Renascimento A lírica amorosa Bendito seja o dia, o m s , o ano Bendito seja o dia, o m s, o ano, A saz‹o, o lugar, a hora, o momento, E o pa’s de meu doce encantamento Aos seus olhos de lume soberano. E bendito o primeiro doce afano Que tive ao ter de Amor conhecimento E o arco e a seta a que devo o ferimento, Aberta a chaga em fraco peito humano. Bendito seja o m’sero lamento Que pela terra em v‹o he i dispersado E o desejo e o suspiro e o sofrimento. Bendito seja o canto sublimado Que a celebra e tambm meu pensamento Que na terra n‹o tem outro cuidado. Petrarca saz‹o: cada uma das esta› es do ano cuidado: preocupa ‹ o, interesse A Europa do Renascimento Os valores feudais cederam seu lugar para a ambição e realização pessoal. A origem nobre como base de prestígio e poder social foi substituída pelo esforço, pelo talento criativo e, no caso dos artistas, pelo gênio individual. O abandono da perspectiva teocêntrica medieval e a retomada dos ensinamentos e modelos da Grécia e de Roma definem o Renascimento. Esse termo (Renascimento) foi escolhido para identificar o desejo de promover uma renovação filosófica, artística, econômica e política, de modo a recriar, na Europa, uma sociedade organizada a partir dos princípios da Antiguidade clássica. O Ser humano no Renascimento O fascínio pela vida das cidades e o desejo de desfrutar os prazeres que o dinheiro podia proporcionar levaram a sociedade renascentista a cultivar cada vez mais os valores terrenos. O ser humano e sua felicidade imediata eram o centro dessa nova visão, segundo a qual o desafio de viver bem no mundo temporal era mais excitante do que a promessa de um paraíso futuro. A Europa reencontra, no movimento renascentista, o antropocentrismo que havia definido a civilização greco-latina. Luzes e Trevas A sensação de grande desenvolvimento experimentada por cientistas e artistas a partir do Humanismo criou um olhar desfavorável para a Idade Média. Empenhados em reconstruir, no continente europeu, a civilização greco-romana, esses homens passaram a se referir à Europa medieval como a “Idade das Trevas”. Essa visão depreciativa da Idade Média fez com que, durante séculos, todo o progresso cultural, artístico e filosófico alcançado no período, que foi bastante grande, fosse ignorado. Valorização das realizações humanas Nas obras dos mestres gregos e romanos, os artistas do Renascimento encontraram o modelo ideal para definir o “novo” indivíduo. O modelo medieval mostrava um ser humano atormentado, ajoelhado aos pés de Deus e ansioso por ver perdoados os seus pecados. Segundo essa visão cristã, uma vida marcada pelo sofrimento é que permitiria a purificação dos pecados. A nova perspectiva do Classicismo promove uma transformação radical. É hora de o ser humano orgulhar-se de suas conquistas e buscar a felicidade terrena. Para isso, é necessário valorizar o esforço individual, que se manifesta tanto no investimento em educação como na participação social mais ativa. As transformações sociais no Renascimento As transformações sociais promovidas pelo enriquecimento das cidades afetaram diretamente o contexto de produção da literatura do Classicismo. Se na Idade Média muitos dos trovadores eram nobres que compunham suas cantigas e as apresentavam para outros membros do mesmo segmento social, no Renascimento esse cenário será alterado com o surgimento de jovens artistas, geralmente filhos de pequenos comerciantes, que vivem sob a proteção dos mercadores mais ricos e poderosos, para os quais produzem. A cultura no Renascimento A cultura vira um bem precioso para os novos ricos, porque, patrocinando artistas e poetas, eles justificam sua aceitação pela nobreza. Essa troca de interesses entre burgueses e artistas faz aparecer a figura do mecenas. Os mecenas era o burguês rico que exibia sua fortuna e seu poder por meio da pinturas e esculturas que encomendava para decorar seus palácios ou dos poemas que imortalizavam o seu nome. É nesse contexto que a pintura de retratos passa a ser muito valorizada. A circulação das obras literárias no Renascimento A circulação das obras literárias continua sob o impacto da invenção da prensa móvel. A maior facilidade da impressão faz com que mais cópias de uma mesma obra sejam produzidas, barateando o custo dos livros e tornando-os acessíveis a um maior número de pessoas. As universidades tornam-se os grandes centros públicos de leitura e discussão. Oemecenas encomendam cópias de textos de filósofos e poetas para montar bibliotecas particulares. O público Na Europa do Renascimento, as cortes ainda são centros de poder e, portanto, de produção cultural. O enriquecimento dos mercadores e comerciantes, porém, amplia o público dos textos literários e filosóficos, incluindo agora a burguesia em ascensão. Os filhos dos ricos comerciantes são, a partir desse momento, mais numerosos nas universidades do que membros da nobreza de sangue. A cultura torna-se, para essas pessoas, sinônimo de qualificação social, já que não contam com um sangue “nobre” que lhes garanta prestígio e reconhecimento imediato. A educação A educação traz para o primeiro plano a leitura, e os jovens burgueses leem muito. As obas de Platão e Aristóteles, as tragédias de Ésquilo e Eurípides, os tratados de oratória de Cícero, as odes de Horácio, os poemas épicos e Homero e Virgílio são alguns dos textos clássicos estudados e discutidos nas universidades. A imitação O conceito de originalidade na criação literária é uma invenção moderna. Durante o Renascimento, os escritores investiram na recriação de temas clássicos e retomaram em suas obras, o princípio aristotélico da mimese. Aristóteles atribuía à literatura a função de reproduzir os comportamentos humanos, para que o ser humano pudesse aprender com a “imitação” (mimese) da realidade. Leonardo da Vinci defendia que o artista é quem primeiro percebe “aquilo que está no universo em essência, presença ou imaginação”. Sua função, portanto, é revelar essa percepção por meio de suas obras. Nesse sentido, o desafio da criação artística é desenvolver uma linguagem que favoreça a comunicação daquilo que o artista percebeu antes de todos. Se amor n‹o , qual este sentimento? Mas se amor, por Deus, que cousa a tal? Se boa, por que tem a ‹o mortal? Se m‡, por que t‹o doce o seu tormento? Se eu ardo por querer, por que lamento? Se sem querer, o lamentar que val? î viva morte, —deleitoso mal, Tanto podes sem meu consentimento. E se eu consinto sem raz‹ o pranteio. A t‹ o contrario vento em fr‡gil barca, Eu vou por alto-mar e sem governo. ƒ t‹ o grave de error, de cincia parca Que eu mesmo n‹o sei bem o que eu anseio E tremo em pleno estio e ardo no inverno. estio: ver‹ o parca: morte Renascimento: Olhar racional para o mundo Para revelar o que está no universo, o artista do Classicismo adota a razão como parâmetro de observação e interpretação da realidade. O olhar racional desencadeia, na literatura, uma das características mais marcantes da poesia do período: a tentativa de explicar os sentimentos e as emoções humanas. O soneto, tipo de composição preferida dos clássicos, revela o desejo de adaptar a expressão lírica a uma forma que permita o desenvolvimento de um raciocínio completo. Perspectiva humanista Outra consequência do desejo de compreender o mundo é procurar conhecer a natureza humana. Esse interesse se manifesta, por exemplo, nos detalhados estudos de anatomia realizados por pintores como Leonardo da Vinci. Os grandes artistas se preocupavam em compreender a mecânica dos movimentos para serem capazes de representar o corpo humano de modo harmônico, respeitando as relações de proporção entre as partes e revelando uma concepção de beleza associada à harmonia e à simetria. Tendência à universalidade A busca de novos territórios e a expansão comercial ampliam os horizontes humanos. Em termos espaciais, o mundo do Renascimento é muito maior do que aquele conhecido na Idade Média. Quanto mais longe vão os comerciantes, maior o desejo de estudar e compreender as paisagens, os costumes e as religiões encontrados pelo caminho. O Resgate da poesia clássica Os poemas do Classicismo giram em torno da temática amorosa (em que o eu lírico manifesta um amor puro, de absoluta devoção à mulher amada, dona de uma beleza perfeita)ou bucólica (em que a natureza é caracterizada como espaço em que a harmonia, a simplicidade e o equilíbrio são expressões de felicidade). A natureza como expressão de beleza, harmonia e equilíbrio também é frequentemente usada como termo de comparação para a beleza feminina ou como parâmetro para os sentimentos humanos. Linguagens e formas Os sonetos de Petrarca mostram um novo modo de tratar a temática amorosa, em voga na Itália desde o século XIII e chamado de “doce estilo novo” (doce porque os poetas consideravam os versos de 10 sílabas mais musicais que os de 7). Esse tratamento é bem diferente da visão idealizada adotada no Trovadorismo, uma vez que procura reinterpretar o amor a partir de uma perspectiva mais racional e filosófica. Isso dá aos poemas um tom mais indagador e analítico. A linguagem, marcada pelo uso de antíteses e paradoxos, reflete essa mudança de perspectiva.