Capítulo 2
Doenças inflamatórias
intestinais: avanços
patogênicos e
terapêuticos
Adérson Omar Mourão Cintra Damião
Aytan Miranda Sipahi
Introdução
A doença inflamatória intestinal
(DII), na sua conceituação mais ampla,
corresponde a qualquer processo
inflamatório envolvendo o trato
gastrointestinal, seja este agudo, seja
crônico. Assim, podemos classificá-la
em DII com causa conhecida (exs.,
infecções, parasitoses, enterocolite
actínica, isquemia etc.) e DII com causa
não totalmente esclarecida. Neste último
grupo, 80% a 90% dos casos são
diagnosticados como retocolite
ulcerativa inespecífica ou idiopática
(RCUI) e doença de Crohn (DC). Os
demais, 10% a 20%, são representados
principalmente pelas colites linfocítica
e colagênica, bolsite ou pouchitis
(inflamação da bolsa ileal póscolectomia para RCUI), doença de
Behçet e enterocolite eosinofílica.
Assim, do ponto de vista prático,
quando falamos em DII, tradicio-
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nalmente nos referimos à RCUI e à
DC.12, 15
A RCUI é conhecida desde o século
XIX e a DC recebeu esse nome por causa
da sua descrição, em 1932, pelos
médicos americanos Crohn, Ginzburg
e Oppenheimer.11, 24 A RCUI e a DC são
hoje consideradas entidades distintas,
embora compartilhem alguns aspectos
semelhantes, sobretudo do ponto de
vista clínico. 12-14, 47 Neste capítulo,
abordaremos os conceitos atuais sobre
a patogenia da RCUI e da DC e as
implicações terapêuticas desse
conhecimento.
Etiopatogenia da DII
Nos últimos anos, um grande
impulso aconteceu na pesquisa sobre
a etiopatogenia da DII. Isto se deveu à
incorporação das técnicas de biologia
molecular à pesquisa laboratorial, à
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padronização de modelos experimentais de DII, à maior compreensão
dos aspectos imunológicos e inflamatórios ligados à mucosa do trato
gastrointestinal, à evolução do
conhecimento sobre a microbiota
intestinal e sua interação com as
células imunológicas e ao desenvolvimento na área da genética.6, 25, 42 Desta
forma, após muitos anos, passamos a
entender melhor o que ocorre na DII
e, como resultado desse maior
conhecimento, novas modalidades
terapêuticas, bem mais eficazes, têm
sido desenvolvidas, com nítidos
benefícios para os pacientes.25
A etiopatogenia da DII envolve,
basicamente, quatro aspectos, que
interagem entre si e com fatores
ambientais: a) fatores genéticos; b)
fatores luminais, relacionados a
microbiota intestinal, seus antígenos e
produtos metabólicos, e os antígenos
alimentares; c) fatores relacionados à
barreira intestinal, incluindo os aspectos
referentes à imunidade inata e à
permeabilidade intestinal; e d) fatores
relacionados à imunorregulação,
incluindo a imunidade adaptativa ou
adquirida. 6, 15, 18, 27, 41, 42
Fatores genéticos
Nos últimos anos, vários
pesquisadores têm concentrado seus
esforços na busca de genes que
predisponham à RCUI ou à DC. 6, 17 Em
1996, os ingleses identificaram loci de
suscetibilidade para as duas doenças
nos cromossomos 3, 7 e 12.18 Contudo,
coube aos franceses, liderados por
Hugot et al.,22 a identificação de um
locus de susceptibilidade para a DC
localizado na região pericentromérica
do cromossomo 16. Essa região
passou a ser conhecida como IBD1
(locus 1 da doença inflamátoria
intestinal). A seguir, três grupos
independentes 19, 23, 36 identificaram
mutações no gene NOD2/CARD15
(localizado na região IBD1) e que estão
presentes em 15% a 30% dos
portadores de DC. O gene NOD2/
CARD15 é responsável pela codificação
de uma proteína também chamada
NOD2, presente nas células
apresentadoras de antígenos como
macrófagos, células dendríticas,
células epiteliais etc., células essas que
compõem o sistema imune inato, nossa
primeira barreira imunológica de
defesa no trato gastrointestinal. Pelo
menos três variantes mutacionais do
gene NOD2/CARD15 foram descritas,
e a mais freqüente parece ser aquela
(3020insC) em que há geração de uma
proteína NOD2 anormal, isenta dos 33
últimos aminoácidos. 49 A proteína
NOD2 pertence à família CATERPILLAR de proteínas intracelulares
(caterpillar = Caspase Recruitment
Domain [CARD] transcription enhancer
R – purine – binding , pyrin, lots of leukinrich repeats). Essas proteínas têm em
comum três domínios, a saber: 35 a)
terminal de carbono rico em leucina
(C-Terminal Leucine-rich Repeat Domain
[LRR]), local onde existe interação com
o muramil dipeptídeo (MDP), produto
da ação de hidrolases intracelulares
sobre o antígeno bacteriano peptidoglicano; b) domínio de oligomerização
de nucleotídeo (Nucleotide-binding
Oligomerization Domain [NOD]); e c)
região terminal de nitrogênio
contendo CARD ou pirina. Inicialmente, a proteína NOD2 foi conside-
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reconhecida no cromossomo 12 e
parece relacionar-se com a RCUI.15, 18
Os estudos envolvendo o sistema
HLA (Human Leukocyte Antigen) têm
fornecido resultados mais consistentes
no caso da RCUI que no da DC. Na
RCUI, há associação com o HLA-DR2
e o HLA-DRB1*15. A associação com
HLA-DRB1*0103 ocorre mais naqueles
com doença extensa e manifestações
extra-intestinais. Na DC, as associações
mais descritas são com o HLA-DR1/
DQw5, o HLA-A2 e o HLADRB3*0301.15, 18, 41,42, 47
Outro aspecto de interesse dentro
do âmbito genético diz respeito aos
estudos em parentes assintomáticos de
pacientes com DII. Assim, parentes de
primeiro grau de pacientes com DC,
assintomáticos, podem apresentar
aumento da permeabilidade intestinal,
especialmente após uso de AINE.15, 41, 42
Tysk et al. 48 também descreveram
deficiência seletiva de mucina em
gêmeos monozigóticos, e um deles
apresentava RCUI, mas o outro era
sadio. Outrossim, familiares de
pacientes com RCUI ou colangite
esclerosante primária têm freqüência
aumentada de anticorpos séricos do
tipo ANCA (anticorpo contra
estruturas citoplasmáticas do
neutrófilo).15, 18, 41, 42
rada um receptor intracelular
(citosólico) para o lipopolissacarídeo,
um antígeno bacteriano. Entretanto,
trabalhos subseqüentes revelaram que
era um derivado do peptidoglicano, o
MDP, o antígeno de fato reconhecido.
Assim, em condições normais, o
receptor TLR2 (Toll-Like Receptor [TLR]),
expresso na superfície das células
apresentadoras
de
antígenos,
reconhece o peptidoglicano bacteriano
e é hidrolisado por enzimas (hidrolases) intracelulares, gerando MDP, o
qual é, então, reconhecido pelo
domínio LRR da proteína NOD2 com
conseqüente inibição da via de
produção de citocinas denominada
NF-kB (Fator Nuclear Kappa B). Já a
forma mutante de NOD2, presente em
pacientes com DC, não reconhece o
MDP e deixa de exercer seu efeito
normal inibitório. O resultado é a
estimulação da via de produção de
citocinas NF-kB (exs., fator de necrose
tumoral [TNF], interleucina-12,
interleucina-18 etc.), levando à
amplificação do processo inflamatório.17, 35 Sem dúvida, a descoberta da
mutação no gene NOD2 na DC
respresentou um marco na história da
etiopatogenia da DII e descortinou
novas possibilidades para o diagnóstico, prognóstico e tratamento da DII,
incluindo-se a correção da mutação
genética. Além disso, essa descoberta
genética vai ao encontro das evidências
sobre a relevância dos fatores luminais
(exs.: bactérias e seus produtos) na
etiopatogenia da DII. 15, 18, 27, 41, 42
Certamente outros genes deverão ser
identificados nos próximos anos,
começando pelos cromossomos 6, 12 e
14. Aliás, uma região de susceptibilidade
denominada
IBD2
foi
Fatores luminais
Correspondem àqueles presentes
no lúmen intestinal. Pacientes com DII
apresentam alterações quantitativas
e qualitativas da microbiota intestinal.15, 41, 42 Na DC, as concentrações de
bactérias anaeróbicas Gram-positivas
(Streptococcus intermedius, Peptostrepto37
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coccus productus, Coprococcus comes,
Eubacterium contortum) e Gramnegativas (Bacteroides e Fusobacterium)
estão aumentadas, o mesmo
acontecendo
com
os
filhos
assintomáticos.41 Na RCUI, por sua
vez, foram descritas bactérias cujos
produtos metabólicos são sobremaneira agressivos à mucosa intestinal
(exs., produção de citotoxinas, hialuronidase etc.). Aumento de sulfato de
hidrogênio, produzido a partir do
metabolismo colônico de bactérias,
também foi descrito na RCUI e é
responsável pela inibição do
metabolismo do butirato, a fonte
energética do colonócito.15, 41
Certos produtos bacterianos que
ocorrem em condições normais (ex.,
lipopolissacarídeos [LPS], formilmetionil-leucil-fenilalanina [FMLP]),
na DII, geram reações inflamatórias
intensas, em virtude do aumento de
receptores para esses produtos nos
neutrófilos e monócitos dos pacientes.1,2
Os modelos experimentais de DII
também têm contribuído para a
compreensão do papel das bactérias
intestinais no desenvolvimento da
inflamação intestinal. 18, 41, 42 Com a
utilização de técnicas de genética
molecular, é possível gerar animais
transgênicos, em que há expressão
dominante de um determinado gene
(ex., ratos HLA-B27), e linhagem de
animais knockout, nos quais há deleção
seletiva de um determinado gene (ex.,
knockout para interleucina-10). Esses
animais, quando mantidos em
condições ambientais habituais,
desenvolvem DII. No entanto, quando
mantidos em ambientes esterilizados
(germ-free condition), não desenvolvem
inflamação intestinal ou o fazem de
forma atenuada. O mesmo ocorre com
outras formas de enterocolite
experimental, como é o caso da
provocada por indometacina e por
“carrageenan”, um extrato da alga
marinha Eucheuma spinosum. 18, 41,42
Em condições normais, a
microbiota intestinal é útil e, mais do
que isso, vital para o ser humano. De
fato, atuando sobre substratos
alimentares, as bactérias geram ácidos
graxos de cadeia curta (ex., butirato)
que vão propiciar o metabolismo
normal das células epiteliais colônicas
(colonócitos).41 Ao mesmo tempo, o
organismo tem um eficiente
mecanismo de proteção contra
bactérias mais agressivas (patogênicas)
e seus produtos, por vezes não menos
virulentos. Essa proteção é representada pela ação antibacteriana do ácido
gástrico e da bile, pela motilidade
intestinal, pela produção de IgA
secretora, pela camada de mucina e
fator trefoil sobre as células epiteliais e
pela própria barreira de células
justapostas, firmemente aderidas umas
às outras.29, 46 Porém, um dos aspectos
mais importantes nesse contexto de
proteção é o desenvolvimento de
tolerância às bactérias e a seus
componentes antigênicos que
compõem a microbiota intestinal
normal ou própria do indivíduo.6, 47 Na
DII, há evidências de perda da
tolerância aos antígenos da própria
microbiota intestinal, fazendo com que
o organismo reaja exageradamente a
esses antígenos. 16, 26, 27, 34, 42 Tal fato,
acrescido do aumento da permeabilidade intestinal mencionado anteriormente, acaba por hiperestimular o
sistema imune de mucosa.15, 42
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Fatores relacionados à
barreira intestinal:
aspectos referentes à
imunidade inata e à
permeabilidade intestinal
mesmas células, além de sintetizar a
mucina, produzem o chamado fator
intestinal trefoil (FIT), envolvido na
restituição da célula epitelial e na
reparação da mucosa lesada, além de
compor e incrementar a camada
protetora viscosa em conjunto com a
mucina. 28, 37, 44, 50 Mashimo et al. 31
demonstraram que camundongos não
produtores de FIT (knockout para FIT)
apresentavam elevada taxa de
mortalidade (50%) após indução de
colite com o dextran sulfato sódico
(DSS), quando comparados com o
grupo controle (5%). Também as
lesões macro e microscópicas foram
bem mais acentuadas no grupo
knockout e não houve evidências de
reepitelização. Além disso, a instilação
retal de FIT nos camundongos knockout
para FIT promoveu proteção contra a
colite induzida por ácido acético. 31
Semelhantemente, Tran et al., 46 na
colite em ratos induzida pelo DNBS
(ácido dinitrobenzeno sulfônico),
verificaram redução da inflamação e
rápida reparação epitelial com o FIT
por via retal. Na DII, curiosamente,
têm sido descritos redução da expressão
intestinal de FIT na RCUI e aumento
na DC.28, 37, 44, 50
O maior conhecimento das funções
de agentes citoprotetores e com
atividade reparadora sobre a mucosa
intestinal, como é o caso do ITF e
também do fator de crescimento TGF
– β (Transforming Growth Factor), tem
servido para ampliarmos nossa
compreensão sobre a etiopatogenia da
DII. 6 Ademais, há implicações
terapêuticas: camundongos knockout
para TGF-β desenvolveram colite
espontaneamente e foram mais
susceptíveis à colite induzida por DSS
O organismo protege-se de
antígenos luminais através de
integrado sistema de defesa denominado, em conjunto, de barreira
intestinal. 25, 29 Dois componentes
constituem a barreira intestinal: a)
componente não imunológico, representado
pela acidez gástrica, secreções
digestivas (ex., bile), motilidade
gastrointestinal, microbiota intestinal,
produção de defensinas pelas células
de Paneth, barreira de células
epiteliais, camada aquosa e camada de
mucina/fator trefoil; b) componente
imunológico, representado pela
produção de IgA secretora, imunidade
inata (exs., neutrófilos, células
apresentadoras de antígenos –
macrófagos, células dendríticas,
células epiteliais etc.), imunidade
adquirida ou adaptativa (exs.,
linfócitos T e B). Nesse terceiro item,
veremos o componente não
imunológico.
Redução da mucina tipo IV foi
descrita na RCUI.15, 18, 41 De fato, um dos
melhores modelos experimentais de
RCUI, o macaco Saguinus oedipus ou
cotton-top tamarin, tem deficiência dessa
mucina
e
desenvolve
colite
espontaneamente.18, 41 Neste contexto,
a produção da substância secretagoga
MMS – 68 (macrophage – derived intestinal
secretagogue) por macrófagos da lâmina
própria intestinal está diminuída na
RCUI, reduzindo a secreção de mucina
pelas células caliciformes.15, 18, 41 Essas
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e a indução de TGF-β foi capaz de
protegê-los contra a colite induzida
pelo TNBS (ácido 2,4,6–trinitrobenzeno sulfônico).15, 18
Outro aspecto que salienta a
importância da barreira intestinal na
gênese da DII é a investigação
envolvendo proteínas do citoesqueleto
(ex., queratina) e de estruturas que
interligam as células epiteliais (ex.,
caderina). Assim, camundongos não
produtores de queratina ou de caderina
desenvolvem colite e até mesmo
neoplasias (exs., adenomas, carcinomas). 18
Finalmente, a diminuição da fonte
energética do colonócito (ex., butirato)
e o aumento da permeabilidade
intestinal, ambos mencionados
anteriormente, completam o quadro de
disfunção e deficiência no sistema de
proteção da barreira intestinal na
DII.18, 41
No caso da imunidade inata,
Marks et al.,30 em elegante trabalho,
demonstraram que pacientes com
doença de Crohn têm redução
significativa da atuação do sistema
imune inato. Assim, como veremos a
seguir, o sistema imune adaptativo ou
adquirido é hiperestimulado, o que
contribui para a amplificação do
processo inflamatório.3, 6, 9, 25, 42
Fatores relacionados à
imunorregulação de
mucosa: imunidade
adaptativa ou adquirida
As células apresentadoras de
antígenos direcionam os elementos
antigênicos para os linfócitos,
ativando-os e gerando a imunidade
adquirida ou adaptativa.6, 25 Na DII, há
defeito na imunidade inata e
intensificação
da
imunidade
adquirida. 30,42 Essa exacerbação da
imunidade adquirida ocorre por
excesso de estimulação antigênica
(deficiência da imunidade inata,
aumento
da
permeabilidade
intestinal), redução da apoptose de
linfócitos
e
imunorregulação
deficiente.6, 25, 42 Em condições normais,
a apresentação antigênica pelas células
apresentadoras de antígenos é
encaminhada, preferencialmente, para
a atividade imunossupressora/
imunorreguladora
da
lâmina
própria. 41 No entanto, Mayer e
Eisenhardt32 demonstraram, in vitro,
que a apresentação de antígenos por
células epiteliais isoladas de pacientes
com DII ocorria na direção dos
linfócitos T auxiliadores (helper, CD4
positivos); por outro lado, havia
ativação de linfócitos T reguladores
(CD8 positivos) pelas células epiteliais
dos indivíduos do grupo controle. A
conseqüência da hiperestimulação de
linfócitos CD4 positivos é a
amplificação e cronificação do processo
inflamatório com a participação de
citocinas (exs., interleucina-1, TNF
etc.) e radicais livres de oxigênio.18, 41 A
transformação da célula epitelial em
célula apresentadora de antígeno
(induzida pelo IFN-γ), somada à sua
capacidade de secretar citocinas
antiinflamatórias (exs., interleucina10, TGF-β, antagonista do receptor
para IL-1) e pró-inflamatórias (exs.,
interleucina-6, interleucina-8, TNF),
de expressar moléculas de adesão (ex.,
molécula de adesão intercelular –
ICAM-1), de liberar eisosanóides e
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produzir óxido nítrico, constitui a base
do conceito atual de que a célula
epitelial intestinal exerce funções
imunorreguladoras.4, 15, 41, 43
A imunorregulação anormal da DII
também pode ser constatada através
da resposta das células mononucleares
da lâmina própria à IL-4, uma citocina
imunossupressora. Normalmente,
fagócitos monocucleares, sob ação da
IL-4, reduzem a produção de
interleucina-1β e TNF-α e aumentam
a de antagonista do receptor para IL1 (IL-1ra). Tais respostas, no entanto,
não são vistas em células
mononucleares da lâmina própria e em
monócitos periféricos de pacientes com
DII, 18, 41 o que coopera para a
perpetuação da cascata de reações
inflamatórias na mucosa intestinal.
Além disso, como já comentado, os
neutrófilos e monócitos de pacientes
com DII apresentam elevado número
de receptores para componentes
bacterianos (exs., FMLP, LPS), com
conseqüente intensificação da resposta
imune.41
Outrossim, observou-se que a DC
tem uma resposta predominantemente
do tipo Th1, com maior produção de
interleucina-2 (IL-2), IFN-γ e TNF. Ao
contrário, na RCUI, há resposta do
tipo Th2, com elevação de IL-4, IL-5,
IL-6, IL-9, IL-10 e IL-13. 3, 6, 18, 25
É interessante salientar que a
resposta
Th1,
habitualmente,
relaciona-se com imunidade mediada
por célula, ativação de macrófagos,
formação de granuloma e produção de
IgG2, aspectos esses evidenciados na
DC. Por sua vez, a resposta Th2
envolve a imunidade humoral, autoimunidade, ativação de linfócitos B e
mastócitos, além da produção de IgG1,
características essas compatíveis com
a RCUI.41
Em 1995, Casini-Raggi et al. 8
sugeriram que a DII teria primariamente um desequilíbrio entre o
antagonista do receptor para IL-1 (IL1ra) e a IL-1, com deficiência relativa
de IL-1ra e conseqüente diminuição da
relação IL-1ra/IL-1 na mucosa
intestinal. Estudos subseqüentes, no
entanto, revelaram que esse fenômeno
ocorre secundariamente ao processo
inflamatório, período em que grande
quantidade de IL-1 é produzida,
sobrepujando a de IL-1ra. Este fato
repete-se em outras situações
inflamatórias, que não a DII, tais como
colites actínica e infecciosa. 20
Implicações
terapêuticas
O sucesso da pesquisa de bancada
ensejou novas opções terapêuticas na
DII. Hoje, os estudos clínicos têm por
objetivo avaliar a eficácia do bloqueio
seletivo de mediadores inflamatórios,
bem como do incremento da imunidade inata.10, 25, 30, 33 Essa nova abordagem é, genericamente, denominada
terapia biológica, uma vez que age em
mediadores e fenômenos naturais e
fisiológicos.25
Fatores de crescimento (exs., fator
epidérmico de crescimento, fator
trefoil, TGF-β, hormônio de
crescimento, fator de crescimento do
queratinócito etc.) têm sido testados
no sentido de melhorar a defesa do
trato digestivo (efeito barreira). Alguns
deles (ex., TGF-β) têm também ação
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antiinflamatória. Os prebióticos,
probióticos e simbióticos modificam a
microbiota intestinal e normalizam o
conteúdo de Bifidobacteria e Lactobacilli,
alterações essas que acabam por
reduzir o contingente antigênico
imposto às células imunológicas da
lâmina própria intestinal.15 Além disso,
estimulam a secreção de mucina e de
TGF-β, incrementando a capacidade de
defesa do trato gastrointestinal.
Também ações imunomoduladoras,
como redução de citocinas próinflamatórias (exs., IL-1, IL-8, TNF
etc.) e aumento de citocinas
antiinflamatórias (ex., IL-10), têm sido
demonstradas para os probióticos.15 O
fator estimulador de colônias de
granulócitos e macrófagos (GM-CSF,
sargramostim) consiste em outra
forma de melhorar a imunidade inata
do organismo.25
No caso da imunidade adquirida, é
possível bloquear a IL-12 (anti-IL-12
ou ABT-874), a IL-2 (anti-IL-2,
daclizumabe e basiliximabe), o
interferon-γ (anti-IFN-γ, fontolizumabe ou HuZAF), clones de células T CD4
positivas (anti-CD3,visilizumabe ou
HuM291), a IL-6 (atlizumabe),
moléculas de adesão como a integrina
a4 (natalizumabe), a integrina a4b7
(MLN-02, LDP-02), a molécula de
adesão intercelular 1 (ICAM 1,
alicaforsen ou ISIS 2302) e, finalmente,
o fator de necrose tumoral (TNF-α)
através do infliximabe (75% humano),
certolizumabe (CDP-870, 95% humano), adalimumabe (100% humano) e
certolizumabe (CDP-870). 25, 33 Por
outro lado, é possível oferecer citocinas
antiinflamatórias como a IL-10.
Recentemente, a capacidade de secretar
IL-10 e fator trefoil foi incorporada ao
probiótico Lactococcus lactis, por
engenharia genética, fazendo com que,
além dos benefícios inerentes ao
probiótico, se obtenha ação direta
antiinflamatória, imunomoduladora e
reparadora sobre a mucosa inflamada.15
Muitas dessas terapias ainda estão
em fase experimental ou carecem de
maior confirmação clínica. Entretanto,
os resultados preliminares são
encorajadores. A droga mais testada,
e já comercializada no Brasil, é o
infliximabe (anti-TNF), com resultados favoráveis tanto na doença de
Crohn quanto na RCUI. 21, 38-40 Algo
fundamental que tem sido descrito
para a terapia biológica é a sua
capacidade de promover melhora
endoscópica e histológica, o que parece
se traduzir em impacto sobre a história
natural da doença, fato este não
observado com o uso da abordagem
usual com os corticóides tradicionais
(ex., prednisona). 21 Na verdade,
conquanto o corticóide melhore os
índices clínicos de atividade da doença
em cerca de 80% a 90% dos casos, a
melhora endoscópica é da ordem de
apenas 30%.21, 40 No caso da terapia
biológica, esse valor sobe para 70%.
Índices semelhantes de melhora
endoscópica/histológica (70% a 75%)
também têm sido relatados para a
terapia nutricional, com impacto no
longo prazo.5, 7 A pesquisa com terapia
biológica certamente continuará de
forma célere, na busca de
medicamentos mais eficazes, de fácil
administração, com menos efeitos
colaterais e com impacto sobre a
história natural da doença. Também
teremos de reconsiderar os métodos
atuais de avaliação da resposta
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terapêutica na doença de Crohn, como
os índices de atividade (exs., índice de
Best ou CDAI, Crohn’s disease activity
index, índice de Harvey & Bradshaw
etc.), que não levam em conta as
condições macro nem microscópica da
mucosa intestinal.45 Provavelmente,
esses métodos clínicos/laboratoriais
darão lugar a exames endoscópicos,
ultra-sonográficos, de cápsula
endoscópica, colonoscopia virtual etc.,
que, com o tempo, deverão ter seus
custos mais reduzidos, possibilitando
abordagem mais rotineira. Finalmente,
associações de terapia biológica (ex.,
sargramostim + anti-TNF-α) talvez
sejam utilizadas a fim de se obter
melhor efeito terapêutico. Tudo indica
que os corticóides tradicionais estão
com seus dias contados.
8.
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