Granulomatose Eosinofílica com Poliangeíte (Síndrome de ChurgStrauss) – Bruno Ribeiro1 ; Heider Ferreira2 ; Juliana Moura1; Paloma Barros1; Thiago Matos1; Jesus Gandara3; Fernando Lundgren3 1 – Residente de segundo ano em Pneumologia 2 – Residente de segundo ano de clinica médica 3 – Pneumologista do Hospital Otávio de Freitas . 12 CASO CLÍNICO MCS, 44 anos, sexo feminino, negra, divorciada, manicure, ensino fundamental incompleto, natural e procedente de Jaboatão dos Guararapes-PE, veio ao Hospital Otávio de Freitas (HOF) encaminhada de uma unidade de pronto atendimento (UPA) com queixa de tosse seca, febre e dispnéia progressiva há 1 mês, associada a parestesia em mãos. Durante admissão a paciente relatou internamento hospitalar prévio para tratamento de pneumonia comunitária, no qual havia feito tratamento com azitromicina e amoxicilina, negou tabagismo. Negava história prévia de asma, porém tinha rinite alérgica de longa data. Sem antecedentes familiares significativos, exceto por um dos irmãos ter tido asma durante a infância. Ao exame físico apresentava discretos roncos à ausculta pulmonar, frequência cardíaca de 115 batimentos por minuto, restante do exame físico sem alterações da normalidade. Radiografia de tórax com discreto infiltrado difuso. Exames laboratoriais de sangue evidenciavam 12780(10³/uL) leucócitos com hipereosinofilia absoluta e relativa, 4340(10³/uL) e 34% , respectivamente; transferida para enfermaria de Pneumologia. Imagem1 .Radiografia de Tórax proteína C reativa de 94,5mg/L. Paciente foi 13 Tabela 1. Exames laboratoriais de admissão Hemoglobina Hematócrito Leucócitos Eosinófilos Plaquetas PCR Sódio Potássio Cloro Uréia Creatinina Tempo de protrombina Atividade enzimática INR Valor encontrado 13,7 40,8 12,78 x 103 4,34 x 103 / 34% 254 x 103 94,5 135 3,5 99 17 0,96 13,5 83,4 1,11 Valor de Referência 12-16g/dL 36-46% 4,5-11x 10³/mm³ 2-500/mm3/ 1-6% 150-350 x 10³/mm³ 0,0-5,0 mg/L 136-145 mmol/L 3,5-5,1 mmol/L 98-107 mmol/L 15-43 mg/dL 0,60-1,30 mg/dL 10,9 a 14,0 segundos >70% <1,25 No internamento na enfermaria de Pneumologia apresentava-se taquipneica com sibilos difusamente à ausculta pulmonar, saturação periférica de oxigênio(SpO2) de 95% ,em ar ambiente. À inspeção da pele, possuía lesões papulares hipercrômicas em superfícies extensoras de ambos os cotovelos e tornozelo esquerdo. Introduzidos os seguintes medicamentos:indacaterol, brometo de ipratrópio e albendazol. Imagem 2. Lesões hipercrômicas em superfície extensora de cotovelo esquerdo 14 No 3º dia de internamento hospitalar(DIH) paciente tinha queixa de tosse produtiva e febre. Evoluía com elevação dos níveis pressóricos arteriais. Iniciados, anlodipino e furoato de mometasona. No dia seguinte apresentou dor e parestesia em membros inferiores(MMII) e membro superior esquerdo(MSE), iniciada analgesia com codeína associada a paracetamol . Tomografia de tórax no 4º DIH mostrava espessamento difuso peribroncovascular, associado a tênues opacidades em vidro fosco e bronquioloectasias bilateralmente sugerindo broncopatia de provável natureza inflamatória. Imagens 3 e 4. Tomografia de tórax com contraste No 10º DIH, paciente voltou a queixar-se de dor em MMII e membro superior direito(MSD), iniciada amitriptilina. Três dias depois, paciente evoluiu com paresia importante em todos os membros. Neste mesmo dia chegaram os marcadores de colagenoses e vasculites;fator reumatoide, anti-DNA nativo, anti-centrômero, anti-cardiolipinaIgG, antiRO, anti-LA, anti-SM, FAN, anti-RNP, anti-SCL 70, C- Anca negativos, exceto por P-Anca positivo. No dia seguinte, paciente apresentava hiperestesia em dorso e hipoestesia em membros, com persistência de paresia em membros. Decidido iniciar corticoterapia imunossupressora com prednisona 60mg/dia, haja visto, o quadro clínico ser sugestivo de granulomatoseeosinofílica com poliangeíte(Churg-Strauss). Tomografia de seios da face mostrava sinais de pansinusopatia, com material com atenuação de partes moles obliterando dos seios frontais, células etmoidais, esfenóide e cavidades maxilares. 15 Imagens 5 e 6 . Tomografia dos seios da face sem contraste No 22º DIH paciente voltou a queixar-se de dor em cintura escapular, foi aumentada a dose de prednisona para 80mg/dia. No dia seguinte, apresentava um melhor controle do quadro álgico, persistindo com déficit de força em membros. Análise do líquido cefalorraquidiano apresentava0,33 x 10³ células, com contagem diferencial de 70% de linfomononucleares e 30% de polimorfonucleares, proteínas de 30mg/dL, glicose de 65 mg/dL, atividade da adenosinadeaminase(ADA) 4 UI/L , e VDRL (Venereal Disease Research Laboratory) negativo. Paciente apresentou melhora parcial de força apendicular no 34º DIH. Gradualmente recuperando a força dos membros ao longo do internamento. Eletroneuromiografia mostrava polineuropatia periférica, axonal (sensitiva/motora) em MMII. Recebeu alta hospitalar com orientação de manutenção de corticoterapia imunossupressora, fisioterapia motora, anlodipino, profilaxias primárias com sulfametoxazoltrimetropim e isoniazida, e flixotide associado a indacaterol para controle de asma. Discussão A Granulomatose eosinofílica com poliangeíte(GEPA), ou Síndrome de ChurgStrauss(SCS), é uma vasculite sistêmica com acometimento de pequenos e médios vasos, 16 caracterizada por hipereosinofilia, infiltrado rico em eosinófilos, granulomas vasculares ou extra-vasculares, em pacientes com história de asma, rinite alérgica ou sinusite1. Os critérios diagnósticos do Colégio Americano de Reumatologia para a GEPA incluem asma, eosinofilia >10%, neuropatia periférica, infiltrados pulmonares, anormalidades dos seios paranasais, e eosinófilos extra-vasculares2. O tratamento inicial geralmente é a corticoterapia com prednisona 1mg/kg em dose diária, ou equivalente, para os pacientes sem lesões severas em órgãos ou fatores de mau prognóstico. Podendo também ser realizada como pulsoterapia. Já nos pacientes que apresentam fatores de mau prognóstico, indica-se associar ciclofosfamida à corticoterapia como tratamento de indução, com posterior substituição por agente de manutenção, como metotrexato ou azatioprina3. A Granulomatose eosinofílica com poliangeíte(Churg-Strauss) é uma vasculite rara, com uma grande variedade de sintomas de apresentação, dependendo da fase clínica. A fase inicial é difícil de ser diferenciada da asma de difícil controle, já que muitos sintomas se sobrepõem em ambas as doenças. Porém, devemos aumentar a suspeita naqueles pacientes, que além da asma, apresentem também hipereosinofilia, polineuropatia, alterações cutâneas sugestivas de vasculite, manifestações gastrointestinais, cardíacas, renais ou do sistema nervoso central4. Um teste sanguíneo com P-ANCA positivo torna bastante sugestiva a possibilidade da doença, apesar de não ser critério diagnóstico. Devemos levar em consideração o fato de que os pacientes ANCA-positivos geralmente possuem manifestações diferentes dos ANCA-negativos. Os ANCA-positivosapresentam mais frequentemente envolvimento renal e do sistema nervoso periférico,assim como hemorragia alveolar, púrpura e vasculite na biópsia, já os ANCA-negativos têm mais frequentemente manifestações relacionadas com a infiltração poreosinófilos, incluindo sintomas cardíacos, pulmonares e sistêmicos5. Doentes que apresentam comprometimento cardíaco, gastrointestinal ou neurológico, geralmente, possuem pior prognóstico. Na ausência da terapêutica adequada à síndrome pode levar a óbito, caso chegue à fase de vasculite sistêmica. Porém, um tratamento eficaz pode levar a remissão dos sintomas em grande número de doentes, em torno de 90%6. A terapêutica de escolha inicial para a maioria dos pacientes é a corticoterapia imunossupressora, exceto naqueles que apresentem fatores relacionados a mau prognóstico, como, comprometimento cardíaco, gastrointestinal, nervoso central, proteinúria > 1g/24h, e/ou creatinina >140 mmol/L. Nos pacientes com mau 17 prognóstico, ou refratários à corticoterapia imunossupressora, devemos avaliar a possibilidade de pulsoterapia com ciclofosfamida7. Novas modalidades terapêuticas, como o rituximabe8 e o mepozulimabe9, vêm apresentando boa resposta em estudos iniciais, podendo ser alternativas promissoras. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Pagnoux C, Guilpain P, Guillevin CurrOpinRheumatol 2007; 19: 25–32. 2. Masi AT, Hunder GG, Lie JT et al. The American College of Rheumatology 1990 criteria for the classification of Churg–Strauss syndrome (allergic granulomatosis and angiitis). Arthritis Rheum 1990; 33:1094–1100. 3. Ribi C, Cohen P, Pagnoux C, Mahr A: Treatment of Churg- Strauss syndrome without poor-prognosis factors. ArthritisRheum2008, 58:586–594. 4. Lanham JG, Elkon KB, Pusey CD, Hughes GR. Systemic vasculitis with asthma and eosinophilia: a clinical approach to the Churg- Strauss syndrome. Medicine (Baltimore). 1984;63:65-81. 5. Pagnoux C, Guillevin L. Churg-Strauss syndrome: evidence for disease subtypes? CurrOpinRheumatol. 2010;22:21-8. 6. Guillevin L et al. Churg-Strauss syndrome. Clinical study and long-term followup of 96 patients. Medicine (Baltimore).1999;78(1):26-37. 7. Sinico RA, Bottero P. Churg-Strauss angiitis. Best Pract Res ClinRheumatol. 2009;23(3):355-66. 8. Stone, J.H., et al., Rituximab versus cyclophosphamide for ANCA-associated vasculitis. N Engl J Med, 2010. 363(3): p. 21-32. 9. Kim S et al. Mepolizumab as a steroid-sparing treatment option in patients with Churg-Strauss syndrome. J Allergy ClinImmunol. 2010;125(6):1336-43 Autores: Fernando Lundgren L. Churg–Strauss syndrome. 18 Jesus Manoel Bernardez Gandara Heider Alexandre Santana Ferreira Médico residente do Serviço de Clínica Médica. Hospital Otávio de Freitas. Recife (PE) Brasil Bruno de Lima Ribeiro Médico residente do Serviço de Pneumologia. Hospital Otávio de Freitas. Recife (PE) Brasil Juliana de Moura Leal Rodrigues Santos Médica residente do Serviço de Pneumologia. Hospital Otávio de Freitas. Recife (PE) Brasil Paloma de Barros Henrique Médica residente do Serviço de Pneumologia. Hospital Otávio de Freitas. Recife (PE) Brasil Thiago Matos Médico residente do Serviço de Pneumologia. Hospital Otávio de Freitas. Recife (PE) Brasil