8 Toalete Toalete Para o setor dianteiro Copa Porta Planta do setor traseiro do Prometeu Entrada Mantas etc. Passageiros Poltrona Nº 2 Nº 4 Nº 5 Nº 6 Nº 8 Nº 9 Nº 10 Nº12 Nº 13 Nº 16 Nº 17 Madame Giselle James Ryder Monsieur Armand Dupont Monsieur Jean Dupont Daniel Clancy Hercule Poirot Dr. Bryant Norman Gale A condessa de Horbury Jane Grey A Honorável Venetia Kerr 9 Capítulo 1 Ponte aérea Paris-Londres No aeroporto Le Bourget, em Paris, sob o sol forte de setembro, os passageiros atravessavam a área de embarque e subiam a escada do avião Prometeu, prestes a decolar com destino ao aeroporto de Croydon, nos arredores de Londres. Jane Grey entrou na última hora e tomou seu lugar: a poltrona 16, no setor traseiro. Alguns passageiros já tinham cruzado a porta divisória rumo ao setor dianteiro. Entre os dois setores, havia uma pequena copa e dois toaletes. A maioria das pessoas já estava sentada. Do lado oposto do corredor, ouviam-se conversas – e uma voz feminina aguda e estridente se sobressaía. Os lábios de Jane se contraíram de leve. Conhecia muito bem aquele tipo de voz tão característico. – Minha querida... Que incrível... Nem imaginava... Onde mesmo? Juan-les-Pins? Ah, sim. Não... Le Pinet... Sim, a velha turminha... Mas claro, vamos sentar juntas! Ah, não podemos? Quem...? Ah, sei... E uma voz masculina – estrangeira e educada: – Com todo o prazer, madame. Jane espiou com o canto do olho. Um senhor pequenino, já maduro, com imensos bigodes e cabeça oval se transferia educadamente com seus pertences da poltrona equivalente à de Jane, só que do lado oposto do corredor. Com discrição, Jane virou a cabeça e vislumbrou as duas mulheres cujo encontro casual motivara essa cortês atitude do estrangeiro. A menção de Le Pinet tinha 11 atiçado sua curiosidade, pois Jane acabara de visitar a mesma localidade turística. Lembrava de uma delas com perfeição – lembrava da última vez em que a vira, na mesa de bacará, entrelaçando e afastando as mãozinhas, o rosto de porcelana de Dresden delicadamente maquiado ora corando, ora empalidecendo. Com certo esforço, pensou Jane, poderia recordar o nome dela. Uma amiga o mencionara e comentara: – É fidalga, mas não de nascimento, sabe... É uma dessas coristas. Escárnio profundo na voz da amiga. No caso, Maisie, dona do charmoso emprego de massagista especializada em drenagem linfática. A outra mulher, pensou Jane, era do tipo “durona”. De estilo “equestre e rústico”, pensou ela. Logo esqueceu as duas mulheres e concentrou o interesse na janela e no movimento do aeroporto Le Bourget. Havia várias outras máquinas além das aeronaves. Uma delas parecia uma gigantesca centopeia metálica. O único lugar que Jane estava obstinadamente determinada a não olhar era direto para frente, onde, na poltrona defronte à dela, um jovem estava sentado. Ele vestia um pulôver azul-pervinca bastante chamativo. Acima da linha do pulôver Jane estava determinada a não olhar. Se ela o fizesse, os olhares poderiam se encontrar, e isso não daria boa coisa! Mecânicos gritaram em francês, os motores roncaram, reduziram a rotação e roncaram de novo, os calços do trem de pouso foram retirados: o avião começou a se mover. Jane prendeu a respiração. Era apenas o seu segundo voo. Não perdera a capacidade de se arrepiar. Dava a impressão de que iam se chocar contra aquele muro... 12 Ufa, decolaram... Subindo, subindo, dando a volta... Lá embaixo, o Le Bourget. A ponte aérea Paris-Londres com saída ao meio-dia tinha começado. Conduzia 21 passageiros – dez no setor dianteiro e onze no traseiro. A tripulação consistia em piloto, copiloto e dois comissários de bordo. O barulho dos motores era habilmente amortecido. Não era preciso colocar algodão nos ouvidos. Mesmo assim, havia barulho suficiente para desencorajar conversas e encorajar pensamentos. Enquanto a aeronave bramia sobre a França rumo ao canal da Mancha, os passageiros do setor traseiro mergulharam em pensamentos. Jane Grey pensava: “Não vou olhar para ele... Não vou, não... É melhor não correr riscos. Vou continuar a olhar pela janela e a pensar. Vou escolher uma coisa definida para pensar... Sempre é o melhor jeito. Isso vai manter minha cabeça centrada. Vou começar pelo início e ir até o fim.” Resoluta, deixou as lembranças voltarem até o que chamava de fato gerador: a compra do bilhete para concorrer à Irish Sweep.* Uma extravagância, mas uma extravagância empolgante. A compra foi alvo de risadas e chacotas no salão de beleza onde Jane e outras cinco moças trabalhavam. “O que vai fazer se ganhar o prêmio, querida?” “Sei exatamente o que vou fazer.” Planos... Castelos de areia... Zombarias mil. Bem, ela não ganhou “o” prêmio – ou seja, o prêmio principal, mas ganhou “um” prêmio: cem libras. Cem libras. “Gaste a metade, querida, e guarde a outra para um imprevisto. Nunca se sabe.” * Loteria baseada em corridas de cavalo cuja renda revertia em prol dos hospitais irlandeses. (N.T) 13 “Por que não compra um casaco de peles? Um de cair o queixo.” “Que tal um cruzeiro marítimo?” Jane balançou ante o pensamento de um cruzeiro, mas no fim permaneceu fiel à primeira ideia. Uma semana em Le Pinet. Muitas freguesas do salão de beleza já tinham ido a Le Pinet ou acabavam de chegar de lá. Jane, os dedos hábeis lavando, escovando ou pintando o cabelo das clientes, a língua enunciando maquinalmente os clichês de sempre (“Quando foi mesmo que a senhora fez o permanente, madame?”, “Seu cabelo está com uma cor tão bonita!”, “Que verão maravilhoso, não é?”), pensou consigo: “Por que diabos eu não posso a ir a Le Pinet?”. Bem, agora podia. O guarda-roupa não foi problema. Jane, como a maioria das londrinas que trabalhavam em locais badalados, mantinha-se na moda com gastos ridiculamente pequenos. Unhas, maquiagem, cabelo? Impecáveis! E lá se foi Jane a Le Pinet. Seria possível que agora, em retrospectiva, dez dias em Le Pinet se resumissem àquele mísero incidente? O incidente na mesa da roleta. Todas as noites, Jane permitia-se gastar certa quantia nos prazeres dos jogos de azar, sempre decidida a não ultrapassar o valor estipulado. Ao contrário da superstição em voga, a sorte de principiante não vingara. Aquela era a quarta noite, aquelas, as últimas fichas. Até então havia apostado com prudência na cor ou nas dúzias. Ganhara um pouquinho, mas perdera bastante. Agora hesitava com as fichas na mão. Em dois números ninguém tinha apostado: cinco e seis. Será que devia apostar (apostar as derradeiras fichas) num daqueles números? E em qual deles então? Cinco ou seis? Qual dos dois lhe palpitava? 14 Cinco – cinco para ganhar. A roleta foi acionada, e a bolinha, lançada. Jane estendeu a mão. Seis, ela ia apostar no seis. Bem a tempo. Ela e um jogador do outro lado da mesa apostaram simultaneamente, ela no seis, ele no cinco. “Rien ne va plus”, avisou o crupiê. Com um estalo, a bolinha estacionou. “Le numéro cinq, rouge, impair, manque.” Jane quis gritar de raiva. O crupiê passou o rodo nas fichas e pagou. O moço do outro lado da mesa perguntou: “Não vai coletar seus ganhos?” “Meus?” “Sim.” “Mas eu apostei no seis.” “Na verdade, não. Eu apostei no seis e você no cinco.” E abriu um sorriso – um sorriso encantador. Dentes brancos no rosto tostado de olhos azuis, cabelo crespo e curto. Meio sem acreditar, Jane arrecadou os ganhos. Seria verdade? Ela própria ficou um tanto confusa. Talvez tivesse apostado no cinco. Com ar desconfiado, mirou o desconhecido, que respondeu com um sorriso maroto. “Fez muito bem”, garantiu ele. “Se deixasse as fichas ali, outra pessoa que nem apostou ia pegar. Esse truque é velho.” Em seguida, com um discreto e amigável aceno de cabeça, ele se afastou. Aquela, também, tinha sido uma nobre atitude. Caso contrário, ela poderia ter suspeitado de que ele a deixara ficar com os lucros só com o objetivo de insinuar uma amizade com ela. Mas ele não era esse tipo de homem. Era um cara legal... (E ali estava ele, sentado na frente dela.) 15