Fora de Controle
Susan Andersen
Jane Kaplinski pensava que nada poderia fazê-la
perder a cabeça. Porém a recatada princesinha mudou de
idéia depois da noite em que conheceu o empreiteiro
responsável pela restauração da mansão Wolcott. O jeito rude
e sexy de Devlin Kavanagh a assustava, mas ele estava
completamente alcoolizado! E Jane não toleraria um bêbado,
especialmente se este fosse o homem que contratara para
trabalhar na casa que ela e suas duas melhores amigas
haviam acabado de herdar.
Restaurar a velha mansão era o trabalho dos sonhos
de Devlin, mas Jane estava no seu pé desde que o
surpreendera exausto devido a horas de sono atrasado e
abatido pelos drinques de sua própria festa de boas-vindas.
No entanto, apesar de se esconder em roupas conservadoras e
modos glaciais, Jane tinha sedutores olhos azuis e usava
scarpins de oncinha que insinuavam uma mulher que não via
a hora de se libertar!
Disponibilização e revisão: Edina
Digitalização: Marina / Formatação: Edina
1
Sobre a Autora:
Criada em uma família com dois irmãos travessos, desde cedo Susan aprendeu
a lutar com os homens. Hoje, mãe de dois meninos crescidos, ela se dedica a escrever
histórias nas quais o herói conquista sua amada, desde que esteja dis¬posto a ceder
só um pouquinho. As obras de Susan já foram indicadas para diversos prêmios,
dentre eles o da associação Romance Writers of America e o da revista Romantic
Times. A autora vive em Seatde com o marido, com quem está casada há 40 anos, e
seus dois gatos.
PRÓLOGO
Querido diário,
Famílias são um saco. Por que não posso ter uma mãe e um pai comuns?
12 de maio de 1990
— Jane, Jane, estamos aqui!
Jane Kaplinski, 12 anos de idade, debruçou-se à janela de seu quarto. Abaixo, o
carro de sua amiga, dirigido por um motorista, estava parado ao lado da calçada em
frente à sua casa de classe média, as amigas Ava e Poppy saindo da porta traseira do
veículo.
— Já vou descer — respondeu, observando a nuvem de cabelos louros
cacheados de Poppy balançando com a brisa, a saia apertada nas pernas esguias.
Provavelmente, comprara a roupa no Kmart, mas, como sempre, parecia elegante, com
estilo, enquanto Ava, que se desenvolvera bem mais do que as colegas do mesmo ano,
parecia meio embrulhada no vestido verde-claro, a peça cara esticando no busto e nos
quadris. Mas seus cabelos vermelhos e lisos, mais vivos do que um sinal de perigo,
brilhavam à luz do sol de primavera, que surgiu de repente entre as nuvens, e suas
covinhas eram visíveis enquanto sorria para Jane.
Correndo a mão sobre a saia azul-marinho, Jane desligou o rádio, cortando ao
meio a voz de Madonna que cantava "Vogue". A porta da frente se abriu com uma
batida enquanto ela pegava a mochila e fechava cuidadosamente a porta do quarto
depois de sair. Sorria enquanto se dirigia para a escada, imaginando a insistência de Ava
para baterem à porta enquanto Poppy argumentava que não precisavam de convite
escrito para entrar.
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Mas foi a voz de sua mãe chamando-a que fez Jane congelar no último degrau da
escada um momento depois. A mala no hall devia tê-la preparado, mas estava tão
concentrada na saída com as amigas que nem a percebera. E agora sua mãe chegava, o
gelo batendo no copo de bebida que ela segurava, num ritmo familiar da mãe, enquanto
se dirigia com alegria frenética para a única filha.
Droga, droga, inferno.
— Você voltou — disse sem emoção enquanto a mãe a abraçava e a apertava
contra o peito e a sufocava com o forte perfume Obsession que lhe cobria o vale entre
os seios. Ficou rígida até Dorrie soltá-la, então começou a se afastar em direção à porta.
— É claro que voltei querida, sabe que jamais ficaria longe de você. Além
disso... — ajeitou de leve os próprios cabelos —... seu pai simplesmente implorou para
eu voltar. — Dorrie passou um braço pelos ombros de Jane e a observou, o hálito de
Johnnie Walker Black lhe saindo de sua boca e se chocando com o cheiro do perfume.
— Olhe só para você, toda bem arrumada e brilhante! Vai a algum lugar?
Jane se contorceu para se livrar dos braços da mãe e recuou um grande passo.
— Fui convidada para tomar chá na casa da Srta. Wolcott.
— Agnes Bell Wolcott? — Jane concordou.
— Minha menininha nas altas-rodas. — Dorrie a olhou rapidamente. — Não
achou nada mais colorido para vestir?
Jane lançou um olhar ao brilhante top amarelo da mãe.
— Gosto assim.
— Tenho umas lindas contas vermelhas que podemos usar para melhorar seu
visual. — Ergueu uma brilhante mecha dos cabelos castanhos e lisos de Jane e passou
nela os dedos. — Talvez arrumá-la um pouco? Sabe como é importante a aparência no
palco... se quer o papel, precisa cuidar da roupa adequada para ele!
Jane conseguiu não estremecer.
— Não, obrigada. Vou tomar chá, não estrelar uma das produções suas e de
papai. Além disso, não ouviu o carro de Ava parando diante da casa?
— Ouvi? — Dorrie deixou cair a mecha de cabelos e tomou outro gole de
Johnnie Walker. — Bem, sim, acho que ouvi, agora que você mencionou. Não estava
prestando atenção.
Grande surpresa. O interesse da mãe era todo pela própria mãe. Bem, isto ou
totalmente centrada no drama du jour do Show de Dorrie e Mike. A campainha da porta
tocou e com um suspiro de alívio Jane passou pela mãe.
— Preciso ir. Ava e eu vamos passar a noite na casa de Poppy, assim, até
amanhã.
E, Jane, estava grata por se livrar do dramalhão aquela noite, quando o pai
descobrisse que a mãe estava de volta. Certamente, seria cheio de paixão e fogos de
artifício, e tendo visto aquilo tudo vezes demais para contar, estava feliz por perder o
show.
Ava e Poppy entraram antes que ela chegasse à porta e imediatamente a
cercaram.
— Oi, Sra. Kaplinski, adeus, Sra. Kaplinski — gritaram, antes de puxá-la para o
carro.
Daniel, o motorista dos Spencer, abriu a porta de trás do Lincoln. Enquanto
Poppy mergulhava dentro do carro, ele ergueu a ponta do boné.
— Srta. Kaplinski.
Ela sempre tinha vontade de rir com a formalidade dele, mas apenas lhe deu um
aceno sério.
— Sr. Daniel.
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Entrou calmamente depois de Poppy, então Ava se jogou ao lado dela, e Daniel
fechou a porta.
As três amigas se entreolharam enquanto o motorista dava a volta no carro em
direção à porta de seu assento. Poppy segurou os cabelos e imitou uma atriz no palco.
— Consegue acreditar? — sussurrou dramática. — Chá na mansão Wolcott! —
Olhou para Jane e Ava e perguntou em sua voz normal — Por que a Srta. Wolcott nos
convidou de novo?
— Eu lhe disse, não tenho certeza. — Ava puxou a barra do vestido para cobrir
as coxas rechonchudas. — Talvez por que nós três tenhamos conversado com ela
naquela chata coisa musical que meus pais ofereceram. Eles ficaram tão maravilhados
por ela ter aceitado o convite. Acho que atualmente ela recusa mais do que aceita
convites e todos querem participar de festas em que ela está. Mas, ao mesmo tempo,
minha mãe diz que a Srta. Wolcott é uma verdadeira excêntrica e ficou com um pouco
de medo de ela dizer ou fazer alguma coisa que Não é Feita ou Dita pela Nossa Classe.
— Deu de ombros. — Não sei... ela me pareceu bem legal. Exceto, talvez, pela voz.
Meu pai diz que parece uma buzina de nevoeiro.
— Eu a achei muito interessante — disse Jane.
— Bem, sim — disse Poppy. — Ela esteve em todos os lugares e fez tudo.
Acredita que esteve em lugares como Paris e África e inclusive pilotou o próprio avião
até uns dois anos atrás? Além disso, tem aquela imensa mansão. — Ergueu-se no
assento e se deixou cair de novo. — Faz a sua casa parecer uma cabana, Ava, e achava
que não havia casa nenhuma mais bonita do que a sua. Estou louca para ver a da Srta.
Wolcott por dentro.
— Eu também — concordou Jane —, parece que ela coleciona todo tipo de coisa
de luxo.
Ava tirou uma barra de chocolate da mochila, rasgou o papel de uma das pontas
e ofereceu a Poppy e Jane uma dentada. Quando as duas recusaram, ela deu de ombros e
mordeu com vontade.
— Estou feliz de perder a aula de Cotillion. Qualquer desculpa para evitar o
Balofo Gallari é boa para mim.
Ao chegarem à mansão de três andares no declive ocidental da colina Queen
Anne foram recebidas por uma mulher idosa, que usava um vestido negro de estilo
severo, e levadas para um grande salão. A mulher garantiu que a Srta. Wolcott logo
estaria com elas e saiu da sala, fechando as portas altas e ornamentadas.
O salão de teto alto era sombrio e fresco, as janelas tinham cortinas de veludo.
Grupos ecléticos de objetos de arte cobriam cada superfície, fazendo o enorme salão,
onde todo o andar térreo da casa de Jane poderia caber, parecer quase aconchegante.
— Uau! — Jane se virou num círculo lento, tentando ver tudo ao mesmo tempo.
— Olhem para todas essas coisas. — Aproximou-se de um armário com portas de vidro
e observou as bolsas de contas. — São impressionantes!
— Como pode saber? — perguntou Ava. — Não há luz aqui.
— É — concordou Poppy —, vejam o tamanho dessas janelas... eu manteria as
cortinas abertas o dia inteiro se vivesse aqui. Talvez mandasse pintar as paredes de um
amarelo suave para tornar as coisas mais luminosas.
— Senhoras. — Uma voz profunda, única, soou atrás delas, e as três se viraram.
— Obrigada por virem. — Vestida com uma calça comprida e jaqueta de grife sobre
uma blusa de gola alta tão branca como os cabelos cuidadosamente penteados, Agnes
Bell Wolcott estava em pé à porta aberta do salão. Um camafeu lindo e antigo
descansava entre as dobras da gola da blusa; olhou para Poppy. — Pode abrir as
cortinas, se quiser.
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Sem nem mesmo um rubor por ter sido ouvida, Poppy correu para as cortinas e o
brilho suave de uma tarde nublada de Seattle imediatamente iluminou a sala, cujas
janelas se abriam para o sul.
— Bem, agora, vocês, meninas, gostariam de explorar algumas de minhas
coleções ou preferem um lanche leve primeiro?
Antes que Jane pudesse escolher a primeira opção, Ava se adiantou.
— Comer, por favor.
A anfitriã as levou para outra sala, onde havia uma mesa posta com enorme
capricho diante de uma lareira de mármore. No meio da mesa, uma bela bandeja de
prata continha um arranjo delicado de sanduíches, pães e biscoitos. Elas se sentaram nas
cadeiras diante das quais havia cartões pequenos com os nomes delas e a Srta. Wolcott
tocou a campainha para pedir chá. Então, voltou toda a atenção para elas.
— Imagino que estão se perguntando por que as convidei a vir aqui hoje.
— Estávamos falando exatamente disso a caminho daqui — disse Poppy com
franqueza, enquanto Jane fazia um aceno educado de cabeça e Ava murmurava — Sim,
senhora.
— Esta é minha maneira de lhes agradecer a companhia no sarau musical dos
Spencer na outra noite. Não é sempre que jovens senhoras perdem tempo fazendo
companhia a uma mulher mais velha, e gostei demais de conversar com vocês. —
Olhou-as com os olhos brilhantes de interesse. — Vocês, meninas, são muito diferentes
umas das outras. Posso perguntar como se conheceram?
— Somos colegas no Country Day — disse Poppy, e sorriu ao perceber a
inspeção discreta que a Srta. Wolcott fazia de suas roupas baratas. — Meus pais são do
tipo amor, paz e alegria, mas minha avó Inglesa estudou lá e paga minha mensalidade.
— E eu tenho uma bolsa — explicou Jane.
Não que seus pais tenham se dado o trabalho de ajudá-la. Se sua professora da
segunda série não tivesse enviado o pedido de bolsa de Jane, ela ainda estaria na escola
pública. No momento, ela mesma preenchia os documentos anuais, assim tudo o que os
pais precisavam fazer era assiná-los.
— E eu sou uma estudante comum — admitiu Ava. — Não faço nada de
especial para conseguir estudar e Jane e Poppy são alunas melhores do que eu. — Ela
sorriu, fazendo uma covinha de cada lado da boca. — Especialmente Jane.
Jane ruborizou e um calor agradável lhe percorreu as veias.
— Ava é especial de outras maneiras.
— Acho adorável uma amizade tão grande entre meninas — disse a Srta.
Wolcott. — Vocês são realmente uma irmandade.
Jane saboreou a palavra enquanto a mulher de vestido negro entrava na sala,
empurrando um carrinho com um elegante aparelho de chá. A Srta. Wolcott mostrou os
pacotes retangulares repousando sobre os pratos das meninas enquanto a serviçal
colocava o bule de chá diante dela.
— Comprei para vocês uma pequena lembrança de agradecimento. Por favor,
abram enquanto sirvo o chá.
Jane desamarrou cuidadosamente a fita e abriu o papel dourado de seu pacote,
enquanto Poppy rasgava o dela sem-cerimônia e Ava desembrulhava o dela do modo
educado que aprendera nas aulas de boas maneiras.
Jane sorriu para si mesma. Talvez não fosse realmente fácil ser uma menina rica;
Deus sabia que Ava reclamava demais com elas.
Aninhado no papel estava um livro de capa de couro num verde-escuro com seu
nome gravado em ouro. O de Poppy era vermelho e o de Ava um azul incrível.
Perguntando-se como a velha senhora sabia quais eram suas cores prediletas, Jane abriu
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o dela, mas as páginas com margens douradas estavam em branco, e, então, ela olhou
para a Srta. Wolcott.
— Escrevi um diário desde que tinha a idade de vocês — disse a dama de
cabelos brancos em sua voz de baixo profundo. — E, como vocês são meninas tão
interessantes, pensei que gostariam de manter um também. É um lugar especial para
partilhar segredos.
— Maravilhoso — disse Poppy. O rosto de Ava se iluminou.
— Que ótima idéia.
Olhando da Srta. Wolcott para as amigas que conhecia desde a quarta série, Jane
pensou em todas as impressões e sentimentos que lhe enchiam a mente constantemente.
As coisas nem sempre eram boas em casa, mas não gostava de falar sobre aquilo... nem
mesmo com suas duas melhores amigas; especialmente não com elas. Poppy tinha pais
maravilhosos, assim, embora fosse solidária com Jane pela forma como os pais dela
estavam constantemente entrando e saindo de casa, não podia realmente compreender
como aquilo deixava uma menina insegura. E, embora a vida de Ava em casa fosse
longe da ideal, pelo menos seus pais não eram um casal de atores que vivia pelo drama
de suas contantes entradas e saídas de casa, como se fosse um palco eterno. Mas a ideia
de escrever como se sentia realmente a atraía e sorriu.
— Talvez possamos chamá-los de Diários da Irmandade.
Capítulo 1
6
Nunca mais vou usar um fio dental. Poppy jura que são confortáveis... o que
deveria ter sido minha primeira pista do que realmente é.
— Oh meu Deus, Jane! — gritou Ava. — Oh, meu, Deus! É oficial.
Jane afastou o telefone da orelha; a voz da amiga subira tanto que não ficaria
surpresa se pudesse ouvi-la sem o aparelho. Mas voltou a apertá-lo enquanto a excitação
dançava uma ruma em seu estômago.
— Então o testamento foi finalmente homologado?
— Sim, dois minutos atrás! — Ava ria como uma louca fugitiva de um
manicômio. — A mansão Wolcott é oficialmente nossa, pode acreditar? Sinto muitas
saudades da Srta. Agnes, mas isso é maravilhoso demais. Oh meu Deus, mal consigo
respirar, estou tão excitada! Tenho que ligar para Poppy e contar a ela também. — Riu
de novo. — Temos que celebrar; você se importa de vir para West Seattle?
— Deixa ver. — Esticando o fio do telefone o máximo, saiu de seu apertado
escritório no sexto andar do Seattle Metropolitan Museum para olhar a porta aberta da
diretora, a duas portas do escritório dela. O escritório de canto da diretora tinha uma
vista panorâmica desde Magnolia Bluff até Mount Rainier, com as Olympic Mountains
se erguendo dramaticamente além da Elliott Bay e do Puget Sound. Não que ela pudesse
ver mais do que um pequeno trecho do ângulo em que estava, mas não tinha interesse
no cenário. O fluxo do tráfego era seu objetivo. — Vai dar, a avenida parece bem livre
em sua direção.
— Ótimo, vamos nos encontrar no Matador's em uma hora. As bebidas mais
caras ficam por minha conta.
Jane se pegou rindo enquanto trocava os sapatos de salto pelos de rua, e os
jogava na bolsa, enquanto se aprontava para sair. Requebrando os quadris ao som da
música que tocava em sua cabeça, passou batom e o guardou na bolsa também.
— Você parece animada. Jane gritou.
— Deus do céu! — Colocou a mão sobre o coração disparado e se virou para o
homem à porta.
— Desculpe. — Gordon Ives, seu colega curador júnior, entrou na sala. — Não
pretendia assustá-la, mas por que estava dançando?
Normalmente, nem pensaria em lhe contar. Tinha uma política rígida de manter
seus assuntos particulares fora do trabalho que funcionara bem durante toda a sua
carreira e não via motivo para mudá-la.
No entanto...
Parte da herança teria um grande impacto sobre o museu, assim ele saberia logo,
de qualquer maneira. E a verdade é que estava excitada.
— Vou tomar posse das coleções Wolcott.
Ele a olhou, os olhos azuis com uma expressão de incredulidade.
— As coleções de Agnes Bell Wolcott? A Agnes Wolcott, que viajava usando
calça comprida quando sua geração ficava em casa para cuidar de crianças e nem
sonhava em sair de casa sem vestidos, luvas e chapéus?
— É, mas ela não usava apenas calças. Usava vestidos, peles e longos também.
— Há séculos que ouço sobre as coleções dela. Mas achei que tinha morrido.
— Morreu, em março passado. — Então a dor a envolveu pela segunda vez
aquele dia ao se lembrar. Havia um lugar vazio em sua alma que a Srta. Agnes
costumava ocupar, e ela respirou fundo. Então, talvez por que estivesse um pouco
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desequilibrada, ouviu-se admitir: — Ela as deixou para mim e para duas de minhas
amigas. — Assim como a mansão, mas Gordon não precisava saber disso.
— Está brincando! Por que ela faria isto?
— Porque éramos amigas; mais do que amigas, na verdade... Poppy, Ava e eu
éramos provavelmente o que a Srta. Wolcott tinha mais perto de uma família.
Sua primeira visita 18 anos antes havia levado a chás mensais, a uma amizade
que se aprofundara e a maravilhosa e fascinante velha dama demonstrou um interesse
pessoal por suas vidas e sucessos, tratando as três como se, de alguma forma, fossem
igualmente fascinantes. Sempre ultrapassara limites por elas, celebrando seus sucessos
de uma forma que nenhuma outra pessoa fazia... bem, pelo menos nas vidas dela e de
Ava. Como o jantar de comemoração que lhes oferecera em Canlis no dia em que Jane
conseguira o emprego no museu.
Passou uma das mãos sobre a boca para ocultar o súbito tremor, então se
controlou. Não demonstraria suas emoções neste lugar nem diante daquela pessoa.
— De qualquer maneira — disse ela, com falsa alegria —, ficarei aqui apenas
pela manhã nos próximos dois meses. Duas das coleções foram doadas ao museu e
Marjorie me deu as tardes para catalogá-las na mansão Wolcott.
— A diretora sabia?
— Sim.
— Estou surpreso por mais ninguém saber. — Ela o olhou, atônita.
— Por que deveriam?
— Bem, é só... você sabe, nada parece ficar em segredo por aqui.
— Verdade. Mas esta foi uma herança particular e eu e minhas amigas fomos
apanhadas de surpresa. Depois, houve os meses para a homologação do testamento
antes que tudo terminasse. Tivemos muito trabalho para descobrir como fazer tudo e só
contei a Marjorie porque uma das doações testamentárias afeta diretamente o museu.
Não vi motivo para falar no assunto com pessoas que não estavam envolvidas na
questão.
Percebendo que o colega curioso estava prestes a perguntar qual era a doação e
talvez até quem mais havia recebido, Jane olhou as horas em seu grande relógio de
pulso com pulseira de couro.
— Ops, tenho que ir, preciso tomar um ônibus. — Agarrou a bolsa, levou o
colega para fora do escritório e trancou a porta.
Ao sair à rua, alguns minutos depois, vestiu o suéter de caxemira para se
proteger do vento forte e frio e colocou os óculos escuros para se proteger dos raios
vivos do sol de outubro. Apenas mencionara o ônibus para tirar Gordon do escritório,
mas, depois de um rápido debate mental, decidiu não ir de carro até em casa e foi até a
Marion Street para pegar o ônibus 55.
Quando o ônibus se aproximou da Alaska Junction um pouco depois, ela voltou
a calçar os saltos altos, sorrindo para as sandálias de estampa de leopardo. Adorava
aqueles sapatos e provavelmente seria uma das últimas vezes que os usaria naquela
estação; de acordo com a previsão do tempo do KIRO, os dias ensolarados estavam para
terminar.
Chegou ao restaurante antes de Ava e Poppy, mas, embora fosse uma noite de
semana e cedo, o bar de tequila Matador s estava começando a encher. Pediu uma soda
no bar e se dirigiu para uma das poucas mesas vazias.
Nunca estivera lá e passou alguns minutos admirando o conceito de fluxo livre
do bar para o restaurante e o intrincado trabalho de metal em exibição. Gastou outro
minuto lendo o cardápio, mas logo lhe pareceu melhor observar as pessoas e se entregou
ao estudo de cada uma delas.
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A maioria era jovens de pouco mais de 20 anos, mas na extremidade do
restaurante havia quatro homens que lhe chamaram a atenção. As idades variavam de
quase 30 a talvez 40 anos, e pareciam muito interessados numa conversa. De vez em
quando, porém, todos riam instigados, pelo que parecia, por um ruivo de ombros
imensos.
Nunca se sentira particularmente atraída por ruivos, mas aquele cara era alguma
coisa a mais. Os cabelos tinham uma cor especial, escura, as sobrancelhas eram mais
negras do que as penas de um urubu e a pele surpreendentemente bronzeada, em vez da
cor pálida associada ao seu tipo, como aprendera depois de conviver tantos anos com
Ava.
Apesar de tentar desviar a atenção para outras coisas, seu olhar repetidamente
voltava para ele. Parecia muito interessado na conversa com os amigos, debruçando-se
sobre a mesa para falar, as sobrancelhas negras franzindo num momento, depois
relaxando quando ele sorria e gesticulava em seguida; falava muito com as mãos.
Mãos grandes, fortes e ásperas, com dedos longos e grossos que provavelmente
poderiam...
Jane se assustou como se alguém tivesse, de súbito, batido palmas diante de seu
rosto. Deus do céu, o que estava fazendo... o que estava pensando... sobre as mãos de
um estranho? Era tão diferente do seu comportamento normal.
E quem diria que ele escolheria aquele exato minuto para olhar através do salão
e apanhá-la com o olhar grudado nele?
Ela congelou enquanto ele continuava a falar com os outros caras na mesa e, ao
mesmo tempo, observava-a da cabeça aos pés, demorando-se ali por alguns segundos
antes de começar a viagem de volta.
Quando chegou de novo ao rosto dela, disse alguma coisa aos companheiros sem
tirar os olhos dela, então afastou a cadeira da mesa e se levantou. Iria até ela? Ooh.
Não! Quantos anos tinha, 18? Não estava aqui em busca de um encontro... e não
escolheria um bar se estivesse.
— Ei, Jane, desculpe, estou atrasada. Estou vendo que Poppy também não
chegou.
Jane olhou para cima, viu Ava se aproximando da mesa e cada maldita cabeça
masculina se virava para observar o progresso da amiga. O ruivo do outro lado do salão
não foi exceção. Observou Ava por um momento antes de voltar o olhar para Jane de
novo. Por um segundo ficou lá, passando a mão na nuca, então ergueu um dos ombros
largos e se dirigiu para o banheiro masculino.
Seu traseiro era tão agradável como o restante dele. Mas, depois de lhe dar um
último olhar antes de voltar a atenção para Ava, que puxava uma cadeira, ela percebeu a
hesitação clara nos passos de um homem que bebera demais.
— Bem, droga. — Seu desapontamento era enorme, o que era idiota
considerando que jamais conversara com o cara.
— O quê? — Ava jogou sua bolsa Kate Spade sobre a mesa e deslizou
graciosamente para a cadeira.
— Nada — fez um gesto com a mão —, não é importante. — Ava apenas olhou
para ela. — Certo, certo, estava flertando com aquele ruivo grandalhão no restaurante
e... não se vire! Pelo amor de Deus, Ava, ele foi ao banheiro.
— Flertar é bom... especialmente para você, já que quase não faz isso. Mas por
que está zangada?
— Ele está bêbado e só percebi quando ele se levantou.
— Ah, Janie. Nem todos que tomam uns goles a mais têm um problema de
bebida. Algumas vezes é só um exagero de vez em quando.
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— Eu sei — disse ela, parcialmente porque sabia, mas principalmente por que
não queria discutir aquela noite.
Mas Ava a conhecia bem demais e, em vez de abandonar o assunto, debruçou-se
sobre a mesa, os cabelos brilhantes caindo para frente, e jogou-os para trás, prendendoos atrás da orelha.
— Você já viu Poppy e eu bebendo um pouco demais de vez em quando e
jamais se aborreceu conosco.
— Sim, porque conheço vocês e sei que é raro beberem demais. — Deu de
ombros, irritada. — Escute, sei que não sou muito racional no assunto e não preciso de
um psiquiatra para compreender que o motivo é a forma como papai e mamãe bebem
desde sempre. Da mesma maneira, não vai me fazer mudar de ideia, Av, assim, vamos
esquecer tudo, está bem? Estamos aqui para celebrar.
As covinhas da amiga apareceram.
— Oh meu Deus! Estamos mesmo! Está tão excitada como eu?
— E mais um pouco. Estou tão ansiosa ao pensar em pôr minhas mãos naquelas
coleções que mal consigo pensar direito. Não consegui conversar com Marjorie esta
tarde, mas a menos que surja alguma coisa especial no Met... e tudo tem sido bem
tranquilo esta semana... estou esperando começar a separar tudo na segunda-feira.
— Desculpem, estou atrasada. — Poppy chegou sem fôlego à mesa delas.
Ava fez um som rude.
— Como se não soubéssemos que você jamais chega na hora. Onde vocês
estacionaram, por falar nisso? — perguntou, enquanto Poppy deixava cair sua enorme
bolsa no chão e se sentava na cadeira ao lado dela. — Encontraram uma vaga na rua ou
no estacionamento da rua lateral?
— Deixei o carro no estacionamento — disse Poppy.
— Eu peguei o ônibus.
As duas amigas olharam para ela de boca aberta, então piscaram.
— O quê?
— Você é louca, sabia? — Poppy balançou a cabeça.
— Por que sou o tipo de garota que pega transporte público?
— Não, porque o ônibus diminui a circulação à noite e não é seguro ficar num
ponto de ônibus no escuro.
— Oh, e é seguro caminhar por uma rua lateral escura para chegar ao seu carro?
Além disso, sempre posso pegar um táxi. Não entendo por que tanta confusão. Ava
disse que era para encontrar vocês em uma hora, e sei que não chegaria em tempo se
fosse em casa primeiro.
— E como Poppy nunca é pontual, você nunca chega atrasada. — Jane deu de
ombros.
— Todos temos nossas pequenas idiossincrasias; devemos falar sobre as suas?
— Certamente poderíamos... se eu tivesse alguma. Mas gosto de deixar essas
coisas para minhas irmãs menos importantes. — Serenamente, chamou a garçonete e
pediu uma tequila especial; Poppy também quis, então se virou para Jane.
— E você, Janie? Quer outra soda?
— Não, acho que vou tomar um cálice de vinho... o branco da casa — falou para
a garçonete.
As amigas deram vivas, batucaram na mesa e, de um modo geral, fizeram um
grande alarde sobre sua escolha incomum. Jane olhou para elas quando a garçonete saiu.
— Ao contrário da opinião popular, meninas, sei fazer uma exceção quando a
ocasião merece. — Então sorriu — E esta é, definitivamente, a ocasião.
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— Amém, irmã — concordou Poppy. Quando os pedidos chegaram, Ava ergueu
a taça.
— Às proprietárias de um novo lar. — Jane e Poppy bateram as taças na dela.
— Às proprietárias de um novo lar!
Jane tomou um gole do vinho, então ergueu a taça de novo.
— À senhorita Agnes. — Bateram as taças de novo.
— À senhorita Agnes!
— Cara, sinto falta dela — disse Poppy.
— Sim, eu também. Jamais conheci uma adulta como ela. Então Poppy ergueu a
taça.
— A você, Jane. Que catalogue rapidamente as coleções da Srta. Agnes.
— A mim — disse ela, enquanto Ava e Poppy exclamavam:
— A Jane!
Então, numa rara demonstração de insegurança, Jane acrescentou:
— E se eu fizer tudo errado?
Olharam umas para as outras enquanto pensavam na possibilidade de um
fracasso. Então Ava riu, Poppy fez um ruído grosseiro e Jane balançou a cabeça, suas
inseguranças desaparecendo.
— Não. — Se havia uma coisa em que tinha absoluta confiança, era em sua
habilidade em sua profissão.
— Isto me faz lembrar... — Poppy se virou na cadeira para olhar para o bar. —
Pedi ao presidente da Kavanagh Construction para passar aqui se pudesse, para vocês o
conhecerem. E lá está ele!
Para o espanto de Jane, Poppy acenou para um dos homens à mesa que
observara antes, então se levantou e andou pelo bar.
Com sua habitual segurança, parou junto ao homem careca que Jane imaginara
ter 40 anos e começou a conversar com a confiança de uma mulher que sabia que seria
bem-recebida. Depois de uma breve conversa, ela se virou e apertou as mãos dos outros
três homens, então fez um gesto em direção a Jane e Ava e disse alguma coisa.
Para o horror de Jane, não só o homem careca se levantou e a seguiu pelo salão,
mas também o ruivo, que tropeçou numa cadeira desocupada de uma mesa a pequena
distância da delas e depois arrastou os pés pelo resto do caminho. Ao chegar à mesa
delas, ele precisou de apoio para se equilibrar e praguejou baixinho.
— Dev! — exclamou, irritado, o careca. — Comporte-se!
— Desculpe a linguagem, senhoras. — O ruivo lhes deu um sorriso torto. —
Estou seriamente afetado pela diferença de fuso horário.
— Mais seriamente afetado pela bebida — disse Jane baixinho.
— Jane, Ava, este é Bren Kavanagh e este é o irmão dele, Devlin — disse Poppy
erguendo a voz para abafar a de Jane. — Como lhes disse, os Kavanagh estão
encarregados da nossa reforma. Bren acabou de me dizer que Devlin fará o projeto,
administrará...
— Não. — Jane empurrou a mesa, enfurecida. Uma coisa era suportar um
homem embriagado num bar por uma noite, mas jamais aceitaria conviver com um
enquanto tentava catalogar as mais importantes coleções de sua vida.
Devlin, que estivera olhando sem ver para seus dedos que repousavam sobre a
mesa, ergueu os olhos castanho-esverdeados e piscou para ela. O olhar era vago, mas
aparentemente não gostou do que vira na expressão dela e entrecerrou-os, as
sobrancelhas negras se juntando.
— O quê?
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— Não. É uma palavra muito simples, Sr. Kavanagh... que parte dela não
compreendeu?
— Ei, escute...
— Não, escute você! Não aceitarei um maldito bêb...
— Ei! — gritou Poppy enquanto segurava o pulso de Jane e a fazia se levantar.
— Com licença — disse Poppy aos dois homens e saía em direção ao fundo do bar, sem
deixar a Jane alternativa a não ser segui-la ou ser arrastada como uma boneca de pano.
Dev observou a bela morena ser tirada da mesa.
— Certo, então, tô saindo daqui. — Endireitou o corpo. Oaa. Abriu a mão sobre
a superfície da mesa para se equilibrar. O maldito salão estava começando a balançar.
Os olhos de Bren entrefecharam enquanto o observava.
— Cara, você está mamado. Melhor se sentar antes que caia.
Boa ideia. Começou a puxar a cadeira perto da ruiva com os grandes se...
— Na nossa mesa, cara.
— Oh. Sim. Certo. — Fez um aceno com a cabeça para a ruiva com o corpo
assassino por seu sorriso simpático, então voltou, os passos inseguros, para a mesa onde
estavam Finn e David.
Que diabos estava fazendo ali? Devia estar na cama para dormir por dez horas
seguidas. Não devia deixar Bren o fazer se sentir culpado por sair para discutir como
cuidaria das coisas enquanto o irmão fazia o tratamento. Ou, depois que aceitara, devia
ter sido bem esperto para não tomar as duas doses de tequila depois de tomar uma ou
duas doses do precioso uísque Redbreast do pai. Era de boa linhagem irlandesa; era
capaz de beber muito sem ficar embreagado.
Esta noite, porém... bem, não dormia há mais de 35 horas, 19 delas viajando de
Atenas, Grécia. Já estava morto de cansaço quando seu irmão Finn o encontrou no
aeroporto.
Mas não havia descanso para os malvados no que se referia aos Kavanagh.
Quando um filhote voltava ao ninho, não importava a idade, uma celebração não era
apenas esperada, era obrigatória. E uma reunião não era uma reunião a menos que
incluísse todos os seis de seus irmãos e irmãs, seus respectivos maridos, esposas e
filhos, seus pais, as duas avós e seu avô, seus dois tios, quatro tias e as famílias deles.
Era justo, conhecia o procedimento.
Mas devia ter dado menos atenção ao uísque do pai e mais à comida da mãe.
— Que fora, Dev — disse o irmão mais novo com um sorriso sarcástico quando
Devlin chegou à mesa. — De volta à cidade apenas algumas horas e já mandado de
volta para a mesa das crianças para que Bren pudesse conversar com os adultos.
— Você é um chato, David, sabia? — Deu uma gravata no irmão, firmou-se no
corpo dele e passou os nós dos dedos nos cabelos castanhos de David. — Devia
participar de umas dessas comédias idiotas de televisão. — Soltou-se e se sentou na
cadeira antes ocupada por Bren. — Mas tenho que admitir, parece mesmo que foi isso.
Aparentemente, minha bebedeira ofendeu uma das clientes em perspectiva.
— Não consigo imaginar por quê — disse Finn, seco. Devlin sorriu.
— É, nem eu. Droga. — Passou os dedos sobre lábios que pareciam de borracha.
— Não percebi o quanto estava mamado até me levantar para ir com Bren à mesa delas.
Tive que usar toda a concentração para andar numa linha reta. — Finn observou-o.
— E como se saiu?
— Nada bem. — Olhou para o irmão mais velho ainda conversando com a ruiva
do outro lado do salão, então se virou para os outros, de repente se sentindo muito mais
sóbrio. — Então, como ele está, de verdade?
— Ele tem dias bons e ruins. Acho que prefere lhe contar tudo ele mesmo.
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— E, ele falou muito até agora. — Olhou para os irmãos. — Ainda estou
zangado por não saber de nada até três dias atrás.
Finn olhou para ele sem expressão.
— Você está separado da família há dez anos, irmãozinho. Talvez tenhamos
pensado que não estava interessado.
Devlin se levantou, pronto para brigar, mas Finn apenas olhou para ele com
olhos escuros e calmos e Dev voltou a se sentar. Deu de ombros e olhou severamente
para o irmão.
— Posso estar geograficamente afastado, mas da última vez que conferi ainda
era um Kavanagh, ainda sou da família.
O que, sem dúvida, lhe causava tanto aborrecimento agora como causara quando
tinha 19 anos. Adorava o clã Kavanagh, mas se ficasse muito tempo junto deles
enlouqueceria. No entanto, embora tivesse se afastado para que ninguém se inteirasse de
seus assuntos, isso não era a tagarelice comum... oh você soube que Dev está
namorando a menina 0'Brien acho que maio será um mês ótimo para o casamento...
isso era Bren, com câncer. Doía como os diabos ninguém ter se incomodado em pegar o
telefone e lhe contar.
— Ainda sou da família — repetiu, furioso.
— Certo, certo, Finn sabe — disse David querendo manter a paz. — Mas isso é
uma coisa que tem que discutir com Bren. Foi decisão dele não sobrecarregar você com
a doença quando não havia nada que pudesse fazer para ajudar. Mas agora você pode, se
não espantou a cliente. Então... o que foi? Ela não gostou de você por que não aguentou
a bebida esta noite? Não explicou a diferença de fuso horário?
— Claro que expliquei.
— Então, o que foi aquilo tudo?
Ele pensou na morena. Ela lhe atraíra o olhar do outro lado do salão. Não tinha o
corpo da ruiva ou a aparência de modelo da loura e, na companhia delas, passaria bem
despercebida. Deus sabia que não era seu tipo, mas estava sozinha e olhando para ele e,
de repente, ele ficou interessado.
Foram as contradições, pensou. Usava uma blusa branca sem decote que
mostrava apenas um pouco da renda do sutiã que nem valia a pena olhar e uma saia
preta no meio das panturrilhas com um corte no centro que mal chegava acima dos
joelhos, sem mostrar nada de um território mais interessante. Mas seus sapatos de saltos
altos tinham uma estampa de pele de leopardo e eram destinados a fazer um homem
perceber que as pernas brancas e lisas que acentuavam eram malditamente atraentes. E
embora seus cabelos castanhos brilhantes estivessem presos no alto da cabeça num
coque de velha senhora, haviam caído para o lado e pareciam a dez segundos de
despencar sobre aquele pescoço longo.
Mas a verdadeira contradição eram seus olhos. Não pudera perceber do outro
lado do salão, mas eram azuis. E, ao contrário de suas roupas, não havia nada de
modesto neles. Na verdade, olharam para ele como se ela quisesse lhe dar o mais
quente...
Droga. Afastou a imagem que lhe surgiu na mente por que, quem diabos se
importava? Obviamente, não tinha senso de humor, era crítica, e Dev olhou para David
e deu de ombros.
— Não faço a menor ideia, irmão, não sei qual é o problema com ela.
— Quer saber qual é o meu problema? — Jane arrancou o punho da mão de
Poppy e se segurou na bancada da pia do banheiro feminino às suas costas para se
impedir de acertar um soco no lindo queixo da amiga. Podia ter feito isso quando tinha
dez anos, mas depois aprendera a se controlar; inferno, ela vivia e respirava controle no
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presente. — Meu problema — disse, friamente — é, um: não gosto de ser puxada à
força por você e, dois, e este é o maior, Calloway: você está pretendendo que eu
trabalhe com um bêbado quando cuido das mais importantes coleções da minha vida.
Sabe muito bem que estou com tempo curto para preparar a exposição para janeiro e a
última coisa de que preciso é cuidar de um bêbado, e esse é o meu problema.
— Acha que é a única com dificuldades? — Poppy chegou tão perto que seu
nariz tocou o de Jane. — Isso não é apenas sobre você, e sabe muito bem. Nenhuma de
nós quer falhar quando a Srta. Agnes demonstrou tanta confiança em nós. Pelo menos
você tem experiência para enfrentar seu desafio. Ava tem que vender a mansão sem
nenhuma experiência de vendas de propriedades e eu sou responsável pela redecoração.
E isso não é pouco, Kaplinski, já que ganho a vida me ocupando com cardápios!
— Oh, por favor! — Jane empurrou o nariz no dela. — Como se você não
soubesse que a Srta. A. pediu que você redecorasse por que passou todo o tempo
tentando fazê-la redecorar a mansão desde a primeira vez que viu o lugar! Quantas
sugestões fez a ela durante anos para melhorar a mansão? Um milhão? Dois? E aposto
que encarregou Ava de vender por que ela é a única de nós que tem contatos com a
espécie de pessoa que terá dinheiro para comprar.
— Está bem, talvez você tenha razão. Mas me esfalfei procurando e
entrevistando empreiteiros e os Kavanagh são altamente respeitados em sua área de
atuação. Sem mencionar que aceitaram o trabalho por um valor 20 por cento inferior à
sua taxa habitual em troca da publicidade que terão por reformar a mansão Wolcott.
Assim, supere isso! Sua aversão a bêbados não vai estragar isso para mim e Ava e para
você também.
Jane viu que Poppy estava realmente zangada, e isso era tão raro que a fez
engolir a raiva e fazer um aceno seco.
— Me dê um pouco de espaço — murmurou, e Poppy recuou.
Jane arrumou as roupas, ajeitou as mechas de cabelo que haviam escapado do
coque e olhou para a amiga.
— Certo, ele fica. — Não havia nenhum entusiasmo em sua voz. — Mas se ele
beber uma vez no trabalho, não me responsabilizo por minha reação.
— É justo.
— Estou contente que pense assim, por que espero que você me ajude a enterrar
o corpo.
— Você me magoa. — Poppy apertou uma das mãos no peito. — Afinal, para
que servem as amigas?
Capítulo 2
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— Farei um bom trabalho. A Srta. Agnes certamente acreditou que eu podia...
acreditou que nós três podíamos... e nada nem NINGUÉM me impedirá de fazer o
melhor que puder.
— Parece que o trabalho foi destinado a você.
Jane ficou tensa ao reconhecer a voz. O fato de conseguir, depois de um
encontro apenas, a fez ter vontade de lançar-lhe uma série de palavrões. Em vez disso,
ela se esforçou para adquirir uma expressão neutra antes de se virar lentamente para ele.
Devlin Kavanagh, o corpo rijo extremamente masculino numa camiseta azulmarinho, jeans muito usado e botas, estava em pé à entrada do salão, o cabelo ruivo
brilhando sob as luzes que ela acendera.
O coração dela disparou, e pondo as mãos nos quadris fechou a mente contra a
atração.
— O que você quer Kavanagh?
— Oh, isso foi tão cordial! — Afastando-se da entrada, colocou a cabeça para
trás, fechou os olhos e, com gestos largos, tocou a ponta do nariz com o dedo indicador
da mão direita, depois, com o da esquerda, e finalmente com o da direita de novo.
Endireitando-se, ele a olhou tranquilamente.
— Olhe, moça, passei no teste de sobriedade.
— No momento. Mas vamos ver por quanto tempo, não é?
Devlin entrecerrou os olhos, deixando apenas duas tiras finas de verde-dourado
entre os cílios longos e espessos.
— Qual é o problema com você? Não estava mentindo na outra noite quando
disse que estava sob o efeito da diferença de fuso horário. Talvez não devesse ter
tomado aquelas duas tequilas no bar, mas dá um tempo. Fiquei acordado por 36 horas e
elas me atingiram com mais força do que o normal.
Sentiu-se mortificada; ele estava certo. Comportara-se como uma idiota crítica e
a esta atitude não combinava com ela. Não conhecia o cara, não tinha o direito de
criticar suas ações.
— Peço desculpas — disse ela, rija. Ele fez um som de incredulidade.
— Certo, isso parece realmente sincero.
Que diabos ele queria dela? Estava com a coluna doendo de se manter tão rígida
contra a tentação de se aproximar dele. Não compreendia essa atração intensa, mas
sabia de uma coisa: era mais forte do que alguns hormônios enlouquecidos. Ergueu o
queixo e encarou-o.
— Então peço desculpas por isso também. Seus problemas de bebida não são da
minha conta.
— Jesus, você não dá uma folga, dá?
— Eu pedi desculpas!
— Da maneira mais agressiva que já ouvi. Mas tem razão sobre uma coisa, irmã.
Se eu tivesse problemas com bebida, não seriam da sua conta.
Uma coisa era admitir que estava errada, outra muito diferente era ouvi-lo
criticá-la.
— Quer alguma coisa, Sr. Kavanagh?
— Dev.
Ela lhe deu o olhar e?
— Me chame de Dev, ou de Devlin, se insiste em ser formal. Sr. Kavanagh é
meu pai.
— Certo. Há alguma coisa que eu possa fazer por você, Devlin? — Debruçou-se
para mexer na coleção de cestas de vime do Columbia Ríver aos pés dela.
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— Estou tentando localizar plantas atualizadas da mansão. Alguns dos aposentos
parecem errados, mas o lugar tem mais de 100 anos e infelizmente também não tenho os
originais. Pelo que sei, o lugar é cheio de passagens secretas ou buracos para
esconderijo. Gostaria de saber com o que estamos lidando antes de começar a derrubar
paredes, porque esconderijos podem valorizar a casa para venda que, segundo Bren, é o
objetivo de vocês.
A ideia de passagens secretas a intrigou, mas se recusou a ser atraída. Quanto
mais cedo se livrasse do Sr. Sou sexy demais, melhor. No entanto, em vez de lhe dar
uma resposta direta, ouviu-se perguntar:
— E você está me perguntando por que...?
— Você parece ser a moça com todas as respostas por aqui. Então, sabe onde
estão as plantas?
— Não, lamento. — E realmente lamentava porque, quanto mais informações a
Kavanagh Construction tivesse, melhor ficaria a restauração. E adoraria ver a velha
mansão reformada da forma que merecia. — Tenho certeza que há mais do que um
conjunto, mas sinceramente não sei onde a Srta. Agnes os guardava; tudo o que sei é
que a mansão Wolcott foi renovada diversas vezes. A última foi quando reformou o
interior, em 1985.
Ele acenou.
— O ano em que os diamantes Wolcott foram roubados pelo gerente da firma de
reformas.
Jane deixou de fingir que prestava atenção ao trabalho que devia estar fazendo e
se levantou para olhar diretamente para Devlin.
— Você sabe disso?
— Boneca, sou um menino de Seattle. — Deu-lhe um sorriso que a fez ter
certeza que conquistara mais mulheres do que gostaria de saber. — Aqueles diamantes
são uma lenda urbana, todos sabem sobre eles.
Bem, ela era uma menina de Seattle e...
— Eu não sabia, não até recentemente. A Srta. Agnes nunca falou sobre o roubo
ou o assassinato de seu empregado Henry. — Deu de ombros. — Pelo menos, não até
Poppy saber disso por alguém e começar a atormentá-la para saber a história. — Ela
sorriu à lembrança — Poppy pode ser uma verdadeira pitbull quando fareja um assunto.
Ele começou a entrar na sala, mas parou quando a viu enrijecer. Encostando um
ombro musculoso no batente da porta, ele enganchou os polegares no cinto e observoua.
— Henry, huh? Era o homem de negócios dela que foi morto quando o ladrão
voltou para recuperar os diamantes que havia escondido?
— Você é o especialista, menino de Seattle.
— Ei, eu era criança quando tudo aconteceu. Fiquei interessado no assassinato e
na confusão, mas principalmente fascinado pela ideia de um conjunto de jóias valendo
milhões de dólares abandonados em algum lugar.
— Sim, bem, Henry era o empregado para todas as questões. Era seu mordomo,
seu secretário, seu conselheiro e acho que provavelmente também seu ama... — Jane
parou, abalada.
O que estava fazendo? Já determinara que não conhecia Devlin e, embora fosse
tolice não confiar nele para fazer o trabalho, isso não queria dizer que também devia lhe
fazer confidencias. Então, por que quase deixara escapar o que ela e as amigas
acreditavam, que Henry tinha sido mais para a Srta. Agnes do que um simples
empregado? A velha dama jamais admitira, mas sua expressão quando falara sobre ele e
o fato de que ele nem deveria estar lá na noite em que supostamente Maperton invadira
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a casa para recuperar os diamantes desaparecidos no ano anterior as levaram a acreditar
que Henry fora também seu amante, além do empregado que cuidava com tanta
eficiência da casa e dos negócios.
Mas, certamente, não pretendia confidenciar a Devlin Kavanagh suas suspeitas,
como se fossem amigos.
— Bem, escute. — Ela lhe deu seu melhor sorriso profissional. — Tenho
trabalho a fazer. Como disse, realmente não sei onde as plantas possam estar. Nem
tenho certeza que existem, mas lhe direi se encontrá-las.
Ele a olhou por um momento e então recuou, as mãos nos bolsos do jeans.
— Obrigado. Tenho um conjunto parcial do acréscimo da cozinha que foi feito
em 1909. Irei ao centro da cidade para ver se o arquivo de King County tem os originais
ou qualquer modificação desde então. — Deu-lhe um olhar dos pés à cabeça, passou a
língua no lábio inferior e acenou. — Vejo você por aí, Pernas.
Pernas? Ela olhou da soleira da porta agora vazia para as pernas em questão,
vestidas em calça Levi's preta, combinada com um blazer também preto e uma camisa
branca. Tinha pernas longas, mas nada havia nelas de especial. Sempre achara que eram
finas demais, o que dificilmente as qualificava como material de exibição.
Então se deu um empurrão mental e a ordem para esquecer tudo aquilo. Mas,
Deus do céu, o homem era uma zona ambulante de Perigo para Mulheres. Imaginava
que, com aquela confiança, aqueles olhos e corpo, as mulheres deviam cair aos pés dele
desde que entrara na puberdade, talvez até antes. Bem, mas ela não; no que lhe dizia
respeito, era o Sr. Invisível a partir daquele momento. Ia se manter à distância, tirá-lo da
cabeça e sentar o traseiro para trabalhar. Colocar as coleções da Srta. Agnes em ordem,
para que pudesse começar a pesquisá-las e catalogá-las, o que era um trabalho enorme, e
estava muito feliz com a perspectiva de pôr as mãos no material.
Ao mesmo tempo, estava um pouco surpresa com o volume da doação ao museu
e precisava trabalhar. Jamais cuidara de nada daquela magnitude, e tinha um prazo bemcurto.
— Então o relógio está batendo e eu aqui, o dia todo girando como um demônio
louco ao som de músicas da Tasmânia, perdendo tempo apenas imaginando por onde
começar — confessou a Ava mais tarde, quando a amiga chegou para saber como estava
o trabalho. — E também — acrescentou, secamente — ficando um pouco nostálgica
com tantas peças, e o resultado é que ainda não fiz nada.
— Jane, Jane, Jane. — Ava pegou um livro, uma primeira edição preciosa, e
passou o dedo carinhosamente sobre a antiga capa de couro e depois o colocou no
mesmo lugar da prateleira de onde o tirara, e voltou os olhos para a amiga. — Não é
difícil. Quando em dúvida, comece pelas joias.
Jane deu uma risada assustada e abraçou a amiga impulsivamente.
— Você, Srta. Spencer, é um gênio! Fiquei fazendo um pouco disso e um pouco
daquilo em todas as coleções, quando devia estar me concentrando nas peças do Met.
As joias são um lugar excelente para começar e são parte das doações ao museu. —
Pegou seu notebook Apple e se dirigiu para a escadaria. — Vamos, tenho as senhas para
o cofre, vamos ver o que há nele.
Eram quase 17h quando Dev entrou de novo na mansão. Provavelmente, deveria
ter dado o dia por terminado e voltado para o apartamento que sua irmã Maureen havia
alugado para ele em Belltown. Mas chovia forte, o lugar ainda não parecia um lar, e ele
preferiu acender a lareira no pequeno estúdio no segundo andar, tomar seu Starbucks e
ouvir a chuva batendo nas janelas enquanto estudava as informações que recolhera nos
escritórios do County Assessor e do Department of Development and Environmental
Services.
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Não que fosse muita coisa. Antes de 1936, os arquivos do County Assessor para
edifícios eram feitos a mão em cartões com muitas revisões e mudanças, e não havia
uma única foto. Bem inúteis, em outras palavras.
Mas felizmente conseguira bastante material de um programa na internet e
encontrara fotos da mansão a partir do final da década de 1930 no Washington State
Archives, no Bellevue Community College. Não ajudavam tanto quanto as plantas, mas
pelo menos lhe davam uma ideia das épocas em que haviam sido feitas reformas na
mansão Wolcott.
Franzia a testa enquanto subia a escada de dois em dois degraus. Porque, quem
quer que tivesse sido o responsável pelos acréscimos feitos na velha e linda mansão,
devia receber a pena de morte. Já vira muitos trabalhos do tipo faça você mesmo, mas
jamais encontrara um lugar tão maltratado como a mansão. Poucas das mudanças
estruturais adicionadas ao longo dos anos haviam levado em consideração a arquitetura
original. E aposentos que deviam ser espaçosos e cheios de graça haviam sido divididos
a ponto de perderem toda a personalidade.
Estava tão imerso em seus pensamentos sobre como desfazer os danos que só
quando se aproximou do estúdio ouviu vozes femininas, vindas dele, e parou.
Bem... droga. Não poderia tomar seu café diante de uma lareira acesa.
Estava se virando para voltar para seu apartamento quando o murmúrio de vozes
foi substituído por uma risada profunda e rouca. O som o cortou como uma espada
quente e ele seguiu o som, de volta à porta do estúdio, como se fosse um daqueles
personagens de desenho animado antigo que seguia um cheiro adorável.
Desde que jamais lhe ocorrera que a pequena Srta. Traseiro para cima Kaplinski
pudesse estar rindo como se tivesse acabado de ouvir uma deliciosa piada indecente, seu
olhar parou na voluptuosa ruiva de perfil para ele, do outro lado da sala. Mas, a menos
que Ava fosse ventríloca, o som não vinha dela; tinha um sorriso leve enquanto olhava
para a amiga do outro lado de uma mesinha de centro. A atenção de Dev se voltou
também naquela direção.
Então ficou simplesmente parado lá, sentindo-se como se tivesse levado uma
pancada na cabeça.
Jane estava sentada numa poltrona de namorados perpendicular ao fogo que
iluminava a sala, as botinhas de salto alto caídas no chão e os pés em meias de seda
cruzados nos tornozelos, descansando no meio de uma grande quantidade de caixas de
veludo e bolsas sobre a mesa pequena. Mais caixas e bolsas a cercavam e a mão
esquerda se curvava sobre um notebook aberto, impedindo que caísse de seu colo
enquanto ela ria com a cabeça jogada para trás, como se tivesse acabado de ouvir a mais
engraçada, a mais indecente piada do mundo.
Era a primeira vez em que a via totalmente à vontade, sem aquela coluna rija.
Não que a tivesse visto muitas vezes, apenas três, mas nas outras duas ocasiões a
postura dela era rígida, como se fosse uma princesa disfarçada se perguntando como
diabos fora parar naquele mundo de plebeus.
Enquanto a observava recuperando o controle, um canto de sua boca se ergueu.
Por que a realeza não era uma analogia tão ruim, considerando a quantidade de joias que
usava, o suficiente para pagar o resgate de um rei.
Havia tirado o blazer e enrolado as mangas da blusa e cordões de esmeraldas e
pérolas lhe cobriam os pulsos e caíam em fileiras brilhantes de seu pescoço. Uma tiara
de diamantes estava sobre seu coque, que se desmanchava, uma cascata de pedras que
não reconhecia estava pendurada em suas orelhas e cada dedo tinha um anel com uma
pedra preciosa.
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Ava estava igualmente usando joias, mas ele mal a olhou uma segunda vez. Com
apenas duas peças selecionadas, tinha a aparência de alguém acostumada a usar aquelas
coisas. Mas Jane parecia uma menina brincando de adulta e, dada sua atitude séria, Dev
apostaria qualquer coisa que ela não brincara daquele jeito nem quando fora criança.
— Sua vez — disse ela, e Ava se debruçou para pegar uma das caixas de veludo
na mesa entre elas. A ruiva, porém, parou no meio do movimento e olhou na direção
dele. Por um milésimo de segundo, enquanto seus olhos se encontravam, ele desejou ter
se afastado enquanto ainda podia.
Então, ela inclinou a cabeça.
— Oi, Dev. — A voz era tranqüila.
A cabeça de Jane se virou de repente e ela tirou os pés de cima da mesa com
tanta pressa que diversas caixas e bolsas caíram no chão. Praguejando baixinho, ela se
debruçou para pegá-las, e a tiara caiu sobre um dos olhos. Ela arrancou e pequena coroa
da cabeça enquanto o rubor lhe subia pelo pescoço. Um pequeno pente que ainda
segurava a tiara em um dos lados se soltou e os cabelos caíram até o canto de sua boca.
Afastando-a do rosto, ela se sentou ereta, a coluna tão rija como sempre. Ergueu
o queixo e lhe encontrou o olhar.
— Devlin.
Ele bateu os saltos das botas e fez uma reverência.
— Alteza.
Certo, foi um golpe baixo, mas quando o universo lhe entregava uma
oportunidade numa bandeja de prata era praticamente desafiar o karma ignorá-la; ele
reprimiu um sorriso.
— O que podemos fazer por você, Devlin? — perguntou Ava.
— Huh? — Com esforço, afastou o olhar do rosto ruborizado de Jane e voltou-se
para a amiga dela. — Oh, nada, eu ia acender o fogo na lareira e olhar algumas fotos da
mansão que peguei hoje no arquivo estadual, mas não percebi que o estúdio já estava
ocupado.
A ruiva se endireitou e estendeu uma mão imperiosa.
— Vamos vê-las.
Ele cruzou a sala, entregou-lhe o envelope e Ava o pegou e bateu na poltrona de
namorados ao lado dela com a mão livre.
— Sente-se.
— Pare — disse Jane no mesmo tom que usaria para dar ordens a um cachorro, e
Dev a olhou, surpreendido. Que diabos... a mulher teria senso de humor, afinal? Ela lhe
devolveu o olhar interrogativo com outro sem expressão e, dando de ombros, ele se
sentou perto de Ava. Não, é claro que não.
Ava virou o envelope e começou a deixar cair o conteúdo em seu colo, mas ele
fechou os dedos sobre a abertura para impedi-la.
— Nãs as jogue, pegue-as e tire-as — disse ele quando ela lhe lançou um olhar
de rainha —, prefiro não ter o trabalho de colocá-las em ordem de novo.
Ela fez como ele pediu e um som suave de prazer lhe escapou quando olhou para
a primeira foto.
— Oh, isto é maravilhoso. Janie, venha ver como a mansão era antes daquele
solar horrível ser adicionado.
Para surpresa de Devlin, Jane concordou, deixando de lado o notebook e se
levantando. Sentiu Ava se afastar e mais uma vez bater na poltrona ao lado dela.
— Sente-se aqui, Dev ficará no meio e assim nós três poderemos ver.
Ele sentiu mais do que viu Jane hesitar. Mas talvez fosse sua imaginação, porque
um segundo depois ela se sentou ao lado dele, numa verdadeira poltrona de namorados.
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Agora, normalmente ele diria que ficar como recheio de um sanduíche entre duas moças
lindas numa poltrona para dois seria uma boa coisa. Mas, por algum motivo maldito,
isso o estava deixando tenso como o diabo.
— Uh, acho que esta poltrona de namorados não foi destinada a três pessoas. —
Consciente do calor de Jane ao longo de todo o seu lado esquerdo, acrescentou: —
Especialmente quando um de nós tem quadris tão impressionantemente curvilíneos.
Certo, não saiu realmente delicado, embora Ava tivesse mesmo amplos quadris,
que ocupavam mais espaço. Mesmo assim, não estava preparado para o gelo em que as
duas se transformaram de cada lado dele. E certo como o inferno não estava preparado
para a ruiva voltar um rosto sem expressão para ele e perguntar, com educação fria:
— Estou tomando espaço demais, Devlin?
— O quê? Não! Não foi isso que quis dizer, de jeito nenhum, eu apenas... — O
quê, gênio? A verdade é que não estava usando a cabeça, simplesmente dissera a
primeira coisa que lhe viera à mente, como uma desculpa para sair do meio delas. E
agora seu cérebro, normalmente saudável e rápido, estava ficando totalmente vazio.
Os seios de Jane tocaram seu bíceps quando ela se curvou para olhar a amiga.
— Ele disse "impressionantemente curvilíneos", Ava, curvilíneos. Não gordos.
Ele quase pulou de susto e olhou para ela pela primeira vez desde que ela se
apertara junto a ele.
— É claro que não disse gordos! Jesus. Nenhum homem em seu juízo perfeito
olharia para ela e pensaria isso. Diabos, ela é construída como o sonho vivo e molhado
de qualquer homem.
Os olhos azuis para os quais estava olhando se abriram e ele se sentiu com
vontade de socar a si mesmo. Que diabos está acontecendo com você, Dev? Tinha mais
savoir faire aos 9 anos de idade.
Mas parecia que, na verdade, ele dissera a coisa certa, porque sentiu Ava relaxar
ao lado dele e Jane sorrir.
— Ela é tudo isso. E são seus ombros, garotão, não os quadris de Ava, que estão
ocupando todo o espaço. — Jane continuava a sorrir.
— Não, provavelmente são meus quadris. — Ava lhe entregou as fotos com um
sorriso desapontado. — Peço desculpas, Dev, não tinha a intenção de desapontá-lo. Fui
uma criança gorda e ainda tenho problemas com meu peso.
Você tem? Com três irmãs, poderia imaginar que tinha uma pista sobre como
uma mulher pensava, mas não tinha.
— Bem, não devia. Não há um homem vivo que não mataria para pôr as mãos
num corpo como o seu.
No entanto, não era Ava que lhe ocupava a consciência enquanto os três
olhavam as fotos. Não fazia sentido, mas sua atenção estava toda em Jane.
Ela podia ter uma personalidade gelada, mas, como já percebera, o corpo da
moça gerava uma quantidade enorme de calor. Sentia-o em todo o seu lado esquerdo e
teve que se afastar por um momento para deixar a xícara de café sobre a mesa. De
qualquer maneira, era difícil lidar com a xícara e as fotos naquele lugar apertado, e, no
momento, não precisava de nenhum calor adicional. Estava mais do que quente.
Mais do que quente. Droga.
Focalizou a atenção nas unhas sem esmalte de Jane. Estavam totalmente roídas.
Não era muito gentil da parte dele, mas isso lhe deu uma pequena onda de prazer.
Hah! Talvez ela não fosse tão agressivamente confiante como parecia.
Mas tinha uma pele de bebê. Não que visse muito dela... estava abotoada até o
pescoço. Mesmo assim, não deixou de sentir sua textura suave quando seus dedos
roçavam os dela enquanto trocavam fotos.
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Ou como seus braços nus brilhavam, mais luminosos do que as pérolas enroladas
neles.
Ele se mexeu, desconfortável; que diabos estava acontecendo? Não era assim,
nunca fora. Tivera mais mulheres ao longo dos anos do que conseguia contar e era um
marinheiro e um carpinteiro, pelamor de Deus... não pensava em palavras como
luminosos.
— Bem, ei. — Esticou-se entre as duas mulheres e se levantou. — Meus olhos
estão começando a ficar vesgos... acho que vou embora. Ainda não me recuperei da
diferença de fuso horário, preciso dormir.
Provavelmente, precisava ir a um bar e pegar uma mulher, pensou enquanto
juntava as fotos, dizia adeus às mulheres e corria pela chuva em direção a seu carro
alguns momentos depois de deixar a mansão. Alguém com seios grandes, sorrisos e
lábios vermelhos. E unhas bastante longas para lhe arranhar as costas. Alguém que o
olhasse como o garanhão mais quente que podia encontrar para uma noite de prazer, em
vez de uma luxúria que estava a um milímetro de lhe tirar o juízo.
Apenas...
Em vez de seguir para um dos bares de Belltown, foi para seu apartamento,
tomou um banho frio e foi para a cama.
Mas amanhã, amanhã à noite procuraria uma mulher. Porque, se estava todo
quente por causa da rija e desaprovadora Jane Kaplinski, havia tempo demais que não
fazia sexo.
Capítulo 3
Sexo é supervalorizado. Eu, por exemplo, consigo viver muito bem sem ele.
Juro.
21
Jane estava no saguão da mansão Wolcott na noite seguinte digitando as
anotações em seu notebook para uma reunião com a diretora do museu na manhã
seguinte.
No entanto, em vez de focalizar toda a atenção no relatório, via seus
pensamentos se desviando constantemente para um certo homem ruivo com um belo
traseiro.
O que havia em Devlin Kavanagh, de qualquer maneira? Essa incapacidade de
concentração sempre que ele lhe surgia na mente, o que era freqüente demais para seu
conforto, era ridícula, sem mencionar que era sem precedentes.
Bem, havia alguns precedentes, sem dúvida. Não era como se jamais tivesse se
sentido atraída por outros homens porque, naturalmente, se sentira.
Mas não assim. Jamais fora atraída por um homem desse jeito, como se tivesse
que tê-lo, como se não conseguisse se controlar. E esse era o problema. Porque jamais
perdia o controle. Tendo crescido numa casa que estava sempre prestes a explodir num
dramalhão, ou estava em meio a um dramalhão, tomara uma decisão firme sobre isso
quando tinha 10 anos de idade.
O que fizera para merecer pais que eram atores? Tudo o que sempre desejara
fora uma família normal, gentil, mas tivera uma? Oh, não. Deus certamente estava no
paraíso se divertindo quando pensava no Show de Dorrie e Mike que lhe dera. Era
injusto, era isso que era. Seus pais não tinham apenas diferenças de opinião; tinham
guerras, crises, de proporções épicas. Com o que ela quase poderia ter convivido... se
não tivessem, pelo menos uma vez, tentado não arrastá-la para o meio dos dramalhões.
Assim, não, não perdia o controle.
O que devia tornar tudo mais simples agora, certo? Exceto que, de alguma
forma, isso não parecia simples. E não compreendia porque estava tendo tantos
problemas com aquele cara em particular.
— Droga! — Olhou para a tela do computador, frustrada. — Tenho que me
concentrar.
— Bem, não me parece nada bom se o trabalho já a está fazendo falar sozinha.
Jane se assustou, então olhou de cara feia para Poppy enquanto a amiga entrava
na sala.
— Cara, você quase me faz ter um ataque cardíaco? — Mesmo se fosse sua
maldita culpa por permitir que um homem lhe tirasse a atenção a ponto de não sentir
quando alguém se aproximava.
— Desculpe — disse Poppy sem nenhum remorso evidente —, então é o
trabalho que leva você a conversar consigo mesma?
— Quem dera — resmungou —, teria sido muito mais fácil. — Então se deu
uma sacudida mental. Cale a boca, Kaplinski, cale a boca, cale a boca, cale a boca. Não
estava pronta para se abrir e, até que estivesse, devia se impedir de revelar alguma coisa
que precisava ser mantida em segredo.
Mas, naturalmente, já era tarde demais. Porque, como contara a Devlin apenas
no dia anterior, Poppy era uma pitbull quando farejava alguma coisa. A amiga, que
parecia enganadoramente suave e dócil com seus cabelos louros cacheados, grandes
olhos castanhos e as roupas macias e soltas que usava naquele dia, já tinha o olhar firme
sobre Jane, assim como o temível Olhar Demoníaco de Calloway.
— Conte tudo — ordenou.
E como se não tivesse alternativa, ela fez exatamente isso.
— Acho que acabei caindo de cara na luxúria.
— Ooh! — Poppy se deixou cair numa cadeira ao lado e ergueu os dedos num
gesto de me-dê-tudo-imediatamente. — Conte tudo a sua irmã e não omita os detalhes.
22
— Eu. Luxúria. Isso é tudo, não há detalhes, Pop, porque não há nada a contar.
Poppy comprimiu os lábios para soltar um som de ceticismo.
— Por favor, estamos falando sobre atração sexual, corações disparados,
terminações nervosas titilando; estou correta?
Oh, cara, não estava? Jane acenou.
— Então, é claro que há alguma coisa a contar; no que diz respeito a tudo sexy,
sempre há alguma coisa a contar.
— Não dessa vez.
Poppy lhe lançou um olhar indignado.
— Por que diabos não?
— Ei, só porque tenho alguns anseios isso não significa que tenho que ceder a
eles. Não cedi... e não tenho a intenção de ceder. — Salvou o arquivo em que estava
trabalhando e fechou o computador, dando um olhar para a amiga. — É um caso de
luxúria ao acaso e pretendo superar isso.
— Por que faria uma coisa dessas? — Poppy piscou, claramente intrigada. —
Luxúria é uma coisa boa, certo? Quero dizer, leva ao sexo, e sexo faz você se sentir
bem. Não que eu saiba por experiência pessoal — acrescentou, virtuosa.
— É claro que não. Você alega não ter experiência pessoal desde que tinha 9
anos e me enganou e a Ava sobre sexo. — Sorriu para a amiga. — A única diferença é
que na ocasião você era totalmente inocente.
— O que quer dizer com enganei? Sempre fui a primeira a saber das coisas, e
você sabe muito bem disso.
— Por favor; você faz bebês quando troca cuspe com um menino?
— Oh. Sim. Isto. Aquela maldita irmã de Karen Copelli. Pensei que era uma
fonte confiável. Afinal, era uma mulher mais velha.
— Eu sei, ela devia ter pelo menos 12 anos, o que a fazia parecer muito mais
velha do que nós três. E tenho que lhe dizer, depois de ouvir aquela coisa sobre cuspe,
pensei que jamais, nunca teria um bebê. Porque, eca.
Poppy sorriu.
— É, não pareceu nada atraente, não foi? Felizmente, beijar se mostrou ser uma
coisa muito melhor.
— Não que você saiba por experiência pessoal.
— É claro que não — concordou Poppy com um sorriso sereno, então deixou o
assunto de lado com um aceno da mão de dedos longos e bem, feitos. — Mas não
estamos falando sobre mim, Jane, assim, não mude de assunto.
— Sim, vamos mudar para outra coisa inteiramente diferente.
— Certo, então, que tal isso? Talvez o que você está sentindo não seja luxúria,
de jeito nenhum.
Jane considerou a possibilidade por, oh, dois segundos inteiros antes de retrucar.
— Confie em mim, é luxúria. Um caso de luxúria grande, gordo e quente como
uma chama. Ou, certo, suponho que possa ser um caso de azia.
A amiga tinha uma surdez seletiva que a tornava uma intrometida formidável
com uma missão e disse com uma expressão totalmente séria:
— Talvez seja realmente um caso de amor à primeira vista.
— Uh-huh, porque todos sabem que isso não é uma grande história de fadas ou
alguma coisa assim.
— Ei, funcionou para meus pais e o pai e a mãe de Ava podem ser de uma
espécie benignamente negligente no departamento parental, mas veja o tempo que estão
casados.
23
— Eu sempre presumi que isso fosse por que havia dinheiro demais envolvido
para passar pelas complicações de um divórcio. Mas talvez não, eles parecem fazer
muita coisa juntos.
— Está vendo? O mundo está simplesmente lotado de histórias de Amor
Verdadeiro. Então me conte o nome do cara e talvez eu possa ajudá-la a pensar como
lidar com a situação.
— Já pensei sozinha, muito obrigada. Na realidade, é muito simples. — Deu um
olhar sereno a Poppy. — Estou lidando com isso não fazendo nada.
— Esse é um plano horrível.
— Mas é todo meu.
— Conte-me, Jane-Jane.
— Você realmente não quer ser chamada de Pop-Pop.
— Conte-me.
— Não.
Poppy deu-lhe outro Olhar Demoníaco Calloway. Mas, dessa vez, Jane não se
submeteu e atirou-lhe a versão Kaplinski bem diretamente. Sua amiga loura a observou
por um momento, então fez um breve gesto.
— Oh, está bem, mas você sabe que arrancarei tudo de você mais cedo ou mais
tarde. Não sei porque não nos poupa de alguns problemas e me conta agora.
— Nunca me importei de lidar com problemas.
— Em que universo, por favor, me diga.
Jane apenas deu à amiga seu sorriso mais inescrutável.
— Está bem. — Poppy deixou escapar um suspiro frustrado. — Que seja assim.
Mas, de qualquer maneira, não vim aqui ver você. Ava me disse que Dev tem algumas
fotos ótimas que conseguiu no arquivo do Washington State. Você o viu hoje?
O coração de Jane pulou, então começou a galopar. Felizmente, Poppy estava
olhando ao redor, como se esperasse que sua pergunta o fizesse aparecer por magia, e
não percebeu a expressão de Jane. Uma boa coisa, porque Jane estava certa de que
tornaria obsoleta a pergunta sobre quem lhe despertara a luxúria. Conseguiu controlar
sua expressão enquanto Poppy voltava o olhar para ela.
— Não, não vi, mas considerando o barulho que vem do solário a tarde toda, vou
adivinhar que ele está no segundo andar.
Poppy olhou-a por um momento.
— Me diga que não, não está mais ridiculamente irritada com ele porque tomou
umas tequilas a mais na semana passada.
— Ei, quero que saiba que estou sendo incrivelmente correta. É claro, ajudou ele
estar sóbrio quando o vi ontem, ou os passos que ouvi estarem firmes. — Ou o fato de
que decidira que fora muito precipitada nas críticas a ele.
— Maldição, Jane! Tem que parar com essa coisa crítica porque, juro, se você
estragar tudo para nós...
— Oh, cale a boca, não fiz nada para atrapalhar seu precioso acordo com a
Kavanagh Construction. Na verdade, agi com o máximo de profissionalismo com ele
ontem... e, se não acredita em mim, apenas pergunte a Ava. — Que felizmente não
estava por perto durante sua conversa à tarde com Devlin. — Não que possa jurar que
ela estava prestando atenção, ficou totalmente entretida com fotos.
A menção das fotos mudou o rumo do pensamento de Poppy.
— Av disse que você também as viu?
— Vi, e são tão sensacionais como ela sem dúvida lhe disse.
— Maldição, tenho que encontrar Devlin para vê-las. — Poppy começou a andar
para a porta.
24
— Então vejo você depois — disse Jane para as costas da amiga, que se
afastava. — Vou terminar por hoje e vou para casa. — Onde pretendia tirar Devlin da
cabeça de uma vez por todas e terminar seu relatório.
Poppy parou e olhou por sobre o ombro.
— Espere uns 15 minutos e então podemos sair para jantar.
Jane hesitou por um segundo, sem saber se queria enfrentar outro ataque da
amiga sobre seu direito de manter alguns segredos. Mas teve uma imagem de sua
geladeira quase vazia e armários mais vazios ainda e acabou, concordando.
— Parece um bom plano para mim.
— Certo, então, voltarei em alguns minutos, a menos que queira subir comigo.
Jane conseguiu não gritar Você está louca? Até sentiu a expressão controlada.
— Não, vá em frente, provavelmente vamos sair bem mais depressa se só uma
de nós estiver se deliciando com as fotos. E isso me dará a oportunidade de escrever um
pouco mais no meu relatório.
— Certo, então, não vou me demorar.
— Ei, leve o tempo que quiser. — Não se importava de esperar. Desde que não
tivesse que suportar mais encontros diretos com o Incrível Homem Irradiador de
Feronômios, estava perfeitamente feliz em deixar que Poppy levasse o tempo que
quisesse.
Pouco depois de meio-dia, no dia seguinte, Jane deixou a sala do pessoal do
Seattle Metropolitan Museum. Estava ligeiramente tonta e, ao mesmo tempo,
completamente excitada. Seu encontro com Marjorie pela manhã tinha sido ótimo. Não
esperava nada menos, já que se preparara bem na noite anterior, com sua obsessiva
necessidade de fazer tudo o melhor possível. Trabalhara desde que chegara em casa
depois do jantar até que os olhos secos de cansaço a obrigaram a fechar o notebook
pouco depois da meia-noite.
Estar em seu arrumado e pequeno apartamento num condomínio em Belltown a
ajudara a finalmente expulsar da mente o senhor Quente De-mais-para-a-Própria-Calça
Kavanagh, o que, por sua vez, permitiu lhe polir o relatório até ele brilhar e estudar suas
anotações até que tivesse os pontos principais memorizados para a apresentação.
Alguém com menos senso de responsabilidade poderia ter feito um relatório
menos perfeito, já que a única condição da Srta. Agnes para a doação das joias e roupas
de alta-costura de todas as épocas para o Met era que Jane fosse a encarregada de
catalogar as coleções e organizar as exposições. Afinal, não era como se Marjorie
pudesse lhe tomar o trabalho e passá-lo para outra pessoa, com mais experiência. Bem,
é claro que podia, era a diretora, e podia fazer o que quisesse. Mas, se fizesse isso, o
museu não teria as coleções.
Mas, de qualquer maneira, a ideia era idiota. Jane não era preguiçosa e
preparação era seu nome do meio. Não conseguiria, mesmo que quisesse, dar à
superiora um relatório mal preparado.
A oportunidade que a Srta. Agnes, que Deus a abençoasse, lhe dera, não era uma
coisa que Jane esperava. Isso a faria se tornar imediatamente mais visível na
comunidade da arte. Todos a olhariam com mais atenção agora e, se pudesse lidar bem
com o trabalho, se ergueria a um patamar profissional que jamais sonharia em ter
naquele estágio. Seria uma candidata praticamente imbatível para a posição de curadora
sênior ocupada no momento por Paul Rompaul, que se aposentaria em outubro próximo.
Agradecia de todo o coração o incentivo que a doação lhe dera e pretendia retribuir a
confiança de Agnes em sua capacidade fazendo o melhor trabalho que podia.
Então, sim, estivera preparada e, portanto, o sucesso de seu encontro com a
diretora não foi uma surpresa. O que a abalara fora o bolo com as palavras Parabéns,
25
Jane, escritas em vermelho que estava na sala do pessoal na hora do almoço. Abalara-a
ainda mais o pronunciamento especial que Marjorie fizera ao pessoal. Ela deu a Jane
todo o crédito por levar duas valiosas coleções Wolcott para o Seattle Metropolitan
Museum; o entusiasmo genuíno que a diretora demonstrara, enquanto partilhava a
programação recém-revista de Jane para os dois meses seguintes, para que a exibição
das duas coleções fosse feita em janeiro, acabara de abalar suas emoções.
A última coisa que esperava era um reconhecimento público. De fato, esperava
que sua mudança de status permanecesse desconhecida pelo tempo que os poderesosos
do museu pudessem escondê-la, dada a maneira como haviam sido obrigados a aceitála.
Querem essas preciosas coleções? Então, se preparem para entregá-las a uma
curadora júnior, era o tema geral da doação de Agnes.
Mas, com o reconhecimento de Marjorie, surgiram também as expectativas do
museu para a exposição. Falara sobre o quanto o museu contava com ela para gerar
renda durante o período pós-férias, quando geralmente as doações diminuíam
consideravelmente, na época em que a exposição seria feita.
Portanto, agora, Jane estava se sentindo realmente tensa e ainda mais ansiosa do
que estivera. Precisava encontrar as roupas de alta-costura e depressa para continuar o
trabalho.
— Jane, Jane! Espere! — gritou uma voz atrás dela.
Ela hesitou; os acontecimentos daquele dia a haviam abalado e entusiasmado,
tornando-a tão tensa que era praticamente impossível ficar parada. Mesmo assim,
obrigou-se a fazer exatamente isso enquanto esperava que seu colega Gordon Ives a
alcançasse.
Cerrando os dentes para suportar a demora, forçou um sorriso para Gordon que
provavelmente não enganaria a um bebê. Inferno, ela provavelmente parecia um bebê
fazendo a dança de tenho que ir diante da porta fechada do banheiro. O quanto aquilo
era constrangedor?
Bem, pior para ele. Estava combatendo a ânsia de se mover, se mover o mais
depressa que podia. Sorrir com sinceridade ao mesmo tempo era simplesmente
impossível. Mesmo assim, tentou um sorriso mais genuíno enquanto Gordon se
aproximava. Lembranças dos elogios de Marjorie a ajudaram a produzir um.
— Já disse antes, garota, mas direi de novo. — Gordon a cumprimentou com um
sorriso brilhante. — Parabéns! Que tarefa imensa você tem a realizar!
— Está brincando! Nos últimos dois dias estive descobrindo exatamente como
será imensa. — O que contribuíra tanto para sua tensão quanto para sua felicidade. —
Estou um pouco preocupada com o prazo que a diretora me deu. Precisarei estar
realmente focada para fazer tudo no curto espaço de tempo.
— Foco é seu caminho para a fama. — Ele fez um gesto com a mão, como se
estivesse espantando as preocupações dela como se fossem moscas indesejadas. — É
evidente que Marjorie não tem dúvidas de que você é capaz de realizar o trabalho e
fazê-lo bem e a tempo. Mas se houver alguma coisa que eu possa fazer para ajudar...
Ela emitiu um som descompromissado porque, para dizer a verdade, se
precisasse de ajuda, pediria a Poppy.
Sua amiga podia não saber tanto quanto Gordon, mas trabalhavam bem juntas.
Sem mencionar que, com os feriados se aproximando, Poppy poderia usar uma quantia
extra de dinheiro para complementar o que ganhava com seus trabalhos sem futuro.
Além disso, por mais que detestasse admitir, havia alguma coisa em Gordon que
lhe tornava difícil confiar nele. Não havia um motivo aparente, ele jamais fizera nada
para despertar aquela sensação. Provavelmente, não era nada mais do que sua atitude de
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quero-ser-seu-melhor-amigo e os ocasionais elogios sem motivo, combinados com sua
predileção pelo narcisista estilo metrossexual de se vestir e se arrumar. Porque, na
verdade, quem podia levar a sério um cara que gastava mais com manicures e
tratamentos de pele em seis semanas do que ela gastava em um ano? Não podia evitar;
preferia homens que tinham certeza de sua masculinidade e que eram, talvez, um pouco
rudes.
Como um certo administrador de construção... Epa, não queria pensar nisso.
— Obrigada pelo incentivo e, se precisar de ajuda, certamente me lembrarei de
você. — Começou a se afastar.
— Vai à mansão Wolcott agora? — ele perguntou, dando um passo em direção a
ela para cada um que ela recuava.
— Sim. — Deixou de lado a sutileza, se virou e simplesmente começou a andar
pelo corredor. Os nervos nos braços e pernas ficaram menos tensos, mas precisou se
esforçar para tirar a ruga da testa quando Gordon começou a andar ao lado dela.
Aumentou um pouco a velocidade dos passos. Ele a acompanhou.
— Se quiser, posso passar lá depois do trabalho e ajudá-la. — Ela ficou um
pouco assustada com a sugestão.
— Obrigada, Gordon, agradeço a oferta, mas ainda estou na fase de separar as
coisas e quero... — Maldição, como diria isso sem parecer cobiçosa?
— Deixar sua marca sobre todas as peças antes de deixar qualquer outra pessoa
tocá-las?
— Sim, exatamente! — Olhou para ele com uma nova compreensão. E se sentiu
um pouco culpada pela má opinião que tinha dele. Esqueça os cremes de pele e produtos
para o rosto e as mãos, ele certamente era mais profundo do que ela pensava que fosse.
— Mas vou me lembrar do seu oferecimento. No momento, há tanta coisa na mansão
que ainda não encontrei as coleções do Met.
— Huh. Diria pobre garota, mas a verdade é que estou verde de inveja. — Deulhe um sorriso torto. — E verde não é minha cor predileta.
Ela riu.
— Não sou exatamente uma boa candidata para a solidariedade alheia, sou?
Cara, ainda não consigo acreditar que estou encarregada de tudo isso. E, falando nisso
— ela apressou ainda mais o passo —, se quero dar conta do trabalho, melhor começar
logo.
— Está bem. — Ele diminuiu o passo enquanto ela o apressava. — Boa sorte, e
não se esqueça, estou disponível se precisar de qualquer ajuda.
— Não me esquecerei. — Acenou-lhe com a mão, mas não diminuiu os passos
até chegar ao topo da ecada. — Obrigada. — Sentindo mais simpatia por ele, agradeceu
com sinceridade.
Quando abriu a porta principal do museu e saiu na tarde de outono alguns
minutos depois, no entanto, sua mente já estava em outros assuntos. A antecipação
começou a borbulhar em suas veias. Mal podia esperar para começar o trabalho.
Capítulo 4
Santa porcaria, a família Kavanagh parece enorme. Não consigo nem imaginar
como deve ser crescer com uma multidão de irmãos e irmãs. Mas aposto que seria bom.
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— Maldição — resmungou Dev quando abriu a porta da cozinha da mansão
Wolcott duas noites depois e entrou para digitar o código do sistema de alarme. —
Posso ver erros escritos sobre tudo isso em grandes letras vermelhas. — Não pela
primeira vez, observou como o sistema era antiquado, mas, no momento, tinha um
problema particular.
— Oh, pare de reclamar — ordenou a seu problema, na forma de sua irmã
Hannah. Entrando na cozinha bem atrás dele, bateu-lhe na nuca com os dedos fechados.
— Ai! Droga.
— Se você se desse o trabalho de ficar por perto por mais de uma semana a cada
vez que faz uma de suas tão pouco frequentes visitas, saberia que fiscalizo cada local de
trabalho pelo menos uma vez durante o projeto.
Passando a mão na nuca, olhou fixamente para ela.
— Você é cheia de empáfia como sempre, estou vendo. Tente saber as coisas
direito. Venho para casa no mínimo uma vez por ano, o que é muito mais do que vocês
viajam para me ver. E, com exceção do ano passado, quando precisei levar um barco
para Marrocos, sempre fiquei em casa mais do que uma semana. — Antes de voltar para
a Europa, feliz por ter visto sua família, mas se sentindo vagamente desligado dela
também.
— Mas não passou tempo suficiente nos locais de trabalho, passou? — Então ela
o ignorou e passou os olhos em torno da cozinha. — Cara, perdi a conta das vezes em
que esta mansão foi discutida na mesa de jantar. É como se, de repente, estivesse diante
de Elvis Presley. Com a diferença que esta lenda realmente tem o potencial de voltar à
vida.
Ela inspecionou o gasto piso do começo do século XX em ladrilhos preto e
branco e as instalações da década de 1970.
— Mas realmente vai dar trabalho para ser recuperada — continuou, enquanto se
encaminhava para a porta que levava ao resto da casa.
— Ei, espere um pouco. — Devlin correu atrás dela e a viu desaparecer dentro
da sala de jantar, do outro lado do hall. Já estava fazendo anotações em seu notebook
quando ele entrou.
— Quem quer que tenha posto aquelas cortinas nas janelas, devia ser morto —
disse ela. — Este lugar tem uma bela estrutura e o vestiram com babados.
— A casa inteira é cheia de porcarias assim — concordou ele.
— Posso ajudá-los? — perguntou uma voz atrás deles, num tom que deixava
claro que eles precisavam ter mesmo uma boa razão para estar ali.
Engolindo um palavrão, Dev se virou lentamente, já sabendo muito bem quem
veria. E, com toda a certeza, lá estava Jane, vestida com uma calça preta justa e uma
túnica preta e marrom de gola alta. Sob a túnica, vestia um suéter com as mangas
arregaçadas e amarrado sob os pequenos seios classe A.
Roupas escuras que lhe escondiam o corpo pareciam ser sua marca registrada...
exceto os sapatos, de novo. Dessa vez ela usava sandálias sem salto, de veludo amarelo
com extravagantes enfeites de fitas enroladas. Eram totalmente incongruentes em sua
aparência alegre... a ruga das sobrancelhas finas pareciam combinar mais com as roupas
do que os sapatos.
— Oh, é você — disse ela sem entusiasmo ao reconhecê-lo. — Ouvi vozes e...
— Parou e balançou a cabeça. — Deixa pra lá. — Olhou para Hannah, que desde os 13
anos de idade jamais saíra de casa sem maquiagem e roupas destinadas a matar, então
olhou para ele de novo. A ruga na testa, que começara a ceder, voltou ao lugar, ainda
mais profunda. — Pelo amor de Deus, agora está trazendo suas namoradas aqui?
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— Inferno, sim. — Furioso por ela sempre pensar o pior dele, cruzou o espaço
que os separavam até ficar bem diante dela, os corpos quase se tocando. Sem os saltos
que geralmente usava, ela não era alta como ele pensara que fosse. Mas a observação
não tinha qualquer relação com o assunto em pauta, por isso ele a deixou de lado. —
Han adora casas antigas, e estou lhe mostrando o primeiro andar para ela esquentar
antes de subirmos, fecharmos as cortinas e fazer o que viemos fazer. Vê algum
problema no programa, Pernas?
— Na minha casa, com o meu dinheiro? — Os olhos brilhando ainda mais azuis,
ela ficou imóvel, nem um pouco intimidada por sua proximidade. — Sim, acho que
pode dizer que tenho um problema. Isso sem falar no mau gosto da sua namorada na
escolha de homens.
Hannah riu.
— Agora ela pegou você, garotão. — Dando um passo à frente, estendeu a mão
para Jane, forçando-o a recuar. — Sou Hannah, irmã de Dev.
— Conheça Kaplinski, Han — disse ele, sarcástico —, a pessoa que adora tirar
conclusões erradas sobre mim.
— Oh! — O rubor cobriu a pele suave de Jane. — Oh! Droga, peço desculpas.
Ele percebeu que ela pediu desculpas apenas a Hannah, a quem Jane estudou
cuidadosamente enquanto se cumprimentavam com um aperto de mão.
— Vocês não se parecem nem um pouco. — Como se isso fosse uma
justificativa decente.
— Eu sei — disse Hannah alegremente, jogando seus cabelos negros e
ondulados para trás. — Finn, Bren, Maureen e eu puxamos o lado do meu pai na famíla,
David e Dev puxaram o lado de minha mãe, exceto que David tem cabelos castanhoclaros. Kate é uma mistura, tem as cores de Dev, mas se parece mais com... bem,
ninguém, realmente. Papai diz que ela se parece com o carteiro, mas apenas de
brincadeira.
— Nós achamos — acrescentou ele.
Jane, como sempre, não achou graça. Olhou sem piscar para Hannah.
— Vocês são seis irmãos?
— Ela sabe contar! — disse ele, maravilhado. Hannah lhe deu uma cotovelada
nas costelas.
— Somos, mas o que posso dizer? Somos irlandeses e católicos, e isto é
sinônimo de família grande.
— Sou filha única — disse Jane —, e minhas duas melhores amigas são
também, assim nem posso imaginar como é crescer com tantos irmãos e irmãs. Uau! —
Olhou de um para o outro. — Isso deve ter sido...
Quando ela hesitou como se não achasse a palavra, Hannah interferiu.
— Muito barulhento, muito louco.
— Completamente sem privacidade — contribuiu Devlin. — Sem mencionar o
quanto era invasivo. — Não abandonara a faculdade e viajara para a Europa aos 19 anos
por nada.
— Oh, não! — Jane balançou a cabeça. — Ia dizer que deve ter sido bom,
realmente confortador ter toda essa estrutura de apoio.
Ele rosnou.
— Cara, você é uma filha única se acredita nisso. — Ele tinha se cansado
daquilo tudo, de todo o barulho e o drama da vida de uma grande família, na qual todos
conheciam seus assuntos. Apenas queria ir para algum lugar onde seria avaliado
exclusivamente por seus méritos e não comparado sempre com os irmãos ou com a
família como um todo.
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— Cale a boca, Dev. — Hannah entrecerrou os olhos para ele. — Você sabe que
foi o único que fugiu de casa. O restante realmente acha confortador ter o apoio da
família.
— Eu fugi de casa, Han? Você podia diminuir um pouco o melodrama. — Não
tinha fugido; apenas se afastara racionalmente de uma situação que tinha o péssimo
hábito de fazê-lo se sentir pouco à vontade com a família.
Hannah emitiu um som de desprezo na garganta, como se dissesse estou
impressionada por seu nariz não ter crescido com a mentira.
Recusando-se a continuar a discussão com a irmã, ele deu de ombros e lançou
um olhar a Jane. Inferno, ela começara o assunto e provavelmente estava apenas
debochando dele com aquela besteira de deve ser bom... sem dúvida para aborrecê-lo.
Exceto...
Que parecia ser totalmente sincera. De fato, linha uma aparência suave, os olhos
com uma expressão de anseio, como se eles tivessem vivido uma espécie de existência
perfeita. E ele não estava gostando nem um pouco daquilo.
O estranho aperto nas entranhas que sua aparência lhe causava o espantou.
— O que você está olhando? — perguntou ela.
O tom irritado partiu em dois a sensação estranha e com um "Obrigado, doçura"
mental ele lhe deu seu melhor sorriso de Filho de Satã.
— Você, Pernas. Estava pensando que você parecia uma meninazinha com o
nariz apertado na vitrine de uma loja de doces.
— Não pareço nada com isso! — Ela deu um passo na direção dele, o queixo
para cima no que ele estava começando a considerar sua expressão de desafio. Como de
costume, o movimento súbito fez uma mecha de cabelos brilhantes se soltar do coque e
escorregar pelo pescoço dela.
E outra daquelas sensações estranhas o atingiu, dessa vez fazendo suas palmas
cocarem.
Seu bom-senso inato desapareceu e ele deu outro largo passo do tipo mamãe
posso ir, fazendo-os ficarem a centímetros um do outro. Erguendo uma das mãos, ele
soltou os dois pentes que ainda mantinham o resto do coque no lugar.
— Ei! — Ela ergueu as mãos para eles enquanto os cabelos caíam livres. — Me
dê isso aí!
Dev jogou os dois pentes na maior das tigelas de couro sobre um aparador
próximo, então lhe segurou o braço para impedi-la de buscá-los e ela lutou para passar
por ele.
Ele não sabia por que tinha feito aquilo e já estava se arrependendo do impulso
que o levara a lhe desarrumar os cabelos. A cascata escura que descia sobre um dos
olhos e lhe acariciava os ombros lhe deu uma aparência totalmente diferente.
Uma aparência que teria sido melhor se ele não tivesse visto.
— Por que diabos se dá o trabalho de pentear os cabelos para cima? Eles não
ficam lá... cada maldita vez que a vejo, estão caindo!
— O que você é, um maldito cabeleireiro? — Ela puxou o braço do aperto dele.
— Me larga.
Os dedos dele apertaram.
— Me obrigue...
— Certo — disse Hannah —, acho que é hora de você sair, Dev. Jane, foi ótimo
conhecer você. Adorei suas sandálias amarelas, por falar nisso, são très sexy.
Jane piscou, como se tivesse se esquecido de que Hannah estava lá, então olhou
para os pés.
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— Oh, não, são apenas... — Interrompeu-se e limpou a garganta. — Isto é,
obrigada, são mais confortáveis do que os sapatos de salto para o trabalho que tenho que
trazer, andando de um lado para o outro.
— Sem mencionar que são lindas. Bem, escute, espero ver você de novo.
Também gostaria de voltar outra hora, para olhar a propriedade. Tento fazer isso em
cada trabalho da Kavanagh para ter uma ideia da extensão do trabalho para a
programação e também adicionar uma perspectiva feminina. A maioria dos meus irmãos
parece gostar disso, mas da próxima vez marcarei uma hora que não seja inconveniente
para você.
— O que foi exatamente que tentei lhe dizer para fazer. — Dev soltou Jane,
perguntando-se o que diabos havia acontecido. Jesus, ele não agarrava mulheres; e teria
mesmo dito me obrigue? Passou a palma da mão no jeans, tentando apagar a sensação
de pele macia que parecia gravada nela.
— Talvez numa das manhãs — ele resmungou —, ela não está aqui nesse
horário.
Jane nem mesmo olhou na direção dele.
— Você é bem-vinda a qualquer hora — disse Jane a Hannah. — Apenas não o
traga com você.
— Escute, madame... — Ele deu um passo irritado à frente, a recriminação que
se fazia desaparecendo como uma nuvem num céu azul. O quê, não o levar? Ele
trabalhava lá.
Hannah passou as duas mãos em torno do bíceps esquerdo de Dev e arrastou-o
para a porta.
— Vejo você por aí, Jane.
Uma rajada de vento úmido lhe bateu no rosto enquanto a irmã o puxava pela
porta da cozinha para a tarde enevoada. Ele se soltou e olhou para ela, cauteloso.
— Estou bem, não vou bater nela nem nada.
— Nem me passou pela cabeça que poderia atacá-la desse jeito. Acionando o
controle remoto para abrir a porta do carro, Hannah o rodeou.
— Cara, já vi algumas justificativas loucas para paixão, mas vocês dois vencem
qualquer uma.
Ele congelou enquanto abria a porta do passageiro e olhou para ela sobre o carro.
— O quê?
— Oh, essa é boa, você devia ser um ator. — Balançou a cabeça para ele. — Por
favor, quase chamei a emergência. Se houvesse mais calor saindo de vocês dois, a casa
teria incendiado.
Ele deixou escapar uma risada curta e áspera.
— E você é considerada a inteligente da família.
— Não, essa é Kate.
Ignorando a resposta, ele abriu a porta com força e se sentou, então olhou
fixamente para a irmã quando ela também se sentou.
— Não confunda paixão com irritação, irmã. Jane Kaplinski é uma pessoa malhumorada e pensa apenas o pior de mim desde o instante em que nos vimos pela
primeira vez. — Bem, não no primeiro instante, admitiu para si mesmo lembrando-se da
expressão nos olhos dela quando encontraram os dele a primeira vez.
Agora, aquilo tinha sido paixão.
— É, soube que você ficou bêbado. — Ela ligou o motor e deu ré.
— É claro que soube. Nada desse tipo de coisa fica em segredo no clã
Kavanagh.
— Nunca ficou e nunca ficará — concordou ela alegremente.
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Ele desistira de se defender anos atrás, no entanto se viu se mexendo no assento
para enfrentar a irmã. Sempre fora mais próximo dela e de Finn, tanto em idade como
em interesses.
— Eu estava sofrendo os efeitos graves de diferença de fuso horário, Han. Então
o pai me serviu duas doses fortes de uísque para celebrar minha chegada e as tequilas
que tomei no bar com Bren, David e Finn me derrubaram.
— Esse parece mesmo ser o consenso. — Ele riu sem humor.
— E você se admira por eu ter passado minha vida adulta do outro lado do
mundo. Não fica cansada de todo mundo na família saber cada movimento que faz,
praticamente cada pensamento seu?
— Não. — Ela freou no sinal para a Queen Anne Avenue e estendeu a mão para
lhe acariciar o queixo. — Claro, mas sou mais dura do que uma castanha. Agora, o
nosso Devlin é um menino sensível.
Ele não conseguiu se impedir de sorrir.
— Algum dia deixou tia Eileen a pegar imitando-a?
— Eu lhe pareço do tipo suicida? — Olhou para os dois lados do cruzamento
antes de virar à esquerda, para descer o forte declive. Então o olhar que lançou a ele não
tinha o menor sinal de humor. — Esta é uma enorme oportunidade para nós, Dev, não
estrague tudo.
— Não há nada entre mim e Kaplinski capaz de estragar tudo! — Ela o olhou
com incredulidade. — Não há — insistiu Dev —, e mesmo se houvesse, não faria nada
para atrapalhar suas oportunidades de negócios, certo?
— É seu negócio também, você sabe.
Não, não era. Assim que Bren ficasse livre do câncer e forte o bastante para
voltar ao trabalho, Dev tinha intenção de voltar para a Europa. Fizera uma vida lá,
pariticipando de tripulações de iates e veleiros e aceitando trabalhos de construção
quando não estava no mar... o que era cada vez mais frequente.
— De qualquer maneira — ela acrescentou quando ele não fez comentários —,
acho que, bem no fundo, eu sei que você jamais colocaria em risco nosso trabalho.
Ele fez uma careta.
— É claro que sabe.
— Não, estou falando sério, posso não conhecê-lo mais como antigamente, mas
o Dev que me acompanhou nas besteiras que fiz no passado jamais faria nada
deliberadamente para prejudicar a família... não importa o quanto ela o enlouqueça.
Um pouco adiante, cruzaram a Denny Way, deixando o bairro Queen Anne para
trás e entrando no Belltown. Ela o deixou na Second e ele cruzou a rua até o Noodle
Ranch, onde pediu um macarrão temperado chinês para viagem e uma cerveja para
tomar ali mesmo. Levando a bebida para uma mesa próxima, tomou um gole da garrafa
e passou os olhos por um exemplar do The Stranger enquanto esperava a comida. Os
anúncios pessoais do semanário eram sempre bons para passar o tempo.
Sua mente, porém, aparentemente estava mais interessada em lembrar o que
Hannah dissera sobre ele e Jane do que em ler os anúncios de garotas atrás de homens
dominadores. Ela achava que os constantes atritos entre eles era paixão? O que era uma
idiotice, certo? Talvez a irmã tivesse se viciado em drogas durante sua ausência.
Certo, está bem. Tomou um grande gole da cerveja. Como se esta fosse uma
possibilidade. Mesmo assim, a idéia não era mais absurda do que a teoria dela.
— Um macarrão chinês para viagem — chamou o homem do balcão.
Dev se levantou depressa, mais do que feliz em abandonar aquela linha de
pensamento. Chegou ao balcão no momento em que uma mulher, usando um casaco
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preto, calças pretas e botas de salto alto, chegou também, e ambos estenderam as mãos
para a embalagem fechada ao mesmo tempo. A mão dele roçou na dela e ele sentiu...
Pele quente. Sentiu o cheiro... Cabelos perfumados.
Oh, droga. O perfume podia não estar ainda implantado em seu cérebro, mas
conhecia aquela pele.
Jane olhou para ele por sobre o ombro e, se não tivesse ficado tão abalado,
poderia ter sorrido ao perfeitamente redondo O que os lábios dela formaram quando viu
com quem estava lutando pelo macarrão. Então ela entrecerrou os olhos, dando-lhe
aquele olhar de Filha do Inferno.
— Oh, pelo amor de Deus. — Virou-se lentamente para enfrentá-lo de cabeça
erguida e seus cabelos, ainda soltos e descendo pelo casaco preto, brilharam às luzes do
restaurante. — Agora está me seguindo?
Ela puxou a embalagem segura pelas mãos dos dois.
— Não se lisonjeie, boneca. — Ele não soltou a embalagem. — Cheguei aqui
primeiro e é o meu macarrão que está segurando com esses dedinhos gananciosos.
— Você acha. Vivo nesta região... é normal para mim vir aqui.
— Ah, é? Bem, eu também vivo, assim acho que é você que está me seguindo.
O polegar dele lhe acariciou a mão. Maldição, era bom tocá-la. Ele fez uma
careta. De onde, diabos, isso continuava a vir? Era mal-humorada e crítica, e exceto
pelo gosto inesperadamente quente em sapatos, não sabia a primeira coisa sobre como
se vestir para atrair. Portanto, não havia um só motivo para ela o deixar todo quente
abaixo do colarinho. Mas não podia fingir que ela não estava fazendo exatamente isso.
Minta para a polícia, minta para sua irmã se precisar, mas não minta para si
mesmo. A verdade era a verdade, e a grande verdade aqui era que ele queria arrancar as
roupas da Srta. Kaplinski naquele momento. Ela nem chegava perto do tipo que ele
gostava, e não conseguia compreender a atração, mas existia, e era intensa.
Inferno, talvez não fosse nada além do fato de que era um homem. Homens eram
uma espécie que via uma oportunidade para sexo para onde quer que olhassem. Ela
estremeceu e a mão se fechou sob a dele.
— Não é o seu macarrão e tire...
— Uh, na verdade, senhora — disse o homem do balcão —, é o dele, o seu virá
num minuto.
— Oh! — O constrangimento lhe surgiu nos olhos, mas Jane imediatamente o
escondeu sob uma expressão vazia enquanto soltava a embalagem. — Então peço
desculpas. — O rubor lhe tomando o rosto, ela continuou numa voz tão baixa que ele
teve que abaixar a cabeça para ouvi-la. — Parece que não faço outra coisa a não ser me
colocar numa posição em que é necessário continuar a dizer isso.
Ela balançou a cabeça, virou-se nos saltos de seis centímetros e se afastou.
Certo, pensou ele enquanto tirava a carteira do bolso. O grande problema ali não
era que ela o atraísse apesar do fato de que não tinha senso de humor e aparentemente
não acreditava em se vestir de modo a exibir seus atributos. Era o fato de que acabara de
fazer à irmã a promessa de não estragar o negócio que a Kavanagh fechara com Jane e
suas amigas.
Hannah o mataria, e ele tinha a impressão de que os hormônios não seriam uma
boa desculpa. Sem mencionar que sua palavra valia ouro. Esta foi, provavelmente, a
primeira lição que seu pai lhe ensinara e que ele jamais esquecera. Um homem é tão
bom quanto sua palavra, Dev. Era praticamente o credo Kavanagh.
Ele pagou pelo macarrão, hesitou um segundo, então se encaminhou para onde
Jane havia mergulhado o nariz num exemplar do Seattle Weekly.
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— Podemos conversar por um minuto? — perguntou, e se sentou à mesa quando
ela o ignorou.
Ela balançou o jornal, o subtexto vá embora claro e alto. Ele esperou, sem falar.
Soltando um suspiro profundo, Jane abaixou o jornal. O rosto ainda estava
rosado quando ela lhe encontrou o olhar. Então, suspirou de novo, mas dessa vez foi
mais uma exalação suave.
— Certo, aí vai — disse ela. — Estou realmente arrependida por um monte de
coisas. Andei fazendo acusações sem fundamento e comentários desagradáveis. Sei que
vai achar difícil acreditar, mas normalmente não sou assim. E vou parar, a começar de
agora.
Oh, golpe baixo. Se não conseguiria vê-la nua, realmente preferia manter a
ilusão de que era uma cadela insensível e que era impossível gostar dela. Mas, desde
que tomara a iniciativa de procurá-la para lhe mostrar que podia ser profissional, ergueu
os ombros.
— Também ouvi coisas saindo da minha boca que não costumo dizer. Se minha
mãe as ouvisse, lavaria minha boca com sabão. Então, aqui está, proponho uma trégua.
Ela o observou por um momento, então gesticulou.
— Estou de acordo. Precisamos trabalhar juntos... vamos trabalhar juntos pelos
próximos meses. E ficar zangada o tempo todo é cansativo. — Ela estendeu a mão para
ele.
Relutante, ele estendeu a dele, sabendo muito bem que tocá-la apenas
alimentaria sua percepção dela. Felizmente, ela lhe apertou a mão rapidamente e ele
descobriu que seu aperto era forte, bom.
Descobriu também que, em vez de inundá-lo com a corrente de sexualidade que
parecia chegar a 220 volts entre eles, isso parecia exatamente o que pretendia ser: o
fechamento de um acordo. Ele se recostou na cadeira.
— Então você também gosta de macarrão temperado, hein? Eu ia levar o meu
para casa, mas quer comer aqui? Podemos nos conhecer um pouco melhor.
Ela pareceu um pouco indecisa.
— Acho que sim — disse finalmente.
Que diabos, talvez isso não fosse tão desagradável, afinal.
Capítulo 5
Descobri que Devlin não é um idiota completo, afinal. Por que, de alguma
forma, isto parece pior?
Certo, era esquisito. Jane não sabia como Devlin se sentia, mas o silêncio pesado
que caiu sobre a mesa enquanto abriam as embalagens e pegavam os palitos era
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extremamente desconfortável; olhou para ele disfarçadamente. Deus sabia que não tinha
a menor ideia do que dizer e parecia que ele tinha o mesmo problema ou não sentia
necessidade de preencher o vazio sonoro porque diversos e tensos minutos se passaram
sem que nenhum dissesse uma só palavra.
Ela comeu algumas porções para se dar um motivo para não falar, mas o silêncio
pesado a incomodou.
— Ótima comida, não acha?
Oh, brilhante, Kaplinski. Queria bater em si mesma, poderia ter sido mais idiota?
Mas Devlin a surpreendeu com um sorriso.
— É — concordou —, adoro este macarrão. Posso comê-lo três vezes por dia,
por quatro dias seguidos.
Mexendo-se na cadeira, era todo músculo em movimento, os ombros largos
esticando a camiseta preta e a desabotoada camisa verde e preta de flanela que usava
sobre ela, os músculos dos braços sob as mangas enroladas da camisa se retesando e se
relaxando com o menor movimento dos pulsos. Ele se acomodou na cadeira e comeu
mais algumas porções do jantar.
Um momento depois, ele descansou os palitinhos na embalagem ainda pela
metade e limpou a boca com um guardanapo de papel. Então, a prendeu com o olhar
intenso dos olhos cor de avelã.
— Deve ser ótimo trabalhar num museu. Adoro museus. — Ela resmungou.
— Claro que adora.
Imediatamente ela desejou não ter dito as palavras. Oh, muito bem, Jane, o jeito
certo de fazer a trégua funcionar. Mas, vamos lá, um olhar àquele corpo, aos olhos
irrequietos e tinha certeza que a maioria das pessoas jamais imaginaria que museus
fossem o tipo de diversão que atraísse um cara como aquele. Particularmente se fossem
da metade feminina da espécie humana.
— Não, estou falando sério. Começou anos atrás, quando fui ao Viking Ship
Museum em Oslo. — Afastando para um lado a embalagem de comida e o saleiro para
o outro, ele colocou os braços sobre a mesa, os longos dedos abertos sobre a toalha, os
olhos brilhantes. — Já foi lá alguma vez, viu os navios de Gokstad e Oseberg?
Ela balançou a cabeça, fascinada pelo entusiasmo na voz dele e a forma como os
olhos escuros se iluminavam.
— São dois barcos maravilhosos de carvalho, feitos por viquingues e
encontrados em locais de funeral em fazendas na Noruega no final dos anos 1800 e
começo dos 1900. Os dois foram construídos no século IX, nos anos 830 e alguma coisa
e 890, acho, o que me deixou impressionado. Se pudesse, eu teria engatinhado para
dentro deles e os percorrido de popa a proa para estudar sua construção. Porque, podem
ter sido construídos há mais de 1.100 anos, Jane, mas a habilidade utilizada ainda deixa
as pessoas de queixo caído.
Ele afastou um pouco a cadeira e lhe lançou um sorriso em que havia um pouco
de desprezo por si mesmo.
— De qualquer maneira, um pouco depois de descobri-los, admito que só
pensava em museus de barcos. Admito que a espécie de museu de quadros não é meu
tipo. — Os ombros largos dos quais ela parecia não poder tirar os olhos se ergueram,
descuidados, sob a flanela gasta. — Mas me mostre os trabalhos de um artesão talentoso
e fico maravilhado. Aqueles barcos antigos foram construídos por caras que precisavam
fabricar seus instrumentos de trabalho. E o produto final é um barco que ainda pode
navegar hoje. Isso não é sensacional?
— Demais.
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— É, aqueles caras eram artistas. — Puxou a embalagem para diante dele e
comeu mais um pouco, mastigou, então lhe deu um sorriso meio desapontado. —
Desculpe, não pretendia falar tanto. E você? Aposto que aqueles museus do tipo que
exibem quadros são os seus preferidos, hein?
— Oh, gosto muito de pinturas, especialmente se é um Renoir ou alguma coisas
dos artistas pré-rafaelitas. Mas meu verdadeiro amor serão sempre os ícones dos objets
dart. — Vendo o olhar dele ficar sem expressão, ela riu. — Coisas — explicou — como
aquelas que estou catalogando agora. Como você, fico louca pelo talento de artesãos.
Mesmos os objetos produzidos em massa eram melhores no passado.
E, de repente, ele estava olhando fixamente para a boca de Jane com tanta
intensidade, os palitos com comida que levava à boca parados no ar, que ela se calou
por um momento, imaginando se havia alguma coisa entre os seus dentes. Então se deu
um empurrão mental; não poderia ir ao banheiro verificar o estado de seus dentes nem
fazer qualquer outra coisa. Então, respirou fundo e continuou.
— E foi assim que terminei trabalhando no Met — disse ela, e ficou aliviada
quando ele ergueu os olhos para os dela e voltou a comer. — É, definitivamente, minha
espécie de museu; temos exposições de pinturas, mas a maioria das nossas coleções
permanentes fica sob a categoria ampla da história e da cultura, o que tende a abranger
áreas da experiência humana. De nossas 11 exposições permanentes, apenas duas são de
pinturas. E se algum dia conseguir terminar meu trabalho de selecionar e catalogar os
objetos da Srta. Agnes, estarei acrescentando as exposições 12 e 13 às exposições de
objetos, não de pinturas.
— Nunca fui ao Metropolitan, mas deve ser mais parecido com o tipo de museu
como o Smithsonian, não é?
— Definitivamente, estamos mais nessa direção do que, digamos, do Louvre. —
Ela sorriu de novo. — O qual, tenho que ser honesta, mataria para ver ao vivo.
Ele afastou a cadeira da mesa de repente, os pés arranhando o linóleo enquanto
ele se levantava.
— Vou pegar um copo de água. Quer outra Coca Diet?
O sorriso desaparecendo, ela piscou ao movimento abrupto de Devil.
— Um, certo, claro. — Entregou-lhe o copo enquanto o observava passar pela
mesas e cadeiras que lotavam o salão. Estou entediando você, cara?
Certo, então não seria a pior coisa do mundo. Não que alguém desejasse ser
considerada uma chata, mas realmente ele parecia não ser nem de perto o idiota ela que
esperava que fosse... e tinha que enfrentar a verdade: quando aceitara que ele se juntasse
a ela para jantar, estava mais ou menos contando com aquele aspecto da personalidade
dele para ajudar a mantê-lo à distancia. Porque não podia mentir: ele, sem dúvida, lhe
acendia o fogo.
Com certeza, não precisava disso; era totalmente atípico, e ela não gostava. Mas
não era uma idiota... e embora se sentir toda quente, por causa de um homem, pudesse
ser um fenômeno raro, não podia ignorar como se sentia. Precisava apenas encontrar um
meio de evitar aquilo.
Passar por aquilo, através daquilo. O que quer que fosse para esquecer aquilo.
Era apenas... que não tinha se preparado para ele ser um cara tão fácil de gostar, não
antecipara que pudessem realmente ter alguma coisa em comum. E descobrir o contrário
certamente não a ajudava a apagar aquele fogo.
Ela se sentou com as costas retas. Então, que diabos... mais um motivo para se
tornar invisível; não seria a primeira vez que usaria sua habilidade de se esconder, de se
misturar com o ambiente para levar vantagem. Não seria nem mesmo a décima vez;
crescera tentando se tornar invisível em casa e, sem ter os atributos atraentes das
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amigas, cedo aprendera a usar sua capacidade de não ser notada, particularmente pelos
homens.
E se algumas vezes fora além de apenas usar essa habilidade e conseguira, de
fato, se tornar invisível? Ora, grande coisa. Porque, exceto por seu breve romance com
Eric Lestat, em seu primeiro ano na faculdade, sua capacidade camaleônica de se
misturar ao ambiente lhe fora muito útil. Se tivesse sido esperta na ocasião, também o
teria usado, mas se apaixonara pelas mãos pálidas de poeta de Eric, enlouquecida por
sua testa alta de intelectual.
Era um fato sabido na família que não herdara o gene da paixão, e agradecia por
isso. Como uma observadora involuntária do quase diário drama apaixonado de seus
pais, soubera desde cedo que era uma emoção perigosa e confusa que seria muito
melhor evitar. Assim, seu relacionamento com Eric tinha se baseado mais no lado
cerebral do que no sexual. E por algum tempo fora feliz, até Eric mudar as regras.
Mas tudo isso era passado e irrelevante hoje. E não dava a minima para o que
Devlin pensava dela. Pegou a bolsa; era hora de terminar a noite.
Mas antes que pudesse fechar a embalagem para levar para casa o que sobrara do
jantar, Devlin voltou. E se ele a achava uma chata, tinha uma forma estranha de
demonstrar, porque a primeira coisa que disse enquanto lhe entregava o copo cheio foi:
— Então, como se interessou por esse negócio de curadora?— Ele colocou o
copo de água sobre a mesa e puxou a cadeira com o pé de volta à mesa. Então, se sentou
e olhou para ela com grande interesse.
Ela o observou por um segundo, tentando avaliar sua sinceridade e se
perguntando, numa onda indesejada de honestidade, como, se lhe faltava o gene da
luxúria, ele era capaz de fazê-la se sentir tão malditamente... quente.
Tão tensa.
Tão cheia de desejo.
Então, deixou de lado a pergunta.
— Eu tinha 12 anos quando comecei a me encontrar com a Srta. Agnes. Ela era
diferente de qualquer outro adulto que já conheci.
O canto da boca de Devlin se ergueu num meio sorriso ligeiramente cínico.
— Como foi? — perguntou, seco. — Ela a chamou de princesa e lhe deu muitos
conselhos sábios? Conversou longa e profundamente com você?
Os lábios dela se curvaram à lembrança da mulher que amara tanto.
— Não, não era o estilo dela, sua influência era mais sutil. Acho que foi a forma
como ela apareceu em todos os eventos importantes para nós e como deixou clara a
confiança que tinha em nós. Poppy era a única que estava acostumada a receber esse
tipo de atenção de um adulto. É engraçado, eu, e Ava e ela jamais discutimos isso... já
que conversávamos sobre qualquer outra coisa... mas acho que cada uma de nós recebeu
alguma coisa diferente dela, alguma coisa destinada a nossas necessidades especiais.
Ele ergueu as mãos, cruzou-as, descansou o queixo nelas e olhou para Jane.
— E qual foi para você?
— O fato de que ela realmente ouvia quando eu tinha alguma coisa a dizer. Que
ela me olhava e realmente me via. Era um refúgio da vida em casa. Podia respirar
quando estava com ela.
Ele a olhou pensativamente e Jane ficou completamente imóvel. Teria falado
demais? Teria revelado o que não devia? Geralmente, não mencionava aquela coisa de
refúgio, nem era do tipo de mulher de se abrir. Bem, conversava com Ava e Poppy, é
claro, mas não era conhecida por contar tudo a um homem que mal conhecia e do qual
nem sabia se gostava, assim, mudou de assunto para encobrir suas pegadas.
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— Agnes me ensinou a valorizar seus tesouros e o fato de que jamais se
incomodou de eu tocá-los, e vê-los foi a cereja do bolo. Ela me encorajava a me
envolver com eles por horas, apenas usufruindo de sua beleza e do talento com que
foram feitos.
É claro que ele precisou tocar no assunto que ela preferia ignorar.
— Boneca — disse ele, fazendo-lhe um aceno —, confie em mim, tenho
necessidade de ficar longe da minha casa.
— Você tem? — Ela se esforçou para endurecer.
— Claro. Você conheceu alguns membros da minha família. Multiplique-os por
20, porque o que viu até agora é apenas a ponta do iceberg. Há um pelotão de
Kavanaghs, e cresci em meio a todos os professores que os conheciam. Conheciam
meus irmãos e minhas irmãs, tanto os que estudaram antes de mim como os que vieram
depois. Conheciam meus pais, conheciam minhas tias, meus tios e meus primos. Não
podia me livrar de uma só maldita coisa que fizesse no bairro porque todos me viam ir e
voltar e sabiam exatamente a quem contar. Não houve um mínimo de privacidade
durante toda a minha vida.
Ela olhou para ele.
— E isso era ruim? — Parecia confortador para ela, todas aquelas pessoas
preocupadas com seu bem-estar, interessadas no que acontecia no dia dele.
— Inferno, sim, eu me sentia sufocado. Você deve ter sentido alguma coisa
parecida.
— Huh?
— Sendo filha única, não me diga que não recebeu atenção constante de outra
espécie.
Ela mal conseguiu deixar de rir na cara dele. Além dos períodos em que os pais
sentiam necessidade de uma audiência para seus dramas, a atenção que recebera em
casa era nenhuma. Mike e Dorrie tinham uma paixão um pelo outro que estava sempre
na frente e no centro. Brigavam de forma intensa e faziam as pazes do mesmo jeito.
Raramente, porém, o ardor deles se dirigira a ela.
Devlin se sentira sufocado por toda a atenção que recebera? Ela se sentira tão
solitária às vezes que apenas queria ficar em posição fetal e chorar.
Felizmente, tivera Poppy e Ava para impedi-la de mergulhar num poço de
autopiedade. De novo e de novo elas a salvaram da loucura dos pais, por ser a estranha
em sua própria casa, e Jane as considerava sua verdadeira família, assim como a Srta.
Agnes.
— Então, tenho razão? — perguntou ele, interrompendo-lhe os pensamentos.
Ela o olhou do outro lado da mesa. Seu cabelo claro brilhava com um fogo
exótico sob as luzes do restaurante e os olhos estavam entrecerrados, alegres, enquanto
ele a olhava de volta.
— Tenho razão, não tenho? — exigiu. — Seus pais, provavelmente, viram seu
potencial cedo e a obrigaram a estudar e viver de acordo com a vontade deles.
Coisa nenhuma; oh, cara, muito errado. Mas não admitiria o que realmente
acontecera... não para alguém que tinha um exército de pessoas entusiasmadas a cada
movimento que fazia.
Em vez disso, deu-lhe um sorriso curto.
— Uau, isso é completamente sinistro. Você é claramente um estudioso da
natureza humana. Mas, ei, não precisa confirmar, aposto que ouve isso o tempo todo. —
Olhou seu relógio. — Oh, cara, veja as horas. Lamento, tenho que correr. — Precisava
sair dali, precisava sair dali, precisava... fechou a embalagem e guardou-a na bolsa.
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Vestiu o casaco e o olhou mais um vez. — Bem, isso foi, hum, agradável. Precisamos
fazer isso de novo.
Quando o inferno congelasse.
Capítulo 6
Acordei esta manhã suando frio, o coração disparado e a boca seca. O que estava
pensando?
Cara. Jane observou Devlin se afastar; realmente, realmente precisava de uma
folga daquele homem. Não que estivessem ainda brigando. Na verdade, desde o
encontro casual no restaurante chinês, diversos dias atrás, os dois estavam agindo como
pessoas supereducadas um com o outro, muito adultos.
— Aquele homem tem mesmo um traseiro maravilhoso — observou Ava de seu
assento sob a janela do salão, uma vista coberta de chuva do Space Needle e do Lake
Union brilhando na noite iluminada atrás dela.
— Não brinca. — Poppy virou a cabeça de lado, observando a flexão do traseiro
musculoso de um ângulo diferente enquanto ele se dirigia para a escadaria do outro lado
do hall. — Parece bom de qualquer lado que o olhe; uau... céus!
— Dá vontade de morder — contribuiu Jane. E este era o resumo de seu
problema. Por mais que fossem civilizados e profissionais, e tudo mais, ela
simplesmente não conseguia tirar sua libido da equação.
Percebendo que a sala ficara silenciosa e as amigas a olhavam, piscou ao lhes
devolver o olhar.
— O que foi?
— Você disse que dá vontade de morder. — A voz de Ava mostrava seu
espanto.
— Bem, e dá. Quero dizer, não é exatamente a mesma coisa que vocês duas
estavam dizendo?
— Claro, mas éramos Ava e eu — disse Poppy —, você nunca percebe coisas
assim.
Ela riu.
— É claro que percebo. Só por que não ajo de acordo com minhas observações
ou fico babando isso não significa que sou cega. Ora, vamos. Provavelmente, não há
uma mulher viva que não perceba um traseiro tão bonito como aquele. — O que, talvez,
fosse um erro mencionar, considerando a súbita curiosidade no rosto de Poppy.
Mudou de assunto.
— Escutem, pedi a vocês para me encontrarem aqui esta noite por um motivo.
— Além de ver nossos lindos rostos e se deliciar com nossas doces
personalidades, você quer dizer? — Ava bateu as pestanas.
— Nem é preciso dizer; mas, além disso, tenho uma preocupação sobre a qual
preciso conversar com vocês.
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Daquele modo que as tornara melhores amigas, elas lhe deram sua imediata e
total atenção.
— Na noite passada, acordei de um sono tranqüilo com um ataque de pânico. —
As mãos ficaram úmidas só de pensar naquilo. — Vocês têm alguma ideia de como as
coisas nesta mansão são valiosas?
— Bem... sim — disse Poppy.
— É difícil não saber, Janie — disse Ava em seguida.
— Vocês estão olhando para mim como se eu tivesse aparecido de repente com
duas cabeças, mas tenho uma preocupação real. Concordamos que as coleções da Srta.
Agnes valem uma fortuna, certo?
As duas mulheres concordaram.
— Então devem saber que precisamos fazer tudo que pudermos para protegê-las.
Não sei como isso não me ocorreu logo, mas duvido que o alarme contra ladrões neste
lugar tenha sido atualizado desde que a Srta. A. o instalou, em 1985. E imaginam o
quanto a tecnologia avançou desde que tínhamos 7 anos de idade? — Olhou de uma
para a outra. — Já passou da hora de o atualizarmos... e quanto mais cedo, melhor, se
meu sistema nervoso tem alguma coisa a dizer sobre o assunto.
— Parece que será uma despesa enorme — disse Poppy suavemente.
— Mas uma despesa necessária.
— Com essa reforma, temos uma pilha de outras despesas para cobrir também.
— Sim, temos, mas também temos uma pilha de coisas a perder se formos
roubadas... e muitas delas são rendas em potencial que podem ser usadas para financiar
o trabalho que está sendo feito. — Tocou o braço de Poppy. — Escute, admito que
estou ficando obcecada com minhas responsabilidades para com o Met e, por extensão,
com a confiança que a Srta. Agnes demonstrou em mim para fazer um bom trabalho
para eles. É apenas... quando o testamento foi lido, pareceu que havia muito tempo para
preparar as coleções para as exposições de inverno. Mas a homologação levou mais
tempo do que eu esperava e, de repente, não me parece haver mais tanto tempo e não é
como se as coleções estivessem todas no mesmo lugar, apenas esperando que eu as
catalogasse. Sei que, provavelmente, estou vendo problemas onde não há, me
preocupando com o que aconteceria se a mansão fosse invadida por ladrões, mas ao
mesmo tempo... oh, droga, estou falando demais, não estou? — Respirou fundo e
exalou, e as duas amigas a olharam tranqüilamente. — Desculpem, mas, mesmo assim,
se alguma coisa acontecesse, afetaria nós três, não apenas eu.
— Temos seguro, certo? — perguntou Poppy.
— Sim, mas acho que não nos garante nada por que duvido que cubra tudo,
considerando que ninguém jamais catalogou o conteúdo da mansão.
— Por que será que a Srta. A. nunca fez isso?
— Provavelmente, pelo mesmo motivo por que não atualizou o sistema de
alarme depois que foi instalado. Acho que ela estava mais interessada em encontrar
coisas que amava do que em ser proprietária de uma coisa tão formal como uma
"coleção" — disse Ava. — Mas Jane tem razão. A seguradora, provavelmente, calculou
por alto o conteúdo da mansão e fez um seguro padrão.
— E, a menos que a Srta. Agnes tenha tomado providências especiais para suas
coleções — acrescentou Jane —, o seguro cobriria apenas uma fração do que ela
acumulou ao longo dos anos. Na verdade, isso é uma coisa que precisamos verificar,
que tipo de seguro é, e fazer um novo. Nem sei se estamos cobertas por um seguro neste
momento.
Poppy tirou uma caderneta e uma caneta da bolsa enorme, fez uma anotação e
guardou-as na bolsa de novo.
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— Vou verificar.
— Obrigada. O que realmente me apavora é o pensamento de que todas as coisas
que comprou possam desaparecer no ar para que algum viciado compre drogas.
— É uma grande responsabilidade ter uma casa — observou Poppy.
— Principalmente quando está cheia de objetos valiosos — concordou Ava. —
Mesmo assim, entramos nisso de olhos abertos, embora não estivéssemos totalmente
preparadas. Assim, voto pela substituição do sistema de alarme.
— Eu também. — Jane olhou para a amiga loura. — Poppy?
A primeira coisa que haviam feito quando descobriram que a Srta. Agnes havia
lhes deixado seus bens fora concordar que não aceitariam o sistema de maioria. A
menos que concordassem por unanimidade em alguma ação, ela não seria praticada.
— Certo — Poppy acenou, decidida. — Concordo, mas não sei nada sobre
sistemas contra roubos e vocês duas também não. Assim, como vamos saber qual é o
bom e qual será igual a jogar nosso dinheiro na privada?
O som forte de uma tábua sendo arrancada e depois o da queda dela no assoalho
do andar superior as fez olhar para o teto. Então olharam umas para as outras e riram.
— Assim falam os deuses — disse Poppy. Colocando a cabeça na porta do
salão, gritou o nome de Devlin.
— Esta é uma das coisas de que mais gosto em você, Pop — murmurou Ava
secamente enquanto se levantava de seu assento sob a janela —, seu total refinamento.
— Oh, que se dane o refinamento — disse Poppy quando Dev respondeu do
andar superior. Ela gritou um pedido para ele descer por um minuto, então se voltou
para as amigas. — Ele é um carpinteiro, acredito que o grande refinamento não é tão
importante para ele como é, oh, digamos, para... você.
Jane preferia não envolver Devlin no assunto, mas sabia que Poppy tinha razão...
não sabiam nada sobre sistemas de alarme contra roubo. Um empreendedor certamente
saberia.
Ele entrou no salão alguns momentos depois.
— Não conseguem ficar longe de mim, não é, senhoras?
— Deve ser seu traseiro bom de morder — disse Poppy.
As sobrancelhas negras se ergueram em direção aos cabelos cor de bronze.
— O que disse?
— Jane não disse que é isso que acha do seu traseiro... Ai! Jesus, Ava. —
Deixando-se cair na poltrona atrás dela, a bela loura ergueu o pé esquerdo até o joelho
direito e começou a massagear o pé que Ava havia pisado.
— Oops, desculpe — disse Ava, serena. — Estou muito desajeitada hoje.
Jane mal ouviu. Correntes de fogo lhe percorriam as veias quando o olhar de
Devlin se encontrou com o dela.
— Está muito abafado aqui de repente, não está?
Oh, comporte-se, Kaplinski. Ela endureceu os ombros e empinou o queixo por
que sabia exatamente qual era seu problema... e não tinha relação alguma com a
temperatura externa. Maldição, era exatamente por isso que estava tentando manter
distância. Era essa química que a deixava totalmente apavorada.
Deixando escapar a respiração, ela deliberadamente rompeu o contato com os
olhos de Devlin e mentalmente deu um passo para trás.
— Você precisa desculpar a tagarelice de Poppy — disse ela e aleluia!
Realmente pareceu controlada. — Ela facilmente muda de assunto. O motivo por que o
chamou aqui é para lhe pedirmos conselhos sobre sistemas de alarme contra roubo.
Ele deu um passo em direção a ela, os olhos brilhando, todo quente e masculino
no jeans velho, camiseta negra e botas pesadas de trabalho.
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— Você acha que tenho um traseiro bom de morder?
Oh, senhor. Mas não ia perder a compostura e, com o mesmo tom controlado,
disse:
— Certamente. Agora, sobre o alarme contra ladrões...
Ele pôs as mãos nos bolsos, recuou um passo e se encostou na soleira da porta.
— Se está falando sobre o sistema de segurança nesta casa, é uma droga,
precisam de um novo.
— Sim, chegamos à mesma conclusão. Infelizmente, não temos a menor ideia de
qual seria o melhor para comprar.
— Como estive fora do país por muitos anos, não sei exatamente o que é o
melhor atualmente. A tecnologia muda muito depressa nessa área. Mas esperem até eu
falar com Bren, ele saberá.
Ele estivera fora do país? Onde? Bem, Oslo, é claro... ele lhe dissera isso, mas
presumira que estivesse de ferias. "Muitos anos", no entanto, parecia um estilo de vida
totalmente diferente e gostaria de saber o quê porque e onde. Mas, determinada a manter
o profissionalismo, ela engoliu as perguntas que estavam na ponta da língua.
— Você estava fora do país? — perguntou Poppy — Onde, por quê? Aquela
garota era realmente uma de suas melhores amigas.
— Por toda parte, na verdade — disse ele. — Bem, em toda parte ligada ao
oceano. Sou marinheiro.
O que explicava sua fascinação por museus de barcos.
— Na Marinha? — perguntou Ava.
— Não, tripulo iates, principalmente para particulares. Levo os barcos deles do
ponto A, onde os deixaram, para o ponto B, onde querem pegá-los, ou simplesmente os
transporto com eles dentro quando não querem se dar o trabalho. — Balançou a cabeça.
— Ficariam impressionadas como a maioria das pessoas compra os barcos mais lindos
do mundo... e não têm o menor interesse em viajar neles.
Jane conseguia vê-lo no leme de um grande veleiro. Conseguiu fazê-lo com
grande facilidade, e franziu a testa.
— Então, se você é um marinheiro, o que está fazendo dirigindo um projeto de
construção?
— Boneca... — Ele lhe deu um sorriso meio torto que fez coisas perigosas com
seu equilíbrio. — nasci nesse negócio e ainda aceito trabalhos entre viagens. Posso lhe
dar a garantia de ter seu dinheiro de volta se estragar esta reforma. Sei tudo sobre
contração, talvez até mais do que sei sobre navegação. — Encontrou-lhe o olhar. — E
sei tudo sobre navegação.— Ele disse, com toda a modéstia. — É.
Pegou o celular e ligou para o irmão. Quando desligou pela segunda vez, não só
conhecia o nome no alto da lista de Bren como o melhor no ramo; também já ligara para
a empresa para elas e negociara o preço para a instalação de um sistema de segurança
top de linha por 1.500 dólares a menos do que o preço inicial pedido.
Ava e Poppy fizeram um grande barulho com a competência dele e Jane teve que
se esforçar para não se juntar a elas. Sabia exatamente como gostaria de lhe agradecer
também, e o fato de que sua mente ficava o tempo todo voltada para aquela direção a
abalou profundamente. Em consequência, seu agradecimento pareceu seco e insincero.
Bem, lamentava, mas a última coisa de que precisava era lidar agora com um caso de
hormônios enlouquecidos.
Como se Devlin se importasse! Ele apenas a olhou da cabeça aos pés, lambeu os
lábios e se despediu.
No minuto em que ele saiu para voltar para desmanchar o terrível solado, Poppy
atacou:
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— Jane Kaplinski, sua safada diabinha! Ele é o objeto de sua luxúria!
— O quê? — replicou Ava, olhando para a amiga loura como se ela tivesse
enlouquecido. — Não seja ridícula, Jane não sente luxúria por Devi— Mas alguma
coisa na expressão de Jane deve tê-la traído por que Ava parou de falar no meio do
protesto e olhou para ela atentamente.
— Jane?
— Está bem, certo. — Jogou-se na poltrona de namorados. — Admito, tenho
sentido desejo por Devlin Kavanagh. Isso é constrangedor?
— Acho surpreendente, considerando que não posso me lembrar da última vez
que teve desejo por alguém — disse Poppy sentando-se ao lado dela. — Mas não vejo
por que é constrangedor, ele, obviamente, deseja você.
Jane rosnou.
— Não, Poppy está certa — disse Ava. — No começo, quando ele entrou e a
Boca Grande aqui lhe contou o que você pensava sobre o traseiro dele, presumi que era
um desses caras que precisam atacar cada mulher que encontra.
— O que é provavelmente o caso. — Ela bateu com o ombro no de Poppy. — E,
por falar nisso, muito obrigada.
Ava ignorou a conversa lateral.
— Não acho que seja, já que, pensando no assunto, percebi que ele jamais
mostrou o menor interesse em Poppy ou em mim. Ele provoca de uma forma genérica,
mas não há calor verdadeiro nisso.
— Definitivamente, há calor com você — concordou Poppy.
O estômago de Jane deu um nó ao pensamento, mas livrou-se dele.
— Não tem importância, não tenho tempo para isso.
— Encontre tempo — aconselhou Poppy —, sexo é bom para você... libera
endorfinas e...
— Pode dar um tempo? — interrompeu Jane, tentando cortar pela raiz a
campanha vamos-fazer-Jane-aceitar-o-sexo. — Não estava brincando quando disse que
estou preocupada em preparar as coleções do Met em tempo.
— Mais motivo para procurar aquelas endorfinas tão confortantes. — Poppy se
mexeu na poltrona de namorados para se virar e olhar Jane nos olhos. — Estou lhe
dizendo, isso a ajudaria a relaxar e tornaria seu trabalho mais fácil do que três
assistentes e uma semana num spa.
— Meu trabalho seria mais fácil se minha boa amiga tentasse parar de melhorar
minha vida sexual e me desse uma ajuda.
Poppy olhou-a por um momento, então jogou os cabelos louros ondulados para
trás.
— Você vai ignorar meu brilhante conselho, não vai?
— Sim.
Ela suspirou com desgosto.
— Certo, eu a ajudarei no que você precisar.
— Se é um consolo, conseguirei no Met um pagamento pelo seu trabalho.
Poppy se alegrou.
— Maravilha. Você me conhece... sempre posso usar um dinheiro extra nessa
época do ano. Ainda não recebi a bolsa para meu novo programa com as crianças e vai
demorar um pouco antes de receber o adiantamento pelo desenho de cartão que vendi.
— Nesse caso — disse Ava —, farei a pesquisa sobre nossa situação com o
companhia de seguro.
— Obrigada às duas. Conversarei com Gordon Ives no trabalho amanhã. Talvez,
se conseguir limpar um pouco minha mesa lá, possa avançar aqui.
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No museu, no dia seguinte, ela encontrou um momento livre em sua
programação e foi procurar Gordon.
Quando não conseguiu encontrá-lo nos salões de exposições, na área de depósito
ou na sala do pessoal, foi ao sexto andar, onde ficavam os escritórios dos dois.
Aproximando-se do dele pelo lado contrário do corredor, viu pela porta ligeiramente
aberta que ele estava ao telefone. Bateu de leve e pôs a cabeça dentro do escritório, que
era ainda menor e mais atulhado do que o dela; quem acharia que isso era possível?
A cabeça dele se ergueu de repente e a rápida visão que teve da expressão dele a
fez recuar para o corredor e sussurrar:
— Desculpe.
Teve a impressão de que ele ficara aborrecido, mas a visão rápida da expressão
no rosto dele, enquanto se virava para ficar de costas para ela, parecia mais de culpa. De
qualquer maneira, era claramente um momento errado para interrompê-lo.
Depois de desligar o telefone, porém, ele se recostou na cadeira e, com um
grande sorriso, que desmentia as duas impressões que ela tivera, fez um gesto com a
mão para que ela entrasse.
— Desculpe por fazê-la esperar — disse ele. — O que posso fazer por você?
— Tenho um favor a pedir. Falou sério sobre me ajudar? — Ele se endireitou
lentamente na cadeira.
— Completamente, não teria feito a oferta se não tivesse a intenção de ajudá-la.
— Você é um príncipe entre os homens. — Ela se moveu para uma pilha de
brochuras sobre a cadeira da visita, jogou-as no chão e se sentou. — Estou começando a
me sentir um pouco atormentada sobre as coleções Wolcott e sei que, se puder
conseguir pelo menos uma semana de trabalho ininterrupto, as coisas começarão a se
arranjar. Assim, se você estiver disposto a assumir meus deveres na exposição "Arte na
Época das Explorações", na semana que vem, ficaria extremamente grata.
— "Arte na Época..." — Ele piscou. — A exposição espanhola?
— Sim. Tenho tudo bem-organizado, mas é preciso verificar as peças enquanto
chegam, o que deve acontecer no começo da próxima semana. E meu plano de
tamanhos precisa ser verificado de novo com as peças para ter certeza de que está tudo
correto. Sei como essas coisas acontecem algumas vezes.
— Sim — concordou ele —, no minuto em que você acredita que tudo está
correto, tudo acaba desmoronando.
Ela não sabia exatamente o motivo, mas alguma coisa a fez se perguntar se ele
estava mesmo disposto a ajudar ou o oferecimento fora apenas superficial.
— Escute, sei que é pedir muito, Gordon, assim, se você não quiser...
— Não, é claro que não me importo em ajudar.
Deu-lhe um grande sorriso e o que estivera na expressão dele, desapareceu, por
isso, ela relaxou.
— Obrigada, você não tem ideia de como fico grata. Você receberá o título de
co-curador na brochura, é claro, e receberá um convite para o banquete com o rei e a
rainha da Espanha. — Ela se levantou e acrecentou: — Obrigada, mesmo.
— Não tem nenhum problema. — Gordon também se levantou. — Eu lhe disse
antes, e falei sério... o que quer que possa fazer para ajudar.
Só de saber que ficaria com as manhãs livres na semana seguinte a fez se sentir
consideravelmente aliviada. Parando na soleira da porta, deu-lhe um sorriso agradecido.
— Vou pegar os papéis que você vai precisar. Salvou minha vida! — Gordon
sorriu de volta.
— Sem problema.
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Ela riu e se virou, para voltar ao seu próprio escritório. E não viu os olhos dele
entrecerrarem.
Capítulo 7
Por que as coisas têm que ser sempre tão malditamente loucas? Preciso
seriamente da terapia de compras de sapatos.
O sorriso de Gordon desapareceu no momento em que Jane se afastou da porta.
A exposição espanhola? Ela lhe passara a maldita exposição espanhola?. Aquela cadela!
Ele se oferecera para fazer seu maldito trabalho no museu para ela? Não, não se
oferecera.
Certo, então dissera que faria o que ela precisasse. Mas o que quisera dizer era
na mansão Wolcott, onde certamente havia muitos objetos valiosos e portáteis, apenas
esperando para serem doados para a causa dele.
Tinha dívidas a pagar, espancamentos a evitar. O que era malditamente injusto
demais. Jamais se encontrara em dificuldades como aquelas.
Não era culpa sua, era um jogador brilhante... era só ver o quanto ganhara ao
longo dos anos... e qualquer dia chegaria à grande vitória. Então, abandonaria esse
emprego vagabundo no museu, onde a diretoria não tinha competência para perceber
seu brilho, muito superior ao de Kaplinski. Sim, senhor, ele se juntaria ao circuito
profissional de pôquer e se aposentaria jovem, com dinheiro para queimar. E,
considerando o extremo cuidado que tinha consigo mesmo, sabia que as agências de
publicidade se atropelariam para lhe dar um apelido adequado, como o Impecável Ives.
Mas não este ano.
Cerrou os punhos e respirou com força, quase resfolegando, e com um esforço
imenso, acalmou-se.
Bem, então tivera um pouco de falta de sorte. Acontecia com os melhores
jogadores. O problema é que gastara todas as economias que fizera com suas vitórias,
uma pequena fortuna que estava guardando para se inscrever na Vegas Challenge.
Então, em vez de evitar a Challenge aquele ano, mesmo se a competição tivesse
sido seu objetivo por quase 18 meses e a plataforma que lançaria sua carreira, ele
conseguira os 10 mil dólares de que precisava para se inscrever pedindo um empréstimo
a Fast Eddy Powell, um agiota de seu antigo bairro.
Mas a má sorte continuara. Ficara numa mesa horrível e recebera cartas ainda
piores, nem mesmo conseguira passar pelo primeiro dia. Fora pura e simplesmente
roubado; inferno, a maldita competição devia ter cartas marcadas.
Mas Powell, a quem conhecia desde criança, se importara? Não, senhor, o
homem era um sanguessuga e tudo o que queria era seu dinheiro de volta, com juros
altíssimos... de preferência ontem, se não antes; não era conhecido exatamente por sua
paciência.
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Gordon estivera no telefone tentando ganhar um pouco de tempo, jurando a Fast
Eddy que venderia seu Lexus quando Sua Alteza Real enfiara aquele pequeno nariz
pontudo em sua porta.
Deus, ela o deixara zangado. Como se não fosse ruim o bastante que ela tivesse
frequentado bons colégios e se formado numa faculdade das Seven Sisters, além de uma
bela educação, tinha que receber uma enorme herança além de tudo?
Não que tivesse feito nada para merecer. Certo, certo, tornara-se amiga de uma
velha dama maluca, conhecida por suas excentricidades. E por isso toda a fortuna
Wolcott lhe caíra no colo?
Isso apenas mostrava a injustiça das coisas, não mostrava? Os ricos ficavam
mais ricos, e caras como ele, que tinham rastejado para fora do Terrace, um dos
conjuntos habitacionais mais horríveis de Seattle, nada recebiam.
Um maldito zero à esquerda.
Os poderosos do Met já adoravam o traseiro de Kaplinski, mas isso era o
bastante para a Srta. Quero Tudo? Inferno, não, tinha que levar para eles não uma, mas
duas das prestigiadas coleções, tornando-a a Srta. Charme do Metropolitan Museum.
Como se a cadela precisasse de mais diamantes em sua tiara.
E quando tentara obter para si mesmo apenas uma lasquinha da torta,
estritamente no interesse de salvar seu traseiro da aniquilação, o que tinha recebido?
A maldita exposição espanhola. Pela qual só faltara implorar a Marjorie quando
soubera que o Met seria um dos museus em que seria exibida em sua exposição
itinerante. Mas ela a dera a ele? Inferno, não, dissera que queria que Jane cuidasse dela.
Agora, no entanto, era bom o bastante para lidar com ela. Agora que a Srta. Escolas e
Conexões Certas tinha alguma coisa melhor a fazer.
Bem, ele faria o trabalho idiota para ela. Deus sabia que podia fazê-lo de olhos
fechados. Mas isso era apenas seu Plano B.
E apostava a banca que não estava abrindo mão do Plano A.
Jane estava cansada demais quando abriu a porta de seu apartamento na noite
seguinte. Dois dias longos de trabalho e aborrecimento!
Ficara muito animada na manhã do dia anterior por ter conseguido tempo extra
para trabalhar nas coleções do Met, e a boa notícia é que realmente fizera um pouco de
progresso.
A má notícia é que não fora um progresso tão grande como esperara.
Um problema que não antecipara era que a Srta. Agnes pudesse não guardar
todos os seus tesouros em coleções prontas para exibição de uma forma organizada,
completa. Diversas peças da coleção Alta-costura em Todas as Épocas pareciam estar
espalhadas por toda a mansão. O que, se Jane estivesse pensando certo, deveria ter
antecipado. Porque, para dizer a verdade, a Srta. Agnes não comprara roupas de
costureiros famosos por décadas pensando em seu valor como "exposição". Ela as
comprara porque amava roupas lindas, e as vestia.
O que, é claro, era como devia ser. Apenas tornava tudo mais difícil para Jane
localizar as peças... especialmente o vestido Christian Dior de crepe bordado com
contas e a capa de ermínia para noite que o acompanhava, do final da década de 1950.
Desde que vira uma foto da Srta. A. saindo de uma limusine usando aquela roupa, ela
soube que as peças seriam o centro perfeito para a exposição... se conseguisse encontrálas.
Lembrava-se de ter visto a mesma foto quando era adolescente e de a Srta. A.
lhe contar sobre a noite em que as usara. Na ocasião, ela estava na casa dos 20 anos e
contara que seu pai estava furioso com ela aquela noite por que recusara uma proposta
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do tipo agora ou nunca de um jovem que não queria esperar que ela voltasse de uma
viagem já planejada para a América do Sul.
A excitação lhe atingia as terminações nervosas. Agnes Wolcott podia não ser
um nome reconhecido nacionalmente, mas suas excentricidades, viagens fantásticas,
tendências filantrópicas e um guarda-roupa sensacional a tornavam uma atração imensa.
Jane pretendia incluir alguns dos casos mais fascinantes da história de Agnes ao lado da
foto que seria a peça central e uma seleção de outras que a mostravam usando as peças
que estariam no catálogo da exibição. E simplesmente sabia que a exposição tinha o
potencial de um enorme sucesso, atrás apenas, em prestígio, da exposição da coleção de
Jacqueline Kennedy.
Jane resmungou. Belo objetivo quando nem consegue localizar a metade das
peças para exposição. Talvez tivesse mais tendência aos dramalhões de seus pais do que
imaginara. Um pensamento apavorante, porém, já que sempre considerara que suas
produções para as exposições do museu eram um passo gigantesco que a afastava dos
teatros baratos de Mike e Dorrie Kaplinski. Mas, algumas vezes, um show era
simplesmente um show, não importava o baixo orçamento ou onde era produzido.
Pelo menos, esta tarde superara um obstáculo que era uma espécie de avanço em
seu show. Descobrira que Agnes havia guardado a maioria de seus bens pessoais em
caixas separadas por épocas. Desde que as coleções de roupas e joias da Srta. A., que
haviam sido doadas ao Met, abarcavam muitas décadas, Jane ainda tinha trabalho
demais apenas para localizar tudo.
Mas pelo menos agora estava no caminho certo e, a partir desse ponto, esperava
ter um progresso maior e mais rápido.
Mas isso era um problema para o dia seguinte. Aquela noite, tudo o que queria
era um longo banho de banheira, com sais de banho e, talvez, alguma coisa para comer
do que tivesse na geladeira.
Virou a chave na fechadura e abriu a porta. O cheiro a recebeu em primeiro
lugar, uma onda forte de Obsession. Então, quase tropeçou na mala deixada no corredor
estreito.
— Ai, droga!
— Querida! Pensei que nunca mais voltaria para casa.
Dorrie Kaplinski surgiu no fim do corredor, um copo numa das mãos. Dois
cubos de gelo e um líquido âmbar balançavam suavemente enquanto ela acenava para
Jane se juntar a ela na cozinha.
— Entre, você parece cansada. Vou fazer um sanduíche ou qualquer coisa assim
para você.
Tomando um gole da bebida, olhou em torno, como se esperasse que o alimento
se materializasse magicamente.
— Como entrou aqui, mãe? — Jane jogou a bolsa ao lado da garrafa de bebida
da mãe, sobre a bancada em forma de L que separava a cozinha do resto do espaço da
sala de estar. Tivera o cuidado de não dar uma chave do apartamento a qualquer um dos
pais.
— Oh, aquela gentil jovem na portaria me deixou entrar. Ela sabe que sou sua
mãe, é claro, e ficou com pena de mim quando se tornou evidente que você chegaria
tarde e que eu teria que esperar no lobby a noite toda. Você trabalha demais, sabe.
— Por que presume que eu estava trabalhando? Talvez eu estivesse num
encontro quente. — A mãe apenas olhou para ela e Jane deu de ombros. — Certo, você
tem razão, não estava, mas a doação da Srta. Agnes para o Met é a exposição mais
importante que já fiz e tenho um prazo muito curto.
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— Ainda não compreendo por que você não pode doar alguns dos vestidos e
joias para nosso teatro. Seriam sensacionais no palco e, francamente, precisamos mais
deles do que seu precioso Met.
Não vou gritar, não vou gritar.
— Como já lhe disse, mais de uma vez, mãe, não são meus para dar. Foram
especificamente destinados ao Metropolitan e estou apenas encarregada de organizar a
exposição. O que significa que trabalhar muitas horas será um fato da minha vida por
algum tempo.
Ela jogou os sapatos de saltos altos para o lado e deu um suspiro de alívio
quando tocou com os dedos o piso frio de madeira.
— E não é que não goste de vê-la, é claro, mas o que está fazendo aqui? — Com
sua mala?
— Deixei seu pai. — O rosto de Dorrie ficou vermelho, combinando com as
luzes escarlate nos cabelos, o suéter de gola alta e a aura de extrema irritação que
pulsava dela.
— De novo? — Dorrie piscou.
— Bem... sim. Ele é um homem frio, sem coração...
—... canalha e filho da mãe. Sim, sim, ouvi isso 100 vezes. E, desde que tinha 18
anos, venho repetindo que não serei mais arrastada para o meio dos dramas que você e
papai adoram.
— Mas...
— Você não pode ficar aqui, mãe. Se insiste em montar um dramalhão à noite,
pelo menos esteja disposta a financiar a produção você mesma.
— Jane Elise!
A campainha tocou e ela suspirou. Ótimo. Sabendo quem estaria do outro lado
da porta, ela começou a caminhar pelo corredor enquanto a mãe, claramente partilhando
sua suspeita, gritava:
— Se for seu pai, pode lhe dizer por mim que...
Ela abriu a porta sem se dar o trabalho de verificar no olho mágico.
— Entre, papai.
— Não sou seu pai — disse Poppy, entrando no apartamento —, mas vou entrar
de qualquer maneira. — Vendo a mala de Dorrie, lançou a Jane um olhar de
solidariedade e passou à frente de Jane, impedindo que a mãe a visse. — Oi, Sra.
Kaplinski.
— Oi, querida. — Dorrie piscou, claramente reajustando suas expectativas. —
Hum... como vai?
— Ótima, obrigada. — Virando-se para Jane, Poppy lhe entregou um saco de
papel. — Aqui, jantei com mamãe e papai esta noite e eles lhe mandaram alguma coisa.
— Oh, uau! — Não tinha percebido até então como estava com fome e seguiu
para a cozinha e para o forno de microondas. Tirou uma vasilha do saco de papel
marrom. — Isso foi muito amável da parte deles. Como você teve a sorte de herdar os
genes certos?
— Ouvi isso, Srta. Boca Esperta. — O rubor cobriu o rosto de Dorrie e,
terminando de tomar o bourbon com água, ela olhou fixamente para Jane. — É tudo tão
fácil para você, não é, com seu emprego bom e seu apartamento num condomínio? Mas
o que um peixe frio como você sabe sobre a intensidade dos sentimentos de um amante?
Você nem mesmo tem encontros... não compreenderia a paixão nem se ela se
aproximasse de você e a beijasse na boca!
— Você ficaria surpresa com o quanto sei sobre isso, mamãe — retorquiu Jane
com uma voz sem inflexão, embora as entranhas dessem um nó apertado e quente. —
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Você e papai foram excelentes professores... e apredi uma lição valiosa apenas
observando-os.
— E que lição foi essa?
— Fugir na direção oposta com a maior velocidade que minhas pernas podem
alcançar no minuto em que perceber até um indício de que a paixão vem ao meu
encontro.
Dorrie riu, amarga.
— Rá, rá.
Jane olhou para a vasilha que acabara de destampar e seu rosto se abriu no
primeiro sorriso genuíno que dera desde que entrara no apartamento.
— Oh, cara! — Suspirou, olhando para Poppy. — O estrogonofe de sua mãe!
Por favor, por favor, agradeça a ela por mim, certo?
— Como se seu bilhete de agradecimento não voasse para ela assim que
amanhecer. Mas, olhe... — Poppy lhe deu uma cotovelada amigável. —... ela vai adorar
a dose dupla de agradecimentos.
Jane colocou a vasilha no microondas e começou a apertar os botões para
estabelecer o tempo. A campainha tocou de novo e, adivinhando que dessa vez tinha
que ser seu pai, levou alguns segundos apertando os botões para começar a aquecer seu
alimento antes de se encaminhar mais uma vez para a porta.
— Não deixe aquele canalha entrar! — ordenou a mãe, num voz tão aguda e alta
que Jane ficou maravilhada de seus copos de vinho, raramente usados, não estilhaçarem
na prateleira.
— Quer ficar fria? — Ela suspirou e abriu a porta. — Oi, p...
O pai entrou disparado no apartamento. Sua cor era vermelha e a cintura parecia
ficar mais grossa a cada ano que passava, mas os cabelos eram tão fartos, escuros e
brilhantes como sempre.
— Ela está aqui? Onde ela está? Onde está sua mãe?
— E oi para você também, minha filha adorável — murmurou ela. — Como a
vida está tratando você?
Ele mal parou para lhe dar um beijo distraído na testa e o cheiro de gim era forte
em seu hálito enquanto dizia:
— Oi, Jane.
Então enrijeceu quando Dorrie saiu dramaticamente da cozinha, e Jane soube
que já estava esquecida.
Pegando a mala da esposa, ele a prendeu com o olhar.
— Pegue seu casaco, Dorrie, vamos para casa. — A mãe ergueu o nariz em
direção ao teto.
— Não vou a lugar algum com você.
Jane suspirou e foi para a cozinha, para tirar seu estrogonofe quente do
microondas. Pegou um garfo na gaveta e se recostou na bancada para assistir ao show
de Dorrie e Mike enquanto comia diretamente da vasilha.
Poppy se juntou a ela.
— O que, nada de prato? Nem de jogo americano? Ava ficaria desapontada com
você.
— Então ela devia estar aqui pondo minha mesa. — Olhou para a amiga loura e
indicou a geladeira com a cabeça. — Pode pegar um refrigerante para você? Ou o que
tenha sobrado daquela garrafa de vinho que vocês trouxeram na semana passada?
— Não, estou bem. — Apoiou-se na bancada atrás dela com as palmas das mãos
e se ergueu, sentando-se nela. Olhou a superfície brilhante e sorriu. — Adoro o modo
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como você mantém tudo tão arrumado. Se fizesse isso na minha cozinha, acabaria com
o traseiro sujo de suco de morango.
— Você é um bastardo, Mike! — A voz de Dorrie, que havia momentaneamente
abaixado de volume, se ergueu de novo a cada sílaba que dizia e, suspirando, Jane
voltou de novo a atenção para os pais.
Eles estavam em pé um diante do outro, os corpos quase se tocando, os olhos
fuzilando um ao outro.
— Vá para casa — ordenou a mãe, erguendo o braço para apontar a porta. —
Não há nada aqui para você.
— Há você.
— Não, não há, apenas vá embora! — O pai não se mexeu.
— Não vou sair sem você, D.
— Então acho que estamos num impasse, não estamos? Por que já lhe disse que
não vou sair com você. — Os olhos azuis que Jane herdara eram puro fogo enquanto
olhava para Mike. — Sei que está tendo um caso com aquela magricela da bilheteria.
— Oh, cara, aqui vamos nós de novo — resmungou Jane.
— Não estou tendo um maldito caso com ninguém! — rosnou Mike,
aproximando-se ainda mais da esposa. — E se algum dia pensar no assunto, por que
você se importaria? Tem aquele menino do estacionamento para mantê-la aquecida.
— Oh, eca. — Os lábios de Jane se curvaram de desgosto enquanto a náusea lhe
tomava o estômago e, sem pensar, estendia a mão para segurar a de Poppy para se
confortar. — Isso é o pior que podia acontecer, mesmo para eles.
Por sua vez, a mãe parecia concordar, por que olhou para Mike com a mesma
espécie de horror atônito que Jane sentia.
— Aquele adolescente? Meu Deus, Mike! O que eu iria querer com uma criança
quando tenho você? — Mas, é claro, não podia simplesmente se contentar com uma
emoção sincera quando a oportunidade de um dramalhão se apresentava. — Essa foi a
última gota, Michael Kaplinski! — Jurou, batendo a mão no peito com fervor teatral. —
Isso é o fim! Você, claramente, jamais vai aceitar o que todo mundo sabe... que me tem
de corpo e alma!
E começou a chorar.
— Oh, pelo amor de Deus! — disse Jane, irritada. — E eles não sabem por que o
teatro está sempre à beira da falência.
— Não chore! — A voz de Mike era puro pânico e ele estendeu as mãos para
tomá-la nos braços. — Oh, Deus, Dorrie, por favor, não suporto vê-la chorar.
Em minutos eles passaram da guerra para a paz apaixonada, com carinhos e
palavras de amor, e Jane de repente atingiu o fim de sua tolerância. Soltou a mão de
Poppy e se afastou da bancada.
— Quero os dois fora daqui — disse, rouca. Quando eles viraram a cabeça para
olhar para ela com surpresa, ela gritou: — Agora!
— Pelo amor de Deus, Jane — disse a mãe —, relaxe. Eu e seu pai estamos
juntos de novo.
— Você jamais se separaram, mãe!
— É claro que nos separamos. Não estava prestando atenção? Onde está seu
senso de romance?
— Saiu pela descarga quando eu tinha 7 ou 8 anos — disse ela, cansada. — Isso
não é exatamente uma nova peça, mãe, na verdade é a produção mais longa da minha
vida, e não há nada de romântico nela.
— Não fale com sua mãe nesse tom — exigiu Mike severamente, o braço
apertando protetoramente os ombros de Dorrie.
50
— Certo, e que tal falar com você? Desde que posso me lembrar, um ou outro de
vocês tem saído de nossas vidas batendo portas. Tem alguma ideia de como isso torna
insegura uma criança, papai?
— Lamento. — E por uma fração de segundo ele pareceu sinceramente
arrependido. Então, balançou a cabeça. — Mas você não é mais criança, é hora de
superar.
Ela endireitou os ombros.
— Você tem razão, não sou mais uma criança. O que é mais um motivo para não
ter que aguentar essa discussão de vocês em minha casa. Você se lembra de uma peça
chamada Name That Tune que estava em cartaz quando eu era bem pequena?
— Claro. — Mike lançou um olhar amoroso a Dorrie. — Sua mãe adorava
aquela peça.
— Eu podia dar nome a todas aquelas canções com apenas algumas notas —
disse Dorrie, orgulhosa.
— Bem, adivinhe, mãe. — Segurando a mala da mãe, Jane puxou-a em direção à
porta, lançando aos pais um olhar sobre o ombro. — Devo ser mais parecida com vocês
do que suspeitava, por que posso dar nome às suas batalhas em três palavras. Algumas
vezes, em duas. E estou tão cansada que podia até cuspi-las. Assim, da próxima vez que
vocês dois quiserem produzir a mesma velha briga de novo, façam isso diante de
alguém que não está gasta até os ossos de 30 anos sentada na fila da frente de seus
dramalhões. — Abrindo a porta, jogou a mala de Dorrie no corredor. — Vão para casa
— disse, cansada. — Não estou mais interessada em ser sua plateia.
Eles saíram, rígidos e indignados, e fechando a porta ela passou os dedos na
testa, onde uma dor havia começado e crescia a cada segundo. Então respirou fundo
para se acalmar e se juntou a Poppy na sala de estar. Deixou-se cair no sofá em frente à
janela por onde podia ver o escuro Sound e as luzes do centro de Seattle.
— Desculpe, você já teve que aguentar mais do que sua cota da Peça Itinerante
dos Sempre Maravilhosos Lutadores do que qualquer outra amiga que já tive.
Poppy deu de ombros.
— Grande coisa — disse, sem aborrecimento. — Você comeu mais tofu na casa
dos meus pais do que qualquer amiga ou inimiga tinha o dever de comer. Pais podem
ser... difíceis.
Jane deu uma risada sem alegria.
— Você acha?
— Provavelmente, é alguma regra ou qualquer outra coisa. — Poppy sorriu, mas
os olhos castanhos estavam sérios. — Talvez esta noite seus pais tenham realmente
ouvido você. Seu pai parecia bem arrependido quando você mencionou como seus
dramalhões a deixavam insegura quando criança.
— Oh, é tudo o que eu queria. — Descansando a cabeça no encosto do sofá,
virou-a para olhar para a amiga. — Mas já tivemos esta conversa literalmente dezenas
de vezes. É como uma peça ruim que jamais termina e, até que eles desistam, nada vai
mudar. Mas sabe de uma coisa? — Endireitou o corpo. — Não tem importância, tenho
você e Ava e, além disso, sou uma mulher com uma missão. Tenho uma exposição para
preparar e ninguém, muito menos meus pais, vai me impedir de realizá-la.
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Capítulo 8
Tento imaginar o que um cara como Devlin escreveria num diário. Para
começar, aposto que se referiria a ele como uma agenda (parece mais masculino). E
provavelmente seria todo sobre sua vida sexual. Suponho que eu poderia escrever sobre
minha vida sexual. Se eu tivesse uma.
Devlin sabia o momento exato em que Jane chegava à mansão. Não precisava
ouvir a porta da cozinha abrir acima do som das tábuas que arrancava das paredes do
solário; ele apenas... sabia.
Era uma loucura o modo como ficara ligado a ela, considerando que não haviam
tido uma conversa significativa desde aquela noite no Noodle Ranch, mais de uma
semana atrás.
Mas estava cansado de se lembrar daquela noite. Impaciente com o assunto,
deixou o pé de cabra no chão e se levantou. Com os punhos fechados na base da coluna,
virou o torso de um lado para o outro, então virou-o para trás para esticar os músculos
cansados.
Não queria pensar sobre aquela noite, nem nela. Era difícil, porém, já que aquele
encontro lhe ficara na lembrança desde que observara suas costas eretas, cobertas por lã
negra, desaparecerem pela porta do restaurante.
Ele, obviamente, conseguira estragar tudo porque, de repente, ela passara de
totalmente interessada em sua conversa para uma postura de polidez distante. Então
praticamente fugira dele como do demônio. A partir de então, tratara-o com uma
civilidade tão gelada que não se surpreenderia se seus dedos congelassem. Não
precisava ser um cara esperto para compreender que o que presumira sobre seu
relacionamento com os pais estava totalmente errado. Se tivesse tido mais um minuto ou
dois para pensar em vez de dizer aquelas bobagens, se lembraria do comportamento dela
com ele e Hannah. Ficara com os olhos cheios de anseio ao pensamento de seus muitos
irmãos e irmãs.
O que ele considerava uma chateação, ela certamente via como alguma espécie
de círculo familiar de ouro.
Mas, naturalmente, quando isso lhe ocorrera, ela já havia erguido as barricadas.
Como diabos ele poderia ultrapassá-las se nem mesmo o deixava se aproximar o
bastante para fazer uma abertura?
Inferno, de qualquer maneira, não sabia por que sentia a necessidade de escalar
aquelas muralhas malditas. Jamais conhecera uma mulher com tantos avisos de
advertência... e quem precisava dela? Com certeza, daria mais trabalho do que valia a
pena.
E, no entanto, tinha esse anseio louco de vê-la sorrir de novo. Jane possuía um
sorriso assassino. Talvez por que seus dentes fossem tão brancos e, em circunstâncias
comuns, apenas tinha visões rápidas deles, pareciam cegá-lo quando ela sorria de
verdade. Ou talvez fosse alguma coisa com os lábios dela, que pareciam macios, do tipo
partem seu coração. Mais provavelmente, porém, era por que sua expressão normal era
melancólica e seus sorrisos, embora raros, a iluminavam de dentro para fora.
Qualquer que fosse o motivo, cada um deles havia sido registrado em sua mente.
As coisas não seriam tão ruins se apenas ficassem na mente. Mas ali era apenas
uma parada... e logo que seus sorrisos o atingiam havia um ricochete que os lançava
52
com mais velocidade do que uma bala diretamente para sua virilha. O que
provavelmente era uma metáfora de que devia se lembrar no que se referia a Jane. Não
havia muitos homens que procurassem uma bala que tinha como alvo seus testículos.
O problema era que, quando ela sorria, ele parava de pensar e apenas reagia.
Veja aquela noite, quando ela sorrira pela segunda vez. Só conseguiu se impedir de se
debruçar sobre a mesa e agarrá-la, levantando-se para pegar a água que não queria.
Porque um de seus sorrisos já era raro o bastante. Dois... bem, aquele segundo falara
diretamente com ele e dizia Venha e me agarre, garotão.
Certamente, havia mais em Jane do que aparentava.
Vira alguma coisa do que ela realmente era aquela noite em que a apanhara
usando as joias Wolcott e rindo daquele jeito sensual com Ava. Vira um pouco mais
aquela noite no Noodle Ranch, antes que, sem que soubesse porque, tudo acabara.
Entretanto, isso não significava que se aproximaria dela aquele dia. Agachado,
pegou o pé de cabra de novo, colocou o lado mais chato sob o lado superior da tábua e
ergueu o lado curvo em direção à parede, criando um espaço entre a parede e a tábua.
Não, senhor, ficaria bem ali, concentrado no trabalho, e faria o máximo que pudesse
antes da hora de sair.
Colocou o iPod nas orelhas, começou a ouvir Wolf Mother e se dedicou ao
trabalho. Vinte minutos depois, estava completamente suado e precisou parar para tirar
a camisa de flanela. Mas voltou ao trabalho assim que a jogou no chão, e dez minutos
depois alguém lhe bateu no ombro.
— Jesus! — Com o coração disparado, levantou-se num pulo, tirando o aparelho
dos ouvidos.
A ponta de seu ombro mergulhou em alguma coisa macia enquanto se levantava
e ouviu uma respiração explodir. Virou-se em tempo de ver Jane tropeçando para trás e
mergulhou para segurá-la, mas mesmo enquanto estendia a mão ela tropeçou na pilha de
madeira descartada e seus dedos, que haviam acabado de se juntar aos dela,
escorregaram sem poder pegá-la.
Ela caiu de costas.
— Ai, inferno! — E ele que pensava ter um sexto sentido no que se referia a
Jane! Não só não a sentira na sala com ele, a derrubara quando ela fizera sua presença
conhecida. Macia, muito macia.
O único consolo é que havia removido os malditos pregos das tábuas, ou estaria
chamando a emergência para uma injeção contra tétano.
— Você está bem?
Com a mão aberta sobre o peito, ela piscou para ele, lutando para respirar.
— Não... consigo... respirar... — sussurrou ela. Ele praguejou.
— Oh, cara, lamento muito. Não a ouvi com a música tocando e... — Parou de
falar e balançou a cabeça. Explicações não a ajudariam a respirar. — Tente relaxar; sei
que é mais fácil falar do que fazer, mas ajudará os nervos em seu plexo solar a
relaxarem também, o que fará seu reflexo de respirar voltar a funcionar. Aqui, me deixe
ajudá-la a se levantar. — Debruçou-se para lhe estender a mão.
Ela caíra do outro lado da pilha de tábuas, mas os pés estavam ao lado dele. A
posição a deixou com os joelhos erguidos e as pernas espalhadas de forma desajeitada, e
involuntariamente o olhar dele seguiu as pernas longas, bem-feitas. Até chegar à barra
da blusa azul-marinho, que se dobrara em torno do alto das coxas, deixando à mostra...
Jesus! Olhou fixamente: a Srta. Preto e Marrom Kaplinski estava usando
calcinha vermelha.
Vermelha. Calcinha.
Em Jane.
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Sentindo os dedos dela apertarem sua mão estendida, Dev balançou a cabeça e
afastou o olhar da pequena tira de cetim brilhante e colorido entre as coxas pálidas.
Manteve os olhos no rosto dela com decisão e puxou-a para os pés.
— Eu... ainda... não consigo... respirar...
O queixo dela era suave e delicado enquanto ele lhe emoldurava o rosto com as
mãos. A pele era tão macia e sedosa como parecia. Debruçando-se, ele soprou com
força no rosto dela.
— Que diabos... — Bateu-lhe nas mãos. — Pare com isso! O que acha que está
faz... oh! — Ela respirou profundamente. — Consigo respirar! Meus pulmões estão
funcionando de novo. — Sorriu para ele. — Como você sabia que isso funcionaria?
Ele deixou as mãos caírem e recuou. Maldição, garota, você não quer sorrir para
mim, não, se sabe o que é bom para você.
— Quando eu tinha 10 anos, Bren usou esse truque com nossa cadela Roxie
quando o animal estúpido tentou nos seguir subindo uma escada e caiu de costas.
Alguma coisa sobre o fator surpresa faz você inalar automaticamente. — Deu de
ombros e observou-a — Você está bem? Eu a feri?
— Estou ótima. — Ela descartou o acontecimento como se fosse derrubada de
costas todos os dias da semana. — Então você teve uma cachorra? De que raça era? Era
grande, pequena? Sempre quis um cachorro quando era criança.
Ele não se deixaria levar por aquela droga sentimental de novo.
— Rox era de tamanho médio, cor média e 57 por cento da raça vira-lata
americana — disse ele, a voz sem expressão. — Sua linhagem vinha de um pouco disso
e um pouco daquilo. Não era muito bonita, mas também não era realmente feia. — Jane
estava entusiasmada demais e ele percebeu que, inconscientemente, se aproximara mais
dela. Endireitou-se e limpou a garganta. — Então, você tem um agora?
— Huh?
— Um cachorro. — Estalou os dedos diante do rosto dela e lhe deu o olhar
insolente que aperfeiçoara com as irmãs. — Tente se concentrar na conversa, boneca.
Ela entrecerrou os olhos para ele.
— Você terá que me desculpar se estou um pouco distraída. Não é todo dia que
uma garota vem pedir um favor e é atirada de costas.
Sim! Teve que se impedir de jogar o punho para o alto com a vitória. Mas isso
era mais o que queria. Podia lidar com a Jane irritável, mal-humorada, não tinha
problema com ela. A Jane amigável era armada, perigosa, e poderia lhe passar uma
rasteira apenas com um sorriso.
— Você é uma garota difícil, não é?
— Não sou mesmo? — Os olhos azuis eram puro fogo. — Não sou nem um
pouco difícil. Inferno, não sou difícil de jeito nenhum...
Ele a interrompeu com um som rude e lhe deu aquele olhar de novo.
— Eu lhe pedi ou não desculpas?
— Bem... sim.
— Bem na hora. Assim, não tente mudar de assunto. — Ela passou dedos longos
e pálidos na testa.
— Neste momento, nem sei mais qual era o assunto.
— Você estava choramingando porque não teve um cachorro quando criança.
— Não choramingo, bestalhão!
— Ótimo, você estava apenas dizendo. Então me diga... você é uma mulher
adulta e tem seu próprio apartamento, presumo. Quantos animais de estimação você tem
agora?
Ela ergueu o queixo.
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— Nenhum. Tinha tempo de cuidar de um quando era criança. Raramente estou
em casa estes dias, assim nenhum animal que tenha vai ficar sozinho. E animais devem
ter um dono que esteja por perto para lhes dar a atenção que merecem. Ou é isto que
penso. — Ela abaixou o queixo e os lábios se abriram de novo num sorriso. — E não
vou mudar de ideia.
— Não sorria! — disse ele, áspero, apenas para se sentir como um idiota quando
ela piscou, confusa. — O que está fazendo aqui em cima, Jane? Você disse que queria
me pedir um favor.
— O quê? Oh! Sim. — Para alívio dele, ela adotou a expressão profissional. —
O pessoal do sistema de segurança telefonou. Eles querem instalar o novo alarme
amanhã por volta de 13hl5. Mas o problema é que pedi dinheiro ao Met para contratar
Poppy por meio período para me ajudar a catalogar as coleções Wolcott.
— E o que isso tem a ver comigo? — Droga, o que havia nela que lhe exigia
tanta atenção, mesmo quando estava irritada e preocupada como agora?
— Bem, acho que por causa do meu pedido, sem que eu esperasse, a diretora me
convidou para participar da reunião mensal de orçamento. Isso é sem precedentes. —
Olhando o rosto dele, deixou o assunto de lado. — Certo, você não se importa. Mas,
francamente, deve ter terminado antes dessa hora, mas esse tipo de reunião pode
demorar e você nunca sabe como o trânsito estará, o que me trouxe a você.
Ela olhou para ele, os olhos azuis ansiosos, o rosto vermelho e um modesto
vestido azul-marinho. Com uma calcinha vermelha por baixo.
— O quê? — Percebeu que ela tinha dito alguma coisa que não ouvira e tentou
focalizar de novo no pedido dela. — Desculpe — disse, desajeitado, para encobrir o fato
de que estava fantasiando com sua calcinha —, não ouvi o que disse.
— Perguntei se você pode deixar o instalador entrar amanhã se não voltar a
tempo.
— Claro, sem prob... não, espere, desculpe. Amanhã à tarde é o meu dia de levar
Bren ao hospital para quimioterapia.
Ela lhe segurou o pulso.
— Seu irmão tem câncer?
Maldição, Bren talvez não gostasse que soubessem disso. Bem, agora já tinha
dito e não via como ela saber podia causar qualquer problema.
— Foi por isso que voltei para Seattle... ele precisava de mim para substituí-lo
enquanto faz os tratamentos.
Agora, se eles pelo menos pudessem fazê-lo parar de trabalhar, apesar dos
tratamentos, Dev ficaria muito mais feliz. Preocupava-se com o irmão, tinha certeza que
a recuperação de Bren seria muito mais rápida se ele pelo menos uma vez realmente
descansasse mais do que apenas no dia em que fazia quimioterapia.
— Oh, Devlin, sinto muito. Isso deve ser terrivelmente apavorante para toda a
família. Ele tem também uma família? Quero dizer, uma dele, além de você e seus
irmãos e irmãs?
— Tem, esposa e três filhos. E mamãe e papai, é claro... além de um monte de
outros parentes.
— Nem consigo imaginar a preocupação que todos vocês estão sentido.
Incomoda-se de eu perguntar qual é o prognóstico?
— Não é terminal... esta é a boa notícia. O tratamento está correndo bem e os
médicos estão otimistas.
— Mesmo assim, a má notícia é passar por esses tratamentos. Se ele se parece
com o restante de seus irmãos, tenho certeza que está acostumado a ser forte e agora se
sente menos do que era. — Ela lhe deu uma palmadinha confortadora, então deixou a
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mão cair. — Não pense no meu problema, Poppy tem um horário muito flexível, vou
telefonar para ela e ver se ela pode vir. — Os lábios dela se curvaram num meio sorriso
do tipo que o deixava louco. — Não temos nenhum conhecimento sobre o sistema, mas
ela é melhor do que eu para lidar com o instalador. Quando em dúvida, Poppy usa seu
charme para fazer qualquer um comer na mão dela. — Deu de ombros e o sorriso
cresceu ainda mais. — Eu provavelmente vou deixá-los aborrecidos e o resultado será
que um pequeno problema se transformará numa catástrofe.
Oh, maldição, afinal ela tinha senso de humor. Não apenas isso, sabia rir de si
mesma, que era seu tipo favorito. Por que teria demonstrado aquilo agora, quando tinha
tanta certeza que o gene do humor havia sido removido dela cirurgicamente quando
nascera?
Ele deu um passo em direção a ela.
— Não devia ter feito isso, Jane.
— O quê? — Ela dobrou a cabeça para olhar para ele, a suspeita surgindo nos
olhos, o sorriso desaparecendo. — O que foi que eu fiz?
— Sorriu. E não devia, porque você tem um sorrisso seriamente... quente....
Ela lhe deu um soco no peito com toda força.
— Afaste-se! — disse ela, rosnando.
— Você se afaste de mim. Estou falando sério. E, agora, que você
descuidadamente libertou o que sinto, acho que vou ter que beijá-la — Esperou que ela
corresse para a porta.
— Confie em mim, Kavanagh — disse, seca —, você não tem que fazer nada
disso. — Seus lábios mantinham aquela torção atraente enquanto olhava para ele e
parecia meio divertida, meio irritada.
Mas não correu, como uma mulher esperta faria.
Ria e se afaste, garotão, dizia seu bom-senso. Agora! Mas ele deu mais um passo
para ela. Sentiu o perfume suave de pera e sândalo que emanava... não sabia de onde.
Talvez seu pescoço, ou talvez seu xampu; de onde quer que viesse, estava perdido.
— Oh, sim, acho que tenho.
E segurando-lhe a cabeça com as mãos dobrou-a para trás. Seus dedos
deslocaram as mechas precariamente presas dos cabelos macios, que cairam pelos
ombros. Ele abaixou a boca, lentamente, esperou que ela o empurrasse e salvasse os
dois. Mas ela não o empurrou. Então ele abaixou a cabeça aqueles poucos centímetros e
lhe tocou os lábios com os dele. Eram tão suaves como imaginara, e os bebeu.
Gentilmente. Cuidadosamente.
Quando um som de apreciação vibrou no fundo da garganta dela, sua gentileza
sofreu um golpe. Tentou mantê-la, mas o beijo ficou um pouco mais exigente. Ele abriu
os lábios um pouco mais sobre os dela antes de apertá-los ainda mais. Então, abrindo-os
mais uma vez, ele lhe mordeu de leve o lábio inferior antes de acariciá-la com a ponta
da língua, exigindo que ela abrisse a boca.
Com outro daqueles sons na garganta, aquele som sexy, ela lhe agarrou os
ombros e ficou na ponta dos pés para chegar mais perto. Os seios lhe roçaram o peito
enquanto ela devolvia o beijo, pressão a pressão.
Os dedos de Dev apertaram seus cabelos e ele ergueu a boca até ficarem ligados
apenas por sua língua, que continuava a exigir entrada.
— Abra, Jane — murmurou, meio esperando um afastamento e, ao mesmo
tempo, temendo-o. — Deixe-me entrar.
Os lábios dela se abriram lentamente.
Um som sem palavras de satisfação ressoou no peito dele. Aproximou o corpo
do dela, enquanto a língua passeava pela parte interna do lábio inferior de Jane. As
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pontas dos dentes dela lhe roçaram o lado inferior da língua enquanto ele mergulhava
mais fundo na caverna úmida da boca de Jane. O gosto dela lhe explodiu na boca. E ela
era quente quando ele pensara que fosse morna. Mais rica do que um café Starbucks.
Mais doce do que ele jamais imaginara, dada a natureza acerba da maioria de suas
conversas. Ele ergueu a cabeça para chegar a ela de outro ângulo, a boca se tornando
exigente de novo contra os lábios suaves que acomodavam os dele. Com um pequeno
gemido, Jane soltou-lhe os ombros e passou os braços em torno do seu pescoço. Ainda
na ponta dos pés, ela se apertou contra o corpo dele, os seios contra seu peito. Sem
nenhuma hesitação, a língua de Jane se engajou com a dele num duelo de luxúria.
O último vestígio de bom-senso desintegrando, ele se virou e empurrou-a contra
a parede onde estivera trabalhando. A boca de Dev tomou a dela com uma agressividade
movida a testosterona. E, longe de fugir dele, Jane agarrou os cabelos dele e pediu mais.
Esta não era uma mulher reprimida, um pequeno pássaro escuro e tímido. Esta era a
mulher que ele percebera brevemente na primeira noite em que se viram, uma mulher de
fogo, que o beijava de volta como alguém que habitualmente se exibia em sapatos altos
de pele de leopardo, em calcinha de cetim vermelho.
Ele passou as mãos lentamente por suas costas até alcançar a curva das nádegas.
Segurando os pesos macios e redondos nas mãos, começou a puxar sua saia para cima,
amassando o tecido entre seus dedos abertos.
Relutante, ergueu a boca e beijou-lhe o pescoço.
— Maldição, preciso ter minhas mãos nesta calcinha vermelha. — Ele falou
cedo demais, foi de zero a 90 como um adolescente no banco traseiro do carro do pai,
mas não se importava.
Ela piscou, os olhos entorpecidos.
— O quê?
— Sua calcinha. Você não é o que parece ser, é, Jane? — Ele puxou mais um
pouco a saia para cima. Pressionou a boca aberta contra o lado do pescoço dela. Deus, a
pele dela era mais macia do que creme batido! — Tenho a sensação de que está
escondendo sua luz de todo mundo. Ou, pelo menos, uma calcinha vermelha de cetim
sob uma saia modesta.
— Oh, meu Deus!
Ela ficou completamente imóvel por um momento. E então começou a se
movimentar com raiva, empurrando os ombros dele. Ele se afastou, atônito.
— Jane?
— Desculpe. Deus, lamento tanto. — Passando em torno dele cautelosamente,
ela pôs uma boa distância entre eles. — Não posso fazer isso!
— Huh? — Foi a vez dele de piscar enquanto lentamente se virava para
continuar a olhar para ela. — É claro que pode, na verdade, você é excelente nisso.
Ela gemeu, mas nada parecido com o som sexual e satisfeito que havia saído de
sua garganta apenas um minuto atrás.
— Confie em mim, não sou. Aquela mulher contra a parede com você? — Ela
fez um gesto desajeitado em direção à parede agora atrás dele. — Aquela não sou eu.
Ele tinha uma ereção tão rija que poderia usar como martelo para pregar pregos,
e a percepção de que estava sozinho na excitação, sem ajuda nenhuma dela, o fez se
sentir gravemente maltratado. Tentou afastar o pensamento porque aquele tipo de noção
egoísta realmente pertencia a um garanhão de 18 anos e não ao homem que era. Mas,
levando adiante o pensamento adolescente, ela não devia ter ultrapassado a fase de
provocar e fugir?
Como se tivesse dito as palavras em voz alta, ela parou de recuar em direção à
porta e olhou-o nos olhos. Os dela ainda estavam com as pálpebras pesadas e com um
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azul mais profundo, mais cristalino do que o normal... como se tivesse sido aceso por
um fogo interno. O rosto estava vermelho e os lábios inchados por seus beijos.
E ele queria puxá-la de volta para seus braços.
— Eu realmente lamento muito, Devlin, não tinha a intenção de provocar.
Apenas... me deixei levar por um minuto.
— Inferno. — Ele passou os dedos pelo rosto, esticando a pele como se fosse
feita de borracha. Então passou as duas mãos pelos cabelos e as deixou cair,
devolvendo-lhe o olhar firme com uma expressão aborrecida.
— É, bem, o que quer que seja. — Certo, agora ele realmente se parecia com um
menino zangado.
Bem, ela podia processá-lo se um caso de uma excitação como aquela não o
mostrava em seu melhor humor.
Dev olhou para o chão, esperando que sua ereção diminuísse e se recusando a
olhar para ela de novo, mesmo quando ele ouviu a risada sem humor que ela deixou
escapar.
— Certo, o que quer que seja — concordou ela suavemente.
A infelicidade na voz dela o fez finalmente erguer o olhar, mas era tarde demais
porque, então, ela era apenas o som de passos descendo correndo as escadas.
Ele deu um passo atrás dela, então parou; de que adiantava? Ainda não entendia
exatamente o que acontecera. Certo, talvez ele tivesse começado aquilo, mas fora ela
que fugira. Excitara-o e então fugira; provocara-o a um ponto limite e então fugira.
Então, por que a sensação de que era ele o errado?
Capítulo 9
Droga, droga, droga, droga, DROGA. Não sou uma pessoa apaixonada. Eu me
recuso a ser uma pessoa apaixonada. Por favor, me digam que não sou nem um pouco
parecida com meus pais.
O que foi que eu fiz?
Jane correu de volta ao salão sem se lembrar de como chegara lá. Pela primeira
vez desde o começo do projeto Wolcott, fechou a porta depois que entrou.
Então se recostou contra seus painéis ornados, as pontas dos dedos pressionando
os lábios. Pareciam mordidos por abelhas, estavam quentes e pulsavam como se
tivessem um coração.
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A pulsação combinava com a que sentia entre as pernas. Santa porcaria. Todo
esse tempo ela se imaginara imune à paixão. Ou, se não totalmente imune, pelo menos
bastante esperta para impedir que o pouco que experimentava a governasse.
Na verdade, sentia-se até um pouco contente sobre isso, muitas vezes pensando
que o mundo seria um lugar mais tranqüilo se todos exercessem sua força de vontade
com um pouco mais de frequência.
Deixou escapar uma risada infeliz. Porque, como vira, não tinha uma força de
vontade tão grande assim, tinha? Apenas tivera a sorte de nunca ter encontrado um
homem que podia despertar aquela mulher selvagem que vivia dentro dela, aquela
criatura sibarita interna que raramente deixava escapar... e, então, apenas o suficiente
para se deixar dominar por seu amor a sapato sexy e calcinhas sensuais antes de prendêla de novo.
Seu amante da faculdade, Eric, certamente jamais conseguira ter acesso àquela
sereia interna. Essa incapacidade fora parte da atração que sentira por ele. Uma parte
bem grande, se fosse honesta consigo mesma. Porque, embora fizessem sexo muito
agradável, não tinha sido aquela coisa quente, completa e extraordinária que parecia ser
para tantos outros. Sua conexão cerebral, por outro lado, tinha sido maravilhosa; o sexo
apenas não era tão importante.
Ou assim ela pensara, de qualquer maneira. Afastando-se da porta, ela se
aproximou da escrivaninha estilo eduardiano que escolhera para usar como seu centro
de comando. Abriu o laptop, mas apenas olhou, sem ver, para os ícones na tela.
Ingenuamente acreditara que o sexo não era importante para nenhum dos dois.
Até o dia em que Eric a acusara de sempre se segurar... e lhe dissera que estava cansado
de esperar que ela confiasse nele o bastante para se soltar.
Bem, certamente ela se soltara hoje. Apenas a lembrança de se apertar contra o
corpo de Devlin fazia seu rosto pulsar de calor intenso e ela passou os dedos pelos
cabelos, afastando-os das têmporas. O último prende-dor que ainda os segurava caiu e,
com um susto, ela percebeu que os outros estavam espalhados pelo piso do solário.
Ela deu de ombros, impaciente. Por que, grande coisa, Devlin estava certo sobre
um ponto... seus cabelos jamais ficavam presos no coque de qualquer maneira.
— É, como se isso fosse meu maior problema — resmungou para o salão vazio.
Maldição, como um beijo podia tirá-la totalmente do controle e tão depressa? Como
podia parecer tão...necessário, entre uma respiração e outra? Foi apenas um beijo, pelo
amor de Deus! Fora beijada muitas vezes; bem, não muitas, mas algumas, pelo menos.
Ela rosnou um palavrão; o problema não era quantas vezes fora beijada. O
importante era o modo como a fizeram se sentir... toda quente e acesa ou confortável ou
admirada ou um monte de outras emoções do mesmo tipo. E a verdade era que tinham
sido... agradáveis.
Quase engasgou com a risada áspera que lhe passou pela garganta. Não houve
uma única coisa agradável no beijo de Devlin. Fora quente, molhado, rijo e... bom Deus,
tantas coisas que a haviam reduzido a um comportamento quase animal num piscar dos
olhos. Como era possível, como ele fora capaz de fazer aquilo com ela? Fazê-la querer
roçar nele todo, lambê-lo e sentir suas mãos passar sob o elástico de sua calcinha?
O homem era perigoso e ficaria longe dele... era a atitude certa. Deixando de
lado a ideia de que não faço coisas quentes, não podia tirar a atenção do trabalho.
Recebera a maior oportunidade de sua vida e, em vez de correr com o trabalho com a
eficiência que sabia que tinha, ela parecia estar passando todo o tempo apenas
procurando as peças da exposição de alta-costura. Estava cada dia mais atrasada, e não
deixaria que Devlin aumentasse seu problema; nenhum homem valia isso.
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Soltando a respiração, sentou-se à escrivaninha e se esforçou para focalizar a
mente em tudo que pretendera fazer naquele dia. E se o episódio no andar superior com
Devlin desviasse sua atenção?
Bem, de jeito nenhum permitiria que isso a tirasse do caminho traçado. Não,
simplesmente começaria com a tarefa mais fácil da lista, e continuaria a partir dali. Era
apenas uma questão de escolher alguma coisa para começar. Manter o traseiro na
cadeira e trabalhar. Quando fizesse isso, sua concentração certamente melhoraria. Que
Deus a ajudasse!
Nada de pensamento negativo! Com as costas retas, pegou o celular. Você não
se dedicou deforma tão absoluta desde que tinha 10 anos de idade para cair de cara no
chão agora. Abriu o celular e ligou para o número de Poppy.
Bem, o que você acha? Gordon Ives exclamou mentalmente na tarde seguinte.
De vez em quando, alguma coisa boa acontecia. Acabara de parar do lado de fora do
escritório de Jane e sentiu uma onda de triunfo lhe passar pelas veias. Deus sabia que
ultimamente a única coisa que sentira fora o medo de pegar um resfriado.
Mas, naquele momento em particular, sentia-se como o próprio dono do mundo.
Era evidente que sua sorte voltaria ao que devia ser, ao que era antes que a perda no
maldito Challenge mudara tudo, todo o seu mundo, inferno!
O que mais explicaria ele ter chegado à porta de Jane em tempo de ouvi-la falar
ao telefone? Claramente, com uma amiga sobre o sistema de segurança para a mansão
Wolcott.
Estivera imaginando como diabos conseguiria entrar no lugar desde que
Kaplinski mencionara que instalaria um novo e sofisticado sistema de alarme. Presumira
que já o fizera, mas aparentemente estava enganado.
Sim, senhor, a sorte de Ives voltara.
Ficando cuidadosamente fora da vista de Jane ao lado da porta, ouviu seu lado
da conversa e sorriu para si mesmo.
— Eu realmente agradeço, Poppy — estava dizendo. — Sim, sim, eu sei, e sim,
espero fazer o mesmo por você. Isso não muda o fato de que estou grata. Então, tudo
correu bem com a instalação?
Houve um longo silêncio enquanto, aparentemente, a amiga falava por algum
tempo. Os olhos dele estavam começando a ficar pesados de sono e mal pôde se
controlar quando subitamente ouviu a voz de Jane de novo.
— Então, qual é o código de segurança? Não seria típico nós esquecermos essa
parte e eu fazer o sistema funcionar quando entrar esta tarde?
Sim! Todos os sentidos de Gordon ficaram em alerta para o telefone na mão
dela. Agora estava chegando a algum lugar!
Num mundo ideal, ela repetiria o código em voz alta. Não se sentiu surpreendido
quando isso não aconteceu. Se a experiência lhe ensinara alguma coisa, era que o
mundo raramente era ideal. Em vez disso, ouviu apenas:
— Uh-huh, uh-huh, certo, ótimo. Você é uma rainha entre as mulheres, alta
sacerdotisa da Irmandade. Estou tão aliviada por isso finalmente ter sido feito. É mais
uma coisa a cortar da minha lista que me deixa acordada de preocupação. O quê? Não,
ainda tenho um pouco de trabalho a fazer aqui antes de poder sair. Mas estou louca para
ser a segunda a testar o novo sistema. Oh, ele testou? Bem, a terceira, então. Você ainda
estará aí daqui a uma hora? Droga, nesse caso, tentarei falar com você mais tarde.
Talvez possamos jantar juntas ou qualquer coisa. Você e eu temos motivos para
celebrar, fui eu que tive a ideia de contratar você.
Que diabos ela queria dizer? Melhor que não tivesse relação com a exposição
Wolcott! Mas Gordon sabia que não era a hora nem o lugar para se preocupar com o
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assunto. O risco de ser apanhado ouvindo atrás da porta era grande. A última coisa que
precisava era de Jane se lembrar mais tarde que o vira perto de seu escritório apenas
segundos depois de ela receber a notícia da instalação do novo sistema de segurança da
mansão, sem mencionar seu código. Assim, começou a se afastar.
Por longos 15 minutos permaneceu sentado na cafeteria do térreo, tomando uma
xícara de café que realmente não queria e olhando para os frequentadores do museu que
não poderia identificar depois mesmo se alguém lhe oferecesse 1 milhão de dólares.
Apenas pensou no último comentário de Jane para a amiga. Pensava em contratar uma
desconhecida para ajudá-la com a coleção quando poderia contratá-lo? Aquela cadela!
Mas, de uma forma ou outra, ia conseguir o código do sistema de segurança.
Não viu motivo para se manter longe por mais tempo. Já se passara tempo
suficiente para ela não ligar sua presença com a conversa que tivera sobre o sistema de
segurança. Então tomou o resto do café, agora morno, levantou-se e voltou para o sexto
andar.
Ela não estava no escritório... outro lance de sorte. Com um olhar rápido para os
dois lados do corredor, ele entrou.
Infelizmente, não havia um pedaço de papel com o código escrito e
convenientemente em cima da escrivaninha. Sentiu um momento de preocupação, desde
que, por tudo o que sabia, o código poderia ser um número que tivesse um significado
esotérico para Jane e suas amigas. Alguma coisa que ela não tivesse necessidade de
escrever.
Mas, enquanto olhava mais de perto o pequeno bloco de anotações em branco no
meio da escrivaninha, percebeu uma linha de leves impressões em meio à superfície
limpa. Pegou um lápis número 2 no porta-canetas de vidro Murano perto do bloco e
passou o lado da ponta para um lado e outro sobre as impressões. Um zero apareceu
branco contra a tira de grafite. Então um cinco, depois o número um e o seis; com a
adrenalina lhe percorrendo o corpo, ele passou a ponta do lápis sobre o que parecia o
último algarismo.
— Há alguma coisa que possa fazer por você, Gordon? — disse uma voz atrás
dele.
Droga!
Com as costas bloqueando a visão de Jane do bloco onde estava decodificando,
ele silenciosamente arrancou a página de cima e escreveu o nome dela na página abaixo
antes de se endireitar. Guardando a página que lhe interessava sob o cinto, voltou-se
lentamente, amarrotando a segunda página mas cuidadosamente deixando o nome dela
visível.
— Ei, estou contente de você ainda estar aqui. — Ele lhe deu o sorriso confie em
mim que aperfeiçoara desde que era muito pequeno. — Estava com medo de você já ter
saído e estava lhe deixando um bilhete. Mas tenho que admitir que prefiro muito mais
ter a resposta à minha pergunta hoje e não precisar esperar até amanhã. É mais uma
chance de riscar um item da minha lista antes de terminar o trabalho. — Ele deu de
ombros, fingindo bom humor. — Alguns de nós não podem sair logo depois do almoço.
Ela fez uma careta, visivelmente distraída da cena anterior.
— Pode ter certeza que isso não é minha ideia de tempo livre.
— Eu sei. — Era tão previsível, a pobre Jane! Mas ele sabia um pouco sobre
desempenhar um papel e, mantendo a expressão simpática, estendeu a mão para roçar as
pontas dos dedos de leve sobre as costas da mão dela.
— Não duvido por um minuto que você está de trabalho até o pescoço com o
projeto Wolcott, assim não lhe tomarei muito tempo. Mas já é difícil cuidar dos pratos
de um banquete para o rei e a rainha da Espanha e, quando me perguntaram sobre
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restrições de dieta, eu não soube o que lhes dizer. Querem ver o planejamento do
cardápio.
— Tenho quase certeza que não há restrições, mas espere um pouco que vou
olhar na pasta. — Ela foi até um gabinete de arquivos no canto do escritório. Jogando
em cima um envelope grande que carregava, abriu a segunda gaveta a partir do fundo.
— Desculpe — disse ela enquanto se abaixava para mexer nos arquivos —, pensei que
tinha lhe dado uma cópia de tudo o que tinha.
— De vez em quando alguma coisa fica presa — disse ele, como se não tivesse
importância, virando o pescoço numa tentativa de ler, enquanto ela estava ocupada, o
que escrevera na folha de papel que grampeara ao envelope. — Não é um problema e
não tem urgência, mas meu dia ficará mais fácil se tiver a informação agora.
Gordon identificou um conjunto de algarismos que não conseguiu ler na folha de
papel. Mas assim que seu coração disparou com a descoberta, ela deixou escapar um
suave barulho do tipo "aha" e tirou uma pasta da gaveta. Erguendo-se, ela fechou a
gaveta com uma perna que, para surpresa dele, era muito bem feita.
Ele engoliu o som de desprezo que lhe subiu à garganta. Como se estivesse
interessado; simplesmente não estava acostumado a pensar nela como uma pessoa,
muito menos uma mulher. Jane era apenas alguém que lhe impedia a subida pela escada
do sucesso no museu. Afinal, o emprego lhe permitiria manter seu estilo de vida até o
dia em que tivesse a grande vitória no circuito de pôquer.
Então Jane levou a pasta até ele e deixou-a cair sobre a escrivaninha diante dele,
e Gordon esqueceu todo o resto. Jane abriu a pasta e debruçou-se sobre ela.
— Certo, vamos ver o que temos.
Tirou o documento com as informações fornecidas pelo Patrimônio Nacional, a
agência espanhola da herança cultural nacional que organizara o empréstimo da maior
parte dos itens da exposição, e correu um dedo fino pela primeira página. Sem encontrar
o que precisava, ela virou a página e começou o mesmo processo na segunda. O dedo
parou no meio da página.
— Aqui está, alimento. Nada, nenhuma restrição na dieta. — Ela empurrou toda
a pasta na direção dele. — Por que não dá uma olhada nisso e vê se deixei de lhe passar
mais alguma coisa? Farei cópias amanhã de manhã e as mandarei para você.
Ele encontrou outro documento que não fora incluído no pacote que ela lhe dera
e o mostrou, então olhou para ela.
— É possível para você fazer as cópias agora? Ou me deixar fazer? Detesto ser
um chato, mas seria bom levar todos os documentos para casa esta noite e estudá-los.
Ela hesitou, então, como ele tinha certeza que faria, disse:
— Certo, vou providenciá-las agora.
Ele se impediu severamente de dar o sorriso satisfeito que lhe coçava o canto dos
lábios. Mas, realmente, a mulher não tinha mistério nenhum, comportava-se como ele
esperava, todas às vezes.
— Vou apenas atravessar o corredor e usar a copiadora no escritório de Marjorie
— disse ela.
Bem, droga, nem todas as vezes, como acabara de descobrir. Pensara que teria
muito tempo para terminar o truque com o lápis para descobrir o último algarismo
enquanto ela descia para a sala de xerox no quinto andar. Ele sorriu, porém, e estendeu a
mão para pegar o bloco na escrivaninha.
— Ótimo. Você se incomoda se eu fizer algumas anotações enquanto tira as
cópias?
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Agora, se ela lhe poupasse o trabalho deixando o envelope com a página
grampeada sobre o arquivo onde o pusera apenas um minuto atrás, ele podia sentir que
ganhara o dia.
— Fique à vontade — disse ela, educada.
Então a cadela provou que, embora não fosse nem bonita nem um pouco
atraente, também não era uma idiota. Desviou-se até o arquivo, pegou o envelope e
levou-o com ela quando saiu do escritório.
Sem tempo para perder, ele desamassou o papel que arrancara do bloco e se
ocupou com o lápis, correndo o lado da ponta sobre a linha marcada, começando dessa
vez pelo lado contrário. Dois algarismos surgiram, mas não teve tempo de decifrar quais
eram, já que as impressões tinham ficado muito mais leves depois que ele amarrotara o
papel. Guardou-o no bolso de trás e, ouvindo o fim do som da copiadora no escritório de
Marjorie, começou a escrever uma lista sobre coisas a fazer.
Quando Jane entrou de novo no escritório, ele olhou para ela e piscou, como se
estivesse tão envolvido no que fazia que se esquecera de onde estava. Guardou o lápis
no porta-canetas, deixando-o bem no centro de uma dúzia, mais ou menos, de lápis e
canetas, sem querer que ela percebesse como a ponta estava afiada. Deus sabia que o
erro estava nesses pequenos detalhes.
Ele sorriu de leve; era um homem de detalhes.
Capítulo 10
Homens são uma espécie completamente diferente de mulheres. Juro por Deus.
Quando Jane chegou à mansão Wolcott, o estacionamento já pequeno não tinha
lugar para parar um triciclo, lotado de outros veículos. Felizmente ela virará devagar e
pôde dar ré para a rua de novo. Dirigiu por seis quarteirões e meio até encontrar um
lugar para estacionar o carro. Voltou andando, desejando ter trocado as botas de saltos
altos no Met e não seguir seu hábito de esperar para trocar os sapatos du jour pelas
sandálias amarelas e confortáveis que deixava com essa finalidade. Quem diabos estava
na casa?
Mesmo antes de colocar a chave na fechadura da porta dos fundos, ouviu vozes
de homens. Altas e turbulentas, não vinham apenas do outro lado da porta, mas rolavam
pela escada da mansão e invadiam o pátio através de janelas com as vidraças abertas e
outros aberturas. Jane viu ligeiramente dois ou três homens na cozinha. Não podia dizer
quantos eram, com certeza, já que estavam se movendo e ela via um pouco aqui e um
pouco ali através de uma veneziana tão antiga que voltara a ficar na moda.
Ela lutou para pôr a chave no buraco da fechadura e de repente sentiu que não
servia. Então, a maçaneta girou sob a mão dela e a porta foi aberta abruptamente. Ela
tropeçou para dentro da cozinha.
Se achara que o barulho era alto quando estava do lado de fora, não era nada
comparado com o que lhe invadiu os ouvidos quando entrou na cozinha. O rangido de
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pregos sendo arrancados de velhas tábuas vinha do andar superior e vozes masculinas
gritavam, praguejavam e riam nos dois andares.
— Bom trabalho aí, David — disse uma voz profunda perto dela, e mãos que
pareciam quentes mesmo através do casaco de lã que usava se fecharam em seus
ombros, impedindo que caísse de cara no chão. — Você quase a derrubou de cara,
jamais soube como tratar uma dama. — As grandes mãos lhe apertaram de leve os
ombros. — Você está bem, querida?
Ela olhou para o rosto longo e estreito do homem. Cabelos castanhos lhe caíam
sobre os olhos, que eram profundos e da cor de chocolate amargo. Seu nariz era forte e
longo, os maxilares angulosos e tinha a expressão austera de um monge trapista...
exceto pelo olhar escuro, que lhe observava atentamente o corpo.
Ele ergueu os olhos e viu que ela o apanhara olhando e nem teve a graça de
parecer constrangido.
— Você deve ser Pernas — disse com tranquilidade, soltando-a. — Sou Finn
Kavanagh e o bode desajeitado ali é meu irmão David.
Outro moreno, mais forte, muitos anos mais jovem e talvez um pouco menos
confiante, fez-lhe um aceno de cabeça.
— Ei, desculpe sobre o negócio com a porta. Minha intenção era ajudá-la, não
jogá-la no chão.
— Não se preocupe, apenas não esperava que ninguém mais além de Devlin
estivesse aqui. E meu nome é Jane — disse ela para Finn, então arquejou, vendo pela
primeira vez o novo sistema de segurança, piscando vermelho à direita dos ombros
largos de Finn. — Oh meu Deus! O novo alarme! — Ela passou por ele para chegar ao
aparelho, mas quando chegou simplesmente ficou lá, a mente em branco. Qual era o
código, qual era o maldito código!
Finn pressionou a mão na parede ao lado do aparelho, o corpo perto atrás dela,
dando-lhe a impressão de que estava cercada, embora ele realmente não a tocasse. Ele
abaixou a cabeça até os lábios estarem perto das orelhas dela.
— Dev o desligou, querida. — Então ele se afastou e deu um passo para trás.
Ela devia ter se sentido aliviada por saber, mas virou-se lentamente para olhá-lo
de frente e se sentiu estranhamente nervosa... e não tinha nada a ver com o alarme.
Embora cada movimento de Finn não a tornasse superconsciente dele como ficava com
os de Devlin, sentia claramente que ele e seu irmão mais novo também eram homens.
O que havia nos homens Kavanagh? Receberam mais do que sua cota de
feronômio ao nascer, ou alguma coisa assim?
Sem querer se comportar como um pequeno coelho assustado no meio de lobos,
embora fosse assim que se sentia no momento, ela o olhou nos olhos e ergueu o queixo.
— E esta tarefa era dele... por quê?
— Ele é um cara intrometido, nosso Dev — disse David com um sorriso,
enquanto enganchava a perna de uma cadeira com a ponta da bota para afastá-la da
mesa longa. Passando uma perna longa sobre o assento, ele se abaixou para se sentar
diante de um isopor que só naquele instante Jane percebeu sobre a mesa. Havia outros
dois, além de três garrafas térmicas altas.
— Ele pode ser, quando lhe dá na veneta — concordou Finn. — Mas esta foi
uma decisão estritamente de negócios. — Ele lhe deu um olhar direto, sua sexualidade
anterior eu homem você mulher totalmente descartada. — Estávamos entrando e saindo
por esta porta a manhã inteira, trazendo ferramentas para dentro e levando para fora o
lixo que estamos arancando das paredes do andar superior. Não temos tempo para ficar
ligando e desligando alarmes.
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Tinha sido uma pergunta idiota, de qualquer maneira, e ela o reconheceu com
um leve sorriso.
— Acho que não há muitos ladrões tão estúpidos para se arriscarem a invadir
uma casa quando três homens grandes e altamente visíveis estão trabalhando,
especialmente com todo o barulho que vocês fazem.
— Quatro — corrigiu David, erguendo o olhar do isopor e arranjando-o sobre a
mesa. Ela pareceu confusa e ele completou: — Há quatro... do que foi que você nos
chamou?
— Homens grandes e altamente visíveis — afirmou Finn, e sorriu para Jane. —
Acertou em cheio, querida. David, faça uma demonstração para a dama.
David mal tirou os olhos do isopor o bastante para flexionar o braço. Mesmo sob
o suéter, porém, era fácil ver um grande bíceps pressionar o tecido. Ele olhou para ela.
— De qualquer maneira, há hoje aqui quatro de nós, homens grandes e
masculinos.
— Homens altamente visíveis, idiota. — Finn bateu-lhe na parte de trás da
cabeça com a ponta dos dedos. David deu de ombros, abriu a garrafa térmica e se serviu
de café.
— Qualquer coisa. Bren está lá em cima com Dev. E o barulho é só quando você
não estiver na casa. Temos ordens estritas de não fazer barulho enquanto você estiver
aqui.
— E, no entanto, aí está você falando alto — disse Devlin da soleira da porta do
hall.
Os batimentos cardíacos de Jane imediatamente aceleraram e o calor lhe tomou o
peito, o pescoço, o rosto. Invejou David que nem mesmo virou a cabeça para olhar.
— É, bem, é hora do almoço e ela ainda não está trabalhando. E eu estou
comendo.
— Almoçando. — Bren, que parecia mais magro do que na noite em que Jane o
conhecera no Matador’s, cruzou a cozinha e se sentou diante do terceiro isopor. — Você
está almoçando.
— Um ou outro — disse David de bom humor e deu uma grande dentada no
grande e alto sanduíche que desembrulhara. Abriu um saco de batatas fritas enquanto
mastigava. Jane observava, fascinada, enquanto Bren abria seu isopor e tirava uma
grande vasilha, que passou para Devlin. Ele lhe deu um olhar de fria apreciação antes de
levá-la para o microondas. Finn abriu o próprio almoço e os três irmãos à mesa
passaram ou aceitaram oferecimentos um do outro. A fluidez e a familiaridade dos
quatro homens era uma espécie de balé rude, sem palavras desnecessárias.
— Você mostrou a Jane como usar o sistema de alarme? — perguntou Dev a
Finn.
— Não, inferno, esqueci. — Levantou-se da mesa. — Venha cá, querida. —
Levou-a até o aparelho. — Você já sabe apertar o código para desarmar o alarme
quando entra. Mas como Dev disse que trabalha aqui sozinha algumas noites e esta é
uma casa enorme, nós o instalamos programado para reativar automaticamente. Isso
significa que você também precisará apertar o código para sair. Se, como nós hoje, vai
ficar entrando e saindo constantemente, pode apenas desligar o alarme.
— Certo, isso parece bem simples.
— É. — Ele lhe acariciou o queixo com a ponta do dedo, como se ela fosse um
bebê. — Acho que você consegue lidar bem com ele. — Ele voltou para a mesa.
Céus.
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Enquanto Dev estava esquentando seu almoço, Bren tirou um pacote cheio de
pílulas da bolsa. Ele olhou para cima e a viu observando-o, então Jane percebeu que
estava apenas em pé ali, os olhos e a boca abertos.
— Desculpem, vou sair do seu caminho e deixar que almocem em paz. — O
timer do microondas apitou, mas Devlin o ignorou para olhar para ela.
— Pelo que ouvi da conversa, você já compreendeu nossa versão de paz. —
disse ele com um sorriso. — Dificilmente se parece com a paz de qualquer outra pessoa.
Oh, Deus, não sorria para mim assim! De repente, ela compreendeu a ordem que
ele lhe dera no dia anterior para não sorrir. Se o dela o afetasse a metade do que o dele a
afetava...
Bren observou-a com preocupação.
— Você já almoçou?
— Não, mas o tenho aqui. — Controlando-se, ela bateu na bolsa de tamanho
grande que usava para carregar todas as suas coisas entre sua casa, o trabalho e a
mansão. — Vou comer na minha escrivaninha.
Os quatro olharam para ela e David balançou a cabeça.
— É uma coisa boa a mãe não estar por perto para ouvir você dizer uma heresia
dessas. Ela lhe lavaria a boca com sabão.
— Por quê? Não disse um palavrão nem nada.
Uma coisa que ele ouvira de pelo menos um deles em voz bem alta enquanto
ainda estava do lado de fora.
— Nós, Kavanagh, levamos nossas refeições a sério — disse Bren. — E
trabalhar enquanto come não é maneira de digerir alimento.
— E, no entanto, não sou eu que tenho uma sacola cheia de pílulas. — As
palavras lhe saíram da boca antes que pensasse e então olhou para ele horrorizada,
atônita e espantada consigo mesma.
Houve um segundo de silêncio enquanto os quatro homens olhavam, para ela, os
olhos sem expressão.
— A moça tem uma boca enorme — disse Finn.
— Lamento tanto...
— Sem mencionar um lado mesquinho, implicando com um homem com câncer
— concordou Devlin.
— É — disse Bren. Olhou para ela enquanto o coração de Jane batia uma vez,
duas, três. — Gosto disso numa mulher. Inferno, se não fosse um homem tão feliz no
casamento, isso me deixaria realmente quente. — Ele empurrou uma cadeira com os
pés. — Sente-se, Pernas. — Ela se sentou.
— Ela prefere ser chamada de Jane. — Devlin levou a vasilha de Bren para a
mesa, agora sem tampa, o cheiro divino, então foi até a geladeira. Abriu-a e olhou para
ela. — Quer alguma coisa enquanto estou aqui?
— Uma Coca Diet? — O calor em seu rosto finalmente estava diminuindo e
talvez... apenas talvez... não estivesse mais tão vermelho como alguns momentos atrás.
— Suponho que não consegue bebê-la como um homem.
— Bem, não sei. — Encontrou o olhar dele diretamente. — Isso significa que
tenho que esmagar a lata sobre minha boca e beber o que vazar de todos os buracos que
fizer?
— Não, estou falando de beber diretamente da lata. — Suspirou. — Mas posso
dizer, apenas olhando para você, que é uma dessas moças frescas que sempre tomam
Coca Diet num copo.
Ela quase disse que a lata estava bem. Só tinha amigas mulheres; não estava
acostumada com homens provocantes... uma espécie com a qual jamais lidara. Mas
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lembrou-se da irmã dele, Hannah, e sua atitude de não me provoque. Também pensou
que, apesar de ter ficado tão constrangida consigo mesma, os quatro irmãos haviam
considerado sua afirmação rude como uma brincadeira que ela, Ava e Poppy fariam
entre si. Nenhum deles parecera horrorizado quando ela falara sobre a doença de Bren;
então ergueu o queixo ligeiramente.
— Mas é claro — disse a ele como se fosse uma princesa que não toleraria nada
diferente —, com gelo.
Tirou da bolsa a pequena porção de salada que comprara na lanchonete do Met e
colocou-a sobre a mesa, então mergulhou a mão na bolsa em busca do garfo de plástico,
o saquinho com os temperos e o guardanapo que antes estava preso à vasilha de plástico
e se soltara.
Assim que ela localizou tudo, um copo foi posto com força diante dela e Jane se
endireitou na cadeira. Um copo alto e gelado de Coca, cheio de cubos de gelo, estava ao
lado da salada, e Jane sorriu.
— Obrigada.
Mas o microondas apitou e Devlin já estava se afastando da mesa mais uma vez
para pegar o que estava nele. Olhando para as costas dele, ela sorriu para os irmãos.
Apenas para ver os três observando-a com as bocas abertas e parecendo espantados.
— O quê? — Colocou a mão sobre a boca. — Há alguma coisa em meus dentes?
— Mas isso não fazia sentido, ainda nem comera nada.
— Isso é seu almoço? — perguntou David, olhando para a pequena vasilha preta
de plástico que continha a salada.
Ela também olhou, perguntando-se o que havia nela para fazer os três homens a
olharem com tanto horror.
— Hum, sim.
— Isso não é uma refeição, moça — disse Finn, balançando a cabeça em
desaprovação. — Isso é comida de coelho... e não há o bastante para manter o corpo de
um ser vivo.
— Dev — disse Bren —, pegue uma tigela para Jane. Ela pode comer um pouco
da minha sopa de vegetais.
— Não vou tirar comida de sua boca! — protestou, escandalizada. — Vocês,
caras, fazem um trabalho físico duro e o meu não é tanto.
— Não está tirando coisa nenhuma da minha boca — garantiu Bren, debruçando
sua vasilha sobre a tigela que Dev lhe entregara e usando sua colher para pescar alguns
pedaços de carne e vegetais, junto com o molho quente e cheiroso. — Jody prepara
comida demais para mim e fica preocupada quando não como tudo. Está tentando me
engordar, mas não consigo comer muito agora e você apenas me impedirá de jogar fora
o que não puder comer.
— Aqui está seu leite, Bren. — Devlin colocou um copo alto de leite sobre a
mesa. — Tome suas pílulas. — Pôs a própria refeição sobre a mesa, sentou-se ao lado
de Jane e virou a cabeça para olhar para ela. — Tome sua sopa. — A expressão nos
olhos dele a avisou que era melhor ela não discutir.
Ela pegou a colher que ele pusera diante dela e tomou um pouco. Todos os
quatro homens a observavam e ela pôde apenas rezar para não parecer tão consciente de
si mesma como se sentia. Entretanto, conseguiu lançar um sorriso para Bren e lhe disse
a verdade.
— Está deliciosa. — Os quatro acenaram.
— Isso aí, minha Jody é uma cozinheira sensacional. — Ele também tomou uma
colherada.
E a tensão se dissipou.
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— Você devia estar trabalhando? — perguntou ela a Bren.
Os outros irmãos Kavanagh se viraram como um só homem para olhar para ele e
Bren virou os olhos para cima.
— Oh, cara, não comece você também. Eles me dão um trabalho tão leve que
um bebê poderia realizá-lo. E me sinto melhor fazendo qualquer coisa além de ficar em
casa brincando de inválido.
Ela mordeu a língua para não dizer que não havia nada de "brincadeira" sobre
aquilo. Em vez disso, comeu sua salada, tomou sua sopa e bebeu a Coca Diet enquanto
ouvia a conversa dos homens. Eles se insultavam com impunidade, mas era evidente
que gostavam uns dos outros e que se sentiam à vontade tanto com ela como com cada
um dos outros.
David era evidentemente o caçula, mas não era um menino, e ouvindo a
conversa deles descobriu que era casado e já tinha dois filhos, um menino e uma
menina, e que a menina chegara aquele dia da escola com dor de ouvido. Bren era pai
de três meninas e Finn era solteiro. E determinado a continuar assim, se entendera bem
as provocações espirituosas.
Jane apoiou o cotovelo na mesa, ergueu a mão e segurou o queixo na palma,
ouvindo, fascinada, a troca de palavras entre os irmãos. A conversa parecia ser
composta em partes iguais de insultos e afeição.
Disfarçadamente, Devlin a observou, observando-os. Quando chegara à cozinha
e a vira com seus irmãos, levara um susto. Fora a primeira vez que a vira depois da
pequena sessão erótica contra a parede no dia anterior. Dado o seu comportamento
durante o episódio, ele planejara manter distância dela. Porque, quando sua ereção
desapareceu, ele não teve escolha a não ser reconhecer que agira como um canalha de
primeira categoria.
Não sabia o que diabos havia em Jane, mas não fingiria mais que não havia uma
química forte entre eles. Sentado ao lado dela, sentia de vez em quando seu cheiro de
pera e sândalo e se perguntava que calcinha sexy estaria usando naquele dia sob o
terninho simples e escuro... grande surpresa... com uma blusa cor de chocolate.
Recostou-se na cadeira para observar-lhe as pernas e os sapatos quentes, que naquele
dia eram um par de botas até o tornozelo, com saltos agulha e cadarços suficientes para
torná-la uma dominatrix orgulhosa.
Então ouviu a observação de David:
— E também há Dev.
— Huh? — Afastando o olhar, dirigiu-o para David, do outro lado da mesa,
terminando seu sanduíche e as batatas fritas, o dedo apontado para ele como se fosse
uma arma pronta para disparar.
— Bom ver que alguma coisa consegue fazer você tirar os olhos das pernas de
Jane.
Voltando a atenção para ela, David lhe deu o sorriso triste de um vendedor de
veneno, cheio de preocupação falsa.
— Você precisa ter cuidado com esse cara, Jane — advertiu ele solenemente. —
Nosso Dev tem uma garota em cada porto.
Droga. Sempre fora muito bom com as damas e geralmente conseguia se livrar
da acusação dos irmãos, que o consideravam uma espécie de garanhão copulando ao
redor do mundo. Mas por motivos que não compreendia, não queria que Jane tivesse
uma impressão errada dele.
Ela apenas virou o queixo na palma da mão para olhar para ele.
— É mesmo. — Seus olhos azuis como fumaça o observaram da cabeça aos pés
e fizeram a viagem para cima de novo.
68
Certo, então ela não tinha nenhum motivo para aceitar a imagem dele que os
irmãos esboçavam. Ele engoliu um rosnado de desprezo por si mesmo. Deus sabia que
ele não fora delicado e educado com ela.
— Estou lhe dizendo — continuou David. — Ame-as e deixe-as Kavanagh, é o
nome que dão a ele.
— Huh — disse Finn —, e eu que pensei que fosse O Destruidor de Corações.
— Olhou para Jane. — Precisa saber logo que esse cara nunca fica muito tempo num
lugar.
— É — concordou Bren —, assim que eu estiver bem ele voltará para a Europa,
tão depressa que você não verá nada além de uma nuvem de fumaça de borracha
queimada que ele deixará no caminho.
Ela o observou com um olhar lento e pensativo.
— Bem, você parece ser um grande partido.
— Pode apostar, as garotas fazem fila pela excitação da minha companhia. Sabese que muitas se atiraram no Mediterrâneo só de pensar que me perderiam.
Ela virou a cabeça de lado.
— Tem certeza que não é para lavar essa neblina de vaidade que adere a você?
Acho que provavelmente é como lama... se roçar nela, precisa de alguma coisa salgada
para se lavar.
Ele não pôde evitar; deu uma risada, encantado com ela.
Ela parecia tão puritana e adequada, mas Finn estava certo, tinha uma grande
boca e, com frequência, fazia Devlin rir. Um pequeno sorriso curvou aqueles lábios
adoráveis antes que ela se virasse para os irmãos.
— E, então, o que trouxe todos vocês aqui hoje?
Ele mal prestou atenção à explicação de Bren, de que tinham dois dias livres
para ajudar na reforma enquanto esperavam por uma remessa de material que se atrasara
para o outro trabalho que faziam. Dev simplesmente gostava que a atenção de Jane não
estivesse nele. Porque lhe ocorrera que gostava dela, desde seu senso de humor até a
forma como o sangue subia e descia sob aquela pele fina como a de um bebê. E isso não
era o que ele queria. Gostar de Jane Kaplinski podia facilmente demais se transformar
numa complicação de que não precisava.
Isso o fez se sentar mais ereto na cadeira. De que diabos você está falando? Se
ficassem juntos... e certamente estava inclinado a isso... não haveria complicação
nenhuma. Garantiria que ela entrasse no relacionamento sabendo exatamente o que
esperar dele... uma relação cheia de luxúria que seria ótima enquanto durasse e acabaria
quando ele voltasse para a Europa.
Ou talvez você apenas seja tão vaidoso como ela dissera, pensou, desanimado.
Por que Jane lhe parecia o tipo de mulher que seguia as regras. E aquele tipo geralmente
não gostava de relacionamentos intensos e com data marcada para terminar.
Assim, como poderia pensar que ela iria para a cama com ele? Seria sábio em
não esperar isso.
Capítulo 11
69
Poppy me fez o favor de plantar uma ideia na minha cabeça... e agora não
consigo apagar a maldita coisa.
Havia alguma coisa quase narcótica na observação dos irmãos Kavanagh
interagirem uns com os outros, e quando Jane os deixou e foi para o sótão, sentiu-se
totalmente deprimida. Mas a depressão não durou.
Bem, como poderia? Tinha uma agenda a cumprir e pouco tempo para reunir as
peças das duas exposições para o Met e inseri-las em seu computador.
Em circunstâncias comuns, prazos e objetivos eram os lubrificantes que faziam
sua agenda andar suavemente. Mas a cada dia nisso, o trabalho mais importante de sua
carreira, ela ficava mais atrasada.
Então tinha que correr, já que a última coisa que poderia suportar era ficar sem
tempo quando planejasse o diagrama de suas exposições e formasse os programas que
acompanhariam as exposições. Era um processo que não permitia correrias, já que o
fluxo da exposição e um catálogo sensacional poderiam projetar uma grande amostra
para a zona do espetacular.
A coleção de joias não era um problema, pois a maioria das peças estava no
armário da Srta. Agnes em seu quarto de dormir e as mais caras no cofre. E embora Jane
ainda tivesse que fazer pesquisas sobre muitas das peças e precisasse mandar muitas
para uma limpeza profissional, pelo menos já colocara a maior parte no computador e já
dera início ao catálogo.
A coleção de alta-costura, porém, estava lhe dando uma terrível dor de cabeça.
Se apenas conseguisse localizar parte do que se lembrava de ter visto a Srta. Agnes usar
ou em fotos dela, sabia que teria uma exposição de tirar o fôlego nas mãos, e sua
reputação como curadora estaria feita. O problema era que uma fração era exatamente o
que havia encontrado até aquele momento, e nenhuma das peças era o que ela se
lembrava. Nem uma das peças que localizara tinha o potencial para se destacar numa
exposição de museu.
O sótão estava mofado e frio, mas ela ignorou as duas condições e se dedicou ao
projeto que a levara lá. Localizou dois conjuntos num armário, alguns vestidos, algumas
roupas de noite, casacos e chapéus em outro. Mas, como as peças que já encontrara e
reunira, não eram o melhor da coleção da Srta. A. Onde estavam as outras peças...
particularmente o vestido de noite Christian Dior com contas que esperava usar como o
ponto central da coleção?
Maldição, onde estavam as roupas principais?
Ela mudou de lugar peças antigas de mobília, abriu baús, olhou sob velhas
camas de ferro e até no interior dos armários, esperando encontrar uma maçaneta que
mostraria um espaço secreto atrás ou ao lado deles. Todos os seus esforços resultaram
apenas em camadas de fuligem em suas mãos e teias empoeiradas de aranha em seus
cabelos.
Depois de procurar em cada centímetro de espaço onde poderia procurar no
terceiro andar, ela desceu para o segundo. Os homens tinham voltado ao trabalho e risos
e conversas acompanhavam os sons de uma sala sendo desmontada. Não estava mais
encantada com eles enquanto tirava as teias de aranha dos cabelos e se lavava no
banheiro da Srta. Agnes; uma dor de cabeça começou a latejar em suas têmporas.
A dor piorou enquanto procurava nos closets da suíte, dessa vez fazendo uma
inspeção tão cuidadosa como fizera no sótão, na esperança de encontrar um esconderijo
secreto. Mas não achou nada.
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Nada, nada, nada.
Seu humor piorando a cada minuto, foi à sala de estar da suíte. Sabia bem
demais que a Srta. Agnes queria que ela tivesse sucesso. A velha dama fora muito
específica sobre quais coleções o Metropolitan receberia como doação... então, por que
não deixara a Jane instruções sobre onde os itens seriam encontrados? Mesmo uma
informação básica teria ajudado; inferno, até um mapa do tesouro desenhado por uma
criança seria bom, se ajudasse a localizar os itens de que precisava para fazer seu
trabalho.
Havia uma caixa sob um sofá de dois lugares, mas encontrou apenas dois
cobertores nela. No closet da sala, encontrou mais roupas de cama e algumas peças de
vestuário que não eram alta-costura.
E talvez fosse a ansiedade sobre estar fracassando, ou quanto tempo estava
perdendo, ou, talvez, o barulho incessante que vinha da sala onde os homens
trabalhavam. Qualquer que tenha sido a razão, alguma coisa dentro dela estalou.
— Droga, droga, droga, droga, droga, DROGA! — O controle de aço perdido
totalmente, ela bateu na porta com o lado da mão nos paineis ornados da porta do closet,
então os chutou.
— Ai! Droga! — Respirando com força, ela mancou num círculo enquanto o
dedão do pé, dentro das macias sandálias amarelas, agora um pouco sujas, pulsava de
dor com sua estupidez. Sentia-se não só dolorida, mas também uma perfeita idiota; em
que diabos estava pensando?
Jane Kaplinski jamais perdia o controle; dedicava-se de corpo e alma a seus
projetos, jamais desistia e sempre permanecia calma. Ela... não... perdia... o... controle.
Como jamais, nunca, beijava homens do tipo de Devlin Kavanagh.
Como um ladrão saindo de um beco escuro, o pensamento a assustou como se
tivesse sido empurrada contra uma parede suja e uma pistola fosse apontada para seu
rosto. Mas, mesmo enquanto imaginava de onde aquilo surgira, ela completou o círculo
que fazia pulando num pé só.
Então parou de repente, o beijo e o dedo machucado esquecidos enquanto olhava
de boca aberta para o painel da parede adjacente ao closet. Ou melhor, para o que
restara dela, desde que a parede... desaparecera.
— Oh, meu Deus! — Uma risada engasgada lhe escapou enquanto olhava de
boca aberta para o espaço forrado de cedro que estava no lugar da parede. Todas aquelas
pancadas e o pontapé claramente haviam desligado um mecanismo em algum lugar no
painel, embora, mesmo que sua vida dependesse disso, ela não soubesse como
acontecera.
Mas não tinha importância por que, diante dela, estava...
— Oi, minhas coisas lindas! — Dessa vez a risada dela era cheia de alegria e ela
entrou na área alta, longa e estreita... e passou as mãos amorosamente sobre os itens da
coleção desaparecida.
Vestidos de grife, roupas graciosas e vestidos formais de eras há muito passadas
estavam pendurados em cabides forrados. O Dior, tão adorável como pensava, estava
entre eles. Abriu as caixas forradas sobre a prateleira acima dos vestidos e encontrou
sapatos, echarpes, chapéus e luvas; abriu tubos e encontrou chalés e echarpes protegidos
por algodão branco.
É claro que não encontraria nada disso no sótão. As temperaturas flutuantes e a
umidade teriam destruído aqueles tecidos delicados. Sem mencionar que esquecera por
algum tempo a impressionante atenção da Srta. Agnes pelos detalhes.
Devia ter se lembrado de como sua mentora era focada em detalhes no que se
referia a suas coleções. Ela poderia não se dar conta de que sua casa estava lentamente
71
se deteriorando em torno dela, mas sabia, até o último detalhe, do que precisava ser feito
para conservar qualquer coisa que considerava de valor suficiente para ser exposto.
Jane correu para fora do closet. Tinha que ligar para Ava e Poppy! Rindo alto,
correu para o corredor, desceu as escadas para o salão, onde pegou seu celular na bolsa.
Desde que Ava era a primeira da lista de números, chamou-a primeiro.
— Oi, você está falando com Ava Spencer. Estou ocupada no momento, assim
dei...
Maldição, queria falar com a própria Ava, não deixar uma mensagem, então
apenas se identificou e pediu que a chamasse. Estava começando a ligar para Poppy
quando se lembrou e desligou. Poppy estaria lá em... Jane olhou as horas... menos de 20
minutos. Jane estava louca para partilhar a novidade, mas Poppy era a pessoa mais
distraída que conhecia e não podia ligar para ela enquanto estivesse dirigindo. Além
disso, pensou em como seria muito melhor mostrar à amiga, assim, decidiu esperar.
Mas devia saber que Poppy se atrasaria. Quando voltou ao salão e viu que a
loura havia finalmente chegado e estava jogando seu laptop num sofá, ela praticamente
dançou para dentro da sala. Esta era sua quinta viagem ao térreo desde que encontrara o
closet secreto e nem piscou com a falta de respeito que a amiga demonstrava por uma
peça eletrônica valiosa.
— Pensei que você jamais chegaria!
Virando-se para Jane, Poppy parou no ato de tirar uma echarpe colorida do
pescoço. Uma sobrancelha habilmente escurecida se ergueu.
— Cheguei na hora errada?
— Não, não, você quase foi pontual, para você. Mas fiz uma descoberta fabulosa
e estava morrendo de desejo para mostrá-la a você, o que fez os minutos se arrastarem.
— Fez um gesto de que não tinha mais importância. — Mas você está aqui agora e Deus
a abençoe por ter se lembrado de trazer seu notebook.
— Você me disse para trazê-lo.
— Uh-huh. — Lançou um olhar cauteloso às mãos sujas de tinta de Poppy. — E
você é conhecida por esquecer o próprio nome quando está no meio de um projeto de
arte com seu grupo de adolescentes.
— E foi por isso que levei um despertador para a sala de aula. — E Poppy
moveu os lábios num gesto que dizia certo então você me conhece bem.
— De qualquer maneira, esqueça tudo isso e suba comigo... precisa ver o que
descobri. — Agarrou a mão da amiga e puxou-a pela porta e pela escada acima.
Pararam na sala de estar da suíte alguns minutos depois. Ela indicou o grande
buraco na parede.
— Huh? — Fez um gesto como se estivese exibindo o Grande Prêmio de uma
corrida internacional. — Huh?
— Céus! — Poppy se aproximou para examinar o enorme retângulo forrado de
cedro cavado na parede. — É um maldito closet, um maldido closet secreto? — Virou
um rosto atônito para Jane. — Como você descobriu isto? — Mas não esperou a
resposta antes de voltar a atenção de volta para a recém-descoberta área de
armazenamento.
— Sorte, pura e cega — admitiu Jane. — Bem, isso e um ataque de mau humor
da minha parte.
Isso tirou a atenção de Poppy dos itens exibidos.
— Você perdeu o controle? Isso não se parece nem um pouco com você.
— Eu sei — riu Jane —, e nunca fiquei tão contente de ter perdido a paciência
em minha vida. Estive procurando em cima e embaixo pelas roupas de grife da Srta. A.
desde que o testamento foi homologado.
72
— É, e imaginei por que ela não lhe contou onde estavam. — Mas Poppy deu de
ombros enquanto se abaixava para olhar alguma coisa no piso do closet. — Aposto que
há um bilhete para você dentro de um livro ou na gaveta de alguma escrivaninha. Ou
talvez em um de seus diários. Que diabos são estas coisas nas tábuas do piso? — Ela se
agachou para olhar mais de perto, colocou um dedo em uma delas e franziu o nariz. —
Ugh, são pegajosos, acho que são armadilhas para traças. — Afastou a mão. — Eca.
— O fato de que não há nada nelas é um bom sinal, já que indica que o closet foi
bem-fechado e manteve insetos de fora. A Srta. A. sabia o que fazia. O armário tem
controle de clima, situado de maneira a jamais receber a luz direta do sol, e as únicas
lâmpadas em toda a área do closet são fracas e não fluorescentes. O que me lembra que
preciso verificar no trabalho com quantas caixas capazes de filtrar a luz ultravioleta
preciso trabalhar. — Bateu a mão nos bolsos vazios. — Se tivesse um lápis, escreveria
um bilhete para mim mesma. — Então deu de ombros e se agachou ao lado de Poppy.
— Também preciso descobrir como esta coisa abre, para continuar a usá-la como
depósito até eu transferir tudo para o Met. — Passou as mãos sobre os paineis, mas não
conseguiu encontrar um trinco.
Estava começando a perder a euforia com o pensamento de quanto tempo
perderia para descobrir a maldita coisa. Então um barulho alto reverberou pelo corredor,
seguido pelos palavrões emitidos por diversas gargantas masculnas. Ela virou a cabeça
para olhar para Poppy.
— Homens — murmurou ela — São uma espécie diferente. São barulhentos e
rudes e não me importo em admitir que nem sempre compreendo o que os faz funcionar.
Mesmo assim, eles sabem coisas... coisas mecânicas que desconheço. E isso pode ser
muito...
— Atraente? — sugeriu a amiga. — Conveniente? Útil?
— Pode apostar.
— Também parece ser uma verdade universal que adoram quando mulheres
admiram seus talentos. — Poppy ergueu de novo aquela sobrancelha perfeita. — Parece
uma vergonha desapontá-los ao não lhes demonstrarmos nossos agradecimentos.
— Não permitir que toda aquela habilidade crua seja usada seria puro
desperdício.
As duas se levantaram ao mesmo tempo e desceram o corredor em direção ao
solário. Mas, uma vez na soleira da porta, pararam e apenas olharam. Por que o caos e a
desordem eram absolutos, um universo pouco familiar no qual a testosterona imperava.
A última vez que Jane estivera ali, Devlin havia apenas começado a desmontar a sala.
Agora, com os quatro trabalhando juntos, era uma ruína. Cada um desempenhava uma
tarefa diferente, mas cada ação parecia envolver instrumentos barulhentos e palavrões
criativos. E suor. Camisas de flanela haviam sido tiradas e camisetas grudavam em
músculos úmidos.
Demonstrando que os irmãos Kavanagh estavam em muito, muito boa forma.
Certo, Jane admitia livremente... precisou de um momento, dois ou três para
desviar a atenção daquela maravilha. Mas quando seu olhar passou pelos ombros largos
e os músculos alongados e perfeitos que formavam as costas de Devlin, depois que
passou por seu traseiro realmente belo esticando o jeans enquanto ele meio agachava,
meio ajoelhava em frente do que quer que estava fazendo no piso, ela percebeu que o
que a princípio lhe parecera o caos era na verdade uma desarrumação controlada. Ele e
os irmãos trabalhavam juntos como uma máquina perfeita.
David as percebeu primeiro. Deixou seu instrumento no chão, ergueu-se e subiu
numa pilha de madeira onde havia um isopor semelhante aos que vira sobre a mesa da
cozinha. Tirando dela uma garrafa de Gatorade, esticou-se e as viu quando se virou.
73
— Ei. — Saudou-as alegremente, então foi até Bren e lhe segurou o ombro,
acenando em direção a elas enquanto entregava a bebida ao irmão.
Bren olhou para elas enquanto tomava metade da garrafa de uma vez. Parecia
um pouco pálido, mas, abaixando a garrafa, limpou a boca com as costas da mão e lhes
deu um sorriso.
— Bem, olá, senhoras.
Isso chamou a atenção de Finn e ele virou o pescoço para olhar para elas sobre
os ombros. Estendeu o braço e cutucou Devlin com seu pé de cabra. Olhando para o
irmão, Devlin removeu seu iPod das orelhas.
— O quê?
— Saias no pedaço.
— Isso seria como fogo no pedaço? — perguntou Poppy enquanto a cabeça de
Devlin se virava na direção delas.
— Acho que saias somos nós — murmurou Jane —, embora você não esteja
usando uma nem eu.
A amiga loura deu de ombros, bem-humorada.
— Acho que já fomos chamadas de coisas piores.
Ignorando as brincadeiras realmente infantis, Devlin se levantou num
movimento fácil, fluido. Enxugando a testa com o braço, ele cruzou a sala em direção a
elas.
— Alguma coisa que posso fazer por vocês, senhoras?
— Tenho um favor a pedir. — Ele parará tão perto dela que Jane precisou dobrar
a cabeça para trás para olhar nos olhos dele. — Não é nada urgente, mas se tiver um
minuto pode verificar uma coisa para mim?
— Claro, o que é?
— Encontrei um closet secreto na sala de estar da suíte da Srta. A. e não consigo
descobrir como...
Ela constatou que falava para uma sala vazia. Cada um dos Kavanagh desertara
o lugar.
Ela os encontrou na sala de estar da suíte, agachados diante do closet secreto ou
engatinhando para dentro dele, inspecionando-o com a intensidade de cientistas
descobrindo a cura do resfriado comum.
Ela olhou para Poppy, que lhe lançou um sorriso que significava Homens. Que
Deus abençoe suas cabecinhas vazias.
— Como o abriu? — perguntou Bren.
— Bem, sabe, este é o problema. Eu, uh, perdi o controle por um minuto e
comecei a bater nesta coisa aqui. E devo ter dado um pontapé também. — Engoliu um
gemido. — De qualquer maneira, a parede se abriu, mas não sei como fiz isso. Estava
esperando que vocês pudessem me dizer. — Olhou para Devlin, dentro do closet,
iluminando os trabalhos na madeira que cercavam a abertura com uma lanterna.
Deixou-a lá, recuou e ela deu um passo à frente num protesto instintivo. — Devlin, por
favor, você vai se encostar na minha coleção e está um pouco... suado.
Mas não conseguiu impedir o sorriso que lhe iluminou o rosto. Por que dissera
sua coleção, que estava bem lá, na frente dela. Estranho como as coisas podiam mudar
num minuto. Uma hora atrás, sentira suas perspectivas de crescimento na carreira
despencando pela descarga. Agora, por causa de uma exibição de mau humor, seu
futuro parecia brilhante.
Devlin parou o que estava fazendo para olhar para ela, o olhar pura seda líquida
enquanto percorria seu corpo. Erguendo os ombros, ela se virou para Poppy e limpou a
garganta.
74
— Acho melhor levarmos tudo para a sala de estar no térreo, para catalogar as
peças. — Certo, ótimo, a voz estava firme; mas o que havia naquele homem? —
Quando esses caras voltarem ao trabalho, não conseguiremos ouvir nossos pensamentos
se ficarmos aqui.
— Ei, não gostei desse comentário — disse David alegremente, passando as
mãos sobre os ornamentos em torno do closet.
— Te peguei, seu bastardo — resmungou Dev de dentro dele. Então, ergueu a
voz. — Encontrei o trinco. — Todos se viraram para olhar para ele. — Aqui, vou
pressioná-lo para baixo. Pode ver alguma parte correspondente se movendo aí fora,
irmãozinho?
— Sim, aqui está! — respondeu David. — Fica nesta peça de ornamentação do
painel externo.
Os irmãos Kavanagh brincaram com o mecanismo por mais dez ou 15 minutos,
abrindo e fechando o closet. Testaram-no com Devlin ainda dentro para ver se ele podia
sair, então o testaram de novo vazio, com apenas as roupas. Houve muita risada e a
mesma troca de brincadeiras e cutucadas bem-humoradas, mas grosseiras, que ocorrera
mais cedo na cozinha. Finalmente abandonaram o closet e voltaram para seu trabalho.
Jane e Poppy ficaram sozinhas dentro do closet, cada uma segurando algumas
peças de roupa enquanto olhavam os homens saírem da sala.
— Meu Deus — disse Poppy enquanto desciam para a sala onde trabalhariam.
— Este é um grupo sensacional de homens. Geralmente não me sinto atraída por
homens dez anos mais velhos do que eu, mas há alguma coisa sobre aquele cara
careca...
— Talvez o fato de ser casado — disse Jane, seca. — E, antes que fixe seu
interesse em David, ele também é. — Ao olhar interrogador de Poppy, acrescentou: —
É o de cabelos castanhos-claros, o mais novo dos irmãos.
— E como você se tornou, de repente, uma fonte de conhecimentos sobre os
Kavanagh?
Ela deu de ombros.
— Almocei com eles.
Poppy parou de repente na descida da escada. Quando as roupas que carregava
ameaçaram escorregar, ela apertou-as nos braços e voltou a andar, mas não antes de
lançar um olhar admoestador a Jane.
— Você mente demais, garota.
— Uh-uh, palavra de escoteiro. — Colocando cuidadosamente seus tesouros
sobre o sofá da sala de estar, Jane explicou como entrara na cozinha e encontrara uma
matilha barulhenta de trabalhadores de construção.
Poppy também deixou as roupas que carregava sobre o sofá.
— Quatro homens musculosos e você, huh? — Endireitando-se, ela bateu as
pontas dos dedos sobre o peito, num gesto de pena de si mesma. — Tranquilize-se, meu
coração. Ora, estou ficando excitada só de ouvir falar nisso.
— Sossega, garota, não me faça pegar o chinelo. — A amiga sorriu.
— E que tal o monge sexy, ele também é casado? — Jane adorou a descrição de
Finn.
— Foi exatamente assim que eu achei que Finn se parecia! Pelo menos, até o
flagrar me olhando toda. E, não, ele é solteiro. E determinado a continuar assim, se
entendi bem a conversa que tiveram durante o almoço.
— Sem problema, não estou atrás de um homem para casar... só para brincar
com ele um pouco.
Jane fez com a mão gestos de quem só fala.
75
— Fala, fala, fala, fala, fala.
Um pequeno sorriso curvou os cantos dos lábios de Poppy.
— Talvez, talvez não. Admita, ele parece saber como lidar com as zonas
erógenas de uma garota. — O sorriso dela ficou cauteloso. — Sem mencionar aquela
coisa perversa de monge que ele parecer ter. — Então mudou de assunto — Mas vamos
falar sobre você, Janie. Quando vai se dar o presente de um caso quente com o oh, tão
macho Dev?
O coração de Jane pulou com força.
— Eu, nunca? — disse ela, seca, dando a amiga aquele olhar o que está
brincando comigo? E tentou ignorar o fato de que, como ideia, esta lhe parecia
subitamente quase possível.
— Jane, Jane, Jane. — Poppy sacudiu a cabeça com tristeza, seu rabo de cavalo
balançando com o movimento. — O que vamos fazer com você? Porque, realmente,
você está perdendo o barco, você sabe.
Jane tentou manter a boca fechada, realmente tentou, no entanto, se ouviu dizer
lentamente:
— Engraçado você mencionar barcos. Porque parece que Devlin pretende ficar
em Seattle só até o irmão ficar bom de novo. Vai voltar para seu trabalho de marinheiro
na Europa.
— É mesmo. — Poppy observou-a longamente. — Agora, isso é interessante. Se
você alguma vez considerar ter um caso passageiro com o homem, isso lhe daria o
melhor de dois mundos, não daria? Dados os seus critérios pessoais e tudo? Podia ter a
diversão de um pouco de sexo quente e gostoso com um cara que, aposto, sabe como
agir no que se refere a mulheres... e, ao mesmo tempo, evitar a parte de amolação do fim
de um relacionamento de que você tem tanto medo.
O queixo dela se ergueu.
— Não tenho medo de nada. E, de qualquer maneira, você sabe que paixão
quente não é meu est... — Ela se calou ao se lembrar de sua reação ao beijo de Devlin.
Olhou para a amiga. Observou as unhas de perto por um momento. Por que não
ter um caso breve? Qual seria o prejuízo? Certamente, a paixão não era,
necessariamente, uma coisa ruim se tivesse uma data de validade, com regras
estabelecidas, com um começo e fim. Certo? Ora, provavelmente até a faria uma
curadora melhor. Ganharia experiência em primeira mão com a sexualidade e toda a
idiotice emocional que a acompanhava. Sem dúvida, seria bem útil para compreender os
diversos artistas com quem lidava no trabalho.
E, precisava aceitar, Devlin a afetava como nenhum homem já conseguira. Era
inteligente, tinha alguma sofisticação e Deus sabia que era sexy. E iria embora.
Difícil encontrar uma combinação melhor.
Olhou para Poppy de novo.
E disse, muito lentamente:
— Certo, sem me comprometer com coisa nenhuma aqui, entenda. Mas talvez eu
possa lidar com um pequeno caso.
76
Capítulo 12
Por que será que a Srta. A. jamais me falou sobre o closet secreto? Ava acha que
provavelmente ela havia pensado que tinha contado. De qualquer maneira, graças a
Deus por minha crise de nervos. Imagine tentar explicar a Marjorie que não tinha sido
capaz de encontrar a coleção! Eu me sentiria totalmente incompetente e desastrada!
Gordon estava prestes a mastigar pregos quando todos deixaram a mansão
Wolcott aquela noite. Preparara-se para a possibilidade de ter que esperar até Jane sair.
O que não esperara era encontrar o lugar também cheio de trabalhadores de construção.
Mas já passara de 18h, assim, por quanto mais tempo eles ficariam? Temendo
que um vizinho intrometido ficasse curioso se circulasse o quarteirão mais uma vez,
dirigiu lentamente pela rua. A mansão era facilmente visível do novo posto de vigilância
e, se abrisse as janelas, ouviria os sons da reforma saindo de um dos aposentos no
segundo andar.
Entretanto, apenas podia olhar para a mansão nos poucos segundos em que
desviava a atenção do trânsito da rua estreita, com carros estacionados dos dois lados, e
não gostava. Assim, parou no fim do quarteirão. Que diabos, ninguém parecia estar
prestando atenção nele, então parou para analisar o prédio com cuidado.
Santa paciência, o lugar era imenso. Construído no lado oeste da colina Queen
Anne, comandava uma vista ampla do Lake Union, do World's Fairbuilt Center, de
1962, com a marca central de Seattle, o Space Needle, e a região norte do centro da
cidade. A própria mansão estava em péssimas condições, especialmente quando
comparada com algumas das casas ricas do bairro. Mesmo assim, só a propriedade
devia valer uma fortuna, e um terço dela pertencia a Jane.
Não que ela lhe tivesse contado, nem a qualquer outra pessoa do museu, pelo
que sabia. Gabar-se de uma herança daquela magnitude provavelmente não era uma
coisa que se "fazia" nos círculos sociais dela. E a Srta. Perfeita era muito bem-educada;
inferno, tinha toda a educação do mundo.
Cadela nojenta.
Bem, ele era eficiente e, tendo sido criado num bairro pobre e rude, aprendera
que sempre valia a pena saber tudo sobre um adversário. Assim fizera um pouco de
pesquisa. Não que tivesse dado muito trabalho, porque, tinha que admitir, um curador
que não compreendesse o valor da pesquisa estava na carreira errada.
Gordon Ives não achava que estava na carreira errada. Claro, podia estar se
preparando para deixar o cargo de curador de museu para entrar no circuito quente do
pôquer, mas isso não significava que não era muito bom no que fazia. Na verdade, ele
provavelmente tinha mais conhecimento esotérico sobre arte e objets dárt do que a
maioria dos curadores sêniores.
E descobrira que as coleções que Agnes Wolcott doara ao Metropolitan Museum
com a condição de que Jane fosse a curadora não fora o único golpe de sorte de
Kaplinski.
Não, senhor.
Ela e suas abomináveis amigas haviam herdado o bolo todo. Uma tremenda
injustiça, era o que era. Mais uma vez o velho axioma de que os ricos atraem dinheiro
estava mais do que certo. Inferno, os ricos não ficavam apenas mais ricos, eles eram
promovidos, recebiam tratamento especial.
77
Enquanto pobretões como ele recebiam as sobras.
Sentiu-se tenso e fez um esforço consciente para relaxar o queixo, o pescoço, os
ombros. Inspirou e exalou lentamente algumas vezes para se acalmar. Virou a cabeça de
um lado para o outro, balançou as mãos. Não podia se permitir ficar fora de forma, pelo
menos não naquele exato minuto. Estava calmo, no controle de si mesmo, e pretendia
permanecer assim até terminar o que viera fazer. Poderia se soltar quando terminasse;
até então, tinha que se manter lúcido, bancar o esperto.
E, por falar nisso, deveria se mexer antes que os vizinhos o percebessem. Quem
sabia que tipo de rede havia numa vizinhança rica assim? Provavelmente, ordenavam
que suas criadas da América do Sul mantivessem seus grandes olhos castanhos abertos
24 horas por dia, sete dias na semana, para detectar estranhos em suas ruas.
Encontrou um lugar para estacionar a alguns quarteirões de distância.
Pegou sua capa de chuva Burberry, caso os céus se abrissem e a chuva
desabasse, como era comum naquela época do ano, dobrou-a cuidadosamente e
guardou-a na mochila que levara para guardar o que encontrasse. Então trancou o velho
Chevy que comprara para substituir seu lindo Lexus... um sacrifício muito lamentado,
mas necessário para se salvar dos capangas de Fast Eddy... e voltou a pé para a rua onde
ficava a mansão Wolcott.
Parou à sombra de uma antiga cerejeira na esquina e estudou o lugar. E viu que
chegara a tempo de ver três carros dando ré na pequena entrada de carros da mansão.
Sim! Já era hora! Observou os carros desaparecerem na esquina, então caminhou
pelo quarteirão. A entrada agora estava vazia. Com todo o cuidado para não demonstrar
um comportamento suspeito, como lançar olhares furtivos para ver se alguém o
observava, subiu a entrada como se a mansão fosse dele.
Momentos depois estava à porta da cozinha, e então se permitiu um olhar rápido
em torno. O pátio isolado era pequeno e a vegetação alta; a casa precisava, no mínimo,
de uma nova pintura. Mas isso não era problema dele, não estava ali como um
comprador; faria apenas um... empréstimo. Sorrindo com a própria piada, pegou uma
chave solta no bolso.
Então balançou a cabeça com desdém. Pobre Jane. Era tão impossivelmente
previsível, devia ser horrível se arrastar pela vida sem imaginação. Deus sabia que tinha
mais inteligência em seu dedo mindinho do que em todo o corpo anoréxico de Jane.
Porque, onde as mulheres guardavam suas bolsas no trabalho? Ora, numa das
gavetas da escrivaninha, é claro... onde, exatamente, encontrara a dela, na gaveta de
baixo, que deixara destrancada enquanto saía do escritório. E, como um homem com um
olhar atento para detalhes, precisara de menos de dois segundos para encontrar a chave
da mansão entre outras três em seu chaveiro.
Não que precisasse ser especialmente observador para diferenciar uma chave
nova e brilhante das outras mais antigas... quando uma delas era uma combinação de
controle remoto e chave de carro.
Também não houvera nada do estilo Agente 86 no que fizera. Não imprimira a
chave numa barra de sabão por que, um: não conhecia ninguém que soubesse fazer uma
chave a partir de uma impressão, e, dois: era, no fundo do coração, um cara que gostava
de correr riscos.
Simplesmente pegara a chave um dia em que Jane fora convidada (um
eufemismo para convocada) a discutir o progresso que estava fazendo com as coleções.
No minuto em que a vira entrar no escritório de Marjorie e fechar a porta, pegara
a chave e correra dois quarteirões até um quiosque de chaveiro no Comstock Building.
Mandara fazer uma cópia e a chave original estava de volta ao lugar bem antes que Jane
voltasse da reunião com Marjorie.
78
E ali estava ele, pronto para mudar sua sorte. Entrou pela porta da cozinha e
desativou o alarme de segurança. Respirou fundo para se acalmar e olhou em torno; não
havia muito a ver. Era apenas uma cozinha, nem reformada, nem completamente
estragada.
Certamente, não haveria barras de ouro em algum lugar, esperando para serem
roubadas. E, sendo esse o caso, não tinha a menor importância a aparência da cozinha.
Passou para o corredor.
— Estou morrendo de fome — disse uma voz feminina vindo da sala com o arco
no fim do corredor. — Vou ver se há alguma coisa na geladeira.
Gordon se pressionou contra a parede, o coração batendo tão depressa e tão alto
que se surpreendeu de não ter disparado o alarme dos carros da vizinhança.
Droga! Droga, droga, droga! Quando os carros saíram, pensara que todos haviam
saído neles. Bem, isso não era verdade, e já devia ter aprendido a não presumir coisas,
que deveria verificar antes de agir. Mas não era o momento para isso. Cada palavra que
a voz de mulher dizia lhe mostrava que estava se aproximando do corredor, onde estava
parado, atônito, como um maldito coelho apanhado pelos faróis de um carro.
Estava lascado; olhou em torno, frenético, e confirmou o que já sabia... que não
havia lugar para se esconder. Não sem cruzar o corredor de novo... e quem podia dizer
qual seria a linha de visão de alguém se aproximando do alto arco da sala ocupada?
Estes pensamentos lhe percorriam a mente à velocidade da luz, enquanto ele se
afastava vagarosamente, grudado à parede da sala ocupada.
— Você e seu apetite — disse a voz de Jane. — Se puder esperar dez minutos,
eu a levo para jantar.
— Está mesmo pensando em parar por esta noite? — A voz da outra mulher
soava surpreendida, mas graças a Deus o volume era mais baixo, como se tivesse se
virado para a sala. — Pensei que você iria dormir com sua coleção de alta-costura para
celebrar sua descoberta.
— Você é tão engraçadinha, Poppy.
O intenso alívio que Gordon sentiu foi imediatamente substituído pelo ódio às
duas mulheres que o haviam colocado naquela posição. De qualquer maneira, que tipo
de nome era Poppy para uma mulher adulta? E qual, pelo inferno, era o nome da outra
amiga de Jane, Muffy? E ela namorava homens chamados Biffi. Balançando a cabeça,
considerou que o perigo de cruzar o corredor era agora mínimo, e voltou para a cozinha.
— De qualquer maneira — ouviu Jane dizer, a voz mais fraca —, fizemos um
grande começo esta tarde e nem consigo expressar o quanto estou aliviada por termos
finalmente encontrado esse material. Não estou preparada para acampar ao lado dele,
mas, sem dúvida, estou definitivamente aliviada. Vamos pegar os itens que catalogamos
hoje e guardá-los de novo no closet. Mas não este!
— Não acabei de ouvir você dizer os itens que catalogamos hoje? — perguntou
a amiga.
— Eu sei, eu sei. — A satisfação de Jane era evidente até mesmo onde Gordon
estava. — O que quis dizer é tudo menos o Dior, é o meu talismã, e pretendo deixá-lo
aqui para admirá-lo enquanto catalogamos o resto da exposição. Devemos terminar esse
projeto bem antes de os homens começarem a reforma deste andar, assim não preciso
me preocupar com a poeira da construção.
— O vestido é, definitivamente, maravilhoso — concordou a mulher com o
nome idiota. — Vai ser um sucesso como a peça principal da exposição.
— Oh, Deus, não é mesmo? Estou tão excitada! Bem, me ajude a colocar tudo
aqui e lhe comprarei o maior sanduíche da Mamas Kitchen.
79
Enquanto as mulheres conversavam, Gordon abriu o quarto de despejo junto à
cozinha. Fazendo uma verificação rápida, calculou que era magro o bastante para se
apertar dentro dele. Só não tinha certeza se conseguiria fazer isso sem derrubar a
vassoura e o balde que estavam ali.
Ouviu as mulheres passarem pelo corredor e depois subirem a escada, então
silenciosamente cruzou a cozinha em direção à outra porta. Esta não levava ao corredor
e parecia não abrir também para o pátio. Virando a maçaneta, ele abriu uma fresta e a
porta rangeu.
Gordon ficou totalmente imóvel, exceto pela cabeça, que virou para olhar por
sobre o ombro. Nenhuma exclamação de Jane ou da amiga dela chegou até ele, não
houve barulho de pés correndo. Soltando o ar dos pulmões que nem sabia que estava
seguranço, decidiu que, o que lhe parecera alto e assustador como uma chicotada,
provavelmente nem foi registrado além da porta da cozinha, que dirá no andar superior.
Voltando o rosto para a porta, observou o espaço que havia aberto.
Huh! Levava para a lavanderia, e ele abriu a porta o suficiente para passar. Uma
vez na lavanderia, fechou a porta. Havia um closet do piso ao teto ao lado da máquina
de lavar e da de secar e, quando o abriu, descobriu que havia muito espaço para um
homem de tamanho médio, se não se importasse de se dobrar um pouco. Gordon entrou,
sentou-se no piso com os joelhos erguidos para o peito e fechou a porta.
Então esperou....
E esperou...
E esperou mais um pouco.
Pareceu muito mais tempo do que os dez minutos que vira passar no relógio,
mas finalmente ouviu as duas mulheres entrando na cozinha. Através das duas portas
pesadas que os separavam, podia ouvir apenas uma ou outra palavra de sua conversa.
Mas ouviu o bastante para perceber que estavam se preparando para sair.
Então, finalmente... finalmente! ouviu a porta dos fundos bater.
Esperou mais cinco minutos, que se arrastaram como se fossem 35, antes de sair
do closet. Ficar naquela posição, com o corpo dobrado, havia endurecido cada músculo
e junta do corpo, que gritaram de protesto quando ele se endireitou lentamente.
Encaminhou-se para a porta... então simplesmente ficou lá, a mão na maçaneta.
Era o momento da verdade. A porta era sólida e grossa, assim não havia como
saber se o cômodo do outro lado estava vazio. Mas não só a Dama Sorte geralmente o
acompanhava como sua mãe não havia criado um covarde.
Dobrou a maçaneta e, lentamente, abriu a porta, polegada por polegada. E não
encontrou ninguém na cozinha.
Ele soltou um suspiro de alívio porque, embora a Sorte fosse sua dama, de vez
em quando ela o esquecia, e não conseguia ganhar dos malditos ricos. Tinham todas as
vantagens de educação, conexões e fundos de investimentos desde que nasciam, mas
estavam satisfeitos com isso? Inferno, não. Tinham também que colocar os pés sobre os
pescoços dos pobres.
Movendo-se cautelosamente, saiu da cozinha pela segunda vez e andou na ponta
dos pés pelo corredor até a sala onde as mulheres estavam. Olhou pela fresta aberta.
Então passou pelo arco e olhou, a boca aberta de espanto.
— Uau!
O lugar era a caverna de Aladim, com pilhas e pilhas de tesouros espalhadas em
prateleiras, no chão, em estantes, em... bem em toda a superfície disponível. Havia tanta
coisa que no princípio nem soube o que examinar primeiro.
80
Maldição dos infernos; cada artigo que lera sobre a velha dama Wolcott
certamente acertara no que se referia a dinheiro. A mulher era uma colecionadora classe
A.
Mal olhou para as peças da exposição de Jane, além de observar que havia duas
araras redondas, uma das quais estava cheia de roupas de alta-costura que pareciam em
excelentes condições. Qualquer outro dia, inspecionaria cada roupa e acessório,
centímetro por centímetro, fio por fio.
Mas naquele dia tinha olhos apenas para todos aqueles objetos valiosos e
portáteis, expostos por todo o salão. Como curador, estava fascinado pelo grande
número de coleções, sem mencionar que eram completas e de excelente qualidade.
Como um homem com um machado sobre seu pescoço, viu salvação.
Sim, senhor! Sorriu amplamente; era um filho da mãe de sorte.
Adoraria levar uma coleção inteira. Por exemplo, conseguiria uma fortuna com
aquelas caixas de rapé Cairo Regency. Mas seu objetivo era evitar atrair atenção para o
fato de que coisas haviam sido levadas. A única maneira de fazer isso era se apropriar
de um item de uma coleção e outro, de outra. Quando estivesse livre do jugo de Fast
Eddy, haveria tempo suficiente para um planejamento cuidadoso para levar um butim
adicional. Viu mais de uma peça que, sozinha, poderia financiar seu próximo torneio de
pôquer.
Por algum tempo, porém, apenas andou em torno dos objetos e observou tudo.
Não tocou neles nem os quis para si mesmo, apenas os admirou.
Quase poderia desistir de seu sonho de ser um grande jogador de pôquer e ser
feliz como um curador com um salário baixo se tivesse a guarda de objetos como
aqueles. A velha dama sabia o que estava fazendo quando colecionara aquilo tudo.
Mas era realista e sabia que exposições daquele calibre sempre seriam entregues
às Jane Kaplinski do mundo: pessoas com a educação certa e as conexões certas. Caras
com educação em escolas públicas estaduais, criados em lugares como Yesler Terrace,
ficariam num distante segundo lugar aos olhos dos esnobes do museu.
Lembrando-se da tarefa a desempenhar, fez uma observação mental relacionada
a duas possibilidades, então saiu do salão para explorar mais algumas opções. Toda a
casa era um enorme pote de ouro, decidiu ele 45 minutos depois. Havia objetos de arte
inacreditáveis em cada aposento da mansão.
Pegou diversos que encontrou em aposentos no segundo andar, enrolando-os em
panos de prato que levara, guardados na mochila com esse objetivo. Sabia, porém, que o
que pegara até então não era suficiente para livrá-lo das dívidas. Por mais que preferisse
não mexer nas coleções no salão, onde Jane aparentemente passava a maior parte do
tempo e, portanto, tinha mais possibilidade de perceber se alguma coisa faltava, ali era
guardado o melhor das coleções de Agnes Wolcott.
Voltou para o térreo.
Estava escuro no salão, ou como os malditos ricos chamavam aquele espaço.
Felizmente, ficava nos fundos da casa, assim ele fechou as grandes portas e se arriscou a
acender um abajur. Então, tirou da mochila sua lanterna poderosa para inspecionar mais
de perto aqueles itens fora do alcance da iluminação da lâmpada fraca. De propósito,
começou nos lotes mais distantes do espaço em que Jane trabalhava.
Foi cuidadoso no que pegou e mais ainda em rearranjar as peças para encher os
espaços vazios deixados pelos itens que tirara. E, uma hora e meia mais tarde, achou
que já tinha o bastante para tirar Fast Eddy de suas costas de uma vez por todas.
Apagou a luz e estava a caminho da porta quando a arara de alta-costura nas
sombras lhe atraiu a atenção mais um vez. Acendendo de novo a lantera, dedicou um
momento ao estudo mais minucioso da coleção.
81
Se Jane soubesse fazer o trabalho direito, aquilo tinha o potencial para ser uma
exposição importante. Imensamente importante, reconheceu, e o ressentimento lhe
percorreu o corpo como veneno.
Por apenas um momento pensou na adaga escondida no cachimbo chinês de ópio
do século XIX, que roubara. Lembrando-se de sua lâmina estreita e afiada, pensou
ansiosamente sobre quanto dano ele poderia causar àquela coleção num minuto ou dois,
muito satisfatórios.
Seria bem-feito para ela. Ele era um curador melhor, mas ela lhe estava
roubando a carreira, puxando seu tapete. O fato de que não pretendia passar o resto de
sua vida trabalhando num museu que não lhe dava valor não a desculpava por lhe tirar
as oportunidades na subida da escada da carreira no Metropolitan. Apenas um corte aqui
e outro ali e estariam empatados de novo
Então ele suspirou, resignado, apagou a lanterna e saiu do salão. Isso não o
ajudaria a manter sua missão secreta, admitiu, fechando a porta do salão. Não
aumentaria suas oportunidades para novas excursões ao mundo das coleções da velha
dama Wolcott.
Então tinha que sair, deixar as roupas nas mesmas condições impecáveis em que
as encontrara. Mas quando terminasse aqui de uma vez por todas... Faria alguma coisa
para lascar Kaplinski definitivamente. Uma laçada onde a cadela sangrasse mais,
diretamente em sua oh tão importante carreira.
Capítulo 13
Oh meu Deus. Oh meu Deus. OH. MEU. DEUS! Quem podia saber?
Desde que Jane admitira que pensava que podia lidar com um caso, não
conseguira tirar a ideia da mente; mal conseguia pensar em qualquer outra coisa.
Talvez fosse por isso que, quando foi à cozinha da mansão alguns dias depois
para pegar alguma coisa para beber e encontrou a porta da geladeira já aberta e Devlin
diante dela observando as bebidas, ela deixou escapar:
— Quer fazer sexo sem compromisso comigo?
Imediatamente ficou quente, depois gelada, depois quente de novo. Cada reação
de autoproteção que tinha... e tinha toneladas delas... gritou em protesto, como Que
diabos está fazendo? Diabos, o que acontecera com sua habilidade de morder a língua
enquanto pensava sobre palavras inadequadas querendo sair de sua boca? Exceto
quando estava com Ava e Poppy, jamais verbalizava o primeiro pensamento que lhe
surgia na mente. Não senhor, considerava cuidadosamente todas as ramificações, pesava
as conseqüências, media as...
Devlin soltou a garrafa de água que acabara de pegar e se ergueu lentamente,
fazendo seus pensamentos saírem dos trilhos. Com o coração disparado, Jane queria
intensamente correr enquanto ele se virava para ela, mas o orgulho manteve seus
sapatos de plataforma Beverly Feldman pregados no piso.
82
Ele fechou a porta da geladeira com uma forte batida e foi como se um longo
momento subitamente atingisse a velocidade da luz. Ele olhou para ela, o rosto
impassível, os olhos quentes.
— Pegue seu casaco.
— O quê? Oh! — Ela pôs um pé em cima do outro e cruzou os dedos nas costas.
— Não quis dizer neste minuto.
— Eu quero. Venho pensando nisto desde que você me deu Aquele Olhar na
noite em que nos conhecemos. Aquele antes de você me dar um gelo.
Ela adoraria poder perguntar que olhar?
Mas sabia. Era o que uma mulher dava a um homem quando estava interessada
nele, e não podia negá-lo. Tinha havido uma fagulha, uma química explosiva desde o
primeiro momento em que pusera os olhos nele. Tentara esquecê-lo quando percebera
que estava bêbado, mas não podia negar o fato de que existira. Mesmo assim, disse, a
voz fraca:
— Não, você não pensou.
— Oh, sim, pensei, e agora que fui convidado a fazer todas as coisas que
imaginei fazendo com você não vou me arriscar a deixar que mude de ideia. — Deu
dois passos enormes e passou dedos calejados, esfriados pela garrafa gelada que estivera
segurando, em torno da cintura dela. — Vamos.
Ela gaguejou um protesto, mas percebeu que o seguia de perto enquanto ele
caminhava com passos grandes até o corredor. Ele parou ao pé da escada.
— Finn!
Uma serra silenciou.
— Fala.
— Vou sair e demorar algum tempo.
— O diabo que vai! — Houve o som de alguma coisa caindo, então o barulho de
passos pesados no corredor do andar superior. — A argamassa que estamos esperando
vai chegar amanhã, o que significa que David, Bren e eu temos que voltar para o
trabalho do Morris. Ainda temos muito trabalho para terminar aqui, irmão, e...
A voz estava chegando cada vez mais perto e mais irritada a cada passo pesado
das botas, mas parou abruptamente quando Finn chegou ao alto da escada e olhou para
eles. Sua postura, até então agressivamente tensa, relaxou e ele olhou a mão de Dev
segurando o pulso de Jane. Então seu olhar subiu para o rosto dela, onde sem dúvida
percebeu o rubor que lhe queimava a pele do pescoço à testa.
— Huh! — Um leve sorriso ergueu os cantos da boca de Finn. — Tudo bem,
então, vejo você mais tarde. — Uma tempestade de protestos emergiu do solário, mas
Finn apenas disse: — Cuido disso — enquanto voltava pelo corredor. — Dev precisa
levar Pernas para uma cavalgada. — Ele desapareceu da vista, mas sua risada chegou
até eles, alta e clara.
— Oh, Deus! — Ela tentou tirar os dedos que a seguravam levemente pelo
pulso. — Essa ideia foi muito ruim.
— Não, não foi. — Os dedos não apertaram, mas também não a libertaram. —
Provavelmente, foi uma de suas mais excelentes ideias. — Ele seguiu em direção ao
salão e ela trotou atrás dele.
— Não se seus irmãos vão ficar fazendo piadas sobre isso. Dentro do salão, ele a
soltou e olhou em torno.
— Finn não é do tipo de beijar e contar — disse ele, distraído, enquanto dava
alguns passos, primeiro, numa direção, depois, em outra. — E sua brincadeira sobre a
cavalgada foi apenas um modo de me fazer saber que ele sabe. Mas garanto que não vai
contar nada a Bren e David. Aqui. — Ele pegou o casaco da armação que ela havia
83
enchido apenas pela metade no inventário daquele dia e jogou-o nos braços dela. Então
abaixou a cabeça e, tocando-a apenas com lábios leves, beijou-a.
Um barulho branco lhe encheu o cérebro e ela esqueceu tudo sobre o senso de
responsabilidade que despertara de novo ao ver a armação apenas cheia pela metade.
Jane suspirou, os lábios afrouxaram e se abriram sob os dele. Devlin a recompensou
passando a língua sobre seu lábio inferior, saboreando-a por um momento leve e breve
demais.
Então, lentamente ele levantou a cabeça, recuou e olhou-a através de pálpebras
pesadas. Seus olhares se prenderam pelo espaço de uma batida de coração. Duas. Então,
simultaneamente, eles emitiram um som de anseio profundo na garganta e as mãos dele
se estenderam para lhe emoldurar o rosto. Cada um deu um passo à frente e Jane soltou
o casaco que estava em seus braços para estendê-los para ele. Seus corpos colidiram
antes que o casaco chegasse ao chão.
A boca de Dev devorou a dela. O beijo foi todo velocidade e umidade e pressão
forte e urgente, e deixou Jane vazia de tudo que não fosse luxúria e necessidade. Estava
apenas vagamente consciente de ser empurrada para trás até seus ombros pressionarem
a parede, percebeu apenas de leve que sua perna direita, como se tivesse vontade
própria, imediatamente roçou a coxa dele para se enganchar em torno do quadril. O
casaco solto entre eles era uma barreira que o impedia de se esfregar nela tão
intimamente como ela queria, e seus movimentos inquietos nas mangas soltas não
tinham impacto. Mas não havia muito que ela pudesse fazer para consertar as coisas.
Não quando não suportava o pensamento de se afastar para se livrar do casaco.
Ele afastou a boca da dela.
— Ou é aqui, agora, com meus irmãos lá em cima — disse ele, sem fôlego —,
ou na privacidade do meu apartamento, que não fica longe. — Afastando-se, ele pegou
o casaco dela e abriu-o, um convite para ela vesti-lo. — O que vai ser, Jane, meu
controle está por um fio.
Ela vestiu o casaco, tirou os cabelos de dentro da gola, e agarrou a bolsa. Mas
quando chegaram à entrada de carros um momento depois, Devlin parou.
— Filho da mãe! — rosnou.
— O quê? — Ela piscou, confusa por sua raiva súbita. Então uma ligeira
inquietação a tomou, enquanto o ar úmido do outono começava a dissipar os vapores da
luxúria. O que estava fazendo?
— Não vim de carro hoje... Finn me pegou quando veio. — De quem diabos é
este CR-V?
— Meu, e bem-satisfeita fiquei, também, de encontrar uma vaga na entrada.
Geralmente, quando chego, você e seus irmãos já ocuparam todo o espaço disponível.
— Boneca, este é seu? — Um sorriso lento, torto, lhe curvou os lábios e os olhos
brilharam, mais verdes do que castanhos. — Como você foi brilhante em ter
estacionado bem no final, de onde podemos tirá-lo sem ter que esperar que alguém saia.
Me dê as chaves.
— Esqueça, meu carro, minhas chaves, eu dirijo.
Ele enganchou uma das mãos na nuca de Jane e puxou-a para mais um beijo.
Quando ergueu a cabeça, ela passou os braços em torno do pescoço dele e se comprimiu
contra ele, do peito aos joelhos.
— Conheço todos os desvios para meu apartamento — murmurou, usando o
polegar para limpar a umidade deixada no lábio inferior de Jane. — Posso chegar lá
mais depressa.
Ela lhe jogou as chaves, mas estreitou os olhos para ele.
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— Nem comece a pensar que, cada vez que discordo de você, pode me beijar
para mudar minhas opiniões.
— Não, senhora, nem sonharia em fazer isso. — Abriu a porta para ela. Ela
entrou, mas virou a cabeça para olhar para ele antes que pudesse fechar a porta.
— Porque dois podem jogar esse jogo, você sabe. Ele afastou uma mecha solta
de cabelo do rosto dela.
— Não estou tentando manipular você, Jane, estou apenas tentando levar você
para minha cama pela rota mais curta.
— Só para você saber.
— Devidamente avisado. — Ele fechou a porta e contornou a frente do SUV.
Não conversaram muito enquanto ele dirigia pelo bairro Queen Anne e tomava a
direção de Belltown, mas a atmosfera dentro do veículo estava densa de consciência
sexual. Num dado momento, ele estendeu a mão e llie acariciou a coxa.
— Você compreende que vou voltar para a Europa quando Bren ficar bom,
certo?
— Sim. — Ela limpou a garganta, então uma risada com um toque de histeria
lhe escapou. — Estou contando com isso.
Os dedos dele lhe apertaram a coxa por um segundo quando ele desviou os olhos
da rua para olhar rapidamente para ela.
— Ouch.
Duvidava que ele quisesse saber da estranha mistura de curiosidade e medo que
estava experimentando por causa dessa aterradora, excitante paixão que ele despertava
nela.
— Preferia que eu ficasse toda pegajosa e exigente?
A careta rápida de Dev a fez rir de novo, dessa vez com cautela.
— Achei que não.
Chegaram ao apartamento de Devlin, na parte norte de Belltown, alguns
momentos depois. Ele a acompanhou do carro até o elevador da garagem e dele até a
porta de seu apartamento no terceiro andar.
Ajudou-a a tirar o casaco e se virou para pendurá-lo no closet do hall; Jane se
dirigiu para a sala de estar e tentou acalmar os nervos. A sala era quase vazia, com
apenas uma poltrona e um sofá que pareciam ter sido resgatados do porão de alguém.
Ao lado do sofá havia uma mesa pequena com um abajur. Um pequeno aparelho de
televisão antigo estava numa estante composta de quatro blocos decorativos que
apoiavam duas prateleiras baratas.
Devlin se juntou a ela e Jane tirou os olhos do quebra-cabeça Sudoku, exposto
na mesa que ficava no extremidade da sala, e olhou para ele.
— Seu estilo de decoração é muito... econômico. — Ele riu.
— Quando soube do problema de Bren, estava levando um iate de Marselha para
Atenas. Ainda precisava navegar dois dias e não podia pular do navio, assim o levei até
o porto e o entreguei ao dono, e não quis perder tempo voltando ao meu apartamento em
Palermo para pegar minhas coisas. Cheguei aqui com o equipamento que tinha no
barco. — Deu de ombros. — Não que traria muita coisa, de qualquer maneira. Partilho
o apartamento com um cara que faz o mesmo trabalho que eu e, como nenhum de nós
fica muito tempo em casa, também é bem vazio. É melhor do que isto, mas não muito.
— É bem diferente do meu estilo de ninho — admitiu ela. — Tenho coisas no
meu apartamento, muitas coisas. — A maioria, coisas que tinham significado para ela,
ou lembranças. — Não vejo nada pessoal aqui.
— Nunca fui de juntar coisas materiais... meu estilo de vida é cigano demais
para carregar muito mais do que o básico. Mas venha comigo e lhe mostrarei alguma
85
coisa pessoal. — Ergueu as sobrancelhas negras. — Uma coisa de que vai gostar. —
Tomou-lhe a mão e levou-a para o que só podia ser o quarto de dormir.
— E essa alguma coisa é um item que o acompanha para todo lugar que vai? —
perguntou ela, seca. Estava surpreendida, por que esperava que a abordagem dele fosse
mais suave, mais sofisticada. Mesmo assim, estava contente de estar se movimentando,
de ter as mãos dele nela de novo por que não pensava muito quando ele a tocava.
— O quê? — Ele parou e olhou para ela. — Oh, droga, você pensou que eu quis
dizer... — Jogou a cabeça para trás e riu, uma grande e gostosa gargalhada. Então a
agarrou e lhe deu um abraço de quebrar costelas e a ergueu do chão. Controlando-se, ele
a soltou e deu um passo para trás, mas segurou-lhe os ombros e sorriu para ela. — Você
pensou que estava me referindo ao meu membro?
Ela tentou não se contorcer, mas não havia esperança nenhuma de seu rosto não
estar vermelho. Podia senti-lo pegando fogo.
Os lábios dele se moveram, mas, firmando-os, ele lhe deu um olhar solene.
— Gosto de pensar que tenho um pouco mais de elegância do que isso. —
Passou o braço em torno dos ombros dela e levou-a para o quarto, que era tão pouco
mobiliado como o resto do apartamento. Passou pela cama sem cabeceira e parou junto
à cômoda, de onde pegou um porta-retrato.
— Sei o quanto gosta da ideia de grandes famílias — disse ele, entregando-o a
ela. — isto foi tirado na noite em que cheguei em casa. Minha tia Eileen tirou a foto e
minha mãe e Hannah compraram o porta-retrato e me deram.
— Oh, meu Deus! — Ela olhou para a foto de um grupo de pelo menos 25
pessoas. — Você é parente de todas essas pessoas?
— Boneca, esses são apenas os que não tinham outros planos. Acomodando-se
atrás dela, estendeu um dedo para mostrar um casal que parecia estar na casa dos 60
anos. Seu hálito era quente em sua orelha quando disse:
— Esses são minha mãe e meu pai. A dama pequena ao lado de minha mãe é
minha avó Hester, e essa é minha avó Katherine... de quem minha irmã Kate herdou o
nome... e meu avô Darragh. Essa aqui é Kate. Você já conhece Hannah, e essa é minha
irmã Maureen e o marido dela, Jim. — Ele virou a cabeça para lhe dar um beijo de boca
aberta no lado do pescoço. — A ruiva ao lado dela é tia Eileen...
— A que tirou a foto — disse ela, sem fôlego, para mostrar que estava prestando
atenção. Mas podia sentir seus ossos se desmanchando e tremores lhe percorriam a
espinha. — Espere um minuto, como pode estar na foto se a tirou? — Está vendo?
Conseguia pensar.
— Usando um timer na câmara. O casal ao lado dela são minha tia Mag e tio
Ciem.
De alguma forma, Jane se agarrou ao porta-retrato, mas Dev continuou a
destacar cada nova identidade que revelava com um beijo no pescoço, na nuca ou no
lóbulo da orelha, e ela perdeu a noção de quem eram diversos tios e tias, primos,
sobrinhas e sobrinhos. Também desistiu de se manter rija e se recostou nele. Com os
saltos, apenas algumas polegadas os separavam em altura, e sua ereção pressionava-lhe
o traseiro. Ela começou a mover os quadris numa oscilação sutil, roçando o traseiro no
sexo rijo e longo.
Ele respirou fundo e seus dentes se fecharam no lóbulo da orelha dela.
— Eu lhe disse que acho seus sapatos muito sexy? Para alguém que se veste
como uma bibliotecária quase todo o tempo...
— Não me visto! — Ela se afastou ligeiramente, virando a cabeça para trás para
olhar para ele. — E pensar em termos de estereótipos apenas mostra sua ignorância,
Kavanagh. Esteve numa biblioteca recentemente?
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— A voz era cheia de desdém brincalhão. — Você sabe ler, não sabe?
Ele a puxou contra ele de novo e apertou os braços em torno de sua cintura para
prendê-la.
— Quero que saiba que me formei com louvor... e com muito orgulho.
— Deu-lhe um sorriso que lhe amoleceu os músculos das coxas, então abaixou a
cabeça para o pescoço dela de novo. — Mas, certo, não vou mais comparar seu estilo
com o de bibliotecárias solteironas. — Os lábios viajaram pelo lado do pescoço até o
queixo, então voltaram para a orelha. — Mesmo assim, tem que admitir que ninguém a
confundiria com uma stripper.
— Oh, Deus, e aqui estava eu esperando que algum dia alguém o faria.
— Bem, está certo, poderia acontecer... se passassem por todo o preto e marrom
e o creme ocasional para olhar bem para seus pés. Seus sapatos são quentes e suas
calcinhas incendiárias. De que cor ela é hoje, minha não tão reprimida Jane? Gosto
daquela vermelha.
— Branca — mentiu ela prontamente —, feita de algodão, do estilo vovó.
Ela sentiu a risada dele penetrar sua orelha.
— Aposto 100 pratas como não é.
Ela colocou o porta-retrato de volta na cômoda e se virou nos braços dele.
— Você ganharia — sussurrou. Então, passando os braços em torno do pescoço
dele, beijou-o com todo o desejo que se apossara nela nos últimos cinco minutos.
No momento em que seus lábios se encontraram, foi como a história se
repetindo. Como em todas as outras vezes em que haviam se tocado, a mente de Jane
ficou vazia e a libido se levantou e rugiu como um gato selvagem. Com um salto, ela
envolveu os quadris de Dev com as pernas e cruzou os calcanhares em suas costas, os
saltos dos sapatos pressionando os músculos rígidos do traseiro dele.
O quarto girou e de repente ela estava deitada na cama com 90 quilos de macho
excitado em cima dela. Olhos da cor de avelã queimavam os dela.
— Mais um beijo e então vou desembrulhar você de todo esse negro — disse
ele, a voz áspera, e ela não sabia se era uma ameaça ou uma promessa. Antes que
pudesse decidir, Devlin apertou-a contra a colcha com os braços e as pernas e,
abaixando a cabeça, lhe tomou a boca.
O beijo foi lento e profundo, e ela mergulhou num mundo quente e rico, cheio de
sabores e texturas. Ela lhe prendeu o lábio inferior com os dentes e era firme e cheio
quando roçou os dentes sobre ele, flexível quando os puxou para dentro da boca. O
lábio se esticou enquanto ele lentamente erguia a cabeça e, quando sorriu, ela sentiu a
mudança do formato. No segundo seguinte, o lábio se libertou.
Abaixando a cabeça alguns centímetros, ele usou aquela boca habilidosa,
perversa, no pescoço dela de novo, mas, dessa vez, ele percorreu um caminho para
baixo. As mãos dela se misturaram nas mechas frias dos cabelos ruivos e ele parou na
cavidade do pescoço para olhar para ela. Apoiando-se nos cotovelos, ele passou os
dedos sob a abertura do suéter preto de cashmere.
— Isso tem que sair. — Ele o puxou até os ombros, então virou-a para tirá-lo
pela cabeça. Ajoelhou-se sobre o corpo dela, fingindo que era enorme a dificuldade para
se livrar de uma peça de roupa. — Cara, isso é um trambolho, nunca encontrei uma
mulher que se dá tanto trabalho para se esconder atrás de roupas como você. — Jogou o
suéter para o lado e abaixou a mão para traçar com um dedo o decote alto, sem gola, da
blusa de seda. O rosto concentrado, abriu um botão e revelou um pequeno triângulo de
carne. — Você tem a pele mais linda — disse ele, tocando o ponto descoberto com a
ponta do dedo. — Por que a cobre toda? — Dedicando-se de novo à tarefa, libertou
outro botão, então mais um.
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— Para evitar situações como esta — explicou ela, então se assombrou consigo
mesma. Apenas com Ava e Poppy ela dizia as coisas sem primeiro medir as palavras.
Mas, desde que conhecera Devlin, tinha dificuldades em se censurar quando conversava
com ele.
— Gostaria de saber o motivo disso algum dia, mas não neste min... —
Terminou de desabotoar a blusa e abriu. — Azul — disse ele, sem fôlego, passando
dedos reverentes sobre as pequenas borboletas bordadas no sutiã.
— Aqua.
— Sou um cara, doçura... não conhecemos cores de fantasia. — Roçou a palma
da mão sobre o seio dela e apertou gentilmente. — Mas, maldição, gosto de sua
lingerie!
Um toque da mão áspera em seu seio... mesmo com o tecido os separando. .. e a
conversa ficou além da capacidade dela. Arqueou ao seu toque. Os seios podiam ser
pequenos... certo, não havia problema com isso, eram pequenos. Mas não havia nada de
diminutivo em sua sensibilidade. Esta era imensa, mortalmente imensa, e Devlin parecia
ser um homem que sabia como despertar aquela sensibilidade.
Não tinha certeza sobre como se sentia sobre isso, já que a única pessoa que os
tocara em um longo, longo tempo, tinha sido ela. E, de modo geral, gostava disso
assim... significava que tudo estava sob controle. Mas ele a ergueu do colchão para
desabotoar o sutiã e tirá-lo, e seus mamilos imediatamente pularam para ele, como
filhotes ansiosos por atenção.
E ele também não hesitou em dá-la a eles. Segurando os mamilos rijos entre os
polegares e o indicador, ele apertou gentilmente.
Ela não reconheceu o som desesperado que lhe saiu da garganta e, em
circunstâncias comuns, teria ficado tremendamente constrangida. Agora, não conseguia
se incomodar. Não quando as sensações corriam de seus mamilos para um lugar
profundo entre as pernas, fazendo-a arquear as costas sobre a colcha e as pernas se
abrirem, inquietas.
Devlin praguejou baixinho, acariciou de novo os mamilos, então soltou-a para se
ajoelhar; arrancou a camisa sobre a cabeça, jogou-a para o lado e deitou-se sobre ela,
todo pele quente e músculos rijos enquanto a afundava ainda mais no colchão.
Escorregou para baixo pelo corpo dela, o peito roçando os mamilos sensíveis até
descansar o rosto em seu ventre. Segurando um seio numa das mãos, tomou o outro
mamilo na boca e sugou.
Ela observou-lhe o rosto tenso, sentiu a sensação lhe chegar ao útero e fez aquele
pequeno som de novo. Enfiou os dedos nos cabelos dele e manteve-lhe a cabeça no
lugar. Então tentou afastá-lo, quando as sensações se tornaram intensas demais para ela
suportar.
— Oh, por favor — sussurrou —, por favor, por favor, por favor.
— Cristo. — Dev olhou para ela e viu o rubor lhe tomando todo o rosto, o desejo
tornando suas pálpebras pesadas. Sentiu o pequeno volume do seio em suas mãos, o
mamilo rijo lhe roçar o palato sob a pressão firme da lingua. E quase teve um orgasmo
dentro do jeans como um adolescente fazendo sexo pela primeira vez com a garota de
seus sonhos.
Jane certamente precisava de um aviso de perigo para homens pregado nela.
Porque, Deus tivesse piedade. Então, o que você pensou, que o modo como ela se veste
indica seu fator de paixão? Roupas não têm relação nenhuma com a sexualidade de uma
mulher, nenhuma. E ele não tinha entendido nada, aprendia devagar porque, embora o
fato pudesse ser evidente, pegou-o de surpresa de novo, ao sentir aquela mulher se
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contorcer debaixo dele enquanto fazia aqueles sons baixos no fundo da garganta, um
som sexy que lhe dizia me tome.
Relutante, ele libertou o doce mamilo, que parecia o detonador pessoal de Jane, e
se afastou para se ajoelhar sobre suas pernas. Estavam abertas, e ele estreitou os joelhos
em volta da parte externa das suas coxas para fechá-las de novo. Observou os quadris
dela se erguerem e roçarem na colcha enquanto desabotoava a calça dela e descia o
zíper. Cara, ela o estava matando.
— Levante-se, doçura.
Ela se ergueu e ele puxou a calça por suas coxas, revelando a calcinha que
combinava com o sutiã. Antes de tirar-lhe totalmente a calça, parou para passar o
polegar sobre os pelos macios cobertos pelo cetim azul.
— Dev? — A voz dela se ergueu um pouco e suas coxas nuas comprimiram com
força os joelhos que as mantinham fechadas.
Ele xingou e lhe arrancou a calça. Felizmente eram calças largas, por que se
esquecera dos sapatos. E, diabo, ela era uma coisa de louco usando apenas uma calcinha
minúscula e aquelas sandálias de saltos altos, com tiras que se fechavam nos tornozelos.
Cerrando os dedos em torno dos tornozelos, ele os ergueu no ar e puxou,
fazendo-a escorregar pela colcha e para cima de seus joelhos. Abrindo-lhe as pernas,
puxou-a para suas coxas e debruçou-se sobre ela, até que seu membro, esticando o
tecido do jeans, roçou o V sob aquela linda calcinha.
Ela arqueou com o contato, mas ele viu que a tinha num ângulo impossível de
manter; sentou-se sobre os tornozelos e a puxou até ela ficar com as pernas abertas
sobre ele. Imediatamente, ela cruzou os tornozelos nas costas dele e juntou os seios ao
peito dele.
— Ooh!
Sem brincadeira. Ele passou as mãos nas costas nuas de Jane, então desceu-as
para lhe segurar os quadris arredondados e embalou-a sobre seu membro.
— Dev precisa levar Pernas para uma cavalgada.
O sorriso dela foi uma expressão que ele jamais vira em seu rosto. Aquela Jane
não ficava constrangida ao ouvi-lo repetir a brincadeira de Finn. A Jane parecia sensual
e conhecedora.
E isso foi antes que uma risada rouca lhe balançasse o peito.
— Jane é a que vai usufruir da cavalgada de Dev, cara — informou ela.
Plantando os sapatos no colchão ao lado dos quadris dele, ela ergueu e , baixou os
próprios quadris um milímetro. Era lenta e meticulosa, e seu ritmo ameaçava
enlouquecer os dois.
Os quadris de Dev começaram a se agitar, lentamente a princípio, então mais
depressa e com mais força até ele a erguer alto e então abaixá-la com as mãos lhe
segurando os quadris para mantê-la junto dele.
— Não consigo continuar mais com isso — resfolegou Dev —, tenho que
penetrar você.
— Boa ideia. Odeio admitir, mas minhas pernas já não suportam mais.
Rindo, ele os rolou na cama, beijou-a rudemente, então se afastou para o lado
para ficar de pé ao lado da cama, para tirar as botas, as meias e o jeans.
— Adoro a calcinha — disse ele, observando enquanto ela se erguia nos
cotovelos, as pernas abertas sem um mínimo de autoconsciência e os mamilos rosados
apontando para ele como pequenos mísseis carregados e sinalizando alto e claro venha
me pegar. — Tire-a.
— Tire você a cueca.
89
Ele enganchou os polegares na cintura da cueca boxer e desceu-a até o ponto em
que a gravidade pudesse terminar o trabalho.
— Oh, uau! — Sem tirar o olhar do membro rijo de Dev, que havia pulado livre
e apontava para ela como se ela fosse o ímã e ele o ferro, ela se sentou para remover a
calcinha. Passou a língua nos lábios e olhou para o rosto dele.
— Desculpe, sei que estou encarando, mas é que... faz algum tempo que não
vejo uma coisa assim.
O membro de Dev balançava como uma dançarina de hula hula e ele o segurou
para mantê-lo imóvel.
— Boneca, eu mesmo estou encarando. — Um metro e sessenta de pele
impecável, ruborizada e coberta com coisa nenhuma a não ser um par de sandálias sexy.
Olhos azuis e brilhantes, cabelos escuros e sedosos que lhe cobriam o ombro direito e
pelos que lhe enfeitavam o sexo de uma forma oh tão Jane! — Devia ficar nua mais
vezes. Fica muito bem. Ela lhe deu um sorriso provocante.
— Aposto que diz isso a todas as mulheres.
Na verdade... jamais dissera; tivera encontros com muitas mulheres e
provavelmente algumas tinham corpos mais espetaculares. No entanto, cada uma se
vestia para destacar seus atributos, não houvera surpresas. Jane era toda surpresas e
olhar para ela o fez acariciar lentamente o próprio membro. Nem se dera conta do que
fazia até o olhar dela se dirigir para a ação.
Olhou de volta para o rosto dele, dobrou um dedo e mexeu-o.
— Venha cá.
Ei, ninguém precisaria convidá-lo duas vezes. Segurou-se com dificuldade para
não mergulhar em cima dela. E o fato de que sentira a necessidade de se segurar o fez
parar. Ela é uma iniciante e você já rodou bastante, sussurrou seu ego; vai deixar que ela
o controle pelo sexo?
Inferno, não.
Deitou-se ao lado dela e começou a demonstrar quem era o chefe. Exibiu toda a
sua habilidade, beijando-a até ela arquejar, tocando-a até ela gemer.
Mas estava enganando a si mesmo se pensava que era o mestre sedutor ali.
— Oh, Jane — sussurrou, segurando-lhe o lóbulo da orelha entre os dentes
enquanto os dedos desciam pelo ventre sedoso em direção ao atraente me-toque monte
de pelos entre suas pernas. — Você acaba comigo, é tão honesta, tão destemida. —
Passou a ponta do dedo entre os lábios do sexo e observou o azul dos olhos ficar opaco
enquanto a penetrava preguiçosamente com o dedo, num movimento lento e sensual —
quente.
— Oh, Deus, Dev! — A cabeça dela afundou na colcha e os quadris se mexiam
sob sua mão. — Por favor, você não...
Ele lhe roçou gentilmente o clitóris.
— O que quer que eu faça, Janie? — Ouvira suas amigas chamá-la assim e o que
antes achara totalmente errado agora via que era absolutamente certo.
— Ponha isto... — A mão dela se estendeu para abarcar-lhe o membro. — dentro
de mim, agora, sim?
— Você comanda. — Por que, seria estúpido discutir. Mais dois minutos com a
mão dela nele e explodiria como um foguete.
Libertando-se dos dedos dela, ele rolou para o lado da cama e um segundo
depois já estava rasgando uma embalagem do preservativo e colocando-o com
eficiência.
90
Voltou para ela, deitou-se sobre seu corpo e recomeçou a levá-la ao estado de
excitação em que estivera quando ele se afastara para cuidar de negócios. Não levou
muito tempo. Estava começando a perceber que Jane era dinamite.
Lambeu-lhe os mamilos e mergulhou o dedo no doce calor entre suas pernas,
abrindo a palma sobre o monte de vênus. Seu dedo ficou molhado e sua paciência
implodiu. Afastando a mão, ajoelhou-se entre as pernas abertas, se insinuou entre elas e
penetrou-a de leve, devagar.
Jesus. Era escorregadia e molhada, e tão apertada; olhou para ela.
— Janie.
Os olhos dela, que estavam embaçados e fora de foco, lentamente se
centralizaram nele.
— Hmm?
— Quero que saiba que sou completamente saudável.
— Certo. — Ela ergueu as pernas sobre os quadris dele, o que fez o membro
avançar mais alguns centímetros dentro dela. — Eu também.
Como se tivesse ocorrido a ele que fosse de outra maneira. Antes que pudesse
decidir se mencionava isso ou não, ela plantou os pés no colchão e se empurrou contra
ele, fazendo-o mergulhar ainda mais profundamente naquela caverna de delícias.
A respiração explodindo de seus pulmões, ele a penetrou completamente.
Quando o pescoço de Jane arqueou e um som de apreciação lhe saiu da garganta num
suspiro trêmulo, ele recuou, então penetrou-a de novo.
— Oh! — As mãos dela prenderam-lhe os bíceps, as unhas curtas mergulharam
na carne e ela olhou para ele com as sobrancelhas cerradas; ele temeu ter sido apressado
demais, rude demais. Mas os quadris dela se contraíram quando ele começou a se retirar
e ela os jogou para cima para encontrar a nova investida que ele tentou, sem sucesso,
tornar mais suave.
— Cheia, Deus do céu, eu me sinto tão cheia — arfou Jane.
— Demais? — Ele recuou; diga não, diga não, diga não. Porque, que os santos o
ajudassem, não tinha certeza se podia fazer a coisa certa e parar.
— Uh-uh. — Ela passou a língua no lábio inferior. — Quero mais. — E ele
enlouqueceu. Devia ter considerado sua relativa inexperiência e manter as coisas gentis,
mas em vez...
Ele mergulhou os dedos dos pés no colchão, se apoiou nas palmas e martelou-a
com investidas longas, rijas. Olhando para o ponto onde se uniam, ele se viu sair quase
inteiramente de dentro dela, então mergulhar de novo, sair e mergulhar. Então olhou o
rosto de Jane.
Estava vermelha, as pálpebras pesadas enquanto o olhava também.
— Oh meu Deus, oh meu Deus, oh meu Deus — arquejou, enquanto erguia os
quadris como estivera fazendo o tempo todo, acompanhando-o em cada movimento,
com a mesma paixão, a mesma intensidade, a mesma ânsia. — É... tão ... bom.
Ele dobrou os cotovelos e abaixou a cabeça para beijá-la.
— É bom sentir você — disse ele quando ergueu a cabeça de novo. — Tão
quente e apertada e... maldição, Jane!
Ela pulsou em torno dele... uma contração forte, rápida... e ele se obrigou a
diminuir o ritmo para lhe dar mais sensação.
— É isso aí, boneca, tenha um orgasmo para mim. Tenha um orgasmo para mim,
Janie. — Dobrando as costas para lhe alcançar o seio, sugou gentilmente um mamilo.
Ela explodiu, contrações depois de contrações massageando-o, empurrando-o,
tentando fazê-lo ter o próprio orgasmo.
91
— É isso, Deus! — Soltando a rédea curta que impusera a si mesmo, sentiu os
testículos enrijecerem enquanto seus quadris se tornavam mais velozes de novo. Os
pequenos espamos pós-orgasmo de Jane continuavam a atraí-lo e ele se viu perdido,
perdido, perdido.
Sem noção de mais nada, a não ser de sua ansiedade pelo alívio, ele mergulhou
fundo em Jane e jogou a cabeça para trás, os dentes cerrados contra o uivo que se
formava em sua garganta quando o mundo em torno dele subitamente ficou vermelho.
Ele explodiu em pulsações contínuas, quentes, abaladoras.
Minutos ou talvez um século depois ele caiu em cima dela.
— Deus todo-poderoso! — suspirou, e sua voz parecia passar por uma garganta
cheia de areia.
Passou os braços em torno de Jane e cuidadosamente a aninhou junto a ela. Um
dos braços dela escapara de seu abraço e estava jogado, sem forças, os dedos curvados,
sobre a colcha.
— Estou impressionado de você não fazer isso 24 horas por dia — disse ele. —
Você foi feita para o sexo.
— Oh, sim — concordou ela sem abrir os olhos. Parecia ter cavalgado além de
suas forças e abandonada molhada e quase sem vida. — Sou uma maldita máquina de
fazer amor.
Capítulo 14
O que eu sou, um ioiô? Dev devia ter se decidido por um comportamento e se
firmar nele.
— Desculpe por ter feito você sair da cama no minuto em que terminei.
Jane olhou para Devlin, que estava ocupado verificando o espelho lateral e
trocando de pista. Sentiu a cor lhe tomar o rosto.
— Eu não diria exatamente no minuto em que terminou — murmurou ela.
Depois que ele se recuperara o suficiente para sair de cima dela, na verdade, ele a
abraçara por pelo menos dez minutos, silenciosamente lhe penteando os cabelos com os
dedos, acariciando-lhe as costas e dando-lhe pequenos beijos na testa, nas bochechas,
nas têmporas e no nariz. Ela se sentira cuidada e segura. Provavelmente, era melhor não
pensar nisso, porém, já que uma sensação de segurança não era uma coisa com a qual
podia se dar o luxo de se acostumar. — E, honestamente, compreendo, ouvi o que Finn
disse antes de sairmos... seus irmãos precisam de você na mansão.
Ele fez um som sem compromisso e, sentindo-se um pouco enervada pelo longo
silêncio, apressou-se a preenchê-lo.
— Ei, eu também tenho um prazo, assim está bem para nós dois.
Na verdade, estava um pouco aliviada. Por que, o que se dizia depois de um sexo
apocalíptico? Sua opinião de uma atividade que sempre considerara superestimada fora
completamente modificada. Não sabia como agir, muito menos como falar sobre o
92
assunto. Assim, não era um pouco tolo se importar por Dev não estar fazendo nenhum
esforço para conversar?
Continuaram em silêncio o resto da viagem até a mansão. Depois que entraram
pela porta da cozinha, Jane estava mais do que disposta a ficar sozinha e, deixando
Devlin para lidar com o código do alarme, seguiu depressa pelo corredor em direção ao
salão.
Ele lhe segurou o braço pouco antes de ela entrar no aposento.
— O que foi? — perguntou ele, zangado, entregando-lhe as chaves do carro. —
Não pode esperar para tirar minha poeira dos seus sapatos?
— Você não foi exatamente o Sr. Conversador e presumi que queria sua poeira
tirada.
Olhou para a mão calejada em sua manga de seda e apenas quis entrar no salão,
fechar as portas e mergulhar nas coleções da Srta. Agnes. Sabia o que estava fazendo
com elas, ao contrário daquele negócio novo para ela de relacionamento. Sim, ela
compreendia que não era um relacionamento verdadeiro, apenas uma aventura rápida e
quente, aqui um dia, desaparecida no seguinte. Mas, ainda assim, deveria haver alguma
espécie de manual para orientar uma garota. Por tudo o que sabia, a última hora e meia
podia ter sido tudo.
Talvez devesse se afastar graciosamente.
— Eu estava calado? — murmurou ele, aproximando-se. — Provavelmente
porque fiquei abalado por esta tarde e me perguntando quando veria você de novo.
— Oh! — O mal-estar desapareceu. Certo, então não fora uma aventura de uma
vez só. Ótimo — Hum... você poderia ir ao meu apartamento amanhã à noite, se você
quiser.
Ele se aproximou mais.
— Não esta noite?
— Não. — Seu coração estava disparado e ela ficou tentada, realmente tentada, a
cancelar os planos que fizera para aquela noite. Mas não podia dispensar as amigas por
causa de um homem; este era um pacto sagrado que remontava aos dias em que ela, Ava
e Poppy ainda estavam começando a viver. Bem, ela e Poppy estavam, de qualquer
maneira... Ava tinha sido precoce. — Tenho ingressos para o teatro esta noite.
— Então amanhã à noite. — Passou a mão pelo pescoço dela e puxou-a para um
beijo quente, rijo.
Ele a soltou quase tão depressa quanto a tinha agarrado e a próxima coisa que
sabia é que estava olhando, tonta, para os músculos flexíveis de seu traseiro enquanto
ele voltava pelo corredor. Ela balançou a cabeça, entrou, fechou a porta, pendurou o
caso e, erguendo mangas metafóricas, começou a trabalhar.
Mas era quase impossível se concentrar, e depois de se pegar distraída pela
milésima vez, finalmente se permitiu um curto espaço de tempo sem trabalhar.
Talvez, se pudesse parar de pensar, parar de se lembrar como seu mundo tinha se
virado em seu eixo ou de se preocupar com o progresso que não estava conseguindo,
sua cabeça clareasse e ela voltaria a ter foco. Depois de empurrar uma poltrona para o
fundo do salão, foi à cozinha e fez uma xícara de chocolate.
Sentando-se com ela alguns minutos depois no canto sul do salão, uma seção
onde não estivera muito ultimamente, ela tomou a bebida enquanto deixava os olhos
admirarem a coleção de vidro Lalique, os mini-vasos e as garrafas com tampa com
cenas de inverno de Daum Nancy, os frágeis bordados e seu favorito pessoal: uma caixa
de vidro com camafeus antigos.
Lentamente, seus nervos se acalmaram.
93
Ela segurou o chocolate até ele começar a esfriar, então acabou de tomá-lo e se
levantou, sentindo-se descansada; talvez conseguisse agora fazer algum trabalho, algum
progresso.
Mas, enquanto andava em direção à parte fronteira do salão para trabalhar,
alguma coisa surgiu-lhe no fundo da mente. Não conseguia detectar qual era o
problema, mas a ideia que registrara de que alguma coisa não estava certa continuou,
exigindo sua atenção. Mas, o quê? A resposta obvia era um dos itens de uma das
coleções que acabara de usar como tranquilizante. Mas não conseguia se lembrar
conscientemente de ver nada capaz de produzir tal tensão.
Então dê a si mesma um minuto ou dois para descobrir, sugeriu uma voz dentro
dela. Logo poderá tirar isso da cabeça e se concentrar em seu verdadeiro trabalho.
Estava prestes a se virar.
— Ei, Jane!
Botas de trabalho desceram barulhentamente a escada e, depois de um olhar
aflito ao canto extremo do salão, Jane deu de ombros e se dirigiu para a parte da frente.
Houve uma batida na porta, então, sem esperar que ela mandasse entrar, alguém a abriu.
— Jane, está aqui? — perguntou a voz de David — Ja... oh, oi, aí está você.
Os três irmãos de Devlin encheram a abertura da porta e ela não conseguiu
deixar de sorrir para eles. Pareciam tão amigáveis e contentes consigo mesmos enquanto
sorriam para ela.
— O que está acontecendo? — Dirigiu a pergunta a David, mas sua atenção
passou para Devlin quando ele surgiu de repente atrás dos irmãos e ela ergueu uma
sobrancelha para ele.
Aparentemente, ele não sabia mais do que ela porque, quando a olhou sobre o
ombro direito de Bren, sua expressão era de dúvida.
— Gostaria de ir a uma festa? — perguntou Finn.
— Ei, eu é que ia convidá-la! — protestou David.
— Quando, amanhã? A mulher tem um trabalho a fazer... não tem o dia todo
para esperar até você falar.
— Hum, uma festa? — O convite inesperado tirou sua atenção de Dev mas, sem
pensar, olhou para ele de novo. O rosto dele ficara sem expressão e ele olhou para ela
com olhos entrecerrados.
Alguma coisa dentro dela deu um nó. Não precisava ser um gênio para perceber
que ele não estava contente com o convite dos irmãos. Erguendo o queixo, voltou a
atenção para os outros homens Kavanagh.
— Festa de quem? Quando? — Se estava compreendendo bem, Dev não queria
que fosse à festa, não importava onde ou quando. Mas, maldição, não seria grosseira
com três homens que tinham sido tão gentis com ela. Se tivesse que recusar, faria isso
com educação.
— Sábado — disse David. — Na casa de nossos pais.
— Oh, não — protestou ela, genuinamente horrorizada. — Não vou invadir a
festa de seus pais.
Os três homens jogaram as cabeças para trás e riram alto e até mesmo a boca de
Devlin estremeceu com um sorriso seco.
— A mãe e o pai não consideram que uma festa é uma festa a menos que a casa
esteja lotada — disse ele.
— É isso mesmo — confirmou Bren. — E esta lhe dará a oportunidade perfeita
para você conhecer minha Jody. Contei a ela tudo sobre você e o trabalho que está
fazendo aqui para o museu. Ela está louca para conhecer você pessoalmente. Vamos —
ele lhe deu um sorriso charmoso. — O que diz? Vai se divertir.
94
— E muito — concordou David. — Uma coisa com que pode contar com os
Kavanagh é que sabem dar uma festa que jamais esquecerá.
— Sim, lutas no gramado costumam ficar na memória das pessoas —
resmungou Devlin.
— Cale a boca, Dev — disseram ao mesmo tempo os três irmãos.
— É evidente que você está longe há muito tempo — acrescentou Finn. — Não
tivemos uma briga desde meados da década de 1990.
Dev fechou a cara e Jane lhes deu um sorriso forçado.
— Deixe eu checar minha agenda em casa, certo? Adoraria ir, mas a data me
parece familiar. Talvez já tenha um compromisso para a noite de sábado.
— Claro — disse Bren —, então nos diga.
Todos saíram, até Devlin, que Jane meio esperava que ficasse o tempo
necessário para garantir que ela não aceitaria o convite. Os nervos estavam abalados,
mas pelo menos demonstrara rapidez de raciocínio numa situação constrangedora. Sua
resposta soara como se ela realmente quisesse ir à festa dos Kavanagh, o que, decerto,
queria. Adoraria ver uma família tão grande em ação; era evidente, porém, que Dev a
considerava boa o bastante para brincar com ele entre os lençóis, mas pretendia mantêla o mais distante possível dos parentes que ela ainda não conhecera.
Mergulhou na catalogação das roupas de grife numa tentativa de esquecer o
ressentimento que a queimava. Mas os dentes estavam completamente cerrados.
Três horas se passaram antes de ela se lembrar daquela sensação de inquietação
relacionada às coleções guardadas no ponto mais distante do salão. Conseguira avançar
muito mais do que esperara na coleção de alta-costura depois de voltar de sua escapada
com Devlin.
Chegou à conclusão de que a raiva era um excelente motivador quando checou
se cada item que inserira no arquivo aquela tarde fora transferido da arara redonda para
ser levado para o andar superior e ser guardado no closet secreto. Então voltou ao fundo
do salão mais uma vez para ver se descobria a fonte de sua inquietação horas antes.
Olhou cada uma cuidadosamente, então se concentrou na caixa de vidro dos
camafeus.
— Maldição, maldição, maldição — resmungou, enquanto tentava se lembrar de
como era seu conteúdo a última vez que o vira. — Por que a Srta. Agnes não fez um
registro de cada item de suas coleções?
— Ela fez, o problema é que os mantinha na mente. — Com um grito chocado,
virou-se e viu Ava.
— Você me passou um susto desgraçado! — Deu um tapinha confortador no
coração e deixou escapar um suspiro profundo.
— Desculpe. — Sem parecer nem um pouco arrependida, a amiga entrou no
salão, os quadris balançando como se se movessem sobre molas bem oleadas. — Como
foi Poppy que dirigiu, apenas imaginei que você ouviu o carro. Aquela garota precisa
com urgência de um novo cano de escapamento.
— Aquela garota tem uma conta bancária no vermelho — disse Poppy juntandose a elas.
— Bem, pelo amor de Deus, herdamos uma enorme propriedade e a
homologação já foi feita — disse a ruiva —, tem que haver o bastante nos cofres para
um cano de escapamento.
Poppy deu de ombros.
— A Srta. A. tinha muitas coleções de objetos de arte raros, mas pouco dinheiro
em caixa. E o executor do testamento gastou o que ela tinha para pagar os impostos e
outras despesas, como os avisos que enviou a jornais para satisfazer as exigências da
95
homologação. Então, houve a entrada do pagamento à Kavanagh Construction para a
reforma.
— Provavelmente, é muito antiamericano da minha parte admitir — disse Ava
—, mas fiquei furiosa por ter que pagar impostos.
Jane rosnou.
— E o que me diz da Festa do Chá de Boston? Acho que é muito americano
dizer que é detestável pagar impostos — disse ela. — Mesmo assim, os nossos podiam
ter sido muito piores. Com exceção das joias e da prataria, o cara que o tribunal
contratou para avaliar as coisas da Srta. A. lhe deu um valor muito inferior ao que têm.
Acho que ele considerou a maioria bobagens femininas.
— Idiota — resmungou Poppy.
— Sim, ele era, o que foi bom demais para nós. Se ele tivesse uma ideia do
quanto estas belezinhas valem, teríamos que vender um terço das coleções só para pagar
os impostos.
Jane estava rapidamente terminando o trabalho do dia enquanto conversavam e
desligou o computador antes de dar atenção total às amigas.
— Não discutimos ainda um pagamento para nosso trabalho. Precisamos nos
sentar com calma e conversar. Precisamos também descobrir quanto mais levantar para
pagar pelo resto da reforma, o imposto de renda da Srta. A. pelos últimos três meses da
vida dela e o custo de cuidar da mansão, além de qualquer outra despesa em que
pudermos pensar para não sermos apanhadas de surpresa. Então posso tomar as
primeiras providências para vender algumas coisas para termos dinheiro. Mas isso não
vai acontecer de imediato, assim, até eu ter tempo, podemos vender algumas das
coleções de roupas de cama e mesa antigas. Conheço três candidatos que adorariam
comprá-las. Isso resolveria nosso problema de curto prazo em termos do fluxo de caixa,
Poppy.
Mas... onde estava o conjunto de toalha de mesa oval e bordada, da época de
1920, e os seis guardanapos que a Srta. A. usara na primeira vez em que as três tinham
ido lá para tomar chá? Ocorreu a Jane que ela não vira o conjunto entre as outras peças
de toalhas de mesa naquela tarde.
Talvez fosse isso que a estivera incomodando. A Srta. Agnes a usara na pequena
mesa da sala matinal todas as vezes que se reuniam; tinha se tornado uma tradição tão
constante como o presente anual que dera a elas, de um novo diário de capa de couro.
E, claro, era inteiramente possível que o uso constante tivesse desgastado o
tecido frágil a ponto de ele rasgar. Voltando a se focalizar em seu problema, fez um
cálculo rápido do valor da coleção. Teria que fazer um estudo mais minucioso do que
fizera durante seu momento de folga. Mesmo assim...
— O valor deve ficar entre 15 e 20 mil dólares, assim, dividido por três...
— É uma ninharia — disse Ava.
— Fale por si mesma — interrompeu Poppy, zangada. — Ao contrário de você,
Srta. Bebê Fundo de Investimento, 5 ou 6 mil dólares é uma boa quantia que me
sustentará por um bom tempo.
— Oh, Pop. — Ava passou o braço em torno dos ombros da amiga loura e o
apertou conciliatoriamente. — Desculpe, não devia ter dito isso, falei sem pensar.
— Tá tudo bem. — Poppy descansou a cabeça no ombro de Ava por um
momento. — Sabe que não falei por mal. Você está tão acostumada a ser a Srta. Saco de
Dinheiro que não sabe o que o resto de nós considera uma soma vultosa. — Ainda
parada nos braços da amiga, ela entrecerrou os olhos ao olhar para Jane.
— Há alguma coisa diferente em você hoje. Fez um tratamento de pele?
— Huh?
96
— Sua pele está brilhante. — Houve um momento de silêncio, então, parecendo
um personagem de quadrinhos que acabasse de ter uma lâmpada acesa sobre sua cabeça,
Poppy olhou para ela. — Oh meu Deus, você fez fuque-fuque com Dev!
O calor tomou o rosto de Jane enquanto Ava olhava para Poppy e então,
lentamente, voltou-se para encarar Jane.
— Janie?
Ao ouvir vozes de homens acima e abaixo dos sons da reforma que era feita no
segundo pavimento, Jane olhou para o teto, então de volta para as amigas.
— Não vou discutir isso aqui.
— Você FEZ! — O braço de Ava caiu dos ombros de Poppy.
A loura correu para a armação das roupas catalogadas, tirou o casaco de Jane do
cabide e jogou-o para ela.
— Vista isso. Ava... — Pegou um monte de roupas — Venha me ajudar a levar
essas coisas para cima e trancá-las para a noite. Então nós três vamos tomar uma bebida
antes da peça. — Olhou para Jane. — E uma de nós é melhor estar preparada para uma
pequena exibição de mostrar e contar.
— Jamais gostei de mostrar e contar — resmungou Jane 20 minutos depois
enquanto se sentavam num bar perto do Paramount Theater onde veriam uma peça do
Best of Broadway.
— Mentirosa. — Poppy fez uma careta. — Você sempre gostou de demonstrar
como é esperta.
— Mas apenas quando podia falar sobre as origens do que quer que levava para
mostrar — disse Ava, calma. — Janie jamais gostou de expor seu lado emocional.
Sem brincadeira. E, desde que estava cheia de nós a semana inteira, isso era tão
emocional quanto podia ser. Entretanto, sabia que as amigas não desistiriam até que lhes
contasse alguma coisa sobre seu encontro sexual sem precedentes com Devlin, assim
partilhou a parte da qual estava realmente orgulhosa.
— Encontrei com Dev na cozinha esta tarde e lhe perguntei se queria fazer sexo
sem compromisso comigo.
As bocas das duas mulheres se abriram e ficaram abertas; Poppy foi a primeira a
se recuperar.
— Você não fez isso!
— Fiz. — Adorava a imagem de si mesma como destemida e ousada. O
problema era que suas melhores amigas a conheciam melhor do que isso, assim, disse a
verdade. — Naturalmente, quase desmaiei tão logo as palavras saíram da minha boca.
— Oh, meu Deus! — suspirou Ava. Ficou em silêncio quando a garçonete
chegou. No minuto em que ela colocou as bebidas diante delas, porém, ela se debruçou
em direção a Jane sobre a pequena mesa. — Ele pulou sobre você bem ali e naquela
hora? Quais foram suas primeiras palavras?
— Pegue seu casaco.
Ela contou com tantos detalhes como se lembrava até o momento em que Devlin
parou de beijá-la diante do retrato da família dele e a levou para a cama. Não
descreveria as coisas realmente íntimas, já que apenas contar a fez se lembrar de todas
as sensações, com uma intensidade úmida e ansiosa. Comprimiu as coxas uma na outra
contra a renovada fisgada de desejo pulsando entre as pernas.
— Acho que ele foi bom — disse Poppy cautelosamente, observando Jane.
— Oh, cara. — Ela soltou a respiração com força. — Nunca senti nada igual.
— É, daquela vez em que a visitei na faculdade e conheci seu namorado, aquele
tipo acadêmico, qual era o nome dele...
— Eric.
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— ... ele não me pareceu o tipo de Sr. Luxúria. Mas esta coisa entre você e...
Tem certeza de que está se sentindo bem com o fato de que vai durar apenas até ele
voltar para a Europa?
— Sim, este foi, na verdade, o ponto fundamental.
— Jane, Jane, Jane. — Ava suspirou, balançando a cabeça com tristeza. Os
lábios de Poppy se comprimiram, mas estava determinada a saber mais.
— Então uma vida de curto prazo é uma boa coisa, na sua opinião. E o sexo é do
outro mundo. — Ela tomou um gole do vinho e descansou a taça na mesa de novo.
Girando a haste, observou o líquido dourado subir e descer na taça por alguns segundos.
Então, os dedos ficaram imóveis, ela ergueu os olhos e prendeu o olhar de Jane.
— Então por que não parece estar tão satisfeita?
Droga. Jane realmente preferiria que elas mudassem de assunto, mas se encolheu
à perspectiva de expor suas emoções ou... pior... suas inseguranças. Preferia muito mais
apresentar uma fachada indiferente sobre as coisas e deixar que continuassem assim;
Poppy a conhecia bem demais, ou o quê?
Erguendo seu copo de soda, olhou as bolhas que chegavam à superfície por um
momento, então deixou o copo sobre a mesa, sem beber, e suspirou.
— Esperava que durasse por mais do que uma tarde. Agora que sei como o sexo
pode ser com alguém que sabe das coisas, estava me preparando para umas duas
semanas ou um mês ou... não sei por quanto tempo, por algum tempo, de qualquer
maneira. — Pegou o copo de novo, olhou para ele e disse, em voz baixa: — Imaginei
que esta seria uma boa maneira de mergulhar no mar da paixão sem me afogar nele e
ficar tão desequilibrada como meu pai e minha mãe.
— Penso que as personalidades de seus pais... a rainha e o rei do drama... e a
quantidade considerável de álcool que consomem têm mais relação com a confusão que
fazem do que a paixão — disse Poppy.
Ava estendeu o braço sobre a mesa para pressionar as pontas dos dedos nas
costas da mão de Jane que, até aquele momento, Jane não percebera que estava fechada
em punho sobre a madeira lisa. Ela relaxou sob o toque da amiga.
— O que aconteceu? — perguntou a ruiva. — Devlin tem que voltar antes do
que você esperava?
— Não.
Ava franziu as sobrancelhas finas.
— Então por que o sexo ficará restrito a apenas esta tarde? — Os olhos dela se
acenderam com um fogo súbito de raiva. — Aquele filho da mãe lhe deu o fora depois
de ter conseguido o que queria? — Então se endireitou na cadeira. — Oh, Deus, ele
contou aos irmãos dele?
Um incidente de traição no primeiro ano delas em Country Day havia
determinado a intolerância de Ava por homens que contavam suas intimidades.
Entregara sua virgindade a um rapaz que ela achava que gostava dela... apenas para
descobrir que ele dormira com a menina "gorda" para ganhar uma aposta com os
amigos.
— Ah, Av, não. — Jane virou a mão para apertar a da amiga. — Não foi nada
assim. — Explicou o silêncio de Devlin na volta para a mansão, o aparente
arrependimento quando chegaram e a reação negativa ao convite dos irmãos para a festa
familiar.
— Parece um pouco esquizoide — concordou Ava —, mas há alguma chance de
você estar se preocupando por nada, talvez chegando a conclusões apressadas?
— Como posso saber sem ele dizer nada? Não conversou comigo no carro, mas
depois disse que estava pensando em quando poderíamos ficar juntos de novo e eu
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pensei meu engano... e tudo ficara esclarecido. No entanto, se estava, por que ele apenas
ficou lá com a cara fechada quando seus irmãos me convidaram para a festa que seus
pais vão dar? É verdade que não gritou "sobre meu cadáver", mas certamente também
não disse "é, você tem que ir". — E ela sentiu de novo toda a dor fria da rejeição dele. O
fato de que permitira que aquilo a atingisse a fez enrijecer a espinha. — Se ele não me
quer lá, tudo o que precisava fazer era dizer — continuou ela com toda a dignidade que
pôde invocar... então admitiu, triste: — Não sou feita para todo esse drama. No espaço
de algumas horas, passei de uma sensação de plenitude com o sexo fantástico para me
sentir como o pequeno segredo sujo de Dev. Apenas quero saber onde fico, maldição.
— Jane precisa saber as regras — murmurou Ava.
— Sim, preciso, e não vou pedir desculpas por isso.
— Mas a comunicação é de mão dupla, Janie — disse Poppy. — Ele sabe que
tudo acabou entre vocês? Por que me parece que ele ainda pensa que vai se encontrar
com você amanhã à noite em sua casa.
— Bom, se ele é idiota o bastante para aparecer depois de me tratar como sua
amante suja — disse ela, os olhos firmes nos das amigas —, terei apenas que lhe dizer
com clareza absoluta para que Devlin Kavanagh não tenha menor dúvida como me sinto
sobre ser sua amante secreta.
Capítulo 15
Uau! Que diferença absoluta entre uma festa dos Kavanagh e as que meus pais
dão. Sempre me senti... não sei... um pouco solitária efora do lugar nas festas de Mike e
Dorrie. Quem poderia dizer que era possível me sentir tão parte das festividades?
Dev sabia que tinha estragado tudo bem antes de bater à porta de Jane, vê-la
abrir a portinhola e ouvi-la resmungar:
— Tem que admitir, você tem coragem em aparecer aqui.
Ele se encolheu; sabia que ela tinha motivo para estar zangada, dada sua reação
fria ao convite dos irmãos. Ocorrendo logo depois de seu silêncio no carro no dia
anterior, não podia culpá-la por estar irritada e confusa. Inferno, ele também estava
confuso e assombrado pelo sexo que haviam partilhado.
Mas pensar sobre isso agora seria apenas uma forma de evitar lidar com sua mais
recente estupidez. Ergueu os ombros.
— Deixe-me entrar, Jane.
Ouviu o suspiro dela através da porta.
— Certo.
A portinhola se fechou, ouviu os trincos serem puxados e ela abriu a porta.
Ela estava do outro lado com uma calça preta Capri e um camiseta cinza solta,
um pé nu sobre o outro e os olhos perigosamente entrecerrados, duas tiras finas de azul
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sob cílios escuros. Mas esta era a única expressão que identificava seu humor. Estava
tomando sorvete de café de um pacote e olhou para ele sem expressão.
— Desculpe sobre ontem.
Ela deu de ombros como se não se importasse, mas ele vira o brilho de amargura
no rosto dela quando fechara a porta do salão no dia anterior. No entanto, mesmo
percebendo seu afastamento, ele não dissera as poucas palavras que teriam apagado a
rejeição que ela sentira.
Em sua própria defesa, pensou que ela não tinha ideia do que ele a estava
salvando. Mesmo assim, tentou se explicar.
— Ouvi Finn convidá-la para a festa dos meus pais e entrei em pânico.
— Claro, não pode ter seu caso sujo e barato se misturando com sua família —
disse ela, descuidada, e mergulhou a colher no sorvete e tomou-o.
— Não sei sobre sujo e barato. Só ouvi o convite para uma festa na família e
ouvi minha mãe lhe perguntando se você prefere um casamento na primavera ou no
outono. Ouvi minha tia Eileen querendo saber o que pensava de ter filhos antes que seus
óvulos ficassem velhos demais para isso.
Ela piscou e abaixou a colher.
— O quê?
— Minha família não tem o menor respeito pela privacidade de outras pessoas,
boneca. E não há nada de que eles gostem mais do que ver um deles caminhando pela
nave da igreja. Então, quando estão casados, a questão de bebês ergue sua cabeça
horrível. Por que os bebês ainda não foram encomendados, quando você terá um bebê?
Amamos bebês, quanto mais, melhor.
Ela ergueu os ombros.
— Você já foi casado?
— Inferno, não, mas vi isso acontecer com minha irmã Maureen e com minhas
cunhadas e com minhas primas ou com as namoradas ou esposas de meus primos. —
Com as mãos nos bolsos, ele deu de ombros.
— Quanto a mim, parei de levar minhas namoradas para as festas da família
quando tinha 17 anos.
— Mas por que me perguntariam coisas assim? Ninguém sabe sobre nós.
— Oh, perguntarão. As mulheres da minha família têm um radar inacreditável
quando se trata desse tipo de coisa.
Jane observou-o por um momento, então recuou do ponto onde bloqueava a
passagem dele.
— Entre. — Ofereceu o pacote. — Quer sorvete?
— Claro. — Aceitou o pacote, pegou a colher presa no sorvete e se serviu
enquanto a seguia tomando o sorvete pelo curto corredor.
Mas, ao erguer os olhos, parou ao chegar à sala. O apartamento de Jane era cheio
da última coisa que esperava... um mar de cores.
As paredes das salas combinadas de estar e jantar eram pintadas de um ouroclaro que faziam os pisos de madeira brilharem em contraste. Um sofá pequeno verdefloresta estava coberto por almofadas coloridas e duas poltronas de couro cor de vinho
formavam uma área de conversação em torno de uma pequena mesa central; pinturas de
cores vivas estavam penduradas nas paredes.
Havia velas sobre torres de mosaico colorido de alturas variadas na pequena
mesa de biblioteca atrás do sofá e caixas de cerâmica brilhante ficavam no topo do L de
granito que formava a bancada da cozinha.
— Uau, isto é lindo.
— É pequeno, mas eu adoro.
100
O lugar provavelmente não tinha mais de 60 metros quadrados, mas uma divisão
inteligente aproveitava cada centímetro.
— Ei, passei a maior parte do meu tempo em barcos. Comparado com todos,
menos três ou quatro iates grandes, isto é um verdadeiro palacete.
Também era tão bem-arrumado como os barcos em que navegara... exceto por
uma confusão de papéis espalhados na bancada do café da manhã. Olhou deles para ela.
— Estou interrompendo seu trabalho?
— Não, está tudo bem. Estou apenas comparando algumas das coleções da Srta.
Agnes com um inventário que o funcionário do Estado fez. — Suas sobrancelhas se
contraíram por um segundo, então a expressão dela se tornou distante de novo. — Não é
nada que não possa esperar.
Ele indicou uma porta no fim da sala de estar.
— Importa-se se eu olhar?
— Vá em frente.
Ele andou até a porta e a abriu, revelando um pequeno solário que, por sua vez,
abria-se para um deque estreito, e foi até ele. O vento forte do final de outubro fez voar
as pontas de seu cachecol de crochê, mas ele o ignorou e pôs as mãos na grade de metal.
As luzes da cidade brilhavam ao sul e a leste, enquanto a Elliott Bay se estendia como
um cetim negro diante dele. As luzes da península Oeste de Seattle brilhavam ao longo
da linha mais distante do limite da baia e, embora fosse escuro demais para ver as
Olympic Mountains do outro lado do Sound, ele sabia que estavam lá.
— Grande vista.
— Eu sei. — Ela se aproximou e ficou parada ao lado dele, abraçando-se para se
proteger do frio. — Não é lindo?
Abrindo o zíper de sua velha jaqueta de couro, ele passou um braço em torno da
cintura dela e a colocou de costas contra seu peito. Passou os lados da jaqueta em torno
dela e descansou o queixo no alto de sua cabeça. Os cabelos quentes, lisos, se moveram
contra a pele dele.
Ela se recostou, e por um momento apreciaram a vista em silêncio. Então Jane
curvou as mãos sobre os braços dele, vestidos com as mangas da jaqueta.
— Não tenho certeza se compreendo por que você está tão preocupado com sua
família — disse ela, olhando para a baía. — Pelo menos eles parecem normais. Agora,
uma festa na casa dos meus pais seria uma garantia de bebedeiras e drama. Mas, se
ajudar, não estou interessada em casamentos ou bebês e não me importo de deixar isso
claro para sua família, se ajudar a fazê-los parar de amolá-lo. — Ela dobrou a cabeça
para trás e para o lado para olhar para ele. — Não quero ser sua dona, Dev, apenas
alugá-lo por algum tempo.
O que a tornava a mulher perfeita para qualquer homem. Então, por que uma
pequena fisgada de descontentamento o fez apertar os braços em torno dela como se
para impedi-la de se afastar?
Fazendo-se uma advertência mental, Dev diminuiu o aperto. Devia jantar logo;
pouco combustível o estava tornando fantasioso.
Mas ela lhe tirara todas as dúvidas sobre misturar seu relacionamento com a
família dele e Dev lhe roçou os cabelos com o queixo.
— Então — murmurou —, quer ir a uma festa comigo?
Gordon estava desempenhando as tarefas sagradas de se arrumar no sábado de
manhã quando o telefone tocou. Massageando o creme nas bochechas que acabara de
exfoliar, checou o número de quem ligava.
Era Jerry Waskowitz, um velho amigo da antigo bairro, e hesitou, a mão
suspensa sobre o telefone. Havia se afastado de todos os amigos do Terrace, mas ele e
101
Jerry eram mais do que conhecidos. Além disso, Jerry era o único de seus conhecidos
que partilhava seu amor pelo pôquer. Não o vira nem conversara com ele desde o fiasco
da Vegas Challenge.
Pegou o telefone.
— Alô.
— Oi, Gordie... — Mesmo enquanto Gordon franzia o cenho ao uso do
diminutivo de seu nome, Jerry consertou: — Quero dizer, Gordon, como vão as coisas?
Há muito tempo que não nos vemos.
— Está tudo bem. — E estava. Oficialmente, conseguira pagar as dívidas e era
um homem livre. Acabara de pagar a última prestação dos juros que devia a Fast Eddy.
— Bom saber. Tem jogado pôquer ultimamente?
— Não, tenho andado muito ocupado. — E me divertindo roubando itens das
coleções de Jane. É claro, agora que pagara suas dívidas, decidira que seria melhor parar
enquanto não corria o risco de ser apanhado.
— É, esses empregos durante o dia acabam com a diversão de um cara, não é?
Eu também não tenho jogado tanto quanto gostaria. Como vai seu emprego no museu?
— Muito bem, fantástico. — Se ignorasse o fato de que provavelmente levaria
anos e estaria velho, grisalho e... estremeceu de desgosto ...enrugado até pôr as mãos
numa coleção do calibre das que eram daquela cadela Kaplinski. — E você, cara, como
vai no emprego? — Não que se importasse; Jerry era um mecânico... alguma coisa
podia ser mais plebéia do que isso?
— Rude e oleoso — respondeu o amigo alegremente. — Muito parecido com o
que sempre foi. E é por isso que estou ligando; quer ir a um jogo de cartas no
Muckleshoot esta noite?
Sua primeira inclinação foi dizer não. E, com um susto desagradável, percebeu
que estivera evitando os cassinos e salas de jogo de indígenas onde jogara horas e horas
de pôquer nos últimos anos. Por que estaria fazendo aquilo?
Era um jogador, gostava de apostas, e era bom nisso. Sim, é verdade, tivera uma
onda de má sorte, mas isso acontecia aos melhores. E era um dos melhores; inferno,
estava destinado à grandeza.
Mas não se chegava à grandeza fugindo da raia. Inferno, não. Era preciso testar,
sempre e sempre. E desde quando ele escolhia o caminho da segurança, de qualquer
forma? Por que estava pensando em se afastar daquela mansão cheia de tesouros quando
tinha uma mina de ouro na ponta dos dedos? Isso seria covardia.
Sim, era um risco que não precisava correr agora que Fast Eddy estava
finalmente fora da jogada. Mas quando um cara nascia com saco de aço, não suava por
causa de coisas pequenas. Fast Eddy só era um grande problema se Gordon precisasse
de sua ajuda de novo. E isso não aconteceria... não quando tinha o conteúdo da mansão
como seu ás na manga.
Então havia o bônus extra de prejudicar Kaplinski. E qualquer oportunidade que
tivesse para lhe causar problemas, ele a aproveitaria.
— Gord, você ainda está aí?
— Huh? Oh, desculpe, fiquei distraído por uma vizinha tirando a blusa diante da
janela aberta.
— Sem brincadeira? Ela tirou tudo e mostrou os peitinhos?
— É.
— Você vive bem, cara. Então, quer jogar um pouco de pôquer esta noite ou
não?
— Claro, por que não?
— Passo por aí e pego você. A que horas quer ir?
102
— Que tal às 21h? — Pensou no pequeno objeto de arte de vidro Steuben que
percebera na última vez em que estivera na mansão. Provavelmente, valeria mais de
1.100 dólares no mercado aberto e provavelmente 700 ou 800 no mercado negro. Um
pequeno sorriso lhe ergueu os cantos da boca.
— Terei que passar no meu banco para fazer uma retirada rápida, mas estarei
pronto quando você chegar.
Jane jamais vira tantas pessoas amontoadas numa casa de tamanho médio.
— Tem certeza de que não quer que eu entre sozinha? — perguntou a Devlin
acima do som de dezenas de vozes que os recebeu quando ele abriu a porta da frente da
casa dos pais. — Sua família não precisa saber que temos alguma coisa.
— Tarde demais — disse ele com um movimento sutil do queixo em direção à
sala de estar. — Aquela é minha mãe, ali. — Antes que ela pudesse localizar a mulher
que ele indicara, o braço dele passou sobre seus ombros e ele a desviou de um par de
fumantes que saía e a levou além de dois homens discutindo os méritos de marcas de
mochilas e se livrou de um grupo de crianças que passaram correndo e gritando o mais
alto que conseguiam.
— De qualquer maneira, como lhe disse antes, as mulheres Kavanagh têm um
radar de última geração quando se trata desse tipo de coisa. Oi, mãe. — Soltou Jane e
deu a uma mulher gordinha, com cabelos um pouco mais claros do que os dele, o
especial Devlin, um abraço de urso que a ergueu no ar. Colocando-a de volta no chão,
beijou-a nos lábios, então recuou. — Esta é minha amiga Jane; Jane, minha mãe, Erin
Kavanagh.
— Como vai — disse Jane, estendendo a mão. — Muito obrigada por me
convidar.
Ignorando a mão de Jane, Erin puxou-a para um abraço.
— Oh! — disse Jane, muito rija no abraço da outra mulher, sem saber direito o
que fazer. As únicas pessoas que a abraçavam eram Ava e Poppy. Desajeitada, ergueu
as mãos e deu uma palmadinha no ombro de Erin.
— Você é mais do que benvinda — disse a mãe de Devlin, afastando-a para
segurá-la à distância dos braços enquanto a observava calorosamente, então libertandoa. — Estou contente por você ter vindo. Ouvi muito a seu respeito pelos meninos, assim
é bom ter um rosto de verdade para combinar com o nome. — Então ela fez um gesto
em direção aos fundos da casa. — Há cerveja, e vinho e refrigerante na cozinha e um
bufê na sala de jantar. Vá e se divirta, faça Devlin apresentar você a todo mundo.
Devlin fez exatamente isso. Apresentou-a a suas duas irmãs que ainda não
conhecia, Kate e Maureen. Apresentou-a a uma multidão de primos e primas, tios e tias.
Apresentou-a a muitos, mas aparentemente não todos, de seus sobrinhos, sobrinhas, e
mais primos, cujos nomes ela não tinha a menor esperança de gravar. Levou-a a um
canto da sala de estar para conhecer suas avós Hester e Katherine, depois à sala de
jantar, onde seu avô Darragh e seu pai estavam tomando uísque. Quando encontraram
David, que entrava pela porta da frente enquanto passavam, apresentou-a à mulher dele,
Julie, e ao filho e à filha deles.
Não a apresentou à Jody de Bren, mas isso foi porque, quando Bren os viu,
arrastou-a para fazer as apresentações ele mesmo. Ela conhecera tantas pessoas num
espaço de tempo tão curto que a cabeça dela girava.
— É como aquela foto de família que você tem... apenas muito ampliada —
disse ela enquanto se apertava num canto da cozinha superlotada e Devlin escolhia uma
bebida na geladeira. — Todo mundo aqui é parente?
Pegando uma cerveja para si mesmo e uma soda diet para ela, ele bateu a porta e
se endireitou, virando a cabeça de lado para olhar para ela.
103
— O que você disse? — gritou ele.
Ela ergueu a voz para ser ouvida acima de um grupo de homens cantando o hino
nacional da Irlanda perto da pia.
— Todos que você me apresentou, são seus parentes?
— A maioria. — Pegou alguns cubos de gelo do freezer, jogou-os num copo e
entregou a ela, junto com uma lata de soda. Sorriu para ela enquanto tirava a tampa da
cerveja. — Eu lhe contei, Pernas, esta é uma enorme família.
— Sem brincadeira. — Ela não podia nem imaginar, mas isso não a impediu de
sentir uma enorme inveja.
Todos que conhecera naquele dia pareciam tão conectados, tão à vontade com as
histórias uns dos outros.
— Venha — ele gritou, agarrando-lhe a mão —, não consigo ouvir meus
pensamentos. Vamos encontrar Hannah e Finn, provavelmente estão se escondendo no
porão. E, se conheço Hannah, ela terá levado uma boa quantidade do que o bufê tem de
melhor.
Estavam se esgueirando em meio à multidão em direção a uma porta interna no
fundo da cozinha quando uma mulher mais velha entrou. Tinha cabelos vermelhos
flamejantes, que certamente haviam tido a ajuda de uma tinta da melhor qualidade que o
dinheiro podia comprar, pensou Jane. Deveria não combinar com seu blazer cor de
laranja queimada, mas, de alguma forma, combinava. Com o queixo alto, os ombros
empinados, o busto considerável jogado para frente pela postura ereta, tinha uma
presença que podia ser sentida em toda a cozinha.
— Pelo amor de Deus — gritou aos cantores —, levem isso para fora! As
malditas janelas estão balançando!
Os homens correram para fora. No silêncio relativo que se seguiu à saída deles, a
mulher ficou em pé com as mãos nos quadris, observando os que haviam permanecido.
Seu olhar parou em Devlin e Jane e ela andou em direção a eles.
— Oi, Devlin, querido, me dá um beijo. — Ele lhe roçou o rosto que ela erguia.
— Oi, tia Eileen, como vão as coisas? Esta é minha amiga Jane.
— Prazer em conhecê-la — disse Jane. — Vi uma foto maravilhosa que você
tirou da família de Devlin.
— Você viu, é? No apartamento do nosso Dev?
— Uh...huh.
A mulher lançou a Jane um olhar abrangente dos pés à cabeça.
— Você deve ter... o que... 28, 29 anos?
— Tia Eileen...
Os lábios de Jane se curvaram de leve à advertência na voz de Dev, mas disse,
educada:
— Tenho 30 anos.
— Então, o que pensa sobre bebês? Está pretendendo ter um ou dois antes que
seus óvulos fiquem velhos demais?
Jane não conseguiu evitar e soltou uma risada. As sobrancelhas de Eileen se
ergueram.
— Eu disse alguma coisa engraçada?
— Não, apenas que foi exatamente o que Devlin disse que você diria.
— Disse isso quando lhe expliquei por que lhe feri os sentimentos por não me
sentir entusiasmado quando Finn a convidou para esta festa — explicou Dev —,
sabendo que vocês lhe dariam o terceiro grau e tudo.
— Uma pergunta dificilmente pode ser considerada terceiro grau, melhor não —
informou Eileen friamente.
104
— Mas é um pouco cedo para me perguntar quais são minhas intenções em
relação à maternidade — disse Jane, calma. Estendeu a mão e tocou a manga de Eileen.
— Senhora, contando com hoje, tive um total impressionante de um encontro com seu
sobrinho.
— Ei! — Ele se endireitou ao lado dela. — E o Noodle Ranch?
— Sentar comigo à mesma mesa com minha embalagem de viagem não pode ser
considerado um encontro, Kavanagh. Agora, se pretende me levar de volta lá e me
pagar uma refeição...
Uma expressão confusa lhe tomou o rosto e ela se perguntou se o que estava
pensando ocorrera a ele também... que haviam queimado os lençóis com sexo, mas
nunca tinham saído antes num encontro. Aparentemente, era verdade, por que ele disse:
— Que tal irmos a Mamas Kitchen? Isto é, se gosta de comida mexicana. Ou, se
prefere frutos do mar, podemos ir ao Belltown Bistro.
Ela tomou um gole de soda.
— Qualquer um parece ótimo.
— Segunda à noite?
Um calor inesperado a tomou e um sorriso de prazer lhe curvou os lábios. Mas
ficar toda derretida por ele não estava em seus planos e, por um segundo, ela congelou.
Então afastou a preocupação; era uma aventura que terminaria quando Devlin
voltasse para a Europa. Não havia necessidade de avaliar cada emoção que sentia
enquanto durasse. A ideia era desfrutar o tempo que teriam juntos.
— Amanhã à noite parece bom.
Passando o braço em torno do pescoço dela, Dev se debruçou para lhe dar um
beijo rápido, áspero; então ergueu a cabeça.
— Com licença, tia Eileen — disse ele, sem tirar os olhos de Jane. Então,
entrelaçando os dedos nos dela, dirigiu-se para a porta do porão, desviando-se agilmente
da multidão.
— Apenas me responda uma coisa, Jane — disse Eileen, erguendo a voz para ser
ouvida. — Você prefere a primavera ou o verão para casamentos?
— Pensei que esta seria a pergunta de sua mãe — murmurou Jane para Dev.
Ele deu de ombros.
— Mamãe estava assombrosamente reticente hoje, talvez esteja diminuindo a
quantidade de interferência diária.
Jane virou a cabeça para olhar a tia dele.
— Eu realmente não pensei muito no assunto — disse ela, e esperou alguns
instantes antes de continuar —, mas já escolhi minhas damas de honra.
Dev riu e a levou através da porta que acabara de abrir. Nenhum deles viu o
sorriso satisfeito da tia.
Capítulo 16
105
Tenho que aprender a confiar em meus instintos porque, algumas vezes, quando
uma coisa não parece certa, realmente não está.
Jane estava excitada. Parará no Kits Camera, no Westlake Center, a caminho do
trabalho e, mesmo passando as fotos rapidamente, sabia que tinha alguma coisa boa,
alguma coisa realmente boa. Quase dançou no corredor em direção a seu escritório no
sexto andar. Gordon Ives esticou a cabeça pela porta do próprio escritório enquanto ela
passava.
— Alguém está se sentindo muito bem.
— Estou muito entusiasmada! — concordou, balançando em direção a ele o
envelope com as fotos sem parar de caminhar. — Tirei fotos do vestido que escolhi
como a peça central da minha exposição "Alta-costura de todas as Épocas", e são ainda
melhores do que esperava. Se as outras peças tiverem pelo menos a metade da qualidade
dessas, meu catálogo será um sucesso total! — Ela parou no meio de um passo de dança
e sorriu para ele. — Você tem a melhor visão do trabalho aqui. Quer ver?
— É claro. — Ele a seguiu até o escritório dela.
— Ontem, fiz um lembrete para tirar algumas fotos — disse ela, entrando no
escritório e se dirigindo diretamente para sua escrivaninha. Abriu a gaveta de baixo e
guardou a bolsa. — Então, como uma idiota... — Ela fechou a gaveta com o pé. —
esqueci tudo sobre elas até estacionar meu carro numa vaga pequena demais para ele e
andei de volta até a mansão Wolcott.
Jogou sobre a escrivaninha o envelope com a lista do inventário do conteúdo da
mansão, de diversas páginas, que estivera estudando durante os últimos dias, e tirou o
casaco. Sabia que não devia fazer aquilo no tempo dedicado ao museu, mas pretendia
fazê-lo assim mesmo, se encontrasse algum momento vago em sua agenda ocupada.
— Droga — disse ele, e segurou o envelope quando ele escorregou pela
escrivaninha com rapidez excessiva. O envelope se abriu e todos os papéis caíram no
chão.
— É isso aí — concordou ela, rodeando a escrivaninha para ajudar enquanto ele
se debruçava para pegar os papéis.
Não estava com disposição para andar até o carro e tirá-lo da vaga apertada,
muito menos para dirigi-lo de volta ao centro da cidade. No fim, porém, poderia muito
bem ter feito a viagem extra, já que passara a noite toda se preocupando se as fotos
teriam ficado boas.
Ela se debruçou para ajudar a pegar os papéis e as fotos, que tinham realmente
ficado maravilhosas. Se o Dior não tivesse o visual que esperava, teria que repensar qual
seria sua peça central. Estava tão obcecada pela beleza daquele vestido que a
perspectiva de escolher alguma coisa diferente lhe causava angústia e lhe custaria um
tempo que não tinha.
Estendeu a mão para os papéis que Gordon apanhara do chão e colocou-os sobre
a pilha que apanhara, então se levantou.
— Bem, isto mostrou como estou desajeitada. Obrigada, Gordon. Olhou para a
página de cima, as sobrancelhas franzidas ao ver dois itens que destacara em amarelo.
— Isto está se transformando numa preocupação de natureza diferente — disse
ela, sabendo que precisava tirar a cabeça da areia e fazer alguma coisa sobre o que agora
estava convencida eram itens roubados.
— Alguma coisa que eu possa fazer para ajudar?
— Não, mas obrigada por perguntar. Estou começando a acreditar que devo
chamar a polícia para me ajudar a resolver este problema. — Então o envelope do Kits
Camera lhe chamou a atenção de novo e ela se alegrou, esquecendo temporariamente
sua ansiedade sobre os itens desaparecidos. — Mas você podia me dar seu conselho de
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especialista sobre estes — disse ela, fazendo um gesto para ele se sentar numa cadeira
em frente à escrivaninha enquanto tirava as fotos do envelope. Rapidamente arranjou-as
diante de Gordon para ele ver. — Aqui, dê uma olhada.
— Santa por... — A voz desapareceu enquanto ele se debruçava sobre a
escrivaninha, olhando uma foto atrás da outra do vestido de crepe cor de champanhe,
bordado com contas.
Gordon contemplou as fotos do vestido sozinho, depois acompanhado com a
capa de noite de ermínia.
— Christian Dior — murmurou; então, desviando o olhar das fotos, olhou para
Jane. — Final da década de 1950?
— Sim.
— Parece estar em condições incríveis e fotografa maravilhosamente.
— Oh, Deus! — Ela precisou exercer o máximo de controle para não dançar ao
redor da escrivaninha.
— Foi isso que achei. Estou apaixonada por essa peça. — Ela fez um aceno em
direção às fotos enquanto circulava calmamente para seu lado da escrivaninha. Mas seus
quadris aparentemente não haviam ouvido a ordem para se comportarem e se
remexeram um pouco antes que ela se deixasse cair na cadeira. — A capa, também, é
claro, mas é o vestido que irá dar brilho à coleção.
O telefone sobre a escrivaninha tocou e ela pediu licença para atender.
— Oi, Pernas. — A voz arrastada de Devlin a saudou em resposta ao seu alô. —
Desculpe ter ligado para seu trabalho, mas sei quantos compromissos sociais pode ter.
Ela resmungou, mas suas entranhas se iluminaram.
— Também sempre graciosa e uma dama — observou ele. — Gosto disso em
você.
Ela se recusou a lhe dar a satisfação de rir, mas sorriu e se recostou na cadeira.
— O que posso fazer por você, Kavanagh? Como mencionou, estou no trabalho
e tenho muito o que fazer.
— Só queria falar com você antes que sua agenda ficasse cheia. Está livre esta
noite?
— Até agora, mas o dia é jovem.
— E é por isso que me chamam Sr. Passarinho Madrugador. Quero pegar a
minhoca... isto é, quer jantar comigo?
— Ora, Sr. Passarinho. — Ela se viu batendo as pestanas, como se ele pudesse
ver, e sentiu o calor subir para seu rosto com a própria tolice. — Está me convidando
para um... encontro?
— Acho que sim. Pelo menos, é o que chamam quando um homem leva uma
mulher a um restaurante. Mas não estamos falando de um encontro de adolescentes.
Não vou lhe comprar flores para lhe entregar no portão, a menos que você prometa tirar
a roupa.
Ela riu.
— Certo, como se quisesse discutir isto no telefone do meu trabalho.
— Você tem razão, isto é mais uma conversa para a sobremesa. Está com
vontade de comer comida mexicana? Podemos nos olhar nos olhos sobre um prato de
feijões.
Desta vez a risada saiu diretamente do ventre dela.
— Você é um tolo tão romântico!
— Boneca, você não tem ideia. Então, vamos ao Mamas Kitchen?
— Sim, parece bom.
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— Maravilha. Eu a verei esta tarde na mansão para confirmar nossos planos.
Podemos decidir a que horas devo apanhá-la.
Oooh, era realmente um encontro de verdade, pensou ela enquanto desligava o
telefone. Apanhá-la em sua casa e levá-la de volta e tudo mais.
Mal podia evitar se contorcer de prazer em sua cadeira. Mas já demonstrara
muita falta de profissionalismo diante de Gordon naquela manhã... como ficou claro
pelas primeiras palavras que ele disse.
— Um encontro quente?
Sua inclinação inicial foi lhe dar um gelo com algumas palavras bem-escolhidas.
Mas não era justo flertar abertamente com alguém na frente de um homem, então punilo por que ele percebera. Além disso, os lábios dela já estavam se curvando num sorriso
de antecipação.
— Bem, de qualquer maneira, um encontro para jantar.
— Esta noite?
— Uh-huh. — Ele suspirou.
— Sorte sua.
Jane olhou para ele, imaginando pela primeira vez como seria sua vida amorosa.
Nem tinha certeza sobre sua tendência sexual; achava que era hetero, mas, dada a sua
preocupação com sua aparência, seu gosto delicado e o fato de que ela nunca o vira com
uma mulher... talvez não fosse. Mas também jamais o vira com um homem.
— E quanto a você? Tem alguém especial?
— Não.
— Alguém com quem se encontra de vez em quando?
— Não agora, estou casado com o trabalho no momento.
— Soube disso. — Cara, pensar que ela era assim também... até Dev. O
pensamento lhe lançou farpas de choque em todo o seu sistema. Mas era verdade. Ter
um caso com Devlin acrescentara algum equilíbrio em sua vida que nem mesmo sabia
até então que estava faltando.
Tinha Ava e Poppy para fazer-lhe companhia e pensara que isso era tudo de que
precisava. Mas evitar tudo relacionado à paixão, com tanta insistência como fizera,
talvez a tivesse feito viver uma vida simples demais. Afinal, talvez a paixão não fosse
uma coisa tão ruim. Desde que existisse na forma de um cara que sairia de sua vida
antes de mergulhar tão profundamente em seu feitiço que se tornaria tão obcecada como
seus pais.
Gordon se levantou abruptamente.
— Bem, é melhor voltar para o meu trabalho.
— É claro. — Ela também se levantou. — Obrigada por me conceder seu tempo
para ver as fotos. Realmente valorizo seu olhar para a qualidade. E, se não mencionei
antes, também agradeço todo o trabalho que tem tido com a exposição espanhola.
— Sem problema, fico sempre feliz em ajudar.
Ficaria feliz em ajudá-la a pular da varanda de observação do Space Needle, na
verdade.
Gordon voltou a seu escritório e depois de entrar fechou a porta com suavidade.
Não era tão satisfatório quanto batê-la com tanta força que ela racharia, mas era um
homem civilizado. Não perdia o controle; era isso que o tornava diferente dos
Neandertais com quem havia crescido no Terrace.
Precisava pensar; Kaplinski era, certamente, mais rápida e inteligente do que
pensava, porque já percebera que alguns tesouros estavam faltando. Mas ele, como
sempre, tinha a sorte a seu lado. Podia não parecer, considerando que ele acabara de
descobrir que estava sem fundos. Mas quem imaginaria que estava perto quando o
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envelope de Jane se abrira e os papéis haviam escorregado? Ao apanhá-los, reconhecera
que diversos dos objets dárt destacados neles eram os itens que havia apanhado para a
causa: sua causa.
Assim, a cadela pretendia chamar a polícia? Então, aparentemente, tudo o que
lhe restava a fazer era uma última invasão da mansão Wolcott. Esta noite, enquanto Jane
estivesse em seu encontro. (E quem no inferno sonharia que havia um homem que
realmente a queria? Acharia impossível, mas certamente fora esta a impressão que
tivera quando ouvira o lado dela da conversa ao telefone.)
Mas estava perdendo o foco. O ponto aqui era que, se sua fonte de renda estava
prestes a terminar, poderia muito bem dar à polícia mais alguns itens para procurar. E,
enquanto estivesse fazendo isso, causaria um bom prejuízo aos oh tão importantes
planos da pequena Srta. Rabo Quente. Sim, senhor, um último dane-se para demonstrar
sua consideração por ela. Não lhe aumentaria a renda, mas arruinaria a semana da
cadela. E isso, por si só, o faria se sentir muito melhor.
— Você conseguiu para nós a sala de Elvis! — Jane sorriu para Dev enquanto a
anfitriã do Mamas Kitchen os levava à sala de jantar cheia de lembranças de Elvis
Presley. — Como conseguiu?
Dev tirou o olhar do requebrado de suas cadeiras, com o qual estivera fascinado,
perguntando-se qual seria a cor da calcinha sob a saia azul-marinho.
— Tenho meus contatos.
— Tem mesmo? — Ela ergueu uma sobrancelha para ele. — Pensei que o
Mamas não aceitasse reservas para grupos abaixo de seis pessoas.
— Claro, pode zombar. — Ele ergueu uma sobrancelha negra para ela.
— Mas talvez eu tenha tido sorte.
Ele fizera um pedido para uma mesa na sala de Elvis, mas não houvera garantias,
já que o restaurante dava prioridade para grupos maiores. Depois que se sentaram à
mesa e a anfitriã, que ouvira com desdém sua conversa, se afastou, ele se debruçou
sobre a mesa e passou a ponta dos dedos pelas costas da mão de Jane, então desceu-os
pelos dedos até pressionar as pontas dos dedos nas dela. Jane tinha uma pele bem macia.
— Disse a eles que queria o melhor para minha namorada — murmurou.
— Ooh, adoro um figurão.
— Neste caso, não tenha medo de viver grande. Peça a Virgin Straw-berry
Margarita e um prato de combo.
Ela pediu, e quando as bebidas foram entregues e a garçonete se afastou, ele se
recostou na cadeira e observou Jane tomar um gole.
— Por que você jamais toma bebida alcoólica? — Ela hesitou.
— Eu tomo uma bebida de vez em quando. Mas, na maior parte do tempo,
prefiro evitar, porque meus pais... bebem demais. — A testa se franziu em rugas
delicadas. — Não, isso é embelezar a coisa, eles são alcoólatras.
A primeira reação dele foi estender a mão e tocá-la, oferecer-lhe conforto, mas
manteve a pose indolente com esforço porque sentiu que conforto era a última coisa que
ela queria.
— Os dois?
— Sim.
Por outro lado, este não era um assunto sobre o qual alguém bocejava e dizia
"Ho-hum". Observando os dedos dela batucarem na mesa ao ritmo de "Livin on a
Prayer", que estava tocando no som do restaurante, ele resolveu agir como ela. Ou pelo
menos tentou, até ouvir-se dizendo:
— Lamento, Janie, isso deve ser horrível.
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Ela deu de ombros, mas ele viu que não era um assunto sobre o qual gostaria de
falar enquanto comia batatas fritas. Percebendo que ela lhe contara tanto... sem
mencionar que isso era um encontro e, portanto, divertido... ele disse:
— Não me diga que foi uma fã de Bon Jovi quando era criança. — E ele fez um
gesto de desdém com os lábios para demonstrar sua opinião acerca daquela
possibilidade.
— O que quer dizer foi, Gonzo? Continuo fã. — Abanou o rosto com as pontas
dos dedos. — Quero dizer, algum dia olhou para Jhon Bon Jovi?
— Não posso dizer que sim, ele não é exatamente o meu tipo.
— Ah. — Ela tomou mais um gole da bebida e então, colocando a taça sobre a
mesa, deu-lhe um olhar conhecedor. — Não gosta de louros, huh?
— Engraçadinha, Kaplinski.
Os lábios dela se curvaram num sorriso de quem estava satisfeita consigo
mesma.
— Eu tento. E, realmente, 100 milhões de fãs não podem estar enganados.
Suponho que você foi um fã de Van Halen ou de Guns N' Roses. — Plantou o queixo na
palma da mão e olhou para ele. — Então, qual era seu senso de moda naquela época?
Era estritamente um cara de jeans azul? Ou, espere, aposto que usava calças de
paraquedista e era um daqueles caras dançarinos. Posso vê-lo claramente girando sobre
a cabeça.
Ele sorriu.
— Finn era o dançarino da família. E eu fui para a escola paroquial, coisinha
doce, assim isso significava uniforme. Em casa, usava principalmente jeans, mas admito
que durante um ano me exibi em calças de paraquedista. E ficava muito atraente, todas
as garotas me queriam.
— Tenho certeza que, em sua mente, você foi uma lenda.
Ela lhe deu um olhar lento dos pés à cabeça, então diluiu o fator de calor ao lhe
lançar um sorriso Huck Finn.
— Na verdade, gostava daquelas calças. Acho que vão voltar à moda, pelo
menos, vi uma muito parecida numa garota no centro da cidade há alguns dias. Posso
comprar uma para mim.
— Num lindo vermelho brilhante? — Ela riu.
— Provavelmente não.
— E qual é sua cor favorita? Não, espere, não me diga. — Fechando os olhos,
comprimiu os dedos indicador e o médio entre as sobrancelhas. — Estou vendo... preto.
— Não, espertinho, verde.
Ele abriu os olhos e se sentou reto.
— Sem brincadeira?
— É, eu realmente gosto de verde, especialmente nas tonalidades suaves.
— Como as paredes de seu quarto de dormir — disse ele. Tornara-se íntimo
daquele quarto, pintado num suave tom de verde-acinzentado que fazia um belo
contraste com a mobília branca. O esquema de cores se repetia no edredom branco,
estampado com folhas de palmeira e nas fro-nhas dos numerosos travesseiros
empilhados contra a cabeceira.
— Sim — concordou ela —, e você? Qual é sua cor favorita?
— Azul, como seus olhos, boneca. — Ela fez um som grosseiro.
Sorrindo para ela, olhou para seus cabelos brilhantes e se lembrou de um
penteado que sua irmã usara anos atrás.
— E você usou os cabelos naquelas ondas altas na escola?
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— Por favor. — Ela lhe deu um olhar de desdém. — Você, certamente, é muitos
anos mais velho do que eu. Eu tinha, o que, 11 ou 12 anos quando aquela moda acabou.
— Certo — ele debochou —, e meninas pré-adolescentes jamais seguiram os
estilos da moda. — Observou seus cabelos lisos e macios e lhe deu um olhar
conhecedor. — Ah, não conseguia que seus cabelos ficassem daquela altura, huh?
— Não — admitiu ela prontamente —, e isso me causou muito tristeza. Poppy
tinha uma onda impressionante, mas a minha e a de Ava caíam todas as vezes.
— Em compesação, você e Ava não terão aquelas fotos embaraçosas para as
futuras gerações ridicularizarem.
— É um consolo — concordou ela.
O jantar chegou e, enquanto comiam, continuaram a trocar histórias de suas
adolescências. A isso se seguiu uma discussão sobre o começo de seus 20 anos, que
continuou com seus trabalhos.
— Então, está planejando pilotar barcos até ficar velho e grisalho? — perguntou
ela num determinado momento.
— Provavelmente não; um lado meu adora velejar e não consigo pensar em
desistir. Mas outro lado está ficando cansado de viver com a mochila nas costas.
— Não consigo nem imaginar seu estilo de vida — admitiu fane. — Adoraria
ver um pouco do mundo, mas talvez por duas ou três semanas de cada vez. No fundo,
sou uma mulher de Seattle; Poppy e Ava vivem aqui e aqui tenho meu trabalho. — Ela
pôs um pouco de arroz no garfo, mas não o levou à boca, apenas o deixou suspenso
sobre o prato enquanto olhava para ele do outro lado da mesa. — Fale-me sobre alguns
dos lugares que conheceu. De qual gostou mais?
O jantar esfriou enquanto eles partilhavam partes de si mesmos. E, quanto mais
conversavam e riam, mais profunda se tornava uma compreensão na mente de Devlin.
Realmente gostava daquela mulher, gostava muito dela. E não apenas pela
impressionante química sexual que ameaçava queimá-los vivos cada vez que
encostavam um no outro. E, quanto mais tempo passava com ela, mais níveis adoráveis
ele parecia descobrir.
Muito tempo depois, quando a garçonete já havia levado seus pratos e voltado
com o pudim de Jane e o chocolate mexicano quente de Dev e sua xícara de café, ele se
recostou na cadeira e a observou comer sua sobremesa.
— Então... sobre ir para a cama no primeiro encontro... — Demorando-se ao
lamber a colher, Jane olhou para ele, os olhos entre os cílios um fino fio de azul cercado
por uma tonalidade mais escura. Então ela abaixou a cabeça e lhe deu um sorriso
pudico.
— Não sou essa espécie de garota.
— Nem posso lhe dizer o quanto lamento ouvir isso.
O dedo do pé de Jane, em suas sandálias de salto alto, roçou o calcanhar dele
debaixo da mesa.
— Um homem realmente determinado poderia ser capaz de me fazer mudar de
ideia — murmurou ela, dando-lhe mais um daqueles sorrisos contraditórios eu jamais
sonharia em fazer sexo. — Gosto de homens muito motivados.
Ele ergueu a mão para a garçonete.
— A conta, por favor!
Jane riu e removeu o pé.
O celular de Dev tocou quando estavam andando para o carro esportivo que ele
escolhera para seu encontro e ele verificou o número que chamava.
— Desculpe, preciso atender. — Abriu o celular e levou-o à orelha. — O que
você quer, Finn?
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— Você já levou a serra para a mansão?
— Já, vou precisar dela em alguns dias.
— Mudança de planos, irmão, precisamos dela no trabalho do Morris amanhã.
Estou a caminho da mansão agora... onde posso encontrá-la?
— No armário da sala ao lado do solário, o que é ligado à parede norte. É tudo o
que precisa?
— É, não preciso de mais nada.
— Certo. Estou num encontro... não me ligue de novo.
— Entendi. — Finn riu. — Dê a Pernas um beijo grande, quente, por mim.
— Certo, isso vai acontecer.
Fechando o celular, guardou-o no bolso do paletó e passou um braço sobre os
ombros de Jane.
— Boneca, sou seu pelo resto da noite.
Ao cruzar o pátio entre os dois prédios que faziam parte do complexo do
condomínio de Jane um pouco mais tarde, Dev parou, puxou-a para seus braços e
beijou-a. Não ergueu a cabeça até senti-la se encostar, abalada, ao corpo dele.
— Convide-me para um café — ordenou.
Uma das coisas que ele realmente gostava em Jane era que ela não obedecia a
ninguém. Endireitando-se lentamente contra ele, tirou as mãos do pescoço de Dev e
suavemente lhe arranhou a nuca com as unhas.
— Bem... não sei.
Ele a beijou de novo até que aquelas mesmas unhas mergulharam em sua carne
para mantê-lo no lugar. Ele libertou a boca.
— Convide-me para entrar...
— Você gostaria de subir ao meu apartamento para... — Lambendo os lábios,
ela acariciou com as pontas dos dedos os pequenos crescentes que deixara em sua nuca
— ... uma xícara de café?
— Oh, sim.
Ele passaram pelo lobby em direção ao elevador como um casal de associados
em negócios. Mas, no minuto em que as portas do elevador se fecharam, Dev recostouse na parede e passou em braço na cintura dela, puxando-a para ele, a boca tomando a
dela. Quando ele levantou a cabeça dessa vez, Jane estava se encostando pesadamente
nele, uma perna roçando o lado externo de sua coxa.
Ele soltou o ar pesadamente.
— Este elevador tem uma câmera de segurança?
— Não sei.
— Então provavelmente é melhor eu não rasgar sua blusa. Odiaria que você
aparecese na internet num site sobre "Os Melhores Vídeos de Lingerie da Câmera
Indiscreta".
Ela deixou a cabeça cair no peito dele.
— Por que, oh, por que não comprei aquele apartamento no terceiro andar?
O elevador chegou a seu destino segundos depois e eles apostaram corrida do
elevador à porta do apartamento de Jane. Apertando o corpo contra o dela enquanto
Jane tentava abrir a porta, Dev passou as palmas das mãos em suas coxas e a beijou na
nuca. Quando a maçaneta abriu de repente, eles tropeçaram para dentro do apartamento.
Não chegaram logo ao quarto, distraíam-se se beijando e tentando remover a
roupa um do outro. Jane se libertou do beijo de Dev quando chegaram em frente à
cozinha.
— Sobre aquele café — ofegou Jane.
112
Ele se engasgou com uma risada, tomou-a nos braços e a carregou para o quarto,
onde a jogou sobre a cama e caiu ao lado dela. Erguendo-se sobre o cotovelo, ele
estendeu a mão para lhe desabotoar a blusa.
— Boneca, tenho uma dica para você. Jamais confie num cara que está ansioso
para saber a cor da lingerie que está usando sob esta roupa de Darth Vader. Ele faria
qualquer coisa para conseguir isso. — Abrindo-lhe a blusa, ele engoliu em seco. — Ah,
cara — suspirou, dobrando a cabeça para dar um beijo reverente no doce, doce e
delicado vale entre os seios que acabara de desvendar. — Verde.
Capítulo 17
Costumava pensar que os pais de Poppy chamavam a polícia de O Homem como
uma lembrança daquelas coisas dos anos 1960, uma gíria hippie contra a autoridade e
não um insulto deliberado a eles. Mas talvez tivessem razão.
— Ei, O que é isso? — murmurou Devlin alguns minutos depois, enquanto se
abraçavam depois do sexo. — Você está ficando tensa. — Massageou-lhe os quadris
nus com as palmas calosas em pequenos círculos tranquilizadores. — E acho que sinto o
cheiro de neurônios queimando. Em que está pensando tanto?
— Tenho ignorado meus instintos — disse Jane sem hesitar. Era um alívio
partilhar sua preocupação. Com um pequeno movimento, aninhou-se mais
confortavelmente contra ele e esfregou o rosto contra seu peito, sentindo os músculos se
moverem sob a pele quente enquanto ele a abraçava com mais força. — Disse a mim
mesma que uma coisa que sei nas entranhas que está acontecendo não está... e agora
tenho que fazer o que devia ter feito de imediato e chamar a polícia.
— Ooa! — Ele se virou de lado, afastando-a dele, mas então passando um braço
em torno de sua cintura para puxá-la. Quando seus rostos estavam um diante do outro,
olhos nos olhos, ele descansou a cabeça num bronzeado braço dobrado e a estudou. —
O que quer dizer, chamar a polícia? Que diabos está acontecendo?
Imitando a posição de Dev, Jane lhe contou sobre os itens desaparecidos das
coleções da Srta. Agnes.
— Percebi que alguma coisa estava estranha há alguns dias, mas me convenci
que estava imaginando coisas.
— Claro... você vive num mundo concreto. — Ergueu a cabeça e abaixou-a os
poucos centímetros para lhe beijar a curva do pescoço. — O que é apenas uma
observação, não estou tentando insultá-la.
— E não tomo como insulto porque é verdade. Gosto das coisas preto no branco.
— Principalmente preto — disse ele, baixinho.
Ela ignorou a observação, mas sua constante provocação sobre suas escolhas de
cor em roupas a fez sorrir... e, definitivamente, lhe melhorou o humor.
— Então, como estava dizendo antes de ser interrompida tão rudemente, pensei
que estava imaginando coisas. E fiquei até um pouco impaciente comigo mesma, sabe?
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Porque pode haver um grande número de explicações para grande parte das coisas de
que me lembrava não estar mais lá.
A ponta dos dedos dele lhe roçaram o lado do pescoço quando ele passou uma
mecha de cabelos para trás da orelha dela.
— Mas?
— Mas quando conferi os itens com a lista de inventário feita pelo especialista
do testamenteiro, todos os itens que não conseguia encontrar estavam lá.
— Significando que alguém os tirou entre aquela ocasião e agora.
— Sim. E quando chequei de novo toda a lista, havia outras coisas faltando
também. Então, tenho que chamar a polícia. Sem mencionar Poppy e Ava, com quem
devia ter conversado em primeiro lugar. Fiquei adiando, porém, esperando que a
situação se resolvesse sozinha. — Fez uma careta. — O que é ridículo; e é por isso que
tenho que parar de fugir das minhas responsabilidades e chamar todos.
— Mas não neste minuto — disse ele, puxando-a para mais perto até ficarem
ligados corpo a corpo. Dev abaixou a cabeça e lhe beijou a ponta do queixo com a boca
aberta, então roçou os dentes fortes pelo pescoço de Jane, parando na confluência do
pescoço com o ombro. — É tarde da noite.
Ela estremeceu com a ameaça sexual contra sua pele vulnerável... e jogou a
cabeça para trás para lhe dar mais acesso.
— Mal passa das 20h.
— Passa de 23h em Nova York — murmurou ele, escorregando no corpo dela. A
mão esquerda de Dev desceu com um toque leve como um sussurro por seu ventre,
então entre suas pernas. — Na Espanha, 5h.
Ela arqueou ao toque dele.
— Então concorda com aquele velho filósofo Jimmy Buffett? — ofegou Jane. —
Que sempre são 5h em algum lugar?
Dev puxou-a para mais perto ainda.
— Completamente. Haverá muito tempo para chamar pela manhã.
Gordon ficou parado diante do vestido Dior, uma faca afiada na mão e uma
fronha cheia de objetos roubados aos pés.
Esta era a terceira vez que se encontrava diante do vestido e estava começando a
ficar aborrecido com a própria relutância. Seu plano era simples... entrar, guardar o
máximo de objetos que podia caber no travesseiro sem que balançassem como as
correntes do fantasma do Christmas Past, então cortar o Christian Dior em tiras e fugir
dali.
Depressa e eficiente, com a recompensa extra de saber que destruíra metade do
presente da velha dama Wolcotts ao Met... e, junto com isso, a credibilidade de
Kaplinski no mundo do museu.
Bem, certo, o plano era destruir a coleção inteira, não apenas o vestido. Mas isso
teria que bastar, já que procurara na mansão inteira enquanto estava pegando seu butim
e não encontrara o resto das roupas de alta-costura. A cadela nojenta provavelmente já
as havia levado para o museu... embora fosse um mistério para ele o motivo por que
deixara para trás o que ela mesma dissera ser a peça central.
Bem, qualquer que fosse o motivo, apenas mostrava que a sorte de Ives
continuava a ser protegida pelos deuses. Eles claramente o amavam porque, embora não
pudesse destruir toda a coleção de Kaplinski, ter o vestido Dior ainda aqui pelo menos
lhe dava uma oportunidade de ouro para fazê-la se retorcer para encontrar outro ponto
focal para a exposição. E se sentia simplesmente glorioso por saber que ela ficaria
desesperada.
114
Este era o bônus que o fazia tremer de alegria. Era também alguma coisa de que
não devia se gabar mais tarde. Não mantivera uma reputação ilibada todos aqueles anos
abusando da sorte. Era um jogador, certo, mas havia uma grande diferença entre arriscar
numa boa oportunidade e ir além do bom-senso. No que se referia a possibilidades e
probabilidades, aprendera a prestar muita atenção nas últimas.
Portanto, era hora de fazer o que viera fazer e fugir. As contas douradas do
vestido brilhavam à luz suave do abajur que acendera e, aproximando-se, ergueu a faca.
Apenas para deixá-la sobre o vestido por um instante antes que sua mão caísse na lateral
do corpo.
— Droga!
Não podia fazer aquilo. A peça era mais do que espetacular e estava num estado
inacreditável para um tecido com mais de meio século de idade. Simplesmente, não
podia destruí-lo com a faca.
Mas isso não significava que iria embora e apenas o deixaria lá para Kaplinski.
Podia não ser capaz de destruir uma peça tão linda, mas ela não vencera. Tirou o vestido
de seu cabide forrado de cetim, dobrou-o cuidadosamente e o colocou em cima de seus
tesouros, dentro da fronha.
Inferno, isso era ainda melhor; ele o montaria numa caixa de vidro que filtrasse a
luz ultravioleta, com espaço suficiente, é claro, para impedir que qualquer coisa o
tocasse... e o acrescentaria à sua coleção de belezinhas.
Ao longo dos anos, havia roubado um item aqui e um objeto ali dos diversos
museus onde fizera estágio ou trabalhara. Era surpreendentemente fácil de fazer, se a
pessoa tivesse coragem. Não roubava o que o museu tinha de mais popular ou valioso,
obviamente. Ele esperava uma das periódicas limpezas de coleções há muito
armazenadas, nas quais eram separadas as peças que haviam se quebrado ou ficado
muito danificadas, fazia-se uma lista das peças, acrescentando duas ou três
perfeitamente boas. Quando levava a lista para o curador responsável, ele assinaria a
lista, sempre dizendo alegremente, quando a recebia de volta:
— Mas você vai checar pessoalmente, tenho certeza.
Como a maioria dos curadores sêniores não gostava de perder tempo em
depósitos empoeirados. Apenas uma vez um deles o fizera, e fora com tristeza
verdadeira que Gordon chegara ao depósito antes dele para quebrar as peças que alegara
terem sido danificadas.
Desde que aprendera a não mergulhar no mesmo poço mais de uma vez, não
tivera mais um butim tão abundante, mas aquilo apenas tornava maior a alegria que
sentia por fraudar o sistema.
E, com certeza, era mais do que compensador ter sua coleção antes que Jane
fosse nomeada herdeira da fortuna Wolcott. Naturalmente, ele jamais contara a ela sobre
sua coleção, mas sua existência fora um poderoso segredo que guardara para si mesmo
enquanto lutavam pela supremacia com as exposições que Marjorie designava a cada
um. Então, de repente, ela passara à frente e era tão desgraçadamente injusto que tinha
vontade de matar. Respirando com força, ele olhou para seu saco de itens.
A agitação diminuiu.
Pelo menos teria isso. Assim, grande coisa se sua coleção pessoal fosse modesta.
O vestido Christian Dior de Kaplinski receberia o lugar de honra nela. E ele sorriria
cada vez que olhasse para ele, lembrando-se de como a havia prejudicado.
Também gostaria da lembrança de ter levado a melhor com ela quando as peças
que estava roubando lhe fornecessem os fundos para o torneio de pôquer que finalmente
lhe abriria as portas para o caminho da riqueza. Um dia, teria coleções com origens
impecáveis. Museus que haviam deixado de lhe apreciar o gênio, quando poderiam ter
115
se beneficiado dele, implorariam pela oportunidade de exibir suas posses. E dependeria
de seu humor dar-lhes ou não permissão.
Gordon não chegou a assobiar de felicidade, mas seus passos eram leves quando
apagou a luz e saiu para a cozinha. Então, a apenas alguns passos da entrada, ouviu
vozes masculinas na porta dos fundos e o som de uma chave na fechadura. Filho da
mãe!
Entrou rapidamente na sala de jantar antes que quem quer que fosse que estava
lá abrisse a porta e o visse. Olhou em torno, a adrenalina do perigo lhe correndo com
rapidez pelas veias e uma voz subitamente clara disse:
— ... embora, por que você iria querer sua cabana... desculpe, seu chalé... bem
na 190 está além da minha compreensão. Certo, provavelmente é mais calmo quando há
neve lá, mas agora vou associar para sempre a palavra chalé, que devia evocar uma
loura peituda com aquela coisa de trança em torno da cabeça, com o som de freios
descendo a ladeira. Durante. Toda a maldita noite.
Grato pela luz da lua que entrava através das janelas altas e envidraçadas,
Gordon olhou em torno. Com a possível exceção de um armário embutido, não havia
nada na sala de jantar com o potencial de escondê-lo completamente. Mantendo-se perto
da parede, ele a cruzou silenciosamente, esperando que não estivesse completamente
cheio. Podia usar um lugar que lhe desse mais cobertura do que a longa mesa de mogno.
Quando abriu a porta com painéis, porém, descobriu que o espaço estava
ocupado por um velho elevador manual quebrado. Por um milésimo de segundo, apenas
olhou para o objeto, pensando que não havia o menor sentido a coisa estar ali quando a
cozinha era bem do outro lado do corredor. Então deu de ombros, impaciente; sem
dúvida, a cozinha antigamente era no porão. O importante era que o elevador não era
grande o bastante para ele entrar e, de qualquer maneira, não podia confiar em seu
sistema antigo de cordas para suportar seu peso. Mas deixou nele a fronha quando ouviu
as vozes dos homens se aproximar. Então fechou a porta do armário e se escondeu atrás
da porta da sala, que estava entreaberta.
Se os homens fossem trabalhadores, então apenas haviam voltado para alguma
coisa que haviam esquecido. E, se fosse o caso, tudo o que tinha a fazer era se sentar
imóvel até eles subirem. Então agarraria seu saco... que, pensando melhor, devia ter
mantido em seu poder... e fugiria.
— Vou pegar a serra e já volto — disse um homem que, de repente, estava a
apenas alguns centímetros de onde Gordon se escondia e a respiração congelou em sua
garganta. Estavam separados por um espaço tão pequeno que Gordon poderia esticar o
dedo pela fresta da porta e puxar uma mecha dos cabelos dele.
— Excelente — disse outro homem, a voz vindo da direção da cozinha. — É um
dia feliz quando consigo alguém que faça meu trabalho para mim. Vou apenas me
sentar aqui, pôr os pés para cima e esperar.
Rindo, o segundo homem continuou a andar pelo corredor, mas a mente de
Gordon gritava:
— Droga, droga, droga, DROGA!
O pânico que não sentira quando os homens apareceram o tomou pela garganta e
seus músculos pulavam e se retorciam sob a pele num anseio, alimentado pela
adrenalina, de fugir. Mas respirou fundo, tentou se acalmar e se deu um sermão mental.
Você é mais forte do que um anseio primitivo, garantiu a si mesmo severamente.
Fique quieto. E ficou, recusando-se a permitir que os instintos, que já deviam ter sido
erradicados quando o homem atingiu a Era Industrial, o fizessem correr para a porta.
Isso não só alertaria os dois idiotas, mostrando-lhes que não estavam sozinhos na casa,
mas agir assim lhes daria uma pista de sua posição.
116
Seus músculos se acalmaram e ele sorriu. Tudo o que precisava fazer era esperar
que saíssem. Aquele podia não ser o mais seguro dos esconderijos na mansão, mas se os
homens estivessem trabalhando por algum tempo numa outra sala da mansão então,
provavelmente, jamais nem mesmo olhariam para a sala de jantar. Assim, estava tudo
bem, tudo ficaria muito bem.
Gordon ficou completamente imóvel atrás da porta pelo que achou que fossem
horas, mas que provavelmente tinham sido apenas minutos. Então o homem no andar
superior gritou:
— Dev não disse que deixou a serra na sala ao lado do solário?
— Disse, o que fica no lado norte — respondeu o Homem da Cozinha.
— O quê?
— Pelo amor de Deus, David. — Resmungando alguma coisa sobre como o que
ele sempre quis era um filhote de cachorro, mas ganhara um irmão mais novo e inútil no
lugar, um homem de cabelos escuros passou diante da porta da sala de jantar com
passos longos. Um segundo depois, Gordon o ouviu subindo a escada de dois em dois
degraus.
— Eu disse no lado nor...
Gordon não esperou para ouvir mais nada; voltou para o armário o mais depressa
que pôde, abriu a porta e estava estendendo a mão para pegar seu saco com o butim
quando ouviu o homem chamado David dizer alguma coisa e então ouviu o som
inconfundível de passos descendo a escada.
Fuja! FUJA! Seu instinto de fugir surgiu com uma força que não podia ser
contrariada e, entrando em verdadeiro pânico dessa vez, Gordon fugiu da sala, correndo
através do corredor para a cozinha e para fora pela porta dos fundos antes que os
homens que ouvira pudessem chegar ao fim da escada.
Chegara a seu carro, a três quarteirões de distância, e tinha a mão no trinco da
porta quando o pânico finalmente diminuiu. Seu primeiro instinto então foi voltar, dar
um pouco de tempo para os trabalhadores deixarem a casa e então recuperar seus
objetos.
Mas era tarde demais. Havia queimado suas pontes quando não desativara o
alarme antes de sair.
Conhecia muitos caras do bairro onde crescera que tentariam fazer isso, que
correriam o risco de que os homens não teriam armado o alarme para uma parada rápida
e teriam entrado, pegado o roubo e fugido.
Mas também sabia que três quartos deles provavelmente começavam e
terminavam o dia com medo de deixar o sabonete cair no chuveiro coletivo da
penitenciária estadual; não tinha a intenção de se juntar a eles. Com um palavrão, entrou
no carro e foi embora.
Dev e Jane estavam procurando sorvete na geladeira quando o celular dele
tocou. Vendo quem era, balançou a cabeça, abriu o telefone e disse, a voz arrastada:
— Nem me diga que não conseguiu encontrar a serra, idiota, por que sei onde a
deixei.
— Temos um problema aqui, Dev — disse Finn, e a seriedade de seu tom
apagou o sorriso no rosto de Devlin.
— Na mansão? — Ele se afastou da bancada; Jane se virou para olhar para ele e
ele levantou a mão no gesto universal de "espere um segundo". Silenciosamente, ela
devolveu a caixa de sorvete à geladeira e fechou a porta.
— É, o alarme tocou enquanto David e eu estávamos no segundo andar.
— É possível que a porta não tenha fechado depois que vocês entraram?
117
Mas ele sabia que não; seu pai havia martelado conscientização e respeito pela
propriedade do dono das casas em que trabalhariam em suas cabeças desde o dia em que
eram bem grandes para segurar um martelo.
Sem mencionar a certeza de Jane de que alguns itens estavam desaparecidos.
— Desculpe, pergunta idiota.
— Conversamos com as pessoas que fiscalizam o alarme e elas chamaram a
polícia. Estão a caminho.
— Nós também.
Jane estava tensa esperando quando ele fechou o celular e o guardou no bolso.
— O quê?
— Finn e David acham que alguém entrou enquanto estavam lá e chamaram a
polícia.
— Maldição, eu sabia! — Ela correu de volta para o quarto. — Espere até eu
vestir alguma coisa — disse ela, tirando o paletó de pijama que vestira quando saíram
da cama. Vestiu uma calça jeans, uma blusa e um cardigã preto, então se sentou na
cama e calçou meias e sapatos.
Ele se calçou e vestiu a camisa e estavam fora de casa em cinco minutos.
Quando pararam na entrada um pouco depois, a mansão estava iluminada como
a Macys no Dia de Ação de Graças. Entraram e encontrarm David e Finn esperando por
eles na cozinha; os dois homens se levantaram.
— Lamento, Jane — disse Finn.
— Pelo que? Não foi sua culpa.
— Achamos que talvez alguém estivesse aqui quando chegamos. David e eu
devíamos ter sido mais vigilantes.
Ela balançou a pasta com os papéis do inventário.
— Se é culpa de alguém, é minha — disse ela. — Esta não é a primeira vez que
entraram. Acabei de dizer a Devlin que percebi que algumas coisas estavam faltando.
Mas, como não queria acreditar, adiei a decisão de chamar a polícia.
— É, é, e quando você falou em chamá-los mais cedo, eu a convenci a esperar
pela manhã, então a culpa é minha. — Dev balançou a cabeça, impaciente. — Podemos
brincar de quem é a culpa a noite inteira, mas isso não nos levará a lugar nenhum.
— Verdade — disse ela, aborrecida —, então farei alguma coisa concreta. Vou
levar minha lista do inventário para o salão e ver o que mais está faltando.
Finn observou-a deixar a cozinha.
— Eu me sinto mal por isso.
David acenou, concordando.
— É horrível — confirmou Dev.
— NÃÃOOO! — Jane gritou subitamente e havia tanta angústia em sua voz que
ele e os irmãos quase atropelaram uns aos outros na pressa de chegar primeiro ao salão.
Escorregaram no piso encerado alguns segundos depois.
Jane se virou quando os ouviu chegar, abraçando-se contra o frio que
subitamente tomara o salão.
— Levaram o Dior — disse ela, a histeria ameaçando dominá-la. — Oh, Deus,
eles levaram o Dior!
— O que é um Dee-ore? — perguntou David, e ela soltou um braço por tempo
suficiente para apontar um dedo trêmulo para a arara agora vazia, como se isso
respondesse à pergunta dele.
— Aquele vestido dourado que estava sempre pendurado lá? — perguntou Dev
e, embora ele estivesse apenas adivinhando, ela ficou satisfeita de que ele, pelo menos,
tinha uma ideia do que ela estava falando.
118
Ela acenou, forçando-se a sorrir pela inteligência dele. Então, para o horror dos
três homens, uma grande lágrima fugiu aos seus melhores esforços para segurá-la e
rolou.
— Oh, cara, não chore — implorou David. Finn desviou o olhar, o queixo
cerrado.
Dev se aproximou dela em dois grandes passos e passou um braço por seus
ombros.
— Quem iria querer um vestido? — perguntou ele com a calma lógica
masculina. — Talvez você o tenha posto de volta no closet secreto com o resto das
coisas e esqueceu. O que acha?
Ela riu sem achar graça nenhuma.
— Não, esta teria sido a coisa inteligente a fazer. Tive tanto cuidado com tudo o
mais, mas o Dior era meu... não sei, meu talismã, ou qualquer coisa assim. Eu o deixei
de fora para me inspirar a fazer a melhor exposição que o Metropolitan Museum já viu.
— Ela enxugou os olhos com movimentos rápidos, contra o peito de Devlin. — Agora
vou ter que contar à diretora que uma parte vital da doação da Srta. Agnes ao museu foi
roubada por que fui arrogante e descuidada.
A campainha tocou no foyer e os quatro se olharam, atônitos por um momento
porque ninguém jamais usava aquela porta; então Finn sacudiu os ombros.
— Os tiras — murmurou, e saiu para deixá-los entrar.
Como descobriram pouco depois, não era um "eles", mas apenas uma mulher de
patrulha... uma loura de expressão severa. Ela e Finn conversaram brevemente, então
ele levou a mulher para o salão.
— Esta é a policial Stiller, Jane. Policial, Jane Kaplinski.
Jane havia se afastado de Dev para ter pelo menos a ilusão de que estava no
controle. Funcionando no piloto automático, Jane estendeu a mão, mas, antes de
levantá-la, a policial Stiller fez um aceno brusco, ignorando o quase convite para apertar
a mão de Jane. Seu coldre estalou quando ela puxou uma caderneta do bolso do quadril.
— Você é a proprietária?
Sentindo-se desajeitada, Jane colocou a mão no bolso do jeans.
— Co-proprietária com Ava Spencer e Poppy Calloway. — Virou-se para Dev,
piscando. — Preciso chamá-las.
A policial Stiller também se virou para ele.
— E você é?
— Devlin Kavanagh. Você já conheceu meu irmão Finn e este é David. Somos
da Kavanagh Construction... estamos fazendo uma ampla reforma na mansão Wolcott.
— Às 21h45?
Ele entrecerrou os olhos, mas a voz continuou neutra.
— Trouxe para cá ontem uma serra da empresa e meus irmãos vão precisar dela
amanhã para outro trabalho, por isso, vieram buscá-la. O alarme disparou enquanto
estavam aqui, indicando que alguém que já estava dentro se assustou com a presença
deles e fugiu.
— Ou que seus irmãos se esqueceram de armar o alarme ou de fechar a porta
totalmente quando entraram.
Finn deu um passo à frente.
— O alarme está programado para reativar automaticamente — refutou ele numa
voz fria. — Se quiser, pode chamar a empresa de segurança para verificar a hora em que
o alarme foi desligado.
A cabeça de Jane pulou.
— Eles podem fazer isso? — Finn acenou para ela.
119
— O sistema é o mais atualizado que existe.
— Então preciso ver todos os momentos em que o alarme foi ligado e desligado
desde que o sistema foi instalado — disse ela. — Tenho uma lista de coisas
desaparecidas antes do incidente desta noite.
A policial a olhou com severidade.
— E você não pensou que era importante denunciar isso?
— Conheço estas coleções por quase toda a minha vida e a princípio não tinha
certeza se alguns dos itens de que dei falta estavam desaparecidos ou apenas tinham
quebrado ou se gastado. Mas quando chequei a lista do inventário, percebi que não
estava imaginando coisas. Conversei com Devlin sobre isso esta noite e pretendia fazer
uma queixa pela manhã.
Stiller estudou-a por mais um momento e então se voltou de novo para Finn.
— Aceito, por enquanto, que a empresa de segurança pode verificar se vocês
ligaram o alarme. Mas como pode ter certeza de que não se distraiu e deixou de fechar
completamente a porta depois que entraram?
— Deixando de lado o fato de que nosso pai arrancaria nossas peles vivos se
fôssemos tão descuidados, você quer dizer?
A policial Stiller realmente sorriu um pouco e Finn continuou, muito sério:
— O sistema não permite que o código seja digitado quando uma porta ou janela
está aberta. Além disso, fiquei na cozinha enquanto David corria para cima para pegar a
serra... tempo suficiente para um alarme inadequadamente desativado tocar.
— Então, como alguém conseguiu passar por você?
— Quando David não conseguiu achar a serra...
— Porque fui para a sala ao sul do solário, em vez da sala ao norte — esclareceu
David.
—... fui para cima para ajudar, mas ele já percebera que estava na sala errada
enquanto eu ainda subia e localizou a serra onde Dev disse que estaria assim que
cheguei no alto da escada. Assim, apenas me virei e desci; senti a cozinha fria e foi
então que percebi que a porta dos fundos estava entreaberta. O alarme disparou cinco
segundos depois.
— Quem tem o código do alarme? — perguntou Stiller.
— Eu tenho, é claro — disse Jane — assim como Poppy e Ava e também os
Kavanagh.
Stiller olhou para Devlin.
— Sua empresa contrata imigrantes ilegais?
— Não, todos os nossos funcionários são cidadãos dos Estados Unidos. Também
temos responsabilidades por todos os nossos empregados diante do Estado. Pode checar
nossa história... nunca tivemos uma queixa.
— E o código de segurança desta casa? Fica em algum lugar para que seus
trabalhadores entrem e saiam se vocês não estiverem disponíveis?
Os olhos dos três irmãos se entrefecharam e Finn disse:
— Nós somos a equipe neste trabalho. Nossos outros companheiros estão
ocupados com outro projeto.
— E por que faríamos uma coisa tão irresponsável mesmo se eles estivessem
aqui? — perguntou Dev friamente, dando um passo à frente. — Está tentando sugerir
que isso foi um trabalho interno?
Jane se assustou, porque a possibilidade jamais lhe ocorrera. Considerou-a por
cinco segundos, pensou mais uns dois no que sabia sobre Devlin e sua família... e
descartou a noção como ridícula.
120
— Precisa admitir que o que me contou até agora faz parecer que foi assim —
disse a policial com uma gentileza que não demonstrara até então.
— Isso é loucura — disse Jane. — Poppy investigou completamente a Kavanagh
Construction antes de contratá-la. Estão no mercado desde 1969, há quase 40 anos, sem
uma única mancha em seu histórico. Por que arriscariam uma reputação conquistada
com tanto trabalho por um punhado de peças que, admito, valem uma fortuna, mas
apenas se souber como vendê-las?
— Você parece conhecê-las bem — disse a policial. — Saberia como vendê-las?
— Sou curadora do Metropolitan Museum, assim, sim, sei. Mas se está
sugerindo que levei os objetos, deixe-me lembrar-lhe que já sou dona deles. E pode
investigar minha vida, descobrirá que não tenho dívidas ou vícios que exigem dinheiro
rápido.
— Pode me dar uma lista do que desapareceu?
— Posso lhe dar o que já listei até agora, mas precisarei de um dia ou dois para
descobrir o que foi levado esta noite. A única coisa de que tenho certeza é um vestido
Christian Dior. — O estômago dela deu um nó e, passando os dedos entre os cabelos,
ela soltou a respiração. — Isso foi uma tragédia para mim.
— Está mais estressada por causa de um vestido? — O tom da policial Stiller
não deixou dúvidas do que pensava por ela ficar tão abalada pela perda de alguma coisa
tão frívola.
Os ombros de Jane se ergueram e ela olhou a mulher nos olhos, cansada de sua
falta de sensibilidade. Era a vítima aqui, não a vilã... e certamente nenhuma cabeça
vazia e idiota obcecada pela moda.
— Estou estressada pelo roubo de um vestido de alta-costura vintage da década
de 1950, que vale mais de 20 mil dólares e que não pertence a nós... a mim, a Poppy e a
Ava. O Dior é parte de uma doação para o Met que estou catalogando em preparação
para uma exposição, e fracassei em protegê-lo, como protegi o restante da coleção.
Assim, não é apenas um golpe do ponto de vista estético, é um golpe contra mim
profissionalmente. Isso, provavelmente, vai prejudicar seriamente minha carreira.
— Então, concordo que deveria ter tomado mais cuidado com ele — disse a
policial Stiller.
— Ei! — gritaram os três homens, e David e Finn seguraram Devlin quando ele
deu um passo enfurecido em direção à policial.
— Bem, obrigada por chamar minha atenção para isso — disse Jane com toda a
dignidade que pode reunir —, porque não consegui compreender sozinha que falhei.
Bom Deus, senhora, pensei que não era possível me sentir pior sobre o que aconteceu.
— Olhou a policial nos olhos. — Parece que estava enganada sobre isso também.
— Desculpe — disse Stiller, rígida. Uma cor escura lhe tomou o rosto, mas ela
olhou para Jane sem piscar. — Devia ter dito de forma mais diplomática, mas foi um dia
duro. Vou anotar tudo, é claro. E vamos fazer uma investigação nas casas locais de
penhores para saber se alguma coisa aparece. Mas, pelo visto, vocês têm pessoas
entrando e saindo daqui o tempo todo e, da mesma forma que investigamos primeiro os
familiares num caso de homicídio, investigamos os que têm conhecimento do código de
segurança num roubo em que não há sinais de arrombamento, particularmente já que
você afirmou que esta não foi a primeira vez que sofreu uma perda. Assim, vamos ter
que checar todo mundo que tinha acesso. Além disso... bem, a menos que possa nos
indicar outras pessoas que poderiam ter acesso ao código, não sei o que mais posso
fazer.
— Deixe-me lhe mostrar tudo para lhe dar uma ideia de com que estamos
lidando e porque não reconheci logo que havia peças faltando.
121
Depois de passar mais 20 minutos mostrando à policial as coleções da Srta.
Agnes que estavam no salão, Jane lhe entregou uma lista dos itens que haviam
desaprecido antes do roubo daquela noite.
— Eu lhe darei o restante depois de amanhã — prometeu, enquanto levava a
policial Stiller para a porta da frente.
Jane fechou a porta depois de a policial sair, virou-se e se recostou nela. Tirou os
cabelos da testa com a mão cansada e olhou para os três Kavanagh que a haviam
seguido até o foyer da frente.
— Bem, isso foi divertido. Alguém mais sente a necessidade de um bom grito
primario?
David deu um passo em direção a ela.
— A policial tem razão sobre como isso parece — disse ele cuidadosamente. —
Você realmente não nos culpa?
Ela piscou.
— É claro que não; não sei que diabos está acontecendo, mas tenho certeza que
nenhum de vocês é capaz de roubar.
Finn a agarrou e lhe deu um grande beijo na boca. Sua habilidade nesse
departamento teve quase o mesmo efeito de ultrapassar a escala Richter de seu irmão e
ela piscou quando ele a colocou no chão e se virou para olhar para Dev.
— Case-se com ela depressa, meninão — aconselhou —, ou eu me casarei.
Capítulo 18
Graças a Deus pelas amigas. Que mundo desgraçado este seria sem elas.
Poppy e Ava chegaram à mansão 20 minutos depois de Jane chamá-las.
— Lamento tanto, caras — disse ela depois de explicar os acontecimentos da
noite em detalhes mais minuciosos do que quando conversara com elas pelo telefone. —
Falhei miseravelmente com vocês.
— Deixe de besteira — disse Poppy. — E eu que pensei que você era Deus e,
graças aos santos, não é.
— Ela não é Deus? — perguntou Ava, incrédula, então deu de ombros
filosoficamente. — Ah, bem, de certa forma, é um alívio, não é? Porque Deus não
comete erros, e apenas veja como ela estragou tudo. — Passando um braço em torno
dos ombros de Jane, puxou-a contra o corpo e lhe deu um abraço forte, emocionado, e
disse, séria: — Controle-se, Janie, você não tem que carregar tudo sozinha nos ombros.
Poppy acenou, concordando.
— Você conseguiu descobrir quais as peças das coleções da Srta. A. que estão
faltando e isso é mais do que eu ou Ava conseguiríamos.
— É, viva eu — disse Jane, desanimada. — Eu as descobri... e então estraguei
tudo tentando me convencer de que não sabia o que sabia.
122
— É claro que tentou. Temos um sistema de segurança novo e moderno. .. por
que você pensaria que alguém conseguiria passar por ele para nos roubar?
Dev entrou no salão, parecendo rude e competente, todo ombros largos no suéter
que usara para o encontro deles. Um encontro que parecia ter acontecido séculos atrás.
— Finn e David foram embora e eu preparei o sistema de alarme para mudar o
código. Você se lembra do que fazer depois que instalar o novo número?
— Sim. — Virou-se para as amigas. — Temos que instalar um novo código.
Alguma ideia?
Ele se virou para sair.
— Deixarei isso com vocês.
— Não — disse ela —, vamos lhe dar o novo código assim que decidirmos qual
será. Isto é... — Virou-se para as amigas: — Vocês concordam que não foi nenhum dos
Kavanagh, certo?
Sua própria convicção era uma coisa instintiva. Mas isso não a impediu de
esperar pela decisão de Poppy e Ava com certa ansiedade. As três sempre concordavam
em grandes coisas, mas geralmente tinham diferenças de opinião sobre coisas pequenas.
Se elas tivessem dúvidas sobre isso, seria a primeira grande divergência em suas vidas.
— Eu realmente concordo com você — disse Poppy, e Jane quase tremeu de
alívio. Então se virou para olhar para Ava.
A ruiva desviou os olhos de Jane e voltou-os para Devlin.
— Não tive tanto contato com você ou com seus irmãos como estas duas —
disse ela —, mas confio em Jane. Ela tem bom instinto. — Os cantos de sua boca se
ergueram num sorriso leve. — E as pessoas podem olhar para Poppy, com seus grandes
olhos castanhos, os cachos louros e as saias de hippie que gosta tanto de usar e pensar
que ela é uma cabeça oca, mas Jane e eu sabemos como é grande sua tenacidade e
atenção aos detalhes. Passou muito tempo pesquisando sua empresa antes que nós a
contratássemos.
— Sim, passei — concordou Poppy, mas não sentiu necessidade de enfatizar o
ponto porque se virou imediatamente para as amigas. — E sabem o que me aborrece
mais em toda esta situação... além do fato de Janie ter perdido a peça central de sua
exposição, é claro? É a atitude da policial. Porque alguém roubou essas peças e, se não
fomos nós nem os Kavanagh... mas a polícia insiste em concentrar sua investigação
apenas em nós... então estão praticamente dando a quem quer que levou tudo uma
licença para roubar. E a ideia realmente me deixa furiosa.
— Concordo plenamente — disse Ava —, e vou ter uma conversa com tio
Robert sobre isso. Ele e o prefeito jogam golfe juntos quase toda quarta-feira. — Ela
lhes deu um sorriso esperto que contrastava fortemente com a impressão de Deusa da
Terra que seu colorido e suas curvas abundantes geralmente passavam. — Acho que é
hora de eles terem uma conversa mais importante do que as discussões sobre as
dificuldades de jogar uma bolinha com um taco pelo gramado.
— Lembre-me de jamais ficar do lado errado de Ava — disse Dev enquanto
levava Jane de carro para casa uma hora depois. — Foi como ver dentes de crocodilo
crescerem em Marilyn Monroe. — Olhou rapidamente para Jane, que estivera o tempo
todo olhando o panorama pela janela. — Ela realmente consegue conversar com o
prefeito?
Jane se virou para ele, fazendo um esforço para desmanchar as rugas na testa.
— Sim, os pais dela não são as pessoas mais agradáveis do mundo, mas têm
conexões com grande parte da máquina política de Seattle, do King County e do estado
de Washington.
— Maneiro.
123
— Suponho que sim — concordou, desanimada. — Se não pode ter um tipo de
família mamãe e torta de maçã como você tem, um político na dinastia é quase a
segunda coisa melhor.
Ceecertooo. Mas quando se lembrou do que a fizera dizer aquilo, estendeu a mão
e lhe apertou a coxa.
— Lamento sobre seu vestido, boneca.
— É, eu também. — Fez uma careta. — E estou me comportando como um bebê
chorão sobre isso. — Enrijeceu um pouco a coluna. — Suponho que preciso superar.
Como a policial Stiller fez questão de dizer, é apenas um vestido. Não é como se eu
tivesse a solução para a paz mundial e tivesse perdido o papel em que escrevi a fórmula.
— A policial Stiller é uma idiota. E acho que deve se permitir chorar por causa
disso, sempre pode deixar para superar amanhã.
— Oh, gostei disso. — Ela lhe deu o primeiro sorriso de verdade desde a
descoberta do roubo do Dior. — Obrigada, farei isso... deixarei para fazer meu drama
amanhã.
Ele encontrou uma vaga para estacionar bem em frente ao condomínio. Passou o
braço pelo ombro dela para acompanhá-la e Jane se recostou nele, como se estivesse
cansada demais para suportar o próprio peso. E ele percebeu de novo como estava
deprimida com os roubos. E uma necessidade estranha e calorosa de protegê-la lhe
encheu a mente.
Case-se com ela depressa, meninão, ou eu me casarei.
O passo dele falhou por um segundo, então voltou a andar normalmente, um
rosnado suave lhe escapando. É, certo. Queria protegê-la do tipo de golpe que levara
esta noite, não se amarrar para toda a vida a uma mulher que estava apenas começando
a conhecer.
Estavam quase chegando ao lobby e Jane procurava na bolsa sua chave quando
vozes carregadas de drama e paixão atravessaram a porta de vidro do vestíbulo; ela
parou, a cabeça levantando depressa.
— Oh, droga — resmungou ela —, esta noite continua a ficar cada vez melhor,
não é?
Ele olhou do casal mais velho discutindo no lobby para ela.
— Vizinhos seus?
— Oh, não, muito melhor do que isso. Estes são Mike e Dorrie, protagonistas do
Sempre Maravilhoso Show Itinerante do Casal Briguento. — Ele devia ter parecido tão
atônito quanto se sentia e ela acrescentou: — Mike e Dorrie Kaplinski.
— Oh, quer dizer... ?
— Meus pais, sim. — Ela enrijeceu os ombros. — Escute, por que não vai para
casa? Confie em mim, você não precisa disso... e prometo que lhe telefonarei no minuto
em que terminar de lidar com qualquer que seja a crise imaginária desta noite.
Ficou na ponta dos pés, deu-lhe um beijo de boa-noite, então se separou dele e
abriu as portas para o lobby. Acho que não, boneca. Ele a seguiu.
A mulher de vinte e poucos anos atrás do balcão em curva da portaria recebeu a
chegada deles com uma expressão de imenso alívio.
— Oh, vejam — disse ao casal que não parará de brigar tempo bastante para
perceber que não estavam mais sozinhos —, aqui está sua filha.
Jane lançou a Sally um olhar em que lhe pedia desculpas.
— Eles chegaram separados?
— Sim, primeiro seu pai, depois sua mãe. Por favor, pode levá-los para seu
apartamento?
Jane suspirou.
124
Um homem de rosto vermelho e com os cabelos castanhos brilhantes de Jane se
levantou do sofá de couro largo em frente à bancada.
— Estamos esperando por você há mais de uma hora, Jane Elise — disse ele.
A mulher de cabelos vermelho-alaranjados continuou sentada, as mãos no
encosto do sofá. A posição a deixava empinada e jogava para frente seu busto e ela
cruzava e descruzava as pernas vestidas em calça azul elétrico, o pé que estivesse por
cima batendo um ritmo impaciente no ar.
— Não apenas isso, mas esta moça — disse ela, apontando o queixo em direção
a Sally — se recusou a nos permitir esperar no conforto do seu apartamento.
Jane agarrou a mão de Dev e se dirigiu para o elevador, que se abriu assim que
ela apertou o botão. Olhando para trás, Dev viu o pai andando rapidamente atrás deles e
a mãe se levantando, desajeitada, do sofá para segui-los.
— Se tivessem me telefonado para me dizer que vinham — disse Jane friamente
quando todos entraram no elevador —, eu poderia ter lhes dado a hora aproximada em
que estaria em casa. Embora, com tudo o que aconteceu esta noite... — Interrompeu-se
e balançou a cabeça. — Mas o que estou pensando, vocês não estão interessados nos
meus problemas.
Dev olhou para ela surpreendido; é claro que estavam interessados, eram os pais
dela.
Mas... nem o pai nem a mãe fez qualquer pergunta em reação àquela
provocação. Assim, talvez ele devesse fazer a cortesia de reconhecer que ela os
conhecia melhor do que ele.
— Quanto a Sally, mãe — continuou Jane —, ela não a deixou entrar no meu
apartamento porque deixei instruções a todos que trabalham na portaria para não deixar.
— Você nega à própria mãe esse mínimo conforto? Bem, se isso não é a coisa
mais desatinada e fria que já ouvi! Mas, é claro, estamos falando sobre você, não
estamos, Srta. Peixe Frio?
A presença de Dev subitamente pareceu chamar a atenção da mulher, quando o
elevador chegou ao andar de Jane.
— Quem é você? — perguntou, enquanto Jane seguia pelo corredor, seguida
pelos outros, e destrancava a porta. A mulher o olhou dos pés à cabeça. — Você parece
ter sangue quente demais para ser o namorado de Jane. Vocês dois trabalham juntos no
museu, ou coisa assim?
O rubor subiu pelo pescoço de Jane à imprudência da mãe e uma raiva gelada se
localizou no estômago de Dev. Aquela era uma atitude dos infernos para adotar em
relação à própria filha.
— Não senhora. — Passou o braço em torno dos ombros de Jane, puxou-a para
junto do corpo, a mão balançando acima do seio dela. Enrolou uma mecha de cabelos
no indicador e acariciou sua textura de cetim com o polegar, os nós dos dedos roçandolhe o seio a cada carícia. — Sou Dev... namorado de Janie.
— É mesmo? — Dorrie ergueu uma sobrancelha para Jane. — Então, todo
aquele problema com paixão parece ter desaparecido quando encontra alguma.
Jane lançou um olhar frio à mãe.
— Você não sabe nada sobre meu relacionamento com Devlin.
— Mas isso não é importante — interrompeu Mike, e Dev olhou para ele,
atônito. Um pai acaba de saber que a filha está tendo um caso quente com um cara que
ele não conhece e acha que não vale nem um comentário? — Você precisa fazer sua
mãe criar juízo, Jane.
— Não, papai, não preciso — discordou ela, passando os dedos pelas têmporas.
— Eu sou a única a lembrar as últimas 25 vezes em que falamos sobre este mesmo
125
assunto? — Nenhum dos dois respondeu, e ela suspirou. — Acho que sim. Bem, deixe
que lhes refresque a memória. Leve seu problema para sua mãe, como costumávamos
dizer na escola. Não estou mais interessada em ser a plateia de vocês.
Dev compreendeu perfeitamente por que aquela era a fala de Jane pela 26a vez;
mal tinha terminado, o pai interrompeu.
— Jane, estamos produzindo Gata em Teto de Zinco Quente e ela quer ser
Maggie, a Gata! Pelo amor de Deus, diga a ela que está velha demais para o papel! Eu
mesmo disse, até ficar azul, mas você sabe como sua mãe é teimosa!
Jesus. Dev franziu a testa para o pai de Jane. Como ela poderia responder a isso,
perguntou a si mesmo com desagrado. Fale sobre uma situação em que seria incapaz de
vencer. Se concordasse com o pai, estaria condenando a mãe; ao mesmo tempo, não
podia discordar e magoar o pai.
Mas Jane era feita de material mais rude do que ele pensava ou apenas estava
acostumada com coisas como aquelas.
— E presumo que você pensa que você é jovem o bastante para fazer o papel de
Brick?
— Você entendeu — concordou Dorrie. — Portanto, diga ao velho tolo que é ele
que...
— Tenho uma manchete para vocês — disse Jane, cortando a fala da mãe. —
Vocês dois são velhos demais para os papeis. Assim como eram velhos demais quando
quiseram fazer os papeis de Oberon e Titania em Sonho de uma Noite de Verão.
Portanto, procurem um papel de Grande Papai e Grande Mamãe. Ou, e aqui vai uma
sugestão, procurem uma peça adequada, pelo menos uma vez. Como Arsenic and Old
Lace, talvez.
— Não vou dividir o papel de protagonista com outra mulher! — exclamou a
mãe com o horror que qualquer mulher teria se alguém sugerisse que vendesse sua filha
como escrava branca.
— Então façam Quem tem Medo de Virgínia Woolf! — disse Jane, irritada.
Houve um silêncio instantâneo, então...
— Ooh! — disse Dorrie, pensativa.
— Isso não é nada mau — disse Mike. — Na verdade, é malditamente bom. —
Olhou para a filha. — Você tem gim? Devemos nos sentar e conversar sobre sua
sugestão.
Jane esfregou as têmporas com mais velocidade.
— Quando é que já tive gim em casa, papai?
— Verdade, você não é a melhor das anfitriãs.
— É isso mesmo — concordou Dorrie, mas sorriu para Jane. — Isso foi
brilhante, querida.
Dev observou o prazer na expressão do rosto de Jane, mas a mãe já estava se
virando para tocar o braço de Mike.
— Há apenas seis atores em toda a peça e provavelmente conseguiremos alguns
estudantes de teatro para fazer a garçonete e o... qual é o outro? O bartender? Oh, o
gerente, eu acho. — Balançou a cabeça. — De qualquer maneira, não é isso que é
importante. Meu ponto é que conseguiremos que os meninos façam os papeis por uma
ninharia.
— Minha cabeça vai explodir — resmungou Jane, e abruptamente Dev chegou
ao seu limite. Era como se eles não a vissem, a não ser que um deles precisasse dela
como uma arma contra o outro. Tirou a carteira do bolso, tirou uma nota de 20 dólares e
entregou-a a Mike.
126
— Aqui, vão tomar uma xícara de café e conversar sobre isso. Jane teve uma
noite difícil e precisa descansar.
— E de aspirina — murmurou ela. — Eu realmente, realmente, posso tomar
duas aspirinas.
O pai não hesitou em guardar a nota no bolso.
— Obrigado, filho. Venha, Dorrie, vamos para o El Gaúcho conversar.
— Não vou a nenhum bar fedendo a fumaça de charuto — disse Dorrie. —
Vamos ao Viceroy.
— Está brincando, certo? Os frequentadores de lá têm a idade de Jane.
A própria Jane parecia invisível para eles enquanto os levava para a porta, ainda
discutindo, e fechando a porta depois que saíram.
Dev observou que nem Mike nem Dorrie a abraçara ou beijara... nem quando
chegaram nem quando saíram. Em sua família, ninguém chegava ou saía da casa de um
parente sem um dos dois... e, no caso de sua mãe, avós e tias, os dois. Até aquela noite
ele considerara aquilo natural, nunca pensando sobre isso, além de ocasionalmente
desejar que tia Eileen usasse um tipo de batom que não manchava. De repente, porém,
ele viu sua família sob uma perspectiva que não tinha meia hora antes.
Lembrou-se da necessidade de Jane e foi ao banheiro, do outro lado da cozinha,
e estava com duas aspirinas e um copo de água gelada quando ela voltou da porta da
frente; então entregou-os a ela.
— Oh, Deus, obrigada. — Ela tomou as pílulas e toda a água.
— Quer mais? — perguntou ele, indicando o copo.
— Não, isso foi perfeito. Tudo o que quero agora é me deitar.
— Então se apronte e eu lhe darei uma massagem nos ombros depois que se
deitar.
Ela lhe deu um olhar cansado.
— Não precisa fazer isso.
— Sei que não preciso, eu quero.
— Olhe — disse ela, o olhar firme no dele, o queixo alto de orgulho —, não vou
pedir desculpas pelos meus pais. Sei que devia me sentir constrangida por você ver
como eles são, mas há anos desisti de acreditar que qualquer coisa que Mike e Dorrie
fazem reflete em mim.
— Inferno, é claro — concordou ele, enfático.
— Bem, era isso ou viver em estado de constante constrangimento —
acrescentou ela com sua costumeira franqueza, então fez uma careta. — Certo, a
verdade é que eu realmente, realmente, não queria que você visse como é confusa a
dinâmica da minha família e lamento que tenha sido envolvido no melodrama deles. Foi
gentil da sua parte ficar e me dar apoio...
— Boneca — interrompeu ele, estendendo a mão para tirar uma me-cha solta de
cabelo que caíra sobre os olhos dela. — Não sou gentil. Sua mãe, evidentemente, não
sabe nada sobre você se acha que há algum problema com sua sexualidade, e apenas
pensei que devia compreender isso. Mas, Janie — acrescentou com suavidade —, todas
as famílias são um pouco complicadas.
— Oh, Deus. — Ela descansou a testa no ombro dele. — Não seja tão
compreensivo, por favor, acho que não consigo aguentar gentileza esta noite.
— Certo. — Virou-a e lhe apontou o quarto de dormir, depois lhe deu um leve
empurrão. — Vá se aprontar para a cama.
Ela não discutiu, apenas desapareceu no banheiro da suíte para seguir sua
sugestão.
127
Enquanto ela estava no banheiro, ele acendeu as velas na mesa de biblioteca
atrás do sofá de veludo verde e apagou todas as luzes, menos a do microondas.
De volta à sala de estar, acendeu a pequena lareira a gás e observou as chamas
azuis em torno dos falsos toros de madeira. Tirou os sapatos e se sentou para esperar.
Recostando-se contra um dos braços do sofá, ele esticou a perna direita nas almofadas, a
esquerda aberta, o joelho dobrado, e descansou o pé no piso de madeira. Olhou pela
janela, distraidamente estalando os dedos enquanto observava as luzes de uma balsa que
deslizava pela Elliott Bay entre os reflexos das chamas das velas na vidraça escurecida.
Jane, também, lançou um reflexo suave um pouco mais tarde, quando voltou à
sala de estar, vestida com um short masculino e um top combinando, amarrando as tiras
de um roupão na cintura. Abrindo ainda mais as pernas, ele bateu na almofada entre as
coxas, pegando-lhe o pulso quando ela chegou perto. O rosto lavado parecia suave à luz
das velas e as chamas da lareira destacavam o brilho de seus cabelos quando a puxou
para o meio de suas pernas. Sentou-a de costas para ele, pediu-lhe que desamarrasse o
roupão e, quando ela o fez, abaixou a gola dos ombros. Quando estava com o campo
livre, ele começou a lhe massagear a nuca.
Jane gemeu e imediatamente abaixou a cabeça para lhe dar mais espaço de
manobra. Ele a massageou com os dedos, comprimindo os polegares e, a cada
manipulação, ela emitia um gemido em voz rouca, a cabeça girando no mesmo ritmo
dos polegares.
Aos poucos, porém, o som cessou e sua respiração se tornou regular enquanto
ela mergulhava no sono. Seu pescoço perdeu toda a tensão que o mantinha erguido e sua
cabeça caiu para a frente, o queixo quase no peito.
Puxando-a para o peito, Dev olhou para ela. Podia ver, à luz das velas, que seu
short e top eram cinzentos, uma coisa que não conseguira distinguir no reflexo.
Sorrindo, ele ergeu cuidadosamente uma mecha de cabelo que lhe roçava o lábio
inferior. Se a mãe dela sempre usara as cores elétricas que estava vestindo aquela noite,
pensou que podia compreender um pouco melhor a tendência de Jane para cores escuras
e neutras.
Moveu-a lentamente, centímetro por centímetro, até conseguir passar um braço
por suas costas e outro sob suas coxas, então acomodou-a cuidadosamente aninhada em
seu peito. Carregou-a para o quarto, debruçou-se para tirar a colcha com a mão que
estava sob suas pernas e deitou-a na cama. Gostaria de tirar-lhe o roupão, que estava
aberto, mas teve medo de acordá-la, e Deus sabia o quanto precisava de descansar
depois da noite que tivera.
Quando ele se levantou da posição dobrada em que estivera, porém, ela abriu os
olhos e ergueu os braços para passá-los por seus ombros.
— Onde você vai? — perguntou, sonolenta.
— Vou voltar para casa, deixar que você durma.
— Não. — Os braços dela escorregaram até o pescoço dele, o roupão macio uma
carícia em sua pele. — Fique aqui. — Ela bocejou longamente, então o olhou com os
olhos pesados e lânguidos, as pálpebras caídas. A boca se curvou num sorriso. —
Vamos fazer amor.
Ele sabia que devia resistir à tentação daquele sorriso caloroso, sonolento. Sabia
que devia apenas lhe massagear os ombros até ela voltar a dormir, o que levaria apenas
alguns minutos.
Em vez disso, ele se debruçou e beijou-a suavemente. Com um gemido
preguiçoso, ela arqueou nos braços dele e Dev se deixou puxar para a cama, metade do
corpo sobre o dela, e beijou-a longa e profundamente.
128
O sexo entre eles sempre fora todo fogo e febre, com uma urgência que os
mantinha sempre à beira da perda de controle. Aquela noite, ele a amou ternamente,
cuidadosamente.
Tirou-lhe o roupão e o top pela cabeça, deslizou o short pelas pernas longas e os
pés, jogando as peças de roupa descartadas no chão. Despiu-se e jogou suas roupas
sobre as dela.
Deitou-se sobre ela, pele com pele, apoiando-se nos braços acima dela com um
centímetro de espaço entre seus corpos, conectados apenas pelos quadris, os lábios, as
línguas e os braços de Jane; abaixou-se para roçar o peito nos seios dela, o membro
deslizando no ventre, nos quadris, na umidade entre as pernas. Moveu-se com
deliberada, paciente, extrema sensualidade, o que lhe custou caro. O suor começou a
descer de sua testa e teve que cerrar os dentes para continuar no controle.
— Dentro de mim — sussurrou Jane, os quadris o seguindo quando ele se
ergueu e se afastou centímetros dela pela centésima vez. — Oh, Deus, Devlin, dentro de
mim agora. — Ela cruzou os pés atrás dos joelhos dele e se ergueu.
E, de repente, dobras suaves foram comprimidas contra seu membro. Ajustando
suas posições, ele recuou os quadris e deu a ela o que os dois queriam, penetrando-a
com uma investida certa, firme; simultaneamente, sugou-lhe os seios.
Mas Janie tinha círculos negros sob os olhos e ele não pretendia tomá-la como
um marujo de licença num porto. Assim, apoiando-se nos cotovelos sobre o colchão, ele
lhe afastou os cabelos do rosto com dedos gentis e se moveu suavemente dentro dela.
Alternou investidas curtas com longas, lentas e profundas, e os olhos dela ficaram
enevoados.
Momentos depois, a respiração de Jane se tornou arfante e suas unhas
mergulharam nos ombros dele. Então ela arqueou debaixo dele e uma contração
ondulante, infinita, lhe abraçou o membro como um punho molhado com gel,
arrastando-o para a margem com ela.
Case-se com ela, meninão, ou eu me caso.
Nem teve tempo de cair sobre o corpo dela quando as palavras do irmão lhe
surgiram na mente, e ficou tenso. Maldição, Finn, saia da minha cabeça. Mas, por mais
que tentasse, as palavras continuavam a se repetir em sua mente.
Era ridículo, não estava pronto para se casar com ninguém. Mas tinha que
admitir que se sentia protetor em relação a Jane depois de vê-la com os pais. E alguma
coisa naquele ato de amor o deixara se sentindo fraco e sem defesa e, ao mesmo tempo,
forte e no controle.
Olhou para ela, para seus cabelos desarrumados contra os lençóis de um verdeprateado, para os cílios longos descansando sobre as bochechas vermelhas pelo sexo,
para o sorriso suave que lhe curvava os lábios.
Ele abaixou a testa para a dela, cheio, quase contra a vontade, de um anseio
imenso.
— Sabe de uma coisa? Você devia ir para a Europa comigo quando eu voltar.
Capítulo 19
129
Odeio, odeio, odeio quando as pessoas mudam as regras comigo!
— O QUÊ? — Toda a adorável letargia, a sensação quente de flutuar numa
nuvem de bem-estar, desapareceu e Jane ficou tensa. Empurrou com força os ombros
rijos de Devlin. — Saia.
Ele rolou para o lado, o rosto virado para ela, e Jane se sentou ereta, puxando os
lençóis sobre o corpo. A nudez, que até então não a incomodara, de repente a fez se
sentir vulnerável e ela apertou os lençóis debaixo do braço.
— O que você disse? — Ela sabia, é claro, apenas sua mente não conseguia
absorver.
— Nada. — ele se moveu no colchão, o corpo talvez não tão relaxado como
parecia. — Esqueça.
Ela começou a respirar com força, então as sobrancelhas se uniram.
— Não, maldição.
Ele ergueu um dos braços e tirou o cabelo ruivo da testa, enquanto olhava para
ela.
— Não é nada; vá para a Europa comigo quando Bren estiver melhor.
— Não posso fazer isso!
— É claro que pode. — Dobrou o cotovelo para apoiar a cabeça na palma. A
posição lhe ergueu o bíceps e, mesmo deitado imóvel, observou ela, ele irradiava uma
energia animal que a atraía. — Escute, não estou lhe pedindo para fazer isso agora,
neste minuto — disse ele, o tom razoável.
— Não sei quando Bren estará bem o bastante para eu ir embora. Mas apenas
pense em todos aqueles museus maravilhosos. Você amará a Europa, posso lhe mostrar
todo tipo de coisas fantásticas.
— Ei, garotinha, quer uma carona? — zombou ela — Tenho docinhos. — Sua
risada, porém, tinha um toque de histeria. — Oh, Deus, você tem um senso de
oportunidade fenomenal.
— Porque...?
— Alôô, você acabou de conhecer meus pais! Oh, aposto que pensou que era
uma situação única. Não, não, não, não, não. — Podia sentir os cabelos lhe caindo pelo
rosto enquanto balançava a cabeça como um boneco com a mola quebrada. Inspirou
profundamente para se acalmar; depois exalou. — A farsa desta noite foi um
microcosmo da minha vida inteira, Dev. Nem me lembro quantos anos tinha quando
prometi que jamais, nunca me deixaria envolver pelo tipo de paixão consumidora por
um homem, a paixão dentro da qual o mundo deles parece girar.
— Tarde demais.
O pânico lhe apertou a garganta e ela tentou dissolvê-lo.
— Não é tarde demais!
— Acho que é, para mim, porque, boneca, sinto uma paixão total por você.
— Bem, você é um cara de fala macia. — Ele apenas olhou para ela.
— Não estou tentando fazê-la assinar um contrato de casamento, Jane. Não sei
se esta coisa entre nós vai durar, mas sei que sinto alguma coisa por você que jamais
senti antes e gostaria de explorar esse sentimento. — Observou-a enquanto ela tentava
desesperadamente manter sua expressão neutra. — E, então, não está nem tentada a
fugir comigo?
130
Ela quase sufocou numa risada amarga. Porque, olhe para ele. Os cabelos
estavam desarrumados, o queixo sombreado pela barba escura e a pele esticada sobre os
músculos bem-definidos e os ossos rijos. O homem era perigoso com P maiúsculo. E
isso era apenas o físico. O perigo emocional era ainda maior para sua paz de espírito.
— Estou tentada — admitiu ela —, e é isso que me apavora. Tenho raízes em
Seattle; Poppy e Ava, que considero minha família de verdade, vivem aqui e é aqui que
tenho minha carreira, que está apenas começando a deslanchar. Bem, isso se o roubo do
Dior não a tiver destruído. Mas, mesmo assim, estou tentada a ir para a Europa com
você, velejar pelo Mediterrâneo e ver os museus do mundo. Mas não jogarei fora tudo
pelo que lutei para satisfazer alguns hormônios rebeldes.
— É mais do que hormônios, e você sabe disso.
— Sei?
— Se é como eu me sinto, sabe. Mas vá em frente e banque a difícil. Tenho
muito tempo. — Estendeu a mão e passou um dedo pelo lado interno do braço dela, os
nós dos dedos roçando a curva externa do seio enquanto viajava do ombro para a
cintura. Ela ficou toda arrepiada, mas isso não era nada comparado com o que sentiu
quando os olhos dele se fixaram nos dela e Jane viu a confiança brilhando neles. Isso a
abalou até os ossos.
Como a abalou o tom de segurança dele.
— Vou vencer você, pode ter certeza.
Gordon observou do fim do corredor do sexto andar quando Jane bateu à porta
de Marjorie e entrou. Quando a porta da diretora se fechou, ele foi para seu escritório,
entrou e fechou a porta. Então fez uma pequena dança da vitória diante da escrivaninha.
Siiiiiim! Como se sente, cadela, tendo que contar a Marjorie que deixou o Dior
ser roubado? O quanto se sente poderosa agora?
Cadela estúpida.
Mesmo assim. Deixou-se cair na cadeira atrás da escrivaninha. Desejava
intensamente ter levado o Dior quando fugira da mansão. Não lhe importava tanto que
tivera que deixar o resto das coisas para trás... era um menino grande e essas coisas
aconteciam. Um jogo era um jogo... era o risco que lhe dava aquela adrenalina toda e o
tornava tão excitante. Mas o Dior...
Aquela era uma peça de arte e devia estar num armário com clima controlado ou
atrás de um vidro que filtrasse a luz ultravioleta, como planejara. Não se estragando
naquele velho elevador quebrado.
E no entanto...
O que vai fazer? Mexendo os ombros, ele estendeu a mão para a pasta contendo
a papelada da maldita exposição espanhola. A situação era a que era e não havia uma só
coisa que podia fazer agora para alterá-la. Não havia uma esperança no inferno de que
Kaplinski não tivesse mudado o código de segurança e não teria a sorte de consegui-lo
uma segunda vez.
Mas, pelo menos, tinha a satisfação de saber que prejudicara a reputação
brilhante de Jane no Met. O pensamento da bronca que ela estava ouvindo agora, neste
exato minuto, o fez sorrir de satisfação. Porque aquele tinha sido um trabalho bem-feito.
— Esta é realmente uma hora péssima, Ava. — Consternada, Jane olhou para o
celular naquela tarde, então se deixou cair na poltrona de namorados no salão da
mansão Wolcott e passou a mão na nuca, enrijecida pela tensão. Não, não apenas
péssima; era um momento incrivelmente horroroso.
— Sinto muito por isso — disse Ava —, mas não tive muita saída. Tio Robert
certamente abriu o jogo com o prefeito, que então deve ter entrando em contato
imediatamente com o chefe de polícia, porque, a próxima coisa que soube, esse
131
detetive... — Houve o som de papel do outro lado da linha. — ... De Sanges estava me
telefonando e me dizendo... dizendo, está ouvindo, não perguntando... que estará na
mansão às 17h para fazer o relatório. Pretendo chegar aí antes disso e tenho certeza que
Poppy também chegará cedo.
— Certo, o que for — disse Jane, desanimada.
— Bem, é isso que gosto de ouvir... uma atitude positiva. — Havia exasperação
na voz de Ava. Mas quase imediatamente se tornou arrependida. — Oh, Janie, desculpe.
Você ia contar hoje à diretora do museu sobre o Dior, não ia? Não correu bem?
— Bem, deixe-me pôr desta maneira... se eu fosse um cachorro, estaria com o
rabo firmemente preso entre as pernas.
— Ela culpou você?
— Não em palavras. Marjorie disse todas as coisas certas, insistiu que não foi
culpa minha. Apenas não tenho certeza que ela acredita nisso.
— Sei que ela não gostou de ouvir que o Dior desapareceu. Mas ela tem que
saber como você é responsável. Ninguém que a conheça pode acreditar realmente que
não fez tudo em seu poder para proteger as peças para a exposição.
— Mas eu não fiz, fiz? Deixei o vestido no salão, noite após noite, em vez de
trancá-lo com o resto da coleção.
— Numa mansão trancada com um sistema de segurança de alta tecnologia!
— Eu sei, eu sei. — Ela acenou com a mão, embora a amiga não pudesse vê-la.
— E não pretendo ficar batendo nesse cadáver é que, apenas vou ficar girando em
círculos na tentativa de encontrar um ponto central diferente. Investi muitas ideias no
Dior tanto para o catálogo como para a publicidade, mas preciso esquecê-las e mudar
meu foco. De qualquer maneira. .. — Ela voltou ao ponto. — ... estarei pronta quando
vocês chegarem aqui.
Jane ouviu Devlin trabalhando no andar superior quando desligou e ficou
tremendamente tentada por um momento a levar seu desespero até ele e desabafar.
Má ideia, má ideia! Zangada, jogou-a no canto escuro de sua mente onde
guardava suas piores inspirações e foi para a biblioteca com a intenção de estudar os
álbuns de fotografias onde vira pela primeira vez a foto da Srta. Agnes usando o Dior.
Talvez uma foto dela usando um vestido diferente lhe desse a inspiração para uma nova
direção.
Mas esquecera a quantidade de álbuns que havia. Decidiu levar alguns para casa
aquela noite e olhou para o teto, na direção onde Devlin trabalhava. Podia bem pedir a
ele para ajudá-la. Tentar evitá-lo não funcionara; ele lhe enchia os pensamentos apesar
de todos os seus esforços.
E a verdade é que sempre se sentia feliz ao vê-lo. Assim, talvez, se conseguisse
chamar a atenção dele para sua busca de uma nova peça central para a exposição, ele
pararia com a conversa de vá comigo para a Europa, que ele repetia sempre desde
aquele dia. Mas não podia pensar sobre isso. Havia muita emoção ligada ao assunto;
seria melhor esquecê-lo por algum tempo, quando pudesse lhe dar a atenção que
merecia.
Como...
Bem...
Nunca.
Certo, isso não era justo. Mesmo assim, pelo menos neste momento, tiraria a
maldita sugestão da mente.
Mergulhou no trabalho de inserir dados das roupas ainda não catalogadas no
closet secreto. Estava prestes a terminar esta parte de sua tarefa e o resto seria mais
132
fácil. Bem, isso se a pesquisa sobre algumas das peças fosse tão tranquila como achava
que seria. E só estava preparada para pensar nisso no momento.
Poppy e Ava chegaram às 16h30, os rostos vermelhos pela súbita onda de frio.
Mal tinham acabado de tirar os casacos e os cachecóis quando a campainha da porta da
frente tocou. As três mulheres trocaram olhares; tinha que ser o detetive, mas chegara
meia hora antes do horário que ele mesmo marcara.
— Deve ser um tipo de truque de tiras — murmurou Jane, e foi atender a porta.
Ela realmente, realmente não queria lidar com aquilo naquele dia. Mas precisava
lidar, assim, quando chegou ao foyer, tentou ajustar sua atitude. Não seria justo deixar o
detetive perceber que não estava feliz com a presença dele. Afinal, ela e as amigas eram
as responsáveis por ele estar ali. Pregando um sorriso educado no rosto, ela abriu a
porta.
Então teve que virar a cabeça quase toda para trás para olhar o rosto do homem
nos degraus.
Oh. Uau.
Ele não era exatamente bonito. Mas certamente havia alguma coisa muito
atraente em seus olhos escuros, nas maçãs do rosto salientes, no nariz arrogante. Era
aquela coisa do gavião predador, pensou ela. O cara era o sheik da fantasia predileta da
Irmandade: você, homem grande, forte, dominante. Eu, trêmula, pequena escrava, à
disposição de todos os seus comandos. Elas costumavam tecer todo tipo de histórias
ultrajantes sobre este tema geral quando eram adolescentes. Pela primeira vez naquele
dia Jane quase sorriu, então se controlou.
— Hum, oi. — Bom Deus, como se as imagens das histórias fantasiosas que
haviam criado numa idade em que sua sexualidade estava começando a florescer
tivessem qualquer relação com o problema imediato. — Sou Jane Kaplinski, o senhor
deve ser o detetive...?
— De Sanges — informou ele, o tom de voz gelado. Era evidente que não
gostava de estar lá. Bem, maravilha, um tira mal-humorado era exatamente o que ela
precisava para completar seu dia.
Por outro lado, não era culpa dele que seu dia tivesse sido infernal ou que ele
fosse a encarnação do homem das fantasias que ela, Poppy e Ava costumavam ter
quando estavam na sétima série. Mantendo a expressão profissional, ela recuou um
passo.
— Por favor, entre.
Levou-o para o salão onde Ava e Poppy estavam esperando. Depois das
apresentações, ele se sentou, tirou uma caderneta velha do bolso de dentro do paletó do
terno e imediatamente se dedicou ao assunto que o levara lá. Tomava notas enquanto
Jane falava e de vez em quando pedia que um ponto fosse esclarecido ou fazia uma
pergunta que a policial Stiller não fizera.
Não perdeu tempo com conversas sobre qualquer coisa. E, quando já recebera
todas as informações de que precisava para seu relatório, apenas continuou sentado por
um longo momento, olhando para a caderneta velha. Deixando Jane com o pensamento
devastador que não lhe daria nenhuma esperança de solucionar seu caso. Jane pulou
quando Poppy falou de repente.
— Você não vai nos ajudar, assim como a policial de patrulha não ajudou, vai,
detetive? — A loura se levantou e começou a andar atrás da poltrona de namorados
onde se sentara ao lado de Ava. Segurando as costas da poltrona, observou De Sanges
com olhos entrecerrados. — Nosso caso parece ser trabalho demais para você? Ou é
exatamente o contrário, talvez? Nós o aborrecemos?
133
Ele olhou para ela de sua poltrona e por um instante a admiração masculina que
Poppy sempre recebia brilhou em seus olhos escuros. Mas desapareceu tão depressa que
Jane pensou se sua imaginação a enganara de novo, como acontecera à porta com
aquela fantasia louca do sheik e a virgem raptada.
— Não, senhora — disse ele com civilidade gelada —, não sou nem preguiçoso
nem estou aborrecido. Estou apenas me perguntando por que fui tirado de um caso em
que uma senhora idosa foi agredida por um assaltante e levada para um hospital para
segurar as mãos de três mulheres que aparentemente perderam suas colheres de prata.
Oh! Jane tinha que lhe dar o crédito; conseguira chamá-las de moças ricas e
mimadas sem nem mesmo dizer as palavras. Bem, ele certamente não seria o primeiro a
se enganar sobre as circunstâncias financeiras dela e de Poppy. E, ao ouvir sobre a
senhora idosa no hospital, podia até simpatizar com seu desprazer pelo que era
claramente uma coerção política para cuidar do caso delas.
Poppy aparentemente não sentia a mesma coisa. Girando em torno da poltrona
de namorados, ela cruzou o tapete em alguns passos tão largos que seus quadris
poderiam ter ficado impressos na saia leve que usava. Bateu as mãos nos braços da
poltrona onde De Sanges se sentava e se debruçou sobre ele, eletrificada dos pés à
cabeça de raiva.
— Lamento muito por nenhuma de nós ter sido ferida — disse ela, os dentes
cerrados, o nariz quase tocando o do detetive. — Se soubéssemos que esta era uma
exigência para tornar nosso caso digno de sua atenção, talvez devêssemos ter deixado
que nos ferissem. E, deixando de lado por um momento sua opinião sobre nós, o que é
bastante irônico, mesmo, vindo de um tira que não quer fazer seu trabalho...
— Faço meu trabalho muito bem — disse ele, a voz sem expressão.
— Faz? Ou apenas chega a conclusões apressadas com evidências preliminares,
sem se dar o trabalho de aprofundá-las?
Ele se levantou de repente, obrigando Poppy a se endireitar e recuar um passo
para sair do caminho dele. Por um momento ficaram parados um diante do outro, os
olhos presos. A concentração de um no outro era tão intensa que Jane quase esperou ver
a fumaça saindo do espaço mínimo que os separava.
Como se percebendo aquilo, a aura vermelha de De Sanges congelou de repente
e ele deu um grande passo para trás.
— Estou neste trabalho há quase 13 anos, Srta. Calloway. — As mãos nos
quadris estreitos, ele era todo fria autoridade enquanto olhava para ela pela extensão do
nariz. — Não tem o direito de duvidar do meu profissionalismo.
— Por que não? — exigiu Poppy, sem nem mesmo se dar o trabalho de esconder
a raiva. — Que respeito você nos mostrou como vítimas desse roubo? Enquanto você e
a policial Stiller ficam pensando que nós, ou talvez os Kavanagh, roubamos nossa
propriedade...
Os ombros dele se contraíram, como se o antagonismo de Poppy ameaçasse seu
controle. Sua voz, porém, era fria, educada e seca.
— Neste exato minuto estou muito inclinado a pensar que foi você.
— É claro que está. Porque, Deus proíba que alguém tenha a temeridade de lhe
pedir que faça seu trabalho. E, enquanto isso, o verdadeiro ladrão está livre.
— Então me dê alguma coisa com que trabalhar! — rugiu ele, e mais uma vez o
calor que emanava dele pareceu aquecer o enorme salão. Ele ergueu um dedo longo, a
pele cor de oliva. — Não houve arrombamento. — Outro dedo se juntou ao primeiro. —
Ninguém sabia o código a não ser vocês e o pessoal da reforma. — Um terceiro dedo se
juntou aos outros dois. — Vocês três acabaram de fazer um seguro milionário pela
mansão...
134
— Quando, na sua opinião, deveríamos ter feito o seguro, detetive? —
interrompeu Ava, sua frieza um contraste marcante com a raiva apaixonada de Poppy.
— Considerando que acabamos de herdar esta casa e todo o seu conteúdo.
— Ou talvez você ache que fomos responsáveis também pela morte da Srta.
Agnes — ironizou Poppy.
Ele deu um passo em direção a ela.
— Escute, Lourinha...
— Ei! — gritaram um uníssono Jane e Ava.
A cor encheu o rosto do detetive e ele recuou um passo de novo.
— Peço desculpas, Srta. Calloway, isso não foi nada profissional. — Jane e Ava
olharam para Poppy.
— O quê? — perguntou ela.
As duas lhe deram um olhar mais duro e ela deu de ombros.
— Oh, está bem. — Voltou-se para o detetive De Sanges. — Também peço
desculpas — disse ela, com uma palpável falta de sinceridade. — Minha última
observação foi inadequada.
Ava rolou os olhos, mas disse calmamente ao detetive:
— Não somos mulheres idiotas, sabe, se quiséssemos roubar de nós mesmas,
teríamos feito isso antes de instalar um sistema de segurança melhor.
Jane acenou.
— E eu, tão certo como há um inferno, não destruiria minha carreira ao incluir
na lista dos itens roubados um vestido de 20 mil dólares que pertence ao Metropolitan
Museum.
— O quê?
Ela explicou como as duas exposições estavam na mansão. Ele pareceu
interessado e pegou a caderneta de novo.
— Alguém no museu tem alguma coisa a ganhar prejudicando você diante de
seus superiores?
Ela piscou ante a ideia, que era nova e inesperada. Mas, depois de pensar um
momento, apenas suspirou.
— Não, realmente não.
De Sanges coçou os olhos com o polegar e o indicador da mão esquerda.
— Vocês não estão me dando muita coisa com que trabalhar. — Então deixou a
mão cair e olhou para elas. — Mas vou investigar, está bem?
Fez mais algumas perguntas, extraiu mais alguns detalhes, então se levantou.
Jane também se levantou para levá-lo até a porta. No momento em que entrou no salão,
foi até Poppy.
— Que diabos foi tudo aquilo?
— Não ficou claro? — respondeu a loura, calma. — Ele estava nos
enquadrando, e eu reclamei.
— Sim, reclamou — concordou Ava secamente —, mas sua linguagem corporal
dizia "Papai, me pegue". E ele parecia mais do que disposto a fazer exatamente isso. Por
um minuto temi que vocês dois começassem a se agarrar no meio do salão.
— Não seja ridícula...
— Bem diante de Janie e de mim.
Jane viu que a conversa tinha um potencial verdadeiro para rapidamente se
transformar numa briga e interferiu.
— Então, alguém mais achou que De Sanges parecia exatamente o sheik que
imaginávamos em nossa doce adolescência?
135
Ava se virou para olhar para ela, então o rosto se abriu num enorme sorriso que
produziu suas covinhas.
— Sim! Oh meu Deus, é isso! Havia alguma coisa tão familiar sobre ele... exceto
que esse cara é sensacional, totalmente diferente dos homens que conhecemos. —
Virou-se para Poppy: — Explica por que você agiu como uma virgem enfurecida, não
explica?
— Por favor, virgem nada — rosnou Poppy. Mas deu um sorriso, satisfeita. —
Está certo, admito que alguma coisa nele tirou fagulhas em mim e posso ter reagido com
um pouco de exagero.
— Um pouco? — perguntou Ava, as sobrancelhas ruivas se erguendo. E Jane
riu.
— Você acha? Você nunca hesitou em dizer o que pensa, mas jamais a vi pular
na garganta de ninguém com tanta vontade como a que mostrou com o detetive sheik.
Poppy ficou vermelha, mas os olhos castanhos eram sérios quando ela olhou
para Jane.
— E a pertunta de De Sanges sobre as pessoas com quem você trabalha? Há
alguém lá que gostaria de prejudicá-la?
— Bem, Gordon Ives e eu competimos no trabalho, mas sempre foi uma
rivalidade amigável e ele tem me ajudado muito com a exposição espanhola enquanto
trabalho nesta. Além disso, até o desaparecimento do Dior, nenhuma das peças
desaparecidas fazia parte das minhas exposições. E, mesmo se tivessem, como ele
poderia ter entrado aqui?
— É um mistério total — disse Ava tristemente, e se deixou cair de novo na
poltrona de namorados onde se sentara antes.
O som de uma serra veio de repente do andar superior e quase imediatamente
desapareceu, e Ava tirou os olhos do teto para olhar para Jane.
— Isto me lembra... o que está havendo entre você e Dev? Está evitando-o ou
qualquer coisa assim?
O coração subitamente subindo para a garganta, Jane deu à amiga um olhar
cuidadosamente sem expressão.
— Não tenho ideia do que está falando — disse tranquilamente —, nenhuma
ideia absolutamente.
Capítulo 20
Graças a Deus, Devlin finalmente parou com aquela coisa de ir com ele para a
Europa. E que Deus o abençoe, o abençoe, por salvar meu traseiro esta noite!
Jane o estava evitando. Como diabos ela fazia aquilo? Perguntava-se Dev
sentado no sofá do apartamento dela, observando-a folhear um álbum de fotografias de
uma pilha que levara da mansão para casa. Estava sentada a menos de um metro de
distância, na mesma maldita sala com ele e, de alguma forma, ainda conseguia evitá-lo.
Talvez fosse a maneira como esperara que ele se sentasse no pequeno sofá antes de
deliberadamente escolher uma das poltronas de couro cor de vinho com a mesinha de
café firmemente entre eles.
O que quer que fosse, fizera tudo errado em sua campanha para levá-la com ele
para a Europa. Devia ter prestado mais atenção quando ela tentara lhe dizer que a
constante atitude melodramática dos pais a fazia não querer nada com a paixão. Não
136
sabia bem a relação que a paixão tinha com tudo aquilo, mas percebera como os pais
dela eram obcecados um pelo outro e pareciam excluir todos, até mesmo a filha, assim,
talvez, fosse alguma coisa nesse sentido. Talvez Jane considerasse a paixão uma ligação
tão intensa com outra pessoa que deixava a pessoa apaixonada egoísta e idiota. Se fosse
assim, ele a apressara demais, e devia ter tido a inteligência de não persegui-la, não
daquele jeito, pelo menos.
Bem, ninguém precisava bater naquele cara na cabeça para lhe mostrar como
agira errado. Assim, tinha uma coisa a seu favor aquela noite... mudara sua estratégia.
Apenas esperava que não fosse tarde demais.
Fingindo que as coisas não estavam tensas entre eles, aparecera na casa dela
aquela noite com pratos de Peking Beef e Snow Pea Chicken, de que ela gostava tanto,
mais um litro de soda. Nem uma vez mencionara a Europa, não falara de voltar para lá
nem da perspectiva de ela o acompanhar. Depois de comerem a comida chinesa e ela o
pôr para olhar os álbuns em busca de um bom visual que pudesse lhe dar uma ideia para
seu novo ponto focal, ele se dedicara à tarefa com entusiasmo. Isso era importante para
ela, e ele deu à tarefa a mesma concentração que usaria para levar o iate de um cliente
para um porto seguro.
E... falando nisso... alôô!
Dev parou numa foto do álbum que estivera olhando e surpreendeu-se, aquilo
era realmente sensacional.
— Que tal esta aqui? — Virando o álbum para ela, empurrou-o pela mesa de
café, batendo o dedo indicador na foto em questão. Mostrava uma Agnes Wolcott jovem
num vestido longo saindo de uma limusine de época. Para seu olhar certamente menos
treinado, o vestido que ela usava era sexy, com aquele charme da Hollywood antiga. —
Você tem este conjunto na sua coleção?
Ela se debruçou para olhá-lo.
— Sim — disse ela lentamente —, é o Mainbocher da década de 1950, a mesma
época do Dior. E, oh, meu Deus! — Ela abaixou a cabeça para observar melhor a foto.
— Acho que esse colar que ela está usando também é uma das joias que ela deixou para
o Met. E esse carro, não é sensacional? Tudo isso é muito visual e se parece demais com
o que eu tinha com a foto do Dior e que me deu a ideia da exposição em primeiro lugar.
Olhando para cima, ela lhe deu o primeiro sorriso alegre, sem estresse, que ele
vira em dois dias.
— Isso vai funcionar! — Pulando em pé, ela deixou o álbum cair sobre a mesa
de café, debruçou-se sobre ela e, equilibrando-se com uma das mãos no ombro dele,
deu-lhe um beijo estalado, entusiasmado, na boca. Quando ela recuou, ele lhe agarrou o
pulso, puxou-a, e ela se deixou levar, circulando a mesa para cair no colo dele.
— Devlin, obrigada. — Sorriu para ele. — Isso vai funcionar muito bem. Não se
pode ver na foto preto e branco, é claro, mas o corpete do vestido e a saia alternam
marfim e cor de pêssego na frente e um pálido rosa e azul nas costas. E a saia tem
aquela maravilhosa cascata de seda pesada.
— Gosto da parte do corpete, é realmente quente. — Ela sorriu para ele.
— Você gosta de um tomara que caia, hein?
— Pode apostar. Sem mencionar estas... — ele dobrou as mãos em concha sobre
os mamilos como se estivesse segurando seios. — coisas franzidas que lhe destacam o
busto. Muito Madonna e Gwen Stefani.
Ela sorriu, depois suspirou e descansou o rosto no ombro dele.
— Obrigada — repetiu mais calma —, estava tão preocupada sobre como
montar a exposição desde que o Dior desapareceu. Mas esse é um excelente substituto.
Que alívio maravilhoso!
137
Alguma coisa dentro dele ficou quente e macio. Mas manteve a voz casual.
— Fico contente por ter ajudado.
— É? — Erguendo-se nos joelhos, ela passou uma das pernas sobre o colo dele e
se instalou, a costura da junção das pernas do jeans se apoiando no local idêntico do
dele. — Oh! — murmurou, então ergueu o olhar para o dele e se mexeu com um pouco
mais de força. — Então ajude nisto.
Os quadris dele se ergueram para acomodá-la, mas ele conseguiu manter as
mãos nas laterais do corpo e fazer uma expressão de tristeza.
— Você só me quer pelo meu corpo. — Desviou o rosto do dela. — Eu me sinto
tão barato.
— Oh, nããoo — cantarolou ela, e abaixou a cabeça para pressionar beijos de
boca aberta no lado do pescoço que ele deixara exposto.
Dev ergueu o queixo para lhe dar mais acesso, o calor lhe tomando o ventre, a
virilha, o coração.
Segurando-lhe o queixo nas mãos, ela voltou o rosto dele para o dela e beijoulhe docemente a boca.
— Você é o meu meninão, grande e forte — murmurou ela dentro da boca de
Dev. O suave sorriso que lhe deu enviou calor pelas veias dele como chamas numa noite
gelada. Então lhe deu beijinhos nas pálpebras.
— Tão engraçadinho — beijou-lhe o nariz —, tão caloroso — os quadris dela
continuavam a se movimentar —, eu mencionei generoso? — Estendendo a mão,
enlaçou os dedos nos dele e os ergueu, pressionando as costas das mãos dele contra o
encosto de veludo do sofá. Então recuou sobre os joelhos, de modo que não estava mais
roçando o sexo no dele.
— E dá muito trabalho, assim, dificilmente barato, Charley. Seria mais
econômico, no longo prazo, sair e alugar um garanhão.
Ele riu, soltou as mãos das dela e agarrou-lhe os quadris. Puxando-a para a
frente, uniu seus corpos, reajustando o peso dela sobre ele para ficarem alinhados
exatamente como estavam um minuto atrás, e lhe deu um sorriso vaidoso.
— Você não teria nem a metade da diversão que tem comigo. — Erguendo os
braços no ar, cruzou-os até seus pequenos seios se jogarem para a frente e os cotovelos
apontarem para o teto.
— Talvez, talvez não. — Ela girou os quadris de novo e olhou para ele. —
Estamos com roupas demais.
— Posso dar um jeito nisto — disse ele; e deu.
Certo, não conseguiu tirar tudo, mas removeu ou rearranjou o essencial e ambos
ofegaram quando, de repente, ela o tomou dentro dela, fazendo-o penetrá-la
profundamente.
Ela o cavalgau lentamente a princípio, quase langorosamente, descruzando os
braços e abaixando as mãos para pressionar as dele em seus seios. Aos poucos, porém,
seu ritmo acelerou enquanto ele a penetrava com mais força e ela descia para encontrar
cada investida.
Então a cabeça dela dobrou para trás, os cabelos lhe caindo pelas costas e os
músculos de suas lindas e longas coxas se erguendo em relevo sob a pele, enquanto ela
se erguia e se abaixava sobre ele.
O suor descia pelas têmporas de Dev, por seu pescoço, e ele soltou as mãos das
dela para mergulhar os dedos nos quadris inquietos mais uma vez. Estava perto...
inferno, estava quase à beira do abismo... mas não caíria sem ela. Então a lambeu um
pouco aqui, passou os dedos sobre um pequeno cacho de nervos ali, e ambos
mergulharam ao mesmo tempo num mar revolto de êxtase.
138
Apenas muito tempo depois se soltaram um do outro e arrumaram as roupas. E
muito mais tarde, enquanto se debruçava sobre a bancada do café da manhã observandoa fazer café, ele se lembrou de repente da compra que fizera mais cedo e estalou os
dedos.
— Tenho uma coisa para você, voltarei logo.
— O quê? — perguntou Jane, mas estava se dirigindo ao vazio. Devlin
desaparecera não só da cozinha, mas do apartamento. A porta da frente ligeiramente
aberta era a única indicação de que voltaria. — Você me trouxe... um presente? —
murmurou ela mesmo assim. Não podia se lembrar da última vez que qualquer pessoa,
que não fosse Ava ou Poppy, lhe levara qualquer coisa.
Quando ele voltou, ela já havia acendido a lareira na sala de estar e preparara um
prato de cookies que estavam um pouco passados, mas esperava que ele não percebesse,
para acompanhar o café.
— Desculpe — disse ele, caminhando diretamente para o fogo, batendo nos
braços para diminuir o frio —, esqueci que tive que estacionar a dois quarteirões daqui.
Devia ter vestido a jaqueta... está congelando lá fora. — Pegou uma sacola que
carregava debaixo do braço e jogou-a para ela. Então cruzou a sala para se sentar na
poltrona de couro do lado oposto em que ela se sentava. — Vi isto na vitrine de uma
loja quando estava no centro da cidade para pegar um pacote para minha mãe — disse
ele. — Gritou seu nome quando passei e me lembrou tanto você e uma conversa que
tivemos.
— O que é?
— Boneca — Recostando-se na poltrona, ele cruzou os braços atrás da cabeça.
—, só há uma maneira de saber, abra e veja.
Ela olhou do rosto dele para a sacola em seu colo e sentiu um sorriso querendo
se formar. Abriu a boca da sacola, enfiou a mão dentro dela e a tirou com um embrulho
de papel de seda. Abriu o papel.
— Oh! Que cor linda. — Ainda não tinha certeza do que era, mas viu que era de
um tecido suave num delicado tom de verde, com uma barra estreita de cetim; ergueu o
tecido e abriu-o. — Oh! — disse de novo, então riu. — Você comprou para mim uma
calça de paraquedista!
Ele pegou um cookie da travessa e sorriu para ela.
— Está percebendo que não é preta.
— Difícil não perceber — concordou ela, e teve que engolir um nó na garganta.
— É minha cor predileta.
— É. Experimente, veja se serve. Guardei a nota fiscal, se não serviu, se você
não gostar ou se quiser uma preta ou qualquer coisa.
— Adorei exatamente como é, obrigada. — Levantou-se, tirou o legging que
estava usando e vestiu a calça, puxando-a para cima e fechando o zíper. — Uau! —
Sorriu para ele. — Serve perfeitamente.
— Disse à vendedora que sua cintura era deste tamanho. — Curvou os dedos
para demonstrar. — E seus quadris, deste. Ela encontrou uma que tivesse essas medidas.
Jane jamais pensou que ele prestava tanta atenção aos detalhes de seu corpo.
Ficou com um pouco de medo por saber que ele a observara tão minuciosamente. Mas,
principalmente, se sentiu quente até as pontas dos dedos dos pés ao saber que era muito
importante para alguém notar tanto assim como era seu corpo.
— Devi Soube da novidade?
Era a tarde do dia seguinte. Dev afastou o telefone do ouvido quando a voz alta e
esganiçada de Hannah ameaçou lhe furar os tímpanos. Colocou-o com cuidado de volta
na orelha.
139
— Acho que não, mas apenas me conte, certo, não grite.
— Desculpe, desculpe, mas estou tão excitada! Jody acabou de ligar, os médicos
disseram que os resultados dos exames de Bren chegaram hoje e são os melhores que
eles viram desde o diagnóstico. Estão "cautelosamente otimistas" de que ele ficará bom
antes do que esperavam, o que em linguagem de médico é quase como dizer que ele está
bom. Certo, não completamente, mas é muito, muito bom.
— Santa maravilha — sorriu Dev —, santa maravilha! — Hannah riu.
— Eu sei! Esta não é a melhor notícia do mundo?
— Sem dúvida!
Quando desligou um pouco depois, ele apenas andou pelo apartamento, sorrindo
não apenas pelo excelente prognóstico de Bren, mas também ao pensar na velocidade
com que o boletim em particular chegaria ao conhecimento de todos os membros da
família. Só alguns minutos depois lhe ocorreu que logo poderia voltar para sua vida na
Europa.
E não sabia por que o pensamento o fez parar de sorrir.
Uma forte rajada de vento atingiu o prédio do Metropolitan Museum. A força do
vento não abalou, exatamente, as janelas do edifício bem-construído, mas bateu nas
vidraças duplas da cafeteria lotada com tanta intensidade que as cabeças se viraram para
lançar às janelas um olhar cauteloso.
Gordon não foi um deles. Percebeu, num canto da mente, o súbito som forte e a
fúria batendo nas janelas e os movimentos inquietos das pessoas que almoçavam perto
dele. Vagamente se admirou com o contraste entre o clima furioso daquele dia e a
calmaria gelada de dois dias atrás. Mas estava pensando profundamente e não deu ao
assunto mais do que um segundo de sua atenção. Apenas quando as mulheres na mesa
atrás da dele começaram a falar sobre o aumento da fúria das tempestades no outono
anterior em Seattle ele percebeu que o vento daquela manhã, que já estava muito forte,
se tornara ainda mais intenso.
— Você ouviu a previsão do tempo para hoje? — perguntou a mulher com uma
voz particularmente aguda. — Estão prevendo uma tempestade como a que atingiu a
cidade no Inaugural Day na década de 1990.
Outra mulher rosnou.
— Oh, que grande surpresa, eles estão sempre prevendo alguma coisa assim
cada vez que temos ventos fortes com rajadas. Meninos e seus brinquedinhos —
zombou ela —, há alguma coisa de que os homens do clima de Seattle... perdão,
meteorologistas... gostem mais do que prever desastres com seus radares Doppler?
— Algumas vezes eles realmente acertam, Virgínia — disse uma terceira mulher
calmamente. — Eu fui uma entre o milhão e meio de pessoas que ficaram sem
eletricidade por quase uma semana durante aquela tempestade de dezembro que
previram dois anos atrás. Quase congelei com apenas minha lareira a gás para me
aquecer. Confie em mim, não é nada bom quando as temperaturas estão abaixo de zero
e não há eletricidade para ligar o aquecedor.
— Eu sei, não estou tentando tornar nosso sofrimento menor, estou apenas
dizendo que, nove vezes em dez, quando eles dizem TEMPESTADE DE VENTO do
ano... — A voz se tornou dramática, então voltou ao normal. — ... não acontece nada.
Gordon continuou a prestar atenção quando elas passaram a discutir a eficácia de
prever o tempo quando viviam entre duas serras enormes e altas, ao contrário de um
lugar como o Kansas, onde era possível enxergar a uma distância de 150 quilômetros.
Ele fechou o arquivo que estava fingindo estudar enquanto almoçava, levantou-se e
pegou sua bandeja. Não fora capaz de se concentrar em nada.
140
Não quando tudo em que conseguia pensar era na voz de Jane aquela manhã no
corredor do sexto andar, quando perguntara a Marjorie se podiam conversar sobre o
vestido que escolhera para substituir o Dior como peça central da exposição de altacostura.
Ficara arrasada pela perda do Dior, como sabia que ficaria, no entanto, em
apenas alguns dias encontrara outro maldito vestido bom o bastante para encher-lhe a
voz de entusiasmo. Estava se sentindo muito mal enquanto pensava naquilo. Porque,
aceitar significava que seu sacrifício do Dior, que merecia dez vezes mais do que
Kaplinski, de nada valera.
Ele o deixara para apodrecer naquele elevador manual e agora nem tinha mais a
satisfação de saber que a perda não lhe prejudicaria a carreira? Jesus. A cadela era um
gato com nove vidas, sempre caía sobre as patas, não importava o que ele fizesse para
derrubá-la.
Com as mãos nos bolsos, a cabeça baixa, ele caminhou pelo museu em direção
aos elevadores dos funcionários, tentando não franzir a testa para os pisos de mármore
cor de biscoito enquanto o descontentamento lhe enchia a mente.
— Gordon! — Olhou por cima do ombro e viu Marjorie andando pelo corredor
na direção dele. Ela acenou com a mão quando viu que tinha a atenção dele. — Preciso
de um minuto do seu tempo — continuou ela.
Ele olhou para o homem alto, de pele cor de oliva e cabelos negros ao lado dela
e sua mente geralmente muito ativa ficou vazia... exceto por uma palavra.
Tira.
Suas entranhas congelaram, mas não era um jogador de pôquer por nada. Não
demonstrou nada, nem mesmo piscou; não era um amador para se deixar trair.
Mas como diabos eles chegaram a ele? Não deixara nada na mansão, todas as
vezes que a invadira, que pudesse ser ligado a ele.
É claro, isso não valeria nada se o tira tivesse um mandado de busca para seu
apartamento. Se isso acontecesse, estava real e completamente lascado. A maioria das
peças em sua sala especial não suportaria uma investigação completa.
Mas era ridículo até mesmo pensar dessa maneira. Não havia uma única razão
provável para conseguir um mandado, a menos que o tira conhecesse um juiz que não se
importava muito em seguir a lei de forma completa.
Cristo, Ives, já chega! Não há necessidade de chegar a conclusões precipitadas.
O pingue-pongue mental de estou lascado não há motivo para preocupação lhe
percorria o cérebro com a velocidade da luz e, tranquilo com o conhecimento de que sua
expressão não lhe traíra os pensamentos, ele conseguiu abrir um sorriso agradável
enquanto esperava que sua chefe e o tira o alcançassem.
— Este é o detetive De Sanges — disse Marjorie quando chegaram ao lado dele.
— Está investigando o roubo na mansão Wolcott, quando o vestido Christian Dior foi
levado. Detetive, este é Gordon Ives, sobre quem estava falando.
Falando o que, Marjorie? Mas, ignorando a pergunta que gritava em sua mente,
ele apenas disse:
— É, aquele foi um roubo realmente terrível. — Estendeu a mão para o tira.
O aperto da mão do detective era firme e ele observou Gordon com olhos sem
expressão.
— Há algum lugar tranquilo onde podemos nos sentar e conversar? A confiança
aumentando com a certeza de que seu próprio aperto de mão fora tão firme e seco como
o do tira, Gordon deu a De Sanges um sorriso calmo.
— Claro, vamos ao meu escritório. — Um momento depois, tirava uma pilha de
pastas da cadeira do visitante em seu escritório e convidava De Sanges a se sentar. —
141
Peço desculpas pelas acomodações, curadores juniores merecem apenas estes armários.
— Passou para o outro lado da escrivaninha e deu ao detetive toda a sua solene atenção
depois de se acomodar. — Então, o roubo na mansão Wolcott. Nunca estive lá, assim
não sei como você acha que posso ajudar.
De Sanges apenas olhou para ele por um longo e silencioso momento. Então
tirou uma caderneta velha do bolso interno do paletó do terno surpreendentemente
elegante.
— Sua diretora disse que você e a Srta. Kaplinski disputam exposições?
— Claro — deu de ombros —, somos apenas nós dois na posição júnior, somos
ambos ambiciosos e há um número limitado de exposições que os curadores sêniores
estão dispostos a nos deixar promover. Sem mencionar que a única chance de crescer na
carreira por muitos anos é quando Paul Rompaul se aposentar no outono do ano que
vem. Assim, competimos.
— Deve ter lhe parecido muito injusto, então, quando ela herdou aquela mansão
cheia de objetos de arte — disse o detetive, simpático. — E foi encarregada não só de
uma, mas de duas exibições apenas por que conhecia a mulher Wolcott. Parece que a
competição desapareceu em favor dela.
Sim! Mas, em um segundo, reconheceu que a inteligência inesperada de De
Sanges, sua sensibilidade e capacidade de enxergar o que havia por trás de tudo, era
uma armadilha. O homem estava fingindo compreender como Gordon se sentia
injustiçado para amaciá-lo para o ataque.
Bem, ainda não havia nascido um tira que pudesse levar a melhor com Gordon
Ives. Era esperto demais para cair no alçapão.
— É, foi dureza — admitiu —, é quase impossível não sentir inveja. Mas a
rivalidade entre mim e Jane sempre foi amigável. E ela me passou a exposição
espanhola, que fora dada a ela em nossa última competição, assim isso ajudou muito a
amenizar a amargura.
— O que acha dela como pessoa? Tem alguma teoria sobre o roubo na mansão?
— Jane? — Quer dizer, além do fato de que é uma chata, uma CDF, uma cadela
rica e sabe-tudo? — Jane é inteligente e dedicada, na minha opinião. Mas não tenho a
menor ideia sobre o roubo, isso fica mais na sua área de especialização, não acha?
— Claro. — O detetive se recostou na cadeira estreita de escritório, o tornozelo
de um pé muito grande descansando no joelho da outra perna enquanto observava
Gordon com uma curiosidade amigável. — Mas minhas teorias estão ainda em evolução
nesse ponto e é por isso que estou sempre interessado no ponto de vista de outra
pessoa... especialmente se é mais especializada do que eu na área que estou
investigando. Você vê, estava inclinado para uma direção quando fui chamado para esse
caso. Mas então conversei com sua diretora e você... e me encontro fazendo uma volta
de 280 graus numa direção completamente diferente. — Consultou sua caderneta. —
Você disse que nunca esteve na mansão?
— Não, nunca estive. Meu relacionamento com Jane é estritamente profissional,
assim, nunca fui convidado.
— Então, nenhuma das impressões digitais que levantamos na cena do crime
combinará com as suas, certo? — De Sanges ergueu a cabeça para olhar para ele e não
havia mais amizade nenhuma em sua expressão; olhava para Gordon com os olhos frios
e duros de um tira.
Droga! Tocara todo tipo de coisas na mansão e não pensara duas vezes no
assunto porque jamais esperara que teria importância de uma forma ou de outra. O
pânico o ameaçou, mas obrigou-se a ficar frio, a pensar nas coisas.
142
E se deu uma palmadinha mental no ombro por sua frieza quando encontrou o
olhar de De Sanges.
— Não, difícil deixar impressões digitais num lugar onde nunca estive.
— É verdade. Assim, tenho certeza que não se importará de nos deixar tirar as
suas para eliminá-lo da lista de suspeitos.
— Na verdade, me importo. Não sei por que estaria na sua lista de suspeitos e
acredito em proteger meus direitos civis. Também acredito naquele ponto da lei que diz
presumido inocente até a culpa ser provada.
O tira lhe segurou o olhar por um segundo a mais do que era confortável. Então,
ergueu um ombro, negligente.
— É, este é um bom ponto — concordou, e se levantou. — Obrigado por seu
tempo. Ficarei em contato — disse ele, então saiu do escritório.
Gordon o observou sair, então massageou as têmporas para tentar eliminar a dor
de cabeça que estava começando atrás dos olhos. Bem, isso não havia sido nada
engraçado, mas estava bem, estava frio. Porque provavelmente estava apenas
imaginando que o detective suspeitava dele; e por que suspeitaria? E, inferno, mesmo se
De Sanges suspeitasse, não podia provar nada. Porque Gordon agira com inteligência,
seguira a regra do jogo e parará enquanto ainda estava ganhando. Assim, não, não havia
razão para seu coração estar batendo assim, como uma escavadora, não havia nada
contra ele.
Capítulo 21
Deus, que dia! Começou com a tempestade... e isso foi apenas o começo.
— Este é o pai de todos os ventos — disse Devlin enquanto ele e sua irmã
saíram da mansão Wolcott. — Não devia ter vindo me pegar. — Então lhe deu um
sorriso. — Mas gostei de você ter vindo.
O vento uivante tentou empurrá-los para o pátio e Dev se colocou diante de
Hannah, para que ela ficasse entre ele e a porta enquanto a fechava.
— Cristo, o vento deve estar soprando a mais de 120 quilômetros por hora —
gritou acima do barulho. — Me dê as chaves, é melhor eu dirigir.
— Ooh, já que você é um homem tão grande e forte e a pobrezinha aqui é tão
indefesa. — O sarcasmo dela se projetou muito acima do uivo do vento, mas ela lhe
entregou as chaves.
— Hannah, você é tão indefesa como um tubarão — resmungou ele enquanto se
dobravam para enfrentar o vento e caminhar a curta distância entre a porta e o carro,
desviando-se de galhos de árvores caídos.
Ela não devia ter sido capaz de ouvi-lo, com o barulho do vento. Mas, ou ela
tinha ouvidos como os de uma coruja ou o vento criara uma linha direta que carregara
suas palavras até ela.
143
— Você está malditamente certo — gritou ela.
Entraram no carro, bateram as portas e os decibéis diminuíram dramaticamente.
Mas a irmã, não sendo uma pessoa que se contentasse em não dizer a última palavra,
olhou para ele enquanto fechava o cinto de segurança e voltou diretamente para o
assunto que ele meio que esperava que estivesse encerrado.
— Fui eu que enfrentei os elementos, vindo de Fremont para levá-lo para casa a
salvo, garotão.
— É, e por que? — perguntou ele com uma suspeita súbita. — O que a fez vir
aqui num sábado? Não combina com você abrir mão de seu dia de folga... sem falar em
ter seus cabelos completamente desarranjados para me poupar de um pouco de
inconveniência. Sem falar que estou muito mais perto da minha casa do que você da
sua.
— Por que as pessoas sempre mencionam a própria coisa que "não deviam
mencionar"? — Ela dobrou o visor e se olhou no espelho. — Ora, diabos, estou
parecendo uma louca. Tive um trabalho enorme para conseguir um penteado que desse a
impressão de que o vento desarrumara meus cabelos artisticamente. Não que fosse esta
confusão causada por vento de verdade. — Pegou uma escova da bolsa e começou a
desembaraçar os cabelos.
— Mas isso não responde à minha pergunta, responde? — Passou a ré e saiu do
estacionamento da mansão.
Ela deu de ombros.
— Você não tem carro e está um clima horrível. Não queria que fosse jogado no
Sound pelo vento.
— Uh-huh, isso parece bom... no papel. Mas sei que você sabe que sou
perfeitamente capaz de ir aonde precisar se as condições permitirem... e de ficar na
mansão se não permitirem. Então, qual é a história verdadeira?
— Certo, está bem. — Ela dobrou o visor e se mexeu no assento para olhar para
ele. — Quero saber quando vai voltar definitivamente para casa.
Ele se virou para olhar para ela por um momento antes que o vento tentasse tirar
o carro da pista em que estava lutando para ficar. Voltando a atenção para a rua, ele
disse, incrédulo:
— E você dirigiu pela metade da cidade, no dia em que está soprando o vento
mais forte da década, para me perguntar isso?
— Sim, e pela oportunidade de conversar com você sem todo mundo em torno.
— Ela ficou calada enquanto ele lutava para subir o morro íngreme da Queen Anne
Avenue, mas lhe deu um olhar direto no minuto em que chegou ao topo. — Está na hora
de você voltar para casa, Dev.
Enquanto esperava o sinal ficar verde, o que não era fácil já que a coisa estava
quase horizontal com a força do vento, ele abriu a boca para responder. Mas ela deve ter
lido sua mente, porque disse antes que ele pudesse:
— E não diga que está em casa. Você sabe o que quero dizer. — Ela suspirou,
então acrescentou, num tom calmo: — Você parece mais feliz agora do que em
qualquer momento dos últimos anos.
— E você sabe disso como? Só me viu em minhas visitas esporádicas.
— É esse exatamente meu ponto.
— Escute — ele balançou a cabeça —, gosto de saber que você me quer de volta
em casa, realmente gosto. Mas Bren está ficando cada vez melhor e cedo ou tarde vou
voltar para a Europa.
— Por quê? — insistiu ela. — Por que adora viver com uma mochila nas costas?
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Não, ele realmente não gostava, e para dizer a verdade, navegar em iates pelo
Mediterrâneo, longe de todas as pessoas que amava, havia perdido praticamente toda a
atração nos últimos dois anos.
Que inferno, de onde aquilo tinha vindo? Ergueu os ombros, cruzou Denny e,
agradecendo a Deus pelo trânsito quase inexistente, dirigiu o carro de Hannah na
direção de seu apartamento.
Gostava demais de sua vida na Europa. Claro, ficava um pouco inquieto de vez
em quando. E talvez, ocasionalmente, até sentisse saudades de casa, então, grande coisa,
acontecia.
Mas ter as palavras da irmã dando peso ao que eram insatisfações momentâneas
e, pior, fazendo com que duvidasse de si mesmo, se apenas por um momento, o irritou
profundamente.
— Esqueça, Hannah — disse, furioso. Estacionou em fila dupla diante de seu
edifício e uma rajada feroz de vento balançou o carro. — Você sabe que não suporto a
falta de privacidade que ocorre ao viver com a família toda em torno de mim o tempo
todo. É como viver num maldito aquário.
— Oh, pelo amor de Deus, Dev — respondeu, também furiosa —, supere isso!
Quantos anos você tem, ainda 19? Viver com a família é exatamente como você quiser.
— Bem, obrigado, Dr. Phil, por me fazer ver a luz. Aleluia. Acho que minha
vida finalmente entrará nos eixos. — Lutou com o vento para abrir a porta, saiu,
respirou fundo e exalou.
Debruçou para dentro do carro enquanto ela trocava de lugar, para se sentar no
lugar do motorista, que ele acabara de deixar vago.
— Quer esperar aqui até acabar a tempestade?
— Não — disse ela, zangada.
— Não faça beicinho, não vamos concordar nesse assunto.
— Poderíamos, se você não fosse um idiota tão completo. — Ele sorriu para ela,
mas quando ela acrescentou com seriedade: — Você está partindo o coração de mamãe,
você sabe. — o sorriso lhe desapareceu do rosto e ele se afastou do carro.
— Oh, bom, Han, maravilha, isso foi realmente fantástico. — a culpa era como
um milhão de insetos rastejando sob sua pele, mas não daria à irmã a satisfação de
perceber que atingira o alvo bem no centro. Estava furioso com ela por fazer isto com
ele, mas apenas deu um tapa no alto do carro, recuou e disse numa voz cuidadosamente
sem intonação: — Dirija com cuidado, irmã, a coisa aqui fora está horrível
— Preciso voltar — disse Ava a Jane, segurando as pontas do cachecol que
acabara de tirar do pescoço. — Dirigir sobre a ponte flutuante com esse vento me
apavorou para valer e, para falar a verdade, eu quase entrei em pânico. Quero dizer, sei
que não é muito longe para minha casa pela 190 do que é daqui, mas vi a saída norte
para a 15 e apenas entrei nela, em vez de ir para o sul. E... já lhe contei tudo isso,
maravilha, agora estou me repetindo.
— É claro que está — disse Jane, acalmando-a, tirando-lhe o cachecol das mãos
e o casaco dos ombros. — Você ainda está em choque, portanto, entre, sente-se e tome
uma xícara de chá.
Ava fez como Jane lhe dissera, mas, depois de se sentar à bancada do café da
manhã, observou com a testa franzida enquanto Jane pegava as coisas no armário.
— Desde quando você tem chá?
— Você se lembra de Joyce Hammermaster, que trabalha no escritório
corporativo do Starbucks em SoDo? Ela me deu duas caixas quando participei de uma
festinha na casa dela. — Agora, se apenas me lembrasse onde as guardara, faria logo o
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chá. Espere um minuto, foi...? — A-ha! Sabia que tinha guardado em algum lugar.
Calma ou Chai? — Sorriu para Ava. — Calma, estou pensando.
— Definitivamente.
Alguns minutos depois, sentaram-se com suas xícaras na sala de estar, tomando
chá e comendo o chocolate que Jane guardava para emergências. Apesar do vento
uivando do lado de fora... ou talvez por causa dele... sentiam-se confortáveis e seguras.
Até que Ava olhou para Jane e perguntou:
— Então, Dev falou mais alguma coisa sobre você voltar com ele para a Europa?
Jane enrijeceu, desejando, desejando, desejando até sua sensação de segurança
desaparecer, que não tivesse contado nada às amigas sobre isso.
— Não, há três dias que não toca no assunto.
— Hum. — A amiga descansou o queixo na palma da mão, bateu a ponta de um
dedo com a unha muito bem-feita contra a têmpora e olhou para Jane como uma
psicóloga... se elas se parecem com uma deusa da fertilidade. — E como você se sente?
— Bem, não estou me importando, se é isso que está perguntando. — Ava
apenas ergueu uma sobrancelha e Jane disse: — O quê? Não estou. Estou... aliviada, na
verdade. — Certo, mesmo ela podia perceber que estava protestando demais. No
entanto, não conseguiu se impedir de reiterar: — Realmente.
— Numa escala de um a dez na medida de mentira, eu lhe daria 13.
— Certo. — Exalando com barulho, ela se curvou protetoramente em torno da
chávena, os ombros caídos. — Quero me sentir aliviada, está bem? Mas, na maior parte
do tempo, apenas me sinto paranóica. Quero dizer, qual é a história? Ele passou de me
caçar sem parar, exigindo que eu vá para a Europa com ele, para total e completo
silêncio sobre o assunto. E por que eu me importo? Isso era para ser um relacionamento
de curto prazo, de qualquer maneira.
— Mas...?
— De repente, não sou mais boa o bastante, ou qualquer outra coisa? Ele perdeu
o interesse? — Jane suspirou. — Não sei, talvez ele apenas tenha ficado cansado do
sexo.
— É, certo. — O tom de Ava era de desdém. — Se há um cara em qualquer
lugar que se cansa de sexo, posso garantir que não é Dev. Vi o modo como olha para
você.
Jane odiou o impulso típico de seus anos de adolescente de perguntar que modo
e tentou disfaçar com zombaria.
— Então, assim, Lenny contou a Jimmy, que contou a Carole Lee, que contou a
mim que Bobby Joe está realmente, realmente doido por Tiff. — Ava apenas olhou para
ela e Jane teve que fazer um esforço tremendo para não se contorcer. — Certo, vou
morder — disse ela, com uma exibição de indiferença tão pouco convincente que se
sentiu constgrangida consigo mesma. — Como ele olha para mim?
— Como se ele fosse o tubarão e você a comida pronta para ele, gracinha.
— Oh, bem, esta é uma imagem adorável. — Deixou a cabeça cair nas mãos. —
Não podia ter dito como o sheik olha para a virgem? Comida, meu Deus do céu!
— Ora, agora você está desempenhando o papel de pobre de mim. Bem, estou
pronta para voltar para casa, de qualquer maneira, assim eu a deixarei agindo como
quiser. — Ava se levantou, pegou as xícaraas e pires e levou-os para a cozinha de Jane.
Então voltou para pegar o cachecol e o casaco no armário do hall. Começando o
processo de se vestir, ela foi até Jane e lhe deu um de seus abraços calorosos. —
Obrigada pelo chá e pela companhia, Jane. Adorei mesmo.
— Gostaria que você ficasse — disse Jane olhando pela vidraça para o vento
atingindo o Puget Sound com uma enorme fúria. A tarde estava se tornando muito
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escura. — Não acho que seja seguro dirigir. Estão dizendo que o vento está soprando a
não sei quantos mil quilômetros por hora.
— Parecia 150 quilômetros por hora, se me perguntar. Já vi muitas vezes o vento
erguendo aquelas ondas imensas no Lake Washington sobre a ponte antes, mas nunca
passei por lá até hoje. — Ava estremeceu. — Posso morrer feliz, muito feliz, se nunca
experimentar aquilo de novo.
— Então, por que vai se arriscar? Sei que não vai cruzar o lago de novo, mas um
vento forte assim pode jogar seu pequeno Beemer da ponte no West Seattle.
— E é por isso que pretendo seguir pela Alaskan Way.
— Você ouviu que até fecharam o cais Coleman para Bremerton e suspenderam
as viagens de balsa para Bainbridge? Isso nunca acontece. Fique aqui, Av.
— Obrigada, mas eu estou com vontade de ficar na minha casa.
As luzes diminuíram, então voltaram a ficar fortes. Jane olhou para a amiga.
— Horrivelmente escuro na praia se as luzes apagarem.
— Vocês, moradores do centro, não são os únicos que têm fios subterrâneos,
amiga. Ficarei bem.
— Bem, pelo menos telefone quando chegar em casa. Teve notícias de Poppy
hoje?
— Sim, ela telefonou para dizer que foi à casa dos pais para ver como estavam e
eles a convenceram a ficar.
— Queria convencer você a fazer a mesma coisa — disse Jane, preocupada.
— Ficarei bem e telefonarei quando chegar em casa, certo?
— Melhor mesmo que telefone.
Ela fechou a porta depois que a amiga saiu e foi para a cozinha lavar a louça. O
trabalho levou apenas alguns minutos e, depois que tudo estava arrumado, Jane não
tinha nada para fazer. Ligou a televisão, então desligou dez minutos depois, cansada da
cobertura incessante da tempestade. Tentou ler, mas desistiu depois de reler o mesmo
parágrafo pela milésima vez. Ajeitou almofadas que não precisavam ser ajeitadas e,
amaldiçoando a inquietação que sentia, andou de um cômodo para o outro como um
gato na gaiola.
Ava telefonou como prometera, mas mesmo assim Jane se sentiu tensa, por isso,
foi para seu pequeno solário para olhar a tempestade sobre a Elliott Bay e o Puget
Sound. Podia relacionar sua inquietação ao tumulto da tempestade. Mas não fora
exatamente preocupação pela amiga que a fizera se sentir assim inquieta; fora pensar no
assunto que Ava levantara. Por que Devlin tinha parado de convidá-la para ir para a
Europa com ele?
Ergueu o queixo. Bem, só havia uma forma de descobrir, não era? Como uma
concessão ao vento, fez duas tranças nos cabelos, então pegou o casaco no closet,
agarrou a bolsa e saiu do apartamento.
Quase se arrependeu quando saiu da garagem suberrânea e virou para a Western
Avenue. Rajadas de vento com enorme força batiam no carro. Isso era loucura, nem
mesmo telefonara para saber se Devlin estava em casa. Ele dissera que iria à mansão
pegar algumas coisas aquela manhã e, por tudo o que sabia, podia ainda estar lá. Ficaria
preso ao trabalho da mesma maneira que ela ficava.
Por outro lado, era menos de um quilômetro de seu apartamento até o dele, uma
distância que ela geralmente fazia a pé e, de qualquer forma, já saíra de casa. Virou em
direção à First Avenue.
Entre tentar encontrar um lugar para estacionar, quando evidentemente qualquer
um com um grama de bom-senso estava em casa com aquela tempestade, e se
questionar que diabos estava fazendo, seu humor estava péssimo quando finalmente
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parou num espaço estreito perto de Regrade Park. Era estranho ver o pequeno e cercado
espaço perto do Dans Belltown Grocery sem um só cachorro latindo e correndo em
torno. Como um dos poucos parques da cidade em que era permitido deixar os
cachorros soltos, geralmente estava cheio deles, mas é claro que este não era exatamente
o dia certo para levar o cachorro para passear.
Mas não compreendeu como o vento era realmente forte até sair do carro.
Maldição! Ela cambaleou com as pancadas enquanto as rajadas de vento, como a mão
invisível de um gigante em seu peito, tentavam empurrá-la para trás. Uma coisa era ver
aquela fúria na segurança da janela de seu apartamento; outra muito diferente era estar
no meio dela.
— Eu e o Espantalho, boneca — resmungou — se pelo menos tivéssemos um
cérebro.
Bem, tarde demais agora. Esforçando-se, dobrou-se contra o vento para
caminhar os dois quarteirões e meio até o edifício de Devlin.
O prédio era uma casa antiga de três pavimentos sem portaria, assim ela entrou e
subiu as escadas até o último andar.
— É melhor que você esteja aqui — resmungou quando bateu na porta.
Estava confusa, furiosa, angustiada e precisava de uma válvula de escape para
todas aquelas emoções que lhe causavam um tumulto interno maior do que a tempestade
que rugia lá fora. Quando não houve resposta imediata, ela bateu com os punhos
fechados nos painéis da porta.
— Segurem os cavalos! — gritou Devlin do outro lado da porta, e Jane piscou.
Ele parecia ainda mais furioso do que ela; não pensara que isso fosse possível.
A porta se abriu de repente e lá estava ele, olhando para ela. Por um segundo, o
prazer brilhou nos olhos dele, então as sobrancelhas escuras se juntaram.
— Que diabos está fazendo fora de casa com essa tempestade? — perguntou ele,
a mão lhe apertando o braço. — Entre já! — Puxando-a pela porta aberta, estendeu um
braço por sobre o ombro dela para fechar a porta com uma batida.
— Ei! — A raiva explodiu, muito feliz pela oportunidade de se soltar.
— Sem agarração! — Virou o braço para libertar-se da mão dele.
— Desculpe — disse ele, parecendo tudo, menos arrependido. — Estou um
pouco tenso. Este parece ser meu dia para mulheres que não têm o juízo de ficar longe
dos elementos. Mas, ei — deu de ombros —, você está aqui agora, entre.
Virando-se nos calcanhares nus, ele se dirigiu para a sala de estar. Ela hesitou.
— Você está com outra mulher aqui?
Oh, Deus, oh, Deus, nem mesmo pensara nisso. Não era de admirar que a
recebesse daquele jeito.
— O quê? — Olhou para ela por sobre o ombro, sem parar de andar. — Não,
Hannah foi da casa dela à mansão para me trazer para casa, mas já foi. E descobri que
não foi uma grande preocupação com a minha segurança que a fez se arriscar a ir me
pegar, o que ela realmente queria era saber quando eu voltaria para casa.
A respiração de Jane regularizou. Hannah, não uma nova amante. O alívio lhe
tomou as veias como champanhe. Mas franziu a testa.
— Mas você está em casa.
Ele ergueu as mãos num gesto que dizia exatamente! Mas esclareceu melhor:
— Para ficar, ela queria saber quando vou voltar para casa para ficar. — Ele
mexeu os ombros como se não fosse grande coisa, mas a raiva ainda brilhava nos olhos
dele como o trovão. — Acho que, porque ela e Finn eram mais próximos de mim do que
o restante da família, Han sofre da ilusão de que sabe o que quero melhor do que eu. —
148
Fez um esforço visível para espantar o mau humor. — Mas chega de falar sobre a minha
irmã. Que diabos está fazendo fora de casa com esse clima desgraçado?
A parte mais inteligente dela, a parte que lidava com curadores sêniores com
egos imensos e dignitáros estrangeiros que queriam o melhor para seus museus antes de
qualquer outro e suas necessidades, lhe disse para recuar, para guardar suas
preocupações até que Devlin tivesse a oportunidade de ficar realmente calmo.
Mas, quando ela morderia a língua até sangrar, se necessário, para nada dizer, a
pergunta exigente e estúpida a fez perder o pouco juízo que ainda tinha. Deu um passo
para ele.
— Por que parou de me pedir para ir para a Europa com você? — Ele piscou.
— O quê?
— Você mudou de ideia sobre querer que eu vá?
— Não. — Ele se aproximou e dobrou os joelhos para os olhos dos dois ficarem
no mesmo nível. O prazer afastando a raiva nos olhos dele, passou mãos gentis para
cima e para baixo dos braços cobertos pelas mangas do casaco. — Estava lhe dando
tempo para tomar uma decisão sem forçá-la. Então, decidiu ir comigo?
Foi quando ela compreendeu que devia ter pensado no assunto.
— Hum, não — gaguejou —, isto é, não sei. — Tudo o que queria era uma
resposta; não pensara além dela, para o que diria a seguir.
— Que diabos? — Ele pulou para trás, a raiva voltando à vida nos olhos dele. —
O que vai ser, Jane... está dentro ou fora? Ou apenas veio aqui para me atormentar?
Ela estava errada, e sabia disso. Assim, fez o que qualquer mulher sensata faria.
Tornou tudo culpa dele.
— Não use esse tom comigo — disse, brava. — Apenas, vim para descobrir por
que, de repente, parou de me pedir para ir com você. Não me culpe por estar confusa...
foi você que me cercou por dias sem fim para abandonar tudo pelo que trabalhei tanto
para seguir você para o Mediterrâneo, então, de repente, não disse mais uma palavra
sobre isso.
Estava bem diante dele, enraivecida, e descobriu que estava muto excitada por
discutir com ele. Que na verdade gostava daquilo... ela, que evitava qualquer tipo de
confronto. Sentiu um medo enorme, como um dedo de gelo passando por sua espinha, e
recuou depressa.
— Deus! — Recuou em direção à porta. — Eu sabia que isso não funcionaria
entre nós. Foi uma ideia idiota pensar que funcionaria. Então, por que não admitimos e
acabamos com tudo?
Ele deu um passo na direção dela, então parou, as mãos nos bolsos do jeans.
— Você quer desistir de nós?
— Prefiro dizer que estamos tomando uma decisão inteligente com base nos
fatos.
A cor subiu ao rosto de Dev e seus olhos ficaram escuros, perigosos.
— Ótimo — disse ele, a voz sem emoção. — Se não consegue enfrentar uma
pequena divergência sem acabar tudo e correr de volta para a segurança da sua vidinha,
então vamos fazer isso, Jane. Hoje não tenho paciência para lidar com uma mulher que
é covarde demais para sair de sua zona de conforto porque tem a noção idiota de que, de
repente, vai se transformar nos pais dela.
Ela se sentiu mais doente do que se ele a tivesse esmurrado no estômago; aquilo
era totalmente injusto. Talvez ele tenha razão, disse uma vozinha em sua cabeça. Não!
Ele não tinha. Com o coração batendo com força, o estômago embrulhado, ela ergueu o
queixo e respondeu ao fogo.
149
— Pelo menos, reconheço minhas dificuldades. Mas, ei, você continua a enganar
a si mesmo, Devlin. Vai voltar para a Europa assim que Bren estiver melhor para que
possa fingir que seus problemas não existem, que não pode viver num mundo onde sua
família é culpada por ousar se importar com você.
Deus do céu! Uma pequena porção de seu cérebro estava horrorizada com ela
mesma. Como tudo tinha se transformado em algo tão horrível tão depressa? Abriu a
boca para dizer... não sabia com certeza o quê. Mas alguma coisa conciliadora que
aniquilasse todo aquele drama. Fizera tudo errado, tudo por que estava realmente,
realmente com medo do que poderia acontecer se ousasse admitir que queria estar com
ele.
Antes que pudesse dizer uma palavra, porém, voltar atrás o relógio para eliminar
toda aquela briga e fúria, ele cruzou os braços sobre o peito e a olhou com olhos
indiferentes.
— Não deixe a porta bater no seu traseiro quando sair, boneca.
Apenas aquilo.
Era tarde demais.
Por um segundo ela apenas olhou para ele, enquanto a dor se irradiava dentro
dela. Então fez o que fizera a vida inteira, recuperou-se.
Bem, certo. Era o melhor, considerando os anseios selvagens de paixão
destrutiva, que lembrava demais a de seus pais, que estavam tentando desesperadamente
tomar conta dela. Queria obrigar Dev a amá-la, percebeu com um choque que a abalou
da cabeça aos pés.
Oh, Deus, a amá-la!
Comprimindo os lábios com força para impedir que saíssem as palavras que ele
não gostaria de ouvir e ela não queria reconhecer, e que estavam presas profundamente
dentro dela, Jane se virou e caminhou pelo corredor.
Consciente em cada fibra do seu ser de que ele não dissera uma palavra para
fazê-la parar quando saiu do apartamento dele.
Capítulo 23
Já tive dias horríveis antes, mas não sabia que era possível me sentir tão
enfurecida, tão mal, tão triste. Ou ficar tão tremendamente apavorada em tantos níveis.
Não podia voltar para casa; era o único pensamento claro na cabeça de Jane. Foi
até o carro, entrou e apenas permanceceu sentada por um longo e vazio momento,
olhando sem ver pelo para-brisa. Enlouqueceria se fosse para casa, apenas ela no
apartamento sem nada para desviar sua mente de Devlin.
Pensou que sempre poderia levar suas tristezas para Poppy na casa dos
Calloway, ou para Ava, em seu condomínio em Aliei. Mas sua garganta estava tão
inchada com lágrimas não derramadas, seu coração tão apertado pela dor e suas
emoções tão à flor da pele que era impossível falar sobre tudo aquilo naquele momento.
150
Mas podia trabalhar. Uma risada áspera escapou dos lábios pálidos. Ei, sua vida
amorosa podia implodir, mas sempre tinha seu trabalho. Deus sabia que passara a vida
se enterrando na ética do trabalho toda vez que as coisas se tornavam pavorosas. De
fato, o rompimento de hoje provavelmente apenas apressara o inevitável. De qualquer
maneira, jamais iria para a Europa com Devlin. Porque, precisava enfrentar, isso
significaria abrir mão de tudo pelo que trabalhara. E, sem seu trabalho, quem diabos ela
era? Ninguém, absolutamente ninguém.
Oh, pelo... Certo, mesmo para uma mulher mergulhada na pior dor emocional
que jamais sentira, isso era lamentável demais. Lamentável e diametralmente oposto a
tudo em que acreditava, se permitisse que uma paixão frustrada, entre todas as coisas, a
levasse a tais profundezas de autopiedade. Sem choramingar! Ordenou a si mesma
severamente, sentando-se mais empertigada no banco. Você tem um trabalho que ama.
Isso é mais do que muita gente pode dizer. Assim, apenas engula tudo e volte para a
única coisa sobre a qual ainda tem algum controle. Faça dessa exposição seu melhor
trabalho.
Ela deu partida no carro e se dirigiu para a mansão.
Que diabos acabou de acontecer aqui? Dev parou de andar de um lado para o
outro, inquieto, quando chegou à porta da frente pela terceira vez. Mergulhou uma das
mãos nos cabelos enquanto olhava de cara fechada para a porta; que diabos acabou de
acontecer?
Jogara Jane para fora do apartamento, para enfrentar aquela tempestade. Seus
ombros enrijeceram e sua expressão ficou ainda mais enfurecida. Mas foi culpa dela,
dera-lhe esperanças apenas para destruí-las. Mas ficara contente em deixá-lo sozinho e
apenas ir embora? Inferno, não. Tinha que lhe jogar na cara aquele lixo sobre seu
relacionamento com sua família, aquele lixo psicológico. Mas sua consciência não o
deixava em paz. Idiota, dizia ele, mantenta o foco. Você. A. Jogou. Para. Fora. NUMA
TEMPESTADE!
As pontas de seus dedos ficaram entorpecidas... um fenômeno felizmente
temporário que experimentava desde criança, sempre que admitia ter cometido um erro
do qual se envergonhava demais. Cruzou os braços sobre o peito e abrigou as mãos sob
as axilas. Não importava a provocação dos dois lados... e, pensando sobre o lixo que
dissera sobre a família dela, soube que também tinha culpa nisso... comportara-se de
uma forma completamente diferente do que era.
Não tinha aquele temperamento geralmente atribuído aos ruivos e normalmente
era preciso muita coisa para levá-lo à fúria cega. Mas, uma vez com raiva, demorava
muito para se acalmar. E, entre sua irmã e Jane, hoje fora provocado além do limite.
Mesmo assim. Não fora criado para tratar uma mulher daquele jeito. Se seu pai
algum dia descobrisse o que tinha feito, a surra seria inevitável... não importando que
fosse um homem adulto.
Dev rosnou; porque, a quem estava enganando? Isso não era sobre o tratamento
devido a qualquer mulher, não era genérico; era sobre Jane, que o virava pelo avesso
desde a noite em que se conheceram. Que o estava enlouquecendo, fazendo-o rir,
fazendo-o rosnar, fazendo-o amá-la.
Ele congelou; oh, droga, era isso numa palavra, não era? Jane Kaplinski o fizera
se apaixonar por ela.
Uma batida súbita na porta o fez se virar rapidamente para olhar para ela, uma
onda de alívio lhe tomando o cérebro. Deu um passo gigantesco à frente e abriu a porta
com força.
— Ótimo, você criou juízo...
151
— Não sabia que o tinha perdido — disse Finn, a voz arrastada, enquanto
entrava.
— Que diabos é isso, o Dia dos Irmãos Kavanagh? — Dev bateu a porta e quase
tropeçou nos pés do irmão, consciente de um imenso desapontamento em suas
entranhas. — Que diabos está fazendo aqui?
Finn olhou para trás sobre o ombro enquanto Dev o seguia até a sala de estar.
— Certo, obviamente não estava esperando por mim. Mas é bom ver que você se
sente feliz com minha companhia. Exerço esse efeito sobre as pessoas. Geralmente é
sobre mulheres, mas...
Dev deu um tapa forte com a mão aberta no ombro do irmão.
— Irmão, calma, Jesus, que estraga-prazeres. — Mas Finn apenas deu de
ombros. — Você disse que iria trabalhar esta manhã, assim fui à mansão para saber se
precisava de uma carona para casa. — Jogando-se no sofá, Finn olhou para ele. — Mas,
como todo aquele quarteirão está sem energia, pensei que você provavelmente tinha
voltado para casa, assim decidi passar aqui para ver se você estava em casa.
— Deixe-me ver se compreendi — disse, cheio de suspeita, a visita de Hannah
clara em sua mente. — Você veio nesta tempestade para ser meu motorista. Só por... o
quê? ...bondade do seu coração?
— Não. — Os olhos de Finn entrecerraram. — Tive um encontro a noite passada
com uma mulher que vive no lado leste de Queen Anne e, já que estava na vizinhança...
— Então não veio aqui para me dizer que é hora de eu desistir da Europa —
interrompeu Dev, cético.
No entanto... este era Finn que, ao contrário da irmã, jamais interferia em seus
assuntos. Dev estava começando a suspeitar que estava se comportando como um
idiota... e mesmo assim não conseguiu se impedir de dizer:
— Não está aqui para me dizer que é hora de voltar para casa definitivamente?
Finn se levantou.
— Com seu humor, irmão, não dou a mínima se você nunca voltar para casa.
Qual é o problema com você? — Então, o rosto se iluminando com a compreensão, fez
um aceno de reconhecimento. — Ah, teve uma briga com Pernas, não teve?
— Das grandes.
Finn observou-o com a cautela de um homem diante da perspectiva de uma
conversa sobre sentimentos.
— Não quer conversar sobre o assunto, quer?
— Inferno, não, mas posso lhe dizer que fui suave, fui sereno. Disse a Jane para
não deixar a porta lhe bater no traseiro quando saísse.
Finn olhou para ele.
— Você a mandou embora com essa tempestade?
— Mandei. — Passou os dedos sobre os músculos rígidos da nuca. — E você
deve sair porque preciso encontrá-la.
O irmão acenou.
— Conserte as coisas.
— Não sei se é possível, Finn, mas pelo menos posso me assegurar de que ela
chegou bem em casa. E talvez tentar outra conversa, em que meu temperamento não
desempenhe um papel decisivo.
— Não é frequente que desempenhe. Não me incomodaria de ser uma mosca na
parede para descobrir o que o levou a esse ponto.
Dev apenas balançou a cabeça.
— Quer uma carona até a casa dela?
152
Por que diabos iria querer seu irmão com ele quando ficasse diante da mulher
com quem tivera a pior briga do relacionamento deles? E então as luzes apagaram.
— Droga, sem Flexcar hoje. Sinto falta do sistema de metrô da Europa... e
imagino que o serviço de ônibus também será irregular. Deixe que eu ligue primeiro
para a casa dela... para saber se está em casa.
Ligou o número de Jane, mas tocou quatro vezes e a secretária eletrônica
atendeu. Alguma coisa profunda em suas entranhas apertou ao ouvir a voz dela dizendo
que não estava em casa, mas que deixasse uma mensagem e ela ligaria de volta.
— Jane? — disse ele, quando a secretária deu o sinal —, pegue o telefone se
estiver aí. Oh, por favor? — Suspirou com a falta de resposta. — Escute, não estou
ligando para brigar, apenas quero saber se você chegou bem em casa. O vento está forte
demais. — Ele esperou mais um momento para lhe dar tempo de responder, então
desligou e tentou o celular dela. Depois de deixar a mesma mensagem no correio de
voz, ele praguejou e guardou o celular.
— Não está em casa? — perguntou o irmão.
— Não sei, não respondeu a nenhum dos telefonemas, mas pode ter tirado o som
para não ser incomodada por mim.
— Só há uma forma de descobrir — disse Finn numa voz nem ouse ficar todo
emotivo pra cima de mim. — Vamos andando.
Jane obteve um sucesso razoável em bloquear a mente e focalizar na direção até
chegar à mansão. Sua concentração, na verdade, era tão grande que nem percebeu que o
bairro estava às escuras até virar na entrada de carro da mansão. Uma pilha de galhos
pequenos, encimada por uma forquilha quebrada, bloqueava seu caminho, assim voltou
para a rua. Foi quando percebeu: não havia iluminação em nenhuma das casas.
— Bem, maravilha. — Encontrou um lugar para estacionar um pouco além da
mansão. De jeito nenhum voltaria para seu apartamento vazio. Tinha sua lanterna no
porta-luvas; melhor fazer alguma coisa à luz da lanterna do que ficar sozinha e sem
trabalho no apartamento.
O único problema com o plano era que levava uma eternidade para terminar até
o mais fácil e pequeno dos trabalhos apenas com a luz da lanterna e o pouco de
iluminação que conseguira abrindo as cortinas da sala de estar no andar superior onde
ficava o closet secreto. Sua lanterna não era pequena, mas estava longe de produzir a luz
brilhante da lanterna da policial Stiller. Daria tudo para ter uma daquelas agora.
Mas, naturalmente, este não era o problema real; o problema real era a briga com
Devlin, as palavras se repetindo na tela de sua mente quando a barragem de trabalho que
pretendera usar como antídoto falhou em manter a mente ocupada.
Por algum motivo, começou com as cores: o dourado da camiseta abraçando
seus ombros fortes e roçando os planos e montes do peito, fazendo seus cabelos
parecerem mais vermelhos e os olhos mais verdes. Então, o tom exato do azul na
lombada de um de seus livros de quebra-cabeças Sudoku... um livro que nem se
lembrava de ter visto enquanto discutiam... lhe surgiu na cabeça. Era ridículo. Covarde
demais para sair de sua zona de conforto porque tem a noção idiota de que, de repente,
vai se transformar nos seus pais.
A voz de Devlin em sua mente fez sua mâo congelar no meio das anotações que
fazia sobre itens que ainda precisavam de pesquisa. Deixou a mão cair no colo, respirou
fundo, então exalou.
Certo, ela preferia pensar no livro de quebra-cabeças. Podia ser ridículo, mas era
preferível a isso. Mas era tarde demais; a acusação se repetia, alta, em sua mente, e a
enfrentava ou batia a cabeça até a voz silenciar.
153
Era uma covarde. A verdade doía, mas não podia negar que passara a maior
parte de sua vida evitando a paixão que não fosse relacionada apenas ao trabalho pelo
único motivo de que fora exposta à versão deformada da paixão dos pais. No entanto, o
engraçado era que o fervor infinito, extremo, de um pelo outro não era a questão real;
pelo menos, não da forma como sempre acreditara.
A prancheta e a caneta caíram no chão quando ela se levantou e ficou parada,
olhando para o tapete desbotado, as mãos soltas nas laterais do corpo. Meu Deus! Por
que não percebera isso antes?
A paixão não era a questão; o que sempre quisera, pelo menos uma vez, era que
a atenção total dos pais... sua paixão... fosse por ela.
Maldição, crianças tinham necessidades que deviam ser atendidas, mas as dela
raramente foram porque sua mãe e seu pai estavam sempre envolvidos demais um com
o outro. Sempre se sentira como uma sombra no retrato da família e não soubera como
mudar isso, não soubera como dizer: "Olhem para mim, prestem atenção em mim."
E, é claro, sem que ela os obrigasse... e Dorrie e Mike sendo Dorrie e Mike...
eles não lhe deram atenção. Assim, depois de algum tempo, ela pensara: Ótimo, não
preciso disso, de qualquer maneira. É paixão, e detestável, e não a quero.
Apenas, a paixão não fora o problema. E o problema real não era detestável. E
acreditava que talvez precisasse dela.
O nó terrível no estômago de ]ane começou a se desmanchar. Ela fechou o
closet, as cortinas e saiu. Arranjaria coragem, a tomaria nas duas mãos e voltaria ao
apartamento de Devlin; tentaria de novo, dessa vez sem usar nenhum dos truques que
desenvolvera ao longo dos anos para se proteger.
E se isso não funcionasse, se tudo terminasse tão mal como seu último encontro?
Bem, pelo menos não seria porque era covarde demais para tentar.
Ao chegar na metade da escadaria, que estava iluminada apenas pela luz sombria
do dia entrando pelos vidros na parte superior da porta da frente, pensou ter ouvido um
rangido leve, rítmico, que vinha dos fundos da mansão. Ela congelou, então debruçou-se
cautelosamente no corrimão. O corredor sombrio abaixo estava vazio e ela não ouviu
mais nada além do uivo do vento e do barulho dos galhos das árvores. Seus ouvidos
deviam estar lhe pregando peças, decidiu. Dada a intensidade da tempestade, era mais
provável que o som viesse de fora, não de dentro. Talvez um galho batendo numa
janela.
Apagou a lanterna, mas segurou com força seu peso confortador. Não se
lembrava por quanto tempo a bateria auxiliar devia manter o sistema de segurança
funcionando quando faltasse energia, mas pensando na teoria de que devia esperar pelo
melhor mas presumir o pior, ela atravessou o corredor na ponta dos pés, cautelosamente
olhando para dentro de cada aposento pelo qual passava. Como suspeitava, não havia
nada estranho em nenhum deles, e ela relaxou um pouco mais a cada aposento que
encontrava vazio.
Mas que diabos estava fazendo, comportando-se como uma daquelas mulheres
num filme de terror para quem se gritava "não vá ao porão." Não era como se estivesse
preparada para enfrentar um intruso. E, se realmente acreditava que havia um na casa,
devia correr para a porta da frente e não seguir a rotina e sair pela porta da cozinha.
Balançou a cabeça, certa de que estava se amedrontando desnecessariamente, da
maneira como ela, Ava e Poppy costumavam fazer com histórias tenebrosas de
fantasmas nos acampamentos de verão no quintal da casa de Poppy. Mas seu objetivo
imediato, mesmo assim, era sair da mansão o mais depressa possível. Sem eletricidade,
a mansão era mais apavorante do que o inferno.
154
Passou rapidamente pela sala de jantar com apenas um olhar para dentro antes de
se dirigir para a cozinha; e parou de repente diante da porta.
Oh meu Deus. O horror lhe subiu pela espinha, parando na nuca onde cabelos
finos que nem sabia que estavam lá se arrepiaram. Não era sua imaginação; vira alguma
coisa... alguém... perto do armário onde ficava o antigo elevador da cozinha. Com o
coração disparado, ela correu para a porta dos fundos, onde lutou para virar a maçaneta,
quase soluçando de alívio quando ela finalmente se virou sob seus dedos enrijecidos e a
porta se abriu. Então uma mão masculina de repente surgiu do nada sobre seu ombro e
bateu a porta, fechando-a.
E o grito de Jane poderia ter derrubado a casa.
— Você acha que estou partindo o coração da mamãe? — perguntou Dev a Finn
enquanto circulavam a região perto do apartamento de Jane, procurando um lugar para
estacionar. A acusação da irmã o atormentava quase tanto quanto sua preocupação por
Jane.
— O quê? — Finn desviou o olhar da rua por um segundo para olhar para Dev,
então voltou a focalizar a atenção na direção. — Não, por quê?
— Hannah disse...
— Ah, bem, Hannah. Foi ela que se ressentiu mais por você viver tão longe.
Sente sua falta, Dev. E a mamãe também, mas acho que a mamãe tem uma compreensão
muito maior do motivo por que você precisa se afastar de nós. Tenho certeza que
percebeu como está se esforçando para ficar longe dos seus assuntos desde que você
voltou.
Não, não tinha. O que apenas mostrava que imbecil autocentrado ele era. Porque,
pensando no assunto, percebeu que, embora tia Eileen tivesse pressionado com seu
quando vai se acomodar e ter bebês, quando levara Jane à festa dos pais, sua mãe nada
dissera. Nem tinha tocado no assunto das outras vezes em que estivera com ela.
Na verdade, lembrando-se das vezes em que estivera com a família, subitamente
reconheceu que praticamente todo mundo superara aquela maneira de agir. Parecia que
era apenas ele que ainda reagia da mesma maneira que agia quando tinha 19 anos.
— Droga!
— O quê, você quer partir o coração da mamãe?
— Pegue aquele lugar! — Apontou para um espaço que acabara de vagar e Finn
atravessou duas pistas, vencendo uma mulher num Mini que pretendia estacionar nele.
— É claro que não quero magoar a mamãe — disse Dev voltando ao assunto da
conversa. — Por que acha que fiquei furioso com Han, quando ela sugeriu isso? Mas
estou apenas começando a compreender que estive alimentando uma raiva contra uma
atitude da família que não existe mais. — Deu um sorriso torto. — Bem, isto é, se não
levar em conta tia Eileen.
— É, ela nunca vai mudar. E não se engane... a mamãe quer que você lhe dê
netos. Mas quando você abandonou a faculdade e foi para a Europa e ficou lá em vez de
apenas ter uma rebelião rápida e voltar, ela sentiu o temor de Deus. Não vai perseguir
você. Acho que apenas se sente grata a cada dia que você passa aqui.
— Mas, ei, sem pressão — disse Dev secamente. O irmão sorriu.
— É, sem pressão.
Lutaram contra os elementos para chegar ao condomínio de Jane, onde a mulher
na bancada os deixou entrar.
— Ei — disse ela alegremente, reconhecendo-o por suas passagens anteriores
por seu território. — Clima horrível, hein?
— Horrível é pouco. Jane está no apartamento?
155
— Oh! — ela pareceu assustada —, não, pensei que vinha se encontrar com ela.
Saiu há 45 minutos.
Ele soltou um palavrão em voz baixa, então lançou a ela um sorriso.
— Desculpe. Tudo bem se esperar por ela no apartamento? Tenho a chave. —
Jane certamente tinha uma agenda de endereços onde ele poderia encontrar os números
dos amigos dela.
— Tenho certeza que está tudo bem, mas me deixe verificar. — Teclou algumas
vezes no computador, então se debruçou para ler o documento que surgira na tela. O
rubor lhe subiu ao rosto e ela olhou do outro lado da bancada. — Lamento, mas seu
nome não está na lista. Sei que você e Jane estão juntos... eu os vi entrando e saindo.
Mas não temos permissão de deixar convidados passarem do lobby se seus nomes não
estiverem na lista.
— Compreendo — disse ele, embora quisesse esquecer tudo o que ela dissera e
apenas invadir o apartamento de Jane. — Você se importa se eu e meu irmão ficarmos
aqui enquanto eu tento encontrá-la? Está um pavor lá fora.
— É claro, fiquem o tempo que quiserem.
Dev e Finn escolheram o sofá mais distante da bancada e ele tirou o celular do
bolso da jaqueta e apertou um número.
— Para quem está ligando?
Ele abriu a boca para responder, mas a cunhada atendeu antes.
— Ei, Jody. — A linha estalou. — É Dev, Bren está?
O irmão foi chamado, mas no curto tempo que ele levou para chegar ao telefone
a conexão ficou ainda mais precária e a voz de Bren aparecia e sumia.
— Pode me ouvir? — Quando ouviu o que parecia ser uma afirmativa,
continuou: — Você teve contato com Poppy quando fomos contratados para reformar a
mansão Wolcott. Tem o telefone dela?
— Dei... ver... — O telefone ficou mudo.
— Droga! — Dev resistiu ao enorme impulso de jogar o aparelho do outro lado
do lobby. — Eu o perdi — disse a Finn.
— Vou tentar o meu, tenho um provedor diferente.
— Se conseguir a ligação, veja se ele tem também o número de Ava e o da
mansão.
— Não há energia lá. — Finn chamou o número de Bren.
— Você disse, mas vi um aparelho antigo que não depende de eletricidade e que
pode estar funcionando. É claro, como todo mundo hoje tem um celular, as chances são
de que Jane e as amigas não tenham se dado o trabalho de ligar para Ma Bell.
Finn fechou o celular.
— O meu também está mudo. Agora, que diabos vamos fazer?
— Vou subir... e que se dane a lista em que meu nome não está. Precisamos de
um telefone que funcione.
A moça da bancada murmurou alguma coisa e, quando se viraram, perceberam
que ela os ouvira. Entretanto, quando viram que ela falava ao telefone, olharam um para
o outro.
E então cruzaram o lobby em direção à bancada.
156
Capítulo 23
Pensei que tivesse problemas, mas Gordon? Ele leva o prêmio. Como alguém
pode ser tão maluco e ninguém nem perceber?
Histérica de medo, Jane gritou e gritou. O intruso estava gritando com ela, mas
Jane não conseguia ouvir uma palavra do que ele dizia. Olhou para ele horrorizada, mas
não seria capaz de descrevê-lo nem para salvar a própria vida. Estava dominada pelo
terror.
Então ele lhe deu um tapa no rosto com as costas da mão e o choque de ser
atacada cortou seu pânico como a espada de um samurai corta seda. Ela engoliu com
força e a pequena quantidade de saliva que conseguiu reunir desceu através dos tecidos
da garganta como se fosse areia.
— Maldição — murmurou o homem com uma voz tão cheia de satisfação
consigo mesmo que ela a registrou mesmo acima do som da fúria da tempestade. —
Não sei quanto a você, mas isso foi bom demais para mim.
Ora, você... pela primeira vez ela olhou para seu atacante e o viu realmente. E
outro choque lhe percorreu o sistema.
— Gordon?— Ela piscou, mas as feições que vira ainda eram as mesmas. As
sobrancelhas de seu colega de trabalho se juntaram.
— Você não sabia que era eu?
Ela balançou a cabeça, ciente de que ainda não estava funcionando com todos os
seus cilindros.
— Bem, isso é mesmo o fim. Sabia que era um erro voltar aqui.
— O que quer dizer, voltar, você nunca esteve aqui antes... — Seu cérebro
funcionou. — Oh, meu Deus, foi você? É você que tem roubado as coisas da Srta.
Agnes? Que levou meu Dior?
Ele não precisou responder; ela viu a resposta na expressão do rosto dele.
Escolhera um dia pavoroso para jogar aquilo nela e, com um rosna-do inarticulado de
raiva, ela se jogou contra ele, esmurrando, unhando, machucando qualquer parte do
corpo dele que conseguia alcançar, governada por uma fúria irracional, movida a dor;
queria infligir dor também.
— Seu rato! Seu maldito, nojento, bastardo rato de sarjeta!
— Chega! — gritou ele, agarrando-lhe os pulsos quando ela lhe deu outro murro
e fazendo sua mão parar a centímetros do nariz. — Deus, você me faz querer lhe
arrebentar a cara!
— Você pode tentar — ela rosnou; então, vendo o rosto dele se tornar sombrio,
recuperou o juízo. Certo, não era a melhor coisa a dizer a alguém maior e mais forte do
que ela.
Mas, mesmo enquanto se preparava para outro golpe, ele a empurrou para o
outro lado da cozinha, puxou uma cadeira da mesa e a jogou nela.
— Fique sentada e cale a boca! — gritou. — Tenho que pensar.
Tinha pouca opção sobre a primeira ordem e achou prudente obedecer à segunda
também... pelo menos, até conseguir pensar no que estava acontecendo. Pressionando os
lábios fechados, ela se acomodou na cadeira e cruzou os braços sobre os seios.
— É assim que quero, sua cadela vaidosa e estúpida — resmungou Gordon.
157
— Ei! — Ela pulou da cadeira, o bom-senso esquecido. — Você é um maldito
ladrão que me roubou sem pensar duas vezes e eu sou a cadela? Você tem um bocado
de coragem, cara.
— Você tentou me dar um chute na virilha! E olhe para isso! — Passou a mão
com raiva pelas linhas da lapela da jaqueta negra de grife, que estava longe das
condições impecáveis que ele sempre apresentava.
Ela viu que ele não estava brincando... que estava realmente furioso com o
estado de suas roupas. Um frio lhe percorreu a espinha; isso não parecia nada promissor.
Estava sozinha numa mansão escura com um homem claramente instável, que tinha
muito a perder... e estava sozinha. Como sempre estivera em sua vida. Estava
começando a compreender que bancar a valente não era uma atitude que melhorasse sua
situação.
— Desculpe, foi um choque encontrar você aqui — disse ela na voz mais
racional que conseguiu. — Talvez você e eu nunca tenhamos sido amigos, mas
trabalhamos juntos e pensei que pelo menos respeitávamos a dedicação um do outro às
exposições. No entanto, aqui estou, descobrindo que foi você quem roubou o Dior. —
Olhou para ele com perplexidade genuína. — Você sabia o quanto aquele vestido
significava para mim, Gordon, assim acho que eu sou a parte prejudicada aqui. No
entanto, é você que está me xingando, por quê? O que já fiz com você para que me
chame de cadela estúpida?
— Bem, vejamos... fora o fato de você roubar exposições que deveriam ter sido
minhas, quer dizer, e acreditar que eu apenas sorriria e pensaria que estava bem. Você
me chamou de rato bastardo de sarjeta. Mas, ei, acho que é certo a princesa xingar o
peão. Afinal, você nasceu com uma colher de prata na boca e recebeu todas as
vantagens numa maldita bandeja de prata enquanto eu tive que lutar por tudo o que
consegui.
Ela ficou de boca aberta. Sabia que não devia tê-lo chamado de rato de sarjeta.
Ele parecia ter ficado realmente incomodado com isso. No entanto, foi seu engano sobre
as vantagens do seu nascimento que lhe chamou a atenção.
— Do que está falando? Cresci junto à Highway 99, perto do aeroporto! — Ele
piscou, parecendo inseguro por um instante. Então deu uma risada desdenhosa que
signficava é, sei.
— Você estudou no Country Day, ouvi Marjorie falar sobre isso toda
entusiasmada.
— É, com uma bolsa.
— Soube que também foi para Radcliffe.
— De novo, com uma bolsa. Gordon, meus pais são atores e não do tipo de
andar sobre tapetes vermelhos na Broadway ou em Hollywood. Em seus melhores anos,
talvez ganhassem juntos 30 mil dólares.
Os olhos dele endureceram.
— O que é cerca de 18 mil a mais do que minha mãe jamais ganhou.
— Mesmo assim, foi uma renda combinada de um ano e tem que concordar que
está muito longe da riqueza.
— Sim, pobre você, acabou de herdar quantas centenas de milhares de dólares
em artefatos sem preço?
— Interessante você mencionar isso, considerando que, até agora, você , foi o
único a ter lucro. — Cale a boca, Jane. Apenas. Cale. A. Boca. Tinha sido um erro fazer
qualquer menção a dinheiro, uma tentativa mal calculada da parte dela de mostrar como
estava distante do bebê rico que ele aparentemente a considerava.
158
Porque era evidente que a quantia de dinheiro que sua família tinha quando
estava crescendo era de muito menor interesse para Gordon do que o fato simples de
que ela tivera mais do que ele... mais dinheiro, mais vantagens, e não importava que
aquelas vantagens não fossem originarias de uma grande fortuna, mas do próprio
esforço. Aceitou que fazê-lo compreender que se enganara sobre seus antecedentes não
lhe daria nenhuma vantagem, e a mente de Jane se voltou para meios de sair daquela
confusão.
Não havia nenhum final feliz para aquela situação. Gordon não lhe parecia um
tipo violento, mas também ela jamais suspeitara que ele fosse capaz de roubar. E, agora,
estava na posição de ser a única pessoa capaz de identificá-lo como o ladrão. Quem
sabia o que ele faria para impedi-la de desmascará-lo? Havia uma expressão decisiva no
rosto dele que não demonstrava nenhum resultado bom para ela... como se estivesse
disposto a fazer o que quer que fosse para se proteger e não se importasse se ficasse fora
de sua zona de conforto.
Jane não conseguia pensar em nada para sair daquela confusão. Sentou-se perto
da porta dos fundos, a menos de um metro da liberdade. Mas Gordon estava mais perto
da porta. A mesma coisa com a porta da frente... a menos que pudesse pensar num meio
de conseguir uma vantagem, ele estaria em cima dela antes que conseguisse tirar a
tranca, muito menos abrir a fechadura. Assim, sem parar de pensar em tudo, ela fez a
pergunta que não lhe saía da mente.
— Por que você apenas não... esperou? Esperou que eu saísse da mansão e então
você também sairia? — Deus sabia que isso teria sido tão mais simples.
— O que você acha, que eu gosto de me colocar em situações em que é
impossível vencer? — Ele passou a mão no rosto e olhou para ela com desprezo. —
Obviamente, pensei que tinha me reconhecido, você olhou diretamente para mim na sala
de Jantar. — Ele não acrescentou "e agora vou matar você por isso", mas os olhos dele
estavam vazios e pareciam... sem alma, e ela engoliu em seco.
— Eu não o vi, estava abalada por estar na mansão nessa tempestade, embora
tivesse quase me convencido de que tinha me apavorado sem motivo. Apenas queria
sair daqui naquele momento, assim realmente não percebi nada. — Oh, Deus, ela
realmente precisava encontrar uma estratégia, compreendeu, lutando contra um pânico
crescente.
E uma estratégia que, de preferência, a fizesse sair dali viva.
Infelizmente, a única coisa em que podia pensar era impedi-lo de agir de
imediato. Não era muito, considerando que não estava esperando que ninguém fosse
salvá-la num cavalo branco, mas uma garota tinha que trabalhar com o material de que
dispunha, não tinha? Caras gostavam de se gabar, não gostavam? Bem, Gordon era um
cara, e se pudesse fazê-lo falar, talvez, apenas talvez, ela pudesse adiar qualquer coisa
em que ele estivesse pensando enquanto elaborava um plano melhor para tirar seu
traseiro da armadilha em que estava. Passou a língua nos lábios duros de medo.
— Como diabos você conseguiu o código do sistema de segurança? —
perguntou ela, com uma bela imitação de admiração na voz. Quem disse que ela não
herdara o gene de atriz?
Bem, certo, Mike e Dorrie haviam dito, mas estavam enganados. Apenas uma
atriz podia ouvir com todas as expressões de espanto e ingenuidade, os olhos abertos, a
cara de quem pensa você não é mesmo o cara mais inteligente que já conheci? Enquanto
Gordon respondia à pergunta num tom carregado de desprezo até pelo ar que ela
respirava.
É claro que sei atuar.
— Posso usar seu telefone, doçura?
159
A garota atrás da bancada piscou para Dev.
— Oh, não sei...
Dev não o arrancou das mãos dela. Daria a ela uma chance de fazer a coisa certa.
— Escute, sei que está com medo por causa das regras e tudo mais, mas estou
preocupado com Jane. Ela pode estar bem na casa de uma das amigas, mas não sei e não
tenho os números dos telefones delas para descobrir. Não estou tentando prejudicar
você, mas ou me deixa usar seu telefone para tentar encontrá-la ou vou subir e não me
importo com quem vai chamar para me fazer parar. Posso pegar o que preciso e ir
embora muito antes que uma verdadeira autoridade apareça.
Ela ergueu o telefone da mesa e o colocou na bancada.
— Obrigado. — Apertando o número de Bren, ele pensou que devia ter usado a
ameaça logo no princípio. Havia uma desvantagem em ter sido criado para fazer a coisa
certa. O irmão respondeu tão depressa que devia estar sentado ao lado do telefone.
— Dev, é você?
— Sou.
— Bom, Jody estava começando a ficar preocupada. — Tradução: Bren estava.
— Tenho alguns números para você. Está preparado para escrever se a linha cair de
novo?
Estendendo a mão sobre a bancada, ele pegou uma caneta.
— Pode dizer. — Ele anotou o número da casa de Poppy na palma da mão,
depois seu celular, mas não tinha muita esperança de ele estar funcionando.
— Lamento, mas não tenho o número de Ava, mas aí vai o da mansão. Dev o
anotou também na palma da mão.
— Obrigado, Bren, isso vai ajudar muito.
— Me telefone quando a encontrar, certo?
— Certo.
Ele desligou e imediatamente ligou para a casa de Poppy. Quando a secretária
eletrônica atendeu, ele desligou sem deixar mensagem e ligou para o celular. Como
suspeitava, estava fora de área, assim tentou a mansão. O aparelho tocou e tocou, e
depois de oito ou nove vezes recebeu uma mensagem da operadora dizendo que o
número que ele ligava não respondia. Obrigado, Ma Bell, não conseguiria descobrir isso
sozinho. Desligou o telefone com força e olhou para a moça atrás da bancada.
— Lamento, mas preciso do número de Ava. Vou ao apartamento. Finn?
A última coisa que viu enquanto andava apressadamente para o elevador foi seu
irmão estendendo a mão sobre a bancada para pressionar a mão contra o aparelho,
falando suavemente com a recepcionista abalada enquanto ela lutava para tirá-lo dele.
O toque estridente e súbito do aparelho telefônico da cozinha, da década de
1970, fez Gordon pular de susto. Ele se virou para olhar para a origem do som e Jane
considerou isso um sinal, que dizia CORRA COMO OS DIABOS ENQUANTO PODE.
Estava longe de ser o ideal, mas provavelmente seria sua única chance e se levantou
silenciosamente da cadeira.
Mal tinha passado pela porta para o corredor quando ele gritou e Jane mergulhou
na sala de jantar. Agarrou uma cadeira e segurou-a acima da cabeça enquanto se
escondia atrás da porta aberta. Um pesado saco de lixo preto sobre o elevador aberto lhe
chamou a atenção e ela franziu a testa, perguntando-se o que ele teria roubado naquele
dia.
Gordon passou a cabeça pela porta e Jane bateu-lhe com a cadeira com toda a
força. Ele deve ter visto o movimento pelo canto dos olhos, porque se abaixou, o braço
erguendo-se protetoramente sobre a cabeça. Mas a cadeira o atingiu com um som
estranho e o derrubou, fazendo-o cair sentado no piso. Ele gritou de raiva ou dor, ou
160
talvez os dois, mas Jane não ficou por perto para ver como ele estava e correu para a
porta da frente.
Estava lutando para tirar a tranca quando o ouvir praguejar com grande
criatividade e... mais perigosamente... ouviu o som do que pensou ser ele se levantando.
Abandonando a tranca, ela correu para a escada e subiu-a de dois em dois degraus para
o segundo pavimento.
Fechou cada porta pela qual passava, na esperança de que pudesse criar um
pouco de confusão para ganhar um minuto ou dois, então entrou correndo na sala de
estar da suíte da Srta. Agnes. Fechou aquela porta com suavidade, atravessou
rapidamente a sala na ponta dos pés e abriu rapidamente a porta do closet secreto.
Entrou e estava fechando a porta quando ouviu Gordon gritando seu nome no corredor.
Estava escuro como a alma do demônio dentro do closet, e ela soluçou baixinho.
— Onde está você, sua cadela?
Houve silêncio por um momento, exceto pelos barulhos abafados que ela
imaginou serem as portas dos diversos aposentos do corredor sendo abertas pelos chutes
de Ives. A porta do quarto ao lado de repente bateu contra a parede.
— Gatinha, gatinha, o caminho está livre — cantarolou ele. — Saia, Jane, e
vamos dar o assunto por encerrado. Pegarei meu saco e irei para casa.
É, certo. Os lábios dele diziam uma coisa, mas suas ações lhe mostravam que
não sairia até ter eliminado a única pessoa que poderia identificá-lo. Com os nervos
gritando, os sentidos mergulhados no que normalmente seria o cheiro adorável de cedro,
ela ficou em pé, rígida, dentro do closet, esperando que as batidas altas do coração não a
traíssem, como o do velho sob o assoalho em "The Tell-Tale Heart".
Certo, na verdade fora a loucura do protagonista que fizera o som surgir. Era
justo, desde que não podia jurar que também não estava ficando louca.
Ouviu Gordon batendo na mobília e nas paredes no quarto ao lado. Então a porta
de conexão com a suíte se abriu com uma batida e ela podia jurar que ouvia sua
respiração alterada... uma clara impossibilidade dada a violência da tempestade de vento
lá fora.
Ele praguejou, então sua voz ficou tão alegre que ela se arrepiou.
— Sabe de uma coisa, cadelinha? Provavelmente é melhor você ficar em seu
buraco. Eu não quero fazer isso exatamente cara a cara. Mas, de qualquer maneira, sei o
que preciso fazer agora. — Sua voz estava se tornando cada vez mais distante enquanto
ele se afastava. — Vejo você por aí, Kaplinski! Ou talvez não. — A risada que fez os
pelos do corpo de Jane se levantarem flutuou a partir do corredor. Então tudo ficou
quieto. Cuidadosamente ela se sentou no chão, erguendo os joelhos até o peito e
abraçando-os, perguntando-se quando ousaria sair do closet. Provavelmente, ele estava
esperando que ela fizesse exatamente aquilo. Ou assim ela achava.
Até que, cheia de um terror que a abalou até a alma, sentiu o cheiro de fumaça.
Capítulo
161
... e, por um minuto, tudo em que pude pensar foi Onde está Devlin? Oh, Deus,
oh, Deus, onde ele está? Preciso dele!
A adrenalina era um demônio de esporas cavalgando o ombro de Gordon quando
ele se afastou da grande pilha de gravetos de madeira, que encontrara numa sala meio
derrubada no segundo pavimento, começando a pegar fogo sob as cortinas leves do
quarto principal. A pele coçando, ele desceu rapidamente a escadaria, dirigindo-se para
a sala de jantar no primeiro pavimento.
Que tudo se danasse. Que a mansão queimasse até os alicerces com a Cadela
Kaplinski dentro dela. Agarrou o saco que deixara para trás da última vez que estivera
ali, começou alguns outros incêndios estratégicos e esperou alguns minutos para saber
se conseguira fazer com que ela saísse do esconderijo. Então iria embora; que confusão
dos diabos tudo aquilo se tornara.
Sabia que não devia ter voltado hoje. Era sempre tão cuidadoso e soubera que
não era uma boa ideia! Mas ficara doente ao pensar no Dior apodrecendo lentamente no
elevador manual. E quando a tempestade caíra, parecera uma oportunidade enviada por
Deus para recuperá-lo. Mesmo se o sistema de segurança da mansão não estivesse
desligado, imaginou que os tiras estariam ocupados demais com emergências. Um
alarme de roubo nem mesmo registraria em seus radares quando milhares deles
certamente disparariam pela queda de energia, tanto intermitente como por horas.
Assim, mesmo quando seus instintos de autopreservação gritaram Não faça isso!
Ele os ignorara. O que apenas mostrava que sempre devia ouvir seus instintos. Porque
agora estava numa posição em que teria que fazer alguma coisa com Jane.
Passou o dedo pelo colarinho de seu casaco de grife de proteção contra o vento e
mexeu o pescoço para um lado, depois para o outro. Não era um assassino, mas Jane
não lhe deixara alternativa. Podia identificá-lo como o ladrão da mansão Wolcott e sabia
malditamente bem que a Srta. Mais Santa do que Você o denunciaria num segundo e
então aquele tira grande e moreno, que já suspeitava dele, conseguiria um mandado de
busca para sua casa e encontraria não só os objetos que roubara da mansão, mas também
tudo o que havia roubado dos museus para os quais trabalhara. E ele iria para a cadeia,
uma instituição que trabalhara a vida inteira para evitar.
Sua determinação de continuar livre era um motivador poderoso, assim quando
precisou enfrentar uma escolha entre Jane ou ele como o perdedor, escolhera Jane.
O cheiro da fumaça ficou mais forte. A casa era velha e seca e provavelmente
seria destruída depressa assim que o fogo ficasse forte o suficiente para meter os dentes
nela. Ele queria demais sair, mas tinha que ficar para ter certeza que Jane não fugiria. A
cadela maldita mostrara ter mais sorte do que qualquer pessoa além dele tinha o direito
de ter.
Então se alegrou e seus nervos se acalmaram um pouco. Enquanto esperava, por
que deixar que todos os tesouros Wolcott se transformassem em fumaça? A velha dama
acumulara algumas das mais maravilhosas coleções que já vira e o crime verdadeiro
seria deixar que elas se transformassem em pedaços irreconhecíveis de aço, vidro e
cinzas. Além disso, se a casa toda queimaria até os alicerces, quem poderia dizer o que
estava faltando?
Levou o saco para a cozinha e o deixou ao lado da porta. Então pegou outro saco
de lixo sob a pia e se dirigiu para o salão.
162
Oh Deus, oh Deus! Gordon pusera fogo na casa? Jane abriu uma fresta da porta
do closet secreto e olhou para fora. Ninguém estava à vista, mas por tudo o que sabia ele
podia estar bem do lado de fora da porta. Uma nuvem fina de fumaça enchia a sala de
estar e ela se deitou de barriga para baixo, mantendo o nariz perto do chão, onde o ar era
mais fresco. Deus do céu, como queria que Devlin estivesse ali. Sua força sólida,
sensata, seria de grande utilidade para ela agora. Mas ele não estava ali, e a culpa era
dela. Deus, era uma idiota; por que, oh, por que seu orgulho lhe parecera mais
importante do que a forma como se sentia quando estava com ele?
Só pensar nele, porém, a fez ganhar forças, se acalmar e se tornar capaz de
manter o foco. Cautelosamente, atravessou a sala se arrastando nos cotovelos e nas
pontas da bota até chegar à porta do quarto da Srta. Agnes.
Uma pilha de gravetos que vira antes no solário ardia e soltava fumaça entre a
cama e a espreguiçadeira e, enquanto olhava, uma longa e fina língua de fogo se ergueu
dela para se atirar contra as cortinas leves sob as mais pesadas. As cortinas pegaram
fogo.
Com um grito agudo, Jane se levantou num pulo, arrancou as cortinas, jogou-as
no chão e pegou o pequeno tapete ao lado da cama para apagar as chamas. Não deixaria
que aquele canalha queimasse a casa da Srta. Agnes.
Esperando que aquela fosse a única fonte do incêndio e que ele não tivesse
começado outras pela casa, ela chutou os gravetos ainda em brasa. Então, pegou um
cesto de lixo, correu para o banheiro ao lado, para enchê-lo de água. Pegou uma tesoura
da bancada, pendurou-a no cinto e então carregou o balde de volta ao quarto e derramou
a água sobre o fogo. Uma nuvem de vapor subiu dos restos ainda em brasa.
Ela precisou fazer mais duas viagens com a água até ter certeza que o fogo
estava extinto. Passou as costas da mão suada na testa e olhou a sujeira no quarto até
então impecável da Srta. Agnes, então respirou fundo e inalou o cheiro acre de madeira
queimada e molhada que enchia o ar.
Jane realmente queria engatinhar de volta para a segurança do closet secreto e
fechar a porta. Mas se Gordon tivesse preparado um foco de incêndio para impedi-la de
denunciá-lo, as chances eram de que havia preparado outros para garantir que a mansão
queimasse rapidamente.
Ela voltou para a sala de estar para fechar o closet e impedir que o cheiro
desagradável entrasse e contaminasse as peças valiosas que estavam lá, então se dirigiu
depressa, mas em silêncio, para a porta do corredor. Comprimiu a palma contra a
madeira, aliviada ao perceber que não estava quente. Abriu a porta cautelosamente e
olhou em torno; o corredor estava vazio.
Observou cada um dos outros aposentos no segundo andar mas, para sua
surpresa, não havia outros focos de incêndio. Parecia-lhe uma grande incompetência da
parte de Gordon ter preparado apenas um foco para impedi-la de denunciá-lo, mas o que
sabia de seus processos de raciocínio? Enquanto se dirigia para o alto da escadaria,
podia apenas se sentir grata pela forma como ele agira naquelas circunstâncias.
Déjà vu, pensou ela cinicamente enquanto parava no meio da escadaria. Fizera
isso, estivera aqui antes. Se achara que estava em perigo antes, porém, não era nada
comparado com esta vez, já que sabia que o monstro da lagoa verde era real e não
apenas imaginação.
Com a boca fortemente cerrada, a tesoura de pontas afiadas que pegara da
bancada do banheiro na mão, Jane se manteve no lado esquerdo da escadaria em curva,
onde as sombras eram mais profundas, e desceu tão silenciosamente como pôde,
pulando o terceiro degrau, a partir da subida, que rangia.
163
Não que aquele leve ruído pudesse ser ouvido acima do vento que continuava a
rugir, mas não queria correr o menor risco. E, desta vez, usou a cabeça quando chegou
ao fim da escada: correu diretamente para a porta da frente.
Lutou para tirar a tranca, exalando suavemente quando ela saiu, e abriu a porta.
Apenas para ver o braço de Gordon se estender acima do seu ombro e fechá-la com uma
batida, exatamente como fizera antes na porta da cozinha
— Surpresa, cadela, déjà vu.
— Droga — gritou ela, e se virando enfiou a tesoura no estômago dele com toda
a força que tinha.
— LÁ está o carro dela! — O alívio o deixou tonto e Dev se debruçou para a
frente. Já estava começando a temer que jamais a encontraria, embora Ava tivesse lhe
garantido que Jane sempre, mas sempre, ia trabalhar... especialmente se outras partes de
sua vida fossem um inferno. Lembrou-se da forma como a voz da ruiva se transformara
em aço quando acrescentara que seria melhor se não descobrisse que ele havia magoado
Jane ou teria que lidar com ela e Poppy... e não gostaria de saber o que isso significaria
para ele.
Mas as amigas de Jane eram a menor de suas preocupações no momento, e
mentalmente apagou a conversa.
Franziu a testa.
— Por que está estacionada na rua?
— Porque a entrada de carros está bloqueada — disse Finn quando entrou nela.
Levou o carro para a frente o máximo que pôde até que uma pilha de galhos lhe
bloqueou a passagem, então parou o carro e desligou o motor. — Bom o bastante, certo?
Dev já estava saindo do carro e correndo para a porta dos fundos sem esperar
pelo irmão, que o alcançou assim que abriu a porta.
— Jane! — gritou, então franziu o nariz quando um cheiro acre e fraco lhe
atingiu as narinas. Lançou um olhar perplexo a Finn. — Por que está com o cheiro de
uma fogueira apagada de três dias?
— Não sei, mas olhe para isto. — Finn se endireitou acima do saco de lixo que
estivera observando, um vestido de noite na mão. — Não é este o vestido que Pernas
deixava pendurado no salão? O que a deixou tão aborrecida por ter desaparecido?
— Sim, mas que diabos está acontecendo? — Foi até uma gaveta e tirou duas
facas de açouqueiro. — Pegue, se encontrarmos alguém, ele não vai levar nada. —
Entregou uma das facas ao irmão e olhou pela porta que dava ao coredor. — Que
diabos...?
Viu os pés e a parte inferior das pernas de alguém na base da escadaria no fundo
do corredor. Finn olhou por sobre o ombro dele; trocaram um olhar e se encaminharam
para a figura.
Quando chegaram mais perto, Dev viu um homem espalhado no segundo degrau
da escadaria. Mãos que pareciam macias demais para terem feito um trabalho honesto
algum dia estavam em concha torno das hastes de uma tesoura que mergulhava na
lateral do corpo do homem, perto do estômago. Ele olhou para Dev e Finn com olhos
opacos.
— Ela arruinou meu Helmut Lang — disse ele —, paguei 600 dólares por esta
jaqueta.
— Onde ela está? — exigiu Dev, então ergueu a voz para gritar para o alto da
escadaria. — JANE! — Quando nem o homem nem Jane respondeu, ele olhou para o
irmão, os olhos tempestuosos. — Oh, Deus, Finn, onde diabos ela está?
164
Um barulho que até então estivera preocupado demais para notar lhe chamou a
atenção e ele se virou para olhar para o foyer. A porta da frente estava aberta e batendo
com o vento.
— Fique de olho nele — gritou acima do som da tempestade e se dirigiu para o
pátio da frente. A última coisa que ouviu foi a voz de Finn.
— Você gastou 600 pratas nisso? Cara, isso é total maluquice, nenhum casaco
vale tanta grana.
Dev não viu sinais de Jane no pátio da frente e se dirigiu para o de trás, gritando
seu nome, e quase tropeçou nela enquanto corria pelo lado da casa. Jane estava
ajoelhada nas sombras, vomitando nos arbustos, e Dev caiu de joelhos atrás dela.
— Janie?
Ela se assustou e, com um grito engasgado, tentou fugir. Ele passou o braço pelo
peito dela e a puxou para o meio de suas pernas abertas.
— Você está bem?
— Devlin? — A cabeça dela se virou e o olhou por sobre o ombro. Um soluço
lhe escapou e Jane se virou nos braços dele para abraçar-lhe o pescoço, segurando-se
nele como se sua vida dependesse daquilo.
— Ele feriu você? — perguntou, aflito, erguendo-a.
— Não, não, estou bem — garantiu ela, abalada, abraçando-lhe a cintura com as
pernas.
— Graças a Deus. — As mãos lhe segurando as nádegas para mantê-la no lugar,
ele andou em torno da casa até a porta dos fundos, por onde entrou com ela. O nível do
barulho diminuiu no minuto em que a porta se fechou. Ele a colocou de pé, mas
manteve-a em seus braços, tão malditamente grato por ela estar bem que mal conseguia
respirar. Ela olhou para ele, o rosto totalmente pálido.
— Oh, Deus, Dev, eu lhe dei uma facada. Gordon Ives. Do trabalho. Ele ainda
está aqui? Eu o matei? Pude sentir a tesoura lhe penetrando a pele e houve um barulho
horrível, molhado, como um balão cheio de água sendo furado. — Nauseada, correu
para a pia, mas aparentemente não havia mais nada no estômago dela.
Quando as costas dela pararam de se mexer e ela descansou a cabeça nos braços
dobrados sobre a bancada, ele abriu a torneira e molhou um pano de prato. Limpou-lhe
delicadamente o rosto, então serviu um copo de Coca-Cola que tirou da geladeira.
Enquanto Jane bebia, ele abria as portas dos armários para encontrar um pacote dos
biscoitos de sal que haviam deixado lá para os dias em que Bren fazia a quimioterapia.
— O cara está em choque, mas acho que foi apenas um ferimento superficial —
disse ele, entregando-lhe alguns biscoitos. Não que fosse médico, mas sabia que ela não
lhe perfurara o intestino, já que não havia cheiros desagradáveis e a cor do homem era
boa. — Finn está com ele na outra sala. Que diabos aconteceu?
Quando ela lhe contou, ele teve que fazer um esforço tremendo para não avançar
em Ives e acabar o que ela começara. Então, apenas pegou o telefone na parede e deu
um suspiro de alívio quando conseguiu linha. Chamou a emergência e depois discou o
número do cartão do detetive De Sanges que estava preso junto ao telefone. Depois foi
ao corredor para contar a Finn o que estava acontecendo.
— Amarre o bastardo ao corrimão e venha cá. E não perca tempo com gentileza
com ele.
A mansão ficou movimentada por horas com a polícia, paramédicos, o chefe dos
bombeiros, dois membros da família de Devlin, Finn, Poppy e Ava. Quando Jane
finalmente conseguiu escapar com Devlin para seu apartamento, estava se sentindo
totalmente abalada. No segundo em que pendurou o Dior recuperado com segurança em
seu armário no corredor, ela se voltou para ele.
165
— Tenho certeza que ficarei feliz em levar o vestido de volta amanhã — disse
ela, a voz sem expressão. — Mas agora preciso de um banho de chuveiro. Eu me sinto
meio... suja.
Segurou a respiração, temendo que ele sugerisse se juntar a ela no banho.
Achava que não conseguiria lidar com aquilo naquele momento. Compreendera
algumas coisas naquela tarde e, como resultado, não podia mais suportar a ideia de ter
um relacionamento com ele baseado apenas em sexo... mesmo se fora ela que tivera a
idéia no começo.
Mas Dev apenas acenou.
— Vou fazer café... ou você prefere um chocolate? Pena que você não beba... se
algum dia mereceu uma bebida forte, foi hoje.
Ela deu uma leve risada sardônica.
— Você só pode estar brincando.
Arrastou-se para o banheiro e fechou a porta. Depois de abrir a torneira do
chuveiro, tirou a roupa e, esquecendo-se de sua habitual necessidade de ordem, deixouas cair no chão, então entrou no boxe. Ficou parada sob a água, deixando sua força
trabalhar na tensão em sua nuca.
Sabia que precisava enfrentar suas emoções quando voltasse, o que sempre
evitava a todo custo. Mas o dia lhe ensinara alguma coisa: a fizera compreender que a
vida podia mudar num segundo e que era melhor pedir o que queria agora porque podia
não haver um amanhã.
Ela demorou o máximo que pôde, mas finalmente teve que fechar a torneira, sair
do boxe e se enxugar. Passou hidratante na pele, vestiu uma camiseta preta e a calça de
paraquedista que Dev comprara para ela e penteou os cabelos. Olhou-se dos pés à
cabeça no espelho, inspirou profundamente e exalou com força. Então deixou o conforto
do banheiro.
Devlin apagara as luzes, ligara a lareira e acendera as velas. O som espalhava a
voz suave de Diana Krall e ele a encontrou ao lado da bancada do café da manhã, onde
imediatemente a tomou nos braços.
— Jamais quero passar por outro dia como o de hoje — disse ele, rouco.
Ela deu uma risada engasgada.
— Oh, Deus, nem eu.
Ela inalou o cheiro masculino de Dev, misturado a sabonete e roupa limpa.
Então recuou um passo. Puxou a bainha da camiseta curta, respirou profundamente e
olhou para ele. E mergulhou.
— Escute, não sei como vai se sentir sobre isso, já que fui eu que disse que não
queria compromissos em nosso relacionamento e agora quero mudar todas as regras.
Mas o negócio é que... acho que amo você.
Ele entrecerrou os olhos.
— Você acha que me ama?
— Certo, eu amo. — Ergueu o queixo para ele, o estômago cheio de nós. Mas
devia a ele toda a honestidade. — Pensar em você... em nós... foi o que me deu forças
esta tarde, quando estava brincando de gato e rato com Gordon e... — Ela gritou, de
uma forma constrangedoramente feminina, quando ele subitamente a tirou do chão e
rodou com ela. — Que diabos...? — Ela lhe bateu no ombro sólido com a palma da
mão. — O que está fazendo? Me ponha no chão!
Ele a pôs no chão, mas manteve os braços em torno de sua cintura, abaixando a
cabeça para sorrir para ela.
— Pensei que teria um ataque do coração com aquela coisa fraca de achar.
Porque amo muito você, Jane.
166
Um sentimento que Jane jamais experimentara se espalhou dentro dela. Parecia
que havia engolido o sol, toda brilhante e quente, e ela piscou para ele.
— Você ama?
— Oh, sim, Deus, sim! Por que acha que agi como um imbecil esta tarde quando
pensei que estava brincando com meus sentimentos? Tenho todos esses sentimentos por
você e, quando pensei que não dava a mínima para mim...
— Mas eu também tenho, essa coisa realmente grande... — Ela balançou a
cabeça, impaciente. — Não era assim que queria dizer isso. — Respirou profundamente
e exalou, então sorriu para ele, sem medo, pela primeira vez em sua vida, de deixar
alguém ver emoções em seus olhos. — Também tenho todos esses sentimentos por
você. — Tirou a mão dele de seu quadril e levou-a ao coração, permitindo que ele
sentisse como batia com força sob sua palma. — Meu Deus, Dev, minhas emoções são
tão fortes que sinto que não consigo mantê-las dentro de mim, como se elas quisessem
se espalhar sobre todas as coisas em seu caminho. Todo esse tempo pensei que meu
trabalho era o grande amor da minha vida, mas certamente não foi na minha carreira que
estava pensando hoje. Estava morta de medo de jamais ver você de novo e percebi que
meu cargo no Met não tem tanta importância quando comparado a isso. Assim, para
responder à pergunta desta tarde que fiz tudo para evitar... se você ainda quiser que eu
vá para a Europa com você, eu vou. Seguirei você para qualquer lugar.
— Oh, sim, huh. — Dev deu uma risada no fundo da garganta, então passou a
mão sobre a boca. — Por falar nisto... — Circulou-lhe a cintura com os braços e a levou
para o sofá, onde se deixou cair com ela no colo e Jane imediatamente tentou se sentar,
as costas rígidas.
— Você mudou de ideia sobre me levar?
— Sobre você, nunca, mas sobre voltar para a Europa, talvez. — Puxou uma
mecha de cabelos do canto dos lábios dela, então enrijeceu a boca e se sentou um pouco
mais reto. — Certo, escute porque vou dizer "você tinha razão", e esta é a única vez que
vai ouvir isso de mim.
Ela sorriu.
— Quer apostar?
— Talvez não. — Ele lhe deu um sorriso tão aberto e tão doce que o coração de
Jane apertou; então ele ficou sério.
— Você tinha razão. — Ela acenou solenemente.
— Geralmente tenho; de que assunto em particular está falando?
— Quando praticamente me disse para crescer e enfrentar meus problemas com
minha família. Estive evitando fazer isso pelos últimos 15 anos... mas percebi hoje que a
única pessoa que ainda tem problemas sou eu. — Ele a puxou sobre as coxas para ela
ficar junto ao corpo dele, então abaixou a cabeça e beijou-a. Quando a levantou de
novo, passou um polegar gentil sobre o úmido lábio inferior. — Não precisamos ir para
a Europa, Janie, você tem um emprego de que gosta e amigas que significam muito para
você, e ficarei perfeitamente feliz em viver aqui.
— Então talvez devamos discutir os prós e contras, mas não neste exato minuto.
— Desta vez foi ela que o beijou e, quando interromperam o beijo para respirar, ela
descansou a cabeça no ombro dele. — Isso não é uma coisa que precisamos decidir
imediatamente, certo?
Ele comprimiu os lábios no topo da cabeça dela.
— Certo.
O coração de Jane continuava tão cheio que ela pensou que fosse explodir.
— O importante é que temos um futuro juntos.
167
— Boneca. — Ele a deitou sobre as almofadas e se acomodou sobre ela —,
nosso futuro é tão brilhante que vamos precisar usar óculos escuros.
Epílogo
Barcelona, Espanha
Tenho um novo mantra. A felicidade é uma noiva com um noivo nu.
Jane puxou os óculos escuros para baixo para olhar seu marido. Seu marido, pelo
amor de Deus.
— Meu Deus! — murmurou ela, ainda desacostumada com a ideia, já que o
casamento fora realizado apenas três dias antes.
— O que posso fazer por você, boneca? — Dev tirou o retrato dela, então olhou
do banco onde estivera sentado para fotografá-la com o Catalan Art Museum, no imenso
edifício do National Palace atrás. Ele riu quando ela revirou os olhos. — Oh, pensei que
estava praticando meu título.
— Em seus sonhos, garotão.
— Definitivamente — ele voltou a atenção para a máquina —, mostre uma
perna, amor.
Ela ergueu a saia longa, rodada e colorida que ele lhe dera e fez uma pose da
dança flamenca.
— Estava apenas assombrada de novo sobre como me levou depressa para o
altar.
— Como se fosse tão difícil — Deu-lhe um olhar quente. —, você me queria
demais.
— Uh-huh. — Ela lhe devolveu o olhar quente. — E também sabia que podia ter
você. A qualquer hora, em qualquer lugar, bem assim — ela estalou os dedos para ele.
— Não precisava me casar com você para isso.
— Verdade. Mas eu fui persuasivo e determinado demais para seus fracos
poderes de resistência.
— Ha-ha. Eu apenas fiquei cansada de seus constantes apelos e decidi salvá-lo
de constrangimentos.
— É o que pensa, boneca. Mas é evidente que eu a fiz perder o chão porque você
está aqui, não está, Sra. Kavanagh.
— Estou mesmo! — Ela sorriu. — E eu adoro meu nome, é tão mais elegante do
que Kaplinski. — Então, pensando no casamento rápido, bem particular e a grande festa
que os pais de Dev haviam dado para eles, franziu a testa. — Não sei bem como vou me
ajustar à sua família.
— Do que está falando? Minha famíla ama você. A mamãe já está se gabando
com todo mundo que conhece sobre a maravilhosa exposição do Met e contando a eles
que a nora dela, a recém-promovida curadora sênior, é a responsável. Não me
168
surpreenderia se já tiver comprado entradas para todo o clã Kavanagh para o Dia dos
Namorados.
— Eles estão sempre me abraçando, Dev. Jamais conheci uma família que
gostasse tanto de abraços. — Perguntou-se se algum dia se acostumaria. Não que não
fosse agradável, mas... — Eles me abraçam quando chegamos a uma das reuniões da
família, então me abraçam de novo quando saímos; e não é apenas sua mãe... todos eles.
Isso é realmente necessário?
— É, temo que sim.
— Mas nunca sei como reagir ou o que fazer com minhas mãos!
— Mesmo assim, você fica parada e deixa que eles façam o que querem. — Ele
mesmo a abraçou. — E você está ficando muito melhor. Era tão rígida no começo que
pensei em cancelar nosso voo, jogar você num veleiro e apenas levá-la para o
Mediterrâneo.
— Ha-ha. — Deu-lhe um tapa no braço. — Você é tão engraçado! — Mas teve
que engolir o som de felicidade que lhe coçava a garganta.
Ele passou os braços em torno dos ombros dela.
— Você vai se acostumar. Não tem problemas quando Ava ou Poppy a abraçam,
então apenas relaxe e vá com a maré. — Passou o polegar sobre o braço dela. — Já viu
o bastante da arte românica por hoje?
— Sim.
— Ótimo; o que acha de esquecermos o funicular e tomarmos um táxi para o
hotel? — Piscou para ela. — Tenho um pequeno dever de esposa para você
desempenhar antes de sairmos para alguns tapas e talvez pegar a Purple Line para a
Sagrada Família.
— Esse dever de esposa tem alguma coisa relacionada a lavar suas camisas nas
pedras da fonte da praça? Porque, tenho que lhe dizer, estou louca para fazer isso.
Ela sentiu os lábios dele se curvarem onde se pressionavam contra sua têmpora.
— É, certo, lavar roupa — ele concordou secamente. — Isso está no primeiro
lugar na lista de coisas a fazer na lua de mel.
A senora Landazuri os cumprimentou quando entraram em seu pequeno hotel
um pouco mais tarde e entregou a Jane um pedaço de papel.
— Liamada — disse ela, levando o polegar e o indicador ao ouvido e à boca no
sinal universal para uma chamada telefônica.
— Gracias — Jane murmurou, e, lendo o número do papel, disse a Devlin: — É
de Ava.
Quando chegaram ao quarto deles, Dev sentiu que havia um sorriso idiota em
seu rosto enquanto observava Jane tirar o cardigã, pegar o telefone e ligar. Ela sorriu de
volta para ele.
O sol que entrava pela janela lhe iluminava os cabelos enquanto conversava com
Ava, mas ele parou de admirar o efeito quando a viu franzir a testa. Um pouco depois,
ela desligou o aparelho e andou em direção a ele. Ergueu a saia e se sentou no colo dele,
na ponta da cama.
— Gordon fez um acordo hoje com a justiça — disse ela —, e aceitou uma pena
de 15 anos.
— Isso nem chega perto do que ele merece — resmungou Dev, passando os
braços em torno dos quadris de Jane e enterrando a cabeça nos seios dela. Quando
pensava no que Ives estivera disposto a fazer para encobrir seus traços...
— Eu sei. — Passou os braços em torno da cabeça dele e descansou o rosto
sobre seus cabelos. — Sinto que ele devia ficar na prisão para sempre. Mas Ava disse
que o promotor considerou a sentença razoável. Se não fosse o incêndio, teria sido
169
muito menos. Não tinha ficha na polícia e não carregava arma. Mas o foco de incêndio,
mesmo uma tentativa tão desastrada, transformou a acusação em tentativa de
assassinato.
— E graças a Deus pela parte da incompetência. E todos aqueles itens roubados
que encontraram no apartamento dele?
— Imagino que isso também ajudou. — Ela deu de ombros. — De qualquer
maneira, terminou, e estou apenas contente que tenha acabado e que eu não precise
testemunhar. Mas não vamos mais falar daquele crápula, esse tempo é só nosso.
— Estou totalmente de acordo. — Ele passou o nariz pelos seios adoráveis por
um momento, então levantou a cabeça. — Então, o que acha da Europa até agora?
— Tem um ótimo quarto de dormir.
Ele sorriu porque era verdade: estavam lá havia dois dias e passaram mais tempo
no quarto do que em qualquer outro lugar. Mas, que inferno, estavam em lua de mel.
— Amo você para valer, Sra. Kavanagh.
— Amo você mais, Sr. K.
— Não é possível. — Ele caiu de costas com ela em cima dele. — Mas há
algumas coisas que posso fazer e que a levariam perto da magnitude do meu amor.
— Ora, acredito que posso sentir essa magnitude — maravilhou-se ela, roçando
sua ereção. — E por falar em mundo pequeno... tenho uma sugestão que pode inspirar
você a se aproximar da minha... — Jane abaixou a cabeça para sussurrar no ouvido dele.
— Boneca. — Precisou de cada grama do autocontrole para manter as mãos
distantes do corpo numa atitude negligente de falta de preocupação, quando o que
realmente queria era lhe subir a saia, arrancar-lhe a calcinha e se acomodar no melhor
lugar do mundo para ele. Olhou enquanto sua mulher se erguia nos cotovelos, um
sorriso satisfeito que dizia muito bem que sabia o que ele estava pensando.
Ele colocou a mão sob a saia dela e lhe deu uma palmadinha nas nádegas.
— Certo, então — disse ele, rouco —, damas primeiro.
Fim
170
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Susan Andersen - Fora de Controle