Nº 4139/2014 – PGR - RJMB
Recurso Extraordinário 725.738 – SP – Físico
Relator:
Ministro Celso de Mello
Recorrente:
Ministério Público do Trabalho
Recorrida:
S. A. O Estado de São Paulo
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ANÚNCIOS DE EMPREGO COM
CONTEÚDOS
SUPOSTAMENTE
DISCRIMINATÓRIOS.
DESPROVIMENTO.
1. Discussão a respeito da competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ação civil pública proposta pelo
Ministério Público do Trabalho, com vistas a coibir a divulgação de anúncios de emprego com conteúdos supostamente discriminatórios.
2. No mérito, não há de se falar em competência material
da Justiça do Trabalho, por conter a demanda originária natureza jurídica estritamente civil, não abrangendo qualquer
relação trabalhista entre empregador e empregado. Afastada
a incidência do art. 114 da CF/88.
3. Parecer pelo conhecimento e desprovimento do recurso
extraordinário.
Trata-se de recurso extraordinário (fls. 374/386) no qual o
Ministério Público do Trabalho, com fundamento na alínea “a” do
permissivo constitucional, e sob alegação de contrariedade aos arts.
7º, XXX e 114, I e IX, da Constituição Federal, insurge-se contra
acórdão do Tribunal Superior do Trabalho assim ementado (fl.
350):
Recurso Extraordinário 725.738 – SP
PGR
PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA
DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. A manifestação
do Tribunal Regional sobre os pontos suscitados no Recurso
Ordinário significa prestação jurisdicional plena, não ensejando, pois, declaração de nulidade. COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
PRETENSÃO DE COIBIR OS JORNAIS DE
GRANDE CIRCULAÇÃO DE PUBLICAR ANÚNCIOS DE EMPREGO E DE ESTÁGIO COM CARÁTER DISCRIMINATÓRIO. Não se vislumbra
hipótese de a presente demanda - Ação Civil Pública com
pretensão de coibir os jornais de grande circulação de publicar anúncios de emprego e de estágio - ser abarcada pela
competência da Justiça do Trabalho, porquanto não se trata
de ação oriunda de relação de trabalho, uma vez que não há
lide entre empregado e empregador, nem tampouco de outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, justamente, como dito, porque não há relação de trabalho. A
questão relativa à discriminação nos anúncios de vagas de
emprego ou estágio não é nova, e, de fato, desafia a atuação
pronta e efetiva do Ministério Público. Todavia, trata-se de
questão que precede à formação da relação de emprego, não
decorrendo de nenhuma relação de trabalho.
Recurso de Revista de que se conhece em parte e a que se
dá provimento.
Na origem, o Ministério Público do Trabalho propôs ação civil pública contra os jornais O Estado de São Paulo e A Tarde, objetivando, dentre outros pedidos, absterem-se os réus de publicar
anúncios de emprego ou estágio com conteúdo discriminatório.
Extinto o processo sem resolução do mérito, ante o reconhecimento pelo Juízo de 1º grau da incompetência da Justiça do Trabalho para apreciar a matéria, o Tribunal Regional do Trabalho da
2ª Região proveu o recurso ordinário em seguida interposto, para
2
Recurso Extraordinário 725.738 – SP
PGR
reconhecer a competência da Justiça Especializada para processar e
julgar a demanda (fls. 275-279).
O Tribunal Superior do Trabalho proveu o recurso de revista
da sociedade S. A. O Estado de São Paulo para restabelecer a sentença de 1º grau, entendendo não competir à Justiça Especializada
o julgamento da ação originária, por não decorrer de qualquer relação jurídica empregatícia.
No presente recurso, o Ministério Público do Trabalho, com
preliminar de repercussão geral fundamentada, sustenta ter a
Emenda Constitucional 45/2004 conferido “à Justiça do Trabalho
competência para julgar as ações afeitas à relação de trabalho, que não se
limitam àquelas havidas entre as típicas figuras do emprego e empregador,
como posto na decisão recorrida, mas abarcam todas aquelas oriundas da
relação de trabalho, aí consideradas as que se referem à fase pré ou póscontratual, ou à figura do cidadão em sua dimensão de trabalhador que,
ainda que não se encontre momentaneamente inserido em um contrato de
trabalho, pode ver-se lesionado em direitos sociais contidos na Constituição” (fl. 379-380).
Ressalta, nesse sentido, por constituir demanda destinada a
proteger a “massa de trabalhadores que busca nova colocação profissional,
cuja dignidade e direito a tratamento isonômico venha a ser ferida em razão de publicação de oferta de emprego que de antemão exclui a participação de pessoas em razão de critérios discriminatórios não permitidos na
Carta Constitucional, vale dizer, sexo, idade, cor, raça, orientação política e
sexual”, ser da competência da Justiça do Trabalho a apreciação da
3
Recurso Extraordinário 725.738 – SP
PGR
matéria, “eis que a tutela jurisdicional vindicada reside essencialmente na
proteção ao acesso justo e em iguais condições às oportunidades de trabalho, sendo que as normas jurídicas que regem a presente discussão são inerentes ao Direito do Trabalho” (fl. 381).
Contrarrazoado (fls. 387-396), o recurso foi admitido (fls.
409-411).
Recurso tempestivo.
Em síntese, os fatos de interesse para apreciação do apelo.
A controvérsia visa saber se compete ou não à Justiça Especializada Trabalhista processar e julgar ação civil pública proposta
pelo Ministério Público do Trabalho com vistas a impedir a veiculação por parte da sociedade recorrida de anúncios de emprego
com conteúdos supostamente discriminatórios.
A questão constitucional detém repercussão geral, porquanto,
além de sua relevância sob o ponto de vista social e jurídica, ultrapassa os interesses subjetivos da causa, na medida em que objetiva
proteger interesses supostamente violados de um grupo indeterminado de pessoas, e se insere em atuação integrada do Ministério
Público do Trabalho em todo o território nacional em face dos
principais veículos de comunicação brasileiros, conforme noticiado às fls. 377-380. Nessa perspectiva, a relevância social e jurídica
da demanda decorre do seu caráter coletivo e da possibilidade de
criar eventual precedente dessa Corte Suprema destinado a viabilizar eventual atuação do Ministério Público do Trabalho e da Jus-
4
Recurso Extraordinário 725.738 – SP
PGR
tiça Laboral no combate à discriminação, envolvendo anúncios de
emprego divulgados nos meios de comunicação.
No mérito, contudo, o recurso extraordinário não há de ser
provido, tendo em vista não constituir controvérsia decorrente da
relação de trabalho entre empregado e empregador, e sim demanda jurídica de natureza civil dirigida a coibir a divulgação de
anúncios de emprego com conteúdos supostamente discriminatórios por parte da sociedade recorrida.
Ademais, ao contrário do alegado pelo recorrente, a demanda
não se situa na fase pré-contratual da relação jurídica trabalhista,
porquanto não se encontram em discussão os critérios para admissão de trabalhadores, nem os requisitos supostamente discriminatórios exigidos pelos empregadores para contratação de pessoal. A
questão jurídica abordada na matéria, nessa perspectiva, não diz
respeito a eventuais equívocos cometidos pelo empregador, na fase
pré-contratual da relação trabalhista, para a admissão de empregados, detendo alcance específico, qual seja, proibir civilmente a publicação por parte do jornal recorrido de anúncios de empregos
com conteúdos supostamente discriminatórios.
É dizer, a relação jurídica objeto do feito é fazer com que o
referido meio de comunicação analise os anúncios encaminhados
pelos empregadores, verifique se detêm ou não conteúdo discriminatório e, em caso positivo, não os divulgue. Ou seja, a matéria
detém natureza estritamente civil, não abrangendo qualquer relação trabalhista entre empregado e empregador.
5
Recurso Extraordinário 725.738 – SP
PGR
Destarte, ausente a relação jurídica laboral, não há de falar em
competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar a demanda originária, por não se enquadrar em quaisquer dos dispositivos do art. 114 da Constituição Federal.
Ante o exposto, opina a PROCURADORIA-GERAL DA
REPÚBLICA pelo conhecimento e desprovimento do recurso
extraordinário.
Brasília (DF), 3 de julho de 2014.
Rodrigo Janot Monteiro de Barros
Procurador-Geral da República
vf
6
Download

RE 725738 - Procuradoria