1. INTRODUÇÃO A etiologia da palavra adolescência vem do latim “adolescere” e remete a “crescer” ou “crescer até a maturidade”. Trata-se de uma fase da vida que vêm recebendo inúmeros tratamentos por várias linhas e áreas de estudo, que determina significados variados para cada sociedade pela diferença com que cada uma lida com questões econômicas, ideológicas e políticas, onde reconhecer-se adolescente e definir o período abrangido pela adolescência depende da cultura de cada povo, dos seus costumes e da maneira como vêem o mundo (VARELA, 2008). Segundo Castro, Abramovay e Silva (2004, p. 426) o conceito de adolescência está explícito em: [...] corresponde ao período referente ao segundo decênio da vida, ou seja, dos 10 aos 19 anos de idade. Este conceito é definido tendo como base a passagem das características sexuais secundárias para a maturidade sexual, a evolução dos padrões psicológicos, juntamente com a identificação do indivíduo que evolui de fase infantil para fase adulta, e a passagem do estado de total dependência para o de relativa independência. Porém, quando se admite a idéia de que ser/estar na adolescência tem estreita relação com determinadas transformações biopsicosociais que ocorrem no individuo e que o ambiente sócio-cultural em que esse adolescente está inserido tem total responsabilidade no tempo em que essas transformações irão ocorrer, é correto afirmar que a idade não define o estado de adolescente porque essa fase pode anteceder ou suceder a puberdade (VARELA, 2008). É sabido que os adolescentes formam um grupo etário que vivencia bruscas mudanças nas esferas biológica, psíquica e social. É uma época da vida em que se iniciam muitos conflitos pessoais e interpessoais, na qual os adolescentes assumem na sua personalidade influências culturais da mídia, dos amigos, da família, enfim, do ambiente em que vivem, o que resulta em estado de grande vulnerabilidade física, psicológica e social (TORRES; BESERRA; BARROSO, 2007). Advindo da área da advocacia internacional pelos Direitos Universais do Homem, o termo vulnerabilidade nomeia, em sua origem, grupos ou indivíduos fragilizados, jurídica ou politicamente, na promoção, proteção ou garantia de seus direitos de cidadania (AYRES et al, 2003). Segundo os autores acima, o conceito de vulnerabilidade, em discussão há mais de 15 anos, especificamente aplicado à saúde, pode ser considerado o resultado do processo de progressivas interseções entre o ativismo diante da epidemia da Aids e o movimento dos Direito Humanos. 2 Vulnerabilidade do adolescente pode ser interpretada como a interação dos fatores individuais do ser - cognição, afeto, psiquismo - com fatores sociais de desigualdade nos quais ele está inserido - gênero, classe, raça – determinando acessos, oportunidades e produzindo respostas sobre e para ele mesmo e o mundo. Uma pessoa pode ter a sua vulnerabilidade aumentada se não tiver oportunidades de decodificar as mensagens emitidas à sua volta, como também pode se tornar menos vulnerável, dependendo de sua capacidade de discernir mensagens sociais que a colocam em situações de perigo (VILLELA e DORETO, 2006). De acordo com o Ministério da Saúde, o número de jovens brasileiros de 10 a 19 anos ultrapassa 33 milhões de pessoas, perfazendo um total de 17% da população brasileira (DATASUS, 2009). Apesar dos altos índices demográficos, muitos desses jovens ainda não têm acesso a informações e serviços de saúde adequados ao atendimento de suas necessidades, em termos de educação sexual e reprodutiva, que os estimulem a tomar decisões de maneira livre e responsável. De modo geral, o adolescente não recebe da família informações que envolvam a saúde e, quando tem acesso a essas informações, são muitas vezes limitadas e inadequadas, provenientes de amigos ou de pessoas pouco preparadas para a função de esclarecer adequadamente as importantes dúvidas dos adolescentes. A maior parte das informações transmitidas a eles diz respeito ao uso do condon para prevenção de DST/AIDS. Entretanto, o mecanismo de funcionamento do corpo relacionado à puberdade, maturação sexual, vivências e conflitos decorrentes do crescimento e da sexualidade são pouco abordados (BRENNEISEN; SERAPIÃO, 2007). A ampliação de políticas públicas de saúde voltadas para os adolescentes, especialmente aquelas para a saúde sexual e reprodutiva, requer novas perguntas sobre a realidade destes sujeitos. Requer, ainda, que tais indagações sejam feitas a eles próprios, respeitando e considerando seus olhares, opiniões e propostas (BRASIL, 2006). Neste sentido, a escola é considerada o espaço privilegiado ao desenvolvimento de ações de educação sexual para adolescentes, já que, além de oferecer informações corretas e adequadas com embasamento teórico dos educadores, também pode possibilitar questionamentos, discussões e reconhecimento de valores necessários ao amadurecimento dos adolescentes (BRENNEISEN; SERAPIÃO, 2007). Neste contexto, vários autores afirmam que é essencial que os adolescentes possam aprofundar, gradativamente, os conhecimentos sobre o corpo reprodutivo – e do seu próprio – para permitir a ampliação das possibilidades de se conhecer para se cuidar, valorizando o 3 corpo como sistema integrado, as questões ligadas à construção de identidade e às características pessoais (BRENNEISEN; SERAPIÃO, 2007). A fim de preencher esta lacuna do conhecimento, a presente pesquisa investigou o conhecimento e percepção que os adolescentes têm do próprio corpo, seus conhecimentos sobre sexualidade, além das questões sobre cultura (tabus) e gênero, o que pode subsidiar ações de prevenção e promoção à saúde deste grupo etário. 2. OBJETIVOS OBJETIVO GERAL Descrever o perfil dos adolescentes matriculados no primeiro ano do ensino médio em uma escola pública de Cuiabá - MT, quanto aos seus conhecimentos e percepções do próprio corpo, sexualidade, cultura (tabus) e gênero. OBJETIVOS ESPECÍFICOS 1. Identificar o conhecimento dos adolescentes quanto aos órgãos reprodutivos femininos e masculinos, através da porcentagem de erros e acertos; 2. Relacionar qual a idade da primeira menstruação/ejaculação e a primeira fonte de informação sobre o evento; 3. Identificar as questões de gênero e tabus relacionadas à sexualidade. 3. METODOLOGIA Trata-se de um estudo quantitativo, de corte transversal, desenvolvido em uma escola estadual do município de Cuiabá-MT, cuja amostra foi composta por alunos do 1°ano do Ensino Médio, que concordaram em participar da pesquisa. O instrumento utilizado foi um questionário de 13 questões, sendo quatro (4) abertas e nove (9) fechadas (Anexo I) e foi aplicado à população de estudo em sala de aula pelas próprias pesquisadoras. Os dados foram processados pelo programa Excel e os resultados estão apresentados em gráficos e tabelas, com números absolutos e relativos. O presente projeto é parte do Projeto de Pesquisa intitulado “CONHECIMENTO E PERCEPÇÃO DOS ADOLESCENTES DAS ESCOLAS PÚBLICAS DE CUIABÁ SOBRE 4 SEXUALIDADE.”, cadastrada na Pró-Reitoria de Pesquisa (PROPEQ) da Universidade Federal de Mato Grosso, sob o protocolo 23108.010010/09-7, registro nº 150/CAP/2009. Os adolescentes foram convidados a participar da pesquisa de forma voluntária e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo II), resguardando os participantes quanto ao sigilo absoluto das informações, assim como a privacidade e o anonimato. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário Júlio Müller, Universidade Federal de Mato Grosso (Anexo III). A Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso autorizou por escrito o desenvolvimento do estudo (Anexo IV), bem como a Diretoria da respectiva escola (Anexo V). 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO Foram analisados 88 questionários, sendo 42 de adolescentes do sexo feminino e 46 do sexo masculino. Em relação aos órgãos internos, foi questionado aos adolescentes quais são os órgãos internos masculinos e femininos que eles conheciam. O Gráfico 1 nos mostra uma proporção de acertos de apenas 9,0% quanto aos órgãos internos masculinos e de 22,0% em relação aos órgãos internos femininos. Diante do resultado do Gráfico 1, o que mais chama a atenção é o grande percentual dos adolescentes que erraram as respostas (37% e 30% respectivamente), ou que não responderam e não sabiam responder a questão, o que no caso dos órgãos genitais masculinos totalizaram 54%. Isso nos mostra a grande lacuna de conhecimento que os adolescentes têm de seu próprio corpo e o não conhecimento da função de cada órgão, o que contribui principalmente para o aumento de casos de gravidez nessa faixa etária. Segundo Bacarat (2002), os partos de jovens brasileiras com idade entre 10 e 14 anos aumentou 20% nos últimos anos. Evidencia-se, ainda, a grande necessidade que eles têm sobre informações corretas acerca de sua sexualidade e reprodução humana e, mais ainda, de uma educação sexual precoce e constante na vida desses adolescentes e jovens. 5 ÓRGÃOS GENITAIS MASCULINOS INTERNOS 27% 27% 37% 9% Erros Acertos Não sabe Não respondeu ÓRGÃOS GENITAIS FEMININOS INTERNOS 28% 20% 30% 22% Erros Acertos Não sabe Não respondeu Gráfico 1 – Distribuição das respostas dos adolescentes quanto ao conhecimento dos órgãos genitais internos masculinos e femininos. Cuiabá, 2009. Para se fazer educação sexual de forma adequada, é necessário que, além da empatia com o assunto e de tratá-lo com naturalidade, o educador tenha um nível de conhecimento sobre o tema suficientemente bom para que sua transmissão aos adolescentes seja clara, o que se torna imprescindível à discussão dos temas relacionados à saúde dos adolescentes. A educação para a sexualidade deve estar vinculada à formação das crianças e jovens como um processo contínuo, para que possa oferecer esclarecimentos compreensíveis em diferentes momentos da vida, de forma saudável (COSTA et al, 2001). 6 Foi questionado aos adolescentes o que o ovário e a ejaculação produzem. A maioria respondeu que o produto da ejaculação são os espermatozóides e o líquido seminal com 79,5% e 9,6% respectivamente, totalizando 89,1% de respostas corretas. Quanto ao produto dos ovários (Gráfico 2), apenas 45% das respostas estavam corretas sendo que, quase um quinto dos entrevistados não respondeu a pergunta. Destacamos a presença de respostas como sangue e espermatozóides (1% e 2,2% respectivamente) que, apesar de serem em baixas proporções, não deixam de ser relevantes. Em segundo lugar ficou a resposta “bebê”, com 35,1%. PRODUTO DO OVÁRIO Sangue 1% 35,1% Bebê 45% Óvulos Espermatozóides 2,2% 16,5% Nâo respondeu 0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45% Gráfico 2 – Distribuição das respostas dos adolescentes sobre qual é o produto do ovário. Cuiabá, 2009. O resultado da questão acerca do produto feminino revela o não conhecimento dos adolescentes sobre como se dá a concepção, evidenciando a confusão de idéias que eles fazem por não saberem realmente como acontece a fecundação e concepção. Já o conhecimento em relação à ejaculação talvez seja decorrente da maior naturalidade em relação ao produto masculino, sem tantos tabus. O índice crescente de gravidez na adolescência representa um problema social e de saúde pública devido às conseqüências que ela traz na vida dessas adolescentes: confrontos biológicos, psicológicos e sociais que podem interferir no desenvolvimento dessa faixa etária. O fenômeno é verificado com maior freqüência na população de baixa renda e, dentre os motivos, destaca-se o desconhecimento sobre o funcionamento do próprio corpo. Alguns estudos que investigaram o conhecimento sobre o funcionamento do corpo, a puberdade, a reprodução e a sexualidade, realizados no Brasil e no exterior, confirmam a desinformação e o 7 baixo nível de conhecimento dos temas, como também alertam sobre a não oferta de orientação sexual correta à essa população (CARVACHO et al, 2008). A tabela 1 faz referência às respostas dos adolescentes quanto à primeira fonte de informação sobre ejaculação/menstruação. A fonte de informação que apareceu com maior freqüência foi a Mãe com 28,2%. Tabela 01 – Distribuição das respostas dos adolescentes quanto à primeira fonte de informação sobre ejaculação/menstruação. Cuiabá, 2009. Fonte de Informação Mãe Pai Irmã/irmão Amiga Amigo Parente Professor(a) Não respondeu Não sabe Livros/revistas Outros (internet, palestras) Total Nº 33 1 7 12 15 6 15 13 3 8 4 117 % 28,2 0,8 5,9 10,2 12,8 5,1 12,8 11,1 2,5 6,8 3,4 100,0 Observamos que, apesar de haver inúmeras fontes de informações sobre as transformações do corpo que os adolescentes podem buscar sozinhos como internet, palestras, livros ou revistas, que juntos somam 10,2% das respostas, ou com outras pessoas que não sejam da família, na transição da fase infantil para adolescência através do início da menstruação para as meninas e da primeira ejaculação para os meninos, notamos que a mãe ainda exerce forte influência e é referida como a principal orientadora quando se trata deste assunto. De acordo com Martins e Faria (2006), a adolescência é um período de grandes buscas e experimentações. Este processo pode ser muito saudável e rico em crescimento pessoal, especialmente se os adolescentes tiverem com quem dividir suas angústias, medos, aflições e dúvidas. Este estudo mostrou que estudantes dos graus oito a 10 (correspondentes ao último ano do ensino fundamental e aos dois primeiros anos do ensino médio, no Brasil) consideram a mãe como melhor orientadora, quando o assunto é sexo/sexualidade. O próximo gráfico indica a idade em que o evento ejaculação/menstruação aconteceu na vida dos adolescentes entrevistados, sendo a idade de 12 a 13 anos a mais prevalente (Gráfico 3). Primeiramente, a análise do gráfico chama a atenção para o grande percentual (mais de 60%) de adolescentes do sexo masculino que dizem não se lembrar ou que não 8 responderam à pergunta “Qual a idade da sua primeira ejaculação?” Isso nos leva a pensar que esse acontecimento, a transição da infância para a adolescência, não tem a mesma importância para os meninos em relação à primeira menstruação para as meninas, levando-se em consideração que o evento é o sinal mais evidente que o corpo está preparado para gerar uma criança. Entretanto, não foi encontrado na literatura estudo que permitisse a comparação desses resultados. Interessante observar que os dados confirmam o que alguns estudos já realizados indicam: atualmente a puberdade chega cada vez mais cedo (NEDEFF, 2003). IDADE DA PRIMEIRA EJACULAÇÃO 30,4% 30,4% 35% 30% 17,5% 25% 20% 10,9% 15% 4,3% 4,3% 2,2% 10% 5% 0% 10 anos 11 anos 10 anos 12 anos 11 anos 13 anos 12 anos 14 anos 13 anos 14 anos Não lembra Não respondeu Não lembra Não respondeu IDADE DA PRIMEIRA MENSTRUAÇÃO 28,6% 23,8% 30% 25% 20% 14,3% 11,9% 9,5% 9,5% 15% 10% 2,4% 5% 0% 10 anos 10 anos 11 anos 11 anos 12 anos 12 anos 13 anos 13 anos 14 anos 14 anos 16 anos 16 anos Não lembra Não lembra Gráfico 3 – Distribuição das respostas dos adolescentes em relação à idade em que o evento ejaculação/menstruação ocorreu em sua puberdade. Cuiabá, 2009. 9 De acordo com a distribuição das respostas dos adolescentes sobre o questionamento de quando o sexo deve acontecer (Tabela 2), pudemos observar que praticamente metade dos adolescentes entrevistados (49,5%) responderam que ele deve acontecer durante o namoro, enquanto apenas 21,0% acreditam que o relacionamento sexual deva acontecer somente após o casamento. Tabela 02 – Distribuição das respostas dos adolescentes de acordo com a opinião de quando o sexo deve acontecer. Cuiabá 2009. Quando o sexo deve acontecer Após o casamento Quando existem planos para o casamento No namoro Sem namoro Nenhuma das questões anteriores Não respondeu Total Nº 20 3 47 14 7 4 95 % 21,0 3,2 49,5 14,7 7,4 4,2 100,0 Além dos resultados já comentados, é importante ressaltar também que 14,7% da população estudada respondeu que o sexo deve acontecer ainda sem o namoro, ou seja, que o compromisso de namoro sério ou casamento não seja necessário existir para que haja relação sexual entre eles. Isso demonstra claramente a liberação sexual ocorrida nas últimas décadas, sendo que o “ficar” de hoje em dia, pode-se dizer, é bem mais avançado do que se imaginava. De acordo com o estudo de Rieth (2002), a população feminina dessa faixa etária liga o sexo ao contexto de um relacionamento amoroso, por isso elegem os namorados como parceiros para experiências sexuais. Elas relatam também que no “ficar” não acontecem relações sexuais, pois se preocupam com sua reputação. Isso significa que valorizam o “namorar” ou o “ficar” várias vezes com a mesma pessoa para que, com isso, as iniciativas masculinas de serem pedidas em namoro aconteçam. Essas são idéias compartilhadas tanto de jovens virgens como as que já se iniciaram na vida sexual. Já pelas declarações dos rapazes na pesquisa da mesma autora, exercer a sexualidade com a parceira remonta ao acúmulo de experiência sexual, ou seja, aprendizagem técnica e a afirmação da virilidade. Os que já se iniciaram sexualmente, dizem terem relações quando “ficam”, embora isso dependa do querer da parceira. Consideram inevitável que o casal mantenha relações sexuais no namoro, pois o sexo seria conseqüência da troca de intimidades. Ainda segundo os meninos, a intenção de transar com a parceira estará sempre presente, independente do tipo do relacionamento, pois é próprio do instinto masculino. 10 Sobre a questão “O que é preciso para ter relação sexual?” as respostas foram apresentadas separadamente de acordo com o sexo dos adolescentes que participaram dessa pesquisa, para que pudéssemos avaliar a diferença na percepção dos gêneros (Gráfico 4). O que é preciso para ter relação sexual: 46,2% 50% 45% 40% 35% 30% 23,1% 19,2% 25% 20% 7,7% 15% 3,8% 10% 5% 0% Amar a parceira Sentir Gostar da Basta ficar com atração/tesão parceira a garota Não respondeu Respostas Masculinas O que é preciso para ter relação sexual: 81,4% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 18,6% 30% 20% 0% 10% 0% 0% Amar o parceiro Sentir atração/tesão Gostar do parceiro Basta ficar com o garoto Respostas Femininas Gráfico 4 – Distribuição das respostas dos adolescentes quanto ao que é preciso para ter uma relação sexual. Cuiabá, 2009. 11 Inicialmente, o instinto sexual para os meninos tem pouco a ver com sentimentos românticos e afetividade, como é para as meninas. O desejo sexual é localizado no órgão genital e é urgente, pois costuma necessitar de rápido alívio. Para as moças, o amor tem prioridade sobre a genitalidade. Apesar de haver hoje algumas exceções a essa afirmação, poucas experimentam o desejo da maneira como a que os rapazes o fazem. Para elas, nem sempre o orgasmo é o objetivo primordial (COSTA et al, 2001). No sexo masculino, a metade dos jovens inicia a vida sexual com namoradas ou eventuais parceiras e cerca de 30% com prostitutas. No sexo feminino, o parceiro da primeira relação sexual em geral é o namorado e, em alguns casos, um eventual parceiro. Infere-se aí que as mulheres, predominantemente, julgam necessário algum envolvimento afetivo para as relações, já os homens não se prendem tanto nesse quesito (COSTA et al, 2001). Entretanto, parece ter havido uma mudança nesse sentido, pois mais de 30% dos adolescentes do sexo masculino referem a afetividade (amar a parceira e gostar da parceira) como elemento importante na vivência da sexualidade. Homens precisam fazer sexo mais vezes que a mulher? Esta é a pergunta cujas respostas estão distribuídas na tabela 3, onde pudemos observar que as respostas com maiores percentuais foram “acho que sim” com 27,5% e “acho que não” com 28,6%, totalizando 56,1% de incerteza. Tabela 03 – Distribuição das respostas dos adolescentes de acordo com a questão: homens precisam fazer sexo mais vezes que a mulher? Cuiabá. 2009. Opinião Acho que sim Acho que não Com certeza sim Com certeza não Não sei Não respondeu Total Nº 25 26 8 15 13 4 91 % 27,5 28,6 8,8 16,5 14,2 4,4 100,0 As mudanças nos valores morais em relação ao sexo se refletiram claramente nas respostas dos adolescentes. Muitos ainda criados por famílias/pais mais conservadores, outros com maior liberdade para tratar deste assunto com seus familiares. É o que foi retratado no estudo de Bozon (2003), onde ele encontrou dois discursos presentes na sociedade, sendo estes contraditórios e coexistentes no que diz respeito às mudanças sexuais. De um lado temos a sexualidade contemporânea que é denunciada porque ela favorece, tanto para homens como para mulheres, oportunidades de terem vários parceiros sexuais. Já o discurso conservador, 12 defende a moral sexual e os valores tradicionais da família. No entanto, pode-se ter uma leitura positiva das transformações contemporâneas e ver nelas uma revolução sexual que, enfim, consagraria o direito ao prazer, à liberação das minorias sexuais, à aproximação das experiências de homens e mulheres e à igualdade sexual entre mulheres e homens. É nesta trajetória afetiva e sexual que se observa, na época contemporânea, as maiores renovações na maneira pela qual as relações de gênero são sexualmente observadas, principalmente pelo fato das mulheres terem transformado suas atitudes frente à sexualidade (BOZON, 2003). A tabela 4 apresenta as respostas dos adolescentes quanto à preferência por casar com alguém virgem ou não. A resposta mais freqüente foi que a virgindade para se casar não faz diferença para a população pesquisada (40,9%). Tabela 04 – Distribuição das respostas dos adolescentes quanto à preferência por casar ou não com alguém virgem. Cuiabá 2009. Preferência Sim, acho importante Não, isso não faz diferença Não, se tivesse sido só o único parceiro de transa Sim, mas só por causa da AIDS Não sabe Não respondeu Total Nº 29 38 7 4 12 3 93 % 31,1 40,9 7,5 4,3 13,0 3,2 100,0 Com a liberação sexual das últimas décadas, os mitos e os tabus existentes em torno da virgindade vêm caindo em desuso como mostra os resultados na tabela. A maioria dos adolescentes respondeu que a virgindade não faz diferença na hora de escolher alguém para se casar, porém uma parte deles afirma que considera importante (31,1%), ao passo que 13,0% disseram não saber responder a questão, demonstrando dúvida sobre o assunto. O estudo de Pinheiro et al (2000) nos diz que os adolescentes, de uma forma geral, tanto do sexo feminino como do sexo masculino, têm respostas bastante parecidas quando se trata de se casar virgem ou não: eles consideram que a virgindade é uma opção pessoal, no entanto afirmam que decidir fazer sexo antes de se casar com alguém é algo benéfico, ou melhor, quase uma condição para que o relacionamento possa vir a ter chances de dar certo. Discursos de adolescentes mostraram que eles não acreditam mais em tradições conservadoras no que diz respeito a esse assunto, pois dizem que são conceitos bastante ultrapassados para a época em que vivemos. 13 Estes resultados são similares aos encontrados em outros estudos que mostram que, apesar da importância dada à virgindade, como um valor moral e que está em constantes modificações às vistas da sociedade, a sua preservação não está mais ligada ao casamento. Atualmente, com a relativa perda do valor remetido à virgindade feminina, se cria um novo modelo de relacionamento entre as gerações mais jovens, como a dos adolescentes de hoje (ANDRADE, 2006). Na tabela 5, mostramos a distribuição das respostas dos adolescentes de acordo com suas opiniões sobre o significado do aborto. Percebemos que a maior parte dos adolescentes tem consciência de que esta prática traz malefícios tanto para a garota, quanto para a criança que ela estiver esperando. Porém, o que nos revela esta questão é que, mesmo eles sabendo que a prática é ilegal, a maioria das garotas fazem o aborto e continuam a transar sem camisinha evidenciado em 42,0% das respostas. Tabela 05 – Distribuição das respostas dos adolescentes quanto ao significado do aborto. Cuiabá. 2009. Significado do aborto É um meio eficaz para interromper a gravidez em qualquer situação É ilegal, mas a maioria das garotas fazem e continuam transando sem se prevenir É uma forma de eliminar uma criança não desejada e que o garoto não quer assumir Ao tentar realizar o aborto pode trazer riscos tanto para a garota como para a criança Não sei Não respondeu Total Nº % 5 5 42 42 8 8 33 33 8 8 4 4 100 100,0 Mesmo havendo uma intensa difusão na mídia a respeito de métodos contraceptivos, o conhecimento, necessariamente, não predispõe a mudança no comportamento dos jovens. Pressupõe-se que o acesso à informação transforme de imediato as práticas sexuais juvenis, instaurando uma conduta de autoproteção que eliminaria possíveis riscos (BRANDÃO e HEILBORN, 2006). Isto confirma o resultado mais agravante de nossa pesquisa, na qual os adolescentes afirmam que, apesar dos riscos, eles ainda continuam mantendo relações sexuais sem se prevenir. Rieth (2002) nos mostra que em 1984, apenas 35,2% dos rapazes na faixa etária de 16 a 19 anos já haviam se iniciado sexualmente, percentual que cresce para 46,7% em 1998. De forma mais significativa, ocorre o crescimento desse percentual entre as mulheres dessa mesma faixa etária: de 13,6% para 32,3%. Desse modo, a atividade sexual dos adolescentes está relacionada à gravidez em idade precoce, fenômeno que está acontecendo numa freqüência cada vez maior, segundo dados do 14 Ministério da Saúde. Estimativas indicam que, no Brasil, cerca de 1.000.000 de adolescentes engravidam todo ano e 10,7% terminam em aborto (SOUZA, et al, 2001). Estudos elaborados por Souza et al (2001), revelam que, entre as adolescentes que abortam 28,0% estão na faixa etária dos 19 anos, enquanto que, 72,5% delas têm de 17 a 19 anos, o que nos remete pensar nas repercussões negativas que estas adolescentes podem apresentar por estarem no início da sua vida reprodutiva. 5. CONCLUSÕES A presente pesquisa teve como principal objetivo descrever o perfil de uma pequena amostra de adolescentes quanto aos seus conhecimentos e percepções do próprio corpo, sexualidade, cultura (tabus) e gênero. Identificamos o pouco conhecimento dos adolescentes quanto aos órgãos sexuais internos e ao produto do ovário. Observamos também que a idade da primeira ejaculação/menstruação para a maioria dos adolescentes está entre 12 e 13 anos de idade, sendo que quase 10% das meninas disseram ter menstruado aos 10 anos, apontando a precocidade da puberdade e o risco de engravidarem cada vez mais cedo se não receberem informações corretas acerca de sua própria sexualidade. A primeira fonte de informação sobre o evento é, em grande parte, a mãe, o que revela a grande importância que a família tem no processo de aprendizagem sexual que os adolescentes precisam desde a infância. Foi identificado também neste trabalho o resultado de algumas questões envolvendo tabus e a diferente percepção dos gêneros, como o que é preciso para se ter uma relação sexual, cujas respostas deixam claro que ainda existe a falta de igualdade entre o comportamento sexual dos adolescentes do sexo feminino e masculino. Observamos a relevância de se conhecer as percepções e atitudes dos adolescentes frente à sexualidade, tendo em vista a grande dificuldade de se abordar o assunto na família e/ou na escola. Os resultados mostram a necessidade da prevenção e promoção da saúde reprodutiva e sexual na adolescência a fim de melhorar o perfil epidemiológico deste grupo etário. Esperamos que a pesquisa possa possibilitar uma atualização/fundamentação da prática de profissionais envolvidos com adolescentes, para que possam promover um processo de aprendizagem compartilhada entre os adolescentes em que os medos, preconceitos e 15 ansiedades relacionados ao tema sejam discutidos e elaborados com base nos conhecimentos científicos, bem como nas vivências individuais. Destaca-se a importância de atuar na instrução de pais e professores para que eles possam trabalhar o tema com seus filhos e alunos, respectivamente. Os resultados também apontam a importância de se criar políticas públicas efetivas voltadas à essa população, aumentando assim o acesso dos jovens à rede para que se desmistifique os tabus da sexualidade e para que se diminua os altos números de gravidez na adolescência (cada vez mais cedo) e AIDS/DSTs nessa faixa etária (cada vez mais comum). 16 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, R. M. B. de. 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