Artigo original Saúde mental e saúde da família: implicações, limites e possibilidades Mental and family health: implications, limits and possibilities João Mendes de Lima Júnior1, Sylvana Claúdia de Figueiredo Melo2, Lucineide Alves Vieira Braga3, Maria Djair Dias4 Resumo O avanço das políticas em saúde mental convoca-nos a ressignificar a práxis outrora hegemônica. O paradigma posto atualmente pressupõe que o Centro de Apoio Psicossocial (CAPS) não deva centralizar os cuidados em saúde mental, ao contrário, deve articular estratégias de cuidados no território. Isso exige compor estratégias de atenção combinadas entre atenção especializada e atenção básica. Este estudo relatou a evolução de um acompanhamento clínico em que houve ação conjunta entre uma equipe de Saúde da Família e serviços de Saúde Mental em João Pessoa (PB). Refletimos, aqui, sobre a implicação dos atores envolvidos, os limites e as possibilidades de um manejo técnico em que a intervenção exigiu a superação do modelo pautado no atendimento fragmentado. Ao cabo, propusemos a capilarização de ações de saúde mental via Saúde da Família. Palavras-chave: Saúde mental, atenção primária à saúde, desinstitucionalização Abstract The improvement on mental health policies invites us to re-think the hegemonic praxis of the past. The paradigm presently proposed presupposes that psychiatric outpatient attention centers (CAPS, acronym in Portuguese) should not centralize mental health care. Quite the opposite: it should manage care strategies inside the territory. This attitude demands strategies of specialized and primary health care. This article is the report of a clinical follow-up evolution in which there was a combined intervention of the Family Health staff and the Mental Health Services in João Pessoa – Paraíba state, Brazil. We analyzed the implications of the actors involved, the limits and the possibilities of a technical procedure in which the intervention required going against a model based on fragmented attention. Finally, we proposed the segmentation of mental health care and its extension through the Family Health Program. Key words: Mental health, primary health care, deinstitutionalization Mestre em Letras. Coordenador e Professor do Curso de Psicologia da União Metropolitana de Educação da Faculdade Mato Grosso do Sul (FACSUL). End.: Rua Barão do Rio Branco, 37/302 - Alto Mirante - Itabuna (BA) - CEP: 45603-350 - E-mail: joã[email protected] 2 Mestre em Psicologia Social. Psicóloga Clínica e Consultora de Saúde Mental no Estado da Paraíba. 3 Mestranda em Enfermagem na Atenção à Saúde pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Enfermeira da Secretaria de Saúde de João Pessoa. 4 Doutora em Enfermagem. Docente do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública e Psiquiatria (DESPP) e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). 1 Cad. Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (2): 229-33 229 João Mendes de Lima Júnior, Sylvana Claúdia de Figueiredo Melo, Lucineide Alves Vieira Braga, Maria Djair Dias Introdução Durante os dois últimos séculos que marcam a história da loucura, o hospital psiquiátrico figurou como o equipamento de referência central na oferta de cuidados às pessoas que possuíam algum tipo de sofrimento mental ou mesmo aos que tinham comportamentos diferentes do que se convencionava como sendo a “normalidade” numa determinada época. O internamento passa a ser referência terapêutica prevalente em algumas regiões da Europa. As práticas não-hospitalares tiveram menos expressividade ao longo da história das modalidades terapêuticas em relação à loucura. A hegemonia dos hospitais psiquiátricos ocorre até meados do século 20. No período que sucede a Segunda Guerra Mundial surgem os primeiros movimentos de contraposição à hegemonia dos hospitais psiquiátricos. No Brasil, essa discussão começa a ganhar adesão nas últimas três décadas; passa-se a considerar a necessidade de agenciamento de práticas de cuidado em saúde mental numa perspectiva de ação no território. A Reforma Sanitária e a Reforma Psiquiátrica brasileiras trouxeram a necessidade de que as demandas de saúde mental sejam equacionadas no próprio espaço social em que vivem as pessoas. Por mais discreta que sejam, as demandas de cuidados em saúde mental estão em todos os níveis de complexidade do Sistema Único de Saúde (SUS). Isso ocorre também em se tratando da atenção básica. De acordo com estudos recentes, vê-se que no país inteiro a realidade das equipes de atenção básica revela que diariamente os problemas de “saúde mental” chegam até as unidades de Saúde: 56% das equipes de saúde da família referiram realizar “alguma ação de saúde mental” (Brasil, 2003). Considerando o lugar estratégico ocupado pelas equipes de Saúde da Família, há um potencial sem igual “para o enfrentamento de agravos vinculados ao uso abusivo de álcool, drogas e diversas formas de sofrimento psíquico” (Brasil, 2003). O ideal da reinserção psicossocial, um dos motores da Reforma Psiquiátrica brasileira, pressupõe que a reinserção se dará na comunidade da qual o sujeito faz parte. É lá, portanto, que deve ocorrer a radicalidade das ações de saúde mental, pautadas nos princípios da Reforma Psiquiátrica, na medida em que se vem “construindo o Sistema Único de Saúde e conseguindo fazer avançar, em grande extensão territorial, uma série de experiências fundamentadas nas idéias do movimento antimanicomial, na práxis da reabilitação psicossocial, com significativa participação e protagonismo de usuários e familiares... a atenção para a potencialidade, a eficácia e o porvir das ações de saúde mental desenvolvidas nos Programas de Saúde da Família” (Lancetti, 2001. p, 98). 230 Cad. Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (2): 229-33 Um dos aspectos sensíveis do debate atual sobre saúde mental é o evitamento da internação. Os atores envolvidos no processo devem assimilar a complexidade das práticas contrárias à segregação resultante da hospitalização que secularmente marcou o cuidado em saúde mental. Trata-se de uma causa ética, uma nova ética do cuidado, algo que está muito além dos manejos técnicos. Não se trata simplesmente da “desospitalização” ou da abertura de serviços substitutivos. Como pressupunha Lévinas (1988), ética no sentido daquilo que está no “fundamento”, na essência do que estabelece o laço entre o sujeito e o outro, aquilo que faz a mediação da relação entre as partes (apud Freire, 2003, p. 12). Não se trata de um manual normativo, mas, sim, de novas diretrizes para o cuidado. Nesse sentido, deve ocorrer uma combinação entre a ética antimanicomial e as ações do Programa de Saúde da Família (PSF), uma vez que evitar o internamento corresponde a construir garantias e condições para que o sofrimento mental seja manejado com os recursos do território. Para isso, os cuidadores devem ter afinidade com a lógica antissegregacionista, “implicados” na ética e tecnicamente nos novos paradigmas em Saúde Mental. Na Saúde Mental, o bom resultado de qualquer ação só será alcançado com a implicação ética do ator/agente; a maior tecnologia que a terapêutica da Saúde Mental dispõe é exatamente o vínculo, a transferência, a relação. É urgente a construção, inclusão e consolidação de políticas e ações de Saúde Mental, mais especificamente, para a estratégia de Saúde da Família, considerando as implicações, as possibilidades e os limites dessa relação, tendo os atores envolvidos como fundamentais para o êxito das ações. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), como a referência especializada em saúde mental no território, têm uma função especial, mas é na esfera do PSF que os mais sensíveis problemas de Saúde Mental afloram; por isso, essa dimensão assistencial deve ser potencializada. A articulação entre Saúde Mental e o PSF passa pela construção de vínculo e apoio matricial, produzindo uma potencialização de mão dupla para ambas as partes. Campos (2007, p. 400) afirma que o matriciamento objetiva oferecer suporte ou retaguarda especializada. Tal modo de trabalho rompe com os modelos hierarquizados predominantes no SUS, “a saber: mecanismos de referência e contra-referência, protocolos e centros de regulação. O apoio matricial pretende oferecer tanto retaguarda assistencial quanto suporte técnicopedagógico às equipes de referência”. O PSF deve ter o CAPS como parceiro significativo. A incorporação de ações em Saúde Mental no cotidiano dos profissionais da atenção básica corresponde ao gerenciamento compartilhado das práticas de atenção em saúde. A aproximação entre os campos não compele à obrigatoriedade de que os Saúde mental e saúde da família: implicações, limites e possibilidades técnicos da atenção básica realizem ações que estejam além das suas competências profissionais, mas se trata de descobrir as potencialidades de cada sujeito/profissional, permitindo uma ação compartilhada e corresponsável. Isso permite crer “que deve existir momentos de preparo, elaboração e discussão destas composições grupais e seus conteúdos e possíveis encaminhamentos posteriores com os diferentes profissionais que têm a contribuir com determinado assunto” (Braga Campos, 1992, p. 53). Com esse modo de trabalho obtêm-se vários avanços: a) atinge-se o ideal da reinserção psicossocial, meta da Reforma Psiquiátrica brasileira; b) atinge-se a meta da integralidade da atenção; obtém-se fortalecimento de cada uma das equipes e, consequentemente, c) ganha-se o usuário. Pesquisas, como a realizada por Amaral (1997), apontam uma sensível redução de reinternações quando os pacientes recebem cuidados na rede básica de saúde. Adiante será apresentado um fragmento de caso real em que a gestão compartilhada na construção de um projeto terapêutico permitiu uma expressiva melhora no aspecto clínico e psicossocial da usuária. No cotidiano das práticas: uma ação, muitos atores Bernadette1, jovem de 24 anos, filha caçula de uma família extensa2, mora, há vários anos, sozinha com a mãe, Dona Ester, de 80 anos, numa colônia de pescadores do município de João Pessoa. Possuíam vínculos sociais somente com alguns familiares. A pessoa mais próxima era uma nora de Dona Ester, a quem se deve o mérito de ter acionado a equipe de Saúde da Família da comunidade. Bernadette foi encontrada pela equipe de Saúde da Família com os seguintes dados clínicos: tuberculose (reincidente), pneumonia (reincidente pela terceira vez), desnutrição em grau III e transtorno mental persistente. Além disso, ela foi encontrada em cárcere domiciliar, em condições subumanas de higiene, com roupas fétidas com dejetos acumulados por dias. Trancada pela mãe que alegava não ter outra forma de conter sua agressividade. A porta e a janela do quarto de Bernadette estavam amarradas com arame farpado. A equipe de Saúde da Família, doravante ESF, acionou a equipe de Saúde Mental do município, doravante SM. A ESF demandava o internamento de Bernadette. O hospital psiquiátrico negou a internação antes da cura da tuberculose; o hospital de referência para tuberculose negou a internação, antes de ter sido manejado o “surto psicótico”. Não sendo realizado o internamento, coube à ESF e à SM viabilizarem outras formas de cuidado não-hospitalar. Criou1 2 se uma nova dificuldade: resistência dos serviços ambulatoriais, inclusive, os CAPS, em recebê-la. Naquela situação, alguns dos potenciais parceiros não admitiam a possibilidade de acolher uma pessoa que defecava e urinava na roupa. Em virtude do “fechamento” de várias “portas”, a ESF responsabilizou-se por todo tratamento, lá mesmo no domicílio da usuária, uma espécie de internamento domiciliar. Como a situação física de Bernadette estava bastante prejudicada, impossibilitando-a de ir ao CAPS, a equipe do CAPS mais próximo assumiu o compromisso de fornecer a medicação e matriciar a ESF quanto ao manejo da psicopatologia. O projeto terapêutico inicial pautou-se na visita diária de uma agente comunitária de saúde para manipulação da medicação da tuberculose. Viu-se que Dona Ester, igualmente, tinha delírios e alucinações. Definiu-se também um projeto terapêutico para ela. A comunidade foi ‘convidada’ a mudar de postura em relação à Bernadette. As equipes de saúde passaram a implicar a comunidade como potencial cuidadora. Pensou-se num deslocamento estratégico: sair do lugar de “quem teme o louco” e passar a figurar como um “cuidador” real. O fortalecimento de vínculos, de mutualidade, de ações cooperativas mostrou-se importante. Duas questões foram pactuadas com a comunidade: a) Bernadette não seria internada e b) era necessário encontrar uma maneira de cuidar delas ali mesmo onde moravam. A equipe do CAPS passou a matriciar a ESF para discutir as intervenções e os procedimentos clínicos. Inicialmente o CAPS disponibilizou um psicólogo para passar uma tarde por semana na casa de Bernadette e logo se viu que essa estratégia foi pouco resolutiva, uma vez que essas situações eram novas, inclusive para o CAPS. Viu-se que o manejo adotado estava sendo semelhante aos procedimentos padronizados de dentro do CAPS (reprodução do modelo clínico semelhante a “consultas” individuais) e que, portanto, os objetivos e recursos de intervenção não estavam apropriados, ou seja, viu-se que o CAPS teria de aprender também com a ESF o modo de proceder in loco, dentro da casa do usuário. Esse é provavelmente um dos maiores desafios para a equipe de um serviço especializado, isto é, “aprender” a entrar no universo doméstico da família sem que isso represente uma invasão. Além disso, as palavras ou linguagem utilizadas pelos técnicos dos serviços especializados (projeto terapêutico, manejo de crise, esquema medicamentoso etc.), quase sempre, são distantes do cotidiano dos usuários, o que implica a necessidade de um ajuste na condução das intervenções, inclusive as intervenções verbais. Nessa questão, os serviços especializados têm muito Todos os nomes usados aqui são fictícios. Possui vários irmãos e mora numa comunidade onde boa parte das pessoas é de uma mesma família, Vários primos, tios, irmãos e outros parentes de diferentes de graus de parentesco compõem o conjunto dos vizinhos mais próximos. Cad. Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (2): 229-33 231 João Mendes de Lima Júnior, Sylvana Claúdia de Figueiredo Melo, Lucineide Alves Vieira Braga, Maria Djair Dias a aprender com as ESF’s. Os técnicos da atenção básica, gradualmente, acabaram por ensinar aos técnicos da SM como se fazer o acolhimento no território, implicando a criação de um vínculo bem mais intenso com a população atendida. Dona Ester, resistente a seguir o esquema medicamentoso do CAPS, inusitadamente passou a ser auxiliada por Bernadette, que dizia à mãe “tome o remédio que a doutora passou”, num significativo processo de inversão de papéis. A ESF que fazia algumas queixas sobre a resolutividade do CAPS, gradativamente, foi se apresentado mais apaziguada em função de também visualizar avanços significativos no quadro clínico das usuárias. Bernadette saiu do quadro de desnutrição e apresentava sensíveis sinais de progresso clínico em relação às patologias orgânicas e ao aspecto mental, participava de todas as atividades comemorativas do CAPS e frequentava o serviço várias vezes por semana; o convívio com a comunidade já estava absolutamente melhor. Porém, havia ainda uma debilidade devido às pneumonias e tuberculoses sucessivas, a capacidade pulmonar estava comprometida em mais de 50%. Todos os procedimentos que estavam ao alcance das equipes foram realizados, mas, oito meses depois dos primeiros cuidados, Bernadette foi a óbito. As equipes ficaram “comovidas”. O desafio do trabalhador da saúde é também afetivo; na condição de pessoa, ele também vibra com as vitórias e sofre com as perdas dos usuários. Em geral, o que se pode oferecer ao paciente é que, mesmo que a morte seja um prognóstico, ainda assim, é possível oferecer-lhe qualidade de vida, garantindo-lhe que o sofrimento será minorado. Implicações, limites e possibilidades: entre a saúde metal e o Programa Saúde da Família O caso relatado serviu como um emblema para as equipes envolvidas: a) é possível, viável e necessário que se construa uma política de Saúde Mental que articule necessariamente todos os atores da rede de cuidados em saúde; b) a atenção em Saúde Mental é necessariamente transversal; c) é urgente a desconstrução de um equívoco primário, qual seja, concentrar a atenção exclusivamente nos serviços especializados, o que despotencializa a Atenção Básica da possibilidade de agir também em relação à Saúde Mental; d) numa ação intersetorial as partes envolvidas saem enriquecidas de novos conhecimentos, de novos olhares, de novos horizontes e, por conseguinte, de novas possibilidades. No caso relatado, somente foi possível avanços a partir da implicação dos cuidadores. Longe de ser um clichê, trata-se de uma das mais importantes manifestações da ética do cuidado. Desde os primeiros momentos, os atores se implicaram de modo definitivo na situação. Parte dos projetos terapêuti232 Cad. Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (2): 229-33 cos fracassa exatamente porque a equipe se ocupa apenas da técnica, de modo que não há abertura qualquer para que haja maior implicação no processo. Aqui, a implicação deve ser pensada em dois níveis de reflexão: a implicação dos atores no ato do cuidado, e a “implicação transversal”, ou seja, um ato do cuidado que ultrapassa o limite da execução de procedimentos normatizados e divididos por campos de saber entre os técnicos (Medicina, Psicologia etc.) e atinge a real prática da integralidade em saúde e a corresponsabilidade da ação. Em Saúde Mental, a grande ferramenta clínica que podemos dispor é exatamente o envolvimento no ato de cuidado. Os psicanalistas falam de transferência, os sanitaristas falam de acolhimento. Seja qual for a designação, vínculo e implicação continuam sendo os grandes recursos clínicos de cuidado no campo da Saúde Mental. As palavras “cura” e “cuidado” advém da mesma matriz semântica do Latim (Boff, 1999, p, 45). Se no vasto campo da saúde humana o cuidado é a condição primordial para a cura, no campo da Saúde Mental, o cuidado é a condição sine qua non da cura. O que se viu no caso de Bernadette foi uma evolução clínica na proporção exata da implicação da equipe no ato de cuidar. Trazer o debate da reinserção psicossocial para o campo das políticas de Atenção Básica em saúde corresponde a concretizar o projeto político que objetiva realocar o sujeito exatamente onde a vida cotidiana acontece, ou seja, resgatar o direito da vida em comunidade para o sujeito portador de transtorno mental lá mesmo no “espaço da cidade onde se desenvolve a vida quotidiana de usuários e familiares” (Brasil, 2004, p. 9). Os CAPS foram criados “estrategicamente” como dispositivos de agenciamento e gerenciamento das ações em Saúde Mental; porém, ‘efetivamente’ o cotidiano acontece na comunidade da qual o sujeito faz parte. É exatamente aí onde a política deve ter maior sustentação. A lei federal n.º 10.216 já determina que a pessoa com sofrimento mental deve “ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de Saúde Mental.” Por vezes a Saúde Mental ainda é, contudo, vista como uma dimensão secundária e à parte do campo da saúde. A questão central é quebrar “as fronteiras” que separam a Saúde Mental de boa parte das práticas em saúde. Como diz Spink (2003, p. 52) na análise dos campos de saber em saúde, “possuir fronteiras claramente delimitadas, não implica em ter domínios de investigação excludentes”. Campos (2000, p. 220-224) alerta para a necessidade de escapar do paradoxo que segrega os núcleos e os campos do saber na área da saúde. Isso reforça a tese de que a Saúde Mental não pode ser uma área à parte no vasto campo da saúde. Resolvido o dilema do ponto de vista filosófico, resta introduzir tais linhas de análise nos discursos e na práxis dos atores da saúde. Implicar a Saúde Mental nas políticas e ações Saúde mental e saúde da família: implicações, limites e possibilidades de atenção básica; implicar os atores de toda rede de atenção no acolhimento e cuidado em Saúde Mental; desconstruir o ‘muro simbólico’ que distancia os trabalhadores da atenção básica dos trabalhadores da Saúde Mental e penetrar nas extensões de maior capilaridade do Sistema de Saúde são alguns dos desafios contemporâneos em pauta para Saúde Mental. Referências Amaral, M. A. do. Atenção à saúde mental na rede básica: estudo sobre a eficácia do modelo assistencial. Revista de Saúde Pública, n. 31, v. 3, p. 288295, 1997. Boff, L. Saber Cuidar: a ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: Vozes; 1999. Braga Campos, F. C. 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