Representação dos trabalhadores na Justiça do Trabalho
Paulo Guilherme Santos Périssé∗
Uma das questões processuais que desperta dúvidas aos usuários do sistema judicial
trabalhista brasileiro é justamente aquela que envolve a representação dos trabalhadores em
juízo. O problema fica mais claro como geralmente é formulado: afinal, o trabalhador
necessita ou não contratar um advogado legalmente habilitado para poder apresentar uma
reclamação trabalhista?
Historicamente essa foi uma questão não passou despercebida por aqueles que
elaboraram a CLT1, particularmente quando se depararam com a necessidade de estabelecer
as normas que iriam regular o processo no âmbito da Justiça do Trabalho 2 . Embora
influenciados pelo estatuto processual então em vigor (CPC de 1939) é possível especular
que estiveram atentos ao tipo de demanda com a qual estavam lidando, menos complexa e
que necessitava de uma resposta rápida da Justiça3 . É nesse sentido que puderam perceber a
importância do tema do acesso à Justiça 4 e de princípios, como a celeridade, a simplicidade
e a gratuidade como pilares do processo trabalhista. Nessa chave, portanto, há mais de
quarenta anos foi estabelecida a possibilidade de se apresentar uma reclamação trabalhista
sem a intervenção de um profissional do direito (o advogado), bastando ao trabalhador
dirigir-se ao setor próprio do Tribunal para apresentar sua reclamação até mesmo
verbalmente5 .
∗
Paulo Périssé é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro, Coordenador do CEDES e doutorando em Sociologia no
IUPERJ.
1
Texto legal que serve de base para a regulamentação do trabalho formal no Brasil.
2
Justiça especializada para lidar com as causas que envolvam a relação de trabalho (artigo 114 da
Constituição Federal).
3
Porque afinal envolvia créditos de caráter alimentar cuja premência não poderia aguardar um largo espaço
de tempo até a decisão final.
4
Ainda que o tema do acesso dentro daquele contexto, é importante destacar, não partisse dos mesmos
pressupostos que atualmente orientam as reformas processuais.
5
Vale notar que mesmo a terminologia empregada pela CLT tinha o cuidado com a simplicidade tratando
apenas como reclamação o ato de apresentar uma demanda ao Judiciário.
1
Por essa razão, pode-se dizer que a tanto a simplicidade das reclamações quanto a
rapidez na solução dos conflitos formavam o pano de fundo a partir do qual criou-se a
norma que dispensava a intervenção dos advogados nas reclamações trabalhistas, sendo
opção do trabalhador (e também do empregador) a contratação desse profissional6 . Os
Tribunais contavam, então, com setores próprios para receber as reclamações dos
trabalhadores, oralmente se preferissem, e então seu “caso” era levado ao juiz7.
Sem maiores polêmicas essa rotina se manteve inalterada até a entrada em vigor da
Constituição Federal de 1988. Nessa ocasião, em função da norma contida no art.133,
segundo a qual o advogado é indispensável à administração da Justiça, houve um
momento de hesitação acerca da manutenção ou não da possibilidade de apresentação de
reclamações trabalhistas sem a intervenção de advogado 8 . Esse quadro repetiu-se no ano de
1994 quando a Lei 8906 que instituiu o Estatuto da Advocacia procurou definir como
obrigatória a participação desse profissional. Apesar desses momentos de oscilação nas
decisões judiciais, o fato é que se consolidou a idéia de que legalmente nada impede ao
trabalhador apresentar sua reclamação dirigindo-se diretamente ao órgão da Justiça do
Trabalho 9.
No entanto, a grande dificuldade atual para que o trabalhador exerça esse direito
resulta muito mais de problemas de ordem prática e menos de questões teóricas. A maior
complexidade das reclamações trabalhistas aliada ao fato de que invariavelmente os
empregadores são representados por advogados, tornaram residual o número de demandas
em que esses profissionais não estejam atuando. Até mesmo os juízes estimulam essa
intervenção quando percebem o provável desequilíbrio que pode resultar a ausência da
representação por advogado. Não raro esclarecem ao trabalhador que esse quadro pode ser
prejudicial à sua pretensão e o informam acerca da possibilidade de recorrer ao sindicato
profissional de sua categoria para obter a assistência judiciária gratuita, caso não possa
6
Art. 791 da CLT.
Na ocasião, “aos juízes da Junta de Conciliação e Julgamento”, transformadas em Varas do Trabalho com a
extinção dos representantes classistas.
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Tecnicamente diz-se que a parte possui ou não capacidade postulatória.
9
Popularmente conhecida como “Ministério do Trabalho”. Por sinal essa confusão no Rio de Janeiro era
agravada com a própria proximidade física entre as instalações da Delegacia Regional do Trabalho, órgão do
Ministério do Trabalho e da Justiça do Trabalho, órgão do Poder Judiciário.
7
2
demandar sem prejuízo de seu sustento10 . Esse cenário é facilmente notado com a extinção
dos setores específicos destinados a receber reclamações verbais diretamente dos próprios
trabalhadores11.
Portanto, em linhas gerais a situação atual pode ser assim descrita:
a) Do ponto de vista legal o trabalhador pode apresentar uma reclamação trabalhista
sem que precise contratar um advogado.
b) Na prática isso pouco ocorre seja porque a reclamações são mais complexas e
estimulam a contratação do advogado ou mesmo porque a Justiça não está
materialmente aparelhada para receber essas demandas, particularmente quando
apresentadas oralmente12 . Apenas residualmente e por escrito ainda podem ser
encontradas no cotidiano do Judiciário trabalhista.
c) Os trabalhadores que não estejam em condições de contratar um advogado por falta
de recursos têm direito à assistência judiciária gratuita prestada pelo sindicato de
sua categoria, independente de sua condição de associado ou do pagamento de
qualquer “taxa”13 . Nesse quadro o próprio sindicato indicará um advogado para
atuar em Juízo como seu representante na defesa de seu alegado direito.
10
A assistência judiciária e gratuita para aqueles que não têm recursos para contratar um advogado é prestada
pelos sindicatos por meio de seus advogados (Lei.5584/70). É importante observar que, uma vez nessa
condição, o trabalhador tem direito à assistência mesmo que não seja associado ao sindicato bastando que
integre a categoria profissional (bancários, construção civil etc...).
11
No Rio de Janeiro o setor chamado Distribuição apenas orienta o trabalhador a procurar a assistência
gratuita de seu sindicato, se for o caso.
12
Esse é um cenário específico do Rio de Janeiro, mas que talvez possa ser generalizado.
13
Trata-se de um direito assegurado na lei e por tal razão qualquer obstáculo colocado pelo Sindicato deve ser
comunicado à Delegacia Regional do Trabalho que é o órgão do Ministério do Trabalho responsável pela
fiscalização. Na cidade do Rio de Janeiro está localizado na Av. Antonio Carlos, no Centro e no Estado do
Rio de Janeiro existem diversas unidades às quais podem recorrem os trabalhadores.
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