Bases Imunológicas e Fisiopatológicas da Doença Inflamatória Intestinal Autor: Adérson Omar Mourão Cintra Damião Professor Assistente Doutor do Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP); Membro do Grupo de Intestino da Disciplina de Gastroenterologia da FMUSP e do Laboratório de Investigação Médica em Gastroenterologia (LIM 07) do Hospital das Clínicas da FMUSP 1. Introdução A doença inflamatória intestinal (DII) corresponde a qualquer processo inflamatório envolvendo o trato gastrointestinal, seja ele agudo ou crônico. Tradicionalmente é classificada em DII com causa conhecida (ex., infecções, parasitoses, enterocolite actínica, isquemia, etc) e DII com causa não totalmente esclarecida. Neste último grupo, 80-90% dos casos são diagnosticados como retocolite ulcerativa (RCU) e doença de Crohn (DC). Os restantes, 10-20%, são representados principalmente pelas colites linfocítica e colagênica, bolsite ou “pouchitis” (inflamação da bolsa ileal póscolectomia para RCU), doença de Behçet e enterocolite eosinofílica 16,19,33,69 . A RCU e a DC são hoje consideradas entidades distintas, com respostas imunológicas peculiares, embora compartilhem alguns aspectos semelhantes, sobretudo do ponto de vista clínico 15-19,23,33,55. Estima-se que a DII afete 1,4 e 2,2 milhões de pessoas nos Estados Unidos e Europa, respectivamente 46 . No Brasil, ainda desconhecemos a real incidência da DII, mas ela é certamente maior nas regiões sul e sudeste. Atualmente existe um esforço conjunto de centros de referência para a DII em nosso país, no sentido de coletarmos dados estatísticos confiáveis que poderão ser confrontados com os mundiais 64 . 2 A incidência da DII, de maneira geral, tem aumentado em todo o mundo, especialmente por causa do aumento no número de pacientes com DC, que, por sinal, parece ter atingido um platô 19,23,55,64 . Embora este fato possa ser explicado, em parte, por melhor reconhecimento da doença, ele também parece refletir uma elevação real na incidência, sugerindo a participação de fator(es) ambiental(ais) ainda não identificado(s) 19,23,64 . Os principais dados epidemiológicos da DII estão assinalados nas Tabelas I e II. Até algum tempo atrás, pouco sabíamos sobre os mecanismos envolvidos na gênese da DII. Atualmente, conquanto a etiopatogênese da DII não esteja completamente elucidada, já compreendemos alguns dos vários processos imunológicos relacionados à DII e podemos até extrair benefícios terapêuticos deste conhecimento, como no caso da terapia biológica 12,49,56 . Contribuíram para essa evolução do conhecimento: a) os modelos animais de DII ( ex., animais “knockout” para Interleucina -10, HLA-B27, oxazolona, TNBS – ácido trinitrobenzeno sulfônico, DSS – dextran sulfato sódico; etc); b) o avanço da genética (ex., descoberta de mutações no cromossomo 16 na doença de Crohn); c) o aprimoramento de técnicas de biologia molecular; d) a maior integração entre a clínica e a ciência básica e, finalmente, e) a maior compreensão da interação com as células imunológicas microbiota intestinal e sua 56 . Neste capítulo, abordaremos os conceitos atuais sobre a etiopatogenia da DII e as implicações terapêuticas desse conhecimento. Tabela I – Incidência (novos casos anuais por 100.000 habitantes) da doença inflamatória intestinal de acordo com os vários países e regiões do mundo. RCU = retocolite ulcerativa ; DC = doença de Crohn. 3 TIPO DE Países e regiões INCIDÊNCIA (novos casos anuais por RCU CROHN (INCIDÊNCIA) (INCIDÊNCIA) 6 - 13 5-7 2-6 0,9 - 4,0 ≅ 0,08 100.000 habitantes) 1) ALTA • EUA • Inglaterra • Escandinávia (principalmente Noruega e Suécia) 2) INTERMEDIÁRIA 3) BAIXA • Itália • Norte da Europa • Sul da Europa • África do Sul • Austrália • Nova Zelândia • Ásia ≅ 0,5 • América do Sul (em geral (em <1,0) Tabela II – Principais dados epidemiológicos descritivos geral <0,5) da doença inflamatória intestinal. RCU = retocolite ulcerativa ; DC = doença de Crohn DADOS RCU DC Incidência (por 100.000 hab.) 0,5 – 13 0,08 – 7 Prevalência (por 100.000 hab.) 35 – 100 10 – 100 Idade Entre 20 – 40 anos; às vezes 2º pico entre 60 – 80 anos Sexo (relação feminino:masculino) ≥1 Raça Brancos>negros>asiáticos Etnia Mais freqüente em judeus; Ashkenazi > sephardic População urbana versus rural Urbana > rural Nível socioeconômico e ocupação Atinge mais indivíduos com nível socioeconômico mais alto; <1 ou >1 mais freqüente entre ambientes fechados 2. Etiopatogenia da doença inflamatória intestinal os que trabalham em 4 A etiopatogenia da DII envolve, basicamente, quatro aspectos, que interagem entre si e com fatores ambientais: a) fatores genéticos; b) fatores luminais, relacionados à microbiota intestinal, seus antígenos e produtos metabólicos, e os antígenos alimentares; c) fatores relacionados à barreira intestinal, incluindo os aspectos referentes à imunidade inata e à permeabilidade intestinal e os d) fatores relacionados à imunorregulação, incluindo a imunidade adaptativa ou adquirida 3,19,23,55,56 . 2.1. Fatores genéticos Nos últimos anos, vários pesquisadores têm concentrado seus esforços na busca de genes que predisponham à RCU ou à DC 7,19,23 . Em 1996, os ingleses identificaram loci de susceptibilidade para as duas doenças nos cromossomos 3, 7 e 12 Hugot 23 . Contudo, coube aos franceses, liderados por 31 , a identificação de um locus de susceptibilidade para a DC localizado na região pericentromérica do cromossomo 16. Esta região passou a ser conhecida como IBD1 (locus 1 da doença inflamátoria intestinal). A seguir, três grupos independentes identificaram mutações no gene NOD2/CARD15 (localizado na região IBD1) e que estão presentes em 15-30% dos portadores de DC 27,32,48 . O gene NOD2/CARD15 é responsável pela codificação de uma proteína intracelular também chamada NOD2, presente nas células apresentadoras de antígenos como macrófagos, células dendríticas, células epiteliais, etc, células estas que compõem o chamado sistema imune inato, nossa primeira barreira imunológica de defesa no trato gastrointestinal 34 . Pelo menos três variantes mutacionais do gene NOD2/CARD15 foram descritas, sendo que a mais freqüente parece ser aquela (3020insC) em que há geração de uma proteína NOD2 anormal, isenta dos 33 últimos aminoácidos CATERPILLAR de proteínas 66 . A proteína NOD2 pertence à família intracelulares (caterpillar = “caspase recruitment domain – CARD – transcription enhancer R – purine – binding , pyrin, lots of leukin-rich repeats”). Estas proteínas têm em comum 3 domínios, a saber leucine-rich repeat 47 : a) terminal de carbono rico em leucina (“ C-terminal 5 domain - LRR”), local onde existe interação com o muramil dipeptídeo (MDP) produto da ação de hidrolases intracelulares sobre o antígeno bacteriano peptidoglicano; b) domínio de oligomerização de nucleotídeo (NOD = nucleotide-binding oligomerization domain) e c) região terminal de nitrogênio contendo CARD ou pirina. A proteína NOD2 constitui um “receptor intracelular de reconhecimento de patógenos” (PRR=”intracellular Pathogen-Recognition Receptor” e foi inicialmente considerada um receptor intracelular (citosólico) para o lipopolissacáride, um antígeno bacteriano 47,49 . Entretanto, trabalhos subseqüentes revelaram que, na verdade, era um derivado do peptidoglicano, o MDP, e não o lipopolissacáride, o antígeno de fato reconhecido 47 . Estudos experimentais revelaram que, em condições normais, o receptor TLR2 (“TLR = toll-like receptor”), expresso na superfície das células apresentadoras de antígenos, reconhece o peptidoglicano bacteriano, é hidrolisado por enzimas (hidrolases) intracelulares gerando MDP. O MDP é então reconhecido pelo domínio LRR da proteína NOD2 com conseqüente inibição da via de produção de citocinas denominada NF-κB (Fator Nuclear-Kappa B). Já a forma mutante de NOD2, presente em pacientes com DC, não reconhece o MDP e deixa de exercer seu efeito normal inibitório. O resultado é a estimulação da via de produção de citocinas NF-κB (ex., TNF = Fator de Necrose Tumoral, Interleucina-12, Interleucina-18, etc) levando à amplificação do processo inflamatório 21,47 . Sem dúvida, a descoberta da mutação no gene NOD2 na DC respresentou um marco na história da etiopatogenia da DII e descortinou novas possibilidades para o diagnóstico, prognóstico e tratamento da DII, incluindo-se a correção da mutação genética. Além disso, essa descoberta genética vai ao encontro das evidências sobre a relevância dos fatores luminais (ex., bactérias e seus produtos) na etiopatogenia da DII 3,19,23,36,55,56 . Certamente outros genes deverão ser identificados nos próximos anos, começando pelos cromossomos 6, 12 e 14. Aliás, uma região de susceptibilidade denominada IBD2 foi reconhecida no cromossomo 12 e parece relacionar-se com a RCU 23 . 6 Os estudos envolvendo o sistema HLA (“human leukocyte antigen”) têm fornecido resultados mais consistentes no caso da RCU que no da DC. Na RCU, há associação com o HLA-DR2 e o HLA-DRB1*15. A associação com HLA-DRB1*0103 ocorre mais naqueles com doença extensa e manifestações extra-intestinais. Na DC, as associações mais descritas são com o HLADR1/DQw5, o HLA-A2 e o HLA-DRB3*030119,23,55,56,64. Outro aspecto de interesse dentro do âmbito genético diz respeito aos estudos em parentes assintomáticos de pacientes com DII. Assim, parentes de primeiro grau de pacientes com DC, assintomáticos, podem apresentar aumento da permeabilidade intestinal, especialmente após uso de AINE e anticorpos do tipo ASCA (anti-Saccharomyces cerevisiae) também descreveram deficiência seletiva de 15,55,56 mucina . Tysk et al 65 em gêmeos monozigóticos, sendo que um apresentava RCU, porém o outro era sadio. Outrossim, familiares de pacientes com RCU ou colangite esclerosante primária têm freqüência aumentada de anticorpos séricos do tipo pANCA (anticorpo contra estruturas citoplasmáticas do neutrófilo, padrão perinuclear) 19,23,55,56. FATORES GENÉTICOS: 1. Doença de Crohn (DC) – mutações no gene NOD2/CARD15 localizado na região IBD1 do cromossomo 16; presentes em 15-30% dos pacientes. 2. Mutação mais freqüente envolve geração de proteína intracelular NOD2 anormal, isenta dos 33 últimos aminoácidos. 3. A proteína intracelular NOD2/CARD15 relaciona-se com reconhecimento de antígenos bacterianos como por exemplo o MDP (muramil dipeptídeo). 4. Retocolite ulcerativa (RCU) – provável região de susceptibilidade (IBD2) no cromossomo 12. 5. Sistema HLA e DC – associação com HLA-DR1/DQw5, HLA-A2, HLADRB3*0301. 7 6. Sistema HLA e RCU – associação com HLA-DR2, HLA-DRB1*15, HLADRB1*0103. 7. Parentes assintomáticos de pacientes com DC – aumento da permeabilidade intestinal e anticorpos ASCA (anti-Saccharomyces cerevisiae); na RCU – aumento de pANCA (anticorpos contra estruturas citoplasmáticas do neutrófilo, padrão perinuclear). 2.2. Fatores luminais Correspondem àqueles presentes no lúmen intestinal. Pacientes com DII apresentam alterações quantitativas e qualitativas da microbiota intestinal 19,55,56 . Na DC, as concentrações de bactérias anaeróbicas gram-positivas (Streptococcus intermedius, Peptostreptococcus productus, Coprococcus comes, Eubacterium contortum) e gram-negativas (Bacteroides, Fusobacterium) estão aumentadas, o mesmo acontecendo com os filhos assintomáticos 55 . Na RCU, por sua vez, foram descritas bactérias cujos produtos metabólicos são sobremaneira agressivos à mucosa intestinal (ex., produção de citotoxinas, hialuronidase, etc). Em ambas as doenças há diminuição da concentração de Bifidobacterium e Lactobacillus. Aumento de sulfato de hidrogênio, produzido a partir do metabolismo colônico de bactérias, também foi descrito na RCU e é responsável pela inibição do metabolismo do butirato, a fonte energética do colonócito 19,55. Certos produtos bacterianos que ocorrem em condições normais (ex., LPS = lipopolissacárides, FMLP = formil-metionil-leucil-fenilalanina), na DII geram reações inflamatórias intensas, em virtude do aumento de receptores para estes produtos nos neutrófilos e monócitos dos pacientes 1, 2. Os modelos experimentais de DII também têm contribuído para a compreensão do papel das bactérias intestinais no desenvolvimento da inflamação intestinal 22,23,55,56 . Com a utilização de técnicas de genética molecular é possível gerar animais transgênicos, em que há expressão dominante de um determinado gene (ex., ratos HLA-B27) e linhagem de animais “knockout”, nos quais há deleção seletiva de um determinado gene (ex., “knockout” para Interleucina-10). Estes animais, quando mantidos em 8 condições ambientais habituais, desenvolvem DII. No entanto, quando mantidos em ambientes esterilizados (“germ-free condition”) não desenvolvem inflamação intestinal ou o fazem de forma atenuada. O mesmo ocorre com outras formas de enterocolite experimental, como é o caso da provocada por indometacina e por “carrageenan”, um extrato da alga marinha Eucheuma spinosum 23,55,56. Em condições normais, a microbiota intestinal é útil e, mais do que isso, vital para o ser humano. De fato, atuando sobre substratos alimentares, as bactérias geram ácidos graxos de cadeia curta (ex., butirato) que vão propiciar o metabolismo normal das células epiteliais colônicas (colonócitos) 55 . Ao mesmo tempo, o organismo tem um eficiente mecanismo de proteção contra bactérias mais agressivas (patogências) e seus produtos, por vezes não menos virulentos. Bifidobacterium e Lactobacillus, bactérias não patogênicas, produzem substâncias (ex., bacteriocinas) que inibem o crescimento de bactérias potencialmente patogênicas como Clostridium, Pseudomonas e Klebsiella. Auxiliam também nessa proteção a ação antibacteriana do ácido gástrico e da bile, a motilidade intestinal, a produção de IgA secretora, a camada de mucina e fator trefoil sobre as células epiteliais e a própria barreira de células justapostas, firmemente aderidas umas às outras graças às “junções apertadas” (“tight junctions”) 39,63 . Contudo, um dos aspectos mais importantes nesse contexto de proteção, é o desenvolvimento de tolerância às bactérias e seus componentes antigênicos que compõem a microbiota intestinal normal ou própria do indivíduo 7,49,56 . Participa deste processo a vertente de células T reguladoras (cel Treg) produtora de Interleucina – 10 e TGF-β (Fator de crescimento) 13,34 . Na DII, há evidências de perda da tolerância às bactérias e aos antígenos da própria microbiota intestinal, o que faz com que o organismo reaja intensa e exageradamente a esses agentes antigênicos 20,35,36,45,56 . Tal fato, acrescido do aumento da permeabilidade intestinal mencionado anteriormente, acaba por hiperestimular o sistema imune de mucosa 19,56 . 9 Fatores luminais 1. Há alterações quantitativas e qualitativas na microbiota intestinal de pacientes com doença inflamatória intestinal (DII). Também ocorre aumento de bactérias anaeróbicas com redução de Bifidobacterium e Lactobacillus. 2. Modelos experimentais de DII em geral não desenvolvem a doença ou o fazem de forma mais amena quando mantidos em ambientes livres de germes (“germ-free”). 3. O fenômeno da tolerância às bactérias que compõem a microbiota intestinal parece ser perdido na DII. Há redução da atividade de células T reguladoras. 2.3. Fatores relacionados à barreira intestinal: aspectos referentes à permeabilidade intestinal e à imunidade inata O organismo protege-se de antígenos luminais através de integrado sistema de defesa denominado, em conjunto, de barreira intestinal componentes constituem a barreira intestinal: a) 34,39 . Dois componente não imunológico, representado pela acidez gástrica, secreções digestivas (ex., bile), motilidade gastrointestinal, microbiota intestinal, produção de defensinas pelas células de Paneth, barreira de células epiteliais, camada aquosa e camada de mucina/fator trefoil; b) componente imunológico, representado pela produção de IgA secretora, imunidade inata (ex., neutrófilos, células apresentadoras de antígenos – macrófagos, células dendríticas, células epiteliais – etc), imunidade adquirida ou adaptativa (ex., linfócitos T e B) 34,39,49,55,56 . Nesse terceiro item, veremos o componente não imunológico. Pacientes com doença de Crohn, particularmente os com mutações no gene NOD2/CARD15, apresentam diminuição da produção de defensina Semelhantemente, há redução da mucina tipo IV na RCU 23,55 57 . . De fato, um dos melhores modelos experimentais de RCU, o macaco Saguinus oedipus 10 ou “cotton-top tamarin”, tem deficiência desta mucina e desenvolve colite espontaneamente 23,55 . Neste contexto, a produção da substância secretagoga MMS – 68 (“macrophage – derived intestinal secretagogue”) por macrófagos da lâmina própria intestinal está diminuída na RCU, reduzindo a secreção de mucina pelas células caliciformes 19,23,55 . Estas mesmas células, além de sintetizar a mucina, produzem o chamado fator intestinal trefoil (ITF), envolvido na restituição da célula epitelial e na reparação da mucosa lesada, além de compor e incrementar a camada protetora viscosa em conjunto com a mucina 38,50,60,68 . Mashimo et al 42 demonstraram que camundongos não produtores de ITF (“knockout” para ITF) apresentavam elevada taxa de mortalidade (50%) após indução de colite com o dextran sulfato sódico (DSS), quando comparados com o grupo controle (5%). Também as lesões macro e microscópicas foram bem mais acentuadas no grupo “knockout” e não houve evidências de reepitelização. Além disso, a instilação retal de ITF nos camundongos “knockout” para ITF, promoveu proteção contra Semelhantemente, Tran et al a colite induzida por ácido acético 31 . 63 , na colite em ratos induzida pelo DNBS (ácido dinitrobenzeno sulfônico), verificaram redução da inflamação e rápida reparação epitelial com o ITF por via retal. Na DII, curiosamente, tem sido descrita redução da expressão intestinal de ITF na RCU e aumento na DC 38,50,60,68 . O maior conhecimento das funções de agentes citoprotetores e com atividade reparadora sobre a mucosa intestinal, como é o caso do ITF e também do fator de crescimento TGF - β (“transforming growth factor”), tem servido para ampliarmos nossa compreensão sobre a etiopatogenia da DII 7. Ademais, há implicações terapêuticas: camundongos “knockout” para TGF- β desenvolveram colite espontaneamente e foram mais susceptíveis à colite induzida por DSS e a introdução de TGF-β foi capaz de protegê–los contra a colite induzida pelo TNBS (ácido 2,4,6–trinitrobenzeno sulfônico) 19,23 . Outro aspecto que salienta a importância da barreira intestinal na gênese da DII é a investigação envolvendo proteínas do citoesqueleto (ex., 11 queratina) e de estruturas que interligam as células epiteliais (ex., caderina). Assim, camundongos não produtores de queratina ou de caderina desenvolvem colite e até mesmo neoplasias (ex., adenomas, carcinomas) 23. Finalmente, a diminuição da fonte energética do colonócito (ex., butirato) e o aumento da permeabilidade intestinal, ambos já mencionados anteriormente, completam o quadro de disfunção e deficiência no sistema de proteção da barreira intestinal na DII 23,55. No caso da imunidade inata, Marks et al demonstraram que pacientes com 41 doença , em elegante trabalho, de Crohn têm redução significativa da atuação do sistema imune inato. Desta forma, como veremos a seguir, hiperestimulado, o o que sistema imune contribui para adaptativo a ou amplificação adquirido do é processo inflamatório 3,7,11,34,55,56. Barreira intestinal, permeabilidade intestinal e imunidade inata 1. Na doença inflamatória intestinal (DII) há redução do efeito de barreira intestinal – diminuição de defensina, mucina e substância secretagoga MMS-68, alterações do fator trefoil e do TGF-β e possivelmente proteínas do citoesqueleto. 2. Na DII há diminuição do butirato e aumento da permeabilidade intestinal. 3. Na doença de Crohn ocorre redução da atividade do sistema imune inato, o que gera hiperestimulação do sistema imune adaptativo. 2.4 Fatores relacionados à imunorregulação de mucosa: os elementos imunidade adaptativa ou adquirida As células apresentadoras de antígenos direcionam antigênicos para os linfócitos, ativando-os e gerando a imunidade adquirida ou adaptativa 7,34,49 . Na DII, há defeito na imunidade inata e intensificação da imunidade adquirida 41,56 . Esta exacerbação da imunidade adquirida ocorre por excesso de estimulação antigênica (deficiência da imunidade inata, aumento da permeabilidade intestinal), redução da apoptose de 12 linfócitos e imunorregulação deficiente 7,34,56 . Em condições normais, a apresentação antigênica pelas células apresentadoras de antígenos é encaminhada, preferencialmente, para a atividade imunossupressora/imunorreguladora da lâmina própria Mayer & Eisenhardt 43 43,55 . No entanto, demonstraram, in vitro, que a apresentação de antígenos por células epiteliais isoladas de pacientes com DII, ocorria na direção dos linfócitos T auxiliadores (“helper”, CD4 positivos); por outro lado, havia ativação de linfócitos T reguladores (CD8 positivos) pelas células epiteliais dos indivíduos do grupo controle. A conseqüência da hiperestimulação de linfócitos CD4 positivos é a amplificação e cronificação do processo inflamatório com a participação de citocinas (ex., Interleucina1, Fator de Necrose Tumoral = TNF, etc) e radicais livres de oxigênio 55,56 .A transformação da célula epitelial em célula apresentadora de antígeno (induzida pelo IFN-γ), somada a sua capacidade de secretar citocinas antiinflamatórias (ex., Interleucina-10, TGF-β, antagonista do receptor para IL-1) e pró-inflamatórias (ex., Interleucina-6, Interleucina-8, TNF), de expressar moléculas de adesão (ex., molécula de adesão intercelular – ICAM-1), de liberar eisosanóides e produzir óxido nítrico, constituem a base do conceito atual de que a célula epitelial intestinal exerce funções imunorreguladoras 5,55,56,59. A imunorregulação anormal da DII também pode ser constatada através da resposta das células mononucleares da lâmina própria à IL-4, uma citocina imunossupressora. Normalmente, fagócitos monocucleares, sob ação da IL4, reduzem a produção de Interleucina-1β e TNF-α e aumentam a de antagonista do receptor para IL-1 (IL-1ra). Tais respostas, no entanto, não são vistas em células mononucleares da lâmina própria e em monócitos periféricos de pacientes com DII 23,55, o que coopera para a perpetuação da cascata de reações inflamatórias na mucosa intestinal. Além disso, como já comentado, os neutrófilos e monócitos de pacientes com DII, apresentam elevado número de receptores para componentes bacterianos (ex., FMLP, LPS), com conseqüente intensificação da resposta imune 55. 13 Outrossim, observou-se que a DC tem uma resposta predominantemente do tipo Th1, com maior produção de Interleucina-1 (IL-1), IL-2, IL-6, IL-7, IL12, IL-18, IFN-γ , TNF e, mais recentemente, IL-17, IL-23, IL-32, IL-33 e TL1A (membro da superfamília TNF). Ao contrário, na RCU, há resposta predominantemente do tipo Th2, com elevação de IL-4, IL-5, IL-6, IL-9, IL10 e IL-13 3,7,12,14,25,34,49,56 (Figura 1). Entretanto, é importante ressaltar que esta dicotomia não é tão rígida como se pensou no início. Na doença de Crohn, embora a resposta Th1 esteja envolvida nas fases iniciais da doença, a atividade Th2 parece promover a cronificação 4. Na RCU, por sua vez, a resposta favorável ao anti-TNF sugere também a participação da resposta Th1 na sua patogênese pesquisadores a 28,51 . Essas recentes constatações têm levado os sugerir um novo modelo de interpretação do comportamento e participação de citocinas na fisiopatologia da DII. Trata-se do conceito de “natureza fásica “ da patogênese da DII, em que as citocinas Th1 e Th2 exercerão funções e atividades distintas a depender da fase da 49 DII . É possível que em breve, pelo menos no caso da DII, a classificação tradicional das citocinas em Th1/Th2/Treg dê lugar a uma nova classificação, mais abrangente, em termos de participação das várias citocinas nas imunidades inata, adaptativa e reguladora 49 . Este novo conceito levanta duas questões fundamentais: a) a terapia biológica, daqui para a frente, deverá considerar também a fase evolutiva da DII (ex., fase inicial versus fase de cronificação), visto que uma mesma abordagem poderá gerar resultados diferentes a depender do estágio da doença; b) a combinação de terapias biológicas talvez seja uma abordagem mais racional pela possibilidade de atuar, simultaneamente, em várias vias inflamatórias 49,56 . Apesar disso, é interessante salientar que a resposta Th1, habitualmente, relaciona-se com imunidade mediada por célula, ativação de macrófagos, formação de granuloma e produção de IgG2, aspectos estes evidenciados na DC. Por sua vez, a resposta Th2 envolve a imunidade humoral, auto-imunidade, ativação de linfócitos B e mastócitos além da produção de IgG1, características estas compatíveis com a RCU55. 14 Em 1995, Casini-Raggi et al 10 sugeriram que a DII teria primariamente um desequilíbrio entre o antagonista do receptor para IL-1 (IL-1ra) e a IL-1, com deficiência relativa de IL-1ra e conseqüente diminuição da relação IL1ra/IL-1 na mucosa intestinal. Estudos subseqüentes , no entanto, revelaram que este fenômeno ocorre secundariamente ao processo inflamatório, período em que grande quantidade de IL-1 é produzida, sobrepujando a de IL-1ra. Este fato repete-se em outras situações inflamatórias, que não a DII, tais como colite actínica e infecciosa 29. Na Figura 2 é apresentada uma síntese da etiopatogenia da DII. Alteração na imunorregulação mucosa – imunidade adaptativa 1. Na doença inflamatória intestinal (DII), a redução da imunidade inata parece ser o fator inicial que levará à hiperestimulação da imunidade adaptativa. 2. Na DII, particularmente na DC, ocorre redução da apoptose de células T da lâmina própria e, portanto, prolongamento da sua ação imunológica/inflamatória. Os agentes biológicos com atividade antiTNF mais eficazes na DII (ex., infliximabe, adalimumabe) revertem essa disfunção. 3. Na DII, a apresentação antigênica é encaminhada preferencialmente para as células T CD4 positivas – e não CD8, como seria o normal - , que então amplificam a resposta imune/inflamatória. 4. O conceito rígido da dicotomia doença de Crohn/resposta Th1 e retocolite ulcerativa/resposta Th2, tem sido ultimamente substituído por uma visão mais abrangente que leva em conta a fase patogênica da doença. 5. Elementos como fase de evolução da DII e combinação de agentes biológicos deverão ser considerados na abordagem da DII com a terapia biológica. 15 ENTRAM FIGURAS 1 e 2 – enviadas como anexo ( power point ) 3. Implicações terapêuticas O sucesso da pesquisa de bancada ensejou novas opções terapêuticas na DII. Hoje, os estudos clínicos têm por objetivo avaliar a eficácia do bloqueio seletivo de mediadores inflamatórios, bem como do incremento da 12,34,41,44,49 imunidade inata . Essa nova abordagem é, genericamente, denominada terapia biológica, uma vez que age em mediadores e fenômenos naturais e fisiológicos 34,49,56 . Fatores de crescimento (ex., fator epidérmico de crescimento, fator trefoil, TGF-β, hormônio de crescimento, fator de crescimento do queratinócito, etc) têm sido testados no sentido de melhorar a defesa do trato digestivo 34 (“efeito barreira”) 7,34 antiinflamatória microbiota . Alguns deles (ex., TGF-β) têm também ação . Os prebióticos, probióticos e simbióticos modificam a intestinal e normalizam o conteúdo de Bifidobacteria e Lactobacilli, alterações estas que acabam por reduzir o contingente antigênico imposto às células imunológicas da lâmina própria intestinal19,24,26,34. Além disso, estimulam a secreção de mucina e de TGF-β, 7,60 incrementando a capacidade de defesa do trato gastrointestinal Também ações inflamatórias imunomoduladoras (ex., IL-1, IL-8, como TNF, etc) redução e de aumento citocinas de . pró- citocinas antiinflamatórias (ex., IL-10) têm sido demonstradas para os probióticos 19,40 . O fator estimulador de colônias de granulócitos e macrófagos (GM-CSF, sargramostim) consiste em outra forma de melhorar a imunidade inata do organismo 34,44,49 . No caso da imunidade adquirida, é possível bloquear a IL-12 (anti-IL-12 ou ABT-874)), a IL-2 (anti-IL-2, daclizumabe e basiliximabe), o interferon-γ (anti-IFN-γ, fontolizumabe ou HuZAF), clones de células T CD4 positivas (anti-CD3, visilizumabe ou HuM291), a IL-6 (atlizumabe), moléculas de adesão como a integrina α4 (natalizumabe), a integrina α4β7 (MLN-02, LDP-02)) e a molécula de adesão intercelular 1 - ICAM 1- (alicaforsen ou 16 ISIS 2302) e, finalmente, o fator de necrose tumoral (TNF- α) através do infliximabe (75% humano), certolizumabe (CDP-870, 95% humano) e adalimumabe (100% humano). 34,37,44,49 . Por outro lado, é possível oferecer citocinas antiinflamatórias como a IL-10. Recentemente, a capacidade de secretar IL-10 e fator trefoil foi incorporada ao probiótico Lactococcus lactis , por engenharia genética, fazendo com que além dos benefícios inerentes ao probiótico se obtenha ação direta antiinflamatória, imunomoduladora e reparadora sobre a mucosa inflamada 8,58,62,67 . Esta estratégia de liberação in locu de agentes antiinflamatórios, no caso da IL10, foi mais eficaz que a oferta sistêmica 8,57 . Muitas dessas terapias ainda estão em fase experimental ou carecem de maior confirmação clínica. Entretanto, os resultados preliminares são encorajadores 49 . A droga mais testada, e já comercializada no Brasil, é o infliximabe (anti-TNF), com resultados favoráveis tanto na doença de Crohn quanto na RCUI 30,51-54 . Outros agentes (ex., adalimumabe, certolizumabe, natalizumabe, etc) em breve também serão comercializados em nosso meio, ampliando assim nossas opções terapêuticas. A terapia biológica tem evoluído rapidamente e a velocidade de incorporação dos conhecimentos da ”bancada” tem sido vertiginosa. Na Tabela III estão listadas algumas perspectivas da terapia biológica, além das já mencionadas. Algo fundamental que tem sido descrito para a terapia biológica (ex., infliximabe, adalimumabe, etc) é a sua capacidade de promover a melhora endoscópica e histológica, o que parece se traduzir em impacto sobre a história natural da doença, fato este não observado com o uso da abordagem usual com os corticóides tradicionais (ex., prednisona) 30,52 . De fato, conquanto o corticóide melhore os índices clínicos de atividade da doença em cerca de 80-90% dos casos, a melhora endoscópica é da ordem de apenas 30% 30,53 . No caso da terapia biológica esse valor sobe para 70%. Índices semelhantes de melhora endoscópica/histológica (7075%) também têm sido relatados para a terapia nutricional, com impacto no longo prazo 6,9 . 17 A pesquisa com terapia biológica certamente continuará de forma célere, na busca de medicamentos mais eficazes, de fácil administração, com menos efeitos colaterais e com impacto sobre a história natural da doença. Também teremos de reconsiderar os métodos atuais de avaliação da resposta terapêutica na doença de Crohn, como os índices de atividade (ex., índice de Best ou CDAI, “Crohn’s disease activity index”, índice de Harvey & Bradshaw, etc), que não levam em conta a condição macro e microscópica da mucosa intestinal darão lugar a 61 . Provavelmente, esses métodos clínicos/laboratoriais exames endoscópicos, ultrassonográficos, de cápsula endoscópica, colonoscopia virtual, etc, que, com o tempo deverão ter seus custos mais reduzidos, possibilitando abordagem mais rotineira. Finalmente, associações de terapia biológica (ex., sargramostim + anti-TNF-α), talvez sejam utilizadas a fim de se obter melhor efeito terapêutico. Tudo indica que os corticóides tradicionais estão com seus dias contados. Tabela III – Perspectivas da terapia biológica envolvendo citocinas na doença inflamatória intestinal Bloqueio através de anticorpo e/ou antagonista natural de: IL*-1, IL-4, IL-5, IL-7, IL-15, IL-17, IL-18, IL-23, IL-32, IL-33, TL1A** Administração de: IL-11 (envolvida na restituição epitelial) * Interleucina ** Membro da superfamília do TNF (Fator de necrose tumoral) Referências bibliográficas 1. Anton PA, Targan SR, Shanahan F. Increased neutrophil receptors for and response to the proinflammatory bacterial peptide formyl-methionyl-leucylphenylalanine in Crohn’s disease. Gastroenterology 1989; 97: 20-28. 2. Baldassano RN, Schreiber S, Johnston RBJ et al. Crohn’s disease monocytes are primed for accentuated release Gastroenterology 1993; 105: 60-66. of toxic oxygen metabolites. 18 3. Bamias G, Nyce MR, De La Rue AS et al. New concepts in the pathophysiology of inflammatory bowel disease. Ann Intern Med 2005;143: 895-904. 4. Bamias G, Martin C, Mishina M et al. 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