A QUESTÃO EDUCACIONAL NA CONSTITUIÇÃO REPUBLICANA DE
1981
SILVA, João Carlos
Universidade Estadual de Maringá
RESUMO
Este trabalho visa discutir a trajetória da educação brasileira nos textos
constitucionais, privilegiando a Constituição Republicana de 1891. A República (1889)
nasce sob o signo do progresso, da democracia e do pensamento nacionaldesenvolvimentista consubstanciado no ideário positivista de educação. Surge um novo
bloco hegemônico formado pela burguesia urbana emergente e pela aristocracia agrária
instaurando uma nova ordem política e econômica sustentada na crença sistemática da
industrialização e da República como símbolo de prosperidade econômica e bem-estar
social, delineando uma política messiânica salvacionista. Urge um novo ordenamento
jurídico onde o liberalismo, os direitos civis, direitos políticos e o laicismo foram os
principais elementos contemplados, inspirados nos princípios da Declaração dos direitos
do homem e do cidadão (1789). A educação aparece na Constituição de 1891 no
capítulo sobre a Declaração dos Direitos, inserida dentro dos direitos mais genéricos
sem maiores preocupações com os aspectos mais pedagógicos do ensino. O ensino laico
indicava que as oportunidades e o acesso ao ensino eram determinados pelos interesses
individuais, tornando a obrigatoriedade do ensino dispensável. A história da educação
brasileira, vazada nas constituições, é marcada, desde a primeira constituição
republicana, pela ampliação ao máximo dos direitos civis e políticos e pela redução ao
mínimo possível dos direitos sociais.
INTRODUÇÃO
A história constitucional do Brasil tem sido uma importante fonte de estudos e
pesquisas para os profissionais da educação. Para compreender uma importante parte dos
fenômenos educacionais, torna-se indispensável uma leitura atenta da normatização do
ensino e das leis gerais do país.
O Brasil conheceu sete cartas constitucionais. A de 1823, no Império e as
republicanas de 1891, 1934, 1946, 1967 e 1988. Dentro de uma perspectiva ideológica, a
ordenação jurídica de um país consiste no estabelecimento e na fixação de um
determinado feixe de idéias hegemônicas de um período histórico. É um instrumento de
consolidação dos interesses e necessidades das forças políticas em jogo.
Este trabalho visa apresentar um breve panorama sobre a trajetória histórica da
educação no Brasil, tendo como ponto de partida os textos constitucionais, enfatizando a
Carta de 1891. Pretendemos com isso compreender como se deu o processo de
elaboração e normatização sobre o capítulo da educação. Levantaremos os elementos
que determinaram o surgimento da República naquele momento histórico para melhor
situar o nosso estudo.
A QUESTÃO EDUCACIONAL NA CONSTITUIÇÃO REPUBLICANA DE
1891
As décadas finais do Império foram marcadas por profundas transformações
materiais. O trabalho servil é substituído pelo trabalho livre. A cultura do café torna-se,
cada vez mais, a mola propulsora da economia prometendo importantes lucros,
especialmente na Província de São Paulo. Um breve surto industrial e a expansão das
redes de comunicação (ferrovias, portos, telégrafos) produziram um grande incremento
na circulação de riqueza entre as regiões Sul e Sudeste do país.(492) O setor agrário foi
perdendo aos poucos parte de sua influência para a burguesia comercial e industrial
emergente, fato consolidado na década de 30 e 40 deste século. O impulso imigratório,
especialmente entre os anos de 1875 a 1886, trouxe ao Brasil um grande contingente de
europeus, além de uma nova força de trabalho na indústria e os ideais de liberdade e de
progresso.
Foi sobre este pavimento que se assentaram os ideais de liberdade e de democracia
difundidos pela propaganda republicana, em oposição aos princípios monárquicos no
final do século XIX, no segundo império. Os liberais levantaram-se em todo o país, a
favor das reformas constitucionais, pela liberdade econômica, do pensamento e do
ensino.(493) Em direção ao projeto republicano foram transferidas todas as expectativas
salvacionistas, produzindo um contexto messiânico. Em torno da bandeira republicana,
federalistas, abolicionistas e democratas, envolvidos pelos postulados positivistas
agruparam-se em um mesmo bloco político, exigindo a instauração de um governo
republicano.
A abolição da escravatura (1888) foi o golpe fatal nos interesses da aristocracia
agrária, que sustentava o regime monárquico. Favoreceu diretamente as aspirações de
industrialização do país, no caminho da modernização político-econômica. Tinha o
desenvolvimento europeu como paradigma civilizatório a ser seguido.
Segundo FAUSTO (1982):
A abolição e a república podem ser consideradas, neste sentido, como uma espécie
de aggiornamento, que recolocou o Brasil, pouco a pouco, numa posição de maior
destaque na divisão internacional de trabalho e no caminho dos fluxos de capital e de
força de trabalho que se encaminhavam do Velho para o Novo Mundo. (494)
A fundação da República aconteceu sobre os alicerces da idéia de progresso, de
democracia e com o pensamento nacional-desenvolvimentista. Reorganizaram-se as
classes sociais que iriam caracterizar o Brasil no século XX. Surgiu a burguesia urbanoindustrial como classe principal aliada à aristocracia agrária; as camadas médias
formadas por profissionais liberais, militares, pequenos comerciantes, funcionários
públicos e intelectuais e as classes subalternas constituídas por trabalhadores livres do
campo e da cidade.
O novo bloco hegemônico formado pela burguesia urbana e a aristocracia agrária
julgava como projeto social, a crença sistemática na industrialização como condição para
o desenvolvimento, expressado na idéia da República como símbolo de prosperidade
econômica e bem-estar social. Alardearam-se neste momento profecias em torno da idéia
de progresso. A liberdade econômica era chave para os propósitos republicanos que,
amparada no regime republicano, desenhava-se uma política messiânica de salvação
nacional contra o "atraso" econômico e político, instaurando um regime que promovesse
a construção da nação. Todavia, as lutas políticas internas não se colocavam
autonomamente, mas estavam conectadas ao movimento econômico do capital
internacional. Sobre esta relação LEONEL (1994), considera que "(...) enquanto o
nacionalismo defende a unidade nacional acima de qualquer interesse individual, na
prática realiza a internacionalização do capital, que é internacionalização do interesse
individual". (495)
É dentro desta configuração econômica e política que os debates educacionais
aconteceram no âmbito da constituinte republicana de 1891. A educação é logo
associada ao sistema de comunicação com a finalidade de mobilizar o país, visando
construir um pensamento hegemônico republicano.(496)
Destituído o poder monárquico e hereditário, o decreto n° 1 de 15 de novembro de
1889 põe fim à ordem vitalícia, designando um governo temporal apoiado no ideário
republicano, estabelecendo as normas fundamentais que iriam reger a nação. Seu art. 6°
então afirmava os objetivos republicanos: (...) "assegurar o livre exercício dos direitos
dos cidadãos e a livre ação das autoridades constituídas".(497) Delegou-se às antigas
províncias, agora novos Estados federados, a tarefa de auxiliar na "manutenção da ordem
e da segurança pública, defesa e garantia da liberdade".(498) Com a força militar, o
Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, chefe do governo provisório, buscava defender a
unidade nacional em torno dos interesses liberais da economia.
Instalada a Assembléia Nacional Constituinte na mesma data do ano seguinte,
iniciou-se o processo de estabelecimento das regras da ordem republicana. Foram
nomeados 268 membros, em sua maioria formados por médicos, advogados e
engenheiros(499) – um congresso elitista e liberal. Foram necessários apenas três meses
para que aprovassem sem maiores discussões o projeto encaminhado pelo executivo.
Esta Assembléia foi marcada por um forte colorido positivista, imitando preceitos
constitucionais norte-americanos. O nome dado à nação – "República dos Estados
Unidos do Brasil" – sinalizava a influência do americanismo. O sopro positivista agitava
a bandeira nacional, o novo símbolo do país inscrito em seu centro os lemas da "ordem"
e do "progresso".
Finalmente, em 24 de fevereiro de 1891 dá-se a promulgação da Constituição da
República dos Estados Unidos do Brasil, nos seguintes termos: "Nós, representantes do
povo brasileiro, reunidos em Congresso Constituinte para organizar um regime livre e
democrático, estabelecemos e promulgamos (...)". (500)
Composta por 97 artigos a Constituição de 1891 apresenta uma estrutura liberal
com características descentralizadoras. A liberdade aparece como um valor absoluto,
base de todos os outros direitos, subordinando a ela o conjunto dos preceitos
constitucionais. O princípio da igualdade também teve a finalidade de garantir a
concorrência entre os indivíduos. O regime liberal-republicano era concebido como
forma mais sagrada e perfeita da convivência humana. Segundo esta concepção a
desigualdade é fruto natural da evolução dos indivíduos e não resultado da estrutura
econômica. Esta idéia marca a ação de neutralidade que a constituição republicana
assume em relação à educação. O laicismo torna-se a palavra-chave; conforme diz o art.
72 sobre a "Declaração de Direitos":
"Todos são iguais perante a lei".
"Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente
o seu culto (...)".
"Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos".
A igualdade, valor importante para a doutrina liberal, não significava igualdade de
condições materiais. Assim como os homens não são iguais em talentos e capacidades,
conforme considera esta concepção, eles também não podem ser iguais em riquezas. A
posição liberal limitou-se a oferecer a igualdade jurídica, ou seja, igualdade formal de
direitos civis. A igualdade social não fazia parte do rol dos direitos anunciados. Os
direitos sociais, inclusive a educação e saúde, entram na pauta das constituintes como
necessidade fundamental à vida, face às revoluções sociais e políticas, somente no final
do século XIX, início do século XX.
A passagem do Império para a República representou no âmbito da educação, uma
nova orientação pedagógica. Este momento indicava o enfraquecimento da pedagogia
jesuítica, emergindo uma proposta educacional nutrida na concepção da economia livre,
em correspondência com o processo de industrialização. A pedagogia republicana
repousava sobre uma ordem social aberta, livre e democrática. Atribuiu-se à educação o
papel de agente da reforma social através da edificação do Estado liberal, projetado no
século XVIII na Europa. O liberalismo é apresentado pelas forças republicanas como
valor mais sagrado, superior inclusive à educação.
Nesta perspectiva, a Carta de 1891 foi a celebração máxima das liberdades
individuais e das ações locais, consolidando a posição do Brasil dentro da lógica da
economia de mercado. No campo econômico um Estado de vanguarda, no campo social
um Estado com características de neutralidade. O que importava era a institucionalização
e a garantia dos direitos e liberdades dos indivíduos como valor supremo da ordem social
em curso. O acesso ao ensino, nesta perspectiva, é uma conquista determinada pelas
virtudes e interesses individuais. Com isso, a obrigatoriedade do ensino torna-se
dispensável, não aparecendo nas duas primeiras constituições brasileiras. É admissível à
educação apenas preservar esses direitos.
A educação assume enfim, a responsabilidade de disseminar e desenvolver o
espírito cívico, fazendo do Brasil uma nação de cidadãos, ou seja, de homens livres,
longe das amarras de qualquer poder centralizador. No centenário da Revolução
Francesa, o Brasil, à sua moda republicana, revive aqueles princípios, colocando-os
como farol de sua ordenação jurídica.
A educação que aparecia na Constituição de 1824
no título VIII, sobre "As
garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros" é reafirmada na Carta de
1891, no capítulo sobre a "Declaração dos Direitos". São dois momentos históricos que
afirmam a importância da educação inserida nos direitos mais genéricos, não tratando
diretamente dos aspectos pedagógicos. Assim a "gratuidade do ensino primário a todos
os cidadãos"(501) declarada na constituição imperial, caracterizou-se como uma retórica
que propriamente resultado de uma exigência social, não fazendo parte ainda das
políticas sociais regidas pelo Estado.
A Constituição de 1934 deu à educação um tratamento específico, ao lado da
família e da cultura, aparecendo desta vez dentro da esfera social frente às reivindicações
do operariado. A educação como um "direito de todos e dever do Estado", inspirados nos
direitos sociais do século XX, é formulada pela primeira vez no Brasil pela Constituição
de 1967, em seu artigo 176.(502) Coube, finalmente, à Constituição de 1988,
promulgada em clima de muita euforia democrática enfatizar os direitos totais do
cidadão assegurando-lhe os direitos políticos, civis, sociais e coletivos. (503)
Em seu Capítulo IV, art. 35, de nossa primeira constituição republicana, o ensino
aparece dentro das atribuições do Congresso. Educação e política no regime democrático
representativo tornam-se sinônimas. Competia então aos representantes do povo "animar
no país o desenvolvimento das letras, artes e ciências (...)" bem como "(...) criar
instituições de ensino superior e secundário nos Estados; (...)". (504)
Consubstanciado nos princípios da liberdade e dos direitos políticos, proclamados
na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão(505) (1789), na França, a Carta de
1891 anuncia o Estado laico e as garantias dos direitos individuais. FÁVERO (1996),
analisando a presença da educação no bojo das discussões da primeira constituinte
republicana, assevera: "Como decorrência disto tudo, pode-se dizer que a constituinte
avançou no sentido da defesa da plenitude dos direitos civis, ampliou um pouco os
direitos políticos e omitiu-se ante (ou mesmo negou) os direitos sociais". (506)
Em razão das rápidas modificações estruturais engendradas pelo processo de
modernização da economia brasileira no decorrer deste século, a educação, ora é olhada
pelas classes dirigentes com desdém, ora é concebida como primazia para o
desenvolvimento. Sobre este contexto LEONEL (1994) sintetiza:
Além dessas razões gerais, que obrigam cada país a fortalecer sua unidade
nacional e explicar a universalização dos Sistemas nacionais de Educação, as antigas
colônias, agora novas repúblicas, têm outras razões que decorrem dessas. Ao mesmo
tempo que tornam o trabalhador livre, com a abolição da escravatura, e têm necessidade
de submetê-lo ao capital da persuasão, e não mais do chicote, recebem numerosos
contingentes de trabalhadores deserdados de diferentes nacionalidades e, por isso
mesmo, têm necessidade de dissolver todas essas nacionalidades na unidade nacional. A
educação vai representar a solução para todos esses problemas.(507)
O florescimento industrial na Europa produziu dois novos componentes sociais: a
burguesia e o proletariado. Se no final do século XVIII e início do século XIX, a
burguesia foi a classe social revolucionária no mundo alojando-se no poder político e
tomando para si os destinos da história, no final do século XIX e início do século XX,
ela assume um discurso contra-revolucionário(508) como forma de preservar seus
privilégios, oferecendo a escola pública, tornando-a obrigatória a todos e servindo
concomitantemente como instrumento de disseminação do interesse público na
perspectiva do mundo burguês "face à ameaça da nova classe revolucionária".(509)
Encerrada na Europa a luta contra as instituições do Antigo Regime, a burguesia
inicia imediatamente um novo embate, agora contra o proletariado. Diante deste desafio
histórico, implementa-se uma política de concessões, através da expansão escolar, agora
uma escola para todos como direito político do cidadão. Concomitante a esse processo, a
constituinte brasileira de 1934 inicia a discussão sobre o papel do Estado no dever e
obrigação de oferecer educação para todos.(510) Inaugura-se no Brasil a relação entre
educação nacional e progresso, concepção ainda presente em nossos dias. Atribui-se à
educação escolar a tarefa messiânica de salvar o Brasil do atraso e da miséria. É nela que
deve-se buscar a prosperidade social com equilíbrio, através da organização de uma
escola única para todas as classes. A escola deve ser o local onde elas irão se conhecer
aprendendo a respeitarem-se mutuamente.(511)
Em outros termos, a unidade nacional será assegurada por uma ação pedagógica,
dirigida pelo Estado Nacional(512) e concretizada pela escola. A grande tarefa das
constituições republicanas (1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988) foi garantir a
unificação do país, através da expansão escolar com a finalidade de aproximar o Brasil
agrário do Brasil urbano-industrial emergente. Antes mesmo de delinear seus objetivos
programáticos, a escola incorporava uma primeira missão pedagógica: consolidar uma
nova hegemonia em curso. A defesa da escola pública será motivada com a finalidade de
estabelecer uma meta desenvolvimentista, sendo ela condutora deste processo. Deve-se
buscar um consenso nacional em torno dos interesses da classe dirigente, contra qualquer
ameaça ao poder vigente.
Com este propósito, a Constituição de 1934 deu ao ensino um tratamento especial,
criando, pela primeira vez, um Plano Nacional de Educação, objetivando a ampliação ao
máximo da oferta de ensino para conter o crescimento dos movimentos sociais
vinculados aos interesses do operariado. Getúlio Vargas, a caminho do Estado Novo
(1937), realiza todos os esforços pela organização do sistema nacional de ensino,
cooptando o poder da igreja através do ensino religioso, em defesa da pátria, da família,
da segurança e coesão nacional, promulgando na Constituição de 1934, antes não
assegurada, a freqüência obrigatória do ensino.
CONCLUSÃO
Vimos que a ordenação jurídica de um país consiste na fixação daqueles princípios
mais hegemônicos de um determinado momento histórico. A Constituição Republicana
de 1891 inspirou-se nos ideais da "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão".
Tornou legal o Estado laico, que passou a implementar uma política messiânica de
liberalização total do país, em correspondência com as transformações sociais no mundo.
A República nasceu amparada nos ideais de progresso, da democracia e do
pensamento nacional-desenvolvimentista. Foi resultado das mudanças materiais
ocorridas no final do Império, produzindo um contexto de profecias em torno do
progresso.
A Carta de 1891 foi a celebração máxima das liberdades individuais e da
democracia. Instituiu-se uma pedagogia salvacionista sintonizada com a lógica da
economia livre. O que importava neste momento era legalizar os direitos e as liberdades
dos indivíduos. Esses eram os valores considerados mais sagrados da época. O acesso à
educação formal estava subordinada aos princípios liberais, não ocupando uma função
obrigatória. Essa pedagogia sinalizava que o saber era determinado pela capacidade,
interesse e virtude de cada indivíduo.
A primeira Constituição Republicana do Brasil foi um marco importante na
história da educação brasileira. Caracterizou-se pela ampliação máxima dos direitos civis
e políticos e com muita cautela pela redução possível dos direitos sociais. Esta
característica aparece em todas as constituições.
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