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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
MARIA CAMILA LIMA CAVALCANTE
A MULHER COMO RESPONSÁVEL FAMILIAR PELO BENEFÍCIO DO
PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: UM ESTUDO DE CASO COM AS
BENEFICÁRIAS DO BAIRRO GRANJA PORTUGAL
FORTALEZA
2012
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MARIA CAMILA LIMA CAVALCANTE
A MULHER COMO RESPONSÁVEL FAMILIAR PELO BENEFÍCIO DO
PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: UM ESTUDO DE CASO COM AS
BENEFICÁRIAS DO BAIRRO GRANJA PORTUGAL
Monografia submetida à aprovação
Coordenação do Curso de Serviço
Social do Centro Superior do
Ceará, como requisito parcial para
obtenção do grau de Graduação.
FORTALEZA
2012
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MARIA CAMILA LIMA CAVALCANTE
A MULHER COMO RESPONSÁVEL FAMILIAR PELO BENEFÍCIO DO
PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: UM ESTUDO DE CASO COM AS
BENEFICÁRIAS DO BAIRRO GRANJA PORTUGAL
Monografia como pré-requisito para
obtenção do título de Bacharelado
em Serviço Social, outorgado pela
Faculdade Cearense – FaC, tendo
sido
aprovada
pela
banca
examinadora
composta
pelos
professores.
Data da aprovação: ____ /____ /____
BANCA EXAMINADORA
Profª Drª Mônica Duarte Cavaignac (Orientadora)
Profª Ms.Joelma Maria Freitas
Profª Ms. Socorro Letícia Fernandes Peixoto
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Aos meus pais pelo amor incondicional.
Obrigada, por tudo!
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AGRADECIMENTOS
A Deus, o mais sincero agradecimento, por minha vida, pela sabedoria e força
que me concedeste, fazendo-me superar os obstáculos desta caminhada. Obrigada, pelos
bons e inesquecíveis momentos proporcionados durante esses quatro anos de
caminhada, onde conheci pessoas memoráveis.
Aos meus pais Francisco Vieira e Maria José pelo amor incondicional, apoio,
carinho e esforço que fizeram para me manter e para concretizar meu sonho,
compartilhando sempre a minha trajetória.
A minha avó Terezinha Cosme e a minha tia/madrinha Sirlândia Cosme
obrigada pela acolhida, pelo apoio, pela compreensão e por sempre estarem comigo.
Aos meus familiares e amigos agradeço pelo carinho, força, apoio e amizade
sincera que sempre me transmitiram, e acima de tudo obrigada por compreenderem
minha ausência na vida de vocês.
A minha grande mestra e orientadora professora Drª. Monica Duarte Cavaignac
a quem eu admiro, respeito e tenho como grande exemplo de profissional. Obrigada
pela credibilidade, apoio, paciência e compreensão não só durante a construção deste
trabalho, mas durante esses quatro anos de convivência.
À banca examinadora composta pelas mestres Joelma Maria de Freitas e Socorro
Letícia Fernandes Peixoto só tenho a agradecer pela oportunidade de tê-las conhecido e
pela honra de tê-las como professora e como exemplo de profissional.
À Flaubênia Girão, grande mulher e profissional, coordenadora do Curso de
Serviço Social, da Faculdade Cearense, obrigada por seu esforço diante da construção
desse curso, obrigada pela confiança em nós demonstrada e pela contribuição em minha
formação profissional.
Às grandes profissionais Sandra Lima, Valney Rocha que aqui escolho para
representar a grandiosa equipe que compõe o corpo docente da Faculdade Cearense
obrigada pelos conhecimentos transmitidos durante nosso curso, pelo compromisso com
a formação ética-política desses novos profissionais.
Às minhas amigas e companheiras, de curso e de tantos momentos inesquecíveis
compartilhados juntas nesses quatro anos, em especial a minha querida equipe composta
por: Ana Ayla, Juliana Basílio, Maria de Jesus e Michelle Santos. Quero expressar o
meu enorme carinho por vocês, sentirei saudades de compartilhar nossas angústias,
nossas alegrias e de organizar nossas festas de fim de semestre... Esses momentos
ficarão para sempre em minha memória e em meu coração. Que nossa amizade se
fortaleça cada vez mais para além dos muros da faculdade!
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À amiga Maiara Lopes, obrigada pelos bons momentos e pelos conhecimentos
partilhados. Obrigada por sua atenção nesses anos de faculdade e principalmente por ter
acompanhado o processo de construção deste trabalho de conclusão de curso, jamais
esquecerei a essa grande parceria pautada em momentos ora de orientações e
discussões, ora de compartilhamento de angústias e conquistas. Amizade verdadeira!
As minhas queridas Érika Cavalcante, Lorena Suely e Rita Gaspar que escolho
para representar todas (os) as (os) amigas (os) e colegas que fiz ao longo deste curso,
desejo uma carreira brilhante pautada na ética, na responsabilidade e no compromisso
com os usuários e com nossa profissão.
Ao professor Igor Monteiro, obrigada pela dedicação com que ministraste esta
cadeira de Trabalho de Conclusão de Curso. Obrigada pela escuta sempre atenta, pelas
dicas, pelo incentivo e por acreditar em nosso potencial.
À comissão de formatura da primeira turma de Serviço Social da Faculdade
Cearense, quero dizer que foi muito bom compartilhar e conhecer todas vocês. Tivemos
momentos difíceis, mas superados pela vontade de vencer e de ter uma linda
comemoração.
Agradeço também pelos ensinamentos repassados nos campos de estágio por
onde passei durante as disciplinas de Estágio Supervisionado em Serviço Social,
estagiei no Distrito de Assistência Social (DAS), e no Centro de Referência de
Assistência Social – Granja Portugal (CRAS – GP) equipamentos estes situados na
territorialidade de abrangência da Secretaria Executiva Regional V. Às minhas
supervisoras de campo, Ana Durcila (DAS), e Joseíla Cruz (CRAS – GP) obrigada por
me escutarem, me acalmarem, e acima de tudo por acreditarem no meu potencial.
À todas as mulheres do Grupo de Família, que muito contribuíram para a
construção dessa monografia, obrigada, sem a vossa ajuda não teria subsídios
suficientes para desenvolver este trabalho.
A todos e todas que contribuíram direta e indiretamente para a conclusão dessa
monografia, obrigada pela cumplicidade, amizade, compreensão, ensinamentos e
principalmente por acreditarem em mim e na realização desse sonho.
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“Que nada nos defina
que nada nos sujeite. Que a
liberdade seja nossa eterna
substância.”
Simone de Beauvoir.
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RESUMO
Esta monografia busca analisar como as mulheres beneficiárias do Programa Bolsa
Família residentes no bairro Granja Portugal o concebem, bem como procura
compreender as mudanças ocorridas em suas vidas após a inserção no Programa. No
Brasil, a Assistência Social passa a ser reconhecida como direito social e dever do
Estado a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988. Desde então percebese o desenvolvimento de bases legais que visam efetivá-la como política pública, dentre
as quais mencionam-se a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, a Política
Nacional de Assistência Social – PNAS e o Sistema Único de Assistência Social –
SUAS. A Política de Assistência Social visa ao enfrentamento da pobreza, à garantia
dos mínimos sociais e à universalização dos direitos sociais. Na década de 1990 ganham
visibilidade os programas de transferência de renda, que visa atender as necessidades
básicas das famílias, por meio da transferência direta de renda. Dentre estes programas,
o que mais tem destaque no combate à pobreza é o Programa Bolsa Família, criado
mediante a Lei 10.836, de 09 de janeiro de 2004. Destaca-se também a centralização das
políticas na figura da mulher, que passa a ser a responsável familiar pelo recebimento e
titulação do cartão, assim como pela destinação dada ao recurso recebido do Programa,
tendo certa autonomia no que se refere à liberdade de tomar decisões no âmbito
familiar. As categorias utilizadas para a elaboração e discussão desta pesquisa foram:
pobreza, gênero, família, matricialidade e autonomia. O presente trabalho para alcançar
seu objetivo embasa-se na pesquisa quanti-qualitativa, documental e bibliográfica. A
pesquisa de campo desenvolveu-se entre os meses de setembro e novembro de 2012,
durante a qual foram aplicados 10 (dezesseis) questionários e realizadas 6 (seis)
entrevistas semi-estruturadas com as mulheres que participam do grupo de família do
CRAS Granja Portugal. O trabalho revela que diversas transformações ocorreram na
vida das mulheres e de suas famílias, mas elas ainda anseiam por novas mudanças, por
melhores condições de vida, pois elas ainda convivem com diversas expressões da
questão social que afligem suas vidas e de seus familiares.
Palavras Chaves: Assistência Social. Família. Pobreza. Programa Bolsa Família.
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RESUMEN
Este artículo pretende examinar cómo las mujeres beneficiarias de Bolsa Familia
residentes en Portugal de la Granja del programa el concebir y busca comprender los
cambios en sus vidas después de la inserción en el programa. En Brasil, la Asistencia
Social será reconocida como un derecho social y un deber del estado desde la
promulgación de la Constitución Federal de 1988. Desde entonces se da cuenta del
desarrollo de base jurídica para cometerlo como política pública, entre los que menciona
la ley orgánica de LOAS de Bienestar Social, el Nacional Social asistencia políticaPNAS y el único System-ITS de Asistencia Social. Objetivos de política de asistencia
sociales a hacer frente a la pobreza, garantizar mínimos sociales y la universalización de
los derechos sociales. En 1990 gana a transferencia de ingresos de la visibilidad de
programas, cuyo objetivo es satisfacer las necesidades básicas de las familias, a través
de la transferencia directa de ingresos. Uno de estos programas, que tienen mayor
énfasis en la lucha contra la pobreza es el programa de Bolsa Família, creado por la ley
del 09 de enero de 2004 10.836. También la centralización de las políticas en la figura
de la mujer, que pasa a ser el responsable para la valoración de recibo y la tarjeta, así
como por la asignación para el programa de la familia, habiendo recibido cierta
autonomía con respecto a la libertad de tomar decisiones dentro de la familia. Las
categorías utilizadas para la preparación y discusión de esta investigación fueron:
pobreza, género, familia, matricialidade y autonomía. El presente trabajo para alcanzar
su meta detrás de investigación cuantitativa y cualitativa, bibliográfica y documental.
Investigación de campo ha desarrollado entre los meses de septiembre y noviembre de
2012, durante los cuales 10 fueron aplicados cuestionarios (16) y llevado a cabo 6 (seis)
entrevistas semiestructuradas con mujeres que participan en el grupo familiar de la
Granja de CRAS de Portugal. El trabajo revela que se han producido varios cambios en
las vidas de las mujeres y sus familias, pero todavía ansían para nuevos cambios, por
mejores condiciones de vida, ya que aún viven con diversas expresiones de temas
sociales que azotan sus vidas y sus familias.
Palabras clave: Asistencia Social. Familia. Pobreza. Programa de subsidio familiar.
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SUMÁRIO
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
INTRODUÇÃO..........................................................................................................................13
1. A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL: ANÁLISE DE
CONJUNTURA..........................................................................................................................17
1.1 A política de assistência social: aspectos legais.................................................................... 28
1.2 A política de assistência social em Fortaleza........................................................................ 37
1.3 Os programas de transferência de renda.................................................................................40
1.3.1 O Cadastro Único e o acesso ao Programa Bolsa Família................................................. 43
2. AS CATEGORIAS DE ANÁLISE: ENTRE CENÁRIO, SUJEITOS E
PROBLEMAS.............................................................................................................................50
2.1 O combate à extrema pobreza e à pobreza: meta a ser alcançada pelo Programa Bolsa
Família..........................................................................................................................................51
2.2 Matricialidade, família e gênero: a mulher no centro das políticas públicas.........................58
2.3 A autonomia adquirida pela mulher no cenário familiar: um novo poder de decisão?..........64
3. O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM ANÁLISE: UM ESTUDO DE CASO COM AS
MULHERES QUE PARTICIPAM DO GRUPO DE FAMÍLIA NO BAIRRO GRANJA
PORTUGAL.............................................................................................................................. 67
3.1O percurso teórico-metodológico para a construção e investigação do objeto.......................70
3.1.1Os procedimentos utilizados para a maior aproximação com o objeto................................70
3.1.2O lugar da pesquisa: Centro de Referência de Assistência Social – CRAS Granja
Portugal.........................................................................................................................................73
3.1.3Os sujeitos da pesquisa: as mulheres beneficiárias do Programa Bolsa Família que
participam do grupo de família no CRAS Granja Portugal..........................................................74
3.2O perfil das responsáveis familiares do Programa Bolsa Família...........................................75
3.3A ótica das mulheres beneficiadas pelo Programa Bolsa Família...........................................80
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................... 99
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................. 104
APÊNDICES.............................................................................................................................109
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CadÚnico - Cadastro Único
CAEN – Centro de Aperfeiçoamento de Economistas do Nordeste
CAPs – Caixas de Aposentadoria e Pensão
CAS – Coordenadoria de Assistência Social
CASSI– Coordenadoria de Políticas Públicas de Assistência Social
CentroPop – Centro de Referência da População Rua
CF/88 – Constituição Federal
CGU – Controladoria Geral da União
CIBs – Comissões Intergestores Bipartite
CITs – Comissão Intergestores Tripartite
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CMAS – Conselho Municipal de Assistência Social
CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social
CNH Popular – Carteira Nacional de Habilitação Popular
COEDUC – Coordenadoria de Educação
CRAS – Centro de Referência de Assistência Social
CRAS GP – Centro de Referência de Assistência Social Granja Portugal
CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social
DAS – Distrito de Assistência Social
DRU – Desvinculação das Receitas da União
EAN – Espaço de Acolhimento Noturno para População de Rua
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FHC – Fernando Henrique Cardoso
FMAS – Fundo Municipal de Assistência Social
FSSF – Fundação de Serviço Social de Fortaleza
IAPs – Institutos de Aposentadorias e Pensões
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICS – Instâncias de Controle Social
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IGD – Índice de Gestão Descentralizada
INPS – Instituto Nacional de Previdência Social
IPECE – Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará
LBA – Legião Brasileira de Assistência
LEP – Laboratório de Estudos da Pobreza
LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social
ME – Ministério da Educação
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome
MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social
MS – Ministério da Saúde
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NOB/SUAS – Norma Operacional Básica/ Sistema Único de Assistência
Social
NIS – Número de Identificação Social
PAC – Programa De Aceleração Do Crescimento
PAIF – Programa de Atenção Integral às Famílias
PAF – Programa de Acompanhamento Familiar
PBF – Programa Bolsa Família
PETI – Programa De Erradicação Do Trabalho Infantil
PMF – Prefeitura Municipal de Fortaleza
PNAS - Política Nacional de Assistência Social
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNPM – Plano Nacional de Políticas para as Mulheres
PRONATEC – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego
PSB - Proteção Social Básica
PSE - Proteção Social Especial
RF – Responsável Familiar
SEDAS –Secretaria Municipal de Educação e Assistência Social
SEMAS - Secretaria Municipal de Assistência Social
SICON – Sistema de Gestão de Condicionalidades
SMDS– Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social
SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SESC– Serviço Social do Comércio
SESI – Serviço Social da Indústria
SER‟s – Secretarias Executivas Regionais
SETAS– Secretaria do Trabalho e Ação Social
SICON – Sistema de Gestão de Condicionalidades
SIBEC – Sistema de Benefícios ao Cidadão
SINPAS – Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social
SUAS – Sistema Único de Assistência Social
TCU – Tribunal de Contas da União
UFC – Universidade Federal do Ceará
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INTRODUÇÃO
As disparidades no contexto histórico, político e econômico do Brasil, nos
fazem conhecer as crises, os avanços e retrocessos que o País teve de percorrer ao longo
dos anos no transcorrer do seu desenvolvimento, principalmente no âmbito da
assistência social.
O processo de maior impacto em nível nacional refere-se à dinâmica sofrida
pela sociedade devido às transformações ocorridas no mundo do trabalho, determinados
pela
lógica
capitalista.
Tais
transformações
ocorrem
concomitantemente
ao
desenvolvimento da globalização, e com ela vêm atreladas as altas taxas de desemprego,
que desencadearam o agravamento das mais diversas expressões da questão social,
como a pobreza, a fome, a violência, a criminalidade, dentre outras. Enfim, para tentar
resolver essa onda de mazelas que se instala na sociedade atual, o Estado, em vez de
atender ao aumento da demanda por serviços sociais, tem reduzido seu papel no
enfrentamento da questão social. O que se vê é a transferência de responsabilidades
sociais para o chamado terceiro setor, a partir da perspectiva de solidariedade e de
despolitização da sociedade, em detrimento da organização política em torno da
universalização dos direitos sociais.
O presente estudo tem como objetivo investigar como as mulheres
beneficiárias do Programa Bolsa Família – PBF residentes no bairro Granja Portugal,
concebem o Programa, bem como buscar compreender as mudanças ocorridas em suas
vidas após a inserção neste programa de transferência de renda. Para isso faz-se
necessário compreender o papel da mulher no combate à pobreza; conhecer as
transformações ocorridas em sua vida e de sua família após a inserção no PBF, bem
como suas perspectivas; apreender o que é ser pobre na concepção das mulheres
beneficiárias; entender as relações de gênero no contexto familiar; compreender a
relevância do PBF na vida das mulheres.
A Assistência Social passa a ser concebida como direito social, ou seja, é
dever do Estado e direito do cidadão conforme estabelecido na Constituição Federal de
1988, no artigo 203: “A assistência social será prestada a quem dela necessitar,
independentemente de contribuição à seguridade social”. E com a instituição da Lei
Orgânica da Assistência Social – LOAS, da Política Nacional de Assistência Social e do
Sistema Único de Assistência Social – SUAS, é perceptível que a assistência social
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valoriza-se cada vez mais como política pública, que visa ao enfrentamento da pobreza,
à garantia dos mínimos sociais e à universalização dos direitos sociais.
Na década de 1990, os programas de transferência de renda ganham maior
visibilidade. O governo passa a utilizá-los como política social que visa atender às
necessidades básicas das famílias. Nesta mesma década que tem-se o desenvolvimento
de diversos auxílios destinados a suprir as necessidades das famílias que estavam em
situação de pobreza, dentre os quais mencionam-se o: auxílio gás, bolsa alimentação,
bolsa escola, entre outros. No ano de 2003, o governo federal decide unificar num só
cartão todos os benefícios. É nesse momento que surge o Programa Bolsa Família –
PBF, que em pouco tempo é transformado no maior programa de transferência de renda
do País.
O PBF é criado mediante a Lei 10.836, de 09 de janeiro de 2004. O
Programa agrega condicionalidades de acesso como critério para garantir o recebimento
do benefício, ou seja, a família deve cumprir com suas responsabilidades no que se
refere à área da assistência social, saúde e educação. O seu público alvo são aquelas
famílias que vivem situadas na linha de pobreza, identificada por uma renda mensal de
até R$70,01 (setenta reais e um centavo) a R$ 140,00 (cento e quarenta reais) por
pessoa, ou extrema pobreza, identificada por uma renda mensal de até R$ 70,00 (setenta
reais) por pessoa. Visa combater a fome e a pobreza, através da garantia de uma renda
mínima que ajude as famílias a ultrapassar a situação de risco em que vivem.
O interesse pela temática vem desde o período em que a pesquisadora
residia no interior do Estado, pois várias críticas eram feitas ao Programa, como por
exemplo: “as pessoas não querem mais trabalhar”; “o dinheiro é usado para comprar
roupa, móveis e não para prover a segurança alimentar”. Mas, por meio das
observações, era perceptível que o recurso pecuniário proveniente do Bolsa Família era
utilizado de forma diferenciada pelas beneficiárias, o que aguçou a curiosidade da
pesquisadora tanto sobre o perfil e a realidade do público-alvo, quanto sobre os
impactos do Programa em suas condições de vida.
O empenho pela referida área e pela temática ampliou-se cada vez mais,
visto que, ao adentrar no âmbito acadêmico, a pesquisadora sempre esteve atenta a tudo
que se referia à assistência social. As experiências de estágio favoreceram maior
aproximação com o objeto de pesquisa, já que este sempre esteve vinculado à Proteção
Social Básica – PSB, no âmbito da qual situa-se o Cadastro Único e o PBF. O contato
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com as beneficiárias do Bolsa Família também impulsiona o desenvolvimento da
pesquisa, pois as observações iniciadas no interior do Estado do Ceará permaneceram
presentes no campo de estágio na capital – Fortaleza.
A metodologia utilizada para alcançar os objetivos propostos neste trabalho
tem por base a pesquisa quanti-qualitativa, que aborda não só o perfil socioeconômico
das mulheres beneficiárias do PBF que participam do Grupo de Família no CRAS –
Granja Portugal, mas também suas concepções, motivações, sentimentos e perspectivas
após a inserção no referido Programa. Desse modo, foram aplicados questionários com
o intuito de recolher informações para serem tabuladas e posteriormente analisadas. Já
por meio das entrevistas estruturadas, onde o roteiro já está elaborado, procurou-se
compreender a realidade complexa em que vivem as mulheres, bem como compreender
as contradições, as angústias e as perspectivas das mulheres mediante um papel de
tamanha responsabilidade, que é ser responsável familiar pelo recebimento do benefício.
A pesquisa bibliográfica e documental também foram fontes de extração de
conhecimentos e de dados relevantes para o desenvolvimento do estudo, pois permitem
a análise de dados já registrados anteriormente.
O espaço geográfico do bairro Granja Portugal, localizado na periferia da
cidade de Fortaleza, é o local onde a pesquisa de campo se desenvolve. A escolha da
territorialidade deve-se ao fato da pesquisadora ter sido estagiária do Serviço Social, no
Centro de Referência de Assistência Social – Granja Portugal (CRAS - GP), localizado
na Rua Humberto Lomeu, nº 1230, bairro Granja Portugal.
Os sujeitos da pesquisa são mulheres beneficiárias do PBF, que frequentam
o grupo de família do CRAS Granja Portugal. Dentre as mulheres pesquisadas estão:
Violeta, que tem 43 anos, é casada, natural de Fortaleza, tem cor parda e possui três
filhos. Já Margarida tem 39 anos, é solteira, natural de Madalena (cidade interiorana do
Estado do Ceará), de cor parda e tem quatro filhos. Rosa tem 33 anos, é solteira, natural
de Fortaleza, de cor parda e tem quatro filhos. Flor de Liz tem 37 anos, é casada, natural
do Piauí, de cor parda e tem quatro filhos.
O estudo encontra-se estruturado em três capítulos. O primeiro capítulo,
intitulado “A Política de Assistência Social no Brasil: a trajetória histórica e a análise
de conjuntura da Assistência no País” busca analisar desde os primórdios do
desenvolvimento da política de assistência no Brasil, apresentando os seus marcos
legais, assim como o seu desenvolvimento e sua atuação na cidade de Fortaleza. Neste
16
capítulo também são abordados de forma mais específica, o Cadastro Único e o
Programa Bolsa Família.
O segundo capítulo denominado “As Categorias de Análise: entre cenário,
sujeitos e problemas”, aborda uma análise conjuntural das mudanças ocorridas na vida
das mulheres antes e depois de sua inserção como beneficiária do Programa. Possibilita
a compreensão de como as mulheres veem o PBF, no que diz respeito à inserção social,
poder econômico, afirmação no espaço doméstico (poder de decisão, de compra) e
ampliação do acesso a serviços públicos de educação e saúde, visando melhor qualidade
de vida para sua família.
No terceiro capítulo, nomeado “O Programa Bolsa Família em análise:
um estudo de caso com as mulheres que participam do grupo de família no CRAS
Granja Portugal”, busca-se apresentar o pensamento e compreender a concepção das
beneficiárias a respeito do Programa, e conhecer as perspectivas anteriores e posteriores
à sua inserção, assim como o que elas almejam para o futuro.
Através deste estudo propõe-se uma reflexão crítica sobre a realidade em
que a sociedade brasileira está inserida, marcada por profundas desigualdades sociais.
Ao mesmo tempo, busca-se fazer uma análise do Bolsa Família tomando-se como
referência a população do bairro Granja Portugal da cidade de Fortaleza, cujas
condições de vida refletem a situação de pobreza e de extrema pobreza em que vivem as
famílias atendidas pelo Programa em todo o país.
Faz-se necessário compreender a conjuntura presente buscando conhecer,
analisar e avaliar os limites da Política de Assistência Social, que, embora seja
reconhecida como uma política social que visa assegurar o acesso aos direitos sociais,
em sua trajetória encontra limites estruturais que comprometem a sua efetivação. Isso
ocorre devido à própria lógica do sistema capitalista, que rege toda a vida social,
política, econômica, histórica e cultural do País, limitando a área de cobertura dos
programas e projetos sociais, selecionando e focalizando as ações da política de
assistência social, tendo em vista expandir o espaço do mercado.
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1. A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL: A
TRAJETÓRIA HISTÓRICA E A ANÁLISE DE CONJUNTURA DA
ASSISTÊNCIA NO PAÍS.
A assistência social no Brasil passa por uma série de transformações ao
longo dos anos. Ela inicia sua trajetória como ação voltada para o assistencialismo, que
ainda hoje perdura em nosso meio, mediante práticas clientelistas. No final do século
XX ocorre o desenvolvimento da assistência social com caráter de política pública
inserida no âmbito da seguridade social, no mesmo patamar que a saúde e a previdência
social.
Neste sentido, a política de seguridade social possui como objetivo fazer o
enfrentamento da questão social1, a qual é compreendida não como resultado das
desigualdades sociais produzidas na sociedade capitalista, fruto das relações
contraditórias entre capital e trabalho, mas sim como caso de polícia, conforme
afirmava o então presidente Washington Luís, o último presidente da República Velha,
esteve no comando do governo entre 1926 a 1930. Ou seja, o crescimento significativo
das organizações e lutas operárias que contestavam as péssimas condições de trabalho,
de salário e de vida da classe operária é visto como um movimento de revoltosos e de
criminosos que afetam a ordem vigente.
Com as reivindicações da classe trabalhadora em torno de melhores
condições de trabalho e de vida é que as expressões da questão social como, por
exemplo, a fome, a pobreza, a violência, o desemprego, entre outras refrações, são
compreendidas sob outra ótica, a dos direitos sociais. A burguesia, sentindo-se
ameaçada pela inserção dos trabalhadores no cenário político, vê nas ações jurídicas do
Estado uma forma de conter as manifestações do proletariado, garantindo, por meio das
Leis Sociais, o reconhecimento de sua cidadania social. Assim, o Estado amplia sua
função de regulador da vida social.
1
De acordo com Iamamoto (2001, p.p 10 – 11), entende-se por questão social a expressão ampliada das
desigualdades sociais: o anverso do desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social. Sua
produção/reprodução assume perfis e expressões historicamente particulares na cena contemporânea.
Requer, no seu enfrentamento, a prevalência das necessidades da coletividade dos trabalhadores, o
chamamento à responsabilidade do Estado e a afirmação de políticas sociais de caráter universal, voltadas
aos interesses das grandes maiorias, condensando um processo histórico de lutas pela democratização da
economia, da política, da cultura na construção da esfera publica.
18
No final da primeira década do século XX, o Estado cria as normas jurídicas
para regulamentar e controlar os contratos de trabalho, fato que marca o início da
formação da legislação social brasileira. A primeira lei, em 1919, refere-se ao seguro em
relação aos acidentes de trabalho. Em 1920, surge a Comissão Especial de Legislação
Social com a função de analisar as iniciativas referentes à área trabalhista. Em 1923, a
Lei Elói Chaves2 cria as Caixas de Aposentadoria e Pensão – CAPs –, as quais
asseguravam alguns benefícios como assistência médica, férias, aposentadoria, pensões
para dependentes e auxílio funerário aos trabalhadores de empresas ferroviárias,
portuárias, marítimas, entre outras. Em 1933, surge os Institutos de Aposentadorias e
Pensões – IAPs, extinguindo assim as CAPs. É a partir dos IAPs que o sistema público
de previdência passa a se desenvolver no Brasil.
Com a crise do capital no final da década de 1920, tem-se o início das
mudanças referentes às relações entre Estado e sociedade, cuja política social brasileira
sob o governo de Getúlio Vargas amplia direitos historicamente conquistados pelos
trabalhadores. Em 1930 surge o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, e a partir
deste, surge a Carteira de Trabalho, documento que assegura alguns direitos para os
trabalhadores que estão empregados com carteira registrada. “Progressivamente o
Estado brasileiro passa a reconhecer a questão social como uma questão política a ser
resolvida sob sua direção.” (SPOSATI, et al, 2008, p.42). A partir de então, a assistência
social se configura em duas esferas: primeiro como ação governamental voltada para a
prestação de serviços e, segundo, como uma amortização das tensões sociais.
Segundo Behring e Boschetti (2009), em 1942, a assistência social inicia seu
processo de centralização no âmbito federal, por meio da então primeira dama Darcy
Vargas, que funda a primeira grande instituição de assistência social, a Legião Brasileira
de Assistência – LBA3, reconhecida por sua colaboração com o Estado, visto que esta
2
Segundo Iamamoto e Carvalho (2009), a partir da lei criada pelo Decreto nº 4.682 - de 24 de janeiro de
1923 lançam-se as bases para o desenvolvimento da futura política de Seguro Social, a iniciativa tem
origem devido à proposta de um grupo de empresários do setor de ferrovias de São Paulo. Em 1930
assiste-se a expansão dos Seguros Sociais. A lei que até então havia criado as Caixas de Aposentarias e
Pensões ampliação a sua cobertura fazendo surgir os Institutos de Aposentadorias e Pensões, os IAPs, que
passam a abranger as categorias profissionais englobando o maior número de funcionários assalariados
que vivem na área urbana e que trabalham no setor público e privado.
3
A LBA foi criada pelo Decreto-lei nº 4. 830, de 15 de novembro de 1942 e transformada em Fundação
pelo Decreto-lei nº 83. 148, de 8 de fevereiro de 1969. Sempre presidida por uma primeira-dama e
reconhecida como órgão de colaboração com o Estado no tocante aos serviços de assistência social.
19
instituição surge para atender as famílias “dos pracinhas” envolvidos na Segunda
Guerra Mundial. Este fato ressalta as características de tutela, favor e clientelismo na
relação entre Estado e sociedade no Brasil. De acordo com Sposati (2008, pp. 45 – 46),
a LBA “Representa a simbiose entre a iniciativa privada e a pública, a presença da
classe
dominante
enquanto
poder
civil
e
a
relação
benefício/caridade
x
beneficiário/pedinte, conformando a relação básica entre Estado e classes subalternas.”.
Nesse período, outros marcos da política social foram: a criação do salário
mínimo, em 1940; a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT em, 1943; a criação do
“sistema S” (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC,
Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI, Serviço Social do Comércio –SESC,
Serviço Social da Indústria – SESI). Tais medidas foram de suma importância para o
campo assistencial, contudo o principal intuito dos governos populistas, no período de
1930 a 1964, é desenvolver economicamente o Brasil, tanto que o País fora marcado
pelo processo de urbanização e industrialização, embora mantendo sua raiz agrárioexportadora.
O período que compreende os anos de 1946 a 1964 é marcado pelo
desenvolvimentismo que impulsiona os setores econômicos do País, por meio do Plano
de Metas – cujo lema é “crescer 50 anos em 5” –, do presidente Juscelino Kubitschek.
Este Plano propõe um salto na economia brasileira, por meio da estratégia de
substituição de importações, ou seja, o Brasil passa a produzir os produtos que até então
importa de outros países. Tal processo acirra as lutas sociais tanto nas cidades, como no
campo mediante as ações das Ligas Camponesas, movimento social que trata da
organização dos trabalhadores do campo, cujo objetivo é lutar por reforma agrária e
contra os grandes latifundiários que concentram ampla parte das terras brasileiras em
seu domínio.
A política social durante a Era Vargas (1930 – 1945) e o Populismo (1946 –
1964) tem sua expansão marcada por um processo lento e seletivo, destacando que
nesse período a separação entre os Ministérios da Saúde e da Educação em 1953, e a
criação de novos IAPs.
Já no período tecnocrático-militar compreendido entre 1964 a 1985 há uma
abertura política voltada para o desenvolvimento de política social. Os militares passam
a se preocupar com a classe pauperizada, que cada vez mais se organizava em torno de
20
um movimento organizado e consciente. Contudo a intenção real dos militares é manterse no poder, e desmobilizar os movimentos sociais que lutam por reformas sociais.
O Estado naquele momento tinha grandes planos para acelerar o
crescimento econômico e social do País. A burguesia da época associava-se ao capital
estrangeiro, o intuito é “deixar o bolo crescer para depois dividir”, mas, como a divisão
não faz parte da lógica do capital, isso não ocorre. A questão social passa a ser
enfrentada ora por meio da repressão, ora por meio da assistência. De acordo com
Pereira (2008, p.37), “A política social é então, utilizada como estratégia de
enfraquecimento das organizações populares e não como uma medida eficaz para
atender as necessidades sociais.”.
No período da ditadura militar foram criadas diversas instituições que
apontaram avanços na área social, tais como: o Instituto Nacional de Previdência Social
– INPS (1966) que representa a unificação dos IAPs, ou seja, aumenta o número de
categorias cobertas pela previdência (por exemplo, os trabalhadores rurais) e benefícios,
(tais como: seguros de acidentes pessoais); o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
– FGTS (1967); o Ministério da Previdência e Assistência Social – MPAS (1974); e o
Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social – SINPAS (1975). As inovações
mencionadas restringem-se aos contribuintes da previdência; os demais trabalhadores
contam com ações ligadas à filantropia.
De acordo com Behring e Boschetti (2009) uma das principais heranças da
ditadura militar refere-se aos espaços abertos nas áreas de saúde, previdência e
educação privada, pois configura o acesso às políticas sociais em dois aspectos o
primeiro para aqueles que podem pagar pelo serviço. O segundo, para aqueles que
necessitam pelo mérito da pobreza. A partir de 1974, as fissuras do projeto tecnocrático
e modernizador-conservador começam a ficar mais visíveis em função do esgotamento
do “milagre econômico brasileiro” 4. O Brasil nos anos seguintes inicia uma abertura
lenta e gradual rumo à democracia.
4
Sobre este momento, Behring (2008, p. 134) assinala que foi um período no qual havia as condições
políticas – a ditadura militar no seu período mais duro – para a instalação de grandes unidades produtivas
transnacionais, num momento de forte liquidez de capital e de abundância de crédito. Ainda de acordo
com a autora o milagre econômico brasileiro foi sustentado a partir de alguns processos: um êxodo rural
de grandes proporções, concentrando força de trabalho barata no espaço urbano, que foi absorvida pela
construção civil e pela indústria manufatureira de bens duráveis; e o oferecimento de facilidades para
empréstimos privados a juros flutuantes, mesmo, muitas vezes, sem garantias de investimento produtivo.
21
Pensar sobre as políticas sociais, em especial sobre a política de assistência
social brasileira, pressupõe decifrar o contexto de crise e contradições vivenciado pela
sociedade capitalista.
As crises são inerentes à dinâmica do sistema capitalista, mas para enfrentar
a crise estrutural5 que se inicia na década de 1970, o capital não pode assumir
compromissos sociais. Entre as expressões desta crise, destacam-se: a crise do petróleo,
fazendo com que o valor do produto aumentasse; a crise do padrão de acumulação
taylorista/fordista, transformando, consequentemente, as relações de trabalho; a queda
da taxa de lucro, em decorrência do excesso de produção; a crise do Welfare State; e a
intensificação das lutas sociais.
Buscando superar a crise e garantir a acumulação capitalista, o capital
realiza um processo de reestruturação econômica e política que afeta diretamente o
mundo do trabalho, a materialidade e a subjetividade da classe trabalhadora. Tal
processo pressupõe a reforma do Estado para efetivação do projeto neoliberal, cujas
principais diretrizes são: liberalização comercial e financeira, privatização de empresas
estatais, desregulamentação dos direitos sociais e trabalhistas, redução dos gastos
públicos e focalização das políticas sociais. Para Behring e Boschetti (2009, p. 127),
A hegemonia neoliberal da década de 1980 nos países capitalistas centrais
não foi capaz de resolver a crise do capitalismo nem alterou os índices de
recessão e baixo crescimento econômico, conforme defendia. As medidas
implementadas, contudo, tiveram efeitos destrutivos para as condições de
vida da classe trabalhadora, pois provocaram o aumento do desemprego,
destruição de postos de trabalho não-qualificados, redução dos salários
devido ao aumento da oferta de mão-de-obras e redução dos gastos com as
políticas sociais.
Com a mundialização do capital, sob o modelo de acumulação flexível, a
classe trabalhadora, que depende da venda de sua força de trabalho para sobreviver, é
cada vez mais explorada em nome do lucro capitalista. Nesse contexto, marcado pelo
crescimento do capital financeiro, aprofundam-se as desigualdades sociais, com o
aumento da concentração de renda, do desemprego e da precarização do trabalho,
agravando a questão social, cuja manifestação imediata é a pobreza.
5
Para conhecimento e análise mais aprofundada sobre a crise do capital, ver Ricardo Antunes, David
Harvey, entre outros.
22
As contradições expressas por meio das diversas expressões da questão
social dão origem ao desenvolvimento das políticas sociais, que se configuram como
respostas – geralmente setorializadas e fragmentadas – aos movimentos reivindicatórios
da classe trabalhadora.
Tais políticas têm origem na Europa, no final do século XIX, com o
surgimento do pauperismo e do movimento trabalhista de caráter socialista, resultados
da intensa onda de industrialização no continente. No Brasil, elas só se desenvolveram a
partir do início do século XX, num cenário econômico, político e social marcado pela
industrialização tardia, pelo crescimento do proletariado urbano e por sua organização e
luta política em busca de direitos sociais.
O que é mais contraditório e singular na realidade brasileira é que o
desenvolvimento e a ampliação das políticas sociais ocorrem em períodos de governos
autoritários e antidemocráticos. De acordo com Behring e Boschetti (2009, p. 136) “a
questão social, passa a ser enfrentada num mix de repressão e assistência, tendo em vista
manter sob controle as forças do trabalho que despontavam”. Compreende-se, então,
que a política social passa a ser implementada mais como um mecanismo de controle
sobre a classe operária, do que como uma medida que visa atender efetivamente às suas
necessidades. Mais uma vez, a preocupação centra-se em conter os ânimos dos
trabalhadores e manter o equilíbrio da ordem social burguesa.
Na década de 1980, a sociedade brasileira encontra-se mergulhada na
inflação, devido à crise do chamado “milagre brasileiro” e à recessão econômica; do
ponto de vista social, a população vê o aprofundamento da miséria, da exclusão e da
desigualdade social.
Os anos 1990, por sua vez, inauguram as medidas neoliberais, cujos efeitos,
segundo Behring e Boschetti (2009, p. 139) têm impactos severos no continente latinoamericanos, tais como:
Empobrecimento generalizado da América Latina, especialmente no seu país
mais rico, o Brasil; crise dos serviços sociais públicos num contexto de
aumento da demanda em contraposição a não expansão dos direitos;
desemprego; agudização da informalidade da economia; favorecimento da
produção para exportação em detrimento das necessidades internas. Ou seja,
características regionais preexistentes à crise da dívida foram exacerbadas no
contexto dos anos 1980, quando a estagnação chega à periferia, fazendo cair
os índices de crescimento, deslegitimando os governos militares e dando
fôlego às transições democráticas, tendo como sua maior expressão o
endividamento.
23
A partir do referido momento, o Estado e a sociedade têm suas relações
redefinidas, pois entra em cena o projeto neoliberal, que defende a redução da
responsabilidade do Estado para com as classes subalternas, estabelecendo que o poder
público garanta apenas os mínimos sociais para a população.
Neste cenário vê-se uma regressão da política de assistência social, que
ganhara estatuto de política pública constitutiva do sistema de seguridade social na
“Constituição Cidadã” de 1988. As ações assistenciais passam por um processo de
refilantropização, ou seja, o Estado passa a ser desresponsabilizado pelo enfrentamento
da questão social. A sociedade torna-se autorresponsável por seus problemas sociais,
entrando em cena o terceiro setor, por meio de ações desenvolvidas por organizações
não governamentais – ONGs6, entidades filantrópicas, organização da sociedade civil de
interesse público – OSCIP7 e organizações sem fins lucrativos, entre outras que atuam
no desenvolvimento de projetos socioeducativos. Para Raquel Raichelis (2009, p.385)
nesse processo,
O Estado deixa de prestar serviços diretos à população e passa a estabelecer
parcerias com organizações sociais e comunitárias, incluindo-se aí as
fundações e institutos empresariais que, atualizando seu discurso, convertem
a assistência social e a finlantropia para a linguagem do capital – agrega valor
ao negócio, responsabilidade social das empresas, ética empresarial são
alguns dos termos que passam a ser recorrentes.
Sobre a afirmação da assistência como política social inserida no âmbito da
seguridade social, Oliveira (2003, p. 11) afirma que: “trata-se de uma incorporação
tardia e em uma conjuntura marcada por reformas que argumentam a necessidade da
adequação da seguridade social brasileira às exigências do ajuste neoliberal.”. Isto leva
ao entendimento de que a assistência social nasce para atender as pessoas que não têm
como prover sua subsistência.
6
As ONG‟s atuam no terceiro setor da sociedade civil. São organizações que atuam em diversas áreas,
tais como: meio ambiente, assistência social, saúde, educação, desenvolvimento sustentável, entre outras.
Elas possuem funções importantes na sociedade, pois seus serviços chegam em locais e situações em que
o Estado é pouco presente. Muitas vezes trabalham em parceria com o Estado e seus recursos advêm de
financiamentos dos governos, empresas privadas, venda de produtos e da população em geral (através de
doações). Grande parte da mão-de-obra que atua nas ONGs é formada por voluntários.
7
As OSCIP's são entidades privadas atuando em áreas típicas do setor público, e o interesse social que
despertam merece ser, eventualmente, financiado, pelo Estado ou pela iniciativa privada, para que
suportem iniciativas sem retorno econômico.
24
De acordo com Mota, “o acesso aos direitos sociais estão condicionados aos
processos sociais” (apud OLIVEIRA, 2003, p.11), ou seja, são dependentes das relações
de forças entre as classes.
Segundo Behring e Boschetti (2009, p. 156),
a tendência geral tem sido a de restrição e redução dos direitos, sob o
argumento da crise fiscal do Estado, transformando as políticas sociais (...)
em ações pontuais e compensatórias direcionadas para os efeitos mais
perversos da crise. As possibilidades preventivas e até eventualmente
redistributivas tornam-se mais limitadas, prevalecendo o já referido trinômio
articulado ao ideário neoliberal para as políticas sociais, qual seja a
privatização, a focalização e a descentralização. Sendo esta última
estabelecida não como partilhamento de poder entre esferas públicas, mas
como mera transferência de responsabilidades para entes de federação ou
para instituições privadas e novas modalidades jurídico-institucionais
correlatas componente fundamental da “reforma” e das orientações dos
organismos internacionais de proteção social.
A década de 1980 passa a ter um duplo reconhecimento, pois a mesma é
vista como a década economicamente perdida, em função do grave contexto em que se
encontra inserido o País. Ao mesmo tempo, como um período de conquistas
democráticas em virtude das lutas sociais e da promulgação da Constituição Federal de
1988, o início dos anos de 1980 é marcado pelo aumento do desemprego e pela crise da
dívida interna e externa·. Fatores que ratificam a denominação de década perdida,
marcada por uma intensa estagnação econômica.
O Estado passa então a ser
“satanizado”. Conforme assinala Behring (2008, p. 134),
A crise dos serviços sociais públicos; o desemprego; a informalização da
economia; o favorecimento da produção para a exportação em detrimento das
necessidades internas. Ou seja, características regionais preexistentes à crise
da dívida foram exacerbadas no contexto dos anos 1980.
No contexto político da Nova República, o então presidente José Sarney
(1985 – 1990) propõe o Plano Cruzado na tentativa de tirar a nação brasileira da crise, o
plano fracassa,pois não consegue equilibrar a economia do País, a inflação, a dívida
externa e interna só aumentam, junto à crise cresce a insatisfação dos empresários e da
sociedade que se sentem enganados mediante as medidas propostas apresentadas pelo
plano, tal medida provoca o avanço do movimento sindical e popular. O contexto
econômico em que o Brasil adentra na década de 1990 pouco se difere da década
anterior. Conforme afirma Behring (2008, p. 137), o País está “paralisado pelo baixo
nível de investimento privado e público; sem solução consistente para o problema do
25
endividamento; e com uma situação social gravíssima.” Assim, a política social do
governo Sarney tem como principal ação o Programa do Leite8, que se desenvolve com
caráter seletivo e fragmentado.
Em 1988 é promulgada a nova Constituição Federal – CF/88, denominada
de “Constituição Cidadã”, porque traz para os trabalhadores e para os movimentos
sociais a retomada do Estado democrático de direito. O povo brasileiro aspira por
liberdade democrática, redução das desigualdades, acesso aos direitos sociais, soberania
da nação e reforma agrária. Assim, é a partir da Constituição Federal de 1988 que se
tem o marco legal para as transformações da sociedade brasileira. Ela redefine o papel
da assistência social no País, qualificando-a como política pública de seguridade social.
Conforme o Artigo 194 da CF/88:
A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa
dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos
relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo único Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social,
com base nos seguintes objetivos: I - universalidade da cobertura e do
atendimento; II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às
populações urbanas e rurais; III - seletividade e distributividade na prestação
dos benefícios e serviços; IV - irredutibilidade do valor dos benefícios; V equidade na forma de participação no custeio; VI - diversidade da base de
financiamento; VII - caráter democrático e descentralizado da administração,
mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos
empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. (p.53).
Nas eleições de 1989 tem-se a tensão entre dois projetos antagônicos: de um
lado o projeto neoliberal, representado por Fernando Collor de Melo, e, do outro, o
projeto democrático, representado por Luis Inácio Lula da Silva. Na disputa eleitoral
Collor é eleito e junto com ele instala-se no Brasil uma onda neoliberal, vista como
tardia, embora seus traços em solos brasileiros tivessem sido delineados inicialmente na
década passada.
8
Desde o início do governo, o presidente Sarney investiu em políticas sociais. A bandeira vinha no
slogan “Tudo pelo Social”. Dentro dessa estratégia, um dos programas de maior destaque do governo foi
o Programa Nacional do Leite.Criado no primeiro ano da Nova República, o Programa Nacional do Leite
beneficiava três milhões de crianças carentes em 1987. O êxito foi reconhecido internacionalmente e
apontado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a iniciativa mais importante do mundo,
naquela época, na área de assistência governamental, modelo a ser seguido por países que conviviam
com elevadas taxas de desnutrição.Ver mais em: http://josesarney.org/o-politico/presidente/politicas-dogoverno/programa-nacional-do-leite/
26
Dentro da lógica neoliberal, Boschetti (2009) afirma que há um permanente
e gradual desmonte da Seguridade Social, tendo em vista que os princípios da
universalidade e a gestão descentralizada e democrática de acesso dos direitos estão
sendo desconsiderados. A autora menciona três caminhos que direcionam a
desconsideração do que é posto pela Constituição Federal de 1988:
O primeiro caminho do desmonte é o da desconfiguração dos direitos
previstos constitucionalmente. Estes não foram nem uniformizados e nem
universalizados.(...) a política de assistência (...) é restritiva e os benefícios,
serviços e programas não atingem mais dos que 25% da população que teria
direito; O segundo caminho do desmonte é a fragilização dos espaços de
participação e controle democráticos previstos na Constituição; A terceira, e
talvez mais destrutiva forma de desmonte, é a via do orçamento. As fontes de
recurso não foram diversificadas, contrariando o dispositivo constitucional, e
permanece a arrecadação predominantemente sobre a folha de salários.
(BOSCHETTI, 2009, p.p 333 – 334)
Nesse último caminho ocorre um “desvio” do dinheiro por meio da
Desvinculação das Receitas da União – DRU9, que destina os recursos da Seguridade
Social para o pagamento da dívida pública. Quanto ao recurso advindo para o
financiamento da seguridade social, este provém da folha de pagamento dos
empregadores e empregados, caracterizando o caráter regressivo da seguridade, que não
transfere renda do capital para o trabalho. Vale ressaltar que a maior parte dos recursos
da seguridade é destinada para a previdência (60%); em segundo lugar vem a saúde,
com (14%); e, em terceiro, fica a assistência, com (6%); o restante do orçamento é
destinado aos demais programas, projetos e serviços ofertados pelo governo.
O presidente propõe o Plano Collor para “salvar a economia nacional”, mas
suas ações voltam-se contra ele: a inflação aumenta,o Plano fracassa, o País “abre os
braços” ao processo de privatização. Em seu governo é vetada a Lei Orgânica da
Assistência Social – LOAS. Enfim, o caos em que a Nação se encontra culmina num
momento histórico, o impeachtment, organizado pelos estudantes “caras pintadas”, que
finda com Collor deposto.
O vice-presidente, Itamar Franco, assume o poder com uma grave herança
socioeconômica, dentre as mazelas cita-se a inflação, o desemprego, a fome e a
9
De acordo com o Ministério do Planejamento, a DRU objetiva dar maior flexibilidade à alocação dos
recursos públicos. A principal fonte de receita é o IPI e o Imposto de Renda. Ver mais em:
http://www.planejamento.gov.br/link_secretaria.asp?cod=478&cat=51&sec=8&sub=129#
27
indigência que afeta a população brasileira. Tentando conter os ânimos da classe
burguesa e proletária, Itamar procura governar com o intuito de trazer um entendimento
nacional e estabilização econômica para o País. Na área social de seu governo destacase a aprovação da LOAS, Lei que regulamenta os pressupostos constitucionais e que
institui os benefícios, os serviços, os programas e os projetos destinados ao
enfrentamento da questão social que afeta a população vulnerabilizada.
Na eleição de 1994 é eleito como presidente da República o ministro da
Fazenda, Fernando Henrique Cardoso – FHC, que na época pensa num plano de
estabilização econômica, o Plano Real, para “salvar” o País da hiperinflação e que
consequentemente o leva à vitória como presidente. Segundo Behring (2008, p. 158)
“trata-se de uma verdadeira restrição externa ao crescimento, de uma adaptação
regressiva ao capitalismo mundial, de uma desestruturação sistêmica e, por fim, de uma
vulnerabilidade nunca dantes vista.”.
No governo Lula, que tem como slogan de campanha, “Brasil, um país de
todos” atua de forma dicotômica, pois busca claramente atender as demandas da classe
burguesa e proletária, visto que no âmbito econômico tem-se o favorecimento dos
interesses do capital financeiro nacional e internacional e no lado social tem-se a
implementação de uma série de programas, projetos e serviços que são direcionados
para os segmentos mais pobres da população.
Considerando a atual conjuntura socioeconômica e política do Brasil, faz-se
mister analisar os limites de atuação da política de assistência, assim como sua
concretização e efetivação no que diz respeito ao acesso aos direitos sociais. A
afirmação da Assistência Social como política social, necessita ser compreendida e
debatida, pois as limitações apresentadas para sua ampliação e execução encontram-se
fincadas dentro do sistema capitalista, que domina o cenário contemporâneo, no qual
estamos inseridos.
As consequências do modelo neoliberal para a política social, de acordo
com Telles, “são enormes, não só porque o aumento do desemprego leva ao
empobrecimento e ao aumento generalizado da demanda por serviços sociais públicos,
mas porque corta os gastos, flexibilizam-se os direitos.” (apud BEHRING, 2008, p.
160). Uma das consequências é a privatização dos serviços públicos e a seletividade das
políticas sociais, uma vez que a estrutura oferecida pelo governo não é suficiente para
atender a elevada demanda apresentada pela população, isso leva à degradação das
28
condições de vida, de trabalho e de acesso aos direitos sociais, o que fere o principio da
universalidade pregado pela Constituição Federal de 1988.
1.1 A política de assistência social: aspectos legais
A Assistência Social no Brasil passa a ser concebida como direito social a
partir do momento em que é inscrita na Constituição Federal de 1988, sendo este o seu
marco histórico social. Na CF/88, mais especificamente nos Artigos 203 e 204, ela é
definida como:
Art. 203 - A assistência social será prestada a quem dela necessitar,
independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:I
- a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;II
- o amparo às crianças e adolescentes carentes;III - a promoção da integração
ao mercado de trabalho;IV - a habilitação e reabilitação das pessoas
portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida
comunitária;V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios
de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme
dispuser a lei. Art. 204 - As ações governamentais na área da assistência
social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social,
previstos no Art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas
seguintes diretrizes: I - descentralização político-administrativa, cabendo a
coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução
dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a
entidades beneficentes e de assistência social; II - participação da população,
por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no
controle das ações em todos os níveis.Parágrafo único. É facultado aos
Estados e ao Distrito Federal vincular a programa de apoio à inclusão e
promoção social até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida,
vedada a aplicação desses recursos no pagamento de: I - despesas com
pessoal e encargos sociais;II - serviço da dívida;III - qualquer outra despesa
corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados.
(p.56)
A seguridade social brasileira é instituída a partir da promulgação da
Constituição Federal de 1988, a qual incorpora dois modelos: um deles, denominado
bismarkiano, está condicionado a uma contribuição mensal e constitui uma espécie de
seguro social; e o outro modelo, o beveridgiano, compreende os direitos como
universais, devendo garantir os mínimos sociais a todos que estão em condições de
necessidade. Conforme afirma Boschetti (2009, p. 324), nossa Constituição restringe a
previdência aos trabalhadores contribuintes, universaliza a saúde e limita a assistência
social a quem dela necessitar.
29
De acordo com Mota (2010, pp.15–16), “a institucionalização da
assistência social como política pública e a consideração dos serviços e benefícios como
direitos contratuais dos trabalhadores, colocou a prática da Assistência Social em novos
patamares”, ou seja, ela passa a ser interpretada como algo que está além da proteção
social, passa a ser compreendida como um fetiche social que é utilizado para enfrentar
as desigualdades sociais impostas pelo sistema capitalista. Surge então uma nova
clientela e agora mais ampliada, composta por pobres, miseráveis, inaptos para produzir
e desempregados.
Instala-se na sociedade, um caos social e econômico. A classe dominante
passa a observar a assistência social como um caminho pelo qual será possível combater
a pobreza, ou pelo menos, um caminho que busca soluções para amenizar as
vulnerabilidades da classe proletária atingida pelas desigualdades sociais resultantes da
dominação e do controle impostos pelo sistema capitalista. Para que haja a efetivação do
acesso aos direitos, surgem diversas leis que asseguram o acesso dos cidadãos aos
serviços ofertados no âmbito da assistência social.
A Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS10 Lei Nº 8.742, de 7 de
dezembro de 1993, surge como o instrumento legal que dispõe sobre a organização da
Assistência Social no Brasil. Representa o marco legal para o reconhecimento da
assistência social como direito do cidadão brasileiro, isto é, apresenta os pressupostos
estabelecidos na CF/88, nos artigos 203 e 204, os quais garantem o acesso aos
benefícios, serviços, programas e projetos socioassistenciais oferecidos por alguma
instância do Estado.
10
A LOAS, em seu Art. 4º estabelece que: A assistência social rege-se pelos seguintes princípios:I supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica; II universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas
demais políticas públicas; III - respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a
benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer
comprovação vexatória de necessidade; IV - igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem
discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais; V divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos
oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão. Já em seu Art. 5º define: A organização
da assistência social tem como base as seguintes diretrizes: I - descentralização político-administrativa
para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e comando único das ações em cada esfera de
governo; II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das
políticas e no controle das ações em todos os níveis; III - primazia da responsabilidade do Estado na
condução da política de assistência social em cada esfera de governo.
30
A elaboração da LOAS é o pilar necessário para o avanço e construção da
política de assistência social no Brasil, pois reconhece e impulsiona o desenvolvimento
de ações no âmbito assistencial fazendo com que se concretize o direito do cidadão de
acessar os serviços assistenciais e a responsabilidade do Estado de oferecer a prestação
de serviços à população.
A Política Nacional de Assistência Social – PNAS11, aprovada pelo
Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, em 2004, expressa a materialidade
da assistência social como pilar da seguridade social, ou seja, busca assegurar aos
cidadãos a concretização do acesso aos referidos direitos sociais como saúde, educação
e assistência social. Seu objetivo compreende a incorporação das demandas da
população e o atendimento de tais demandas se efetiva por meio de programas, projetos
e serviços ofertados nos diversos equipamentos da rede pública.
Hoje há uma nova compreensão de assistência social. Ao longo dos anos
mudam não só as concepções, mas também as ações da proteção social. Com isso surge
o duplo efeito da assistência: “o de suprir sob dado padrão pré-definido um recebimento
e o de desenvolver capacidades para maior autonomia.” (PNAS, 2004, pp. 15–16). A
duplicidade surge da nova percepção conferida à assistência que passa a ser
compreendida como direito relacionado à proteção social e à seguridade social que
assume no desenvolvimento de suas ações, foco na centralidade sociofamiliar
identificando dentro da dinâmica demográfica e socioeconômica o processo de exclusão
e inclusão social das famílias que vivem em situação de vulnerabilidade social12.
11
São objetivos da PNAS: Prover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e,
ou, especial para famílias, indivíduos e grupos que deles necessitarem; Contribuir com a inclusão e a
equidade dos usuários e grupos específicos, ampliando o acesso aos bens e serviços socioassistenciais
básicos e especiais, em áreas urbana e rural; Assegurar que as ações no âmbito da assistência social
tenham centralidade na família, e que garantam a convivência familiar e comunitária. (PNAS, 2004, p.
33).
12
Por vulnerabilidade social, a PNAS (2004, p.33) compreende: Famílias e indivíduos com perda ou
fragilidade de vínculos de afetividade, pertencimento e sociabilidade; ciclos de vida; identidade
estigmatizadas em termos étnico, cultural e sexual; desvantagem pessoal resultante de deficiências;
exclusão pela pobreza e, ou, no acesso às demais políticas públicas; uso de substâncias psicoativas;
diferentes formas de violência advinda do núcleo familiar, grupos e indivíduos; inserção precária ou não
inserção no mercado de trabalho formal e informal; estratégias e alternativas diferenciadas de
sobrevivência que podem representar risco pessoal e social.
31
Pretendendo levantar esses dados, a Política trabalha numa perspectiva
socioterritorial e para isso divide os municípios brasileiros em grupos organizados:
Municípios pequenos 1: com população até 20.000 habitantes; Municípios
pequenos 2: com população entre 20.001 a 50.000 habitantes; Municípios
médios: com população entre 50.001 a 100.000 habitantes; Municípios
grandes: com população entre 100.001 a 900.00 habitantes; Metrópoles: com
população superior a 900.000 habitantes. (PNAS, 2004, p.16).
A divisão dos municípios permite que a Política analise a situação de
vulnerabilidade social de determinado território e por meio dos dados obtidos é possível
confrontar a realidade local com a do País buscando trabalhar com as particularidades
de cada região.
A dinâmica populacional é um relevante indicador para a análise e
desenvolvimento de ações, pois, de acordo com o contexto social e econômico, há um
processo de reconhecimento das mudanças ocorridas no âmbito territorial e
populacional visível, principalmente, nas cidades de médio e grande porte e também nas
metrópoles. Nos espaços urbanos é possível verificar uma intensa produção e
reprodução das precárias condições de vida e de trabalho. O número de desempregados
e de atividades informais aumentam aceleradamente e com isso, a população vê a
fragilização das relações sociais expressas na violência, na perda dos vínculos familiares
e sociais e, consequentemente no crescimento do número de excluídos e
vulnerabilizados. De acordo com a PNAS, isso faz do Brasil um país com um dos
maiores índices de desigualdade do mundo.
A proposta da PNAS de construir a rede de gestão descentralizada de
serviços socioassistenciais visa alcançar maior eficiência, eficácia e efetividade diante
das ações executadas. A Política atua pautada em três vertentes: as pessoas, as
circunstâncias e a família: “A proteção social exige a capacidade de maior aproximação
com o cotidiano da vida das pessoas, pois é nele que riscos, vulnerabilidades se
constituem.” (2004, p. 15). É preciso relacionar o individuo com sua realidade,
buscando compreender o contexto em que ele está inserido, articulando as três vertentes
em sua totalidade e, posteriormente, intervindo para atender as necessidades dos
indivíduos que vivem em condição de vulnerabilidade social.
A política pública de assistência social visa dar segurança no âmbito da
sobrevivência, haja vista buscar que a família alcance rendimentos para prover sua
32
autonomia e segurança alimentar, bem como na vivência familiar. Desse modo, “marca
sua especificidade no campo das políticas sociais, pois configura responsabilidades de
Estado próprias a serem asseguradas aos cidadãos brasileiros.” (PNAS, 2004, p. 32).
A organização da política pública tem como base princípios democráticos
que buscam assegurar:
I – Supremacia do atendimento; II – Universalização dos direitos sociais; III
– Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito; IV –
Igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação; V –
Divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos
assistenciais. (PNAS, 2004, p.32).
As diretrizes da Política estão pautadas na descentralização político
administrativa, na participação da população, na primazia da responsabilidade do Estado
e por fim na centralidade na família.
A política pública de assistência social trabalha articulada com as políticas
setoriais para atender as particularidades de cada município, visando ao enfrentamento e
também à garantia de acesso aos direitos sociais. Através da Política busca-se prover o
atendimento das necessidades e a universalização dos direitos que estão objetivados sob
a seguinte perspectiva:
Prover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e,
ou, especial para as famílias, indivíduos e grupos que dele necessitarem;
Contribuir com a inclusão e equidade dos usuários e grupos específicos,
ampliando o acesso aos bens e serviços socioassistenciais básicos e especiais,
em áreas urbana e rural; Assegurar que s ações no âmbito da assistência
social tenham centralidade na família, e que garantam a convivência familiar
e comunitária. (PNAS, 2004, p.32).
Os cidadãos e grupos usuários da política de assistência social são aqueles
que se encontram em situação de risco e vulnerabilidade social.
As mulheres pesquisadas para o desenvolvimento da pesquisa enquadram-se
no perfil de vulnerabilidade acima exposto, pois vivem numa área periférica da cidade
de Fortaleza, o bairro Granja Portugal. Este bairro sofre com a questão da violência,
com a falta de saneamento básico, com a precariedade dos equipamentos de saúde,
assistência e de educação.
Em 2003, durante a IV Conferência Nacional de Assistência Social –
CNAS, realizada em Brasília, foi deliberada a criação do Sistema Único de Assistência
Social – SUAS um sistema público que organiza, de forma descentralizada,
participativa e democrática os serviços socioassistenciais no Brasil. O SUAS tem suas
33
bases de implantação consolidadas em 2005, por meio da sua Norma Operacional
Básica do SUAS13 - NOB/Suas, que apresenta as competências de cada órgão federado
e os eixos de implementação e consolidação da iniciativa.
O SUAS tem como modelo de gestão a gestão participativa, articulando os
esforços e recursos dos três níveis de governo – federal, estadual e municipal. Com o
intuito de executar e financiar a PNAS, envolve diretamente as estruturas e marcos
regulatórios nacionais, estaduais, municipais e do Distrito Federal.
De acordo com Simões (2008, p. 307), as funções socioassistenciais do
SUAS são respectivamente: a proteção social, a vigilância social e a defesa dos direitos
socioassistenciais. Dentre as funções do SUAS é que se desenvolve a pesquisa, pois o
trabalho trata especificamente da Proteção Social Básica – PSB visto que a pesquisa
desenvolve-se no Centro de Referência de Assistência Social, do bairro Granja Portugal,
equipamento este relacionado à PSB.
O SUAS é coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome – MDS, tem sua gestão composta pelo poder público e pela sociedade
civil, que participa diretamente do processo de gestão compartilhado do SUAS.
Segundo dados do MDS, em julho de 2010, 99,7% dos municípios brasileiros já
estavam habilitados em um dos níveis de gestão do SUAS. Buscando assumir o
compromisso com a implantação do sistema de assistência social, os Estados buscam
adequar-se dentro dos modelos estabelecidos pela Política tanto no que se refere à
gestão e ao cofinanciamento.
Segundo o MDS (2007, p. 3), o SUAS tem o objetivo de: “assegurar a
concretude dos preceitos da LOAS e integrar o governo federal com os estaduais e
municipais em uma ação pública comum de garantia de direitos universais.”.
O SUAS surge como requisito essencial da LOAS para dar efetividade à
assistência social. Todavia, a consolidação da assistência como política pública e como
direito social exige o enfrentamento de diversas vulnerabilidades sociais, sendo este o
maior desafio apresentado para a universalização do sistema. Com o objetivo de
13
A NOB/SUAS, aprovada em 2005, pelo CNAS, apresenta os eixos estruturantes para a realização do
pacto a ser efetivado entre os três entes federados e as instâncias de articulação, pactuação e deliberação,
visando à implementação e consolidação do Sistema Único de Assistência Social – SUAS no Brasil.
(2005, p.75)
34
organizar suas ações, a assistência no Brasil é divida em dois tipos: o primeiro refere-se
à Proteção Social Básica - PSB e o segundo refere-se à Proteção Social Especial - PSE.
A PSB é destinada à prevenção de riscos sociais e pessoais. Por meio do
desenvolvimento de programas, projetos, serviços e benefícios, ela prevê o acolhimento,
a convivência e a socialização dos indivíduos e das famílias que estão em situação de
vulnerabilidade social decorrente de sua situação de pobreza e das fragilidades de
vínculos sejam estes familiares ou sociais. Os serviços da PSB são referenciados pelo
Centro de Referência de Assistência Social – CRAS. Dentre os serviços ofertados
podem ser citados:
Programa de Atenção Integral às Famílias – PAIF; Programas de inclusão
produtiva e projetos de enfrentamento da pobreza; Centro de Convivência
para Idosos; Serviços para crianças de 0 a 6 anos que visem o fortalecimento
do vínculo familiar, com ações que favoreçam a socialização, a valorização
do brinquedo e a defesa dos direitos da criança; Serviços socioeducativos
para crianças e adolescentes na faixa de 6 a 14 anos, visando a sua proteção,
socialização e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários;
Programas de incentivo ao protagonismo juvenil, com fortalecimento de
vínculos familiares e comunitários. Centros de Informação e de Educação
para o Trabalho para jovens e adultos. (SUAS, 2003, p. 10).
Os atendimentos no CRAS Granja Portugal tem como objetivos:
proporcionar a prestação de serviços, identificando e articulando as necessidades e
demandas da população usuária dos serviços prestados no equipamento, e analisando
suas peculiaridades sociais, no que diz respeito ao desenvolvimento social, econômico e
familiar das famílias. Com base em sua política geral, as ações desenvolvidas no CRAS
visam garantir à população um atendimento satisfatório no que se refere às demandas e
necessidades apresentadas pelos usuários, assegurando as condições necessárias para o
pleno exercício da cidadania.
São vários os programas e projetos desenvolvidos pelo CRAS Granja
Portugal, mas aqui ressalta-se aqueles que estão relacionados ao PBF tais como:
Cadastro Único, Inclusão Produtiva, Programa de Atenção Integral à Família – PAIF,
Programa de Acompanhamento Familiar – PAF e Pro Jovem Adolescente.
O Cadastro Único é um sistema único de informações que funciona como
banco de dados, contendo informações sobre as condições socioeconômicas das famílias
com renda mensal de até meio salário mínimo, de forma a substituir a implementação de
políticas públicas.
35
A Inclusão Produtiva é um programa que visa promover a cidadania das
famílias inseridas nos programas de transferência de renda através do acesso a
informações e reflexões acerca dos seus direitos, da inserção na rede de proteção social
e da capacitação para atividades produtivas.
O Programa de Atenção Integral à Família – PAIF é um trabalho de caráter
continuado que visa a fortalecer a função de proteção das famílias, prevenindo a ruptura
de laços, promovendo o acesso e usufruto de direitos e contribuindo para a melhoria da
qualidade de vida. Tem como público famílias em situação de vulnerabilidade social.
Já o Programa de Acompanhamento Familiar – PAF orienta as famílias em
situação de extrema vulnerabilidade e/ou risco social por meio do acompanhamento
sistemático no CRAS.
O Pro Jovem Adolescente por sua vez é um serviço que tem como públicoalvo adolescentes e jovens de 15 a 17 anos. Ele busca o fortalecimento da convivência
familiar e comunitária, o retorno dos adolescentes à escola e sua permanência no
sistema de ensino. Isto é feito por meio do desenvolvimento de atividades que
estimulem a convivência social, a participação cidadã e uma formação geral para o
mundo do trabalho.
A Proteção Social Especial – PSE destina-se a famílias e indivíduos que já
se encontram em situação de risco e que tiveram seus direitos violados, ou seja, são
famílias que já estão com os vínculos familiares e sociais fragilizados por ocorrência de
abandono, maus-tratos, abuso sexual, uso de drogas, entre outros. A PSE tem os seus
serviços referenciados pelos Centros de Referência Especializado de Assistência Social
– CREAS, que apoiam as pessoas a superarem suas dificuldades por se tratarem de
situações de violação de direitos do cidadão e da própria legislação. As ações da PSE
estão subdivididas em média e alta complexidade.
Os serviços relacionados à média complexidade são aqueles em que a
relação social e familiar estão debilitadas, mas os vínculos ainda não foram rompidos.
A média complexidade trabalha no intuito de garantir a sobrevivência e a inclusão de
indivíduos na rede social. Para isso desenvolve ações como: “orientação e apoio sóciofamiliar, plantão social, abordagem de rua, cuidado no domicílio, serviços de
habilitação e reabilitação de pessoas com deficiência na comunidade e medidas
socioeducativas em meio aberto.” (SUAS, 2003, p. 12).
36
Já os serviços relacionados à alta complexidade são aqueles referentes à
proteção integral dos indivíduos ou da família, uma vez que os vínculos familiares e
sociais estão sem referência e/ou ameaçados em decorrência da situação em que se
encontra o usuário. A alta complexidade busca construir novos modelos de atenção,
proteção e garantir os cuidados necessários para aqueles que dependem dos serviços
socioassistenciais como: “atendimento integral institucional, casa lar, república, casa de
passagem, albergue e família substituta.” (SUAS, 2003, p. 12).
Os recursos financeiros voltados para o financiamento da Seguridade Social
está previsto no artigo 195 da Constituição Federal, cujas fontes de custeio são voltados
para a política de saúde, de assistência e previdência social. Todos os gastos com a
seguridade social são, portanto, financiados por meio dos recursos advindos do
orçamento da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios através dos
recursos arrecadados mediante as contribuições sociais, sejam estes de fonte direta ou
indireta.
O financiamento do Sistema é representado pelos Fundos de Assistência
Social nas esferas do poder federal, estaduais e municipais, sendo especificamente
representado no âmbito federal pelo Fundo Nacional, criado pela LOAS. O
financiamento dos benefícios se dá de forma direta aos usuários; já o financiamento
socioassistencial é repassado fundo a fundo e com base na renda per capita de cada
territorialidade, ou seja, os municípios recebem de acordo com o número de pessoas
atendidas. Caso este número seja reduzido os repasses financeiros ficam por conta dos
pisos de atenção e os seus valores vão depender do tipo de proteção básica a ser
oferecida aos cidadãos.
A participação popular na gestão das políticas públicas de assistência social
é regulamentada pela LOAS, e concretizada a partir da implementação do Controle
Social, que, de acordo com a PNAS (2004, p.51):
Tem sua concepção advinda da Constituição Federal de1988, enquanto
instrumento de efetivação da participação popular no processo de gestão
político–administrativa–financeira e técnico–operativa, com caráter
democrático e descentralizado. Dentro dessa lógica, o controle do Estado é
exercido pela sociedade na garantia dos direitos fundamentais e dos
princípios democráticos balizados nos preceitos constitucionais.
A efetivação da participação popular se dá através dos conselhos e
conferências, sendo os primeiros responsáveis pelas deliberações, fiscalizações e pelo
37
financiamento das ações e as segundas responsáveis pela avaliação da política. A gestão
das ações e a aplicação de recursos do SUAS são negociadas e pactuadas nas
Comissões, que se dividem em: Comissões Intergestores Bipartite - CIBs e Comissões
Intergestores Tripartite – CITs, tendo suas atividades acompanhadas e aprovadas pelo
CNAS e seus pares locais, que desempenham um importante trabalho de controle
social.
O Controle Social que auxilia na gestão, no monitoramento e na avaliação
das atividades da rede socioassistencial é de fundamental importância para a construção
e consolidação da PNAS e para a implementação do SUAS que conta com o apoio e
com o esforço coletivo da população e dos entes federativos.
1.2 A política de assistência social em Fortaleza
A assistência social em Fortaleza tem sua trajetória marcada, inicialmente,
pela Fundação de Serviço Social de Fortaleza – FSSF, órgão criado no ano de 1969. A
Fundação fica responsável pelos serviços assistenciais oferecidos às pessoas pobres da
cidade. Em 1992, o órgão é extinto, ocupando o seu lugar a Secretaria do Trabalho e
Ação Social – SETAS, que passa a trabalhar com base no que é estabelecido pela
CF/88.
Em 1997, o então prefeito de Fortaleza, Juraci Magalhães, divide a cidade
em Secretarias Executivas Regionais – SER‟s, com o intuito de descentralizar a gestão.
Em cada Secretaria é instalado um Distrito de Assistência Social – DAS. Neste mesmo
ano, a SETAS é extinta, surgindo logo após a Secretaria Municipal de Desenvolvimento
Social – SMDS. Com tantas mudanças, a política de assistência social é visivelmente
afetada, pois a demanda por parte dos usuários é maior do que o número de serviços e
programas ofertados. O prefeito cria, então, a Coordenadoria de Assistência Social –
CAS, um núcleo integrante da SMDS para ajudar na execução dos programas e projetos
sociais.
Em 2001, a SMDS dá lugar à Secretaria Municipal de Educação e
Assistência Social – SEDAS, a qual é subdividida em duas coordenações: a de
Educação – COEDUC e a de Políticas Públicas de Assistência Social – CASSI,
antigamente denominada CAS. A grande missão da CASSI refere-se ao combate à
38
exclusão social, garantindo o acesso dos excluídos aos programas e projetos ofertados
pelo governo.
Para que a assistência seja realmente institucionalizada como política
pública e habilitada no âmbito municipal para exercer sua função de assegurar o acesso
aos direitos sociais foram necessárias algumas medidas, entre as quais Pereira (2008,
p.48), destaca:
Implantação do Conselho Municipal de Assistência Social - CMAS,
elaboração do Plano Municipal de Assistência Social - PMAS, a criação do
Fundo Municipal de Assistência Social – FMAS e a comprovação
orçamentária de recursos próprios destinados à Assistência Social.
No ano de 2007, a CASSI é extinta e a Prefeitura Municipal de Fortaleza –
PMF institui a Secretaria Municipal de Assistência Social – SEMAS, por meio da Lei
complementar nº 0039, de 10 julho de 2007, publicado no Diário Oficial do Município
em 13 de julho de 2007. Segundo a atual prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins (2011)
em sua palavras introdutórias na cartilha, Assistência Social é política de direito, ela diz
que, a Política de Assistência Social na cidade de Fortaleza busca a inclusão e a
proteção social, de todo o povo fortalezense propiciando uma vida digna para toda a sua
população em especial para os segmentos mais pobres que vivem em situação de
vulnerabilidade social.
Por meio da SEMAS os profissionais buscam garantir o ingresso das
pessoas mais pobres à política de assistência social consolidando-a como política
pública que garante os direitos humanos e sociais.
A SEMAS surge com o objetivo de coordenar a Política Municipal de
Assistência Social na cidade de Fortaleza. Conforme estabelecido no SUAS, ela formula
políticas, elabora diretrizes e identifica as prioridades da população mais vulnerável
buscando melhorar suas condições de vida. Para melhor atender a população, a
Secretaria é estruturada da seguinte forma: Coordenação de Proteção Social Básica,
Coordenação de Proteção Social Especial, Coordenação de Gestão do SUAS,
Coordenação do Cadastro Único e Bolsa Família, Coordenação Administrativa
Financeira e Fundo Municipal de Assistência Social.
O Fundo Municipal de Assistência Social – FMAS é responsável pelo
orçamento de todos os recursos da SEMAS, financiando assim as ações relacionadas à
assistência social. A Política Municipal também conta com o apoio do Conselho
39
Municipal de Assistência Social – CMAS, responsável por fiscalizar a execução da
política por meio de seus representantes: o poder público e a sociedade civil.
A Secretaria tem seu gabinete composto pela Secretária Municipal de
Assistência Social e ligado a esta temos a secretária executiva, a chefia do gabinete e as
assessorias institucionais, jurídicas, de comunicação e de tecnologia da informação.
Os equipamentos coordenados pela SEMAS são: no âmbito da Proteção
Social Básica, 24 CRAS, espalhados entre as seis SERs; no âmbito da Proteção Social
Especial, há 4 CREAS, o Centro de Referência da População Rua – CentroPop, o
Espaço de Acolhimento Noturno para População de Rua – EAN e a Casa de Passagem.
Através da parceria com a Secretaria dos Direitos Humanos e com a Coordenadoria da
Mulher, há o Centro de Referência da Mulher Francisca Clotilde e a Casa Abrigo para
Mulheres Vítimas de Violência Doméstica. Há também entidades que trabalham de
forma indireta com a assistência social, a Secretaria é a responsável pelo convênio dos
equipamentos junto à PMF, e também por acompanhar e monitorar as ações das
entidades cadastradas.
Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2010)
registram que Fortaleza tem 2.452.185 (dois milhões quatrocentos e cinquenta e dois
mil cento e oitenta e cinco) habitantes e 53,2% são mulheres. Tais mulheres constituem
o público para o qual o governo designa algumas de suas políticas públicas. São elas os
sujeitos da pesquisa. Conforme afirmam Peixoto e Osterne (2012, p.55),
A Prefeitura de Fortaleza através da Coordenadoria de Políticas Públicas para
Mulheres, tem implementado políticas destinadas à garantia e ampliação dos
direitos das mulheres em Fortaleza, a partir de vários eixos de atuação que
contemplam o enfrentamento das desigualdades de gênero e preconceitos
sofridos pelas mulheres.
É sabido que as políticas sociais passam por ampla reformulação dentro do
contexto social, político e econômico das décadas de 1980 e 1990 no Brasil. As
mudanças ocorrem a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988. Com o
surgimento do neoliberalismo, todavia, vê-se uma acirrada precarização do mundo do
trabalho, consequentemente a população mais vulnerável sofre com o pauperismo14 e os
14
Por pauperismo compreende-se o processo de produção da pobreza, resultante do desenvolvimento das
forças produtivas. Segundo Iamamoto (2001, p.15) pauperismo é um “segmento formado por
contingentes populacionais miseráveis aptos ao trabalho mas desempregados, crianças e adolescentes e
40
sujeitos mais atingidos são as mulheres, responsáveis pela gestão da vida familiar e por
sua reprodução.
Neste contexto um dos desafios da SEMAS, é aumentar o número de
beneficiárias do PBF em Fortaleza, com o intuito de reduzir a pobreza e a desigualdade
social que assola, principalmente as mulheres negras e pobres da periferia da cidade. De
acordo com os dados do Cadastro Único, “em 2005 eram 175.053 famílias inseridas
(...), seis anos depois, 311.189 famílias. Isso também se refletiu com expressivo
aumento de famílias do PBF, passando, no ano de 2005, de 95.518 famílias beneficiadas
a 199.333.” (GONÇALVES et al, 2012, p. 81).
O trabalho da Secretaria de Assistência Social pauta-se na gestão de uma
política pública que visa a efetivação dos direitos sociais com aspirações
emancipatórias, fazendo com que o público beneficiário tenha acesso não apenas ao
benefício pecuniário, mas também a outros programas e projetos, como o Programa
Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – PRONATEC, que oferece
qualificação profissional e oportunidade de acesso ao mercado de trabalho. A ênfase,
entretanto recai nos programas de transferência de renda, com destaque para o Programa
Bolsa Família, que é o maior programa de transferência de renda do País.
1.3 Os programas de transferência de renda
A pobreza acompanha o desenvolvimento da sociedade desde os primórdios
da humanidade, mas no capitalismo ela é produto das desigualdades sociais e
econômicas. No capitalismo não se trata de uma pobreza fruto da escassez, mas
resultado de um processo de acumulação pautado na exploração de uma classe por outra
que dá origem a uma série de consequências com a exclusão social, a violência e a
desorganização dos grupos mais vulnerabilizados.
Uma das primeiras tentativas de resolver a pauperização da classe proletária
é o desenvolvimento do Estado de Bem Estar Social, mais conhecido como Welfare
State, que de acordo com Andersen, envolve a responsabilidade do Estado, no sentido
de que este deve garantir o bem-estar básico dos cidadãos. É com base nesse espírito de
segmentos indigentes incapacitados para o trabalho (idosos, vítimas de acidentes, doentes etc.) cuja
sobrevivência depende da renda de todas as classes, e, em maior medida, do conjunto dos trabalhadores.
41
coesão social que o Estado passa a desenvolver políticas sociais que visam minimizar as
desigualdades e a pobreza. De acordo com Lavinas:
Na América Latina e em especial no Brasil, não se chegou a organizar um
estado de bem estar social capaz de abranger toda a sua população carente de
ajuda para suprir suas necessidades básicas de existência. O sistema de
proteção social implantado era voltado para os seguimentos formais da
economia e se caracterizava por oferecer uma cobertura restrita que atendia a
uma parcela reduzida da população excluindo de fato os mais pobres por
estes terem vínculos instáveis e precários no mercado de trabalho. (apud
SANTANA, 2007, p.2).
No Brasil não houve o desenvolvimento do Welfare State propriamente dito,
mas sim o que muitos estudiosos chamam de “Estado de mal-estar social”. Segundo
Cohn,
Particularmente no caso do Brasil, durante o período desenvolvimentista, que
se estendeu do pós-guerra até início dos anos 80, a questão da pobreza não
ganhou espaço como uma ação sistemática do Estado. Cria-se que a própria
concepção de desenvolvimento econômico que conduzia as ações do Estado
levaria automaticamente ao desenvolvimento social por meio da incorporação
dos excluídos ao mercado formal de trabalho e pela mobilidade social que
teriam. A pobreza não era concebida como um fenômeno estrutural da
sociedade brasileira e, consequentemente, políticas sociais voltadas para a
população nessa condição não se desenvolveram. Apenas recentemente, após
a década de 90 a pobreza, como um problema social a ser enfrentado pela
sociedade como um todo e pelo Estado em particular, ganha espaço como
tema de debate entre os governos e ações voltados especificamente para a
redução das desigualdades sociais passaram a ser implementadas. (apud
SANTANA, 2007, p.p 2 – 3).
Os programas de transferência de renda passam a ter mais visibilidade em
meados da segunda década de 1990, quando o governo passa a utilizá-los como política
social que visa suprir as necessidades básicas das famílias. É nesta década que observase o desenvolvimento de diversos auxílios destinados a suprir as necessidades das
famílias que estão em situação de pobreza. Dentre tais auxílios podem ser citados:
auxílio gás, bolsa alimentação, bolsa escola, entre outros.
Várias experiências foram pioneiras para o desenvolvimento e ampliação
dos programas de transferência de renda. Cunha (2009, p.335), aponta algumas destas
experiências:
1995: experiências pioneiras de Campinas e do Distrito Federal, com
transferência de recursos a famílias que garantissem a frequência escolar de
suas crianças; 1996: Programa Bolsa Escola de Belo Horizonte; 1996:
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – Peti (âmbito nacional); 1998:
42
Programa Nacional de Garantia de Renda Mínima (MEC); 2001: Bolsa
Escola e Bolsa Alimentação (âmbito nacional); 2002: Auxílio Gás (âmbito
nacional); e 2003: Cartão Alimentação (âmbito nacional).
Os programas de transferência de renda são debatidos em três vertentes: a
primeira refere-se ao programa como direito do cidadão, sem levar em conta a questão
de renda, ou seja, de acesso universal. Segundo Cunha (2009, p.333), “seria uma forma
de garantia de cidadania, de autonomia e poder de escolha, de compartilhamento da
riqueza produzida por todos e fortaleceria o sentimento de solidariedade e de
pertencimento dos cidadãos.”. A segunda vertente compreende que o Programa e as
políticas públicas devem atuar de forma a garantir a sobrevivência das famílias mais
vulnerabilizadas. Tal concepção restringe a transferência de renda apenas para aquelas
famílias extremamente pobres. A terceira visão concebe o Programa como uma política
que visa minimizar a pobreza e as desigualdades socais, com tratamento diferenciado
para a família.
No ano de 2003, o Governo Federal decide unificar num só cartão todos os
benefícios assistenciais. É nesse momento que surge o Bolsa Família, o maior programa
de transferência de renda do País. O intuito é buscar garantir os mínimos sociais para
que as pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade social possam garantir sua
sobrevivência. Mas nesse período há um grande desafio para a implementação desses
programas, já que há uma forte desregulamentação dos direitos sociais conquistados
com a Constituição Federal de 1988.
Tudo isso resulta do desenvolvimento da política neoliberal, que busca
reduzir o papel do Estado frente à regulamentação da economia e dos direitos sociais.
Conforme Assumpção (2010, p.50) tais ações “vai ao encontro dos preceitos defendidos
pelas agências internacionais tais como o FMI (Fundo Monetário Internacional)” que
propõe a redução dos gastos sociais e a intervenção do Estado na economia.
Aos poucos, os programas de transferência de renda ganham centralidade no
combate à pobreza e à desigualdade social; passam a assegurar aos beneficiários acesso
às dimensões sociais e econômicas, permitindo uma análise dos impactos gerados às
futuras gerações quanto à superação desse quadro de vulnerabilidade social.
43
1.3.1 O Cadastro Único e o acesso ao Programa Bolsa Família
O Cadastro Único – CadÚnico para programas sociais é um instrumento de
coleta de dados das famílias que buscam se cadastrar, mais especificamente daquelas de
baixa renda, ou seja, com renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa. É por
meio do cadastro que o governo federal, estadual ou municipal faz a identificação
socioeconômica das famílias que tem o perfil dos programas sociais. O Decreto nº
6.135, de 26 de junho de 2007, regulamenta o CadÚnico e sua gestão é disciplinada pela
portaria GM/MDS nº 376, de 16 de outubro de 2008. A gestão do cadastro é
regulamentada pelo governo federal, através do MDS.
As informações do cadastro são utilizadas, obrigatoriamente, para a seleção
de beneficiários dos programas sociais, por isso são essenciais para a seleção das
famílias. Os municípios são responsáveis pelo cadastramento e pela atualização de
dados. De acordo com as Orientações Técnicas sobre o Cadastro Único e o PBF, são
objetivos do CadÚnico:
Traçar o perfil socioeconômico da população de baixa renda para servir como
base na elaboração de políticas públicas dos governos municipais, estaduais e
federal, voltadas para esse público; Identificar as famílias mais vulneráveis
para definir a concessão dos benefícios, principalmente o PBF; Servir como
base de informações para estudos e pesquisas. (MDS, 2010, p.6).
O cadastro busca identificar informações sobre as características do
domicílio para saber sobre o número de cômodos existente, o tipo de construção, se há
rede de esgoto e de tratamento de água. Busca também a identificação dos membros
familiares, ou seja, quer saber o número de pessoas que vivem na residência, se há
gestantes, idosos, mães amamentando e pessoas com deficiência. Outras informações
referem-se à documentação civil dos membros da família, suas qualificações quanto ao
nível escolar e à experiência profissional e, por fim, busca identificar as despesas da
família com aluguel, transporte, alimentação, entre outras.
Nas Orientações Técnicas do CRAS está descrito que, para o Cadastro
Único, a família é compreendida como uma, “unidade nuclear composta por um ou mais
indivíduos e que pode, eventualmente, ser ampliada por outros indivíduos que
contribuam para o rendimento ou tenham suas despesas atendidas por aquela unidade
familiar.” (MDS, 2010, p.7). A noção de família está além da relação consanguínea, ou
seja, entende-se por família o conjunto das pessoas que vivem em uma determinada
44
residência, independente de parentesco. Há também o conceito de família unipessoal,
quando se refere a uma única pessoa.
Para que determinada família faça parte do CadÚnico é preciso que ela
tenha o perfil estabelecido pelo Estado. Os critérios necessários para adequação ao
perfil dizem que as famílias precisam ter renda mensal de até ½ (meio) salário mínimo
por pessoa ou ter renda familiar mensal de até três salários mínimos. Para ser titular do
cadastro é necessário que a pessoa tenha mais de 16 anos e, de preferência, ter a mulher
como responsável. Outro critério é que os membros da família possuam documentação
civil oficial.
Para fazer o cadastro é necessário que o titular leve toda a documentação
exigida, como carteira de identidade, carteira de trabalho e previdência social (para
aqueles que têm vinculo empregatício), certidão de nascimento, certidão de casamento,
declaração escolar das crianças e dos adolescentes, comprovante de endereço com CEP,
CPF, titulo de eleitor, extrato ou cartão do beneficio social (caso já tenha algum
benefício). Com toda a documentação em mãos é possível fazer o cadastro, mas a
inclusão não ocorre de forma automática: as famílias passam por uma seleção e se
estiverem dentro do critério do Programa, passam a receber o benefício mensalmente.
De acordo com o desenvolvimento dos programas sociais foram
estabelecidas normas de acesso, visto que somente o MDS, tem a competência
exclusiva de conceder benefícios federais as famílias. Com o cadastro aprovado a
família que se enquadra nos critérios, passa a acessar os benefícios como: Programa
Bolsa Família (PBF), Programa Social de Energia Elétrica, Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil (PETI), Projovem Adolescente, Carteira Nacional do Idoso, Isenção
em concursos públicos e vestibulares, Obras do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), Benefício Variável Jovem, Programa Próximo Passo. Aqui no
Ceará, o Governo Estadual concede aos usuários outro benefício, que é a Carteira
Nacional de Habilitação Popular – CNH Popular.
Por isso é importante manter o cadastro sempre atualizado, pois é com base
nos dados que o acesso aos programas é garantido.
O Programa Bolsa Família – PBF, criado pelo governo federal em 09 de
janeiro de 2004, através da Lei nº 10. 836 e do Decreto nº 6. 824 de 16 de abril de 2009
45
com o intuito de reduzir a pobreza no nosso País é uma das principais ações do
Programa Fome Zero15. O Programa visa à transferência direta de renda à beneficiária.
Uma característica relevante do PBF refere-se ao cumprimento de condicionalidades
tais como: na área da saúde, educação e assistência social.
O público alvo do Programa são as famílias que vivem em situação de
extrema pobreza e de pobreza sendo a primeira identificada por uma renda mensal de
até R$ 70,00 (setenta reais) por pessoa e a segunda com renda mensal de R$ 70,01
(setenta reais e um centavo) a R$ 140,00 (cento e quarenta reais) por pessoa. Com isso
afirma-se que, “O critério principal para a inclusão é a renda mensal da família. As
famílias que possuem menor renda são incluídas primeiro, selecionadas de forma
automática pelo Governo Federal.” (MDS, 2010, p. 10). Para calcular a renda mensal
das famílias é preciso somar o dinheiro de todas as pessoas que trabalham e dividir pelo
número de pessoas que vivem na residência.
O valor que cada família recebe varia de R$ 32,00 a R$ 306,00, pois o
mesmo depende de dois fatores: o primeiro é a renda mensal da família e o segundo está
relacionado ao número de crianças e/ou adolescentes que a família possui. A família
tem direito de receber o benefício por, no mínimo, dois anos ou até quando a situação de
pobreza persistir. Ressalta-se que há diferentes tipos de benefícios estabelecidos pelo
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome – MDS:
Benefício Básico, de R$ 70,00, pago às famílias com renda mensal de até R$
70,00 por pessoa, ainda que elas não tenham crianças, adolescentes ou
jovens; Benefício Variável, de R$ 32,00, pago às famílias com renda mensal
de até R$ 140,00 por pessoa, desde que tenham crianças e/ou adolescentes de
até 15 anos, gestante e/ou nutrizes. Cada família pode receber até cinco
benefícios variáveis; Benefício Vinculado ao Adolescente, de R$ 38,00, pago
às famílias que tenham adolescentes de 16 e/ou 17 anos freqüentando a
15
O Programa Fome Zero, na concepção do MDS, é uma estratégia impulsionada pelo governo federal
para assegurar o direito humano à alimentação adequada às pessoas com dificuldades de acesso aos
alimentos. Tal estratégia se insere na promoção da segurança alimentar e nutricional buscando a inclusão
social e a conquista da cidadania da população mais vulnerável à fome. Atua a partir de quatro eixos
articuladores: acesso aos alimentos, fortalecimento da agricultura familiar, geração de renda e articulação,
mobilização e controle social. Ver: www.fomezero.gov.br/. Sobre o Programa, na concepção de Silva
(2010, p.163), o Programa Fome Zero é uma estratégia representada por um conjunto de políticas
governamentais e não governamentais cujo propósito maior é erradicar a fome e a desnutrição no País.
Seus principais programas são: Bolsa Família; Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura
Familiar (PAA); Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf); Restaurantes Populares e Centros de Referência de
Assistência Social (CRAS).
46
escola. Cada família pode receber até dois benefícios variáveis vinculados ao
adolescente. (2012, p. 6).
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome,
os objetivos do Bolsa Família estão articulados a três dimensões essenciais
Alívio imediato da pobreza, por meio da transferência direta de renda às
famílias; Ampliação do acesso a serviços públicos que representam direitos
básicos nas áreas de Saúde, Educação e Assistência Social, por meio das
condicionalidades, contribuindo para que as famílias rompam o ciclo
intergeracional de reprodução da pobreza; Coordenação com outras ações e
programas dos governos, nas suas três esferas, e da sociedade, de modo a
apoiar as famílias para que superem a situação de vulnerabilidade e pobreza.
(2012, p. 5).
Para participar do PBF é preciso fazer a inscrição no Cadastro Único. Toda
família que se torna beneficiária do Programa, para receber o benefício mensalmente,
precisa ter em mãos o seu cartão magnético. O pagamento é determinado pelo último
número presente no cartão, o qual é denominado de Número de Identificação Social –
NIS.
As condicionalidades16 anteriormente citadas referem-se aos compromissos
assumidos pelo governo e pelas famílias beneficiárias visando à ampliação e o acesso
dos usuários aos seus direitos sociais, nas áreas da Assistência Social, da Educação e da
Saúde. Segundo o MDS, “O acesso aos serviços é direito assegurado pela CF/88: é
responsabilidade do poder público garantir não só o acesso, mas também a qualidade
aos serviços nessas áreas.” (2012, p. 9).
Ainda segundo o MDS, há o acompanhamento por meio do poder público
do cumprimento das condicionalidades. O intuito é monitorar os resultados e identificar
os pontos positivos e negativos que impossibilitam o acesso das famílias aos serviços
básicos nas referidas áreas. Este acompanhamento acontece de forma articulada
mediante a atuação da União, dos Estados e dos Municípios, bem como por meio da
parceria entre o Ministério da Saúde – MS, Ministério da Educação – ME e MDS. Os
16
De acordo com o MDS, os objetivos do acompanhamento das condicionalidades são: monitorar o
cumprimento dos compromissos pelas famílias beneficiárias, como determina a legislação do programa;
responsabilizar o poder público pela garantia de acesso aos serviços e pela busca ativa das famílias mais
vulneráveis; identificar, nos casos de não cumprimento, as famílias em situação de maior vulnerabilidade
e orientar ações do poder público para o acompanhamento dessas famílias.
47
registros são armazenados e compartilhados nos sistemas informatizados, facilitando e
agilizando o cruzamento de dados.
As condicionalidades da assistência social estão relacionadas às crianças e
adolescentes com idade até 15 anos, que foram retiradas das condições de trabalho
infantil e que são atendidas pelo Programa de Erradicação ao Trabalho Infantil – PETI.
Elas devem frequentar os serviços socioeducativos e de convivência e as demais
atividades realizadas no CRAS e no CREAS da cidade. Cabe aos pais ou responsáveis
garantir pelo menos 85% de frequência mensal nos serviços de fortalecimento de
vínculos e convivência.
O compromisso estabelecido pelo governo com as famílias na área da
educação é algo estabelecido na Lei, como por exemplo, no Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA, no artigo 53, que especifica claramente que toda criança e
adolescente deve frequentar a escola buscando desenvolvimento, exercendo sua
cidadania e se qualificando profissionalmente para o futuro. De acordo com as
condicionalidades, o público entre 6 e 15 anos deve ter frequência escolar mínima de
85% e os jovens beneficiados entre 16 e 17 anos devem ter frequência escolar mínima
de 75%.
Na saúde, o compromisso diz respeito ao cumprimento do calendário de
vacinação das crianças de até 7 anos, buscando manter o calendário em dia; outro
compromisso deve ser cumprido pelas mulheres de 14 a 45 anos, que devem fazer a
consulta de pré-natal e acompanhamento de nutrizes, conforme o calendário definido
pelo MS, outro compromisso é verificar o peso, as medidas e fazer exames
regularmente das crianças.
Caso haja descumprimento dos compromissos por parte da família
beneficiária, o governo não faz o seu desligamento de forma imediata, ou seja, os
efeitos são gradativos, conforme estabelecido pelo MDS:
Primeiro, a família é notificada. Persistindo o problema, o benefício é
bloqueado, depois suspenso, mas não cancelado. Somente em caso de
reiterada reincidência a família é excluída do programa. (2012, p.11).
Quando há essa situação de descumprimento das condicionalidades, as
famílias ficam sujeitas às sanções, que foram estabelecidas de acordo com a Portaria
GM/MDS nº 321 de 29 de setembro de 2008. Para que elas não sofram com os efeitos
48
gradativos do Programa, é necessário que as mesmas comuniquem o motivo que as leva
a descumprir o compromisso.
O acompanhamento das famílias que estão em situação de descumprimento
de condicionalidades é feito nos CRAS, por meio do acompanhamento familiar, que é
realizado de acordo com o desenvolvimento de encontros coletivos ou individuais que
priorizam as famílias em situação de vulnerabilidade social e aquelas em situação de
descumprimento. O objetivo do acompanhamento familiar é construir novos projetos de
vida, bem como fortalecer os vínculos familiares e comunitários. Os encontros
referentes a este atendimento trazem temáticas atuais, que, são situações vivenciadas
por aquelas famílias ou utilizam temas centrais para debater no encontro, como por
exemplo: educação integral, alfabetização de adultos e saúde materno-infantil. O intuito
é fazer com que as famílias reflitam sobre a sua atual condição de vida, fazendo com
que elas busquem alternativas que levem a ver novas possibilidades de vida e também
de acesso qualificado às políticas sociais. Todo o registro do acompanhamento familiar
é feito no Sistema de Gestão de Condicionalidades - SICON17.
O PBF possui uma gestão de benefícios que de acordo com as Orientações
Técnicas do CRAS,
Se caracteriza como um conjunto de processos e atividades que garantem a
continuidade ou a interrupção da transferência de renda às famílias
beneficiárias do programa. Ela pode ser realizada pelos gestores municipal e
federal; pela Caixa Econômica Federal ou a partir da repercussão de
atualizações cadastrais efetuadas no Cadastro Único. (2010, p. 26).
Este trabalho em conjunto resulta de uma gestão compartilhada entre União,
Estados e municípios, que gerem, aperfeiçoam, ampliam e fiscalizam o Programa
17
De acordo com o MDS, o SICON é o módulo de acompanhamento familiar do Sistema de Gestão de
Condicionalidades do Programa Bolsa Família criado e desenvolvido pelo MDS. Neste módulo, o gestor
poderá registrar o diagnóstico da situação de vulnerabilidade das famílias acompanhadas, as atividades
em que estão inseridas, as avaliações do desenvolvimento do trabalho e qual Centro de Referência da
Assistência Social (CRAS) e Centro de Referência Especializada da Assistência Social (CREAS) está
acompanhando essa família. O módulo de acompanhamento familiar permite que o gestor municipal do
PBF solicite a interrupção temporária dos efeitos do descumprimento das condicionalidades no benefício
da família.A Instrução Operacional nº 33, de 03 de dezembro de 2009 contém os procedimentos
operacionais a serem adotados pelos gestores municipais para o registro do acompanhamento familiar no
SICON/PBF e a solicitação de interrupção temporária dos efeitos do descumprimento das
condicionalidades no benefício das famílias. Ver: http://www.mds.gov.br/falemds/perguntasfrequentes/bolsa-familia/condicionalidades/gestor/sicon-2013-sistema-de-gestao-das-condicionalidades
49
compartilhando assim suas responsabilidades no que diz respeito ao combate à pobreza
e à desigualdade que assolam o Brasil. A gestão de benefícios é regulamentada pela
Portaria do MDS nº 555, de 11 de novembro de 2005, que define em seis atividades a
gestão: bloqueio, desbloqueio, cancelamento de beneficio, reversão de cancelamento de
beneficio, suspensão de beneficio e reversão de suspensão.
A gestão descentralizada conta com o apoio do Índice de Gestão
Descentralizada – IGD, criado pelo MDS para apoiar os estados e municípios na gestão
de PBF e do Cadastro Único. “O IGD é um indicador que mede a qualidade da gestão
do programa e do cadastramento de famílias de baixa renda. Quanto maior o IGD, maior
o repasse mensal de recursos financeiros.” (MDS, 2012, p.12). Para calcular o IGD é
preciso saber a qualidade e integridade das informações e da atualização da base do
Cadastro Único, bem como as informações sobre o cumprimento das condicionalidades
nas áreas de educação e saúde. O número exato é calculado da seguinte forma:
multiplica-se um valor de referência pelo total de cadastros válidos e atualizados das
famílias cadastradas, sendo o cálculo voltado apenas às famílias com renda mensal per
capita de até meio salário mínimo.
Os recursos provenientes do IGD podem ser utilizados em atividades de
gestão de condicionalidades e de benefícios, no acompanhamento das famílias
beneficiárias, como no caso das que estão em situação de vulnerabilidade social. Os
recursos também podem ser destinados ao cadastramento de novas famílias, para a
atualização do Cadastro Único, na implementação de programas complementares, como
ocorre em algumas prefeituras ou em governos estaduais que possuem outros programas
que ajudam na ampliação dos benefícios pagos as famílias, na fiscalização do PBF e do
Cadastro Único e no controle social do município.
O controle social do PBF é exercido por Instâncias de Controle Social – ICS
instaladas nos municípios e nos estados. As ICS “são comitês ou conselhos paritários
compostos por representantes da sociedade civil e do Governo.” (MDS, 2012, p.17). Ou
seja, há o desenvolvimento de ações em conjunto que visam compartilhar
responsabilidades com o objetivo de ampliar o nível de eficácia e efetividade das
políticas e programas públicos, buscando articular a ICS com outros instrumentos de
fiscalização das políticas, executada pelo MDS, por meio de uma equipe técnica
responsável pela auditoria que posteriormente passam pelo controle da Controladoria
50
Geral da União – CGU, o Tribunal de Contas da União – TCU e os Ministérios Públicos
Federal e Estaduais.
2. AS CATEGORIAS DE ANÁLISE: ENTRE CENÁRIO, SUJEITOS E
PROBLEMAS.
Pobreza, matricialidade, gênero, família e autonomia são categorias de
grande relevância para o desenvolvimento e compreensão do Programa Bolsa Família –
PBF, pois o mesmo gira em torno de tais categorias de análise.
O principal alvo do PBF é o enfrentamento à pobreza que atinge milhares de
pessoas em todo o País. Tal categoria torna-se relevante neste estudo, pois o trabalho
tem como objeto de estudo as beneficiárias do Programa, que tem como critério de
acesso a questão da renda. A pobreza traz consigo diversas manifestações da questão
social que assolam boa parte da população brasileira, dentre as quais podemos citar a
fome, a desigualdade social, a violência, dentre outras.
A categoria pobreza é abordada desde um recorte mais geral até chegar ao
âmbito local, ou seja, o trajeto sai do contexto brasileiro, passa pelo nordestino e chega
ao contexto estadual, onde temos um recorte específico de um bairro periférico da
capital cearense. Este bairro é denominado Granja Portugal, o qual sofre com as
disparidades econômicas e sociais. Lá se encontra um grande número de pessoas
beneficiadas pelo Programa Bolsa Família.
Este Programa tem a família como foco de suas ações, sendo ela a
responsável pelo desenvolvimento da matricialidade sociofamiliar, ou seja, a família
passa a ser o núcleo central das ações desenvolvidas pela Política, pois a mesma precisa
de apoio para que possa desempenhar seu papel de protetora e provedora de seus
membros. À família cabe o papel de aliada no combate à pobreza que atinge todos os
seus membros.
Faz-se mister falar de outra categoria denominada gênero, pois, com o
surgimento dos novos arranjos familiares, as relações entre homens e mulheres se
modificam tanto no contexto familiar, como no social e no cultural, enfim tais
transformações refletem em novos papeis para esses seres. Este trabalho tem como
ênfase o papel da mulher, tendo em vista que esta passa a ser responsável pela titulação
do cartão, pelo recebimento do benefício e também pelo cumprimento das
51
condicionalidades do Programa, sendo-lhe atribuída, assim, certa autonomia no que se
refere ao poder de decisão no contexto familiar e econômico.
A família passa a ser um lugar de transformação e é principalmente por esta
razão que as ações da política de assistência social estão focadas nela. Por meio do
benefício, há variações de comportamentos e de responsabilidades entre os seus
membros, visto que ao longo dos anos ocorrem diversas alterações na composição
familiar. Hoje, na sociedade moderna, encontramos vários tipos de arranjos familiares:
família nuclear, ampliada, reconstruída, matrifocais e monoparentais.
A partir das transformações ocorridas na composição familiar, passa-se a
debater sobre a questão de gênero anteriormente mencionada e sobre a possibilidade de
conquista de autonomia por parte das mulheres, já que seu papel como mantenedora e
como chefe de família passa a ser mais comum na atualidade. A mulher se apresenta, a
cada dia, como um sujeito que almeja conquistar espaço no contexto socioeconômico e
político, desvinculando-se do estereótipo sociocultural que a classifica como um “sexo
frágil”.
A autonomia que a mulher busca adquirir no âmbito familiar por meio do
benefício, é uma “porta” que abre espaço para que ela tome decisões, controle o recurso
advindo do Programa e com isso ela sente-se com mais liberdade de expressão e, passa
a se reconhecer como sujeito de direitos e como consumidora. Em contrapartida, a
sociedade, em seus mais variados setores, econômico, político, social ou cultural, passa
a reconhecer essa nova configuração feminina que é a de consumidora.
Percebe-se que o foco na figura da mulher é muito forte, o que se deve a
dados que apontam para uma feminização da pobreza, ou seja, grande parte da
população que vive na linha de pobreza ou da extrema pobreza é composta por
mulheres. Para combater este velho problema social, o PBF foca suas ações neste
público atribuindo-lhe novas responsabilidades, tais como: combater a pobreza, garantir
a segurança alimentar, educacional e de saúde da família.
2.1 O combate à extrema pobreza e à pobreza: meta a ser alcançada
pelo Programa Bolsa Família.
A pobreza e a vulnerabilidade social são manifestações da desigualdade
social visíveis em todos os países na atualidade, inclusive no Brasil e neste estado, o
52
Ceará. As expressões da questão social tornam-se cada vez mais latentes, devido ao
processo de concentração de renda e poder nas mãos de uma minoria, fator resultante do
processo de modernização e industrialização do País, que visa “deixar o bolo crescer
para depois dividir”. Como não houve a divisão da riqueza socialmente produzida,
milhares de brasileiros sofrem devido às suas precárias condições de trabalho e de vida.
O perfil da pobreza no Brasil, segundo dados divulgados pelo MDS (2011)
com base no Censo 2010, apontam que 16,27 milhões de pessoas estão situadas na linha
de extrema pobreza. Verifica-se que nas regiões Norte e Nordeste há o maior número de
pessoas dentro dessa linha, respectivamente 56,4% e 52,5%. Quanto aos dados
referentes ao sexo, há certo equilíbrio, porque o universo feminino atingido por essa
vulnerabilidade social é de 50,5% e o masculino é de 49,5%. A pesquisa também
divulga dados referentes à cor/etnia das pessoas que vivem em extrema pobreza esta
revela que 70,8% são pardas ou pretas; a população indígena totaliza 39,9% e os
brancos 4,7%. No que se refere à faixa etária, os números apontam que 50,9% são
jovens, 39,9% são crianças e 12,8% são idosos.
Percebe-se que a pobreza atinge todo o País, mas se concentra em grande
parte nas regiões mais pobres, atingindo uma população que, diante das
vulnerabilidades sociais, é mais exposta a essa expressão da questão social: mulheres,
pardas ou pretas e jovens, entre as quais 56,4% são atingidas na área rural e 43,6% na
área urbana. Tal quadro resulta do desenvolvimento histórico, social e econômico do
País, que há muito se delineia de forma desordenada e desigual, gerando grandes
disparidades, principalmente nos setores econômicos e sociais da vida dos brasileiros.
Para superar essa situação em todo o País, o governo federal lança por meio
do Decreto nº 7.492, o Plano Nacional de Erradicação da Pobreza Extrema18.
A
proposta abrange os seguintes eixos, de acordo com o artigo 5º de tal Decreto: “garantia
de renda, acesso aos serviços públicos e inclusão produtiva.”. Ou seja, a garantia de
renda efetiva-se por meio dos programas de transferência de renda, o acesso aos
18
De acordo com o MDS, o Plano Brasil sem Miséria, instituído por meio do Decreto 7.492, 2 de jun.
2011, tem por objetivo elevar a renda e as condições de bem-estar da população. As famílias
extremamente pobres que ainda não são atendidas serão localizadas e incluídas de forma integrada nos
mais
diversos
programas
de
acordo
com
as
suas
necessidades.
Ver:
http://www.mds.gov.br/falemds/perguntas-frequentes/superacao-da-extrema-pobreza%20/plano-brasilsem-miseria-1/plano-brasil-sem-miseria.
53
serviços públicos é possível através da ampliação e qualificação dos serviços, e por fim,
a inclusão produtiva vem para capacitar mão de obra com o intuito de fazer com que os
cidadãos e cidadãs adentrem no mercado de trabalho.
Das cinco regiões brasileiras, o Nordeste é a mais pobre e a que mais sofre
com a questão das desigualdades sociais, expressas por meio da seca, do trabalho
infantil, da criminalidade, da violência, da miséria, da desnutrição, entre outras
manifestações sociais. Dentro desta região está localizado o Estado do Ceará, que
também sofre com as disparidades sociais resultantes da concentração de renda e de
poder, gerada pela modernização e industrialização, fazendo com que a lógica do
sistema capitalista gire em torno do mercado e do capital. Sabe-se também que o
sistema político é responsável pela disseminação da pobreza e das vulnerabilidades
sociais, que afetam grande parte da sociedade cearense. Faz-se necessário, portanto, o
desenvolvimento de políticas púbicas para atenuar as disparidades sociais que afetam os
cidadãos e as cidadãs cearenses, garantindo-lhes acesso aos direitos sociais,
econômicos, políticos e culturais.
Estudo recente realizado pelo IPECE (2012) na cidade de Fortaleza mostra a
diferença de renda entre moradores dos bairros ricos e pobres. A disparidade econômica
é identificada pelo poder aquisitivo dos moradores que vivem na área mais privilegiada
da cidade, que chega a ser quinze vezes maior que a renda das pessoas que vivem nos
bairros periféricos. Entre os bairros mais ricos da capital, o estudo aponta aqueles que
estão situados na territorialidade da SER II19. Dentre os bairros mais pobres cita-se a
Granja Portugal, e demais bairros da SER V20, Regional esta, onde o estudo identifica o
maior número de pessoas que vivem com menor poder aquisitivo.
19
De acordo com o IPECE (2012), os bairros mais ricos, com renda média entre R$ 2.000,01 e R$
3.659,54, estão concentrados, segundo o estudo, em uma única Secretaria Executiva regional da Capital.
Entre os dez mais ricos, nove estão localizados na SER II: Meireles, Guararapes, Cocó, De Lourdes,
Aldeota, Mucuripe, Dionísio Torres, Varjota e Praia de Iracema. Na décima posição está o bairro de
Fátima, que pertence a SER IV. Ver mais em: http://m.g1.globo.com/ceara/noticia/2012/10/diferenca-derenda-entre-bairros-ricos-e-pobres-de-fortaleza-e-de-15-vezes.html?sub=true.
20
De acordo com o estudo do IPECE (2012), os bairros mais pobres são: Conjunto Palmeiras, Parque
Presidente Vargas, Canindezinho, Siqueira, Genibau, Granja Portugal, Pirambú, Granja Lisboa, Autran
Nunes e Bom Jardim são os bairros onde vive a população com menor poder aquisitivo. Entre os bairros
mais pobres, seis estão localizados na SER V, a regional administrativa com menor renda média pessoal.
Ver mais em: http://m.g1.globo.com/ceara/noticia/2012/10/diferenca-de-renda-entre-bairros-ricos-epobres-de-fortaleza-e-de-15-vezes.html?sub=true.
54
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios- PNAD/
IBGE (2012, p. 04), “a extrema pobreza no Ceará (...) apresentou uma queda de 10,7
pontos percentuais de 2001 a 2009, o que representa em termos proporcionais uma
redução na taxa de quase 50% nesse período.”. Apesar do declínio sabe-se que grande
parte da população sofre com as desigualdades sociais. As disparidades econômicas,
sociais e climáticas refletem bem o quanto a população cearense, situada na linha de
extrema pobreza e pobreza é afligida por este fenômeno.
O Estado do Ceará sabe-se que é um dos mais atingidos por essa
manifestação da questão social. Dentre as pessoas apreendidas o destaque é para aquelas
que vivem em áreas rurais e, que em sua maioria, são jovens. A pobreza no Ceará não é
fruto apenas das condições climáticas e da concentração de renda. Sua origem também
está penetrada no patriarcalismo
21
e no mandonismo que sempre estiveram presentes
na política cearense, como pontos marcantes para o agravamento das disparidades
econômicas e sociais que até hoje se fazem presentes na vida de milhares de cearenses.
De acordo com os dados obtidos na pesquisa desenvolvida pelo Laboratório
de Estudos da Pobreza – LEP do Centro de Aperfeiçoamento de Economistas do
Nordeste – CAEN, da Universidade Federal do Ceará – UFC, entre os anos de 2007 e
2010, o número de pessoas vivendo em situação de extrema pobreza no Ceará teve
aumento de 51,64%. Segundo a pesquisa, milhares de cearenses vivem na miséria, ou
seja, em situação de extrema pobreza, sem acesso a água tratada, esgoto, moradia digna,
alimentação e escolaridade, ligados a atividades informais ou mesmo ilegais, de difícil
acesso aos programas tradicionais.
Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE cerca de
16,2 milhões de brasileiros são extremamente pobres, o equivalente a 8,5% da
população. O Ceará possui 10% das pessoas abaixo da linha de pobreza no País, que é
de 16 milhões de habitantes, sendo o sétimo Estado do Brasil em número de pessoas
que vivem em extrema pobreza. As pessoas têm renda que variam de R$ 67,00 (sessenta
e sete reais) a R$ 134,00 (centro e trinta e quatro reais) por mês. Já a capital cearense se
encontra na quarta posição entre as cidades com maior índice de pobreza do País.
21
O patriarcalismo de que nos fala Gilberto Freyre em sua obra Casa-grande e senzala aponta o chefe da
família e senhor de terras e escravos era autoridade absoluta nos seus domínios.Ou seja, patriarcalismo é
preponderância da família sobre as demais instituições, é um sistema social que , norteia as relações de
poder da sociedade.
55
Dentro do contexto de pobreza cita-se a realidade do bairro Granja Portugal
que apresenta um elevado percentual de pessoas que vivem em condição de extrema
pobreza, de acordo com os dados do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do
Ceará – IPECE (2012), 10,44% da população do bairro, são atingidas por esta expressão
da questão social, o que equivale a 4.141 pessoas. A pobreza no bairro é visível, porque
está relacionada não só com a renda da população, mas atrelada à precária infraestrutura
do bairro, aos índices de violência que atinge seus moradores, enfim, tal realidade é
resultado dos problemas relacionados à falta de investimentos nas áreas como saúde,
educação, assistência social, habitação, infraestrutura, ou seja, uma consequência do
modelo neoliberal que reduz o papel do Estado, com isso os parcos investimentos em
recursos humanos e materiais não abarcam a enorme demanda que se apresenta nos
equipamentos da rede pública do município.
No bairro Granja Portugal, a renda per capita média da população é de um
salário mínimo, isso se reflete em diversos problemas detectados no bairro como: falta
de saneamento básico, atendimento de saúde ineficaz, crescimento populacional intenso
o que resulta em uma ocupação desordenada do espaço físico do bairro. A maioria dos
habitantes vivem do trabalho artesanal, comércio e feiras locais.
No caso do bairro Granja Portugal as particularidades podem ser observadas
de acordo com sua territorialidade, isto ocorre porque o bairro encontra-se subdividido
em 07 comunidades: Mela-Mela, Novo Mundo, Santo Antonio, Menino Deus,
Cacimbinhas, Santa Clara e Belém as particularidades existentes em cada uma das
comunidades, precisam ser compreendidas de acordo com a territorialidade e
especificidade de cada local, pois a realidade do bairro se difere de uma comunidade
para outra.
Esta situação é perceptível no bairro Granja Portugal, onde se encontra um
baixo Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, de acordo com os dados
apresentados pelo Diagnóstico Social (2011, p. 15) do referido bairro, o IDH da Granja
Portugal é de 0,394, isso é resultado do negligenciamento da área pelo poder público,
que não oferta serviços básicos à população de forma eficiente onde haja a garantia de
acesso e a conquista de direitos e políticas públicas.
Neste sentido, o PBF tem como
critério de seleção a renda, ou seja, só são inseridas no Programa aquelas famílias que
estão situadas na linha de extrema pobreza ou na linha da pobreza.
56
Por extrema pobreza entende-se a linha estabelecida até R$ 70,00 (setenta
reais) per capita mensais, de modo que as pessoas residentes em domicílios com renda
menor ou igual a esse valor são consideradas extremamente pobres. A extrema pobreza
compreende um público de pessoas que não têm acesso a boas condições de moradia, de
educação, saúde, saneamento, lazer, ou seja, são cidadãos desprovidos do acesso a
direitos sociais mínimos.
A pobreza, por sua vez, é compreendida pelo MDS como a linha de
rendimento mensal de R$70,01(setenta reais e um centavo) a R$140,00 (cento e
quarenta reais). Percebe-se que, para o governo determinar a condição de pobreza ou
extrema pobreza, ele se embasa no valor mensal da renda familiar, dividida entre todos
os membros que moram na mesma residência.
A pobreza em si traz diversas expressões da questão social que assolam a
população brasileira, como a fome, a desigualdade e a exclusão social, entre outras. As
vulnerabilidades sociais são decorrentes do sistema no qual estamos inseridos, o sistema
capitalista, que não permite que todos obtenham condições de igualdade social, política,
econômica e cultural.
A pobreza não é, portanto, um fenômeno recente. Ela é resultado do
desenvolvimento do capitalismo industrial, que passa a submeter cada vez mais o
trabalho ao capital. A pobreza deve ser compreendida dentro do contexto histórico atual
com base na dimensão econômica e social vigente.
Segundo Silva (2010, p.22), a pobreza é um fenômeno complexo e
multidimensional, devendo ser concebida para além da insuficiência de renda, mas
como resultado da relação de exploração do trabalho, da desigualdade na distribuição da
riqueza, na falta de acesso aos serviços sociais básicos e, principalmente, na não
participação do cidadão na vida social e política da nação.
Há diversas interpretações sobre pobreza, as quais serão abordadas a seguir.
Como expressão da questão social que tanto assola a população, ela é uma temática que
instiga o desenvolvimento, a compreensão, a pesquisa de novas produções acadêmicas e
de novas políticas sociais que visem amenizá-la. Conforme Peixoto (2010, p.96) “As
tentativas em descrevê-la, analisá-la, buscar formas de mensurá-la persistem em face da
concretude cada vez maior e mais visível desse fenômeno.”.
As múltiplas concepções de pobreza fazem com que ela seja entendida não
apenas como falta de comida, ou de dinheiro, mas como falta de acesso à educação, à
57
saúde, a condições de vida, de trabalho e lazer com qualidade e, acima de tudo, de
acesso aos direitos sociais. Sobre a definição de pobreza, Osterne afirma que:
É em principio ampla, imprecisa e supõe graduações. Mesmo existindo em
toda parte, é sempre relativa a uma dada sociedade (...). Por comportar ideias
de recursos, necessidades e escassez, jamais poderia expressar-se como uma
noção estática, tampouco válida em toda parte. (apud LIMA, 2008, p.91).
A pobreza está além da falta de renda, expressa-se nas precárias condições
em que os cidadãos e cidadãs vivem. A falta de efetivação dos direitos os insere na
conjuntura de desigualdades sociais e injustiças. As parcas políticas sociais não atingem
a todos de forma equitativa, de modo que há um déficit de acesso a outras famílias que
também precisam do incentivo das políticas para buscar melhores condições de vida.
Segundo Rocha:
A pobreza no Brasil é definida da renda e não da situação nutricional, o que
fazemos é associar erroneamente pobreza a fome. (...) para se acompanhar a
evolução da pobreza no País, é imprescindível levar em consideração as
particularidades e diferenciações locais quanto ao modo de vida e o nível de
desenvolvimento social e produtivo. (apud LIMA, 2008, p.90).
As políticas sociais têm que compreender a pobreza em suas múltiplas
dimensões e tentar minimizar os seus efeitos de acordo com as particularidades de cada
territorialidade, onde seus programas estão em ação, ou seja: “Exige-se agregar ao
conhecimento da realidade a dinâmica demográfica associada à dinâmica socioterritorial
em curso.” (PNAS, 2004, p.43).
A seca, a fome, a falta de trabalho e, consequentemente de renda são
manifestações da desigualdade e da exclusão social que levam milhares de cearenses a
viverem nessa situação. A pobreza tem que ser estudada, portanto, em sua
multidimensão, pois ela é fenômeno que muda de acordo com a conjuntura. Sendo
assim, nada adianta tentar enfrentá-la com os mesmos mecanismos utilizados em épocas
passadas.
A pobreza deve ser compreendida numa outra óptica que não seja a da
marginalização, criminalização, ou como um caso de polícia, mas de política, que visa
assegurar melhores condições de vida e de trabalho para a população.
58
2.2 Matricialidade, família e gênero: a mulher no centro das políticas
públicas.
Na sociedade contemporânea, as discussões sobre gênero são fundamentais,
pois, dentro do contexto histórico e social, permitem conhecer e refletir sobre as
representações construídas ao longo do tempo em que se desenvolvem as relações
sociais. É neste universo de conhecimento e reflexão que se podem compreender as
diferenças e as desigualdades históricas entre o ser masculino e o feminino.
Diversos estudos buscam compreender não apenas as diferenças genéticas
entre homens e mulheres, mas também as diferenças psicológicas e sociais, a fim de
descrever tais distinções, surgem as seguintes indagações: O que é ser homem? O que é
ser mulher?
De acordo com Scott, para obter tal resposta é preciso estudar o assunto por
meio de três abordagens: “o patriarcado, as relações sociais e a identidade de gênero
compreendendo as abordagens dentro do contexto familiar.” (apud AMARAL, 2005,
p.13).
Neste contexto, faz-se mister distinguir sexo de gênero. Assim, para
Giddens (2005, p. 102), sexo refere-se “às diferenças anatômicas e fisiológicas que
definem os corpos masculino e feminino. Gênero, em contrapartida, diz respeito às
diferenças psicológicas, sociais e culturais entre homens e mulheres.”. Em suma, sexo
está ligado ao fator biológico e o gênero ao fator social.
Nos dias atuais, observa-se que ainda há uma forte desigualdade de gênero.
Isso ocorre em decorrência do próprio desenvolvimento das relações entre os seres, já
que por muito tempo se vê a persistência da submissão da mulher ao homem, uma vez
que os homens detém o controle das decisões, de voto ou de poder, fazendo reger toda a
vida econômica, histórica, social, política e cultural de uma determinada época. Mas no
contexto contemporâneo, há uma mudança significativa quanto a essa relação, já que as
mulheres, aos poucos, estão ampliando seu espaço na vida em sociedade. Segundo
Giddens (2005, p. 105), “as diferenças de gênero não são biologicamente determinadas,
são culturalmente produzidas. De acordo com essa visão, as desigualdades de gênero
surgem porque homens e mulheres são socializados em papeis diferentes.”.
A desigualdade é resultado de uma socialização diferenciada de funções
entre homens e mulheres, cabendo a cada um papéis específicos dentro da execução
59
e/ou elaboração de determinadas atividades. Babieri refere-se ao conceito de gênero
como um:
Conjunto de práticas, símbolos, representações, normas e valores sociais que
as sociedades elaboram a partir das diferenças anatômico-fisiológicas e que
dão sentido à satisfação dos impulsos sexuais, à reprodução da espécie
humana e, em geral, ao relacionamento entre pessoas. (apud AMARAL,
2005, p.16).
Gênero, portanto, é uma abordagem repleta de representações e de
significados criados pela sociedade, que impõe a forma como os homens e as mulheres
devem se comportar, representando assim, as diferenças nas relações de poder. Com
essa atitude, os grupos presentes na sociedade estabelecem valores e normas que, aos
poucos, vão sendo incorporados e seguidos pelas pessoas. Segundo Amaral (2005, p.
19),
São circunstâncias sociais que impõem as diferenças e as desigualdades e,
nas relações cotidianas das pessoas, seja no espaço doméstico ou não, estas
adquirem significados que são incorporados pelas pessoas e aparecem nas
suas atitudes, comportamentos, representações, enfim, nas suas interações
com o mundo.
Pensar na construção de conceitos que identifiquem com clareza as
diferenciações de gênero, leva-se a discutir sobre as vantagens e desvantagens em ser
homem ou mulher, discussão esta em nível biológico e social. A diferença, na maioria
das vezes, coloca a mulher em situação de desvantagem quando referida ao contexto
social, pois as mulheres são vistas como seres frágeis, logo, discriminadas e subjugadas
ao poder masculino. Já os homens ficam em desvantagem quando se trata do âmbito
emocional, pois eles são vistos como seres fortes, não podem deixar-se levar pela
emoção, que não podem chorar, porque isso não ficou para os homens. Todas as noções
de vantagens e desvantagens foram construídas pela sociedade e fixadas aos seus
componentes como normas que devem ser seguidas.
As diferenças e oposições entre os sexos masculino ou feminino levam a
sociedade a discriminar, a excluir e a tornar desigual a relação entre homens e mulheres,
fazendo sobrepor cada vez mais relações de poder e hierarquia entre os seres.
Com o passar dos anos, as mulheres vão conquistando espaço na sociedade
“machista”, adquirindo protagonismo social por meio de sua determinação por melhores
condições de vida. A mulher amplia seu espaço, torna-se provedora e protetora de sua
família. Vale ressaltar que a função de proteger a família é um papel histórico que
60
marca a identidade feminina, ou seja, não é uma mudança ou uma atribuição atual, mas
sim um papel tradicional incumbido à mulher. As políticas sociais por sua vez, focam
suas ações nesse público, devido ao fenômeno da feminização da pobreza. Com isso,
milhares de brasileiras beneficiárias dos programas sociais passam a ser responsáveis
por prover o sustento de suas famílias.
Pensar sobre tais mudanças é refletir sobre as conquistas das mulheres ao
longo dos anos, através dos movimentos feministas que lutam pela igualdade de direitos
entre homens e mulheres. Com as modificações no contexto sócio-histórico é possível
verificar que as mulheres ganharam espaço no mercado de trabalho, embora ainda haja
milhares de mulheres exercendo a função de trabalhadora doméstica.
Com a centralização das políticas públicas na figura da mulher, destaca-se
um termo que é de suma importância nesse estudo, qual seja, a matricialidade, tendo em
vista o foco do Programa na família, mais especificamente na figura materna, ou seja,
na mulher, a mãe. Esta é denominada responsável familiar, pois detém o controle do
benefício. Segundo as Orientações Técnicas do CRAS (2011, p. 12), “A matricialidade
sociofamiliar se refere à centralidade da família como núcleo social fundamental para a
efetividade de todas as ações e serviços da política de assistência social.”.
As categorias matricialidade sociofamiliar, gênero e família estão
correlacionadas e discutir sobre as mesmas requer compreensão dessa articulação. É
preciso compreender as reconfigurações do espaço público, dentro da dinâmica
societária, para então envolver os rearranjos familiares que surgem ao longo do tempo e,
acima de tudo, compreender o papel da família, bem como a centralidade das políticas
sociais na matricialidade sociofamiliar.
A PNAS (2004, p. 41), quando se refere à matricialidade, assinala que é
preciso:
Reconhecer as fortes pressões que os processos de exclusão sociocultural
geram sobre as famílias brasileiras, acentuando suas fragilidades e
contradições, faz-se primordial sua centralidade no âmbito das ações da
política de assistência social, como espaço privilegiado e insubstituível de
proteção e socialização primárias, provedoras de cuidados aos seus membros,
mas que precisa também ser cuidada e protegida.
De acordo com a PNAS (2004), a família, independentemente de sua
formação, tem um papel de grande relevância na mediação das relações sociais. Ela
assume o papel de mediadora entre o sujeito e a coletividade. A matricialidade
61
sociofamiliar, como centro da Política, ancora-se no fato de que a família tem a
responsabilidade de prevenir, proteger, promover e incluir seus membros no meio
social, cultural, político e econômico. Juntamente com as ações desenvolvidas por esta
política, ela tem o papel fundamental de intermediar a relação tão necessária para o
desenvolvimento do(s) seu (s) membro(s).
Analisando a centralidade da matricialidade inserida no contexto do PBF,
destaca-se a focalização do Programa na figura da mulher, como responsável familiar
pelo controle do benefício, ou seja, é a mulher a representante da família diante da
política de assistência social. Esta representação é visível no CRAS Granja Portugal,
pois as mulheres procuram massivamente este equipamento socioassistencial, enquanto
os homens frequentam de forma menos intensa. Nos encontros realizados no CRAS,
mais especificamente nos encontros do grupo de família, as famílias acompanhadas são
representadas em sua totalidade por mulheres.
A centralização do Programa na mulher deve-se à questão de que, para o
governo, ela é uma aliada no combate à pobreza, pois a mulher como chefe de família
preocupa-se em atender as necessidades de sua família. De acordo com a ministra do
MDS Tereza Campello (2012), “priorizar as mulheres como titulares dos benefícios,
mais que assegurar recursos para alimentação, remédios, material escolar e higiene,
conquistamos avanços com aumento do poder decisório da mulher e do exercício de
seus direitos reprodutivos.”. Ou seja a mulher é tida como uma pessoa confiável para
garantir a aquisição dos itens acima mencionados.
Daí resulta a centralização do Programa na figura da mulher, pois é ela a
representante de sua família nas reuniões da escola, do CRAS, é a mulher quem mais
frequenta o Postos de Saúde. Essa presença da mulher nos diversos espaços faz com que
o governo, a política e o próprio Programa a eleja como responsável familiar.
A análise do contexto familiar requer um esforço preliminar para que se
possa compreender cada momento histórico em que a família teve sua configuração e
sua função modificada, pois durante muito tempo a concepção de família esteve
relacionada à ideia da tríade pai, mãe e filhos. Entretanto, esta instituição social faz
parte de uma construção social, inserida numa realidade dinâmica, rompendo assim com
a concepção de família como grupo natural e estático, passando a ser concebida dentro
de um processo histórico influenciado pelas determinações econômicas, sociais,
políticas e culturais.
62
No mundo contemporâneo, há diversas concepções de família. Esta, agora,
não se refere apenas às figuras do pai, da mãe e dos filhos. Para os programas de
transferência de renda, mais especificamente para o PBF, denomina-se família o grupo
constituído por todas as pessoas que moram numa mesma residência, ou seja, a
compreensão de uma família está além de laços consanguíneos. A diversidade de
família não permite elaborar uma descrição precisa sobre o termo, pois nos dias atuais,
com as mudanças estruturais, encontram-se famílias diversas.
Dentre as diversas formas de família, podem-se citar: a família nuclear
formada por pai, mãe e filhos; a família ampliada na qual inserem-se avós, irmãos, tios,
sobrinhos, ou seja, há diversos membros da família reunidos; a família reconstruída,
formada por novos membros, advindos de outros casamentos ou não; as famílias
matrifocais, formadas por uma mulher e seus filhos, sendo estes advindos ou não de
outros relacionamentos, e um companheiro; e as famílias monoparentais, tipo de família
composto por pessoas que vivem sem cônjuge ou com vários filhos, podendo ser
chefiadas tanto por homens, quanto por mulheres.
As transformações sociais do atual contexto influenciam na elaboração do
conceito, e na estrutura familiar, pois as famílias tendem a se formar com um número
menor de componentes e ao mesmo tempo em que ocorre uma diversificação das novas
constituições de família. Segundo a PNAS (2004, p.42), tais mudanças tem como
resultado: “Enxugamento dos grupos familiares (famílias menores), uma variedade de
arranjos
familiares
(monoparentais,
reconstruídas),
além
dos
processos
de
empobrecimento acelerado e da territorialização das famílias geradas pelos movimentos
migratórios.”.
Embora no contexto familiar haja fragilidades e contradições, é nesse
espaço que a Política de Assistência Social é socializada, permitindo o acesso à proteção
social para todos os seus membros, independente de seu formato. Destacar a relevância
da categoria família no atual contexto nos leva a entendê-la como um processo social
envolto por mudanças e construções. Nesse cenário destacam-se os novos "arranjos" e
"composições" familiares como fora acima mencionado desmistificando os conceitos e
pré-conceitos estabelecidos ao longo da história. Com isso abre-se o caminho para o
acesso à cidadania.
De acordo com a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, a família
é à base da sociedade e por esta razão cabe ao Estado dar-lhe proteção. Esta afirmação é
63
ratificada no inciso no 8º do referido artigo que estabelece: “O Estado assegura a
assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos de
coibir a violência no âmbito de suas relações.”.
A centralidade da Política na família recai sobre o fato de que esta tem
como uma de suas funções fazer a mediação das relações entre o sujeito e o Estado,
embora esteja inserida num espaço contraditório, marcado pela luta cotidiana em busca
da sobrevivência no contexto social capitalista. A centralidade torna-se mais visível a
partir da década de 1990, quando o sistema neoliberal passa a vigorar, pois transfere a
responsabilidade do Estado para a sociedade e, consequentemente, para a estrutura
familiar. Segundo Osterne
A família tem sido pensada como base estratégica das políticas públicas,
numa perspectiva de parceria com os programas sociais, no sentido da
construção de sua autonomia. Nesse contexto, a família e a comunidade têm
se revelado como fontes naturais de solidariedade, uma vez que se aciona o
protagonismo familiar para transferir, aos próprios sujeitos, portadores de
necessidades, responsabilidades pelos seus carecimentos, vinculando-os ao
processo de ajuda mútua. (apud PEIXOTO, 2010, p.2)
O papel da família é reconhecido na Constituição Federal de 1988, no ECA,
na LOAS e no Estatuto do Idoso como um importante elemento da vida social, pois a
mesma é uma instituição merecedora da proteção do Estado.
O que acontece
atualmente, todavia, é um processo de desproteção da família por parte do Estado, em
decorrência da fragilidade das políticas públicas. Não é porque as ações estão
centralizadas na família que o Estado tem que fugir de sua responsabilidade; é preciso
proteger a família para que ela possa exercer a função de protetora de seus membros.
Segundo Mioto (2004), a família, na atual sociedade brasileira, além de ser
reconhecida como instância de cuidado e proteção, deve ser reconhecida como instância
a ser cuidada e protegida, ponto em que se enfatiza a responsabilidade pública para com
os seus membros, garantindo-lhes acesso aos serviços públicos de forma universal e
equitativa.
O lugar da família como centro das políticas públicas, em especial das políticas
de Proteção Social, está articulado à necessidade de combater a pobreza e a exclusão
social decorrentes das desigualdades impostas pelo sistema capitalista. Isto conforme
afirma Mioto:
É necessário pelo fato de que à sua situação de pobreza está diretamente
ligada à má distribuição de renda, onde o modo de produção capitalista não
64
garante o pleno emprego, ficando as famílias em situação de vulnerabilidade,
havendo a necessidade de inclusão social através das políticas sociais
ofertadas pelo Estado. No Brasil o grau de vulnerabilidade vem aumentando,
dadas as desigualdades, próprias de sua estrutura social, onde cada vez mais
se nota a exigência de as famílias desenvolverem formas estratégicas para
manterem a sobrevivência. (apud VANZETTO, 2005, p.6)
De acordo com a Lei nº 10.836/2004, que cria o PBF, família é uma unidade
nuclear onde os indivíduos que a compõe possuem ou não laços consanguíneos, ou seja,
família para o Programa, refere-se a todas as pessoas que vivem sob o mesmo teto. Daí
o interesse em protegê-la em sua totalidade, sendo por esta razão o desenvolvimento da
Política de Assistência Social voltado para atender as necessidades sociais das famílias,
não importando sua composição ou arranjo familiar. O intuito da Política é fortalecer e
proteger os vínculos familiares, possibilitando o acesso igualitário e universal aos
direitos sociais.
2.3 A autonomia adquirida pela mulher no cenário familiar: um novo
poder de decisão?
As mulheres e os homens, ao longo da história da humanidade, sempre
desempenharam papéis diferenciados, tendo em vista que as atividades exercidas por
um ou por outro eram divididas com base no sexo biológico. A figura feminina estava
sempre associada à fragilidade, enquanto a figura masculina associava-se à força e à
coragem. Enfim, é um fato que a mulher, desde o início do desenvolvimento da
humanidade, é colocada em situação de dependência em relação ao homem.
Na transição do século XIX para o XX, acontece o fortalecimento do
movimento feminista, que ganha voz e vez para lutar por mais espaços sociais e por
acesso aos direitos sociais da mulher, acesso este que deve ser pautado na igualdade
social de ambos os sexos. Neste contexto, a mulher ganha espaço nas mais diversas
áreas, como na econômica, social, política e cultural; modifica-se o seu papel sóciohistórico, pois a sua função social extrapola o âmbito doméstico e familiar; a mulher
adquire certa autonomia, liberdade de expressão, emancipação política e social, enfim,
ela amplia seu espaço de dominação. A mulher do século XXI assume um lugar
diferente na sociedade, sendo-lhe destinadas novas funções, tais como a de combater a
pobreza, garantir a segurança alimentar, educacional e de saúde de sua família.
O sujeito da pesquisa é a mulher beneficiária do PBF, que participa do
grupo de família do CRAS Granja Portugal. Esta beneficiária, que é acompanhada pelo
65
grupo, encontra-se em situação de vulnerabilidade social e de descumprimento das
condicionalidades do Programa, ou seja, devido às fragilidades sociais que atingem suas
vidas e de suas famílias e a recorrência no descumprimento de alguma condicionalidade
do PBF, é necessário inseri-la no acompanhamento para que ela possa fortalecer os
vínculos familiares e assim superar a situação de vulnerabilidade social que afeta todo o
seu contexto familiar. Ela é monitorada através do acompanhamento familiar, espaço
onde são trabalhadas as noções de liberdade, de possibilidades e de responsabilidades
das mulheres, bem como de suas respectivas famílias, dando voz ativa a seu senso
crítico.
Uma das possíveis implicações do PBF na vida das mulheres refere-se à
questão da autonomia, que pode ser conquistada por esses sujeitos, após a inserção no
Programa, vindo daí a possibilidade de modificar a vida familiar no que se refere ao
“poder” relacionado não apenas ao âmbito doméstico, mas também ao poder adquirido
no que alude ao consumo, pois as mulheres detêm em seu controle a posse do cartão de
benefício e estas recebem mensalmente um valor pecuniário referente ao número de
crianças e adolescentes inseridos no Programa. Com o controle do benefício, elas veem
a oportunidade de assegurar as necessidades básicas de sua família e de seu lar e, ainda,
ajudam a movimentar a economia do bairro, pois adquirem crédito no mercado local.
Mas essa certa autonomia conquistada pelas mulheres não se refere apenas à
questão econômica, o que a torna uma mulher consumidora; mas a sua relação com os
demais membros da família passa por transformações, visto que ela sabe as
necessidades de seu lar, de seus filhos e suas próprias necessidades. Então, a partir daí,
ela busca garantir as coisas mais essenciais ocupando assim um espaço que lhe permite
tomar decisões que visam atender a todos que com ela residem. Percebe-se com isso que
o lugar que a mulher passa a ocupar está além do fator econômico; aos poucos, ela vai
ampliando mais e mais seu espaço no âmbito familiar.
De acordo com o I Plano Nacional de Políticas para as Mulheres – I PNPM
(2009, p. 13), a compreensão da autonomia deve estar atrelada ao
Poder de decisão sobre suas vidas e corpos, assim como as condições de
influenciar os acontecimentos em sua comunidade e país e de romper com o
legado histórico, com os ciclos e espaços de dependência, exploração e
subordinação que constrangem suas vidas no plano pessoal, econômico,
político e social.
66
Sobre a questão do empoderamento da mulher, através do recebimento do
benefício, é possível destacar que pode haver a possibilidade de melhorar tanto as suas
condições de vida, quanto da sua família. Isto pode se refletir em diversos âmbitos de
sua vida, como por exemplo, nas condições financeiras, e até mesmo no que se refere à
conscientização de seus direitos e deveres como cidadã, sem falar no resgate de sua
autoestima, que se reflete em três dimensões: a vida individual, a familiar e comunitária.
Empoderamento quer dizer, em outras palavras, a capacidade das mulheres
poderem decidir sobre determinadas questões que se referem tanto às suas vidas, quanto
à vida dos membros de sua família, sobremodo dos filhos. A política pública vem
usando esse termo com o intuito de enfatizar o protagonismo das mulheres no que toca à
questão do enfrentamento da pobreza e na garantia da segurança alimentar. Pois, por
meio do benefício recebido mensalmente, chegam os mínimos sociais necessários à
manutenção do lar e da família. Nas palavras de Romano (2002, p. 18),
A abordagem do empoderamento implica o desenvolvimento de capacidades
das pessoas pobres e excluídas e de suas organizações para transformar as
relações de poder que limitam o acesso e as relações em geral com o Estado,
o mercado e a sociedade civil. Assim, através do empoderamento visa-se a
que essas pessoas pobres e excluídas venham a superar as principais fontes de
privação das liberdades, possam construir e escolher novas opções, possam
implementar suas escolhas e se beneficiar delas.
O empoderamento feminino, cujo efeito pode ser um resultado da inserção da
mulher no PBF, permite um reordenamento do espaço doméstico, pois a relação
patriarcal dominante até então passa a ser “ameaçada” por esse “novo poder” que pode
surgir no âmbito familiar, uma vez que a “autonomia” conquistada por essas mulheres
lhes permite maior acesso ao espaço público. Conforme, já mencionado, essa mulher
passa a ter mais consciência de seus direitos, aumenta também a sua capacidade de fazer
escolhas e decidir como e para que fim ela vai usar aquele dinheiro.
Dentro desse contexto, surgem diversas perguntas que giram em torno das
categorias até aqui discutidas, pois sabe-se que há uma centralização das políticas e do
Programa na figura feminina. Sabe-se que a mulher sempre é a responsável pelo
recebimento do benefício, por decidir que destino ela deve dar ao dinheiro. Diante de
tantas responsabilidades, é possível afirmar que essa mulher adquire autonomia após
sua inserção no PBF? Se adquire, como ela se manifesta no contexto familiar? E,
67
principalmente, qual a visão das beneficiárias no que se refere à centralização do
Programa na figura feminina e qual a sua compreensão a respeito de autonomia?
Enfim, na procura por tentar responder tais perguntas, o capítulo seguinte
busca analisar a compreensão das mulheres beneficiárias do PBF que participam do
grupo de família do CRAS Granja Portugal e, ao mesmo tempo, busca apresentar
respostas às perguntas acima indagadas. Neste capítulo também é apresentado o perfil
das mulheres, assim como a territorialidade onde a pesquisa se desenvolve.
3. O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM ANÁLISE: UM ESTUDO
DE CASO COM AS MULHERES QUE PARTICIPAM DO GRUPO
DE FAMÍLIA NO CRAS GRANJA PORTUGAL.
A análise do PBF tem por base os dados do MDS (2012) sobre o município
de Fortaleza/CE, os quais demonstram o total de famílias inscritas no Cadastro Único
até o terceiro trimestre do presente ano. O número de famílias cadastradas é de 330.141,
dentre as quais: 167.912 possuem renda per capita familiar de até R$70,00; 256.824
possuem renda per capita familiar de até R$ 140,00; e 316.676 possuem renda per
capita de até meio salário mínimo.
Conforme mencionado em capítulos anteriores, o PBF é um programa de
transferência de renda que beneficia famílias pobres e extremamente pobres, as quais
tem que estar inscritas no CadÚnico para programas do governo federal. Assim, de
acordo com o MDS (2012), o público beneficiado pelo PBF, no mês de outubro de
2012, é de 199.329 famílias, representando uma cobertura de 112,5 % da estimativa de
famílias pobres no município. O valor total transferido pelo governo federal em
benefícios às famílias atendidas alcança o valor de R$ 24.677.409,00 (vinte e quatro
milhões seiscentos e setenta e sete mil quatrocentos e nove reais) por mês.
Quanto ao acompanhamento das condicionalidades no município de
Fortaleza, no que se refere à educação, estima-se que a frequência escolar, até julho de
2012, teve o percentual de 81,64% para crianças e adolescentes com faixa etária entre 6
e 15 anos. Isto equivale a 169.302 alunos acompanhados. Já para os jovens com faixa
etária entre 16 e 17 anos, o percentual atingido reduz, visto que o acompanhamento só
atinge 66,36% dos alunos, ou seja, apenas 29.925 jovens são acompanhados de um total
de 45.098.
68
No âmbito da saúde, o acompanhamento familiar, até junho de 2012, teve
como percentual atingido 41,82 %, índice este que não atinge nem 50% do público do
Programa, pois o número de famílias a serem acompanhadas é de 157.458 e a equipe de
saúde fez o acompanhamento de 65.844. Para a assistência social chegam as
repercussões de descumprimentos de condicionalidades tanto da área da saúde, quanto
da educação, o que leva os profissionais a verificar no SICON a situação de cada
membro daquela família, ou seja, ao verificar o sistema, o profissional identifica quem
está em situação de descumprimento. Segundo os dados do MDS, 46.309 famílias
descumpriram seus compromissos no presente ano.
É sabido que o descumprimento de condicionalidades não leva à perda do
benefício de imediato, mas leva a perdas gradativas, por meio de sanções. Uma das
sanções refere-se à advertência, que, até o mês de setembro de 2012, teve registro de
1.350 casos. Por sua vez, o número de famílias com benefício bloqueado neste mesmo
período é de 624. Os casos de primeira suspensão contabilizados são de 297; já os de
segunda suspensão são 129 e, por fim, o número de cancelamentos de benefícios é bem
reduzido; de acordo com os dados, 63 benefícios foram cancelados.
Contudo, antes de chegar à última sanção o profissional responsável, seja o
assistente social ou o psicólogo, faz o recurso online, ou seja, existe uma página no site
do MDS onde os profissionais têm “autoridade” para deferir ou indeferir determinado
recurso. De maneira que os dados obtidos até o mês de julho de 2012 apontam que 792
recursos foram cadastrados e avaliados, sendo 765 deferidos e 27 indeferidos.
As famílias que estão em situação de descumprimento de condicionalidades
são inseridas no acompanhamento familiar do SICON. Ao todo, 3.279 famílias foram
inseridas até setembro deste ano. No caso do bairro Granja Portugal esse número é de
168 famílias, que estão sendo acompanhadas pela equipe técnica do CRAS Granja
Portugal.
Em Fortaleza, avalia-se que o número de famílias de baixa renda com perfil
para o Cadastro Único seja de 269.411, sendo que 177.158 são famílias consideradas
pobres. De acordo com o MDS, na capital do Ceará, até outubro de 2012, foram
inseridas 199.329 famílias no PBF.
69
O valor destinado a cada família é distribuído de acordo com os tipos de
beneficio22 pagos. Até o mês de setembro de 2012, 170.074 famílias receberam o
Benefício Básico; 292.818 famílias receberam os Benefícios Variáveis (48.005
Benefício Variável Jovem; 1.520 Beneficio Variável Nutriz; 2.202 Benefício Variável
Gestante) e 23.675 famílias receberam o Benefício de Superação da Extrema Pobreza na
Primeira Infância.
A população do bairro Granja Portugal cadastrada no Cadastro Único
corresponde apenas a 13,5%, ou seja, apenas 5.370 pessoas do bairro têm acesso aos
programas, projetos e serviços ofertados pelo governo federal. (SEMAS, CADASTRO
ÚNICO, 2011).
Abaixo segue o percurso teórico-metodológico pelo qual a pesquisa teve
base para que seu desenvolvimento lograsse êxito. Neste tópico apresentam-se os
procedimentos utilizados para maior aproximação com os sujeitos e o local da pesquisa.
Em seguida, fala-se do perfil das mulheres beneficiadas pelo PBF, assim como a ótica
pela qual elas compreendem o Programa. Por fim, apresenta-se análise do Programa
articulada com a realidade desse bairro periférico da cidade de Fortaleza.
3.1 O percurso teórico-metodológico para a construção e investigação
do objeto.
É sabido que a pesquisa é uma construção de conhecimento que percorre um
longo caminho, buscando alcançar um determinado fim. Buscar construir tais
conhecimentos requer entender as modificações ocorridas no contexto socioeconômico
e político brasileiro, compreendendo a dialética da realidade. Nesse momento, percebese que as coisas e as pessoas não são estáticas, o mundo se transforma e,
consequentemente, transforma as pessoas que nele vivem.
22
Segundo o MDS (2012) os benefícios são: Benefício Básico, pago no valor de R$ 70,00 concedido
apenas a famílias extremamente pobres; Benefício Variável, pago no valor de R$ 32,00 concedido pela
existência de crianças de 0 a 15 anos, gestantes e/ou nutrizes – limitado a 5 benefícios por família;
Benefício Variável Vinculado ao Adolescente, pago no valor de R$ 38,00 concedido pela existência de
jovens entre 16 e 17 anos – limitado a 2 jovens por família; Benefício para Superação da Extrema
Pobreza na Primeira Infância, com valor correspondente ao necessário para que a todas as famílias
beneficiárias do PBF – com crianças entre 0 e 6 anos – superem os R$ 70,00 de renda mensal por
pessoa.Ver: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/beneficios
70
Neste percurso é apresentado o bairro em que se desenvolve a pesquisa,
assim como o equipamento socioassistencial – CRAS Granja Portugal – onde a
pesquisadora encontra seus sujeitos e desenvolve a pesquisa. Por fim, apresentam-se os
interlocutores – as mulheres beneficiárias do PBF que frequentam o CRAS Granja
Portugal e que fazem parte do grupo de família.
3.1.1 Os procedimentos utilizados para a maior aproximação com o
objeto.
A presente pesquisa tem por objetivo geral compreender como as mulheres
beneficiárias concebem o PBF, bem como apreender as transformações ocorridas em
suas vidas após sua inserção no referido Programa. Busca também compreender o papel
da mulher no que se refere ao enfrentamento da pobreza, assim como entender a
possibilidade de conquistar ou não certa autonomia após tornarem-se beneficiárias do
PBF.
O interesse pela temática vem desde o período em que a pesquisadora
residia no interior do estado do Ceará, pois várias críticas no nível do senso comum são
feitas ao Programa, como por exemplo: “Ah, agora esse povo não quer mais trabalhar”,
“usam o dinheiro pra tudo, menos pra comprar comida e as coisas da escola”, “por que o
„governo‟ não dá trabalho ao invés de dinheiro?” Enfim, são essas e muitas outras
interpretações que as pessoas têm a respeito do Programa que impulsiona o desejo por
compreendê-lo. As observações, questionamentos e reflexões acerca do PBF são
suscitados de forma mais intensa quando a pesquisadora adentra na vida acadêmica e,
mais precisamente, quando inicia a disciplina de Estágio Supervisionado em Serviço
Social.
Já no âmbito acadêmico, surge a oportunidade de vivenciar experiências
únicas na área da Assistência Social, por intermédio da Prefeitura Municipal de
Fortaleza – PMF e da Secretaria Municipal de Assistência Social – SEMAS. O primeiro
estágio se desenvolve na Secretaria Executiva Regional V – SER V, no Distrito de
Assistência Social – DAS e as demais experiências são no CRAS Granja Portugal.
Nesses períodos, a pesquisadora teve maior proximidade com a Proteção Social Básica
– PSB, fazendo o acompanhamento do núcleo do Cadastro Único, o que favorece maior
contato com o PBF e seu público de beneficiárias.
71
Vale ressaltar que a escolha por desenvolver a pesquisa no CRAS Granja
Portugal deve-se não apenas ao anseio da pesquisadora em conhecer mais sobre o PBF e
suas beneficiárias, mas deve-se também à relação de proximidade entre a pesquisadora e
os profissionais daquele equipamento.
A presente pesquisa torna-se relevante para que impulsione a discussão
sobre o papel da mulher não apenas como mãe, como esposa ou como dona de casa,
mas como um sujeito que, por meio dos programas de transferência de renda, vê a
oportunidade de transformar sua vida e a da sua família, pois essa mulher passa a
adquirir certa autonomia e com isso luta para minimizar as expressões da questão social
mais latentes em seu lar, como a pobreza e a fome.
A pesquisa se desenvolve por meio do embasamento no método dialético, o
qual busca fazer uma análise da realidade e entender as contradições existentes na
sociedade capitalista, contradições estas que se acentuam por meio da exploração de
uma classe sobre a outra. Este método ajuda a compreender e a analisar o processo
histórico, econômico e social vigente na atualidade.
O percurso metodológico que norteia o desenvolvimento da investigação
tem por base a pesquisa quanti-qualitativa. Por meio dela é feita uma abordagem
socioeconômica das mulheres beneficiárias do PBF e, para além disso, a pesquisa
permite conhecer as complexidades e contradições acerca do objeto que está sendo
investigado. De acordo com Goldenberg (2003, p.63), a articulação entre a pesquisa
qualitativa e a quantitativa baseia-se “na ideia de que os limites de um método poderão
ser contrabalançados pelo alcance de outro.”. Ou seja, uma metodologia complementa a
outra.
O trabalho também contempla outros tipos de pesquisa, tais como a
bibliográfica e a documental. De acordo com Gil (2002, p.44), a primeira “é
desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e
artigos científicos.”. E a segunda, apesar de ter semelhanças com a primeira, apresenta
uma diferença fundamental, que é a natureza dos dados. Assim, segundo o autor, a
pesquisa documental “vale-se de materiais que não recebem ainda um tratamento
analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa.”.
(GIL: 2002, p.46). Os relatos dos artigos, dos livros e dos demais documentos como o
Decreto nº 5.209 de 17 de setembro de 2004 que regulamenta o PBF, o Relatórios de
72
Informações Sociais e a Apresentação do orçamento 2012 trazem mais consistência
teórica, o que é fundamental no desenvolvimento da pesquisa.
A pesquisa de campo é um instrumento essencial. Conforme Gil (p.53,
2002), “é desenvolvida por meio da observação direta das atividades do grupo estudado
e de entrevistas com informantes para captar suas explicações e interpretações do que
ocorre com no grupo.”. Ou seja, é na pesquisa de campo que se dá o contato dos sujeitos
com a pesquisadora.
Dentre os recursos técnicos aplicados, elencam-se as entrevistas
estruturadas, os questionários e as visitas ao bairro pesquisado, meios que permitem
conhecer a realidade das famílias. Através deste contato surgem novas indagações, que
proporcionam uma análise mais profunda do contexto social em que vivem as famílias e
favorecem o conhecimento das perspectivas almejadas pelas mesmas no que se refere ao
seu futuro.
O processo de pesquisa de campo desenvolve-se nos meses de setembro a
novembro. A princípio, a pesquisa tem início com uma roda de conversa. Após o
encontro do grupo, as mulheres selecionadas para participar da pesquisa são convidadas
a se reunirem novamente para que a pesquisadora pudesse lhes apresentar o intuito da
pesquisa; elas ficaram bem à vontade para perguntarem sobre a mesma e para se
organizarem em duplas para poder ir ao CRAS dar sua entrevista. Logo após, inicia-se a
fase da aplicação dos questionários e entrevistas. Salienta-se que, para aplicar tais
instrumentais, a pesquisadora explica o objetivo da pesquisa e entrega a cada mulher um
termo de compromisso assinado pela mesma, no qual ressalta-se o sigilo de identidade
de cada mulher que se disponibiliza a cooperar para o desenvolvimento da pesquisa.
Em meados de outubro, a pesquisa é interrompida por problemas de ordem
social, que afetam a vida das famílias que residem no bairro. Este problema é resultado
do alto índice de violência que atinge a população da Granja Portugal, o conflito entre
gangues rivais que se enfrentam diariamente interrompe o andamento da pesquisa, que
vem a ser retomada em meados do mês de novembro, quando os conflitos na área são
amenizados.
O percurso metodológico que norteia a pesquisa é de fundamental
importância, porque o mesmo possibilita trilhar um caminho no qual a tendência é
pensar a realidade, buscando compreendê-la e por meio da convivência, do contato
direto e com isso tentar intervir nesta realidade que é passível de transformações.
73
3.1.2 O lugar da pesquisa:
Granja Portugal.
Centro de Referência de Assistência Social –
CRAS
O bairro Granja Portugal está inserido na área de abrangência da Secretaria
Executiva Regional V – SER V, sendo esta a segunda maior secretaria do município em
extensão territorial.
Ela abrange 17 bairros: Aracapé, Bom Jardim, Canindezinho,
Conjunto Ceará, Conjunto Esperança, Genibaú, Granja Lisboa, Granja Portugal, Jardim
Cearense, Maraponga, Mondubim, Parque Presidente Vargas, Parque Santa Rosa,
Parque São José, Prefeito José Walter, Siqueira e Vila Manoel Sátiro. Abriga grandes
conjuntos habitacionais, como: Conjunto Ceará, Conjunto Esperança e Prefeito José
Walter, assim como áreas de risco e favelas, sendo estas em torno de 18 e 40,
respectivamente.
Granja Portugal é um bairro centenário, inicialmente habitado por
portugueses que criavam galinhas, vindo daí a denominação do bairro que é subdividido
em sete comunidades: Mela-Mela, Novo Mundo, Santo Antônio, Menino Deus,
Cacimbinhas, Santa Clara e Belém. A renda per capita média das famílias residentes no
bairro é de um salário mínimo, o que reflete diversos problemas detectados no bairro:
falta de saneamento básico, atendimento de saúde ineficaz, crescimento populacional
intenso, o que resulta em uma ocupação desordenada do espaço físico do bairro. A
maioria dos habitantes vive do trabalho artesanal, comércio e feiras locais.
A população que reside na área de abrangência da SER V é de 452.875 mil
habitantes. Este número revela que esta regional é a mais populosa. A população
periférica vive em estado de extrema pobreza, marcada pela marginalização social, pela
falta de recursos básicos, por um baixo desenvolvimento escolar, desemprego, falta de
perspectivas e baixa estima.
O bairro Granja Portugal possui uma densidade demográfica de 71 pessoas por
km², tem113. 826 domicílios, com uma população total de 37.369 mil habitantes. Em
termos de equipamentos sociais, conta com dois postos de saúde, cinco escolas da rede
municipal, uma creche, uma Casa Brasil23 e um Centro de Idosos, hoje denominado
23
Projeto da prefeitura em parceria com o governo federal, que oferece um espaço gratuito para formação
e capacitação tecnológica, aliando a cultura, arte e participação popular. O público-alvo são jovens entre
16 e 24 anos de idade.
74
CRAS – Granja Portugal. Para o lazer a comunidade conta com a Praça da Granja
Portugal, com seu campo de futebol e a Igreja Católica de Santo Antônio.
O CRAS – Granja Portugal,espaço onde a pesquisadora tem acesso às mulheres
beneficiárias do PBF,
é uma instituição de natureza pública. Cujos programas e
projetos abrangem; Cadastro Único, Inclusão Produtiva, Programa de Atenção Integral à
Família – PAIF, Programa de Acompanhamento Familiar – PAF e Pro Jovem
Adolescente.
Dentre os programas citados, a pesquisa tem como foco o Cadastro Único, pois
é por meio dele que as famílias têm acesso ao PBF. O foco principal da pesquisa são as
famílias que estão sendo acompanhadas pelo PAIF e pelo PAF, programas mais
acessados pelas mulheres visto que elas são acompanhadas por meio do grupo de
família do referido equipamento socioassistencial.
O CRAS – Granja Portugal está ligado à rede de PSB que visa prevenir
situação de risco e vulnerabilidade social por meio do desenvolvimento de
potencialidades e aquisições, do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários e
do acesso às políticas públicas, mais precisamente no acompanhamento do CadÚnico,
que tem como principal objetivo identificar e caracterizar a condição socioeconômica
das famílias para que elas possam ser inseridas em programas como o Bolsa Família –
programa de transferência direta de renda com condicionalidades que busca beneficiar
famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza.
3.1.3 Os sujeitos da pesquisa: as mulheres beneficiárias do Programa
Bolsa Família que participam do grupo de família no CRAS Granja
Portugal.
Os sujeitos da pesquisa são as mulheres beneficiárias do PBF que
participam do grupo de família, o qual faz parte das ações desenvolvidas pelo PAIF e
PAF. Ambos visam orientar as famílias, fazer acompanhamento sistemático, fortalecer a
função de proteção das mesmas e prevenir a ruptura de laços, ou seja, visa fortalecer os
vínculos dos membros familiares que estão em situação de extrema vulnerabilidade e/ou
risco social. Com o grupo é desenvolvido um trabalho de caráter continuado que visa
promover, além das funções acima mencionadas, o acesso e usufruto de direitos,
contribuindo para a melhorar a qualidade de vida daqueles usuários.
75
O grupo de família do CRAS – Granja Portugal faz o acompanhamento de
20 (vinte) famílias, mas as mulheres que frequentam o grupo com mais assiduidade são
15 (quinze). Este número oscila de um encontro para o outro. Os encontros ocorrem
duas vezes ao mês e os temas tratados variam a cada quinzena, pois o intuito é debater
sobre assuntos que estejam articulados com a realidade das mulheres e suas famílias,
fazendo-lhes refletir sobre a sua atual situação e impulsionando-as a buscar novas
perspectivas de vida.
As mulheres selecionadas para o desenvolvimento da pesquisa residem, em
sua maioria na Rua Luminosa, rua esta onde encontra-se o maior número de
beneficiárias do Programa. Trata-se das veteranas do grupo, critério que favorece para
maior aprofundamento sobre o tema, permitindo assim compreender as mudanças
ocorridas em suas vidas antes e após a inserção no PBF.
A aproximação com as mulheres ocorre desde o início do estágio
supervisionado quando a pesquisadora passa a participa das atividades do grupo. O que
proporciona maior contato e confiança para que elas aceitem a participar da pesquisa.
A abordagem das mulheres do grupo inicialmente é mediada pela
supervisora de campo, por meio de uma roda de conversa, onde a pesquisadora teve a
oportunidade de explicar os objetivos da pesquisa, antes mesmo de concluir sua fala, as
mulheres já estavam se organizando para virem ao CRAS dar sua entrevista e responder
ao questionário.
Imagina-se que o tema da pesquisa tenha sido um fator relevante para a
aceitação imediata das mulheres, pois cada uma quer narrar as mudanças, as conquistas,
bem como as dificuldades enfrentadas antes e depois da inserção no PBF. Quanto à
compreensão desse momento ressalta-se que é de suma importância, pois cada palavra,
cada resposta é fundamental para compreender as falas, os pensamentos e os
sentimentos de cada uma das mulheres.
3.2 O perfil das responsáveis familiares do Programa Bolsa Família.
Com o intuito de conhecer mais detalhadamente as protagonistas desta
pesquisa, faz-se necessário traçar seu perfil socioeconômico, uma vez que por meio da
aplicação de questionários, as condições de vida tanto econômicas, quanto familiares e
habitacionais das beneficiárias do PBF ficam mais visíveis.
76
Vale ressaltar que o grupo pesquisado é o grupo de família do CRAS –
Granja Portugal, cujas atividades são realizadas quinzenalmente no âmbito do
equipamento socioassistencial. As mulheres pesquisadas frequentam o grupo há mais de
um ano e a maioria reside no bairro Granja Portugal, mais especificamente, na Rua
Luminosa, conforme já fora mencionado. Esta rua concentra um grande número de
beneficiárias, do PBF e reflete várias expressões da questão social como violência,
pobreza, criminalidade, drogas, dentre outras expressões que são bem visíveis a todos
que por ela passam. Segundo a descrição das próprias moradoras da Luminosa:
Lá tem muita gente que recebe o benefício. Drogas na porta lá de casa, no
meio da rua, as gangues, bala, muita bala, é muito perigoso. Agora lá tá em
guerra, tava um tiroteio, os de lá vem pra cá, os daqui vão pra lá, tava
aquela coisa, ficam ameaçando, diz que vão invadir. Lá tá tremendo,
fica um negócio perigoso. Quando tem [tiroteio] entra todo mundo pra
dentro de casa. Houve umas mortes por lá e fica aquela coisa, aquele pra lá e
pra cá e na hora é muito menino no meio da rua, muito menino, mas a gente
fica perdida, porque é bala perdida. Ainda bem que os meus [referindo-se aos
filhos] diz assim, mãe fulano tá com conversa de que vão invadir, então fique
por aqui num vá lá pra baixo não, fica aqui pela rua, porque na correria[...] aí
já procuram num ficar nem pra lá, nem pra cá, ficam já dentro de casa. Os
meus já sabe é muito perigoso, perigoso mesmo. Às vezes tem coisa que nem
é na Luminosa, mas como lá tem venda de droga aí vem pra lá.
(MARGARIDA, 39 anos, 4 filhos, grifos nossos).
A minha moradia é boa, mas ... assim, tem drogas porque lá todo mundo
conhece todo mundo, assim não tenho medo porque é perigosa, assim tem
menino que se envolve com drogas essas coisa e eu não quero os meu filho
envolvido. Quando tem conflito do lado de lá a gente já tem medo. Mas do
lado de lá eles num respeita ninguém. Eu não tenho nada contra eles,
nenhum. Eu tenho medo assim de bala perdida né? Bala perdida. (FLOR
DE LIZ, 37 anos, 4 filhos, grifos nossos).
A sensação de estar vivendo em guerra, no meio do conflito, a própria
questão da violência vivenciada no dia-a-dia fazem as mulheres viverem com medo,
embora em alguns momentos sintam-se mais confiantes porque no bairro e na rua todo
mundo se conhece. Tal realidade não está centrada apenas na rua Luminosa, mas em
outras que compõem o bairro. De acordo com dados obtidos na Cartilha da Regional V,
denominada o Mapa da Criminalidade e da Violência em Fortaleza (2011), a
preocupação das mulheres centra-se na questão de que os índices de criminalidade e
violência no bairro estão crescendo a cada ano.
De acordo com a referida Cartilha, as vítimas de homicídios são do sexo
masculino, solteiros, com faixa etária entre 14 e 26 anos, com baixos níveis de
escolaridade. Os crimes em sua maioria são cometidos por arma de fogo. Os locais com
77
maiores ocorrências de mortes violentas na área do Grande Bom Jardim24, entre os anos
2007 e 2009 são preferencialmente, as ruas centrais dos bairros. Na Granja Portugal, as
ocorrências em sua maioria concentram-se nas ruas Coronel Fabriciano, Luminosa e
Taubaté.
A idade das participantes varia entre 33 a 60 anos. A maioria das
entrevistadas é natural de Fortaleza. Três delas são naturais de cidades interioranas
como Madalena, Viçosa do Ceará e Morro Branco; apenas uma é natural do Estado do
Piauí. Em relação ao estado civil, cinco são casadas e cinco são solteiras, o que reflete
os novos arranjos familiares existentes na atualidade.
As que se declaram solteiras já passaram pela experiência do matrimônio.
Em suas falas revelam que, mesmo quando viviam com o companheiro, sempre
ajudaram a prover o sustento de sua família, pois trabalhavam, fazendo costura, lavando
roupa, sendo babá e até mesmo fazendo artesanato. Com o dinheiro proveniente dos
“bicos”, elas ajudam a pagar as despesas de sua residência e a suprir as necessidades de
seus filhos, as suas e de seu lar, o que leva a compreender que essas mulheres, mesmo
antes de se tornarem beneficiárias do PBF, já sentem-se responsáveis por suas famílias,
assumindo o papel de chefes.
Quanto à etnia /raça, oito declaram-se serem pardas, uma declara-se negra e
a outra declara-se branca. A maioria não possui nenhum tipo de deficiência, seja visual,
auditiva, física ou mental; apenas duas disseram sofrer algum tipo de deficiência, no
caso uma delas declara que possui deficiência física, pois a mesma é portadora da
patologia hanseníase25 e outra declara ter problema na visão, pois já perdeu quase toda a
capacidade de enxergar.
24
A área do Grande Bom Jardim, é integrada pelos referidos bairros: Bom Jardim, Siqueira,
Canindezinho, Granja Portugal e Granja Lisboa. Todos estes bairros estão localizados na territorialidade
da SER V, área esta identificada pelas altas taxas de homicídios.
25
A hanseníase é uma das mais antigas doenças que acometem o homem. É uma doença causada pelo
Mycobacterium leprae. O bacilo de Hansen é um micróbio que apresenta afinidade pela pele e nervos
periféricos. Trata-se de uma doença infecciosa, crônica, de grande importância para a saúde pública
devido à sua magnitude e seu alto poder incapacitante, atingindo principalmente as pessoas em faixa
etária economicamente ativa comprometendo seu desenvolvimento profissional e/ou social. O alto
potencial incapacitante da hanseníase está diretamente relacionado à capacidade do bacilo penetrar a
célula nervosa e também ao seu poder imunogênico. Atualmente a hanseníase tem tratamento e cura.Ver:
http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/visualizar_texto.cfm?idtxt=31199
78
No que se refere ao nível de escolaridade das mulheres, nenhuma é
analfabeta; o que prevalece entre elas é o ensino fundamental, variando as séries, cinco
cursaram até a quarta série, duas chegaram a cursar a quinta, uma chega a cursar até a
sétima, mas concluir o ensino fundamental que refere-se à oitava série, apenas uma
delas declara que fechou esse ciclo de ensino.
Quanto à situação no mercado de trabalho, nenhuma trabalha, mas todas
almejam adentrar no mercado de trabalho, com o intuito de melhorar a renda familiar e,
consequentemente, ter melhores condições de vida. Atualmente, em suas residências,
quem trabalha são os filhos e o companheiro. Quanto às atividades por elas
desempenhadas, para ajudar nas despesas de casa, várias atividades foram citadas,
como: faxina, serviços de babá, artesanato, corte e costura.
A renda das famílias, conforme já fora mencionado situa-se em torno de um
salário mínimo26; poucas declaram que a renda familiar chega a um valor maior que um
salário mínimo, tendo em vista que seus companheiros trabalham de carteira assinada
ou recebem o Benefício de Prestação Continuada – BPC27. O pagamento dos gastos da
família tem como responsável as mulheres. São elas que arcam com as despesas, uma
parcela bem menor divide essa tarefa com o companheiro. Como no caso de duas
mulheres que vivem com seus cônjuges, a eles cabem à responsabilidade de fazer as
compras para o mês. Para as esposas fica a responsabilidade de pagar conta de água, luz,
comprar material escolar, roupas para os filhos. A dificuldade em obter uma renda fixa
é devido ao empecilho de não ter com quem ou onde deixar os filhos, pois o trabalho de
carteira assinada requer disponibilidade de tempo e como elas não têm, optam por
trabalhos que tenham horários flexíveis e que não ocupem todos os dias na semana.
Outro fator refere-se à baixa escolaridade das mesmas, pois conforme descrito acima,
elas não possuem nem o ensino fundamental completo.
26
27
O valor do salário mínimo vigente no ano de 2012 é de R$ 622,00.
De acordo com o Ministério da Previdência Social, o Benefício de Prestação Continuada da Assistência
Social – BPC-LOAS, é um benefício da assistência social, integrante do Sistema Único da Assistência
Social – SUAS, cuja operacionalização do reconhecimento do direito é do Instituto Nacional do Seguro
Social – INSS e assegurado por lei, que permite o acesso de idosos e pessoas com deficiência às
condições
mínimas
de
uma
vida
digna.
Ver
mais
em:
http://www.previdencia.gov.br/conteudoDinamico.php?id=23
79
Quanto ao número de pessoas que residem em suas casas, varia entre três e
nove pessoas. Já o número de filhos varia entre um a nove. A faixa etária é a que mais
se difere, pois eles têm entre quatro meses a vinte e quatro anos. Algumas mulheres
ainda criam seus netos. Alerta-se que a faixa etária limite para receber o benefício do
PBF é até dezessete anos.
Quanto à escolaridade dos filhos, dezoito frequentam a escola, o que
prevalece entre eles é o ensino fundamental, sete cursam da primeira è quarta série e
oito cursam da quinta à oitava série. No ensino médio também foram registrados alunos,
mas numa proporção bem menor, apenas três.
No que se refere às condições de moradia, a maioria das mulheres
pesquisadas tem casa própria; apenas três moram de aluguel. Na habitação o que
prevalece é a moradia em casa, sendo esta propriedade das beneficiárias. O tipo de
material de construção de todas as residências é o tijolo. Quanto às condições estruturais
de moradia – instalação elétrica, hidráulica e sanitária, a maioria possui infraestrutura
adequada, com todos os tipos de instalação. Três mulheres relatam que possui
infraestrutura precária, ou seja, possui em sua residência instalação elétrica e hidráulica
adequada, para que as condições estruturais fiquem completa falta apenas a instalação
sanitária.
No que se refere ao acesso a outros serviços, programas e projetos sociais,
apenas duas tiveram acesso, pois participaram de um curso para cuidador de idosos e de
cozinha popular; as demais não participaram de nenhum outro programa, a não ser o
próprio Bolsa Família. De todas as mulheres entrevistadas oito nunca teve nenhum
vínculo com órgãos de defesa de direitos; duas já precisaram acessar serviços jurídicos.
Um caso recente relatado por uma das mulheres refere-se ao processo movido contra o
ex-marido, pois a mesma está separada a pouco mais de dois anos e o ex-companheiro
nunca pagou a pensão dos filhos. Ela, desde então, luta para assegurar o direito dos
filhos de receber a pensão do pai. Pois já se passaram oito meses após o acordo feito e
ele veio a pagar apenas um mês de pensão. A outra relata que o neto estava envolvido
com drogas ao ser apreendido pela polícia foi conduzido à Delegacia da Criança e do
Adolescente – DCA. Quanto à participação política, a declaração da maioria é que
nunca teve nenhuma participação em movimento social, associação comunitária ou
outro movimento político; apenas uma declara que participa de uma associação de um
determinado vereador do bairro.
80
3.3 A ótica das mulheres beneficiadas pelo Programa Bolsa Família.
Faz-se necessário compreender a visão das mulheres beneficiadas sobre o
PBF. Para isso as entrevistas aplicadas durante o desenvolvimento da pesquisa
tornaram-se um instrumento muito relevante, pois através da aplicação deste recurso é
possível compreender que concepção as mulheres têm sobre o Programa e fazer uma
análise articulando a teoria com o pensamento das mulheres.
A situação de vulnerabilidade social em que se encontram as famílias das
mulheres que residem no bairro Granja Portugal as expõe às mais diversas expressões
da questão social no mundo contemporâneo. Fala-se, aqui, da fome, da violência, da
criminalidade, das drogas e, principalmente, da pobreza, que é uma das expressões mais
latentes na periferia de Fortaleza. Porém, a pobreza que afeta a população está além da
falta de renda; expressa-se também por meio da precária infraestrutura sanitária, elétrica
e hidráulica em que vivem as famílias; revela-se nas desigualdades sociais, na falta de
acesso a melhores serviços de saúde, educação, pois os serviços ofertados não são
suficientes para atender toda a demanda. Conforme afirma Yazbek (1993, p. 41),
As políticas sociais assumem o papel de atenuar, através de programas
sociais, os desequilíbrios no usufruto da riqueza social entre diferentes
classes sociais, bem como os possíveis conflitos sociais decorrentes das
precárias condições de vida a que se encontram submetidas as classes
subalternas.
Num contexto de crise, conforme já fora mencionado no primeiro capítulo,
onde cresce o sentimento de insegurança, a redução das políticas de proteção social, o
rebaixamento salarial e o aumento do desemprego, geram um terreno propício para a
criminalização da pobreza e, conseqüentemente, dos movimentos sociais, que lutam em
defesa da afirmação e da efetivação dos direitos sociais. Há uma retomada do Estado
policial, que passa a repreender as manifestações da classe subalterna e, em
contraposição, para acalmá-la, desenvolve as políticas de transferência de renda, que
visam atender de forma imediatista as necessidades mais urgentes das pessoas que
vivem em situação de pobreza e extrema pobreza.
A pobreza aqui estudada é resultado da exploração existente na sociedade
capitalista. É preciso conhecer de forma mais próxima a realidade das classes
subalternas, que vivenciam uma realidade marcada pela desigualdade, onde há poucos
com muito e muitos com pouco.
81
Entram em cena os programas de transferência de renda, que surgem com o
intuito de minimizar tais desequilíbrios sociais e econômicos. O PBF, que faz parte da
rede de combate à pobreza beneficia várias famílias que vivem no bairro Granja
Portugal, um dos bairros mais pobres de Fortaleza. As famílias que lá vivem sofrem
com as diversas refrações da questão social acima mencionadas.
As mulheres28 beneficiárias do PBF participam do Programa desde o seu
surgimento. Somente uma entre as entrevistadas, disse que recebe o benefício há uns
quatro ou cinco anos. Com base na quantidade de tempo em que as mesmas tornam-se
beneficiárias, uma das perguntas iniciais da entrevista refere-se exatamente à questão do
objetivo do Programa, pois o intuito maior é saber se as mulheres que frequentam o
grupo de família conhecem o PBF. Eis a compreensão delas sobre os objetivos:
Pra mim ele surgiu para ajudar as pessoas que tem mais necessidade.
(VIOLETA, 43 anos, 3 filhos, grifos nossos).
Ele veio pra ajudar a gente né? E como ajuda! Eu que diga, estou com
dois anos separada, ainda tô conseguindo [sobreviver] por causa dele,
porque eu deixei de trabalhar. Por causa disso ai [PBF], porque eu não posso
deixar meus filhos só, porque onde eu moro é muito perigoso mesmo, é
muito perigoso mesmo. Pra mim é muito importante mesmo porque ajuda
na alimentação, ainda pago água, energia, é a segurança.
(MARGARIDA, 39 anos, 4 filhos, grifos nossos).
Pra ajudar aquelas pessoa humilde né? Na pobreza, que vive na pobreza.
(FLOR DE LIZ, 37 anos, 4 filhos, grifos nossos).
Ou seja, elas encontram no PBF uma forma de “ajuda” para suprir as
necessidades do seu lar e de sua família, embora não seja suficiente para suprir todas as
necessidades da família. Outro ponto relevante que merece destaque por meio das
narrativas é a concepção do acesso ao Programa como uma ajuda não como um direito
social, ou seja, o fetiche da ajuda contrapondo-se à noção de direitos.
No que se refere à compreensão das beneficiárias sobre as pessoas que têm
direito de participar do Programa, pontua-se não apenas um fator, mas vários. Dentre
eles, o que gera consenso é o de que o benefício deve ser destinado às pessoas que estão
28
Buscando assegurar a não identificação dessas mulheres, associa-se o nome de cada uma a nomes de
flores, sendo elas identificadas por: Violeta, 43 anos, 3 filhos; Margarida, 39 anos, 4 filhos e Rosa, 33
anos, 4 filhos. Angélica, 40 anos, 3 filhos. Flor de Liz, 37 anos, 4 filhos. Dália, 38 anos, 5 filhos.
82
em situação de extrema pobreza, fator este subentendido quando elas falam em baixa
renda, pessoas carentes e baixa pobreza. Ao mesmo tempo em que elas identificam as
pessoas que devem ser beneficiárias, surge uma crítica que está expressa no relato de
Margarida, em que às vezes o benefício é destinado para algumas pessoas que não
precisam. Já Rosa destaca a necessidade de o benefício ser destinado às pessoas que
não tem marido e que têm muitos filhos, pois estas necessitam de meios para suprir as
necessidades do lar e da família. Seguem abaixo as declarações das mulheres, sobre as
pessoas que devem ser beneficiadas pelo Programa,
As pessoas que tem mais baixa renda no caso. (VIOLETA, 43 anos, 3 filhos,
grifos nossos).
Pra mim é as pessoas carentes mesmo, as que precisam, infelizmente vem
pra muita gente que nem precisa, mas é para os mais carentes mesmo.
(MARGARIDA, 39 anos, 4 filhos, grifos nossos).
Eu acho que só aquelas pessoas que precisam mesmo né? Que vive em baixa
pobreza. Tem uns que não tem marido, tem muitos filhos e o marido foi
embora e deixou só aquela pessoa pra assumir toda a casa. Já é uma ajuda do
governo. (ROSA, 33 anos, 4 filhos, grifos nossos).
Eu creio que sou uma porque viver só com um salário não dá, não dá,
porque fica muito puxado, pagar água, luz, fazer feira, vestir, num dá
não Fazia cinco anos que o meu marido ajuntava latinha. Tinha dia que não
tinha o que comer. Hoje em dia mudo. Quando eu recebo o Bolsa Família
chega eu me emo... emociono. Quando eu via meus filhos olhando pros outro
com vontade de comer uma recheado e eu não tinha como comprar. E hoje
em dia quando eu recebo o meu marido vai fazer a feira compra ai eu fico
feliz. Já compro algo assim para dentro de casa e pago com o Bolsa Família e
tudo isso é maravilhas. É conquista. (FLOR DE LIZ, 37 anos, 4 filhos, grifos
nossos).
Acho que as família de baixa renda, as que não tem renda né? Eu penso
assim. Que não tenha uma renda que possa garantir o sustento da
família. Eu penso assim. Como eu né? Porque eu só tenho essa renda do
Bolsa Família e algum bico que meu esposo faz. (DÁLIA, 38 anos, 5 filhos,
grifos nossos).
Nas falas das mulheres percebe-se que a maior preocupação está na inclusão
das pessoas extremamente pobres no PBF, pois no decorrer das entrevistas elas criticam
muito as pessoas que tem melhores condições de vida e recebem o beneficio. Percebe-se
certa indignação em várias falas, visto que na rua e no bairro em que elas moram tem
pessoas que necessitam mais. E aí surgem várias perguntas: Como é feita a fiscalização
do Programa? Como são selecionados os seus beneficiários? E se a assistência social é
tida como um dever do Estado e direito de todos que dela necessitarem por que existem
83
pessoas que ainda são excluídas do acesso aos programas, projetos e serviços ofertados
pelo governo?
Quando ouvem-se esses relatos e quando buscam-se explicações plausíveis
para justificá-los, percebe-se que a política em si tem falhas e estas só poderão ser
corrigidas quando o Estado passar a investir mais em política sociais, quando aumentar
os gastos sociais no que se refere a investimentos materiais e humanos para o
desenvolvimento de suas ações.
Faz-se necessário pensar em meios que universalizem o acesso da política
de assistência social, que, ao invés de atender a todos que dela necessitam, acaba
fazendo uma seleção dos que mais precisam, dentre os mais vulnerabilizados que se
apresentam na rede socioassistencial. A falha da Política ao ser apontada pelas
mulheres, também impulsiona a pensar novos modos de inserção da família nos
programas de transferência de renda, pois no momento do cadastro os dados repassados
pelas famílias são declaratórios e para confirmá-los, é necessário maior número de
profissionais atuando em campo e principalmente, é necessária uma fiscalização mais
intensa para que possa identificar a situação em que vivem as famílias.
Os beneficiários são selecionados com base na renda, a fiscalização é feita
por meio de auditorias do MDS, assim como envolve o responsável pela unidade
familiar e os agentes públicos até a Rede Pública de Fiscalização, mas é necessária uma
equipe técnica maior, que possa dar conta de toda a territorialidade, pois sabe-se que o
número de técnicos responsáveis pelo acompanhamento, gestão e fiscalização do
Programa é bem reduzido. Necessita-se de mais profissionais para que o atendimento
seja realizado de forma mais satisfatória.
O reduzido número de técnicos é resultante da própria lógica capitalista, que
acaba delegando diversas tarefas a uma única pessoa, o que deixa o sistema moroso e
não permite que o atendimento aos usuários seja realizado de forma eficiente e eficaz,
por que o sistema visa uma intervenção emergencial capaz de dar respostas e resultados
mesmo que parciais naquele exato momento.
A política social brasileira tem caráter seletista, focalista e emergencial. Para
que ela se torne uma política universal, necessita estar articulada a outras políticas, pois
ela sozinha não é capaz de resolver a situação da população mais vulnerável; ela precisa
fazer uma articulação com as políticas estruturais, específicas e locais. De acordo com
Wanderley (2008) a primeira interfere diretamente na questão da renda, na redução das
84
desigualdades e na universalização dos direitos sociais; a segunda destina-se a promover
a segurança alimentar das famílias visando combater a fome da população carente; a
terceira refere-se exatamente ao desenvolvimento de ações realizadas em parceria com a
sociedade civil.
A relação entre as três políticas acima mencionadas precisam ser
concretizadas, pois caso não sejam as ações da atual forma de executar a política de
assistência social estão fadadas a continuar no plano do assistencialismo. As pessoas
tendem a permanecer com a ideia de que a política está para socorrer os pobres, e por
meio desse pensamento o direito social não se politiza ficando eternamente no plano da
“ajuda”.
Quanto ao Responsável Familiar – RF pelo PBF, as mulheres logo se
identificam como tais, pois a questão levantada por uma delas se refere à temática da
relação de gênero, já que em suas falas destacam o controle do dinheiro e do que se
coloca em casa pelo companheiro. Para as mulheres, ser responsável pelo recebimento
do benefício e pela titulação do cartão lhes dá poder de decisão e de compra, pois são
elas que recebem o benefício e que sabem o que os filhos e o lar necessitam. Margarida
justifica a questão da mulher ser RF pelo PBF, quando em sua fala afirma enfaticamente
que a mãe deve ser a responsável, pois segundo ela,
As coisas é pra ele, o que ele bota ali e mais nada... Tem uns que são bom, o
meu não foi muito bom não, mas pra ele lá... Já serve mais pra mim porque
ele não é daquele homem de dar calçado, dá essas coisas, então foi um modo
de eu ter e pra dar a meus filhos também era um complemento pra mim.
(MARGARIDA, 39 anos, 4 filhos).
As mulheres preocupam-se muito no que se refere aos cuidados com os
filhos, tendo em vista que a área por elas habitada em alguns momentos sofre com a
questão da violência, criminalidade e drogadição. Os homens quando fazem parte de
algum arranjo familiar cabe à responsabilidade com o “grosso”, ou seja, de acordo com
as mulheres eles se preocupam com o essencial que é colocar o arroz e o feijão. É com
esse tipo de atitude que as mulheres por meio do beneficio iniciam a aquisição de outras
coisas para o lar, para si e para as famílias.
A vontade de adquirir algo resulta não apenas da fonte de renda, que é o
PBF, mas principalmente da vontade de poder melhorar suas condições de vida, já que
durante muito tempo suas vidas foram destituídas de benfeitorias, como ter acesso ao
mercado capitalista e comprar roupas, fazer o cabelo, as unhas ou até mesmo comprar
85
alguns alimentos como chocolate, sorvete entres outros, tidos como “supérfluos” até
então. E a oportunidade de poder consumir, as insere no mercado consumidor, isso
consequentemente faz com que a economia local movimente-se.
A centralização do Programa na figura da mulher, segundo as entrevistadas,
refere-se à questão da boa administração e da responsabilidade das mulheres quando
recebem o benefício, pois são elas quem se preocupam em atender às necessidades de
sua família. Ressalta-se a ideia de que elas devem ser responsáveis pelo benefício e por
combater a pobreza que afeta sua família. Outro ponto tocado pelas mulheres refere-se à
questão da autonomia, embora tal conquista seja parcial, elas acreditam que sendo
responsáveis pelo cartão, não precisam depender totalmente dos cônjuges. Margarida e
Dália ratifica o pensamento quando dizem que,
As mulheres sabe administrar mais, porque tem muitos homens bruto
que ainda tem aquela coisa assim que... gosta que fique dependente dele
a gente não tem aquela liberdade para ter alguma coisa, ele segura e num dão.
(MARGARIDA, 39 anos, 4 filhos, grifos nossos).
Eu acho muito bom. Melhor que o homem. A mulher quando ela pega
nesse dinheiro já pensa no que fazer compra leite pras criança, lápis, já o
homem não. Não pensa como a mulher, pra mulher os filhos é mais
importante. (DÁLIA, 38 anos, 5 filhos, grifos nossos).
Percebe-se, nas falas das mulheres, que o Programa, além de lhes dar “certa
autonomia” no âmbito familiar e econômico, ajuda na movimentação do comércio local,
pois os donos das mercearias passam a vender para elas a prazo, pois sabem que as
mesmas terão o dinheiro para pagar a conta todos os meses. Elas se sentem livres para
administrar e destinar o dinheiro para suprir principalmente as necessidades dos filhos.
É sabido que o Programa têm condicionalidades que devem ser cumpridas
por ambas as partes, tanto pelo governo, quanto pelas famílias. Quando a pesquisadora
pergunta sobre as condicionalidades e sua relevância, todas concordam que elas são
importantes para assegurar e conhecer os direitos. Quanto às dificuldades em cumprilas, elas relatam que fazem o possível para não perder as reuniões no CRAS, para
estarem presentes no dia e na hora marcados para a verificação do peso das crianças,
uma das condicionalidades da área da saúde. A área também exige que o calendário de
vacina das crianças seja cumprido. Ou seja, é mediante o cumprimento das
condicionalidades que o Programa visa concretizar os direitos dos cidadãos aos serviços
de saúde, educação e assistência social.
86
As
maiores
dificuldades
das
mulheres
para
cumprir
com
as
condicionalidades referem-se à área da saúde, pois antes era bem mais difícil cumprilas, visto que elas tinham que sair de casa na madrugada para enfrentar filas no Posto de
Saúde, com o intuito de conseguir uma ficha para serem atendidas. Hoje, com a
intervenção das agentes de saúde, as coisas mudaram, pois as profissionais visitam as
residências de cada família e comunicam o dia e a hora em que as mesmas devem
comparecer ao Posto com seus filhos, visando que estas não percam o dia estabelecido
para o seu atendimento.
Quanto às vantagens e dificuldades do PBF, compreende-se em seus relatos
que o Programa é visto conforme fora mencionado anteriormente, como uma grande
“ajuda”, pois é por meio do benefício que elas garantem o custeio dos gastos e a
sustentação de suas famílias. Em contrapartida, quando se fala das dificuldades, elas
ressaltam a questão das sanções do Programa, visto que há uma dificuldade maior para a
resolução do problema. Conforme elas falaram, o empecilho refere-se às questões
burocráticas pelas quais é necessário passar para que o caso seja solucionado. Para
melhor compreensão seguem abaixo os relatos das mulheres,
Vantagem: As vantagem pra mim eu acho assim... uma vantagem porque
eu posso pagar uma coisa que eu compro, pra mim, minhas necessidades.
Pago uma água, um gás... pago alguma coisa pra eles [filhos] mesmo pro
colégio... eu acho bom. Dificuldades: Dificuldade quando acontece um
problema, quando tira a gente do Programa. Pra gente ajeitar de novo é a
maior burocracia, digo isso, porque já aconteceu comigo. O meu já foi
bloqueado, ai eu vim para ajeitar disseram que tinha ajeitado e nada deu
receber. Ai depois foi que eu fiz de novo que a assistente social olhou aí sim,
ajeitaram. (VIOLETA, 43 anos, 3 filhos, grifos nossos).
Vantagem: Pra mim é muitas né? Principalmente porque é uma forma de
sobrevivência pra mim e pros meus filhos. Eu passei seis meses
trabalhando, pra mim isso aí [benefício] é a minha maior ajuda, é a renda que
eu posso viver. Dificuldades: pra mim eu não vejo nenhum não, porque ele
tá pedindo uma coisa certa que às vezes as pessoas fica reclamando muito,
mas ta certo, porque eu nunca vi uma coisas para num ser na moleza não, tá
certo, é tão pouco que pede: um peso, fazer um cadastramento, uma reunião,
vim coisas aqui... uma coisa assim tão pouco. (MARGARIDA, 39 anos, 4
filhos, grifos nossos).
Vantagem: Pra mim foi uma ótima! Meu marido não é um bom dono de casa,
só bota o grosseiro mesmo. E o Bolsa Família vei pra ajudar muito,
porque é com esse dinheiro que eu compro os cadernos pros meninos,
compro chinela, mando cortar os cabelo, compro umas roupinha pro
final do ano. Dificuldade: É quando bloqueia o cartão e num avisa, porque
sempre a gente tem que comprar umas coisinha fiado no botequim para pagar
com esse dinheiro, a gente tem que chegar para aquela pessoa e dizer que não
tem, então já é um mês que a pessoa espera a gente receber aquele dinheiro e
87
a pessoa vai atrás de ajeitar, mas nem sabe se vai receber no outro mês.
(ROSA, 33 anos, 4 filhos, grifos nossos).
As vantagens relatadas são muitas, pois o Programa deixa de ser
compreendido apenas como uma ajuda do governo, mas como uma oportunidade de
adentrar no mundo consumidor, permitindo a sobrevivência da família como um todo e,
ainda, movimenta a economia local. Quanto às dificuldades, as reclamações referem-se
mais à questão dos descumprimentos das condicionalidades, que levam a sanções. Essa
burocracia que tanto as beneficiárias reclamam é resultado dos parcos investimentos em
recursos humanos e também da falta de conhecimento sobre seus direitos e deveres. As
famílias, muitas vezes, não tem um grau de escolaridade que lhes permita maior
compreensão dos critérios do Programa, além disso, tem os impasses da realidade do
bairro, que às vezes as impossibilitam de frequentar o CRAS, a escola ou o posto de
saúde.
Os impasses aqui referidos estão relacionados à precária infraestrutura das
ruas do bairro, que impossibilita o descolamento de algumas famílias que moram à
margem do rio, principalmente em épocas de chuva, ou a falta de recurso para se
locomover no transporte coletivo urbano. Outro fator refere-se à questão da
criminalidade, que está associada ao tráfico de drogas. Menciona-se também a falta de
conhecimento sobre o Programa e o Cadastro Único, pois as famílias desconhecem que
podem além do PBF participar de outros projetos, programas e serviços ofertados, tais
como: PRONATEC, isenção de concurso, CNH Popular, dentre outros.
Quanto à compreensão do que é ser pobre, no momento em que a
pesquisadora indaga, as beneficiárias param para refletir sobre a pergunta. Algumas não
se identificam como pobres, apenas uma assume sua condição de pobreza. Embora elas
não se reconheçam como pobres, admitem que em alguns momentos passam por
dificuldades. As respostas obtidas foram:
Não eu acho assim, que pobre, pobre, pobre... pobre são aquelas pessoas
que não tem onde morar que moram na rua, pra mim são esses tipos de
pessoas né? (VIOLETA, 43 anos, 3 filhos, grifos nossos).
Ser pobre é mais para aquelas pessoas que às vezes passa na televisão,
que não tem o que botar no fogo e que não tem um pedaço de pão coisa
assim. Eu acho que são essas pessoas assim, que é pobre, que tem
dificuldade. Eu pelo menos aqui, acolá passo por uma dificuldade, porque lá
em casa é só um salário para pagar tudo, água, luz, gás, fazer compra só dá
uma rodada. (ROSA, 33 anos, 4 filhos, grifos nossos).
88
Pra mim não é uma coisa muito boa não, pobre tá dizendo que a gente
não tem dinheiro, não tem as coisa pra... acho muito bom não. (DÁLIA,
38 anos, 5 filhos, grifos nossos).
Ser pobre? É o que eu passei com... [choro] fome, muita fome. Dava água
com açúcar pros meu filho e hoje em dia mudou. Muito ruim, muito
ruim ser pobre. A gente não ter algo né? Querer e não ter. (FLOR DE
LIZ, 37 anos, 4 filhos, grifos nossos).
As beneficiárias expõem o que pensam e o que sentem percebe-se que há
uma contradição em suas falas, pois essas mulheres apesar de serem beneficiárias do
PBF que visa beneficiar famílias pobres e extremamente pobres não se reconhecem
como pobres, pois a pobreza, para elas é refletida na falta de moradia e de acesso à
alimentação, o que leva ao entendimento que o Programa é para atender apenas e tão
somente as pessoas extremamente pobres, para que elas possam atingir um patamar
mais elevado que lhes dê condições de ter uma moradia e alimentação.
É sabido que o PBF surge para retirar milhões de brasileiros e brasileiras da
condição de pobreza e de extrema pobreza. Quando a pesquisadora indaga sobre a
situação de pobreza das famílias das beneficiárias, elas são enfáticas em dizer que sua
família saiu da condição de pobreza, embora no momento anterior elas não se
reconheçam como pobres. As falas de cada mulher são interessantes porque elas
destacam a questão da segurança, da confiança e de continuação no sentido de assegurar
a alimentação, o vestuário, o material escolar, o pagamento de água, luz, gás enfim é a
garantia que elas têm todos os meses de assegurar os mínimos necessários à
sobrevivência de sua família e à satisfação de suas necessidades pessoais. Dália é a
única que declara que sua família ainda se encontra na linha de extrema pobreza.
Seguem abaixo as falas das mulheres,
Mudou porque assim, serve muito, para tudo, pelo menos porque agora eu
precisava comprar um óculos para mim, se não fosse o Bolsa Família? Eu
não tinha como comprar, porque eu ia pagar com o dinheiro de quem? Eu não
ia poder comprar porque não ia confiar no dinheiro de um ou de outro, e o
Bolsa Família não... já é uma segurança. (VIOLETA, 43 anos, 3 filhos,
grifos nossos).
Melhorou e muito, é tipo assim, é um dinheiro que vem que a gente tem
certeza que pode contar. Eu tenho vontade de fazer, de ajeitar alguma coisa,
pagar água, energia né? Se não tivesse esse dinheirim como é que ia tá
pagando água e energia, sem tá trabalhando? É uma garantia muito
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grande. Eu, pra mim, acho muito importante. (MARGARIDA, 39 anos, 4
filhos, grifos nossos).
Saiu. Assim porque hoje em dia eu pego meu dinheiro, vou ali no mercantil
já compro um pedaço de carne, uma fruta pros menino comer, uma bolacha,
um pão. Ai quando eu recebo já pago pra continuar comprando. Coisa que ele
[esposo] não podia dar como eu já falei eu já posso botar. (ROSA, 33 anos, 4
filhos).
Saiu. Melhorou muito, por causa desse Bolsa Família. Todo mês eu já conto
com aquele dinheirinho certo pra pagar alguma coisa. Tem a pensão do meu
filho que já dá pra pagar o aluguel né? Mas aquele dinheirim já dá pra
comprar outras coisas pra o meu filho. (ANGÉLICA, 40 anos, 3 filhos, grifos
nossos).
Saiu. Por causa do Bolsa Família e do emprego do meu marido. (FLOR DE
LIZ, 37 anos, 4 filhos, grifos nossos).
Não, apesar de tá ganhando na extrema pobreza, é $166,00, mas ainda
continua na pobreza. Quando arranjar um emprego, ter um salário ai vai
melhorar. E é difícil, ainda mais da minha parte que tenho esse menino que é
muito bebê e ele [esposo] já tem mais de 60 ano. Ai fica mais difícil.
(DÁLIA, 38 anos, 5 filhos, grifos nossos).
A partir do momento em que elas têm a segurança de garantir o pagamento
da água, da luz, de comprar alimentação ou alguma outra necessidade, as mulheres
consideram-se fora da linha da pobreza, pois ser pobre está relacionado à falta de
recursos que sejam capazes de atender a tais necessidades. Percebe-se que as mudanças
são pontuais, mas, mesmo assim, as mulheres acreditam que suas famílias conseguiram
sair da condição de pobreza. São estas mudanças que as fazem pensar que conquistaram
autonomia, já que são elas que sabem para onde e para que destinar o dinheiro.
Sabe-se que a mulher é a RF pelo PBF, o que se reflete na centralização do
Programa na figura feminina. Este foco está associado à questão de que a mulher é vista
como uma aliada no combate à pobreza. Para as beneficiárias, as mulheres ajudam a
minimizar a pobreza quando, além de receberem o benefício, as mesmas se dispõem a
trabalhar para complementar a renda familiar, quando administram bem os recursos
advindos do benefício e quando investem na alimentação de sua família, pois de acordo
com as mulheres,
A necessidade é a do alimento você não consegui ficar sem o almoço, você
não consegui amanhecer o dia sem a primeira coisa que é levantar e
butar sua chaleira de café no fogo, ter aquele dinheiro pra comprar o
pão. No dia que você amanhece sem aquilo você já se preocupa. (ROSA,
33 anos, 4 filhos, grifos nossos).
90
Porque a mulher ajeita tudo dentro de casa, ajeita direitinho. E o homem
não, o homem não conta pra nada. A mulher é tudo, é chefe, é tudo,
mulher é tudo. Porque ela pega daquele dinheiro vai ajeitando aquelas
coisinhas, colocando tudo no eixo ali...ai eu vou pra frente por causa disso ai.
(ANGÉLICA, 40 anos, 3 filhos, grifos nossos).
Eu acho muito bom, é bom. Melhor que o homem. Eu acho, que o dinheiro
na mão do homem... a mulher quando ela pega nesse dinheiro já pensa no
que fazer compra leite pras criança, lápis, já o homem não. Não pensa
como a mulher, pra mulher os filhos é mais importante. (DÁLIA, 38 anos,
5 filhos, grifos nossos).
A família, independentemente do arranjo familiar que a compõe, ainda é um
espaço de sobrevivência e de proteção. A mulher assume, nesse contexto, o papel de
chefe de família que mais se destaca entre os componentes familiares, pois ela adquire o
papel de mãe, de mulher, de provedora do lar, de protetora, enfim, a mulher assume
múltiplas funções em busca de melhorar as condições de vida da sua família, fazendo-a
sair da condição de vulnerabilidade social em que se encontra.
Para elas, as mulheres devem sim, ser as responsáveis familiares pelo PBF,
pois mais uma vez elas ressaltam a questão da responsabilidade, da independência
feminina e do controle da mulher na gestão dos recursos. De acordo com a resposta de
Rosa e Dália, percebe-se o quanto é relevante para elas à centralização do Programa.
Com toda certeza. Porque eu acho que a mulher é mais, sabe mais controlar
o dinheiro. Porque tem homem que pega pra beber, tem homem que pega e
num aparece nem em casa. Ai se for o homem que tiver o benefício, eu tiro
pelo meu marido se fosse ele que recebesse o Bolsa Família, eu num via nem
o azul do dinheiro dele, porque é a mesma coisa que eu não vejo o do salário,
eu vejo do salário em coisas grosseiras. Às vezes você tá com vontade de
comer um picolé, ai você num tem nem um real no bolso. (ROSA, 33 anos, 4
filhos, grifos nossos).
Na minha opinião deve. Porque a mulher é mais... pensa mais do que o
homem. Assim ... eu digo assim porque pegar o dinheiro saber o que vai fazer
com ele, comprar as coisa pros filho. O homem eu penso que ele não tem
esse pensamento como o da mulher. (DÁLIA, 38 anos, 5 filhos.).
As mulheres aqui encontradas são mães, avós, esposas e chefes de família,
elas passam a construir um novo cenário, que é a mulher como responsável familiar. Daí
surge à questão da centralização da figura feminina no combate à pobreza, pois são elas
as que frequentam e acessam, na maioria das vezes, as ações propostas e executadas
pela política de assistência social, de saúde e de educação. E essa responsabilidade que
recai sobre a mulher não é algo dos dias atuais; vem desde os primórdios quando é
incumbido à mulher o papel de dona-de-casa, aquela que deve cuidar sempre da família,
91
que deve estar atenta às suas dificuldades, que deve ser boa mãe, boa companheira, são
traços ligados especificamente à relação de gênero, em que os papeis dos homens e das
mulheres estão divididos em obrigações que cada um deve cumprir no âmbito familiar.
No tocante à matricialidade sociofamiliar percebe-se que ela é essencial para
que a política possa intervir na realidade do bairro, pois muitas famílias que ali residem
sofrem com algum tipo de vulnerabilidade social, que necessitam consequentemente de
uma orientação técnica para que possa vir a superar e a fortalecer a relação dos vínculos
familiares que não se encontram rompidos, mas apenas fragilizados diante de tantas
expressões da questão social que atinge a realidade do bairro Granja Portugal.
Inicialmente nenhum familiar das beneficiárias relata que discorda sobre a
centralização do Programa na figura feminina, até mesmo porque são as mulheres que
se fazem presentes nas reuniões escolares, nos encontros do grupo de família do CRAS
e no próprio posto de saúde. Mas, com o passar do tempo, a questão de gênero entra em
cena; os homens sentem-se incomodados com as atitudes de suas companheiras que
passam a tomar as decisões no âmbito familiar e pessoal. Com isso revela-se o outro
“lado da moeda”, visto que o controle e o poder masculino estão sendo ameaçados pelas
ações das mulheres. Elas relatam que o impacto do Programa na relação familiar.
Ele [marido] dizia assim: dizia que eu ficava muito besta. Isso num é
toda vida não, num é toda vida não. Eu nunca dependi das coisas dele. Por
pouco assim minha casa só tinha um quartozim não tinha instalação de água,
nem de energia, de água era numa torneira lá fora e foi justamente por causa
desse Bolsa Família que eu consegui colocar minha água lá pra dentro,
porque eu lavava roupa no chão, fazia as coisas no chão lá de casa. Sabe eu
não tinha uma pia, eu não tinha nada! Eu fazia isso ai [encanar água, comprar
pia], porque ele não fazia. Ora se eu lavava roupa, se ele num fazia e aos
poucos eu fui fazendo encanei água lá pra dentro, a piazinha, porque não
tinha e tudo isso ele brigava, porque não fazia nem queria que eu fizesse,
eu ficava só penando, o Bolsa Família me ajudou muito nisso também.
Ele dizia que eu tomava a frente dele. Passei muitos anos de barro no chão,
de areia e ele nada, ai a primeira coisa que fiz foi a minha areazinha, para eu
me sentar e fazer minhas peças. Minha casa só tem dois compartimentos, três
com o banheiro, ai foi passou-se, passou-se, foi que eu consegui fazer
cimento grosso mesmo, por causa do Bolsa Família. Ele nunca teve futuro,
porque ele trabalhava, mas o dinheiro dele só dava pro grosso mesmo, o
que eu fizesse ele achava ruim. (MARGARIDA, 39 anos, 4 filhos, grifos
nossos).
O homem lá em casa esses dias pra cá ele, nem sabia quando eu tirava meu
dinheiro. Agora teve um dia desses que ele disse até que ia mandar bloquear
meu cartão porque o meu cartão era pra mim fazer relaxamento na minha
cabeça, era pra mim pagar as unha, sabe? Eu fiz, eu faço minhas unhas, os
meu cabelo, mas não é com o meu Bolsa Família, porque eu cuido de um
meninozim lá perto lá de casa, a mulher me dá vinte, me dá cinquenta se não
92
fosse esse dinheiro... Eu já vou incluindo faço minha unha, meus cabelo, eu
num faço direto, é que nem às vezes eu digo: tenho pena de tirar sessenta
real para fazer meu cabelo. É tanto que eu já não tiro do Bolsa Família,
porque eu sei que é dos menino. E mesmo que eu tirasse do Bolsa Família
não era mal nenhum, porque eu tiro, quando eu recebo olho que é que os
menino tá faltando, caderno, lápis, chinela essas coisas, eu já passo no
mercantil e já vou providenciar. Já trago tudo que falta pra eles. Aquele
espertim que tu viu agora na reunião, ele pediu uma bicicleta sabe? Ai eu
digo a ele: meu fi eu vou comprar porque eu já comprei a roupinha pra eles
vestir final do ano, as coisinhas, porque vai chegando, as coisas fica mais
cara, ai eu já comprei fiado. Ai eu digo a ele: comprei fiado para pagar com o
Bolsa Família, todo mês tenho que dar vinte reais a mulher. Ai eu vou
cumprir sempre as necessidade dele, alguma coisas pra mim. (ROSA, 33
anos, 4 filhos, grifos nossos).
Nos relatos acima percebem-se duas realidades distintas: uma em que a
beneficiária preocupa-se em melhorar a estética da casa para lhe dar mais conforto, para
desenvolver as atividades do lar, e também para que possa trabalhar, e a outra que
buscar mudar um pouco o visual, comprando roupas, ajeitando os cabelos, as unhas.
Enfim, são essas atitudes que muitas pessoas criticam, ao ver a beneficiária destinando o
dinheiro para outras finalidades que não seja a de comprar alimentação e material
escolar para as crianças e os adolescentes. A crítica feita ao Programa recai muito nessa
questão, porque o mesmo tem como objetivo minimizar a pobreza que afeta as famílias,
mas, assim como as outras pessoas elas também querem melhorar a estrutura de suas
casas, querem melhorar seu visual utilizando o dinheiro proveniente do recebimento do
benefício ou proveniente dos “bicos”.
Continuando a discussão sobre o benefício, precisa-se investigar mais sobre
essa autonomia. Será que o recurso emancipa a mulher? Ela sai do seu papel tradicional
que é ser mulher-mãe e passa a ocupar o papel de mulher-cidadã? São essas e outras
questões que precisam ser discutidas e observadas após a inserção da mulher no
Programa. Faz-se necessário compreender não apenas a visão das mulheres sobre o
PBF, mas também os impactos do Programa em sua vida e na vida dos membros de sua
família.
O valor destinado mensalmente para as famílias não é suficiente para suprir
todas as suas necessidades, até mesmo porque essas famílias são numerosas, a mãe
assume o papel de protetora e provedora do lar, muitas vezes está impossibilitada de
buscar trabalho, pois não tem com quem, nem onde deixar os filhos. Enfim, depois de
escutar que o benefício não é suficiente, a pesquisadora pergunta sobre o destino dado
ao mesmo. Essa pergunta surge com o intuito de compreender como as mulheres gastam
93
o dinheiro e também com o objetivo de saber quais os ganhos materiais e imateriais
obtidos após a inserção no Programa.
Não, quando eu recebo, eu pago o que eu to devendo. Eu utilizo mais para
pagar água, luz, comprar coisas pra dentro de casa, né? Os gastos.
[ganhos materiais e imateriais] Não como eu já falei porque eu queria
comprar meu óculos se não fosse o Bolsa Família eu ainda tava pelejando
porque eu não tenho mais ganho fixo né? Para comprar um gás eu ter aquele
dinheiro para comprar ali se não faltou já guardo porque eu sei que vai faltar
né? Serve como reserva. (VIOLETA, 43 anos, 3 filhos, grifos nossos).
Fora pagar água, luz, comida eu num tiro pra nada eu num compro nem
um bombom fiado. O povo diz: você é muito segura! Eu vou comprar pra
que? Pra quando chegar o final do mês num ter? Eu num gosto de comprar a
galego [pessoas que passam oferecendo mercadoria de porta em porta],
porque eu tenho medo, porque esse dinheiro eu pago minha água e
minha luz, comprar uma coisa assim. [ganhos materiais e imateriais] De
ter colocado água lá pra dentro,ter comprado a pia para eu poder lavar
minhas roupas, isso tudo pra mim foi uma conquista muito grande. Eu
num tinha uma mesa ai passou um galego era 20,00 por mês comprei ainda
tenho a mesa até hoje. (MARGARIDA, 39 anos, 4 filhos, grifos nossos).
Alimentação, material escolar, necessidade. [ganhos materiais e imateriais]
Desse Bolsa Família a única coisa que comprei foi um armário que eu
tirei na loja, todo mês eu pagava com o Bolsa Família. Assim, depende
porque meu marido é má pessoa acha que a gente precisa só do feijão e do
arroz. Ele não acha que a gente precisa da fruta, da carne, ele só quer dar
praquele grosseiro. Eu que compro as fruta, ajeito as coisa. (ROSA, 33 anos,
4 filhos, grifos nossos).
É sim, eu faço a feira, compro roupa pros meus filho, compro caderno,
lápis e pago a prestação de óculos para a minha filha essas coisa. Eu tiro
uma arte para cada um, pra eles ficar feliz. (FLOR DE LIZ, 37 anos, 4 filhos,
grifos nossos).
Eu utilizo pra muita coisa. Pra comprar o que falta na escola, lápis,
caderno, até o aluguel estou pagando com esse dinheiro se chega a faltar...
Porque num tem outro trabalho. Não, não é ainda falta muito ainda né?
Porque os filho pequeno precisa tomar leite num é, num dá. (DÁLIA, 38
anos, 5 filhos, grifos nossos).
Constata-se que o recurso garante o pagamento de contas essenciais como
água, luz e mercantil, mas é necessário que essas mulheres busquem outras formas de
ganhos para complementar a renda e, como não podem sair diariamente para trabalhar
em outros locais, pois não tem com quem e nem onde deixar os filhos, procuram fazer
“bicos” para então complementar a renda familiar.
Os relatos acima mostram que, enquanto as necessidades das pessoas
crescem – e não dizem respeito apenas à alimentação, mas também à educação, à saúde
94
à moradia, ao lazer e até à vaidade – os recursos públicos destinados à provisão de tais
necessidades diminuem, não sendo suficientes para atendê-las.
Os limites da política de assistência social, assim como de outras políticas
públicas, são estabelecidos pela conjuntura de crise e restauração do capital, na qual a
política social está subordinada à política econômica, assim como os direitos sociais
estão subordinados à lógica orçamentária.
Os recursos financeiros destinados à política de assistência social, com base
nos dados do Ministério do Planejamento (2012), ficam em torno de 2,6 trilhões de
reais, o que se conclui que uma parte ínfima do orçamento público é destinada para os
gastos sociais. Do referido valor, apenas três por cento é destinado ao Programa Bolsa
Família.
Verifica-se que a implementação da política social no Brasil coincide com
um momento de consolidação do projeto neoliberal. É aqui que a política econômica
colide com a social, pois uma quer a consolidação dos direitos sociais, enquanto a outra
quer consolidar os interesses do capital, tornando o que é de fato um direito em
mercadoria, o que imbrica na transformação do cidadão em consumidor. Este fato
impede o reconhecimento e a efetivação da política de assistência social como uma
política pública, que deve atender às necessidades de todos que dela precisarem.
Nesse momento percebe-se o quanto as áreas periféricas são esquecidas
pelas autoridades, pois se faz necessário investir em creches, escolas para que as mães e
os demais familiares possam buscar outra fonte de renda que não seja apenas o
Programa, pois para que as famílias saiam da condição de pobreza é preciso investir na
qualificação profissional, é preciso ofertar mais emprego e também equipamentos para
que elas possam ir trabalhar e ter um local seguro onde possam deixar seus filhos.
Quanto à questão das decisões tomadas no âmbito familiar, todas as
mulheres relatam que são elas quem tomam tais decisões. Ao afirmarem isso, a
pesquisadora pergunta se elas se reconhecem como sujeitos que detém autonomia, ou
seja, se elas se acham livres para gastar o dinheiro como acham necessário. Elas
disseram que sim, pois são elas quem tomam as decisões em suas casas, como uma
delas menciona, “é eu a cabeça de tudo”, Rosa (33 anos, 4 filhos, grifos nossos). É mais
enfática ao dizer: “Com toda certeza, sim. Porque é assim, eu sou a responsável pelo
dinheiro, eu posso fazer com ele o que eu quiser.”.
95
Em muitos casos a autonomia adquirida é uma implicação da realidade em
que vive a beneficiária, pois elas não vivem com nenhum companheiro que lhes ajude.
Então a liberdade de tomar as decisões, de saber para onde e a que deve destinar o
dinheiro é uma responsabilidade das mulheres, que se veem sozinhas e necessitam
tomar decisões no âmbito familiar. As que vivem com seus cônjuges já compartilham
um pouco as responsabilidades, embora em alguns momentos elas também decidam as
coisas sem lhes consultar.
Quanto à relevância do Programa, todas compreendem como uma grande
ajuda, já que é por meio do recurso advindo do PBF, que elas estão assumindo as
responsabilidades de casa. Por meio das declarações, elas afirmam que não conseguem
nem imaginar suas vidas sem o benefício, a única coisa que conseguem expressar é que
“estaria tudo muito ruim”.
Divulga-se que as pessoas que recebem o benefício não querem mais
trabalhar. Ao serem questionadas sobre isso, todas as mulheres entrevistadas discordam
desse pensamento que emerge do senso comum. Elas dizem que o fato de receber o
benefício não as impede de procurar um trabalho, até mesmo porque o benefício não
atende todas as necessidades de sua família. Violeta diz que a pessoa que deixa de
trabalhar porque recebe o benefício não deve recebê-lo, pois essa pessoa não precisa e o
benefício deve ser destinado para outra que mais necessita. Já Margarida destaca a
questão de que o trabalho é um complemento, porque sem ele as condições de vida são
bem mais precárias. Rosa tem um pensamento mais radical, diz que é uma falta de
vergonha a pessoa deixar de trabalhar. A opinião de Rosa é a seguinte:
Eu acho que isso é uma falta de vergonha, porque a pessoa quer se manter
só com aquele dinheiro? Até porque não é suficiente, tem alguma pessoa que
recebe cem real, a menina que recebe só setenta real ia dar pra ela
sobreviver? Não ia! (ROSA, 33 anos, 4 filhos, grifos nossos).
Na fala de Rosa percebe-se a preocupação com aquelas pessoas que
recebem apenas setenta reais. Elas enfocam muito na questão a sobrevivência, tendo em
vista que o valor recebido não é suficiente para sobreviver. Quando se fala no assunto
de emprego, de qualificação profissional, elas relatam que pretendem adentrar no
mercado de trabalho; apenas Violeta não vê essa possibilidade, visto que a patologia que
lhe acomete a impossibilita de realizar algum tipo de atividade laborativa, ela não possui
mais a sensibilidade das mãos e nem dos pés. Nenhuma das seis mulheres participa ou
96
participou de alguma qualificação profissional e, quando a pesquisadora indaga sobre a
possibilidade de participar, elas são enfáticas em dizer que pretendem se qualificar: uma
para ser servente de pedreiro, outra para trabalhar como doceira, entre outras pretensões.
O curso de qualificação que mais interessa às mulheres é o de costureira; ao todo, cinco
delas demonstraram interesse por este trabalho.
As perspectivas em relação ao mercado de trabalho referem-se,
principalmente, à questão de trabalhar com carteira assinada, pois elas compreendem
que terão mais segurança quanto ao acesso aos direitos trabalhistas. A maioria dos
trabalhos desenvolvidos pelas mulheres são “bicos”, pois as mesmas não podem sair de
casa a semana toda e nem podem trabalhar o dia todo, visto que os filhos não podem
ficar em casa sozinho. Elas almejam conseguir algumas faxinas, já que este tipo de
trabalho não é diário.
Ao falarem no futuro dos filhos, as mães almejam o melhor. De acordo com
elas isso só é possível caso eles concluam os estudos e, posteriormente, façam cursos,
pois tendo uma qualificação profissional fica mais fácil adentrar no mercado de
trabalho. Rosa, em sua fala, diz que o PBF é uma porta de entrada para aqueles jovens
que querem fazer algum curso. Ela diz isso porque o Programa dá direito a todos
aqueles que estão inseridos no Cadastro Único participarem de outros programas,
projetos e serviços ofertados na rede pública, como é o caso do Programa Nacional de
Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – PRONATEC29, criado em 2011 pelo Governo
Federal, com o intuito de ampliar a oferta de cursos de educação profissional e
tecnológica. Segue abaixo o desejo das mães sobre o futuro de seus filhos.
O que eu espero dele é ele terminarem os estudos, fazer um curso, pra
arrumarem um emprego melhor né? (VIOLETA, 43 anos, 3 filhos, grifos
nossos).
Espero mulher que eles cresçam. Que queiram estudar porque é difícil um
adolescente, uma criança continuar estudando a partir de 10, 12 anos. Não
querem mais ir, eu quero muito que eles prossiga que seja alguém na vida
um dia. Que o meu esforço não seja em vão. (MARGARIDA, 39 anos, 4
filhos, grifos nossos).
Assim o Bolsa Família é uma porta pra aqueles, os jovens querer fazer
um curso já é uma ajuda, porque ter o cartão ele pode fazer um curso [ela
29
Para mais informações sobre o PRONATEC ver: http://pronatec.mec.gov.br.
97
se refere ao PRONATEC], entrar no grupo de trabalho né? Vão ter mais
facilidade. (ROSA, 33 anos, 4 filhos, grifos nossos).
Coisas que eu não tive terminar o estudo, quero que ele termine o estudo, que
não se envolva em coisa errada, no meu bairro mesmo eu vejo que tem coisa
que não é o que a mãe quer pro filho. (FLOR DE LIZ, 37 anos, 4 filhos.).
Espero um futuro melhor, que meus filho continue na escola, que continue
ganhando o Bolsa Família e que eles seja gente importante né? Que tenha
estudo assim como eu não tive. (DÁLIA, 38 anos, 5 filhos.).
Para que o futuro de seus filhos seja assegurado, as mães, desde então,
pedem para que os mesmos não abandonem os estudos, visto que é por meio do estudo
que elas veem a oportunidade dos filhos terem um futuro melhor. Elas mostram como
exemplo sua própria vida ou a de algum familiar que, por causa da falta de
conhecimento, perde a oportunidade de empregos melhores.
A preocupação das mães é maior porque elas vivem numa área periférica da
cidade, onde os índices de violência são altos, onde em seu território atuam gangues que
utilizam crianças e adolescentes como “aviões” do tráfico de drogas. É nesse cenário de
pobreza e de vulnerabilidade social que elas convivem, o que as assusta, e as faz lutar
para que os filhos queiram estudar, queiram fazer cursos, pois é por meio da educação
que as condições de vida de toda a família têm uma chance de melhorar.
As mães acreditam em outro fator que também ajuda a melhorar as
condições de vida, o qual refere-se ao emprego, pois não dá para depender somente do
Bolsa Família; é preciso ir além e, por intermédio do Programa e dos cursos que podem
ser acessados pelos beneficiários e seus dependentes, as chances de melhorar de vida só
aumentam, pois os cursos permitem uma ampliação de conhecimentos em determinada
área, o que vem a facilitar o ingresso no mercado de trabalho.
Ao contrário do que as mulheres pensam, qualificação não é sinônimo de
garantia de emprego, já que, no contexto da crise do capital, há uma expansão do
desemprego estrutural e da precarização dos postos de trabalho, fazendo com que os
trabalhadores se sujeitem à informalidade, à subcontratação, a baixos salários, à
instabilidade e à falta de proteção social.
Diante dos relatos das beneficiárias, que, na atual conjuntura, assumem
múltiplas funções para dar contar de seu papel como responsáveis pela família, percebese que o sentimento de acomodação não lhes acomete, pois elas exprimem o desejo por
98
mudança e conquistas, principalmente no que se refere às suas condições de vida e ao
futuro de seus filhos.
99
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Estado brasileiro atua dentro de um contexto contraditório que por um
lado busca atender as exigências impostas pelo sistema capitalista e por outro lado visa
atender as demandas apresentadas pelas pessoas que vivem em situações mais
vulneráveis. Estas classes, usuárias da rede socioassistencial, vivem inseridas num numa
realidade onde é possível detectar desigualdade e injustiça social, ao mesmo tempo em
que alimenta-se a esperança e a resistência por melhores condições de vida.
A presente pesquisa buscou compreender como as mulheres veem o PBF,
que mudanças e implicações elas observaram no período que antecedeu a sua inserção e
hoje como beneficiárias deste programa de transferência de renda. Destaca-se que é
necessário dar voz a essas mulheres, como diz Sposati (1993, p. 9) no prefácio do livro
Classes Subalternas e Assistência Social, de autoria de Yasbek: “os miseráveis pensam,
sonham, negam e aceitam sua condição”, ou seja, é mister compreender o que essas
pessoas sentem, pensam e sonham para que se obtenham informações acerca da
eficiência, eficácia e efetividade da política de assistência social.
O bairro Granja Portugal conta com uma rede de serviços nas áreas de
saúde, educação e assistência social, que atuam de forma articulada buscando atender as
demandas da população, mas em virtude das precárias condições de vida das pessoa que
ali residem e dos parcos investimentos em recursos materiais e humanos nem sempre é
possível atender todas as demandas apresentadas, o que se reflete num déficit da política
de assistência social em todo o País.
Nas narrativas encontram-se experiências de vida distintas, embora estejam
inseridas numa mesma realidade social, pois cada mulher tem a sua trajetória de vida, a
sua história, contudo elas convivem num ambiente onde sofrem com as mesmas
refrações da questão social.
O PBF para essas famílias, é uma grande ajuda, apesar de não atender todas
as suas necessidades. Ele vem assegurar o pagamento de contas essenciais já que a
maioria das mulheres não tem nenhum tipo de vínculo empregatício, visto que lhes falta
escolaridade, qualificação profissional e o bairro em si não oferece grandes
oportunidades de emprego e, quando estas aparecem não oferecem nenhum tipo de
vínculo, já que a maioria são trabalhos informais, como os “bicos”.
100
Sabe-se que o desafio da política de assistência social é minimizar a
situação de pobreza e extrema pobreza em que vivem milhões de brasileiros e
brasileiras. As transformações e os avanços da política ao longo dos anos é algo
perceptível, pois muitos desafios foram enfrentados e seus resultados se concretizaram
por meio da LOAS, da PNAS, do SUAS, mas ainda existem outros desafios a serem
enfrentados e conquistados, pois no atual contexto, dominado pelo sistema capitalista,
vê-se o crescimento das desigualdades sociais e o grande número de sujeitos que vivem
em situação de vulnerabilidade social.
Apesar das mudanças ocorridas no Brasil ao longo de seu desenvolvimento
político, econômico, social e cultural, relatórios e estudos recentes apontam que milhões
de pessoas ainda convivem com a fome, com a pobreza, com a violência, enfim milhões
de brasileiros e brasileiras vivem situados na linha de pobreza e extrema pobreza. A
concentração de renda gera, consequentemente, uma má distribuição da mesma, o que
se reflete no agravamento da pobreza e da desigualdade social, que assolam as pessoas
que vivem em áreas periféricas das grandes cidades, como é o caso do bairro Granja
Portugal.
É por meio das demandas apresentadas pela sociedade civil que o Estado
visa intervir na realidade. Neste momento surgem leis, políticas que visam assegurar os
mínimos sociais às pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade. É visível
no bairro Granja Portugal, como a política de assistência social, intervém na vida das
famílias que são beneficiárias de algum programa de transferência de renda.
Os relatos de cada uma das mulheres mostram o quanto são precárias suas
condições de vida, mostram também suas lutas e anseios por melhor qualidade de vida.
Na pesquisa, que teve como foco as mulheres beneficiárias do PBF, é possível observar
o quanto a vida delas e de seus familiares transforma-se após a inserção no Programa,
pois o acesso à alimentação é garantido; o pagamento de contas essenciais, como água e
luz, também é efetuado através do dinheiro proveniente do benefício; e, principalmente,
o acesso aos direitos sociais, como a educação, saúde e a própria assistência é
concretizado por meio do Programa.
Ainda tem muita coisa que precisa ser feita para que a política de assistência
social atinja os objetivos propostos em seus programas, projetos e serviços, pois é
preciso ampliar os recursos destinados às políticas, assim como os gastos sociais, para
101
que a rede socioassistencial atinja um maior número de pessoas, pois seu caráter
seletista e focalizado exclui as demais pessoas que demandam dos serviços ofertados.
É necessário o desenvolvimento de ações e a criação de equipamentos
socioassistenciais que atenda a demanda apresentada. A vida das mulheres antes e após
a inserção no PBF teve modificações, mas ainda faltam muitos obstáculos a serem
vencidos e superados neste ambiente de alta vulnerabilidade social para que as famílias
consigam superar a pobreza que lhe atinge.
A mulher é tida pelo Programa como uma aliada na superação da pobreza, a
ela foi incumbida a responsabilidade de controle do cartão de benefício, bem como a
“autonomia” no que se refere ao destino dado a esse dinheiro mensalmente recebido.
Com isso mudam-se as relações de gênero, pois as mulheres passam a
dividir responsabilidades com seus cônjuges, ou passam a assumi-las sozinhas, como é
o caso da maioria das beneficiárias do grupo. Isto acontece porque os novos arranjos
familiares apresentam composições diversas no grupo de família das mulheres. Dentre
os arranjos familiares mais comuns nos grupos estão: as famílias monoparentais,
matrifocais, ampliadas e nucleares. Tais diversificações implica exatamente na questão
da matricialidade sociofamiliar, pois a família é o centro das ações da política de
assistência social, mas sua responsabilidade, sua representatividade quase que total é
feminina.
No que se refere à aquisição de certa autonomia por parte das mulheres,
percebe-se que esta implicação é positiva, mas no sentido de que a mulher por assumir o
controle do cartão e do recebimento do benefício sente-se livre para gastar o dinheiro da
forma que ela acha melhor. Outra implicação positiva é que o dinheiro do benefício,
além de ser uma fonte de renda para as famílias, impulsiona o desenvolvimento e a
movimentação da economia do bairro.
Faz-se necessário que o Estado atue de forma mais contundente para
enfrentar as mazelas que atingem a classe subalterna, é mister a ampliação de espaços
que acolham as famílias; precisa-se também que haja elevação dos gastos sociais para
que as ações propostas pelas políticas sejam eficazes, pois a assistência social torna-se
contraditória, visto que a Constituição Federal de 1988 a estabelece como um direito de
todos, que possa atender quem dela necessitar, mas por outro lado ela seleciona aqueles
que mais necessitam, por meio de critérios pré-estabelecidos nos programas, projetos e
serviços.
102
Ratifica-se esse pensamento quando as mulheres, em muitos momentos da
entrevista, compreendem o Programa mais como uma ajuda, do que como um direito
social estabelecido e resguardado em lei. É como se o benefício fosse um favor que o
Estado lhes presta, por isso a ampliação, a divulgação e o conhecimento por parte da
sociedade do que é direito, quais são os seus, como acessá-los e, principalmente, dizer
quem pode acessá-los.
A superação da pobreza e da extrema pobreza não está apenas na ampliação
de equipamentos e gastos sociais, mas na oferta de emprego, de qualificação
profissional, pois o que essas mulheres buscam e sonham para si e para seus familiares é
viver com uma garantia de renda, advinda do trabalho e do estudo.
A pesquisa mostra que as mulheres mantêm a esperança de conseguir um
trabalho, acreditam que os filhos podem ter melhores condições de vida, desde que
estudem para que possam competir no mundo do mercado, pois é por meio do trabalho
que elas acreditam que todas as garantias e os direitos do trabalhador serão adquiridos.
O atrelamento dos direitos sociais ao trabalho é algo histórico, mas o que se vê é uma
regressão de tais direitos, já que o sistema capitalista exclui cada vez mais pessoas do
mercado de trabalho, transforma os direitos em mercadorias e os cidadãos em
consumidores. Desse modo, a noção de direito universal e de cidadania encontra-se
limitada pela lógica neoliberal, que subordina os direitos sociais à lógica mercantil.
Destaca-se que houve momentos de dificuldade no caminho percorrido pela
pesquisadora, primeiramente no aspecto burocrático para iniciar a pesquisa e depois no
aspecto social, pois o conflito de gangues afetou todo o contexto que ao sofrer uma
alteração acaba por alterar os demais contextos e sujeitos que nele estão inseridos. Mas
diante das adversidades, a melhor atitude a ser tomada é tentar contornar a situação,
deixando acalmar os ânimos para que posteriormente a caminhada prossiga em seu
decurso normal.
Diante das considerações afirma-se o desejo de dar continuidade e de
aprofundar os conhecimentos sobre esta temática, tendo em vista que há diversas formas
de compreensão a respeito do PBF. A implicação do Programa na vida das mulheres, no
que se refere à aquisição de “autonomia” acontece de forma lenta e gradual, pois muitas
se reconhecem como chefes de família, que detém a posse e a titulação do cartão, que
recebe o beneficio e têm a liberdade de destinar o recurso para as coisas que acham mais
relevante.
103
É necessário continuar sempre estudando, pois a realidade é dinâmica e
nessa dialética na qual todos estão inseridos há um movimento que impulsiona o
conhecimento de novas realidades, de novos fenômenos sociais que não podem ser
descritos em um único estudo, até mesmo porque a realidade não é estática. Enfim
diante de tantas vulnerabilidades, a classe subalterna requer uma política que atue de
forma mais intensa para que possa combater as expressões das desigualdades sociais
que se manifestam por meio da pobreza, da fome, da violência, da criminalização, das
drogas e na falta de melhores condições de vida.
Com diz Yazbek (1993, p. 09) “é necessário sonhar para mudar.”. E sonhos
é não faltam para a classe subalterna que almeja alcançar melhores condições de vida
para sua família, são esses sonhos que movem as mulheres chefes de família a seguir na
luta e a acreditar que o futuro de seus filhos será bem melhor do que suas próprias
vidas.
104
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109
APÊNDICE I – INSTRUMENTAIS
QUESTIONÁRIO
PERFIL SOCIOECONOMICO DAS MULHERES BENEFICIÁRIAS DO
PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
1.
2.
3.
4.
5.
Nome da entrevistada
Endereço
Telefone de contato
Idade
anos
Naturalidade:
( ) Fortaleza
( ) Região Metropolitana
( ) Cidade do Interior. Qual?
( ) Outro Estado. Qual?
6. Estado Civil:
( ) Casada ( ) Solteira ( ) Viúva ( ) Separada ( ) União Estável
7. Cor:
( ) Negra ( ) Parda ( ) Branca ( ) Amarela ( ) Indígena
8. Possui algum tipo de deficiência?
( ) Visual ( ) Auditiva ( ) Física ( ) Mental ( ) Nenhuma
9. Escolaridade
( ) não sabe ler nem escrever
( ) alfabetização
( ) da 1ª à 4ª série do Ensino Fundamental
( ) da 5ª à 8ª série do Ensino Fundamental
( ) Ensino Médio Incompleto
( ) Ensino Médio Completo
( ) Ensino Superior Incompleto
( ) Ensino Superior Completo
10. Situação no mercado de trabalho:
( ) empregador
( ) assalariado com carteira de trabalho
( ) assalariado sem carteira de trabalho
( ) autônomo que contribui para a Previdência Social
( ) autônomo, mas não contribui para a Previdência Social
( ) aposentadoria/ pensionista
( ) não trabalha
( ) outra. Qual?
11. Renda Familiar:
( ) menos de um salário mínimo
( ) de 1 a 2 s.m
( ) de 3 a 5 s.m
( ) 1 salário mínimo
( ) de 2 a 3 s.m
12. Quem é o (a) responsável pelo pagamento das despesas da família?
( ) Você ( ) seu companheiro ( ) os filhos ( ) outra pessoa.
Quem?
110
13. Moram quantas pessoas em sua residência (contando com você)?
14. Se possui filhos, quantos são?
( ) um ( ) dois ( ) três ( ) quatro ( ) mais de 4
15. Qual
a
idade
deles?
( ) 1 ano ( ) 2 anos ( ) 3 anos ( ) 4 anos ( ) 5 anos ( ) 6 ano ( ) 7 anos
( ) 8 anos ( ) 9 anos ( )10 anos ( ) 11 ano ( ) 12 anos ( ) 13 anos ( )
14 anos ( ) 15 anos ( ) 16 ano ( ) 17 anos ( ) 18 anos
16. Quem trabalha em sua casa:
( ) você ( ) cônjuge
( ) filhos
( ) parentes
17. Quantos filhos estudam? Qual a escolaridade deles?
( ) alfabetização
( ) da 1ª à 4ª série do Ensino Fundamental
( ) da 5ª à 8ª série do Ensino Fundamental
( ) Ensino Médio Incompleto
( ) Ensino Médio Completo
( ) Ensino Superior Incompleto
( ) Ensino Superior Completo
18. Condição de moradia
18.1 Tipo de moradia:
( ) casa ou apartamento próprio
( ) habitação coletiva (pensionato, abrigo)
( ) casa ou apartamento alugado
( ) quarto ou cômodo alugado
( ) outra. Qual?
18.2 Tipo de Construção
( ) tijolo ( ) alvenaria ( ) madeira ( ) material aproveitado
(papelão, plástico)
18.3 Condições estruturais de moradia: (instalações elétricas, hidráulicas e
sanitárias).
( ) infraestrutura adequada (com instalação elétrica, hidráulica e
sanitária)
( ) infraestrutura precária (com apenas um ou dois tipo(s)
instalação)
( ) sem infraestrutura adequada (sem nenhuma instalação)
19. Já teve acesso a outros serviços, programas e projetos sociais?
( ) sim, quais? ( ) não
20. Você tem vínculo com órgãos de defesa de direitos?
( ) sim, quais? ( ) não
21. Você tem alguma participação política? ( ) sim, quais? ( ) não
111
ROTEIRO DE ENTREVISTA
1. Já participou de outro programas/projetos sociais? Se sim, qual, ou quais? Qual a
sua avaliação acerca de tais programas?
2. Há quanto tempo sua família faz parte do Programa Bolsa Família?
3. O que você sabe os objetivos do Programa Bolsa Família?
4. Quem são as pessoas que tem direito de participar do Programa Bolsa Família?
5. Você sabe quem é o responsável familiar pelo Programa Bolsa Família?
6. Quais as vantagens e as dificuldades do Programa Bolsa Família?
7. Quanto às condicionalidades do Programa, na área da saúde, educação e
assistência social como você faz para cumpri-las? Sente dificuldade?
8. Você considera tais condicionalidades importantes? Justifique.
9. O que significa ser pobre em sua opinião?
10. Sua família saiu da situação de pobreza? Por quê?
11. O Programa Bolsa Família tem a mulher como responsável familiar pelo
recebimento do benefício. O que você acha dessa centralização do Programa na
figura da mulher?
12. A mulher tem um papel fundamental no que diz respeito ao combate à pobreza.
Para você como a mulher ajuda a minimizar a pobreza?
13. Em sua opinião a mulher deve ser realmente a responsável pelo benefício? Por
quê?
14. Alguém na sua família não concorda com isso? Quem? Por quê?
15. Você teve problemas com familiares por ser a responsável pelo benefício? Que
tipo de problema? Como quem? Como vem resolvendo?
16. Que mudanças/impactos você percebeu nas relações familiares, com o seu
cônjuge, com seus filhos e parentes depois de receber o benefício?
17. A que fatores você atribui tais mudanças?
18. Como você utiliza o dinheiro do benefício? É suficiente para suas necessidades e
da sua família?
112
19. Que ganhos (materiais e imateriais) e conquistas você e sua família obteve após
a inserção no Programa? Dê exemplos e comente.
20. Após a inserção da família no Programa quem toma as decisões no âmbito
familiar? Você tem autonomia, ou seja, você é livre para gastar o dinheiro com o
que acha necessário? Comente.
21. Qual a importância do Programa Bolsa Família para você e sua família?
Justifique.
22. Como você acha que sua família estaria vivendo, sem o benefício?
23. Divulga-se que as pessoas que recebem o benefício não querem mais trabalhar.
O que você acha disso? Comente.
24. Você está em busca de um trabalho com carteira assinada?
25. Participa de alguma qualificação? Qual? Se não, gostaria de participar? Por quê?
26. Quais as suas perspectivas em relação ao mercado de trabalho?
27. Você acha que tem condições de conseguir um emprego? Por quê?
28. O que você espera para o futuro de seus filhos?
29. O que você vem fazendo para mudar as condições de vida de sua família?
113
APÊNDICE II – TERMO DE CONSENTIMENTO
TERMO DE CONSENTIMENTO
A pesquisa intitulada - A mulher como responsável familiar pelo Programa
Bolsa Família: a questão da autonomia feminina no combate à pobreza,
desenvolvida por Maria Camila Lima Cavalcante, estudante do curso de Serviço Social,
da Faculdade Cearense – FaC, caracteriza-se como Trabalho de Conclusão de Curso –
TCC, para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social, sob orientação da Profª
Drª Mônica Duarte Cavaignac, apresenta como principal objetivo, investigar como as
mulheres beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF) residentes no bairro Granja
Portugal concebem o programa, bem como as mudanças ocorridas em suas vidas após a
inserção neste programa de transferência de renda.
Neste sentido, para que possamos concretizar nosso objetivo, contamos com a
sua participação e colaboração, permitindo a realização da entrevista e gravação da
mesma, a fim de que nenhuma informação seja perdida. Seus depoimentos serão
utilizados com o único fim de enriquecer a pesquisa, preservando-se a identidade das
entrevistadas.
Gostaríamos de evidenciar que a pesquisa não trará nenhum risco à sua pessoa,
tendo como eixos norteadores a ética profissional e o compromisso com a temática de
estudo. Caso necessário poderá entrar em contato com a pesquisadora Maria Camila
Lima Cavalcante, pelo telefone (85) XXXX XXXX
Maria Camila Lima Cavalcante
(Pesquisadora)
TERMO DE CONSENTIMENTO
Ciente do objetivo da pesquisa que é conhecer a concepção e as mudanças na
vida das mulheres beneficiadas pelo Programa Bolsa Família, atendidas no Centro de
Referência de Assistência Social – Granja Portugal (CRAS – Granja Portugal),
concordo em participar da mesma, bem como concordo com a gravação da entrevista,
desde que seja resguardado meu anonimato.
Nome:
Assinatura:
Fortaleza,
de
de 2012.
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centro de ensino superior do ceará faculdade cearense curso