Anais do XIX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178
Anais do IV Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420
23 e 24 de setembro de 2014
AS BIOTECNOLOGIAS E A QUESTÃO DO
APRIMORAMENTO DO HUMANO E SUAS IMPLICAÇÕES
ÉTICAS. ANÁLISE BIOÉTICA.
João Henrique Carneiro Stabile
Faculdade de Filosofia
CCHSA
[email protected]
Prof. Dr. Newton Aquiles von Zuben
Ética, Epistemologia e Religião
CCHSA – Faculdade de Filosofia
[email protected]
Resumo: O presente trabalho tem como finalidade
apresentar a discussão que o termo ‘enhancement’
possibilita em um mesmo meio, o científico. É discutida a questão da dignidade afetada por meios da
biotecnologia, tanto quanto o conceito de natureza
humana.
Busca-se encontrar uma solução para problemas
morais presentes atualmente, e tenta-se justificar os
motivos pelos quais se busca esse aperfeiçoamento.
Assim, trata-se de um trabalho em que o foco se
encontra na discussão do ser digno ou não o aperfeiçoamento do humano.
Apesar de parecer uma maravilha, uma salvação,
uma luz para os problemas que hoje presenciamos,
o uso de tais biotecnologias no homem, sendo esse
uma experimentação da ciência, é condenada por
muitas áreas da própria ciência, como também pela
religião.
A principal preocupação que norteia o livro de Francis Fukuyama, e não só para ele, mas para muitos
outros cientistas, é que o uso desenfreado de tais
biotecnologias, de tais técnicas, na tentativa exorbitante de melhorar e na busca exagerada de um
humano ‘perfeito’, cause a modificação daquilo que
chamam de natureza humana.
Essa preocupação advém de resultados de que o
homem não pode ser aquilo que não é na perspectiva de não poder ser algo diferente do seu ser. A
natureza humana engendra o ser do homem, mas
quais características básicas do ser permanecerão
se essa natureza não puder mais caracterizar o ser
em resultado de uma modificação forçada e de não
livre escolha do homem novo? Outro grande dilema
que se norteia é a questão da não decisão própria
para ser um ser ‘modificado’. Não há a possibilidade
da livre decisão do indivíduo na escolha ou não, na
aceitação ou não, na participação dessas biotecnologias.
Heidegger, na citação de abertura, apresenta a reviravolta do século. O grande medo da sociedade era
que com a revolução industrial o homem se visse
ameaçado pelas máquinas, e que as tecnologias
que estavam surgindo pudessem ser as responsáveis pela transformação do homem em um nada,
inútil, que fosse vulnerável e manipulável pelas tecnologias. Contudo, como o filósofo alemão disse,
"[...] a verdadeira ameaça sempre afligiu o homem
em sua essência”, ou seja, nunca algo externo pode
ser responsável por esse terror, e sim o verdadeiro
temor se encontra dentro do ser, em sua essência,
essência essa de avanço desenfreado na busca do
Palavras-chave: enhancement, natureza humana,
dignidade humana.
Área do Conhecimento: Fenômeno Religioso:
Dimensões Epistemológicas – Ética, Epistemologia
e Religião – PIBIC/ CNPq.
1. INTRODUÇÃO
“A ameaça ao homem não vem em primeira instância das máquinas e aparelhagens potencialmente
letais da tecnologia. A verdadeira ameaça sempre
afligiu o homem em sua essência” (HEIDEGGER,
1957, p. 308) in: [1]. A grande discussão que permeia o nosso século é o enhancement, ou seja, o
aprimoramento do humano. Essa discussão adentra
diversos campos da ciência e vai além, se desvencilhando também no campo religioso.
As biotecnologias são, atualmente, instrumentos
que o homem se utiliza para se permitir adentrar no
ser do homem e, na tentativa de melhorá-lo, alterar
características que não estejam de agrado com o
homem. São meios que tentam modificar o humano
para que se produza um pós-humano que seja melhor, que não sofra, que viva mais, mais feliz e etc.
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sempre melhor ser; está no âmago do homem essa
ameaça, pois é ele mesmo que trabalha e se incentiva a continuar a buscar novas e novas técnicas de
transformação e de melhora do próprio ser.
2. O QUE CHAMAMOS DE NATUREZA
HUMANA
O grande medo suscitado pelo avanço das biotecnologias é a transformação da natureza humana.
Transformação desse conceito em algo vago e impessoal, que não caracterize mais o humano e seja
transformado em um simples conceito que possa
ser esquecido. Contudo, falar desse medo sem caracterizar o que realmente seja a natureza humana
é algo inconcebível.
Fukuyama, em seu livro “Nosso futuro pós-humano.
Consequências da revolução da biotecnologia” apresenta a natureza humana como sendo um conceito importante que fornece bases para a continuidade da espécie. Para ele, natureza humana é: “[...]
juntamente com a religião, o que define nossos valores mais básicos. A natureza humana molda e
limita os tipos possíveis de regime político, de modo
que uma tecnologia poderosa o bastante para remodelar o que somos terá possivelmente consequências malignas para a democracia liberal e a
natureza da própria política.” (FUKUYAMA, 2003, p.
21) [1]
Não só a natureza humana, mas a própria natureza,
para ele, “tem um papel especial em definir para nós
o que é certo e errado, justo e injusto, importante e
desimportante” (FUKUYAMA, 2003, p. 20) [1]. Natureza humana é, assim, a reguladora das nossas
ações, é a delimitadora dos nossos agires, é a responsável por caracterizar as minhas obrigações e
os meus deveres perante a sociedade e perante a
mim mesmo.
Essa ideia de natureza humana como reguladora do
ser, não é uma ideia nova, mas uma ideia que Aristóteles já sustentava, pois para ele as noções de
certo e errado já eram fundadas em uma análise na
natureza humana, para ele, o bem era definido pelos desejos das pessoas, ou seja, o homem era
regulado pela sua natureza, pelo seu ser interior
base. (FUKUYAMA, 2003) [1].
Mas não podemos cair no erro de pensar que somente Aristóteles se deteve nesse assunto e nesse
conceito. Os seus dois predecessores, Sócrates e
Platão, iniciaram um diálogo sobre esse conceito,
que perdurou até a filosofia moderna, onde os filósofos começaram a entrar em desacordo, desfavorecendo as discussões. Todos sustentavam um
conceito diferente de natureza humana, cada um
tinha o seu significado, mas todos discutiam dentro
da real necessidade para a fundamentação dos
direitos e da justiça.
Assim, “a natureza humana [...], não é rigidamente
determinante do comportamento, conduzindo antes
a uma enorme variação na maneira como as pessoas criam filhos, se autogovernam, proveem-se de
recursos e assim por diante. Os esforços constantes
da humanidade por uma modificação cultural de si
mesma são o que conduz à história humana e ao
progressivo crescimento da complexidade e sofisticação das instituições humanas ao longo do tempo.”
(FUKUYAMA, 2003, p. 27) [1]
Pode-se entender com isso que a variação de conceitos definidores desse termo garantem uma liberdade exorbitante aos seres. A cada instante, posso
me assegurar em um conceito diferente e com isso
posso ir me desvencilhando das amarras que me
seguravam em um único conceito de ser, pois “o
que a raça humana é hoje é o produto de um processo evolucionário que vem prosseguindo por milhões de anos, um processo que com alguma sorte
se estenderá muito no futuro. Não há características
humanas fixas, exceto por uma capacidade geral de
escolher o que queremos ser, de nos modificar de
acordo com nossos desejos.” (FUKUYAMA, 2003, p.
20) [1]
Como sustentado acima, o homem não é fruto do
hoje, mas sim de um processo contínuo de milhões
de anos, aonde nesse percurso, vem sendo transformado de maneira natural e artificial para bem ser
o ser dominante vivente do tempo. Fukuyama afirma
que espera que essa transformação, esse processo
evolucionário, perdure no futuro, pois, o homem não
está preparado para se definir por completo no hoje.
Com a variação de conceituação do termo natureza
humana, o homem não consegue se assegurar em
uma única definição e sustentá-la com a sua vivência. O homem, assim, vê-se necessitado de se auto
transformar e de se auto conceitualizar para ser um
ser perfeito.
Apesar de tudo, o autor Huxley, autor do livro ‘Admirável mundo novo’, sustenta que nós homens “deveríamos continuar a sentir dor, ficar deprimidos, ou
solitários, ou sofrer de doença debilitante, tudo porque isso é o que seres humanos fazem durante a
maior parte da sua existência como espécie”
(FUKUYAMA, 2003, p. 20) [1], para ele o homem
tem em sua natureza os sentimentos básicos, e a
não vivência desses sentimentos interfeririam na
natureza humana, que para ele assegura as normas
e as condutas do ser.
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3. O QUE QUEREMOS PROTEGER?
A principal questão que permeia no livro estudado é
o da busca por uma definição do que realmente se
deveria proteger contra as biotecnologias. Fukuyama diz que, “queremos proteger toda a extensão de
nossas naturezas complexas, evoluídas, contra
tentativas de modificação por parte do próprio homem. Não queremos perturbar nem a unidade nem
a continuidade da natureza humana, e por essa via
os direitos humanos que nela se fundam.”
(FUKUYAMA, 2003, p. 180) [1]
O receio para com as biotecnologias é voltado para
a brusca ruptura com a definição de natureza humana do homem. Tem-se o receio de que com as
biotecnologias agindo sobre o humano, esse perderia a sua característica de ser humano.
Essa discussão permeia toda a ciência biomédica,
mas em contraposição a esse receio, “muitos cientistas e pesquisadores diriam que não precisamos
nos preocupar em resguardar a natureza humana,
como quer que a definamos, da biotecnologia, porque estamos muito longe de ser capazes de modificá-la e talvez nunca adquiramos essa capacidade”.
(KUKUYAMA, 2003, p. 181) [1]
Com essas duas citações, temos que o medo da
sociedade é defendido por alguns e atacado por
outros. As biotecnologias hoje são meios que nos
possibilitam selecionar características desejadas e
adaptarmos homens para que possam ser facilmente inseridos em meios desejados. Como exemplo,
temos a discussão de ser digno ou não desejar e
modificar uma criança para que essa seja mais inteligente do que as outras e tenha a oportunidade de
entrar em uma universidade mais facilmente. Esse
exemplo, por exemplo, já nos abriria outro viés que
seria a da diferença social criada pela escolha e
possibilidade, sendo o aumento das discrepâncias
entre ricos e pobres e da diferenciação entre o meu
não escolher ser prejudicado pelo escolher dos outros, pois eles teriam mais oportunidades. Mas esse
caminho não percorreremos. O que nos interessa é
essa dúvida que permeia no ar do ser digno ou não.
A grande ideia defendida por Fukuyama é o do não
ser digno essa modificação, mesmo que essa modificação seja por livre escolha dos responsáveis.
Para ele, a minha liberdade não pode prejudicar a
liberdade do outro de ser livre para não escolher
participar dessa modificação. Além do mais, consequências para a sociedade poderiam surgir de forma inesperada, causando grande mal para todos
nós.
O problema da minha escolha, é que eu não poderia
fazer em relação a mim, não escolho me modificar,
tenho que escolher para o outro, a minha liberdade
de escolha influi diretamente na não liberdade do
outro em aceitar ou não ser modificado. As biotecnologias não afetam o homem de hoje, mas as futuras gerações, os nascituros que virão. Nem mesmo
sabemos quais as consequências que essa tecnologia pode nos trazer, nem se trará, mas ela não
possibilita uma plena aceitação.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Hoje, a biotecnologia avança de modo inesperado,
pois a tecnologia se evolui rapidamente. Apesar
disso, Fred Iklé sustenta que “qualquer tentativa
futura de melhorar eugenicamente a raça humana
seria rapidamente engolfada pelo crescimento natural da população” (FUKUYAMA, 2003, p. 90) [1] e
ainda há cientistas que defendem que “os argumentos de que a engenharia genética conduzirá a consequências inesperadas e talvez nunca produza os
tipos de efeito que alguns esperam, não são suficientes para que nunca venha a ser tentada”
(FUKUYAMA, 2003, p. 93) [1].
Apesar disso, muitos acreditam que os governos
deveriam se posicionar contrários a tais pesquisas,
e que o Estado deveria intervir para controlar e delimitar o caminho dessa busca. Em contra partida, a
ciência não é algo possível de ser controlada, pois
os avanços seguem de forma abstrata e sem controle de paradas.
Fukuyama defende no seu livro que, após apresentar o conceito de natureza humana, sendo aquilo
que nos define e nos torna capazes de ser, que as
biotecnologias não são pesquisas ruins, mas que
podem nos trazer consequências inesperadas que,
não para o hoje, mas para um futuro longe, podem
não ser fáceis de ser controladas.
O ‘enhancement’ é algo favorável se, for utilizado
para o bem comum, para o bem de todos, mas,
atualmente selecionadas castas da sociedade possuem o exclusivo acesso, e com isso, as diferenças
sociais aumentam, causando um mal estar perante
a sociedade.
Apesar de tudo, as biotecnologias são instrumentos
favoráveis ao crescimento do país em vias tecnológicas, mas desfavoráveis em vias de humanizar a
sociedade para um futuro mais humano e digno de
se viver.
5. AGRADECIMENTOS
Agradeço a CNPq por proporcionar a bolsa de estudos que muito contribuiu para a realização desse
trabalho. A Pontifícia Universidade Católica de
Campinas, na pessoa do seu chanceler, Dom Airton
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José dos Santos, por proporcionar e incentivar aos
estudantes de graduação a realização da Iniciação
Científica.
Agradeço aos familiares pelo incentivo e confiança,
e aos amigos pela paciência e ajuda na realização
dessa pesquisa.
E de forma muito especial ao meu orientador Prof.
Dr. Newton Aquiles von Zuben, por ter se disposto a
me orientar nesse trabalho com o seu brilhantismo
profissional e seu vasto conhecimento, agradeço a
paciência e a confiança, além da presença e ajuda
intensa.
6. REFERÊNCIAS
[1] FUKUYAMA, Francis. Nosso futuro pós-humano.
Consequências da revolução da biotecnologia. Rio de
Janeiro: Rocco, 2003.
[2] LEOPOLDO E SILVA, Franklin. “A invenção do
pós-humano”. In: NOVAES, Adauto (org.). A Condição humana: as aventuras do homem em tempos de
mutação. São Paulo, Ed. SESCSR e Ed. Agir, 2009.
[3] PESSINI, Leo. Bioética e o desafio do transhumanismo. Ideologia ou utopia? Ameaça ou esperança?. In: Sujeito na educação e saúde. São Paulo:
São Camilo e Loyola, 2007.
[4] RIFKIN, Jeremy. O século da Biotecnologia. São
Paulo: Makron books do Brasil, 1999. Título original: The
Biotech century, 1998.
[5] SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética. vol. 1 - Fundamentos e Ética Médica. São Paulo: Loyola, 2002.
[6] TESTART, Jacques. O homem provável. Lisboa:
Instituto Piaget, 1994.
[7] ZUBEN, Newton Aquiles von. Bioética e Tecnociências. A saga de Prometeu e a esperança paradoxal.
Bauru: EDUSC, 2006.
7. ANEXOS
Artigo completo em anexo.
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RELATORIO FINAL_João Henrique Carneiro - PUC