Relato de Experiência AS PRÁTICAS DE ENSINO NO PROCESSO DE FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA – UMA VIVÊNCIA NO CONTEXTO ESCOLAR GT 06 – Formação de professores de matemática: práticas, saberes e desenvolvimento profissional Cristina Back Weber – UNIJUÍ –[email protected] Isabel Koltermann Battisti – UNIJUÍ – [email protected] Resumo: Este relato constituiu-se a partir de encaminhamentos propostos no componente curricular de Prática IV: Matemática no Ensino Fundamental, o qual retrata a primeira experiência de um acadêmico do curso de Licenciatura em Matemática numa sala de aula atuando como professor de matemática. Este artigo vislumbra análises de um acadêmico em formação inicial considerando sua primeira intervenção em sala de aula - levando em conta o que nela ocorreu/ vivenciou. Essa passagem de aluno a professor não é tranquila, pois passamos por tensões entre o que se sabe, se deseja e se acredita, e o que realmente ocorre na prática. As práticas de ensino para nós acadêmicos acabam se tornando, muito além de uma vivência em sala de aula, através de análises e reflexões contribuem de uma forma muito especial no processo de formação inicial, permitindo/possibilitando a elaboração de algumas idéias importantes na constituição do “ser professor de matemática”. Palavras-chave: práticas de ensino, experiência, aluno-professor. Práticas de ensino - o aluno experiencia “ser professor de matemática” Ninguém começa a ser educador numa certa terça-feira, às quatro horas da tarde. Ninguém nasce educador ou marcado para ser educador. A gente se faz educador, a gente se forma como educador, permanentemente, na prática e na reflexão sobre a prática (PAULO FREIRE citado por FIORENTINI, 2003, 121). O presente relato de experiência se constituiu a partir de um projeto proposto no Componente curricular Prática de ensino IV- Matemática no Ensino Fundamental, denominado Ação na Escola, o qual se tratava de uma intervenção na escola. No desenvolvimento deste projeto, nós acadêmicos do curso de matemática- licenciatura tivemos nossa primeira experiência com alunos do ensino fundamental séries finais ocorreu uma passagem de aluno do curso de matemática à professor de matemática. Relato de Experiência Este artigo vislumbra análises de um acadêmico em formação inicial considerando sua primeira intervenção em sala de aula - levando em conta o que nela ocorreu. Essa passagem referida acima não é tranquila, pois passamos por tensões entre o que se sabe, se deseja e acredita e o que realmente ocorre na prática. Tendo ainda que levar em conta a mudança do grupo de trabalho e da situação no trabalho (FIORENTINI, 2003). Como acadêmica matriculada no referido componente fiz minha intervenção numa escola da rede municipal estabelecida no município de Humaitá situado no interior do Estado do Rio Grande do Sul. Os alunos com o qual desenvolvi o projeto cursavam a 8ª série/9º ano do Ensino Fundamental, a turma contava com 19 alunos, todos residentes no município citado, as aulas foram ministradas no turno da tarde, totalizando 5 horas/aula. A professora regente da turma propôs que nestas aulas introduzisse o Teorema de Pitágoras. Para o planejamento das situações de ensino utilizei subsídios na História da matemática, duas maneiras de mostrar geometricamente teorema de Pitágoras algumas aplicações do Teorema. A vivência/experiência de “ser professor de matemática” no contexto escolar Para essa atividade os alunos precisaram vários conhecimentos anteriores, como unidades de medidas, potenciação, área, entre outros, conhecimentos esses que a turma não tinha um domínio e também precisaram dos seguintes recursos: régua, transferidor, lápis de cor, além dos materiais básicos da disciplina. A partir desse momento, estarei enfocando alguns momentos da aula, os quais exigiram uma maior dedicação e foram permeados por algumas inseguranças, dificuldades, mas que através da dedicação dos alunos pude ter uma satisfação em estar ensinando matemática. Denominarei os alunos através de letra e os momentos com números. Momento 1: Nesse momento apresentei aos alunos um vídeo que tratava da história da matemática. Esse vídeo, na minha concepção, contribui na discussão/entendimentos de quem foi Pitágoras, de o que ele proporcionou de invenções para a humanidade, dentre outros questionamentos que acreditei os alunos fariam. Esperava que os alunos questionassem, se envolvessem com o que estava propondo, no planejamento tudo parecia Relato de Experiência estar tão perfeito e a na prática pode ser bem diferente. Não ocorreu nada do que havia planejado, mesmo instigando os alunos, eles permaneciam calados. Os medos, as inseguranças, as incertezas, os imprevistos promovidos pelo novo que ocorreram em mim na sala de aula ao assumir um outro lugar que não era o de aluno, ocorreram para a turma, pois era uma professora nova, não sabiam o que lhes esperava. Estes alunos geralmente tem o mesmo professor desde a quinta série até passarem para o Ensino Médio, eles estão acostumados com a forma do professor propor os conteúdos, o que pode ter gerado uma certa tensão. Entre nós não havia nenhum vínculo, nada que pudessem deixá-los mais a vontade e deixá-los mais seguros e confiantes. Me parece que os alunos optaram inicialmente em descobrir o território que estavam entrando, ou mesmo pelo fato de não estarem acostumados a desenvolverem esse tipo de atividade, talvez a professora optasse por uma aula mais explicativa sem muitos questionamentos e interações. As práticas de ensino para nós acabam se tornando, muito além de uma vivência em sala de aula, através de análises e reflexões contribuem de uma forma muito especial no processo de formação inicial, permitindo/possibilitando a elaboração de algumas idéias importantes para a realização dos estágios. Ao planejar imaginamos que aprendizagens aconteçam pela grande maioria dos alunos, temos ainda uma concepção errônea da realidade, pois acreditamos que tendo 30 alunos em uma sala de aula, todos devam aprender o conteúdo para que futuramente saibam aplicá-lo. Mas, percebe-se que isso é quase impossível, temos alunos que vem para sala de aula porque são obrigados pelos pais e não tem o mínimo aprendizado ou não faz questão de o tê-lo. Momento 2: No segundo momento foi proposto um atividade de investigação na qual os alunos desenharam um triângulo de lados 3 cm, 4 cm e 5 cm, sendo que em cada lado do triângulo deveriam desenhar um quadrado e quadriculá-lo em cm². Após essa etapa foi proposto para os mesmos pintarem os quadrados de 4 e 3 cm de cores diferentes, contar os quadrinhos em cada um e após pintar os respectivos quadrinhos no quadrado maior da cor escolhida anteriormente. Nessa atividade houve uma grande dificuldade por parte dos alunos, vou transcrever a fala de alguns alunos durante a atividade. Relato de Experiência Professora: Agora vocês fazem um triângulo que tem 3 cm, 4 cm e 5 cm de lado. Aluno C: Mas qual forma vai ter esse triângulo? Professora: Tentem desenhar, ligam os vértices, essas medidas precisam fechar assim.[mostrando no quadro] Outro instante: Aluno A: Profe mas o que é segmento? Professora: Segmento é parte de uma reta, que neste caso liga um vértice ao outro, é essa linha externa que molda o triângulo [mostrando no quadro]. Outro instante: Aluno B: Mas profe não tem quadradinhos que chega para pintar no quadrado maior! Professora: Vamos ver então! Conta aqui comigo! Não deu certo, vamos ver as medidas do teu triângulo, ah você fez dois lados do triângulo de 4 cm, apaga essa parte dai vai dar certo [mostrando no caderno do aluno]. Apresento agora dois desenhos dos alunos: Figura1- dedução de um aluno do Teorema de Pitágoras Figura2- dedução de um alunocom nessecidade especial do Teorema de Pitágoras A maior dificuldade, por parte dos alunos, foi desenhar o quadrado no lado maior do triângulo por não formarem um ângulo reto. Eu como professora tentei instigar os mesmos passando de classe em classe e perguntando se estava representando um quadrado da forma que faziam os traços, a maioria enxergava que não estava formando o quadrado, mas mesmo assim faziam, e quando questionados não sabiam responder como poderiam fazer para representar essa figura. Para alguns acabei colocando a régua para mostrar como deveriam desenhar, acho que essa foi a minha maior dificuldade durante a atividade, pois não tinha muitas alternativas/ formas para explicar esse desenvolvimento, dessa forma, Relato de Experiência passou de investigação a eu como professora mostrando o que os alunos teriam que perceber. Apesar das várias aulas de práticas anteriores a está, nas quais houve uma insistência por parte da professora para instigar os alunos acredito que só a experiência em sala de aula consegue desenvolver essa habilidade de argumentar, até fazê-los descobrir por si só. Outro aspecto interessante dessa aula foi a diversidade de alunos na turma, nessa primeira experiência fui colocada a expandir meus próprios horizontes, pois após ter conversado algumas vezes com a professora, ela não havia me dito que teria um aluno da classe especial, sendo que faltando uma semana para a aula ela me comunica isso. Fique um pouco assustada, pois não havia pensado, quanto ao planejamento, considerando esta questão. Mas com orientação da professora regente da turma, o aluno não conseguiria entender muita coisa, portanto era para explicar mas não se deter nele. Só que na aula foi diferente, quem sabe pela nossa visão do mundo dos deficientes, ou quem sabe por nós como docente não termos este tipo de deficiências, não conseguia prosseguir com a aula se que esse aluno tivesse feito toda a atividade de maneira correta. Como futura docente acredito que os alunos não possam sair da sala de aula sem que tenham aprendido adequadamente o assunto tratado, caso contrario não me veria como uma professora capaz de entrar em sala de aula. Sei que na realidade não é bem dessa forma, acredito que, com a experiência posso mudar essa ideia. Momento 3: Após a realização da atividade acima passamos a dedução da fórmula do teorema de Pitágoras, através do cálculo das áreas das figuras geométricas planas, essa atividade foi realizada no quadro com a ajuda dos alunos. Finalizando a tarefa um aluno da turma fez a seguinte colocação: Aluno D: Mas profe é a mesma fórmula de antes! Professora: É a mesma fórmula de antes sim, essa é uma maneira diferente de se deduzir o Teorema de Pitágoras. Nessa parte do trabalho percebi a dificuldade dos mesmos em associar as várias fórmulas de área, para assim conseguir uma só, ou seja, modelar a matemática. Atribuo a isso, entre outros fatores, a obrigatoriedade de os professores vencer o conteúdo proposto para a série, e dessa forma eles acabam passando batido por situações que proporcionariam um desenvolvimento matemático mais apurado sobre o assunto e Relato de Experiência proporcionaria aos mesmos uma compreensão sobre o conteúdo. E essa obrigação fica a cargo do sistema, pois se não vencer o conteúdo, não vai sabe como responde as questões no vestibular e outros, mas dessa forma, tendo uma questão mais elaborada, não saberão responde da mesma forma. Momento 4: Nesse momento apresento uma dificuldade da maioria das escolas. Quando apresentei no final da aula para os alunos fazerem os exercícios em casa, fui surpreendida pela professora regente que não poderia cada um levar um livro, que os livros eram da turma da manhã e da tarde, portanto só poderiam levar a metade e trocariam no outro dia. Essa foi uma questão da aula, mas a questão de materiais para as aulas de matemática são bem escassos na escola, agora nem livros tem mais para todos os alunos. Não podemos ter uma educação de qualidade se não temos os materiais para tal, e isso não se vê só na área de matemática o que não convém apresentar aqui. Algumas considerações Acredito que essa intervenção foi muito produtiva para nós acadêmicos do curso de matemática, pois dessa forma nós como iniciantes podemos ter uma noção do que é passar do papel de aluno para o de professor atuando em uma sala de aula, tiramos algumas pré-conclusões sobre o que é ser professor as quais nos auxiliaram nos estágios e também num futuro profissional. Mas o mais importante é que quando entramos em uma sala de aula vemos que tudo que se fala nos componentes do curso tem um lado de realidade, e que apenas na prática como profissional de professor é que realmente podemos concluir onde jamais vamos ser completos a cada turma vai ser algo novo e muitos teremos a aprender. A realidade escolar assusta a qualquer pessoa que precisa se entrar em uma sala de aula, pois hoje em dia os alunos não tem mais aquele respeito pelo professor que antigamente tinha, eu na minha intervenção tive problemas apenas com dois alunos os quais a professora regente levou para direção, no mais estava tudo tranquilo. Vejo agora que comecei o estágio que os alunos não respeitam mais os professores e também pela descrição dos meus colegas na sistematização da intervenção e socialização dos projetos entre os acadêmicos. Acredito que se a realidade não mudar dentro de pouco tempo não teremos mais professor para atuar nas escolas. Relato de Experiência Referências bibliográficas FIORENTINI, Dário. Formação de professores de matemática explorando novos caminhos com outros olhares. Campinas- SP: Mercado de Letras.2003. PEREZ, Geraldo. Prática reflexiva do professor de matemática. In: BICUDO, Maria Aparecida Viggiani; BORBA, Marcelo Carvalho (orgs.). Educação Matemática: pesquisa em movimento. São Paulo: Cortez, 2004. p. 283-295.