BC sucateado
Correio Braziliense
13/06/2003
BC sem dinheiro para fiscalizar bancos
Instituição responsável pela moeda do país não tem dinheiro para atrair profissionais no
mercado e está com sua capacidade de fiscalização comprometida. Diretor do Banco Central
sugere criação de plano de cargos e salários
Vicente Nunes
Da equipe do Correio
Enquanto o Congresso faz um acalorado debate sobre o processo de autonomia do Banco
Central, uma discussão muito mais urgente está passando ao largo da opinião pública: o
sucateamento da instituição que tem a responsabilidade de definir a taxa de juros do país e
encarna o papel de guardiã da moeda brasileira. Sem funcionários suficientes para executar
funções básicas, como a fiscalização do sistema financeiro, e sem dinheiro para atrair bons
profissionais ou até mesmo para implantar o cadastro único de correntistas, fundamental para o
combate à lavagem de dinheiro, o BC pode parar. ''Estamos trabalhando no limite'', diz o diretor
de Administração do banco, João Antonio Fleury Teixeira.
A situação operacional do BC é alarmante. Dos 6.370 funcionários permitidos por lei, o Banco
Central conta hoje com 4.721 servidores. Deles, 842 estão em idade de aposentadoria e
devem sair nos próximos meses, antecipando-se à reforma da Previdência. ''Na verdade, dos
842, cem já se aposentaram nos primeiros meses deste ano'', conta Fleury. Nos próximos três
anos, outros 1,5 mil poderão engrossar a lista de aposentados. Mas não é só.
O BC está enfrentando sérias dificuldades para preencher os cargos vagos. Nos últimos três
anos, o banco realizou concursos para reforçar o quadro de pessoal. No entanto, segundo
Fleury, 33% dos analistas - 225 funcionários - que tomaram posse deixaram as funções em
busca de melhores salários, seja no próprio Executivo, seja na iniciativa privada. No caso dos
procuradores, que exercem função-chave no BC, 59% dos aprovados - 82 pessoas -, também
desistiram de trabalhar no banco.
''Não estamos perdendo somente pessoas experientes. Há uma grande dificuldade para formar
conhecimento dentro da instituição. Boa parte dos novos funcionários está ficando no banco
por apenas seis meses, mas a preparação de um inspetor leva de três a cinco anos'', afirma o
diretor de Administração do BC. ''Estamos diante de um problema institucional muito sério, de
esvaziamento da memória do banco. Por isso, precisamos agir rápido. A saída está na
aprovação de um plano de cargos e salários que equipare os salários iniciais do BC aos de
outros órgãos do governo federal'', emenda.
Rendimentos
Segundo Fleury, o rendimento inicial de um procurador no BC é de R$ 3,9 mil e o de um
analista, de R$ 3,7 mil. Na Receita Federal, o piso salarial a partir deste mês é de R$ 5,5 mil. O
de um delegado da Polícia Federal, R$ 8 mil. No Tribunal de Contas da União (TCU) e na
Advocacia Geral da União (AGU), o piso inicial está em R$ 6 mil. ''É sobretudo para esses
órgãos que estamos perdendo funcionários. Mas também não conseguimos competir com
governos estaduais e municipais'', destaca. No caso da iniciativa privada, há servidores do BC
que se aposentaram ou pediram licença das funções para trabalhar na Bolsa de Mercadorias e
de Futuros (BM&F) ganhando entre R$ 20 mil e R$ 40 mil por mês.
O diretor do BC diz que o projeto de reestruturação funcional do banco já está sendo discutido
com representantes dos funcionários, os ministérios da Fazenda e do Planejamento e com a
Casa Civil. A meta é fixar salário inicial de R$ 5 mil para os analistas, de R$ 6 mil para os
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procuradores e de R$ 2,5 mil para os técnicos. A diretoria do BC também pediu autorização ao
Planejamento para fazer um novo concurso neste ano, mas ainda não obteve resposta.
Na opinião do presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do BC (Sinal), Sérgio Belsito,
o banco não está sucateado apenas pela perda de pessoal. ''A instituição está com o caixa
zerado. Não tem dinheiro para nada'', diz. Do orçamento previsto para este ano, de R$ 1,2
bilhão, o ajuste fiscal promovido pelo governo cortou 18,83%. O BC receberá, ao longo do ano,
R$ 974 milhões, dos quais 81% (R$ 790 milhões) serão gastos com pagamento do pessoal, de
aposentados e pensionistas. ''Analisando a situação real, posso garantir que o BC está à beira
do caos'', afirma.
Restrições
A penúria é tamanha no BC, que o diretor de administração do banco já avisou ao ministro da
Justiça Márcio Thomaz Bastos: para que o cadastro nacional de correntistas de bancos - um
dos pilares para o combate à lavagem de dinheiro no país - saia do papel, o BC terá de receber
um aporte de R$ 12 milhões. Fleury diz mais: ''É inviável, dentro da atual estrutura, que o BC
assuma a fiscalização de mais de 2 mil empresas de factoring e de cartão de crédito.
O diretor garante, porém, que as restrições orçamentárias não estão impedindo que o BC
combata com rigor o crime de lavagem. ''As pessoas só sabem o valor de remessas ilegais de
recursos para o exterior graças ao trabalho do BC'', diz. O presidente do Sinal, que é fiscal do
BC, contesta tal afirmação. Segundo ele, ''muitas remessas irregulares estão sendo feitas por
falta de pessoal para checá-las'', afirma Belsito. ''As falhas também são grandes na fiscalização
dos bancos, quando se trata de o BC defender os interesses dos correntistas'', acrescenta.
Para o sindicalista não há, porém, risco de se repetir a quebradeira de bancos que marcou a
metade da década de 90.
''Com todas as dificuldades, esse é o BC possível, que a sociedade quis. O país está
debatendo o projeto de autonomia do banco, inclusive orçamentária. Esse é um bom momento
para definir o BC que a sociedade quer'', conclui Fleury.
OS NÚMEROS DO ESVAZIAMENTO
O BC tem 4.721 servidores, 26% a menos do que é permitido por lei. 49% dos atuais
servidores terão idade para se aposentar de hoje a 2006. Nos últimos três anos, 31% dos
analistas contratados pelo BC por meio de concursos deixaram a instituição em busca de
melhores salários. O orçamento do BC para este ano caiu 18%, de R$ 1,2 bilhão para R$ 974
milhões, por causa do arrocho fiscal.
NO LIMITE
"Estamos diante de um problema institucional muito sério, de esvaziamento da memória do
banco. Por isso, precisamos agir rápido"
João Antonio Fleury Teixeira, diretor de Administração do Banco Central
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