tecnologia avançada na conservação de pescado Advanced technology in fish preservation Por/Text Prof. Carlos adam Conte Jr, Phd vet. Bruna Leal rodrigues, Mestranda - Fac. veterinária da uFF Sumário Apesar de ter havido um crescimento do consumo de pescado pelo brasileiro, de 6,46kg para 9,03kg, por habitante, por ano, entre 2003 e 2009, este valor ainda encontra-se abaixo da média do consumo mundial que é de 17,0 kg/habitante/ano. Este consumo encontra-se também abaixo do consumo médio preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), 12 kg/habitante/ano. São vários os fatores que resultam nesse baixo consumo e, a falta de incentivo governamental e a carência de métodos de conservação eficazes estão entre os principais pontos deste entrave. Os perigos resultantes do consumo de pescado mal conservado vão desde a transmissão de agentes etiológicos de importância em saúde pública até a ingestão de compostos tóxicos produzidos por microrganismos deteriorantes e contaminantes. O presente artigo trata de tecnologias avançadas de conservação de pescado desenvolvidas para preservar a qualidade dos produtos em benefício do consumidor. Summary Despite the large growth in the consumption of fish by the Brazilian, from 6.46kg to 9.03kg, per inhabitant, per year, between 2003 and 2009, these figures are still below the global average, of 17.0kg/inhabitant/year. This consumption is also below the average intake recommended by the World Health Organization (WHO), 17kg/inhabitant/year. Several factors are responsible for this low intake and, the lack of governmental incentive and effective preservation methods are among the main reasons to this hindrance. The dangers resulting from the intake of poorly preserved fish go from the transmission of important public health etiological agents to the intake of toxic compounds produced by deteriorative and contaminant microorganisms. This article discusses advanced fish preservation technologies developed to preserve the quality of products for the benefit of the consumer. 50_Animal Business-Brasil Animal Business-Brasil_51 Existem diferentes métodos de conservação que objetivam aumentar a validade comercial do pescado, sendo elas divididas em tecnologias tradicionais (salga e secagem, congelamento, enlatamento e defumação) e tecnologias emergentes (atmosfera modificada, alta pressão hidrostática, irradiação gama e radiação UV). A salga é um dos mais tradicionais métodos de conservação de alimentos. Existem diversos métodos de salga, sendo os principais a salga seca e a úmida. O processo de salga seca apresenta diversas vantagens, entre estas, o forte efeito desidratante e a rápida velocidade de penetração do sal, o que evita a deterioração do pescado desde o início do processo, além de poder ser praticado nos próprios barcos pesqueiros. Como desvantagem, a penetração do sal não é homogênea e a forte desidratação produz uma grande desnaturação proteica podendo acarretar em uma aparência desagradável e um baixo rendimento do produto elaborado. Além disso, o produto também se torna mais susceptível à oxidação lipídica pelo oxigênio atmosférico. Em contrapartida na salga úmida, a rancificação oxidativa é evitada, a concentração de sal na salmoura pode ser regulada e a desidratação da matriz é moderada, evitando futuros prejuízos tecnológicos. Um fator importante a ser considerado no processo de salga é a qualidade do sal que será utilizado, uma vez que este pode ser portador de uma flora contaminante halotolerante. Estes microrganismos podem resultar em um defeito tecnológico, produzindo muitas vezes uma pigmentação indesejável no produto salgado, como é o caso da contaminação por Halobacterium salinarum, que confere pigmentação vermelha. Assim como a salga, o tratamento pelo frio é amplamente utilizado para conservação de pescado. O processo de refrigeração tem como objetivo retardar a atividade microbiana, bem como as reações enzimáticas e químicas, que levam à deterioração da matriz. Existem dois tipos de tratamentos pelo frio: o resfriamento e o congelamento. Basicamente o que difere os dois processos é a temperatura atingida. Considera-se pescado resfriado o pescado devidamente acondicionado em gelo e mantido em temperatura entre -0,5 e -2ºC e congelado, o pescado tratado por processos adequados em temperatura não superior a -25ºC. Contudo, para conservar o pescado resfriado ou congelado torna-se necessária a aquisição de máquinas para fabricação de gelo, para o congelamento da 52_Animal Business-Brasil matriz e/ou para conservação dos produtos, o que torna esta atividade dispendiosa, uma vez que requerem elevado consumo de energia e grandes investimentos. A oferta de peixe, portanto, precisa ser volumosa para cobrir estes custos e também precisa haver um amplo mercado para pescado e derivados resfriados ou congelados. ATUALMENTE, existem diversas tecnologias emergentes que objetivam, por mecanismos distintos, aumentar a validade comercial do pescado, como por exemplo, a embalagem em atmosfera modificada, a alta pressão hidrostática, a irradiação gama e a radiação UV. O sistema de embalagem em atmosfera modificada tem como objetivo retardar o crescimento de microrganismos deteriorantes, aumentando a validade comercial do produto, além de preservar o frescor e manter os atributos de qualidade do alimento. Essa tecnologia consiste na alteração da atmosfera do interior da embalagem do produto, preenchendo-a com diferentes proporções de gases, como por exemplo, o dióxido de carbono e o nitrogênio. A embalagem utilizada para esta tecnologia é constituída de material plástico de alta barreira e é hermeticamente fechada para que não ocorra interferência com os gases presentes no ar atmosférico. O teor de oxigênio no ar está diretamente relacionado à validade do pescado devido ao seu efeito químico, principalmente relacionado com o ranço oxidativo, e microbiológico, permitindo o crescimento dos microrganismos aeróbios. A utilização da embalagem em atmosfera modificada diminui o efeito do oxigênio, devido à substituição deste gás por uma mistura gasosa no interior da embalagem. O dióxido de carbono, gás ativo utilizado no processo de embalagem em atmosfera modificada, é solúvel em água e ao se dissolver forma ácido carbônico, diminuindo o pH do produto e resultando em um efeito bacteriostático. Altas concentrações de dióxido de carbono prolongam a fase de latência e o tempo de multiplicação de patógenos importantes em saúde coletiva. No entanto, elevadas concentrações de dióxido de carbono somadas a alimentos com elevado teor de umidade, como o pescado, podem ocasionar colapso da embalagem devido à absorção de gás pelo produto. Com isso, utiliza-se o nitrogênio, um gás de enchimento quimicamente inerte, que tem como função evitar o colapso da embalagem provocado em atmosferas enriquecidas com altas concentrações de dióxido Animal Business-Brasil_53 de carbono. Apesar das vantagens da utilização da atmosfera modificada também existem as limitações de seu uso. Dentre elas, baixos níveis de oxigênio ou altos níveis de dióxido de carbono são necessários para inibir a multiplicação de bactérias e fungos, o que torna esta tecnologia dispendiosa. Além disso, há a necessidade de formulações de gases diferentes para cada tipo de pescado, pois uma composição inadequada pode alterar a atividade biológica dos tecidos, levando ao desenvolvimento de odores e sabores desagradáveis. A alta pressão hidrostática é uma tecnologia inovadora, não térmica, que consiste em submeter os alimentos a pressões acima de 100MPa (1 MPa = 145,038 psi = 10 bar). Esta tecnologia é eficiente na eliminação de microrganismos patogênicos e deteriorantes, proporcionando um maior nível de segurança microbiológica e o aumento da validade comercial do produto, além de manter suas 54_Animal Business-Brasil características nutricionais e sensoriais, sem alterar significativamente a estrutura físico-química da matriz. Esta tecnologia apresenta diferentes vantagens, como: tornar possível o processamento do alimento à temperatura ambiente ou mesmo a temperaturas mais baixas; dispensar operações preliminares, pois possibilita a transmissão uniforme de pressão sobre o alimento, independentemente da sua forma e tamanho; proporcionar segurança microbiológica, sem o uso de aditivos químicos e poder ser utilizado para o desenvolvimento de novos produtos. A desvantagem desta tecnologia é a carência de informação técnica-científica para aplicação deste processo em escala industrial. O processo de irradiação gama está entre as tecnologias emergentes que são comprovadamente eficazes na redução de microrganismos patogênicos e deteriorantes, sem que as características sensoriais e nutricionais do alimento sejam altera- das significativamente. Este método de conservação, quando devidamente realizado, usando doses predeterminadas e em condições controladas, é responsável pelo aumento da validade comercial do pescado, sem ocasionar efeitos nocivos, tornando-os viáveis economicamente e mantendoos com suas características sensoriais aceitáveis. Para pescados frescos ou congelados a dose de radiação necessária para garantir a qualidade higiênico-sanitária varia de 1,0 a 5,0 kGy, dependendo do produto e do seu estado físico. A desvantagem desta tecnologia é o custo da implementação no setor industrial e o impacto ambiental gerado pelo descarte das fontes de irradiação. A radiação ultravioleta-C (UV-C) tem sido usada amplamente na indústria de alimentos e hospitais para sanitização do ar e superfícies. As propriedades germicidas da irradiação UV se dão principalmente por mutações no DNA devido à absorção, pelas molé- culas de DNA, de luz UV, causando ligações crosslinking entre as bases nitrogenadas timina e citosina da mesma fita de DNA. Portanto, a transcrição e a replicação do DNA são impedidas, comprometendo a função celular e levando à morte da mesma. Este mecanismo de inativação gera redução da população microbiana. Este método de radiação tem como vantagem ser uma metodologia barata, não alterar o fluxo contínuo da indústria, diminuir o impacto ambiental e possíveis contaminações químicas quando comparado à irradiação gama, e os produtos poderem ser radiados já embalados, o que facilita o processamento industrial e diminui o risco de contaminação pós-processo. A desvantagem desta tecnologia é similar à da alta pressão, pois por ser uma tecnologia antiga, mas com nova aplicação no setor alimentício, existe uma carência de informação técnica-científica para aplicação deste processo em escala industrial. Animal Business-Brasil_55