ai foi passou-se, passou-se, foi que eu consegui fazer cimento grosso mesmo, por causa do Bolsa Família. Ele nunca teve futuro, porque ele trabalhava, mas o dinheiro dele só dava pro grosso mesmo, o que eu fizesse ele achava ruim. (MARGARIDA, 39 anos, 4 filhos, grifos nossos). O homem lá em casa esses dias pra cá ele, nem sabia quando eu tirava meu dinheiro. Agora teve um dia desses que ele disse até que ia mandar bloquear meu cartão porque o meu cartão era pra mim fazer relaxamento na minha cabeça, era pra mim pagar as unha, sabe? Eu fiz, eu faço minhas unhas, os meu cabelo, mas não é com o meu Bolsa Família, porque eu cuido de um meninozim lá perto lá de casa, a mulher me dá vinte, me dá cinquenta se não 92 fosse esse dinheiro... Eu já vou incluindo faço minha unha, meus cabelo, eu num faço direto, é que nem às vezes eu digo: tenho pena de tirar sessenta real para fazer meu cabelo. É tanto que eu já não tiro do Bolsa Família, porque eu sei que é dos menino. E mesmo que eu tirasse do Bolsa Família não era mal nenhum, porque eu tiro, quando eu recebo olho que é que os menino tá faltando, caderno, lápis, chinela essas coisas, eu já passo no mercantil e já vou providenciar. Já trago tudo que falta pra eles. Aquele espertim que tu viu agora na reunião, ele pediu uma bicicleta sabe? Ai eu digo a ele: meu fi eu vou comprar porque eu já comprei a roupinha pra eles vestir final do ano, as coisinhas, porque vai chegando, as coisas fica mais cara, ai eu já comprei fiado. Ai eu digo a ele: comprei fiado para pagar com o Bolsa Família, todo mês tenho que dar vinte reais a mulher. Ai eu vou cumprir sempre as necessidade dele, alguma coisas pra mim. (ROSA, 33 anos, 4 filhos, grifos nossos). Nos relatos acima percebem-se duas realidades distintas: uma em que a beneficiária preocupa-se em melhorar a estética da casa para lhe dar mais conforto, para desenvolver as atividades do lar, e também para que possa trabalhar, e a outra que buscar mudar um pouco o visual, comprando roupas, ajeitando os cabelos, as unhas. Enfim, são essas atitudes que muitas pessoas criticam, ao ver a beneficiária destinando o dinheiro para outras finalidades que não seja a de comprar alimentação e material escolar para as crianças e os adolescentes. A crítica feita ao Programa recai muito nessa questão, porque o mesmo tem como objetivo minimizar a pobreza que afeta as famílias, mas, assim como as outras pessoas elas também querem melhorar a estrutura de suas casas, querem melhorar seu visual utilizando o dinheiro proveniente do recebimento do benefício ou proveniente dos “bicos”. Continuando a discussão sobre o benefício, precisa-se investigar mais sobre essa autonomia. Será que o recurso emancipa a mulher? Ela sai do seu papel tradicional que é ser mulher-mãe e passa a ocupar o papel de mulher-cidadã? São essas e outras questões que precisam ser discutidas e observadas após a inserção da mulher no Programa. Faz-se necessário compreender não apenas a visão das mulheres sobre o PBF, mas também os impactos do Programa em sua vida e na vida dos membros de sua família. O valor destinado mensalmente para as famílias não é suficiente para suprir todas as suas necessidades, até mesmo porque essas famílias são numerosas, a mãe assume o papel de protetora e provedora do lar, muitas vezes está impossibilitada de buscar trabalho, pois não tem com quem, nem onde deixar os filhos. Enfim, depois de escutar que o benefício não é suficiente, a pesquisadora pergunta sobre o destino dado ao mesmo. Essa pergunta surge com o intuito de compreender como as mulheres gastam 93 o dinheiro e também com o objetivo de saber quais os ganhos materiais e imateriais obtidos após a inserção no Programa. Não, quando eu recebo, eu pago o que eu to devendo. Eu utilizo mais para pagar água, luz, comprar coisas pra dentro de casa, né? Os gastos. [ganhos materiais e imateriais] Não como eu já falei porque eu queria comprar meu óculos se não fosse o Bolsa Família eu ainda tava pelejando porque eu não tenho mais ganho fixo né? Para comprar um gás eu ter aquele dinheiro para comprar ali se não faltou já guardo porque eu sei que vai faltar né? Serve como reserva. (VIOLETA, 43 anos, 3 filhos, grifos nossos). Fora pagar água, luz, comida eu num tiro pra nada eu num compro nem um bombom fiado. O povo diz: você é muito segura! Eu vou comprar pra que? Pra quando chegar o final do mês num ter? Eu num gosto de comprar a galego [pessoas que passam oferecendo mercadoria de porta em porta], porque eu tenho medo, porque esse dinheiro eu pago minha água e minha luz, comprar uma coisa assim. [ganhos materiais e imateriais] De ter colocado água lá pra dentro,ter comprado a pia para eu poder lavar minhas roupas, isso tudo pra mim foi uma conquista muito grande. Eu num tinha uma mesa ai passou um galego era 20,00 por mês comprei ainda tenho a mesa até hoje. (MARGARIDA, 39 anos, 4 filhos, grifos nossos). Alimentação, material escolar, necessidade. [ganhos materiais e imateriais] Desse Bolsa Família a única coisa que comprei foi um armário que eu tirei na loja, todo mês eu pagava com o Bolsa Família. Assim, depende porque meu marido é má pessoa acha que a gente precisa só do feijão e do arroz. Ele não acha que a gente precisa da fruta, da carne, ele só quer dar praquele grosseiro. Eu que compro as fruta, ajeito as coisa. (ROSA, 33 anos, 4 filhos, grifos nossos). É sim, eu faço a feira, compro roupa pros meus filho, compro caderno, lápis e pago a prestação de óculos para a minha filha essas coisa. Eu tiro uma arte para cada um, pra eles ficar feliz. (FLOR DE LIZ, 37 anos, 4 filhos, grifos nossos). Eu utilizo pra muita coisa. Pra comprar o que falta na escola, lápis, caderno, até o aluguel estou pagando com esse dinheiro se chega a faltar... Porque num tem outro trabalho. Não, não é ainda falta muito ainda né? Porque os filho pequeno precisa tomar leite num é, num dá. (DÁLIA, 38 anos, 5 filhos, grifos nossos). Constata-se que o recurso garante o pagamento de contas essenciais como água, luz e mercantil, mas é necessário que essas mulheres busquem outras formas de ganhos para complementar a renda e, como não podem sair diariamente para trabalhar em outros locais, pois não tem com quem e nem onde deixar os filhos, procuram fazer “bicos” para então complementar a renda familiar. Os relatos acima mostram que, enquanto as necessidades das pessoas crescem – e não dizem respeito apenas à alimentação, mas também à educação, à saúde 94 à moradia, ao lazer e até à vaidade – os recursos públicos destinados à provisão de tais necessidades diminuem, não sendo suficientes para atendê-las. Os limites da política de assistência social, assim como de outras políticas públicas, são estabelecidos pela conjuntura de crise e restauração do capital, na qual a política social está subordinada à política econômica, assim como os direitos sociais estão subordinados à lógica orçamentária. Os recursos financeiros destinados à política de assistência social, com base nos dados do Ministério do Planejamento (2012), ficam em torno de 2,6 trilhões de reais, o que se conclui que uma parte ínfima do orçamento público é destinada para os gastos sociais. Do referido valor, apenas três por cento é destinado ao Programa Bolsa Família. Verifica-se que a implementação da política social no Brasil coincide com um momento de consolidação do projeto neoliberal. É aqui que a política econômica colide com a social, pois uma quer a consolidação dos direitos sociais, enquanto a outra quer consolidar os interesses do capital, tornando o que é de fato um direito em mercadoria, o que imbrica na transformação do cidadão em consumidor. Este fato impede o reconhecimento e a efetivação da política de assistência social como uma política pública, que deve atender às necessidades de todos que dela precisarem. Nesse momento percebe-se o quanto as áreas periféricas são esquecidas pelas autoridades, pois se faz necessário investir em creches, escolas para que as mães e os demais familiares possam buscar outra fonte de renda que não seja apenas o Programa, pois para que as famílias saiam da condição de pobreza é preciso investir na qualificação profissional, é preciso ofertar mais emprego e também equipamentos para que elas possam ir trabalhar e ter um local seguro onde possam deixar seus filhos. Quanto à questão das decisões tomadas no âmbito familiar, todas as mulheres relatam que são elas quem tomam tais decisões. Ao afirmarem isso, a pesquisadora pergunta se elas se reconhecem como sujeitos que detém autonomia, ou seja, se elas se acham livres para gastar o dinheiro como acham necessário. Elas disseram que sim, pois são elas quem tomam as decisões em suas casas, como uma delas menciona, “é eu a cabeça de tudo”, Rosa (33 anos, 4 filhos, grifos nossos). É mais enfática ao dizer: “Com toda certeza, sim. Porque é assim, eu sou a responsável pelo dinheiro, eu posso fazer com ele o que eu quiser.”. 95 Em muitos casos a autonomia adquirida é uma implicação da realidade em que vive a beneficiária, pois elas não vivem com nenhum companheiro que lhes ajude. Então a liberdade de tomar as decisões, de saber para onde e a que deve destinar o dinheiro é uma responsabilidade das mulheres, que se veem sozinhas e necessitam tomar decisões no âmbito familiar. As que vivem com seus cônjuges já compartilham um pouco as responsabilidades, embora em alguns momentos elas também decidam as coisas sem lhes consultar. Quanto à relevância do Programa, todas compreendem como uma grande ajuda, já que é por meio do recurso advindo do PBF, que elas estão assumindo as responsabilidades de casa. Por meio das declarações, elas afirmam que não conseguem nem imaginar suas vidas sem o benefício, a única coisa que conseguem expressar é que “estaria tudo muito ruim”. Divulga-se que as pessoas que recebem o benefício não querem mais trabalhar. Ao serem questionadas sobre isso, todas as mulheres entrevistadas discordam desse pensamento que emerge do senso comum. Elas dizem que o fato de receber o benefício não as impede de procurar um trabalho, até mesmo porque o benefício não atende todas as necessidades de sua família. Violeta diz que a pessoa que deixa de trabalhar porque recebe o benefício não deve recebê-lo, pois essa pessoa não precisa e o benefício deve ser destinado para outra que mais necessita. Já Margarida destaca a questão de que o trabalho é um complemento, porque sem ele as condições de vida são bem mais precárias. Rosa tem um pensamento mais radical, diz que é uma falta de vergonha a pessoa deixar de trabalhar. A opinião de Rosa é a seguinte: Eu acho que isso é uma falta de vergonha, porque a pessoa quer se manter só com aquele dinheiro? Até porque não é suficiente, tem alguma pessoa que recebe cem real, a menina que recebe só setenta real ia dar pra ela sobreviver? Não ia! (ROSA, 33 anos, 4 filhos, grifos nossos). Na fala de Rosa percebe-se a preocupação com aquelas pessoas que recebem apenas setenta reais. Elas enfocam muito na questão a sobrevivência, tendo em vista que o valor recebido não é suficiente para sobreviver. Quando se fala no assunto de emprego, de qualificação profissional, elas relatam que pretendem adentrar no mercado de trabalho; apenas Violeta não vê essa possibilidade, visto que a patologia que lhe acomete a impossibilita de realizar algum tipo de atividade laborativa, ela não possui mais a sensibilidade das mãos e nem dos pés. Nenhuma das seis mulheres participa ou 96 participou de alguma qualificação profissional e, quando a pesquisadora indaga sobre a possibilidade de participar, elas são enfáticas em dizer que pretendem se qualificar: uma para ser servente de pedreiro, outra para trabalhar como doceira, entre outras pretensões. O curso de qualificação que mais interessa às mulheres é o de costureira; ao todo, cinco delas demonstraram interesse por este trabalho. As perspectivas em relação ao mercado de trabalho referem-se, principalmente, à questão de trabalhar com carteira assinada, pois elas compreendem que terão mais segurança quanto ao acesso aos direitos trabalhistas. A maioria dos trabalhos desenvolvidos pelas mulheres são “bicos”, pois as mesmas não podem sair de casa a semana toda e nem podem trabalhar o dia todo, visto que os filhos não podem ficar em casa sozinho. Elas almejam conseguir algumas faxinas, já que este tipo de trabalho não é diário. Ao falarem no futuro dos filhos, as mães almejam o melhor. De acordo com elas isso só é possível caso eles concluam os estudos e, posteriormente, façam cursos, pois tendo uma qualificação profissional fica mais fácil adentrar no mercado de trabalho. Rosa, em sua fala, diz que o PBF é uma porta de entrada para aqueles jovens que querem fazer algum curso. Ela diz isso porque o Programa dá direito a todos aqueles que estão inseridos no Cadastro Único participarem de outros programas, projetos e serviços ofertados na rede pública, como é o caso do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – PRONATEC29, criado em 2011 pelo Governo Federal, com o intuito de ampliar a oferta de cursos de educação profissional e tecnológica. Segue abaixo o desejo das mães sobre o futuro de seus filhos. O que eu espero dele é ele terminarem os estudos, fazer um curso, pra arrumarem um emprego melhor né? (VIOLETA, 43 anos, 3 filhos, grifos nossos). Espero mulher que eles cresçam. Que queiram estudar porque é difícil um adolescente, uma criança continuar estudando a partir de 10, 12 anos. Não querem mais ir, eu quero muito que eles prossiga que seja alguém na vida um dia. Que o meu esforço não seja em vão. (MARGARIDA, 39 anos, 4 filhos, grifos nossos). Assim o Bolsa Família é uma porta pra aqueles, os jovens querer fazer um curso já é uma ajuda, porque ter o cartão ele pode fazer um curso [ela 29 Para mais informações sobre o PRONATEC ver: http://pronatec.mec.gov.br. 97 se refere ao PRONATEC], entrar no grupo de trabalho né? Vão ter mais facilidade. (ROSA, 33 anos, 4 filhos, grifos nossos). Coisas que eu não tive terminar o estudo, quero que ele termine o estudo, que não se envolva em coisa errada, no meu bairro mesmo eu vejo que tem coisa que não é o que a mãe quer pro filho. (FLOR DE LIZ, 37 anos, 4 filhos.). Espero um futuro melhor, que meus filho continue na escola, que continue ganhando o Bolsa Família e que eles seja gente importante né? Que tenha estudo assim como eu não tive. (DÁLIA, 38 anos, 5 filhos.). Para que o futuro de seus filhos seja assegurado, as mães, desde então, pedem para que os mesmos não abandonem os estudos, visto que é por meio do estudo que elas veem a oportunidade dos filhos terem um futuro melhor. Elas mostram como exemplo sua própria vida ou a de algum familiar que, por causa da falta de conhecimento, perde a oportunidade de empregos melhores. A preocupação das mães é maior porque elas vivem numa área periférica da cidade, onde os índices de violência são altos, onde em seu território atuam gangues que utilizam crianças e adolescentes como “aviões” do tráfico de drogas. É nesse cenário de pobreza e de vulnerabilidade social que elas convivem, o que as assusta, e as faz lutar para que os filhos queiram estudar, queiram fazer cursos, pois é por meio da educação que as condições de vida de toda a família têm uma chance de melhorar. As mães acreditam em outro fator que também ajuda a melhorar as condições de vida, o qual refere-se ao emprego, pois não dá para depender somente do Bolsa Família; é preciso ir além e, por intermédio do Programa e dos cursos que podem ser acessados pelos beneficiários e seus dependentes, as chances de melhorar de vida só aumentam, pois os cursos permitem uma ampliação de conhecimentos em determinada área, o que vem a facilitar o ingresso no mercado de trabalho. Ao contrário do que as mulheres pensam, qualificação não é sinônimo de garantia de emprego, já que, no contexto da crise do capital, há uma expansão do desemprego estrutural e da precarização dos postos de trabalho, fazendo com que os trabalhadores se sujeitem à informalidade, à subcontratação, a baixos salários, à instabilidade e à falta de proteção social. Diante dos relatos das beneficiárias, que, na atual conjuntura, assumem múltiplas funções para dar contar de seu papel como responsáveis pela família, percebese que o sentimento de acomodação não lhes acomete, pois elas exprimem o desejo por 98 mudança e conquistas, principalmente no que se refere às suas condições de vida e ao futuro de seus filhos. 99 CONSIDERAÇÕES FINAIS O Estado brasileiro atua dentro de um contexto contraditório que por um lado busca atender as exigências impostas pelo sistema capitalista e por outro lado visa atender as demandas apresentadas pelas pessoas que vivem em situações mais vulneráveis. Estas classes, usuárias da rede socioassistencial, vivem inseridas num numa realidade onde é possível detectar desigualdade e injustiça social, ao mesmo tempo em que alimenta-se a esperança e a resistência por melhores condições de vida. A presente pesquisa buscou compreender como as mulheres veem o PBF, que mudanças e implicações elas observaram no período que antecedeu a sua inserção e hoje como beneficiárias deste programa de transferência de renda. Destaca-se que é necessário dar voz a essas mulheres, como diz Sposati (1993, p. 9) no prefácio do livro Classes Subalternas e Assistência Social, de autoria de Yasbek: “os miseráveis pensam, sonham, negam e aceitam sua condição”, ou seja, é mister compreender o que essas pessoas sentem, pensam e sonham para que se obtenham informações acerca da eficiência, eficácia e efetividade da política de assistência social. O bairro Granja Portugal conta com uma rede de serviços nas áreas de saúde, educação e assistência social, que atuam de forma articulada buscando atender as demandas da população, mas em virtude das precárias condições de vida das pessoa que ali residem e dos parcos investimentos em recursos materiais e humanos nem sempre é possível atender todas as demandas apresentadas, o que se reflete num déficit da política de assistência social em todo o País. Nas narrativas encontram-se experiências de vida distintas, embora estejam inseridas numa mesma realidade social, pois cada mulher tem a sua trajetória de vida, a sua história, contudo elas convivem num ambiente onde sofrem com as mesmas refrações da questão social. O PBF para essas famílias, é uma grande ajuda, apesar de não atender todas as suas necessidades. Ele vem assegurar o pagamento de contas essenciais já que a maioria das mulheres não tem nenhum tipo de vínculo empregatício, visto que lhes falta escolaridade, qualificação profissional e o bairro em si não oferece grandes oportunidades de emprego e, quando estas aparecem não oferecem nenhum tipo de vínculo, já que a maioria são trabalhos informais, como os “bicos”. 100 Sabe-se que o desafio da política de assistência social é minimizar a situação de pobreza e extrema pobreza em que vivem milhões de brasileiros e brasileiras. As transformações e os avanços da política ao longo dos anos é algo perceptível, pois muitos desafios foram enfrentados e seus resultados se concretizaram por meio da LOAS, da PNAS, do SUAS, mas ainda existem outros desafios a serem enfrentados e conquistados, pois no atual contexto, dominado pelo sistema capitalista, vê-se o crescimento das desigualdades sociais e o grande número de sujeitos que vivem em situação de vulnerabilidade social. Apesar das mudanças ocorridas no Brasil ao longo de seu desenvolvimento político, econômico, social e cultural, relatórios e estudos recentes apontam que milhões de pessoas ainda convivem com a fome, com a pobreza, com a violência, enfim milhões de brasileiros e brasileiras vivem situados na linha de pobreza e extrema pobreza. A concentração de renda gera, consequentemente, uma má distribuição da mesma, o que se reflete no agravamento da pobreza e da desigualdade social, que assolam as pessoas que vivem em áreas periféricas das grandes cidades, como é o caso do bairro Granja Portugal. É por meio das demandas apresentadas pela sociedade civil que o Estado visa intervir na realidade. Neste momento surgem leis, políticas que visam assegurar os mínimos sociais às pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade. É visível no bairro Granja Portugal, como a política de assistência social, intervém na vida das famílias que são beneficiárias de algum programa de transferência de renda. Os relatos de cada uma das mulheres mostram o quanto são precárias suas condições de vida, mostram também suas lutas e anseios por melhor qualidade de vida. Na pesquisa, que teve como foco as mulheres beneficiárias do PBF, é possível observar o quanto a vida delas e de seus familiares transforma-se após a inserção no Programa, pois o acesso à alimentação é garantido; o pagamento de contas essenciais, como água e luz, também é efetuado através do dinheiro proveniente do benefício; e, principalmente, o acesso aos direitos sociais, como a educação, saúde e a própria assistência é concretizado por meio do Programa. Ainda tem muita coisa que precisa ser feita para que a política de assistência social atinja os objetivos propostos em seus programas, projetos e serviços, pois é preciso ampliar os recursos destinados às políticas, assim como os gastos sociais, para 101 que a rede socioassistencial atinja um maior número de pessoas, pois seu caráter seletista e focalizado exclui as demais pessoas que demandam dos serviços ofertados. É necessário o desenvolvimento de ações e a criação de equipamentos socioassistenciais que atenda a demanda apresentada. A vida das mulheres antes e após a inserção no PBF teve modificações, mas ainda faltam muitos obstáculos a serem vencidos e superados neste ambiente de alta vulnerabilidade social para que as famílias consigam superar a pobreza que lhe atinge. A mulher é tida pelo Programa como uma aliada na superação da pobreza, a ela foi incumbida a responsabilidade de controle do cartão de benefício, bem como a “autonomia” no que se refere ao destino dado a esse dinheiro mensalmente recebido. Com isso mudam-se as relações de gênero, pois as mulheres passam a dividir responsabilidades com seus cônjuges, ou passam a assumi-las sozinhas, como é o caso da maioria das beneficiárias do grupo. Isto acontece porque os novos arranjos familiares apresentam composições diversas no grupo de família das mulheres. Dentre os arranjos familiares mais comuns nos grupos estão: as famílias monoparentais, matrifocais, ampliadas e nucleares. Tais diversificações implica exatamente na questão da matricialidade sociofamiliar, pois a família é o centro das ações da política de assistência social, mas sua responsabilidade, sua representatividade quase que total é feminina. No que se refere à aquisição de certa autonomia por parte das mulheres, percebe-se que esta implicação é positiva, mas no sentido de que a mulher por assumir o controle do cartão e do recebimento do benefício sente-se livre para gastar o dinheiro da forma que ela acha melhor. Outra implicação positiva é que o dinheiro do benefício, além de ser uma fonte de renda para as famílias, impulsiona o desenvolvimento e a movimentação da economia do bairro. Faz-se necessário que o Estado atue de forma mais contundente para enfrentar as mazelas que atingem a classe subalterna, é mister a ampliação de espaços que acolham as famílias; precisa-se também que haja elevação dos gastos sociais para que as ações propostas pelas políticas sejam eficazes, pois a assistência social torna-se contraditória, visto que a Constituição Federal de 1988 a estabelece como um direito de todos, que possa atender quem dela necessitar, mas por outro lado ela seleciona aqueles que mais necessitam, por meio de critérios pré-estabelecidos nos programas, projetos e serviços. 102 Ratifica-se esse pensamento quando as mulheres, em muitos momentos da entrevista, compreendem o Programa mais como uma ajuda, do que como um direito social estabelecido e resguardado em lei. É como se o benefício fosse um favor que o Estado lhes presta, por isso a ampliação, a divulgação e o conhecimento por parte da sociedade do que é direito, quais são os seus, como acessá-los e, principalmente, dizer quem pode acessá-los. A superação da pobreza e da extrema pobreza não está apenas na ampliação de equipamentos e gastos sociais, mas na oferta de emprego, de qualificação profissional, pois o que essas mulheres buscam e sonham para si e para seus familiares é viver com uma garantia de renda, advinda do trabalho e do estudo. A pesquisa mostra que as mulheres mantêm a esperança de conseguir um trabalho, acreditam que os filhos podem ter melhores condições de vida, desde que estudem para que possam competir no mundo do mercado, pois é por meio do trabalho que elas acreditam que todas as garantias e os direitos do trabalhador serão adquiridos. O atrelamento dos direitos sociais ao trabalho é algo histórico, mas o que se vê é uma regressão de tais direitos, já que o sistema capitalista exclui cada vez mais pessoas do mercado de trabalho, transforma os direitos em mercadorias e os cidadãos em consumidores. Desse modo, a noção de direito universal e de cidadania encontra-se limitada pela lógica neoliberal, que subordina os direitos sociais à lógica mercantil. Destaca-se que houve momentos de dificuldade no caminho percorrido pela pesquisadora, primeiramente no aspecto burocrático para iniciar a pesquisa e depois no aspecto social, pois o conflito de gangues afetou todo o contexto que ao sofrer uma alteração acaba por alterar os demais contextos e sujeitos que nele estão inseridos. Mas diante das adversidades, a melhor atitude a ser tomada é tentar contornar a situação, deixando acalmar os ânimos para que posteriormente a caminhada prossiga em seu decurso normal. Diante das considerações afirma-se o desejo de dar continuidade e de aprofundar os conhecimentos sobre esta temática, tendo em vista que há diversas formas de compreensão a respeito do PBF. A implicação do Programa na vida das mulheres, no que se refere à aquisição de “autonomia” acontece de forma lenta e gradual, pois muitas se reconhecem como chefes de família, que detém a posse e a titulação do cartão, que recebe o beneficio e têm a liberdade de destinar o recurso para as coisas que acham mais relevante. 103 É necessário continuar sempre estudando, pois a realidade é dinâmica e nessa dialética na qual todos estão inseridos há um movimento que impulsiona o conhecimento de novas realidades, de novos fenômenos sociais que não podem ser descritos em um único estudo, até mesmo porque a realidade não é estática. Enfim diante de tantas vulnerabilidades, a classe subalterna requer uma política que atue de forma mais intensa para que possa combater as expressões das desigualdades sociais que se manifestam por meio da pobreza, da fome, da violência, da criminalização, das drogas e na falta de melhores condições de vida. Com diz Yazbek (1993, p. 09) “é necessário sonhar para mudar.”. E sonhos é não faltam para a classe subalterna que almeja alcançar melhores condições de vida para sua família, são esses sonhos que movem as mulheres chefes de família a seguir na luta e a acreditar que o futuro de seus filhos será bem melhor do que suas próprias vidas. 104 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARAL, Célia Chaves Gurgel do. Debates de gênero: a transversalidade do conceito. Fortaleza: Ed. UFC, 2005. ANDERSEN, G. Esping. As três economias políticas do welfare state. In: Lua Nova: Revista de Cultura e Política, São Paulo, n.24, Set. 1991. 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Desigualdade e a questão social. 3. ed. rev. e ampliada – São Paulo: EDUC, 2008. YAZBEK, Maria Carmelita. Classes subalternas e assistência social. São Paulo: Cortez, 1993. 109 APÊNDICE I – INSTRUMENTAIS QUESTIONÁRIO PERFIL SOCIOECONOMICO DAS MULHERES BENEFICIÁRIAS DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA 1. 2. 3. 4. 5. Nome da entrevistada Endereço Telefone de contato Idade anos Naturalidade: ( ) Fortaleza ( ) Região Metropolitana ( ) Cidade do Interior. Qual? ( ) Outro Estado. Qual? 6. Estado Civil: ( ) Casada ( ) Solteira ( ) Viúva ( ) Separada ( ) União Estável 7. Cor: ( ) Negra ( ) Parda ( ) Branca ( ) Amarela ( ) Indígena 8. Possui algum tipo de deficiência? ( ) Visual ( ) Auditiva ( ) Física ( ) Mental ( ) Nenhuma 9. Escolaridade ( ) não sabe ler nem escrever ( ) alfabetização ( ) da 1ª à 4ª série do Ensino Fundamental ( ) da 5ª à 8ª série do Ensino Fundamental ( ) Ensino Médio Incompleto ( ) Ensino Médio Completo ( ) Ensino Superior Incompleto ( ) Ensino Superior Completo 10. Situação no mercado de trabalho: ( ) empregador ( ) assalariado com carteira de trabalho ( ) assalariado sem carteira de trabalho ( ) autônomo que contribui para a Previdência Social ( ) autônomo, mas não contribui para a Previdência Social ( ) aposentadoria/ pensionista ( ) não trabalha ( ) outra. Qual? 11. Renda Familiar: ( ) menos de um salário mínimo ( ) de 1 a 2 s.m ( ) de 3 a 5 s.m ( ) 1 salário mínimo ( ) de 2 a 3 s.m 12. Quem é o (a) responsável pelo pagamento das despesas da família? ( ) Você ( ) seu companheiro ( ) os filhos ( ) outra pessoa. Quem? 110 13. Moram quantas pessoas em sua residência (contando com você)? 14. Se possui filhos, quantos são? ( ) um ( ) dois ( ) três ( ) quatro ( ) mais de 4 15. Qual a idade deles? ( ) 1 ano ( ) 2 anos ( ) 3 anos ( ) 4 anos ( ) 5 anos ( ) 6 ano ( ) 7 anos ( ) 8 anos ( ) 9 anos ( )10 anos ( ) 11 ano ( ) 12 anos ( ) 13 anos ( ) 14 anos ( ) 15 anos ( ) 16 ano ( ) 17 anos ( ) 18 anos 16. Quem trabalha em sua casa: ( ) você ( ) cônjuge ( ) filhos ( ) parentes 17. Quantos filhos estudam? Qual a escolaridade deles? ( ) alfabetização ( ) da 1ª à 4ª série do Ensino Fundamental ( ) da 5ª à 8ª série do Ensino Fundamental ( ) Ensino Médio Incompleto ( ) Ensino Médio Completo ( ) Ensino Superior Incompleto ( ) Ensino Superior Completo 18. Condição de moradia 18.1 Tipo de moradia: ( ) casa ou apartamento próprio ( ) habitação coletiva (pensionato, abrigo) ( ) casa ou apartamento alugado ( ) quarto ou cômodo alugado ( ) outra. Qual? 18.2 Tipo de Construção ( ) tijolo ( ) alvenaria ( ) madeira ( ) material aproveitado (papelão, plástico) 18.3 Condições estruturais de moradia: (instalações elétricas, hidráulicas e sanitárias). ( ) infraestrutura adequada (com instalação elétrica, hidráulica e sanitária) ( ) infraestrutura precária (com apenas um ou dois tipo(s) instalação) ( ) sem infraestrutura adequada (sem nenhuma instalação) 19. Já teve acesso a outros serviços, programas e projetos sociais? ( ) sim, quais? ( ) não 20. Você tem vínculo com órgãos de defesa de direitos? ( ) sim, quais? ( ) não 21. Você tem alguma participação política? ( ) sim, quais? ( ) não 111 ROTEIRO DE ENTREVISTA 1. Já participou de outro programas/projetos sociais? Se sim, qual, ou quais? Qual a sua avaliação acerca de tais programas? 2. Há quanto tempo sua família faz parte do Programa Bolsa Família? 3. O que você sabe os objetivos do Programa Bolsa Família? 4. Quem são as pessoas que tem direito de participar do Programa Bolsa Família? 5. Você sabe quem é o responsável familiar pelo Programa Bolsa Família? 6. Quais as vantagens e as dificuldades do Programa Bolsa Família? 7. Quanto às condicionalidades do Programa, na área da saúde, educação e assistência social como você faz para cumpri-las? Sente dificuldade? 8. Você considera tais condicionalidades importantes? Justifique. 9. O que significa ser pobre em sua opinião? 10. Sua família saiu da situação de pobreza? Por quê? 11. O Programa Bolsa Família tem a mulher como responsável familiar pelo recebimento do benefício. O que você acha dessa centralização do Programa na figura da mulher? 12. A mulher tem um papel fundamental no que diz respeito ao combate à pobreza. Para você como a mulher ajuda a minimizar a pobreza? 13. Em sua opinião a mulher deve ser realmente a responsável pelo benefício? Por quê? 14. Alguém na sua família não concorda com isso? Quem? Por quê? 15. Você teve problemas com familiares por ser a responsável pelo benefício? Que tipo de problema? Como quem? Como vem resolvendo? 16. Que mudanças/impactos você percebeu nas relações familiares, com o seu cônjuge, com seus filhos e parentes depois de receber o benefício? 17. A que fatores você atribui tais mudanças? 18. Como você utiliza o dinheiro do benefício? É suficiente para suas necessidades e da sua família? 112 19. Que ganhos (materiais e imateriais) e conquistas você e sua família obteve após a inserção no Programa? Dê exemplos e comente. 20. Após a inserção da família no Programa quem toma as decisões no âmbito familiar? Você tem autonomia, ou seja, você é livre para gastar o dinheiro com o que acha necessário? Comente. 21. Qual a importância do Programa Bolsa Família para você e sua família? Justifique. 22. Como você acha que sua família estaria vivendo, sem o benefício? 23. Divulga-se que as pessoas que recebem o benefício não querem mais trabalhar. O que você acha disso? Comente. 24. Você está em busca de um trabalho com carteira assinada? 25. Participa de alguma qualificação? Qual? Se não, gostaria de participar? Por quê? 26. Quais as suas perspectivas em relação ao mercado de trabalho? 27. Você acha que tem condições de conseguir um emprego? Por quê? 28. O que você espera para o futuro de seus filhos? 29. O que você vem fazendo para mudar as condições de vida de sua família? 113 APÊNDICE II – TERMO DE CONSENTIMENTO TERMO DE CONSENTIMENTO A pesquisa intitulada - A mulher como responsável familiar pelo Programa Bolsa Família: a questão da autonomia feminina no combate à pobreza, desenvolvida por Maria Camila Lima Cavalcante, estudante do curso de Serviço Social, da Faculdade Cearense – FaC, caracteriza-se como Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social, sob orientação da Profª Drª Mônica Duarte Cavaignac, apresenta como principal objetivo, investigar como as mulheres beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF) residentes no bairro Granja Portugal concebem o programa, bem como as mudanças ocorridas em suas vidas após a inserção neste programa de transferência de renda. Neste sentido, para que possamos concretizar nosso objetivo, contamos com a sua participação e colaboração, permitindo a realização da entrevista e gravação da mesma, a fim de que nenhuma informação seja perdida. Seus depoimentos serão utilizados com o único fim de enriquecer a pesquisa, preservando-se a identidade das entrevistadas. Gostaríamos de evidenciar que a pesquisa não trará nenhum risco à sua pessoa, tendo como eixos norteadores a ética profissional e o compromisso com a temática de estudo. Caso necessário poderá entrar em contato com a pesquisadora Maria Camila Lima Cavalcante, pelo telefone (85) XXXX XXXX Maria Camila Lima Cavalcante (Pesquisadora) TERMO DE CONSENTIMENTO Ciente do objetivo da pesquisa que é conhecer a concepção e as mudanças na vida das mulheres beneficiadas pelo Programa Bolsa Família, atendidas no Centro de Referência de Assistência Social – Granja Portugal (CRAS – Granja Portugal), concordo em participar da mesma, bem como concordo com a gravação da entrevista, desde que seja resguardado meu anonimato. Nome: Assinatura: Fortaleza, de de 2012.