O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA COMO FONTE
DE OBRIGAÇÕES
José Roberto de Castro Neves
SUMÁRIO: 1. Introdução: as fontes das obrigações - 2. O
enriquecimento sem causa - 3. O enriquecimento sem causa como
fonte das obrigações - 4. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO: AS FONTES DAS OBRIGAÇÕES
Com razão, busca-se definir quais os fatos que podem
originar as obrigações, isto é, quais as situações que o ordenamento
jurídico considera como suficientes para criar um vínculo entre duas
pessoas,
no
qual
uma
delas
possa
exigir
determinado
comportamento de outra, que fica sujeita a esse dever jurídico.
Fonte significa nascente d'água e, figurativamente, adota-se
a palavra para expressar a origem de algo. Pois é neste sentido que
se fala em fontes das obrigações. Procuram-se os fatos jurígenos,
aptos a criar relações jurídicas obrigacionais.
Há clássica discussão acerca de qual teria sido a primeira
fonte reconhecida das obrigações; se o contrato ou o ato ilícito.(1)
Com efeito, é intuitivo que o acordo de vontades - reconhecido pelo
Estado - no qual as partes estabeleceram alguma conduta deva
servir como fato capaz de desencadear uma relação obrigacional. O
mesmo se pode dizer do delito; também parece claro que se alguém,
por meio de um ato contrário ao ordenamento jurídico, causou dano
a outrem fica obrigado a reparar o prejuízo.
O contrato e o delito, assim, foram as primeiras fontes
reconhecidas. Os romanos falavam em ex contractu e ex delicto.
Inicialmente, tanto os contratos como os delitos eram tipificados, ou
seja: o ordenamento jurídico então vigente enumerava os tipos de
contrato e os de ilícito que poderiam originar um vínculo contratual.
Ainda no desenvolvimento do direito romano, Gaio admitiu
um terceiro tipo genérico de fonte das obrigações, que ele
denominou de variae causarum figurae.(2) Nesse terceiro gênero
arrolava-se uma série de causas, como, por exemplo, a gestão de
negócios, a tutela, o pagamento indevido.
Mais adiante, na escola bizantina, admitiu-se, como fonte,
hipóteses nas quais não havia o contrato, mas a situação deveria ser
tratada como se assim fosse. Eram os quasi ex contractu. Isso
ocorria se houvesse um fato que originava obrigações, tal como se
fosse um contrato, embora não houvesse a convergência de
vontades, como, v.g., na gestão de negócios.
Um pouco depois historicamente, até mesmo para dar
tratamento simétrico, ajustou-se um outro gênero, os quasi ex
delicto, incidente nos casos em que, embora não houvesse um ato
ilícito, a situação deveria ser tratada de forma análoga. Exemplo de
quase ex delicto era o effusum et dejectum, no qual se
responsabilizava o proprietário do imóvel pela coisa, líquida
(effusum) ou sólida (dejectum), que caísse de sua propriedade, ou,
ainda, a responsabilidade por fato de terceiro. Os quasi ex contractu
e os quase ex delicto se assemelhavam às suas fontes - contrato e
delito, respectivamente -, porém não havia nelas o elemento
intencional (ou mesmo a culpa, no caso dos ilícitos).
O Código Justinianeu adotou essa quádrupla fonte:
contrato, delito, quasi contractu e quasi delicto. Esse conceito
permaneceu dominante durante muitos séculos, tanto assim que o
Código de Napoleão, de 1804, encampou essas fontes (no que se
refere ao quasi contractu, o Código tratou autonomamente da gestão
de negócios e do pagamento indevido).
Em 1865, o Código Civil italiano inova, acrescentando uma
quinta fonte: a lei. Na realidade, antes dele, Pothier(3) já havia
ressaltado que a lei deveria ser mencionada como outra fonte das
obrigações.
De fato, a obrigação pode surgir da norma, como, por
exemplo, a obrigação de recolher algum tributo, ou no caso das
obrigações propter rem.
Vale transcrever, a propósito, a redação do art. 1.173 do
Código Civil italiano de 1942:
"As obrigações derivam do contrato, do fato ilícito, ou de
qualquer outro ato ou fato idôneo para as produzir em conformidade
com a ordem jurídica".
Observou-se, mais modernamente, que deixou de existir
necessidade que justificasse a distinção entre o delito e o quasi
delicto. Isso porque se alargou o conceito de delito para albergar,
também, algumas hipóteses nas quais inexista culpa; mas, ainda
assim, entenda-se presente o dever de reparar. Na realidade,
assistimos, hodiernamente, com as novas tarefas sociais assumidas
pelo direito, a uma dilatação do conceito de ilícitos, para atingir
hipóteses antes não registradas sobre essa categoria (e essa
constatação será fundamental para a conclusão a que se quer
chegar).
Igualmente perdeu o sentido a existência isolada do quasi
contractu. Veja-se que o quasi contractu - que tem na gestão de
negócios o seu mais eloqüente exemplo - passou a ser referido na
lei, ou seja, a obrigação decorrente da gestão de negócios é
ajustada na norma, que justifica a origem da obrigação, sem a
2
necessidade de se recorrer a um gênero anômalo de fonte das
obrigações.(4)
Não há dispositivo no Código Civil de 1916 nem no de 2002
que indique as fontes das obrigações. A doutrina não oferece uma
posição uníssona a respeito do assunto, muito ao contrário. Há
várias opiniões acerca de quais seriam essas fontes no direito
brasileiro.
O Código Civil alemão indica como fontes o negócio jurídico
e a lei.(5) A Lei portuguesa, por sua vez, no art. 473, arrola os
contratos, os negócios unilaterais, a gestão de negócios, o
enriquecimento sem causa (aí inserido o pagamento indevido), a
responsabilidade civil (pelos atos ilícitos e pelo risco).(6) Para Aubry
et Rau são a lei e o fato humano.(7) Já Planiol adota o contrato e a
lei.(8) Domat, antes dele, destrinçava esse conceito, arrolando duas
fontes: uma que consistia dos fatos derivados da manifestação de
vontade, na qual se visava a criar um vínculo obrigacional, e outra
na qual se aglutinavam fatos de outra natureza - não volitivos -, mas
que, do mesmo modo, poderiam fazer surgir obrigações.(9)
Silvio Rodrigues sustenta que a lei é sempre a fonte das
obrigações, mediata ou imediatamente.(10) Com efeito, a lei é fonte
primária dos direitos. A lei dará força jurígena à manifestação de
vontade.(11) Há casos, contudo, em que a vontade funciona como
elemento fundamental de constituição das obrigações. Por esse
motivo, Caio Mário sustenta que as fontes das obrigações são a
vontade e a lei.(12) Orlando Gomes tem posição semelhante,
defendendo, como antes fizera Pothier, que a lei é a fonte imediata,
ao passo que as fontes mediatas seriam outros fatos capazes de
fazer nascer as obrigações.(13) Registre-se, ainda, a opinião de
Serpa Lopes, que menciona as fontes contratuais (decorrentes do
acordo de vontade) e as acontratuais (todas as demais, não
derivadas do contrato, como a gestão de negócios, o enriquecimento
sem causa, o pagamento indevido e as obrigações decorrentes de
manifestação unilateral de vontade).(14)
San Tiago Dantas oferece uma boa opinião acerca do
tormentoso tema: as fontes no nosso direito seriam a lei, o ato
jurídico (bilateral e unilateral) e o ato ilícito (aí incluído o abuso de
direito).(15)
Essa breve introdução ao tema dá boa mostra da falta de
uma posição unívoca acerca das fontes das obrigações.
2. O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
3
O ordenamento jurídico não admite o acréscimo do
patrimônio de uma pessoa em detrimento da perda do patrimônio de
outra, sem que ocorra uma causa jurídica que explique esse
deslocamento econômico.
O ordenamento jurídico não admite o acréscimo do
patrimônio de uma pessoa em detrimento da perda do patrimônio de
outra, sem que ocorra uma causa jurídica que explique esse
deslocamento econômico. Como se disse, trata-se de um princípio
do direito.(16) (17) O direito não aceita essa transferência ou perda
de riqueza imotivada, porque, em uma última análise, isso refletirá
um desequilíbrio injusto. O benefício de uma parte em prejuízo da
outra cria uma obrigação (veja-se: o enriquecimento sem causa é
fonte das obrigações). A parte lesada passa a ter o direito de
reclamar de quem se beneficiou de um crédito do tamanho do dano
que sofreu.(18) Com isso, visa-se a garantir o equilíbrio patrimonial
e evitar uma iniqüidade. Assim o art. 473, nº 1, do Código Civil
português, segundo o qual "aquele que, sem causa justificativa,
enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que
injustamente se locupletou".
Terá direito a reclamar o enriquecimento sem causa, por
exemplo, aquele que constrói ou planta sobre o terreno alheio. O
proprietário do bem deverá ressarcir quem realizou a plantação
porque, de modo contrário, ele teria um benefício sem causa
jurídica.
A origem do instituto é antiga, mas não chega ao direito
romano clássico,(19) aparecendo apenas no período Justianeu,(20)
quando seus contornos gerais foram delineados,(21) embora o
conceito fosse admitido como princípio geral.(22) De toda sorte, em
Roma, não se desenvolveu a teoria da causa do negócio.(23)
Segundo Beviláqua, "os romanos concebiam obrigações sem
causa".(24) O conceito do enriquecimento sem causa encontra-se
referido no Código Napoleão, de 1804, no art. 1.131: "A obrigação
sem causa ou sobre uma falsa causa ou sobre uma causa ilícita não
pode ter efeito algum". A idéia era a de que os negócios - e as
obrigações tinham especial relevância nessa análise - deveriam ter
uma causa, a fim de que não se desse vida a contratos ilícitos ou
imorais.(25) Entretanto, a ação de enriquecimento não era admitida
na França até o fim do século XIX, quando, a partir do julgamento de
um caso pela Corte de Cassação francesa, passou-se a reconhecer
os efeitos práticos do princípio. A decisão, importante precedente,
ficou famoso como o caso Boudier. Ocorreu que um comerciante
vendeu ao locador de um pomar certa quantidade de adubo, que foi
4
espalhada pela área. Antes que o fornecedor de adubo fosse pago,
extinguiu-se a relação de locação e o dono da área assumiu a posse
do pomar. Ao cobrar pelo produto vendido, o comerciante descobriu
que quem o adquiriu, o ex-locador, era de todo insolvente. Diante
disso, o comerciante ajuizou uma ação contra o proprietário do
pomar, que se havia beneficiado do adubo em seu terreno. O
judiciário francês deu ganho de causa ao comerciante, permitindo
que ele recebesse do proprietário uma indenização, no limite do
benefício obtido com o uso do adubo.
A força dada à causa no direito francês decorre, em grande
parte,
das
obras
de
Domat
e
Pothier,
adeptas
do
jusracionalismo.(26) Transcreva-se, para ilustrar, a precisa lição de
Pothier:
"Todo o ajuste deve ter uma causa honesta. Nos contractos
interessados a causa da obrigação que contrahe uma das partes é
que a outra parte lhe dê ou se obrigue a lhe dar, ou se arrisque
áquilo de que se encarrega. Nos contractos beneficos, a liberalidade
que uma das partes quer exercer para com a outra, é causa
sufficiente da obrigação que aquelle contrahe para com este. (Cod.
Civ. Fr. Art. 1131). Mas quando a obrigação foi contrahida, é falsa, é
nulla a obrigação, e nullo o contracto".(27)
Informa Wieacker, em seu importante estudo do
desenvolvimento do direito privado moderno, que esses autores,
Domat e Pothier, "só muito tarde começaram a ter influência na
Alemanha",(28) de sorte que, na elaboração do Código Civil alemão,
não se deu a mesma importância à causa para fins de
reconhecimento da validade do negócio jurídico. Para fins de análise
de validade de um acordo, a causa não tinha maior relevância. A
causa, contudo, era importante para aferir um eventual
enriquecimento desprovido de fundamento jurídico justificador.
O Código Civil alemão expressamente mencionou, no § 812
e nos dispositivos seguintes, a ação de enriquecimento sem causa
de modo detalhado. O limite da restituição será o da vantagem
obtida. A falta de causa num enriquecimento gera a obrigação de
restituir. Tratou-se, pois, do enriquecimento como fonte das
obrigações.
Vale uma referência ao fato de que Savigny, no seu sistema
de direito romano, afirma que as várias condictiones poderiam ser
reduzidas a um princípio unificador e unitário que vedava o
enriquecimento sem causa.(29) Ao tratar da doação, por exemplo,
Savigny examinou a importância de haver uma causa que
justificasse o incremento patrimonial de uma das partes.(30)
5
Na Itália, a Lei Civil de 1865 não positivara uma regra geral
do enriquecimento sem causa, mas apenas examinava o pagamento
indevido e a gestão de negócios. Houve, no início do século XX, a
tentativa de um código único de obrigações Franco-Italiano, que
jamais chegou a vingar. Nesse projeto de código de 1932, havia
referência, de modo geral, à ação de ressarcimento em decorrência
do enriquecimento sem causa. O princípio geral apenas foi
incorporado ao direito positivo italiano com o advento do Código Civil
de 1942:
"2.041. Azione generale di arrichimento. Chi, senza una
giusta causa, si è a danno di un'altra persona à tenuto, nei limiti
dell'arrichimento, a indennizzare quest'ultimo della correlativa
diminuzione patrimoniale. Qualora l'arricchimento abbia per oggetto
una cosa determinata, colui che l'ha ricevuta à tenuto a restituirla in
natura, se sussiste al tempo della domanda".(31) (32)
Também o art. 473, nº 1, do Código Civil português cuida do
tema. Para a lei lusa, "aquele que, sem causa justificativa,
enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que
injustamente se locupletou". Vale o registro de que o Código
português de 1867 não examinou a questão, o que só ocorreu com a
Lei de 1966.
O Código português seguiu a orientação alemã, no sentido
de não arrolar a causa entre os elementos componentes do negócio
jurídico. Historicamente, o nosso direito fez o mesmo. Beviláqua, de
forma bastante enfática, defendia a corrente "anticausalista". Para
ele, o requisito da causa como elemento do negócio jurídico "parece
ter entrado no Código Civil francês por um equívoco", assim como
afirma, citando Planiol, que "a noção de causa é perfeitamente inútil
para a teoria dos atos jurídicos".(33)
No nosso ordenamento, o enriquecimento sem causa não foi
referido pelo CC/1916, o que fez muito restrito seu uso.(34)
Entretanto, embora não existisse um capítulo específico acerca do
tema, as suas hipóteses mais comuns foram registradas. Isso se deu
com o pagamento indevido, espécie do gênero enriquecimento sem
causa, tratada pelos arts. 964 a 971 do CC/1916; com o dever de o
proprietário indenizar as benfeitorias feitas por terceiros, nos arts.
516 a 519 do CC/1916; com a perda de efeito da doação propter
nuptias se o casamento for desfeito (art. 1.173 do CC/1916); com o
direito de retenção do inquilino (art. 1.199 do CC/1916).
A dificuldade de aplicação dos casos de enriquecimento não
mencionados na lei também se relaciona à atitude reticente do
legislador de 1916 sobre o conceito de "causa". Aliás, a dificuldade
6
reside, também, nas diversas acepções do termo "causa",(35) que
podem levar a conclusões díspares. De fato, como adverte Galvão
Telles, "A noção de causa do enriquecimento é muito controvertida e
difícil de definir".(36) Cuidando especificamente das causas no
direito contratual, Maria Celina Bodin de Moraes reconhece, no
mesmo sentido, que "A noção de causa do contrato é tida como das
mais difíceis e complexas em todo o direito civil".(37) Pode-se
assumir o termo como "causa-motivo" (na feliz expressão de
Moncada, o "fim presente na consciência do sujeito de direito"(38)),
isto é, o que o agente desejava ao praticar o ato, avaliando-se
aspectos psicológicos da atitude. Como se sabe, seguimos a
orientação alemã, de não incluir a "causa-motivo" entre os elementos
do negócio jurídico (ao lado da vontade, do objeto e da forma).
O conceito de "causa-motivo" relaciona-se à vontade,
embora não se confunda com ela. Trata-se do propósito psicológico
adotado pela pessoa para realizar um ato, como, por exemplo, a
pessoa adquiriu uma casa de campo em Teresópolis porque isso o
fazia lembrar de sua infância.(39) Esse motivo é irrelevante para
validade do negócio, pois o nosso sistema não coloca o motivo como
elemento do negócio jurídico, salvo se ele for referido
expressamente como sua razão determinante (art. 140 do Código
Civil).
Outra acepção do termo, que parece ser a referida ao se
tratar do enriquecimento sem causa, é "o fim jurídico do acto"(40) ou
a sua razão econômica e social ou, ainda, "o sentido da razão
explicativa da prestação".(41) Em um negócio oneroso a causa é
obter a contra-prestação: compra-se um carro para adquirir esse
bem. Nos negócios gratuitos, a causa consiste numa generosidade
do instituidor, a vontade de realizar algo de bom ao contemplado.
Note-se que não se avalia qualquer elemento interno (o "motivo" pelo
qual o ato foi feito).(42) Afere-se, apenas, se a atividade de uma
pessoa está admitida no ordenamento como apta a gerar um
crescimento patrimonial.(43) Se não há causa ou se esta causa é
injusta, "o enriquecimento está condenado".(44)
Os espinhos do tema se devem, em considerável parcela,
ao debate entre "causalistas", ancorados na linha francesa, e nos
"anticausalistas",
de
orientação
alemã.
Nós
seguimos,
classicamente, a corrente alemã, como antes se deu notícia ao expor
a apaixonada posição de Beviláqua acerca da matéria.(45)
De fato, a legislação civil pátria jamais mencionou o
elemento "causa" entre os integrantes da relação obrigacional, tanto
no Código revogado como no atual. Não há, por exemplo, a
7
referência da causa entre os fundamentos que importam nulidade do
negócio jurídico (basta conferir o art. 166 do Código Civil). Adotouse, por grande parte da doutrina nacional, uma posição
"anticausalista", de sorte que sequer se discute a causa, ou que, ao
menos, admite que "há, porém, negócios jurídicos em que se não
cogita da causa".(46)
A defesa dessa posição "anticausalista", hodiernamente,
tornou-se mais difícil. O artigo 421 do Código Civil de 2002 incorpora
definitivamente a noção de função social do contrato. Ora, a função
social do contrato se verifica precisamente na sua causa. Afinal, o
interesse finalístico das partes ao realizarem o negócio deve estar
em harmonia com o ordenamento jurídico, sob pena de não cumprir
uma função social.
Com efeito, uma análise da forma como o ordenamento
jurídico recebe a autonomia privada não se pode fazer sem aferir a
causa. Nesse passo, vale repetir a lição sempre atual de Emilio
Betti:
"El Derecho - y ya antes que él la conciencia social aprueba y protege a la autonomia privada, no en cuanto sigue el
capricho monetáneo, sino en cuanto procura um típico interés en el
cambio del estado de hecho y se dirige a funciones sociales dignas
de tutela".(47)
Resta, portanto, afastada a possibilidade de analisar um
negócio sem apreciar sua causa. Com efeito, o citado artigo 421
assevera que "a liberdade de contratar será exercida em razão e nos
limites da função social do contrato". Assim, a causa que encontra
amparo no ordenamento jurídico servirá como limite e norte da
liberdade de contratar e, em última análise, da própria validade do
negócio.(48)
O direito não tolera que alguém receba vantagem, obtendo
acréscimo patrimonial em detrimento de outrem sem uma causa
jurídica, isto é, por meio de um ato que não seguiu uma estrutura
econômico-social reconhecida pelo ordenamento jurídico. Dessa
forma, o negócio sem causa não receberá reconhecimento jurídico,
porquanto o ato não estará cumprindo a sua função social.(49)
Assim, se alguém paga algum valor a outrem indevidamente, o
ordenamento entende que esse enriquecimento, sem uma causa
jurídica justificável, lhe é contrário, impondo a quem recebeu a
vantagem indevida que a restitua e, com isso, promova o reequilíbrio
patrimonial.
Veja-se que o negócio sem causa é válido. Não se buscará
sua nulidade, pois os elementos necessários à sua existência e
8
validade encontram-se presentes. Entretanto, o ordenamento jurídico
não consente com o benefício sem uma causa. A vantagem
econômica acompanhada da ausência de causa jurídica é
considerada imoral. Por isso se admitirá que o lesado reclame a
restituição de seu patrimônio.
Verifica-se o enriquecimento sem causa se presentes (a) a
vantagem patrimonial propriamente dita, consistente no benefício
aferível em dinheiro - que se verifica não apenas no aumento de
bens, mas também na diminuição do passivo e na economia de
algumas despesas -; (b) o empobrecimento, de outra ponta, que se
verifica diante da perda de patrimônio; (c) o nexo causal, isto é, o
liame entre o enriquecimento de um e o empobrecimento de outro;
(d) e, por fim, a ausência de causa.(50) Haverá enriquecimento sem
causa se presente esse nexo causal entre a vantagem e a perda do
patrimônio de duas pessoas, sem uma causa jurídica geradora que
justifique essa alteração.(51) (52)
O art. 884 do Código Civil de 2002, inovando em relação à
Lei revogada, expõe o conceito de enriquecimento sem causa e
informa qual a conseqüência jurídica de sua verificação: a obrigação
de o beneficiado restituir o que recebeu indevidamente, em montante
que não pode exceder o benefício.(53)
O novo Código, entretanto, manteve as hipóteses de
enriquecimento específicas antes referidas no CC/1916, como, para
dar exemplos, o dever de indenizar o possuidor de boa-fé pelas
benfeitorias (agora nos arts. 1.218 a 1.222) e no pagamento indevido
(arts. 876 a 873 do CC/2002).
Diante disso, a aplicação direta do instituto, pela incidência
do art. 884 do Código Civil, possui um caráter subsidiário, ou seja,
ela vai ocorrer se nenhuma das hipóteses de enriquecimento
admitidas no ordenamento jurídico se aplicar no caso específico.(54)
(55) (56)
Ontologicamente análogo, vale citar a hipótese do
desaparecimento da causa. Isso ocorre se deixar de existir a causa,
que havia no momento em que ato foi realizado. Tome-se o exemplo
da perda, sem culpa, do objeto de uma obrigação de dar coisa certa.
Sem objeto, extingue-se a obrigação (art. 234 do Código Civil). Se o
devedor já recebeu a prestação, deve restituir o valor ao credor,
porque não há mais obrigação, pela perda de objeto. Do ponto de
vista do pagamento feito, ele tornou-se sem causa. Nesse sentido,
muito corretamente, a regra da segunda parte do art. 885 do Código
Civil.
9
3. O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA COMO FONTE DAS
OBRIGAÇÕES
Classicamente, o enriquecimento sem causa era tratado
como quasi contractu.(57) Essa divisão, contudo, já não encontra
espaço na doutrina moderna.(58) Diante disso, interessante
pesquisar se o enriquecimento sem causa é fonte autônoma das
obrigações, ou se é espécie de outro gênero.
No início deste texto fez-se uma referência às fontes das
obrigações e de como a doutrina as divide. Há, com efeito, viva
discussão acerca de como o enriquecimento sem causa vai inserir-se
nas fontes: se ele figura como uma fonte autônoma, se vai ser
arrolado como um tipo de ato ilícito, se ele decorre da lei ou, mesmo,
se é um ato unilateral, como quis fazer crer o CC/2002.
Com efeito, não se discute que o enriquecimento sem causa
serve como fonte das obrigações. Uma vez verificado, ele gera um
dever para quem obteve a vantagem de reparar a parte lesada. A
finalidade reside em reequilibrar os patrimônios dos envolvidos na
relação.
A posição do enriquecimento sem causa entre as fontes das
obrigações com a entrada em vigor do novo Código Civil ganhou
novo campo de debate. Isso porque, no Código Civil de 2002, o
enriquecimento sem causa foi arrolado entre os atos unilaterais, logo
depois do pagamento indevido, também inserido entre os atos
unilaterais.
Na verdade, trata-se de um duplo equívoco. Para começar,
não seria "geograficamente" correto ajustar o pagamento indevido
antes do enriquecimento sem causa, uma vez que aquele é espécie
deste. Seria o mesmo que, ao expor o reino animal, tratar dos símios
antes de falar dos mamíferos.
Além disso, o enriquecimento sem causa não é um tipo de
ato unilateral, embora, por vezes, ele possa envolver, como um dos
elementos de sua verificação, um ato unilateral (como se dará, por
exemplo, no pagamento indevido).
O ato unilateral - mesmo aquele consistente do pagamento
indevido -, por si só, não será suficiente para criar o dever de
restituir (ou seja, fazer nascer a obrigação pelo enriquecimento sem
causa). Há necessidade de outro elemento, que funcionará como o
fato gerador: a ausência de causa jurídica.
No ato unilateral há a manifestação de vontade de uma só
parte, que acaba por vinculá-la a terceiro. É o que vai ocorrer, v.g.,
na promessa de recompensa, hipótese corretamente referida na lei,
10
nos arts. 854 a 860, como tipo de ato unilateral. Note-se que nessa
hipótese há a presença de uma causa jurídica.
Em outras palavras, não é a natureza eventualmente
unilateral que vai qualificar o enriquecimento sem causa, mas a
ausência dessa causa. Frise-se: o que distingue o enriquecimento é
a falta de causa jurídica justificando o deslocamento de patrimônio.
Haverá sempre um ato das partes, de uma delas, ou de ambas,
sendo relevante apenas o resultado.
Tampouco o enriquecimento é um negócio jurídico. Não há
convergência das vontades das partes direcionada à sua ocorrência.
Isso seria um contra-senso, pois o acordo de vontades, por si só, é
causa jurídica reconhecida. Por esse motivo, aliás, Serpa Lopes
registra o enriquecimento como uma fonte acontratual das
obrigações.(59)
Veja-se que, por vezes, o enriquecimento sem uma
contraprestação de seu beneficiado ocorre e será admitido pelo
ordenamento jurídico, porque a situação se encontra justificada
numa norma jurídica, como, por exemplo, o dispositivo legal que
admite a usucapião (uma pessoa obtém a propriedade da outra, que
a perde sem direito a qualquer indenização). Aqui fica claro o
conceito de que o fundamental, no momento de aferir a causa, é
observar a existência de um respaldo jurídico para o incremento no
patrimônio.
Ressaltou-se, anteriormente, a inexistência, entre nós, de
dispositivo genérico acerca do enriquecimento sem causa até a
vigência do Código Civil de 2002. Agora há menção expressa ao
fenômeno. Isso, contudo, não permite dizer que o enriquecimento
sem causa passa a ser fonte das obrigações de origem legal. A lei
funciona apenas como fonte imediata, registrando o fato como
jurígeno, assim como ele registra os contratos típicos.
Qualificar o enriquecimento sem causa como fonte
autônoma das obrigações (como fazem os portugueses(60) (61) e,
entre nós, Orlando Gomes(62) e Serpa LOPES(63) (64)), embora
seja uma sedutora solução, parece restringir o conceito de atos
ilícitos, que, atualmente, tem uma acepção ampla. Afinal, na medida
em que o ato não encontra um respaldo no ordenamento, ou, em
outras palavras, se o ato não cumpre a sua função econômico-social,
ele se colocará em situação marginal e, logo, poderá ser qualificado
como ilícito. O que agride o ordenamento jurídico não é lícito, não
havendo espaço para um tertium genus.
Assim, parece correto Planiol, que arrola o enriquecimento
sem causa entre os atos ilícitos.(65) Convém ponderar, nesse passo,
11
que, atualmente, se observa um alargamento do conceito de fatos
contrários ao ordenamento jurídico, que acabam por ensejar uma
obrigação por uma das partes. Nem sempre o reconhecimento de
que certo fato contraria o ordenamento ensejará a decretação de sua
nulidade ou anulabilidade, mas o sistema admite gradações na
resposta a situação em que ele é afrontado.(66) (67) Ainsi que la
vertú le crime a ses degrés.
Não se discute que o enriquecimento sem causa contraria o
interesse do ordenamento jurídico; diga-se mais: é contrário a ele.
Na hipótese específica, a solução dada pelo direito consiste em
impor à parte injustamente beneficiada o dever de restituir ao lesado
a vantagem indevida.
Tome-se o seguinte exemplo: se uma pessoa alimenta um
cão, na crença de que esse animal lhe pertence, mas,
posteriormente, descobre que o animal é de terceiro, este - que teve
seu patrimônio acrescido porquanto não custeou a alimentação de
seu cão - tem o dever de reparar o patrimônio de quem gastou para
prover o cachorro.(68) Caso contrário, haveria um enriquecimento
sem causa. Admitir que o dono do animal pudesse ficar com o seu
animal sem reparar quem o alimentou agride o ordenamento jurídico.
Saliente-se, nesse passo, uma distinção fundamental na
reparação decorrente do enriquecimento sem causa e da
responsabilidade aquiliana. Nesta, afere-se o prejuízo do lesado,
para que o dano seja plenamente indenizado, ao passo que no
enriquecimento sem causa a recomposição será mensurada pelo
benefício sem justificação jurídica. A distinção não é sutil.
O dano pode ser maior, mas, no enriquecimento sem causa,
a reparação se limita à devolução do benefício ou proveito.(69) O
enfoque primordial, portanto, é, ao mesmo tempo, no ganho do
patrimônio do beneficiado e no decréscimo no patrimônio do lesado
(embora valha a ressalva de Agostinho Alvim: se o prejuízo for
menor do que o ganho, o beneficiado somente deve restituir no limite
do dano. Isso mesmo, se o enriquecimento for maior do que o
empobrecimento, a reparação deve limitar-se ao montante verificado
neste, a fim de que se considere o valor menor).(70)
Se a pessoa beneficiou-se sem causa em R$ 2 em
detrimento de outra, que perdeu R$ 2, não haverá dúvida de que a
restituição deve ser dos R$ 2, o que garantirá o equilíbrio
patrimonial. Caso, entretanto, tenha havido um benefício de R$ 1,
mas a perda tenha sido de R$ 2, a restituição será apenas de R$ 1.
Afinal, o beneficiado não pode ser obrigado a dar mais do que
obteve. Por último, pode o benefício ter sido de R$ 2, mas a perda
12
de apenas R$ 1. Aqui, a restituição será de somente R$ 1, sob pena
- atente-se - de haver um enriquecimento sem causa do lesado.
4. CONCLUSÃO
Ressalvando não haver nada próximo de um consenso na
doutrina nacional, pode-se dizer que existem as seguintes fontes das
obrigações: (1) a lei, (2) os atos jurídicos (bilaterais e unilaterais), e
(3) os fatos ilícitos.
Ao se reconhecer que o ordenamento jurídico não consente
com o enriquecimento sem causa, aponta-se para inserir o fenômeno
entre os fatos ilícitos, juntamente com o abuso de direito (este, aliás,
corretamente referido no art. 187 do Código Civil de 2002 entre os
atos ilícitos).
A admissão do enriquecimento sem causa como fonte das
obrigações reside no reconhecimento de que a sua verificação
contraria o interesse do ordenamento, que quer dar a cada um o que
é seu, não lesar a ninguém e garantir uma convivência harmonizada
pela honestidade, para citar a lapidar lição de Ulpiano.
NOTAS
(1) RUGGIERO diz que o delito foi a primeira fonte a obter
reconhecimento:
"Se as primeiras a aparecer historicamente foram as
obrigações nascentes da ofensa ou violação da esfera jurídica
alheia, isto é: de delito, correspondendo a relação contratual apenas
a um estado mais avançado de civilização". (Instituições de direito
civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, v. III, 1973. p. 133).
(2) PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito
civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. II, 1996. p. 24.
(3) Traités des oligations. Paris: Ed. Depelafol, n. 2, 1835.
(4) Nesse sentido a crítica de JOSSERAND. Cours de droit
positif français. 3. ed. Paris, p. 7.
(5) PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 24.
(6) Lei Civil Portuguesa, Decreto-Lei. 47.344 de 25.11.1966.
(7) AUBRY et RAU, Droit civil français. Paris: A. Ponsard et
N. Dejean de la Batiê, p. 106.
(8) "Cette classification ne doit pas faire illusion; sans être
entiérement fausse, elle est superficielle, sa nomenclature est
vicieuse, et elle répond mal à la réalité. A vrai dire, toutes les
obligations dérivent de deux sources seulement: le contrat et la loi".
(PLANIOL, Marcel. Traité élémentaire de droit civil. Tome Deuxième.
13
Sixième Édition. Paris: Librairie Générale de Droit & de
Jurisprudence, 1912. p. 254)
PLANIOL, entretanto, reconhece que:
"Dans l'opinion unanime des auteurs, le droit français admet
cinq sources distincts d'obligations: 1º les contrats; 2º les quasicontrats; 3º les delits; 4º les quasi-delits; 5º la loi.
Les contrats sont des conventions productives d'obligations.
Les quasi-contrats sont des faits volontaires et licites, qui
different des contrats, en ce qu'ils excluent l'accord de volonté qui
forme la convention.
Les délits et les quasi-délits different des deux sources
précédentes, en ce qu'ils constituent des faits illicites. La loi en fait
naître des obligations lorsqu'ils causent à autrai un dommage; elle
oblige leur auteur à réparer lê tort qu'il a causé. On peut done les
définir "des actes illicites et dommageables pour autrui". D'autre part,
les délits different des quasi-délits en ce qu'ils sont accomplis
sciemment el avec intention de nuire, tandis que les quasi-délits
excluent cette intention et supposent que le dommage a été causé
par maladresse ou négligence et qu'il n'a pas été intentionnel.
Quant à la loi, on la considere comme étant la source de
toutes les obligations qui ne rentrent dans aucune des quatre
catégories précédentes. Les Romains disaient de même que
certaines obligations naissaient lege". (Op. cit., p. 254.)
(9) DOMAT, Jean. Odre do leur dos dans dos civiles de lois.
Paris, 1689.
(10) "A meu ver, as obrigações sempre têm por fonte a lei,
sendo que nalguns casos, embora esta apareça como fonte mediata,
outros elementos despontam como causadores imediatos do vínculo.
Assim, a vontade humana ou o ato ilícito." (RODRIGUES, Silvio.
Direito civil. 12. ed. São Paulo: Saraiva, v. II, 1981. p. 10.)
(11) "Do exposto fácil é denotar que as obrigações
decorrem de lei e da vontade humana, e em ambas trabalha o fato
humano, e em ambas atua o ordenamento jurídico, pois de nada
valeria a vontade sem a lei, e a lei sem um ato volitivo, para a
criação do vínculo obrigacional. O fato jurídico stricto sensu não
constitui, portanto, fonte mediata de obrigações. A lei (fonte
imediata) faz derivar obrigações apenas dos atos jurídicos stricto
sensu, dos negócios jurídicos bilaterais ou unilaterais e dos atos
ilícitos (fontes mediatas). Os contratos e as declarações oriundas de
atos ilícitos é a lei que impõe ao culpado o dever de ressarcir o dano
causado. Realmente, a lei é fonte imediata das obrigações, pois rege
apenas as condições determinantes do aparecimento delas, impondo
14
ao devedor o seu cumprimento, cominando-lhe uma sanção se
inadimplente; portanto, não cria quaisquer relações creditórias."
(DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 16. ed. São
Paulo: Saraiva, 2002. p. 45-46).
(12) "Diante destas considerações, podemos mencionar
duas fontes obrigacionais, tendo em vista a preponderância de um
ou de outro fator: uma, em que a força geratriz imediata é a vontade:
outra, em que é a lei." (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p.
29).
(13) "Nestas condições, impõe-se, em caráter preliminar, a
distinção entre fonte imediata e fontes mediatas das obrigações.
Fonte imediata, isto é, causa eficiente das obrigações, é unicamente
a lei. Fontes mediatas, isto é, condições determinantes do
nascimento das obrigações, são diversos fatos ou situações
suscetíveis de produzirem especificadamente esse efeito. Por isso
se dizem fatos constitutivos das obrigações." (GOMES, Orlando.
Obrigações. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 25-26).
(14) LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil.
4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, v. V, 1995. p. 9.
(15) DANTAS, Francisco Clementino San Tiago. Programa
de direito civil II. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1978. p. 146.
(16) A jurisprudência reconhece o interesse em vedar o
enriquecimento sem causa como princípio. Confira-se, a propósito,
trecho de recente julgado do Superior Tribunal de Justiça:
"1 - É entendimento assente desta Corte que a repetição é
conseqüência lógica do reconhecimento judicial da ilegalidade de
cláusulas contratuais abusivas e do acolhimento do pedido de
restituição do que foi pago a mais, em atenção ao princípio que veda
o enriquecimento sem causa, prescindindo, pois, da prova do erro,
prevista no art. 965 do Código Civil. Precedentes (AgRg no REsp
733.037/RS e AgRg no REsp 699.352/RS)". (REsp 557301/RS, 4ª
Turma do STJ, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 28.06.2005).
(17) "Indubitavelmente a proibição do enriquecimento à
custa de outrem é um princípio integrante do ordenamento jurídico,
não se limitando a uma vaga reminiscência histórica, a uma mera
regra moral ou ética, ou a um preceito eqüitativo, mas
consubstanciando-se em um efetivo mandamento com conteúdo
normativo.
Se a ordem civil-constitucional assegura a livre iniciativa, a
autonomia privada e outros elementos indispensáveis a fim de
garantir uma equilibrada relação negocial, com esteio na função
15
social do contrato, a proibição do enriquecimento sem causa é um
princípio congênito.
Nesse sentido, Agostinho Alvim tipifica o instituto como um
princípio geral de direito: 'Por outro lado, é inquestionável que a
condenação do enriquecimento injustificado é princípio geral de
Direito, porque, com maior ou menor extensão, ela tem sido
recomendada por todos os sistemas, no tempo e no espaço.
Não obstante isso, apesar da teoria em tela ser coerente ao
pensamento que se adota, ela é imperfeita.
A teoria que se propõe não é limitada como sustentado
nesse segmento, mas tem outros contornos que não se
circunscrevem a um mero princípio integrativo do direito, a ser
aplicado na omissão da lei, segundo dispõe o art. 4º da Lei de
Introdução ao Código Civil. A vedação do enriquecimento sem causa
é um princípio norteador do direito obrigacional, que possui
fundamento na Constituição Federal e legislação infra-constitucional,
possibilitando o seu uso como uma fonte obrigacional por meio da
ação de enriquecimento e como supedâneo a qualquer medida
litigiosa." (NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. São
Paulo: Saraiva, 2004. p. 123-124).
(18) A ação proposta com a finalidade de recompor o
enriquecimento sem causa denomina-se actio in rem verso.
(19) "A razão será, talvez, porque a matéria não tenha
encontrado no Direito romano o desenvolvimento que fora de
desejar. Faltaram-lhe segurança e aquele rigor lógico que os
jurisconsultos souberam imprimir aos institutos. Parece, mesmo, que
se não chegou a construir um verdadeiro sistema de princípios,
limitando-se as fontes a apontar soluções de inspiração na eqüidade,
porém dispersas." (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 183).
(20) "As institutas de Justiniano (III, 27, 6) enquadram entre
os quase-contratos a indebit solutio (pagamento do indevido), que é
uma das hipóteses de enriquecimento sem causa, na qual o que
recebeu indevidamente está obrigado a restituir aquilo que lhe foi
pago. Ao lado da indebiti solutio (pagamento do indevido), há outros
casos de enriquecimento sem causa em que se reconheceu, no
direito romano, a obrigação de restituir o que foi recebido sem causa
jurídica. Essas hipóteses também devem ser colocadas entre os
quase-contratos." (ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 4.
ed. Rio de Janeiro: Forense, v. II, 1986. p. 258).
(21) LOPES, Miguel Maria de Serpa. Op. cit., p. 61-62.
(22) LOPES, Miguel Maria de Serpa. Op. cit., p. 63.
16
(23) AMARAL, Francisco. Direito civil. 5. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, p. 431.
(24) Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado.
Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, v. I, 1956. p. 271.
(25) AMARAL, Francisco. Op. cit., p. 432.
(26) WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno.
2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993. p. 234.
(27) Tratado das obrigações pessoais e recíprocas. Rio de
Janeiro: Garnier, tomo I, 1906.
(28) WIEACKER, Franz. Op. cit., p. 234.
(29) GALLO, Paolo. L'arrichiamento senza causa. Padova:
Cedam - Casa Editrice Dott. Antonio Milani, 1990. p. 133-134.
(30) Traité de droit romain. Paris: Librairie de Firmin Didot
Fréres, tome quatriéme, 1856. p. 78.
(31) Uma interessante análise ao dispositivo em CIAN,
Giorcio; TRABUCCHI, Alberto. Commentario breve al Codice Civile.
2. ed. Padova: Cedam, 1984. p. 1407.
(32) No Código Civil italiano, o enriquecimento sem causa é
examinado logo após a gestão de negócio. Paolo Gallo, no excelente
trabalho acima referido acerca da matéria, lamenta que se trate do
princípio depois de enunciar uma de suas hipóteses:
"(...) Ma vi è di più; il legislatore ha collocato l'articolo nel
punto meno opportuno, ovvero dopo aver disciplinato non solo
l'azione di gestione, ma anche il pagamento dell'indebito. Si tratta di
una sistematica che fa precedere all'enunciazione del principio
ispiratore dell'intera materia l'enunciazione dei casi particolari: là
dove un tale principio avrebbe dovuto esser anteposto sia alla
gestione d'affari altrui che al pagamento dell'indebito, o per lo meno
a quest'ultimo, como accade nel BGB. La sistematica del codice è
perciò stata criticata specie dalla dottrina tedesca, la quale ha
giustamente considerato che l'enunciazione del principio generale
dovrebbe precedere e non seguire i cais particolari". (GALLO, Paolo.
L'arricchimento senza causa. Padova: Cedam, 1990. p. 139-140).
Com razão o mestre italiano. Curiosamente - e
desgraçadamente - o nosso Código de 2002 comete a mesma
impropriedade; trata-se primeiro do pagamento indevido para, logo
depois, cuidar do enriquecimento sem causa.
(33) Op. cit., p. 271.
(34) Assim, expressamente, registra ALVIM, Agostinho. Do
enriquecimento sem causa. São Paulo: Revista dos Tribunais, v.
259, 1957. p. 3.
17
(35) "Note-se que a palavra causa é comumente utilizada na
terminologia do direito em múltiplas acepções. Pelo que toca ao
aspecto que nos interessa aqui, verifica-se que os juristas e os
legisladores, dada a grande variedade das situações possíveis, têm
dificuldade em elaborar uma fórmula unitária que sirva de critério
para a determinação exaustiva das hipóteses em que o
enriquecimento deve considerar-se privado de justa causa." (COSTA,
Mário Julio de Almeida. Direito das obrigações. Coimbra: Livraria
Almedina, 1980. p. 62).
(36) Direito das obrigações. 4. ed. Coimbra: Coimbra
Editora, 1982. p. 136.
(37) A causa dos contratos. In: Revista Trimestral do Direito
Civil, Rio de Janeiro: Padma, v. 21, 2005. p. 95.
(38) MONCADA, Luis Cabral de. Lições de direito civil. 4.
ed. Coimbra: Almedina, 1995. p. 654.
(39) LOPES, Miguel Maria de Serpa. Op. cit., p. 481.
(40) MONCADA, Luis Cabral de. Op. cit., p. 654.
(41) ALVIM, Agostinho. Op. cit., p. 23.
(42) O termo "causa-motivo" revela-se um completo
pleonasmo, pois as palavras causa e motivo são sinônimos, o que
pode gerar confusão. Não se deve, contudo, confundir a causa com
o motivo (ou a "causa motivo"). O motivo se relaciona aos elementos
internos, psicológicos, que levaram a pessoa a adotar certo
comportamento. Consoante se mencionou, o motivo é irrelevante ao
negócio jurídico, salvo se referido como sua razão determinante. O
Código Civil de 2002, no artigo 140, corrige a lei revogada que,
erroneamente, tratava por causa o que, na realidade, era motivo (cf.
artigo 90 do Código Civil de 1916).
(43) Newton de Lucca corretamente adverte a dificuldade de
se definir o enriquecimento sem causa, anotando que não se
consegue "achar uma fórmula genérica do que seria efetivamente a
falta de causa legítima". (Comentários ao novo Código Civil. Rio de
Janeiro: Forense, v. XII, 2003. p. 108).
(44) ALVIM, Agostinho. Op. cit., p. 25.
(45) PEREIRA, Caio Mário da Silva. (Instituições de direito
civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 1997. p. 320) apresenta
uma lista dos doutrinadores de nomeada que seguem uma outra
posição:
"Esta controvérsia tormentosa e infindável não se resolve
na leitura dos escritores que ocupam posição de combate, seja no
campo causalista, com Domat, Pothier, Aubry et Rau, Demolombe,
Colin et Capitant, Venzi, Carioca-Ferrara, Ruggiero, Mirabelli,
18
Bonfante, Stolfi, Messineo e tantos outros, como entre nós Amaro
Cavalcanti e Torquato Castro; seja nas hostes anticausalistas, com
Planiol, Laurent, Demogue, Dabin, Windscheid e, entre nós,
Carvalho de Mendonça, civilista, e Clóvis Beviláqua".
(46) PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 320.
(47) Teoria general del negocio jurídico. Madrid: Editorial
Revista de Derecho Privado, p. 140.
(48) "...o ordenamento civil brasileiro não dá qualquer
guarida a negócios abstratos, isto é, a negócios que estejam
sujeitos, tão-somente, à vontade das partes, exigindo, ao contrário,
que os negócios jurídicos sejam causais, cumpridores de uma função
social. Nesta linha de raciocínio, teria o legislador exteriorizado,
através dos termos gerais da cláusula geral do art. 421, o princípio
da 'causalidade negocial'." (MORAES, Maria Celina Bodin de. Op.
cit., p. 119).
(49) Betti examina o assunto com maestria em capítulo
específico denominado: "Transcendência político-legislativa de la
causa del negócio como razón de la tutela jurídica", op. cit., p. 147152.
(50) NETO, Abílio. Código Civil anotado. Lisboa: Livraria
Petrony, 1980. p. 214.
(51) "O incremento do patrimônio é produto do labor, resulta
do esforço individual ou coletivo, através de atos jurídicos,
correlacionando coisas e pessoas, com subjugação ao império do
senhor, dos bens ofertados pela natureza, ou transformados, ou
produzidos pelo ente humano, precipuamente para aprazimento de
seus interesses. É o justo enriquecimento.
Legítimo ele há de ser dentro da composição jurídica que o
ampara, seja no aspecto puramente econômico (todo ato de direito
tem extrato de economicidade), seja no ângulo social (já que toda
produção está voltada para os fins da assembléia humana).
Ilegítimo, ele o é quando ilícito, tendo a reprovação da lei.
Ou, ainda, quando desprovido de liceidade, de juridicidade, de justa
causa, por não encontrar no sistema ordenatório princípio legal ou
de justiça a tutelar ou desamparar a alteração da universitas
bonorum." (PAES, Pedro. Enriquecimento sem causa. Rio de
Janeiro: Resenha Universitária, 1977. p. 31).
(52) "Na opinião de outros, finalmente, dentre os quais
cumpre salientar Cunha Gonçalves, para justificar a ação do não
locupletamento nenhuma teoria é precisa além dos princípios
clássicos da justiça e do Direito:
19
'dar a cada um o seu (suum cuique tribuere), não lesar
ninguém (neminem leadere)'. O não locupletamento é uma resultante
desses dois axiomas jurídicos. O locupletamento pode nascer, tanto
de um fato lícito, como de um fato ilícito, mas é sempre uma lesão
involuntária do patrimônio alheio. Há que restituir ou indenizar,
porque não há direito absoluto de gozar ou conservar. Não restituir
ou não indenizar é praticar um ato ilícito, é apropriar-se uma pessoa
do que, de direito, não lhe pertence, ou aproveitar-se do sacrifício,
do trabalho, ou do dano de outrem, contra a vontade deste, que de
nenhum modo pretendeu beneficiar o locupletador (Op. cit., número
607, in fine).
A eqüidade, a nosso ver, é o fundamento do princípio do
não locupletamento às custas de outrem. Vale o mesmo que dizer
que Cunha Gonçalves está com a razão, quando assevera que para
justificar a ação do não locupletamento nenhuma teoria é precisa
além dos princípios clássicos da justiça e do Direito a que aludiu,
porquanto esses princípios nada mais traduzem do que regras de
eqüidade.
Realmente, a ação de in rem verso deve ser admitida de
uma maneira geral, como sanção da regra de eqüidade de que não é
permitido a ninguém enriquecer injustamente às custas de outrem:
jure naturae aequum est, neminem cum alterius detrimento et injuria
locupletatiorem fieri (L. 206, D. de R.J. - 50,17)." (SANTOS, J. M.
Carvalho. Código Civil brasileiro interpretado. 8. ed. Rio de Janeiro:
Livraria Freitas Bastos, v. XII, 1963. p. 382-383).
(53) O art. 206, § 3º, IV, do Código de 2002 ajustou o prazo
prescricional de três anos para a parte lesada invocar o
enriquecimento sem causa.
(54) "Todos os juristas pátrios, que cuidaram do problema
do enriquecimento sem causa, ao cogitarem da questão relativa ao
caráter da ação de enriquecimento, propenderam, embora
limitadamente, pelo seu cunho subsidiário." (LOPES, Miguel Maria
de Serpa. Op. cit., p. 77).
(55) Esse conceito consta expresso na lei civil portuguesa:
"Consoante dispõe, na sua primeira parte, o artigo 474 do Cód. Civ.,
"não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar
ao empobrecido outro meio de ser indenizado ou restituído"".
(COSTA, Mário Júlio de Almeida. Op. cit., p. 451).
(56) Transcreva-se a seguinte ementa, na qual o instituto foi
corretamente aplicado:
"Ação de indenização. Utilização pelo empregador,
estabelecimento hoteleiro, em cardápio de seu restaurante, de foto
20
estampada de sua empregada, valendo-se de relação de
subordinação a que estava esta última submetida. Uso abusivo da
imagem caracterizado. Indenização. Fixação - levando em conta que
a autora não é modelo fotográfico - em valor justo sem os excessos
que possam conduzir a enriquecimento sem causa da autora.
Desacolhimento do pedido de pagamento de percentual sobre o
faturamento do restaurante, por ser inimaginável que dito
faturamento possa ter aumentado, pelo fato da existência da foto da
autora no cardápio. Sentença parcialmente reformada para redução
do valor da indenização". (Ap. Civ. 1999.001.07237, 7ª CCTJ,
Relatora Des. Áurea Pimentel Pereira, j. 30.06.1999)
(57) DEMOGUE. Traité des obligations. Paris: Arthur
Rousseau, v. III, 1925. p. 7.
(58) "A clareza do princípio não deixa dúvida quanto à
indicação do pagamento indevido como fonte autônoma de
obrigações." (GOMES, Orlando. Op. cit., p. 247).
(59) LOPES, Miguel Maria de Serpa. Op. cit., p. 55.
(60) "O Cód. Civ. considera o enriquecimento injustificado
uma fonte autônoma de obrigações, estabelecendo no art. 473, n. 1:
'Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é
obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou'."
(COSTA, Mário Júlio de Almeida. Op. cit., p. 58).
(61) VARELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em
geral. 8. ed. Coimbra: Almedina, 1970. p. 308.
(62) "Das situações que condicionam o nascimento de
obrigações, oferece particular relevo, a ponto de ser destacada como
fonte autônoma, aquela em que se encontra alguém que, sem causa
legítima, obteve vantagem patrimonial à custa de outrem. Diz-se
que, nesse caso, há enriquecimento seu causa. A lei o condena,
obrigando quem tirou o proveito a restituí-lo." (GOMES, Orlando. Op.
cit., p. 32.)
"Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica
obrigado a restituir." (GOMES, Orlando. Op. cit., p. 247).
Orlando Gomes fundamenta a sua opinião:
"Em conclusão: o pagamento indevido é um fato do qual a
lei faz derivar obrigações. Não se enquadra entre as fontes
voluntárias, nem pode ser incluído na categoria do ilícito civil. É,
portanto, irredutível a qualquer das grandes categorias pelas quais
se distribuem as mais freqüentes causas geradoras das obrigações.
Apresenta-se como um dos eventos que condicionam o nascimento
de obrigações específicas." (GOMES, Orlando. Op. cit., p. 250).
21
(63) Serpa Lopes, contudo, assim fundamenta a
necessidade de o enriquecimento sem causa servir como fonte de
obrigações:
"A ordem jurídica não poderia permanecer indiferente ante
um deslocamento de riqueza imotivado, causando um desequilíbrio
injusto. Assim, é o caso de alguém ter feito construções ou
plantações em terrenos alheios, enriquecendo o dono do solo, ou o
de efetuar o pagamento de um débito já liquidado. Em tais
circunstâncias, há um rompimento de equilíbrio entre dois
patrimônios. Uma providência se impõe e o remédio consiste em se
conceder ao empobrecido um crédito contra o enriquecido, do
mesmo modo que se outorga à vítima de um delito uma ação contra
o causador do dano. Assim, o enriquecimento sem causa se
transforma numa fonte das obrigações, tal qual ocorre na culpa
extracontratual ou na gestão de negócios." (Op. cit., p. 56-57)
(64) Essa também é a opinião de Arnoldo Wald (Direito das
obrigações. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 86).
(65) "Caractère illicite de l'enrichissement sans cause.
Traditionnellement on considère cet enrichissement comme faisant
naître une action quasi-contractuelle, l'action "de in rem verso". Ceci
tient à ce que l'ancienne action romaine de ce nom se rattachait à la
gestion da pécule el par conséquent dérivait d'actes contractuels.
Mais si l'on réfléchit que ce qui oblige à restituer est le principe
d'après lequel il n'est pas permis de conserver un enrichissement
obtenu sans cause aux dépens d'autrui, on se convainera que celle
acition appartient à la famille des actions nées de faits illicites."
(PLANIOL, Marcel. Op. cit., p. 313).
(66) Almeida Costa faz distinção entre os atos anti-jurídicos
e os ajurídicos para explicar porque o enriquecimento deve ser
referido entre as fontes autônomas das obrigações e não referido
como um tipo de ilicitude. Eis o trecho:
"O problema consiste em distinguir, entre as vantagens
patrimoniais que um indivíduo pode obter na vida de relação,
aquelas que - embora não chegando ao extremo de serem
conseqüências de comportamentos antijurídicos ou factos ilícitos
(que envolveriam uma responsabilidade por danos) - determinam,
todavia uma obrigação de restituição, por não se encontrarem
dotadas de suficiente justificação em face do direito. Quer dizer:
reputa-se que o enriquecimento carece de causa, quando o direito o
não aprova ou consente, porque não existe uma relação ou um facto
que, de acordo com os princípios do sistema jurídico, justifique a
deslocação patrimonial. Mas ele é apenas ajurídico, no sentido de
22
substancialmente ilegítimo ou injusto, e não formalmente
antijurídico." (Op. cit., p. 62-63)
(67) Ressalte-se que o novo Código Civil permite, em
algumas situações, que se saneie atos anuláveis, como vai se dar,
por exemplo, no § 2º do art. 157, relativo à lesão, e no art. 144,
tratando do erro.
(68) Caso quem alimente o animal saiba que o animal
pertence a outrem, mas dá de comer ao cão para que ele não morra,
será o caso de gestão de negócio, consoante registra o art. 870 do
Código Civil Brasileiro de 2002.
(69) ALVIM, Agostinho. Op. cit., p. 19.
(70) ALVIM, Agostinho. Op. cit., p. 19.
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O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA COMO