FACTORING Bernardo Augusto da Costa Pereira1 RESUMO O presente artigo trata sobre o contrato de factoring, principalmente no Brasil. Seu objetivo foi analisar o desenvolvimento do contrato desde suas origens até os dias atuais, e de tratar de noções essenciais para a compreensão do tema. Pretendeu-se também tratar das diversas modalidades do factoring e de sua relação com as atividades bancárias. Utilizou-se, para tal, atualizada doutrina, jurisprudência e legislação. Observou-se então, que devido à falta de legislação específica sobre o contrato estudado, até o presente momento, as divergências entre os autores são constantes e intensas, tornando o assunto mais complexo. Dentro desse âmbito de divergências, o presente artigo também fixa seu posicionamento. PALAVRAS CHAVE: Contrato. Factoring. Evolução histórica. Divergências. Doutrinárias. ABSTRACT The present article is about the contract of factoring, mainly in Brazil. Its objective was to analyze the development of the contract since its origins until the actual days, and treat of essential notions to the comprehension of the subject. It was intended to treat, as well, of the several modalities of factoring and its relation with banks activities. It was used, for that, actual doctrine, jurisprudence and legislation. It was observed, then, that due to the lack of specific legislation, about the studied contract, until the present time, the divergences between authors are constant and intense, making the subject even more complex. Inside this sphere of divergences, this article also takes its position. Key words: Contract. Factoring. Historical evolution. Doctrinal divergences. 1 Estudante do Curso de Direito do Centro Universitário do Pará – Cesupa. 1 INTRODUÇÃO Este artigo surgiu devido às divergências existentes sobre o contrato de factoring. Divergências essas experimentadas por mim no decorrer do 4ª semestre do curso de direito, quando se estudou o tema. A oportunidade do artigo surgiu durante o GET- Grupo de Estudo Temático, sobre contratos empresariais, onde novas perguntas se fizeram presentes. O presente trabalho contribuirá para a comunidade acadêmica por ser uma fonte de pesquisa confiável e atualizada, tanto para os estudiosos sobre o tema, como para interessados, já que tratará de diversos pontos essenciais para a compreensão do factoring. Mostrar-se-á também o posicionamento da doutrina e dos tribunais pátrios perante o assunto. O objetivo geral é tratar do contrato de factoring, de forma ampla, ao abarcar a sua evolução histórica e modalidades. O objetivo específico, por sua vez, é definir os contornos sobre o que é o contrato de fomento mercantil, frente às constantes divergências existentes. Sua contribuição será visível, já que o tema em questão é abordado normalmente de forma muito breve. 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA Antes de tudo é importante tratar da evolução histórica desse contrato e assim visualizar sua utilidade e importância até os dias atuais. Há divergências doutrinárias sobre o momento em que se teve origem ... enquanto para uns a figura do agente mercantil já era conhecida desde os primórdios da civilização para desenvolver o comércio... inclusive com citações no código de Hamurabi; para outros se tem notícia de que os Fenícios, após dominarem o comércio no Mediterrâneo, chegaram à Península Ibérica e, no século VIII a.C. estabeleceram na região onde atualmente é Portugal um centro comercial que era chamado de “FACTORIA”. As FACTORIAS dos Fenícios tinham como objetivo colocar seu agente mercantil no mercado de destino para desenvolver o comércio e reduzir o risco de operações de comércio, ou seja, os comerciantes confiavam suas mercadorias aos seus agentes para vendê-las em outras praças, bem como pagavam comissões para que esses agentes efetuassem a cobrança de seus créditos e prestar informações sobre outros comerciantes a fim de se conhecer o real risco para a realização de seus negócios. Surgiram assim, os consultores mercantis. 2 2 SANT’ANNA, Valéria Maria. Factoring: fomento mercantil doutrina, prática, jurisprudência. Bauru; São Paulo: EDIPRO 2008. p.10 Roma, seguindo a idéia dos fenícios, instituiu, em áreas estratégicas de seu império, a figura do factor: indivíduo que “se encarregava de fomentar o comércio local, fornecer crédito a outros comerciantes, receber e armazenar mercadorias, pagar e cobrar”. 3 Continuando na linha do tempo, temos seu desenvolvimento na Idade Média, e sua disseminação por outros países, como os do Mediterrâneo.4 A época das Grandes Navegações foi, naturalmente, seu momento de maior disseminação pelo Globo. O período dos descobrimentos, assim como o momento da colonização, permitiu a disseminação de diversos costumes, e o mesmo ocorreu com o factoring. Uma breve pausa para uma explanação. Foi dito que certos autores não consideram a Idade Antiga, como o berço do factoring. Isso se deve ao fato de que ele não era realizado da mesma forma que atualmente. Isso é verdade, mas ainda assim, não se pode negar que o factoring atual, como muito que existe, precisou evoluir e passar por mudanças. Entende-se que a idéia original, bruta, surgiu na antiguidade e foi lapidada pelo evoluir da civilização humana, até assemelhar-se ao contrato atual. ...nos séculos XIV e XV, na Europa, o FACTOR era um agente mercantil representante dos exportadores nas colônias; ele vendia mercadorias a terceiros contra o pagamento de uma comissão. No começo ele custodiava as mercadorias e depois prestava contas aos proprietários. Com o passar do tempo esses representantes passaram a antecipar o pagamento das mercadorias aos seus fornecedores, cobrando, posteriormente, dos compradores. Assim, surgiu o conceito atual de FACTORING: compra do direito de crédito junto a terceiros, produtores e fornecedores.5 Apenas uma ressalva: considerando a necessidade de cumulação da compra de títulos, com prestação de serviços, como se faz no presente trabalho, não se pode considerar o conceito, como fez a autora, atual, mas sim como uma evolução. Momento também essencial para o factoring foi o da relação econômica entre Inglaterra e Estados Unidos, que na época eram metrópole e colônia, respectivamente. Relação esta muito intensa, principalmente devido à produção têxtil. Conforme Valéria Sant’anna. enquanto os Estados Unidos eram colônia da Inglaterra, o comércio têxtil era muito intenso e o FACTOR, além de atuar como representante, consignatário e distribuidor das mercadorias do exportador, era também responsável pela gestão e cobrança das 3 Ibid.; p.10 4 GOMES, Luiz Roldão de Freitas. Contrato. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 367 5 SANT’ANNA, Valéria Maria. Factoring: fomento mercantil, doutrina, prática, jurisprudência. São Paulo: Bauru: EDIPRO, 2008. p. 10-11. faturas. Ou seja, de mero intercambiário entre a Inglaterra e suas colônias, passou a ser consultor de qualidade dos produtos e dos preços praticados, da escolha da clientela e, por fim, também era responsável pela cobrança. Após a independência dos EUA as atividades dos feitores aumentaram, pois o mercado necessitava de profissionais experientes e que conhecessem os compradores para fornecimento de financiamento e de concessão de crédito, e, claro, nada melhor que os feitores para executar essa tarefa6 Demonstrando a importância dos Estados Unidos, foi neste país que surgiu a primeira sociedade de factoring, a William Iselin and Co., fundada em 1808.7 Neste momento “o intermediário propôs comprar à vista o que seus clientes vendiam a prazo”.8Conclui-se também que passou a assumir o risco de não obter o pagamento, assim como o dever de realizar a cobrança do devido. A partir da década de 60, o factoring começa a ser praticado na Europa, por empresas de fomento mercantil norte-americanas, principalmente na Itália, que hoje é a 2ª maior em volume de operações, atrás apenas da Inglaterra.9 No Brasil, a figura do factoring só veio a surgir mais de um século depois, de uma forma, no mínimo, incomum. No Brasil, a faturização teve inicio em 1968. Um funcionário do Banco Central do Brasil, ao examinar relatório de um banco de investimentos de São Paulo, integrante de um conglomerado financeiro, deparou-se com a rubrica factoring, rasurada no lugar de “Financiamento de capital de Giro”, no ativo do balancete da instituição financeira. Submeteu o assunto À Inspetoria Geral de Mercado de Capitais do Banco Central. Ao examinar o relatório, a referida Inspetoria deparou-se com um instituto até então desconhecido, reconhecendo no mesmo uma forma de fornecer capital de giro.10 Outro momento histórico de relevância para o factoring foi a Convenção de Ottawa, realizada em 1988. Seu objetivo era definir claramente os contornos do factoring em relações internacionais. Foi realizada pelo UNIDROIT- Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado, o qual definiu o balizamento do factoring em relações internacionais, da seguinte forma: 6 Ibid., p.11. 7 OLIVEIRA, Fabrício Vasconcelos. Factoring e desconto bancário: estudo comparativo. São Paulo: BH Editora, 2006. p.87 8 SANT’ANNA, Valéria Maria. Factoring: fomento mercantil, doutrina, prática, jurisprudência. São Paulo: Bauru: EDIPRO, 2008.p. 12. 9 WARGAFTIG, Sérgio Nougués. Factoring: um instrumento pouco conhecido. Revista eletrônica de administração, n.1, dez. 2001. Disponível em: <http://www.revista.inf.br/ >. Acesso em 18 jan. 2010. 10 OLIVEIRA, Fabrício Vasconcelos. Op.cit. p. 87 Art. 1 1. Esta Convenção rege os contratos de factoring e a cessão de valores a receber conforme descritos neste Capítulo. 2.Para as finalidades desta Convenção, o contrato de factoring refere-se ao contrato concluído entre uma parte (o fornecedor) e uma outra parte (o representante), nos termos do qual: (a) o fornecedor possa transferir o irá transferir ao representante os valores a receber provenientes de contratos de vendas de bens celebrados entre o fornecedor e seus clientes (devedores) diferentes daqueles para a vendas de bens, adquiridos principalmente para seu uso pessoal, familiar ou residencial; (b) O representante deverá desempenhar no mínimo duas das seguintes funções: -financiamento ao fornecedor, incluindo empréstimos e pagamentos adiantados; -manutenção de contas (livro-razão) relativo aos valores a receber; -cobrança dos valores a receber; -proteção contra inadimplemento do pagamento pelos devedores;11 2.2. CONCEITO E NOÇÕES GERAIS. O factoring é um contrato relativamente novo no Brasil, como observado, e também é conhecido como faturização, fomento mercantil e fomento comercial. Todas essas denominações serão usadas nesse trabalho, apesar de considerarmos inadequada a expressão faturização. Factoring é uma palavra de origem inglesa, formada por “factor” e “ing”. O sufixo “ing” tem o sentido de “fazendo”. “Factor” por sua vez, tem origem no verbo latim “facere”, que significa fazer, fomentar.12 O factoring seria, portanto, aquele que fomenta, que desenvolve. Não há no Brasil uma legislação específica para o factoring, portanto conceituá-lo não é tarefa fácil. Maria Helena Diniz afirma O contrato de faturização do fomento mercantil ou factoring é aquele em que um empresário (faturizado) cede a outro (faturizador), no todo ou em parte, os créditos provenientes de suas vendas mercantis a terceiro, mediante o pagamento de uma remuneração, consistente no desconto sobre os respectivos valores, ou seja, conforme o montante de tais créditos. Daí dizer Waldirio Bulgarelli que a operação de factoring seria a “venda do faturamento de uma empresa à outra, que se incumbe de cobrá-lo, recebendo em pagamento uma comissão”13 11 Convenção Sobre Factoring Internacional da Unidroit. Disponível em: <http://www.fd.unl.pt/>. Acesso em: 18/01/2010, às 20:36 12 LEITE, Luíz Lemos.Histórico, evolução no exterior e no Brasil, aspectos conceituais do factoring. In: SEMINÁRIO SETORIAL DE CAPITAL DE RISCO, FACTORING, JOINT VENTURE E FRANCHISING. Anais... Brasília: Cebrae, 1988. p. 51-58, p.51, citado por, OLIVEIRA, Fabrício Vasconcelos. Ibidem. p. 88. 13 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.739 Da mesma forma entende Waldo Fazzio Junior O factoring ou faturização (fomento) é um contrato misto de compra e venda, desconto e cessão de crédito, pelo qual uma empresa vende a outra seu faturamento a prazo, total ou parcial, sem garantir pagamento dos créditos transferidos, recebendo como preço valor menor que o daqueles, consistindo essa diferença em remuneração da empresa adquirente. Para o faturizado, significa a antecipação de valores de seus créditos; para o faturizador, a compra de ativos por valor inferior. 14 Com todo o respeito devido aos mestres, discordamos de seus entendimentos. Realmente a cessão remunerada de créditos citada faz parte do contrato de factoring, mas este não se esgota aí. A lei nº 9.249/199515, que altera a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas, bem como a contribuição social sobre o lucro líquido e dá outras providencias, em seu artigo 15, §1º, III, d, conceitua o factoring da seguinte forma d) prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos, administração de contas a pagar e a receber, compra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring). Aparentemente a lei pode parecer antiga, e passar a idéia de que o conceito está defasado, contudo, esta lei sofreu diversas alterações, sendo a mais recente devido à Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009, e o conceito supracitado manteve-se. Parte da doutrina também concorda com nosso posicionamento. Por exemplo, Fabrício Oliveira: “Isto posto, entendemos a faturização como o contrato que envolve a transferência de créditos cumulada com a prestação de serviços (convencionais ou diferenciados) por parte de uma pessoa a outra.” 16 Da mesma forma, o Superior Tribunal de Justiça, cuja ementa transcrevemos abaixo17 Ementa: TRIBUTÁRIO. COFINS. BASE DE CÁLCULO. FATURAMENTO/RECEITA BRUTA. ATIVIDADE EMPRESARIAL DE FACTORING. "AQUISIÇÃO DE 14 FAZZIO JUNIOR, Waldo. Manual de direito comercial. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p.537 15 BRASIL, Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995. Disponível em:< http://www.receita.fazenda.gov.br/>. Acesso em: 18 Jan. 2010. 16 17 OLIVEIRA, Fabrício Vasconcelos. Op. cit.. p. 91 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. <http://www.stj.jus.br/>. Acesso em: 18 Jan. 2010. Recurso Especial 776705 / RJ. Disponível em: DIREITOS CREDITÓRIOS". ITENS I, ALÍNEA "C", E II, DO ATO DECLARATÓRIO (NORMATIVO) COSIT 31/97. LEGALIDADE. 1. A Contribuição para Financiamento da Seguridade Social - COFINS, ainda que sob a égide da definição de faturamento mensal/receita bruta dada pela Lei Complementar 70/91, incide sobre a soma das receitas oriundas do exercício da atividade empresarial de factoring, o que abrange a receita bruta advinda da prestação cumulativa e contínua de "serviços" de aquisição de direitos creditórios resultantes das vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços. 2. In casu, cuida-se de mandado de segurança impetrado, em 11.07.1999, em que se discute a higidez do disposto no Itens I, alínea "c", e II, do Ato Declaratório (Normativo) COSIT 31/97, que determinam que a base de cálculo da COFINS, devida pelas empresas de fomento comercial (factoring), é o valor do faturamento mensal, compreendida, entre outras, a receita bruta advinda da prestação cumulativa e contínua de "serviços" de aquisição de direitos creditórios resultantes das vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços, computando-se como receita o valor da diferença entre o valor de aquisição e o valor de face do título ou direito adquirido. 3. A Lei 9.249/95 (que revogou, entre outros, o artigo 28, da Lei 8.981/95), ao tratar da apuração da base de cálculo do imposto de renda das pessoas jurídicas, definiu a atividade de factoring como a prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos, administração de contas a pagar e a receber, compra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (artigo 15, § 1º, III, "d"). 4. Deveras, a empresa de fomento mercantil ou de factoring realiza atividade comercial mista atípica, que compreende o oferecimento de uma plêiade de serviços, nos quais se insere a aquisição de direitos creditórios, auferindo vantagens financeiras resultantes das operações realizadas, não se revelando coerente a dissociação das aludidas atividades empresariais para efeito de determinação da receita bruta tributável. 5. Conseqüentemente, os Itens I, alínea "c", e II, do Ato Declaratório (Normativo) COSIT 31/97, coadunam-se com a concepção de faturamento mensal/receita bruta dada pela Lei Complementar 70/91 (o que decorra das vendas de mercadorias ou da prestação de serviços de qualquer natureza, vale dizer a soma das receitas oriundas das atividades empresariais, não se considerando receita bruta de natureza diversa, definição que se perpetuou com a declaração de inconstitucionalidade do § 1º, do artigo 3º, da Lei 9.718/98). 6. Recurso especial a que se nega provimento. (grifo nosso) A própria ANFAC, Associação Nacional das Empresas de Fomento Mercantil, afirma o seguinte: “A atividade desenvolvida pelo fomento mercantil é caracterizada pela prestação de serviços e pela compra de créditos mercantis (duplicatas ou outros papéis resultantes de uma venda mercantil)...”.18 Embasados na lei, doutrina e jurisprudência não duvidamos em conceituar factoring como: contrato mercantil, onde há transferência de créditos cumulada com prestação de serviços, por parte de uma pessoa jurídica, a empresa de fomento mercantil, para outra pessoa, física ou jurídica. Aquele que transfere os créditos e recebe os serviços é o faturizado, 18 Disponível em: <http://www.anfac.com.br/>. Acesso em: 18 Jan. 2010. enquanto que aquele que presta os serviços e adquire os créditos é denominado de faturizador ou factor. Afirmamos que o faturizado pode ser uma pessoa física ou jurídica. É um ponto onde a doutrina também não é pacífica. Maria Helena Diniz19 afirma que: “o contrato celebrar-se-á entre faturizador e faturizado, ambos empresários, sejam pessoas físicas ou jurídicas...”. Já Waldo Fazzio Junior20: “O factoring ou faturização (fomento) é um contrato misto de compra e venda, desconto e cessão de crédito, pelo qual uma empresa vende a outra seu faturamento...”. A autora defende a possibilidade de o faturizado ser pessoa física ou jurídica, enquanto que o autor admite apenas pessoas jurídicas no papel de faturizado. A nossa postura se embasa no artigo 58 da Lei nº 9532/199721, que afirma: Art. 58. A pessoa física ou jurídica que alienar, à empresa que exercer as atividades relacionadas na alínea "d" do inciso III do § 1º do art. 15 da Lei n.º 9.249, de 1995 (factoring), direitos creditórios resultantes de vendas a prazo, sujeita-se à incidência do imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro ou relativas a títulos e valores mobiliários - IOF às mesmas alíquotas aplicáveis às operações de financiamento e empréstimo praticadas pelas instituições financeiras. O Projeto de Lei da Câmara nº 13/2007 (Projeto de Lei nº3615/2000, na Casa de origem), em sua redação original, trata da possibilidade do faturizado ser tanto pessoa jurídica como pessoa física, desde que realizam atividade econômica, em nome próprio ou oraganizadas. Acontece que o Projeto de Lei citado não é lei, portanto não possui força jurídica. Sendo assim essas especificações de que o projeto trata não podem ser aplicadas no nosso ordenamento jurídico, pelo menos no momento. Vale mencionar que o PL nº 3896/2000 foi apenso ao PL nº 3615/2000, de forma que este passou a tratar do factoring de uma forma geral. Não se deve esquecer, como muitas vezes ocorre, que existe o empresário pessoa física, que deve ter todo o direito de realizar o contrato estudado neste artigo. Conforme ensina Fabio Ulhoa Coelho22 Empresário é a pessoa que toma a iniciativa de organizar uma atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços. Essa pessoa pode ser tanto a física, que emprega seu dinheiro e organiza a empresa individualmente, como a jurídica, nascida da união de esforços de seus integrantes. 19 DINIZ, Maria Helena. Manual de direito comercial. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 739 20 FAZZIO JUNIOR, Waldo. Manual de direito comercial. 6. ed. São Paulo. Atlas, 2005. p.537 21 BRASIL, Lei nº 9532 de 10 de dezembro de 1997. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/> 22 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v.1. p.63 A questão que deve ser digna de atenção é a seguinte: a pessoa física que não exerce atividade empresarial pode ser parte em um contrato de factoring? Esse contrato visa fomentar a atividade empresarial, logo, é certo permitir que uma pessoa física não empresária o pratique? De que forma, uma pessoa física não empresária poderá receber a prestação de serviço da factoring, já que esse é um requisito legal essencial para a existência do contrato? Sem dúvida nenhuma são questionamentos instigantes. A partir do momento que a lei permite que pessoas físicas sejam partes em contratos de factoring, deve-se entender genericamente, todas as pessoas físicas, incluindo aquelas que não exercem atividade empresarial. Apesar de o objetivo do contrato de fomento mercantil, como o próprio nome afirma, seja desenvolver o comércio, auxiliando os que exercem atividade empresária, a lei permite que pessoas físicas, genericamente falando, o exerçam. Logicamente, é necessária a aceitação da empresa de factoring, logo, se esta não quiser contratar com a pessoa física não empresária, não haverá celebração de contrato. Quanto à natureza jurídica do contrato de factoring, consideramos este um contrato autônomo, por possuir características próprias: cessão onerosa de créditos combinada com prestação de serviços. Vale dizer que não há forma societária estipulada para a empresa de factoring e que os títulos de crédito comumente cedidos são: a nota promissória e o cheque pós- datado (popularmente conhecido como cheque pré- datado) O contrato estudado é bilateral, oneroso e atípico. Não se trata de um contrato de adesão, já que é de interesse do faturizado negociar a remuneração da factoring. Nas palavras de Jorge Luis Costa Beber, juiz de direito de Blumenau, Santa Catarina Não se trata, do mesmo modo, de um contrato de adesão, pois quem busca crédito antecipado obviamente negocia o valor da remuneração exigida pela empresa de factoring, deliberando, também, sobre os títulos que serão cedidos, tudo mediante respectivo borderô, preenchido a cada nova operação23 Contrato bilateral é aquele, no qual ambos os contratantes possuem deveres, sendo ambos credores e devedores do outro, já que possuem obrigações recíprocas. Onerosos são os contratos que geram modificação na esfera jurídica patrimonial de ambas as partes, ou seja, ambas se beneficiaram, devido ao encargo suportado pela outra parte. O factoring classifica-se como atípico, pois não disciplinado pelo legislador, ou seja, não possui regulamentação, sendo baseado no princípio da autonomia da vontade. No contrato de adesão, 23 BEBER, Jorge Luis Costa. Contrato de Factoring. Legalidade da Cláusula de Regresso. Agência Nacional de Factoring. Associação Nacional das Sociedades de Fomento Mercantil – Factoring. Disponível em: <http://www.anfac.com.br/>. Acesso em: 29 Jan. 2010. que não é o caso do factoring, conforme mencionado, uma das partes aceita os termos do contrato, o qual foi estabelecido anteriormente, sem sua presença. Tratamos diversas vezes que no factoring há a necessidade da cessão onerosa de créditos combinada com prestação de serviço, para que este contrato fique caracterizado de forma plena. Segundo Caio Mário da Silva Pereira, cessão de créditos é “o negócio jurídico em virtude do qual o credor transfere a outrem a sua qualidade creditória contra o devedor, recebendo o cessionário o direito respectivo, com todos os acessórios e todas as garantias” 24. A cessão pode ser onerosa ou gratuita, é bom frisar. Pode ainda ser “pro soluto” ou “pro solvendo”. cessão pro solvendo é aquela em que o cedente transfere o crédito, mas continua responsável ela solvência do mesmo; cessão pro soluto é aquela em que o cedente transfere o crédito em definitivo ao cessionário, não respondendo pela solvência do mesmo, mas somente pela sua existência no momento e que foi transferido 25 Alguns doutrinadores defendem que, o factoring tem como característica ter sua transferência de créditos de forma “pro soluto”, regra no Brasil. Contudo existe grande debate sobre a possibilidade de ocorrer a transferência em caráter “pro solvendo”. Waldo Fazzio Junior, no seu já citado conceito sobre factoring, defende posicionamento de a transferência de créditos ser somente da forma “pro soluto”, ao afirmar que não há garantia do pagamento dos créditos transferidos, por parte do faturizado. Segundo o autor: “se ocorrer a inadimplência, não tem direito de ação contra o faturizado.26 (pagina 539)”. Já Carlos Roberto Gonçalves afirma que o faturizador “... garante os créditos, pois fica obrigado aos pagamentos, mesmo na hipótese de insolvência dos devedores, salvo disposição em contrário no contrato...” 27. Conclui-se, portanto, que o doutrinador aceita a possibilidade da transferência de crédito ser tanto “pro soluto” como “pro solvendo”, já que a transferência de crédito ficará condicionada a estipulação contratual. Da mesma forma age Maria Helena Diniz, ao mencionar que o factoring representará um financiamento da empresa faturizada, na medida em que o faturizador adquire seus créditos, pagando-os ao faturizado,e assume o risco com a 24 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. In: OLIVEIRA, Fabrício Vasconcelos. Op.cit. p. 113 25 OLIVEIRA, Fabrício Vasconcelos. Op.cit. p. 114 26 FAZZIO JUNIOR, Waldo. Op.cit. p.539 27 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 670 cobrança e o não-pagamento das contas, sem ter direito de regresso contra aquele. Isto é, em caso de falta de pagamento, deverá arcar sozinho com os prejuízos. 28 Ela também afirma que “... por ser contrato atípico, não contém elementos obrigatórios, que não possam ser modificados pelas partes.”29 Interpretando as duas passagens, depreende-se que, através do contrato, as partes podem se valer tanto da forma “pro soluto” como “pro solvendo”. O Projeto de Lei do Senado nº 230, de 1995 e o Projeto de Lei nº 3615, de 2000 (o PL 3869/2000 foi apenso a este), tratam do factoring como prestação cumulativa e contínua de serviços conjugada com a aquisição pro soluto de créditos. O Projeto de Lei da Câmara nº 13/2007 (Projeto de Lei nº3615/2000, na Casa de origem), em sua redação original, mantevese neutro, não especificando modalidades de aquisição de crédito. Defendemos a posição de que, sim, é possível realizar um contrato de factoring tanto de forma “pro soluto”, como “pro solvendo”. Não há lei que impeça isto, sendo que nesse caso insere-se o princípio da liberdade contratual. O Juiz Jorge Beber afirma se assim ocorre de um modo geral no direito contratual, não soa desarrazoado afirmar que em se tratando de contrato de fomento mercantil inexiste qualquer ilegalidade na estipulação por parte do faturizado da sua responsabilidade subsidiária na hipótese de inadimplemento por parte dos sacados dos títulos cedidos para a empresa de factoring. Tal estipulação não é vedada por lei, não atenta contra a ordem pública e atende aos interesses do próprio faturizado, que negociará com o factor um fator de compra (deságio) que melhor atenda aos seus interesses. Acresçase, ainda, que a referida previsão contratual não afronta o princípio da boa-fé, salvante quando cabalmente provado pelo faturizado sua noção equivocada sobre o real teor do regresso ajustado (boa-fé subjetiva).30 No momento que o faturizado cede seus créditos ao faturizador, este não paga o valor integral dos títulos, pois necessita tirar seu lucro. Esse valor é denominado fator de compra, e é citado pelo autor acima. Nada impede que se estabeleça um fator de compra menor, caso haja uma transferência “pro solvendo”, se for de interesse das partes. É importante tratar que nosso código civil de 2002 regulamenta a cessão de créditos em seus artigos 286 ao 298, sendo que no artigo 290 afirma que é obrigatória a notificação do devedor, para q ela tenha eficácia. 28 DINIZ, Maria Helena. Manual de direito comercial. 6. ed. São Paulo. Atlas, 2005. p.742 29 Ibid., p.741 30 BEBER, Jorge Luis Costa. Contrato de Factoring. Legalidade da Cláusula de Regresso. Agência Nacional de Factoring. Associação Nacional das Sociedades de Fomento Mercantil – Factoring. Disponível em: <http://www.anfac.com.br/>. Acesso em: 29 Jan. 2010. Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita. Art. 295. Na cessão por Título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por Título gratuito, se tiver procedido de má-fé. Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor.31 A regra é a cessão de crédito no Brasil ocorrer de forma “pro soluto”, contudo nada impede que ela ocorra em caráter “pro solvendo”, desde que pactuado pelas partes, que exercem sua autonomia de contratar. É o que a lei faculta, e o contrato de factoring não pode ser exceção. Mesmo que tal modalidade seja incomum no Brasil, deve-se lembrar que o contrato de fomento mercantil é relativamente novo em solo pátrio. A “pro credit”, agência italiana, autorizada pela Coface (Compagnie Française d´Assurance pour le Commerce Extérieur), um dos maiores conglomerados financeiros do mundo, trata das modalidades pro soluto e pro solvendo de factoring La fattorizzazione dei crediti può avvenire con le seguenti MODALITA' : FACTORING pro-solvendo: se il factor acquista i crediti con diritto di rivalsa sul cedente nel caso di mancato pagamento da parte del debitore; FACTORING pro-soluto: se il factor acquisisce i crediti in via definitiva, ossia senza diritto di rivalsa in caso di inadempimento del debitore. 32 Encerrando esse sub-tópico, vale dizer que “incidem sobre as atividades de fomento mercantil os seguintes tributos: IR, CSSL, PIS, COFINS, ISS, CPMF E IOF” 33 2.3. MODALIDADES DE FACTORING Antes de tratar das modalidades de factoring, parece-nos adequado, neste momento, mencionar que também há diferenciação entre as prestações de serviços realizadas pela empresa de fomento mercantil, característica essencial para esta operar. O motivo disto é que 31 BRASIL. Código Civil. Disponível em: <http://www.dji.com.br/>. Acesso em: 29 Jan. 2010. 32 Pro-Credit. Website. Disponível em: <http://www.pro-credit.it/>. Acesso em: 29 Jan. 2010. 33 GONÇALVES, Valério Pedroso; SILVA, Luís Antônio da;Operações de factoring e a incidência de IOF: a tributação do IOF sobre operações de factoring. Revista Jurídica. Brasília, v.8, n. 79, p.33-37, jun/jul., 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 31 Jan. 2010. o grande número de modalidades de contratos de fomento mercantil deve-se aos diversos tipos de prestação de serviços ofertados pela empresa de factoring. Segundo o professor Fabrício Oliveira, existem os serviços convencionais e diferenciados. Os serviços convencionais prestados pelo factor dizem respeito à prática de serviços administrativos usuais, tais como organização contábil, avaliação de fornecedores e clientes, análise de crédito, dentre outros; já os serviços diferenciados correspondem à gestão, parcial ou total, da empresa do faturizado pelo factor. Os serviços diferenciais implicam, portanto, em um envolvimento muito maior entre as partes.34 Entendido isso, diversas são as modalidades de factoring existentes, sendo as principais35: factoring convencional, maturity factoring, trustee factoring, factoring para exportação e factoring matéria- prima. Segundo Carlos Alberto Gonçalves, o conventional e o maturity factoring “são as comumente usadas no Brasil”.36 O factoring convencional, também chamado de tradicional ou de factoring com antecipação, possui como característica principal a antecipação de valores. Caso o contrato seja realizado, o faturizado oferece os créditos não vencidos, e ao aceitar, a faturizadora antecipa o valor para seu cliente, antes do vencimento dos títulos negociados, retirando sua margem de lucros. Há uma antecipação de créditos por parte da faturizadora. O maturity factoring é uma modalidade onde não há antecipação de créditos para o faturizado. Este oferece seus títulos ainda por vencer, e será ressarcido por eles na data de vencimento dos próprios. Maturity é uma palavra em inglês que quer dizer “maturidade”, de forma que ao falarmos de maturity factoring, haverá o pagamento para o faturizado , quando os créditos oferecidos alcançarem a sua maturidade, seu vencimento. Por isso também é conhecido como factoring no vencimento ou factoring sem antecipação. Nota-se também que o pagamento destinado à factoring é menor, já que não houve antecipação dos créditos. Continuando, temos o trustee factoring. Trustee é uma palavra inglesa que tem origem na também inglesa “trust”. Esta significa confiança, sendo o trustee, aquele em que se tem confiança. Eis seu significado: fiduciário, síndico, curador. Conclui-se pela própria nomenclatura, que é uma modalidade onde há um forte vinculo entre o faturizado e a empresa de faturização. 34 OLIVEIRA, Fabrício Vasconcelos. Op.cit. p.93 35 Ibid., p.94 36 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.671 Como explica Fabrício Oliveira: “No trustee factoring a faturizadora passa a administrar as contas do cliente assessorando-o na seleção de compradores e na verificação dos riscos, além de comprar créditos decorrentes das vendas”.37 O factoring para exportação, conhecido também por import-export factoring, é uma modalidade onde há maior risco, maior complexidade, já que a operação será em âmbito internacional. Naturalmente a remuneração devida à empresa de factoring será maior. Importante frisar que sendo um dos países signatários da Convenção de Ottawa, citada anteriormente, esta deverá ser observada, por tratar de operações internacionais. Conforme as palavras de Valéria Maria Sant’anna Nessa modalidade, a exportação/importação é intermediada por duas empresas de FACTORING (uma de cada país envolvido), que garantem a operacionalidade e liquidaçãodo negócio. Nesta modalidade são utilizados os instrumentos das espécies anteriores (conventional e maturity), conforme o tipo de negociação.38 Temos no factoring matéria-prima um meio de facilitar o acesso do faturizado à matéria-prima, por “preço certo e determinado”.39 “A FACTORING nesse caso transforma-se em intermediária entre a empresa fomentada e seu fornecedor de matéria-prima”.40 A faturizada, nesta operação, não terá como fomento recursos financeiros, mas matéria-prima/insumo e estoque para sua produção (manufaturização ou industrialização), cujo custo será bancado pelo faturizador junto ao fornecedor que terá, em contrapartida direitos de exclusividade sobre a venda dos produtos oriundos dessa matéria- prima.41 Além dessas existem outras modalidades de factoring, menos comuns ainda, como apontam Fabrício Oliveira42 e Valéria Maria Sant’anna43: Collection type factoring; Intercredit; Open factoring; Undisclosed factoring; Factoring with recourse; Non notification factoring. 37 OLIVEIRA, Fabrício Vasconcelos. Op.Cit, p. 95 38 SANT’ANNA, Valéria Maria. Op.Cit.., p.25-26. 39 OLIVEIRA, Fabrício VasconcelosOp.Cit, p.98 40 SANT’ANNA, Valéria Maria, Op.Cit., p.27 41 DONINI, Antonio Carlos. Factoring. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.40, apud OLIVEIRA, Fabrício Vasconcelos, op.cit , p.97 42 FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial, São Paulo: Saraiva, 1962.. p.92. v.8 ; RIZZARDO, Arnaldo. Factoring. p.35-38, 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. SÁ, Gonçalo Ivens Ferraz da Cunha O factoring e a nova constituição. Revista Direito Mercantil, São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 73, p.100119. 1989 apud OLIVEIRA, Fabrício, Op.Cit, p.98 43 RIZZARDO, Arnaldo. Factoring. p.34-37, São Paulo: Revista dos tribunais, 1997, apud SANT’ANNA, Valéria Maria, op.cit. ,p.26 2.4. FACTORING E ATIVIDADE BANCÁRIA Existe o debate sobre se a empresa de factoring exerce uma atividade bancária, havendo posições doutrinárias diversas. O referido debate, longe de ser exclusivamente acadêmico, possui amplas conseqüências práticas, a saber: a aplicação (ou não) dos privilégios e limitações referentes aos bancos. Assim, caso a faturizadora seja considerada instituição financeira, deve se submeter às regras aplicáveis aos bancos. Essa controvérsia, dada a sua importância, fugiu à seara doutrinária, alcançando o Banco Central do Brasil, além dos tribunais.44 A posição majoritária não considera o contrato em estudo bancário. Da mesma forma, o Superior Tribunal de Justiça, já decidiu em considerar a empresa de factoring uma instituição não financeira, como demonstra a ementa citada abaixo.45 Ementa: CIVIL. CONTRATO DE "FACTORING". JULGAMENTO EXTRA PETITA. EXCLUSÃO DO TEMA ABORDADO DE OFÍCIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. LEI DE USURA. INCIDÊNCIA. LIMITAÇÃO. I. Inexistindo pedido ou recurso, é vedado ao órgão julgador conhecer de ofício de questão referente a direito patrimonial, a saber, a descaracterização do contrato de "factoring", que deve ser excluída do âmbito do julgado, conforme pacificado pela e. Segunda Seção, quando do julgamento do REsp n. 541.153/RS, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, unânime, julgado em 08.06.2005, DJU de 14.09.2005. II. As empresas de "factoring" não se enquadram no conceito de instituições financeiras, e por isso os juros remuneratórios estão limitados em 12% ao ano, nos termos da Lei de Usura. III. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. Não sendo instituições financeiras, as empresas de fomento mercantil não necessitam de autorização prévia do Banco Central do Brasil para realizarem suas atividades. Contudo vale tratar da Circular nº 2.715/96, do Banco Central do Brasil, a qual permitiu que as instituições financeiras realizem operações de créditos, e aporte de recursos à empresas de factoring, conforme transcrevemos abaixo.46 A Diretoria Colegiada do Banco Central do Brasil, em sessão realizada em 28.08.96, com base no disposto no art. 3º, inciso I, da Resolução nº 2.118, de 19.10.94, DECIDIU: 44 45 OLIVEIRA, Fabrício Vasconcelos, op.cit.., p.99 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. <http://www.stj.jus.br/>. Acesso em: 31 Jan. 2010. 46 Recurso Especial 1048341/RS. Disponível BANCO CENTRAL DO BRASIL. Circular nº 2.715, de 28 de agosto de 1996. Disponível em: <http://www.fiscosoft.com.br/>. Acesso em: 31 Jan. 2010. em: Art. 1º Permitir às instituições financeiras: I - a realização de operações de crédito com empresas cujo objeto social, exclusivo ou não, seja a prática de operações de compra de faturamento ("factoring"); II - o aporte de recursos a empresas de "factoring" e promotoras de vendas. Art. 2º Esta Circular entra em vigor na data de sua publicação. Art. 3º Fica revogado o art. 3º da Circular nº 2.511, de 02.12.94. Brasília, 28 de agosto de 1996 Outro ponto onde a definição das empresas de fomento comercial como instituições não financeiras faz-se essencial é em relação aos juros incidentes sobre o factoring. Como visto na jurisprudência anterior: “as empresas de "factoring" não se enquadram no conceito de instituições financeiras, e por isso os juros remuneratórios estão limitados em 12% ao ano, nos termos da Lei de Usura.” Conforme trata o professor Fabrício Vasconcelos de Oliveira47: Assim, o §3º do artigo 1º da Lei da Usura previa que a taxa de juros, quando não convencionada, não podia ultrapassar 6% ao ano; o Código Civil de 1916, em seu artigo 1.062, também previa dispositivo equivalente. Deste modo, por força do dispositivo no artigo 1º, caput da lei da Usura combinado com o §3º de seu artigo 1º e com o artigo 1.062 do Código Civil, não era admissível a estipulação de taxas de juros superiores a 12% ao ano (o dobro da taxa legal), exceção feita às instituições financeiras (... Acontece que isso era aplicado quando o Código Civil de 1916 estava em vigor. O Código Civil de 2002 prevê uma regra nova sobre juros, conforme os artigos 406 e 591, transcritos abaixo.48 Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional. Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual. Conclui-se, portanto, que não se aplica mais a Lei da Usura, para identificar- a taxa de juros, e sim a taxa cobrada pela Fazenda Nacional pela mora no pagamento de tributos 47 OLIVEIRA, Op.cit, p.56. 48 BRASIL. Código Civil. Disponível em <http://www.dji.com.br/> federais. Essa taxa é a referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia, ou seja, a taxa SELIC. Isto se deve ao art.39, §4, da lei nº 9250/1995, que assim dispõe: § 4º A partir de 1º de janeiro de 1996, a compensação ou restituição será acrescida de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir da data do pagamento indevido ou a maior até o mês anterior ao da compensação ou restituição e de 1% relativamente ao mês em que estiver sendo efetuada. Este estudo não objetiva tratar do debate sobre a validade ou não da taxa SELIC como juros de mora. O que interessa para o presente trabalho é o fato de ser essa a taxa aplicada às operações não bancárias, tal qual o factoring. Enquanto que o limite dos juros bancários é aquele definido pelo mercado. CONCLUSÃO Ao término deste trabalho observa-se que o factoring, como esperado, é um assunto polêmico, onde debate doutrinário sobre o tema, que não possui até o momento legislação específica, apesar de ter um projeto de lei tramitando no legislativo, é grande. Existem conflitos doutrinários tanto de civilistas como dos especialistas em direito comercial, e os tribunais superiores fazem sua parte, ao definir contornos seguros para a prática da faturização. A dificuldade se torna maior devido aos diversos tipos de fomento mercantil praticados, e as semelhanças com a atividade bancária, o que, por si só, não caracteriza as faturizadoras como instituições financeiras. Por último, vale ressaltar, o fato de que tramita no legislativo um Projeto de Lei da Câmara, que visa definir os contornos do factoring, o que será de grande valia, pois, como observado, esse contrato gera grandes benefícios para os pequenos e médios empresários, principalmente. REFERÊNCIAS BANCO CENTRAL DO BRASIL. Circular nº 2.715, de 28 de agosto de 1996. Disponível em: <http://www.fiscosoft.com.br/>. Acesso em: 31 Jan. 2010. BEBER, Jorge Luis Costa. Contrato de Factoring. Legalidade da Cláusula de Regresso. Agência Nacional de Factoring. Associação Nacional das Sociedades de Fomento Mercantil – Factoring. Disponível em: <http://www.anfac.com.br/>. Acesso em: 29 Jan. 2010. BRASIL. Código Civil. Disponível em: <http://www.dji.com.br/> _____.Lei Nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995. Disponível em:<http://www.receita.fazenda.gov.br/>. Acesso em: 18 Jan. 2010. _____.Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 776705 / RJ. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/>. Acesso em: 18 Jan. 2010. _____.Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1048341/RS. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/>. Acessado em: 31 Jan. 2010. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. V.1. Convenção Sobre Factoring Internacional <http://www.fd.unl.pt/>. Acesso em: 18 Jan. 2010. da Unidroit. Disponível em: DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. DONINI, Antonio Carlos. Factoring. Rio de Janeiro: Forense, 2002. FAZZIO JUNIOR, Waldo. Manual de direito comercial. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2005. FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1962. v.8 GOMES, Luiz Roldão de Freitas. Contrato. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. GONÇALVES, Valério Pedroso; SILVA, Luís Antônio da. Operações de factoring e a incidência de IOF: a tributação do IOF sobre operações de factoring. Revista Jurídica. Brasília, v.8, n. 79, p.33-37, jun/jul., 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/> Acessado em: 31 Jan. 2010. LEITE, Luíz Lemos. Histórico, evolução no exterior e no Brasil, aspectos conceituais do factoring. In: SEMINÁRIO SETORIAL DE CAPITAL DE RISCO, FACTORING, JOINT VENTURE E FRANCHISING. Anais... Brasília: Cebrae, 1988. p. 51-58 OLIVEIRA, Fabrício Vasconcelos. Factoring e desconto bancário: estudo comparativo. São Paulo: BH Editora, 2006. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 11. ed. Rio de janeiro: Forense, 1992. Pro-Credit. Website. Disponível em: <http://www.pro-credit.it/>. Acessado em: 29 Jan. 2010. RIZZARDO, Arnaldo. Factoring. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. ___________. ___________. São Paulo: Revista dos tribunais, 1997. SÁ, Gonçalo Ivens Ferraz da Cunha e. O factoring e a nova constituição. Revista Direito Mercantil, São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 73, p.100-119. 1989 SANT’ANNA, Valéria Maria. Factoring: fomento mercantil doutrina, prática, jurisprudência. São Paulo: Bauru: EDIPRO, 2008. WARGAFTIG, Sérgio Nougués. Factoring: um instrumento pouco conhecido. Revista eletrônica de administração, n.1, dez. 2001. Disponível em: <http://www.revista.inf.br/>. Acesso em 18 Jan. 2010.