MEMORIAL DO DENUNCIADO JOÃO PAULO CUNHA ALBERTO ZACHARIAS TORON CARLA VANESSA T.H. DE DOMENICO EMENTA DO MEMORIAL: 1. Denúncia que articula a ocorrência de crime de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato, sem base empírica apta a respaldá-la e desrespeitando o artigo 41 do CPP; 2. Relativamente à corrupção passiva a denúncia assevera: “Em uma dessas reuniões, Marcos Valério, em nome de Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino, ofereceu vantagem indevida (50 mil reais) a João Paulo Cunha, tendo em vista sua condição de Presidente da Câmara dos Deputados, com a finalidade de receber tratamento privilegiado no procedimento licitatório em curso naquela Casa Legislativa para contratação de agência de publicidade” (fls. 5660/1). 2.1. Inexiste em qualquer parte dos autos, a não ser na “cabeça” do ilustre subscritor da inicial acusatória, uma única referência a tal fato (oferecimento da vantagem ilícita), suposição do Chefe do Parquet, que se revela abusiva: “meras conjecturas sequer podem conferir suporte material a qualquer acusação estatal. É que, sem base probatória consistente, dados conjecturais não se revestem, em sede penal, de idoneidade jurídica, quer para efeito de formulação de imputação penal, quer para fins de prolação de juízo condenatório” (Min. Celso de Mello, HC n.º 84.409/SP, DJ 19/08/2005). E ainda: STF, Min. CELSO DE MELLO, HC n.º 72.271, DJ 04/10/1996; GILMAR MENDES, HC n.º 84.768/PE, DJ 27/05/05. 2.2. Afora ser esdrúxula a idéia de que o Presidente da Câmara dos Deputados tivesse recebido R$ 50.000 para favorecer uma empresa em licitação que atingiu a casa dos R$ 10 milhões, a Câmara Federal possuía Comissão de Licitação independente e desvinculada do denunciado, responsável pela contratação e pagamento das empresas citadas na denúncia. Impossibilidade absoluta de o denunciado privilegiar ou beneficiar o Sr. MARCOS VALÉRIO. 3. No que concerne à lavagem de dinheiro a denúncia destaca: “Nessa linha, consciente de que o dinheiro tinha como origem organização criminosa voltada para a prática de crimes contra o sistema financeiro nacional e contra a administração pública, o João Paulo Cunha, almejando ocultar a origem, natureza e o real destinatário do valor pago como propina, enviou sua esposa Márcia Regina para sacar no caixa o valor de cinquenta mil reais em espécie” (fls. 5.661). 3.1 É absurdo supor que alguém que quisesse ocultar um ativo ilícito tivesse 2 mandado sua própria mulher, que se identificou e assinou recibo, para sacá-lo. TRANSPARÊNCIA DO PROCEDIMENTO. Instituição financeira que identificou sem qualquer dificuldade o sacador. 3.2 Recebimento de dinheiro advindo do Partido dos Trabalhadores e sacado por indicação do Tesoureiro do Partido no Banco Rural. Declaração do tesoureiro do partido afirmando cabalmente que o denunciado desconhecia a origem real do dinheiro. Aplicação dos recursos em pesquisas eleitorais totalmente comprovadas. 4. Quanto ao delito de peculato, afirma a denúncia: “A SMP&B, do núcleo Marcos Valério, participou do contrato apenas pra intermediar subcontratações, recebendo honorários de 5% por isso. Referida situação caracteriza grave lesão ao erário, além do crime de peculato. Com efeito, João Paulo Cunha desviou R$ 536.440,55 do contrato n.º 2003/204.0 em proveito do núcleo Marcos Valério da organização criminosa. (...) João Paulo Cunha viabilizou o repasse indevido desse montante em razão da subcontratação total do objeto, pois autorizava expressamente todas as subcontratações” (fls. 5.666). 4.1 Imputação absolutamente desarrazoada e sem base empírica alguma. 4.2 As subcontratações que consubstanciariam o peculato eram previstas contratualmente. Ao contrário do que assevera a denúncia, os pagamentos não dependiam da autorização do denunciado, estes eram efetuados mediante apresentação de notas fiscais vistadas por funcionários da Câmara que conferia o serviço feito e só depois a agência realizava o pagamento. O dinheiro não passava pela Câmara dos Deputados, pela Comissão de Licitação e, muito menos, pelas mãos do denunciado. 4.3 Atipicidade da conduta. Delito que pressupõe a posse do valor, que jamais esteve na esfera do denunciado. Como define HUNGRIA: “o peculato pressupõe no agente a preexistência da legítima posse precária, ou em confiança, da res mobilis de que se apropria, ou desvia do fim a que era destinada. A posse antecedente da coisa e a infidelidade do agente ao seu dever funcional são elementos tradicionalmente incluídos no conceito de peculato” (“Comentários ao Código Penal”, Rio de Janeiro, ed. Forense, Vol. IX, pág. 332). 5. Rejeição da denúncia. I - A DENÚNCIA: 3 A denúncia com relação ao denunciado JOÃO PAULO CUNHA que, neste feito, nunca foi indiciado e, pelos mesmos fatos, foi absolvido pela Câmara dos Deputados por 256 votos, articula a ocorrência dos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato, dividindo as referidas acusações em quatro partes. A primeira destaca: “Em uma dessas reuniões, Marcos Valério, em nome de Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino, ofereceu vantagem indevida (50 mil reais) a João Paulo Cunha, tendo em vista sua condição de Presidente da Câmara dos Deputados, com a finalidade de receber tratamento privilegiado no procedimento licitatório em curso naquela Casa Legislativa para contratação de agência de publicidade” (fls. 5660/1). Depois: “Nessa linha, consciente de que o dinheiro tinha como origem organização criminosa voltada para a prática de crimes contra o sistema financeiro nacional e contra a administração pública, o João Paulo Cunha, almejando ocultar a origem, natureza e o real destinatário do valor pago como propina, enviou sua esposa Márcia Regina para sacar no caixa o valor de cinquenta mil reais em espécie” (fls. 5.661). E ainda: “Iniciada a execução do contrato, João Paulo Cunha desviou R$ 252.000,00 (duzentos e cinqüenta e dois mil reais) em proveito próprio” (...) “o desvio perpetrado por João Paulo Cunha, no período compreendido entre fevereiro de 2004 até dezembro de 2004, alcançou o montante de R$ 252.000,00 (duzentos e cinqüenta e dois mil reais), valor pago ao Sr. Luis Costa Pinto” (fls. 5664). Por fim, diz a denúncia: 4 “A SMP&B, do núcleo Marcos Valério, participou do contrato apenas pra intermediar subcontratações, recebendo honorários de 5% por isso. Referida situação caracteriza grave lesão ao erário, além do crime de peculato. Com efeito, João Paulo Cunha desviou R$ 536.440,55 do contrato n.º 2003/204.0 em proveito do núcleo Marcos Valério da organização criminosa. (...) João Paulo Cunha viabilizou o repasse indevido desse montante em razão da subcontratação total do objeto, pois autorizava expressamente todas as subcontratações” (fls. 5.666). Ao final, se lê a seguinte capitulação jurídica para a imputação criminosa: “Assim procedendo de modo livre e consciente, na forma do art. 29 do Código Penal: João Paulo Cunha, em concurso material, está incurso nas penas do: a.1) artigo 317 do Código Penal Pátrio (recebimento de cinqüenta mil reais); a.2) artigo 1º, incisos V, VI e VII, da Lei n.º 9.613/98 (utilização da Sra. Márcia Regina para receber cinqüenta mil reais); e a.3) 02 (duas) vezes no artigo 312 do Código Penal (desvio de R$ 252.000,00 em proveito próprio e R$ 536.440,55 em proveito alheio);(fls. 5.667)” Estas, eminentes Ministros, nas mais de 130 páginas da inicial acusatória, são as únicas referências ao denunciado. Referências estas, como se verá neste julgamento, que decorre unicamente do fértil imaginário do seu il. subscritor. Nas mais de 40.000 mil páginas que compõem estes autos e, em meses de investigação por parte do Ministério Público Federal, da Superintendência da Polícia Federal, Comissão Parlamentar de Inquérito, Corregedoria da Câmara dos Deputados e Tribunal de Contas da União, jamais se chegou aos fatos conforme a descrição que agora se articula 5 para imputar ao acusado as práticas criminosas já referidas. Aliás, o parecer ministerial exarado sobre a defesa preliminar apresentada pelo denunciado só reforça o abismo probatório ou mesmo indiciário para amparar as acusações absolutamente infundadas. Basta ver que S. Exa. o ilustre e culto subscritor do parecer nas duas páginas e meia referentes a JOÃO PAULO CUNHA se perde na argumentação, confunde coisas, critica à defesa, sugere a indicação de depoimentos que não traduzem a premissa colocada e, no fim, nada conclui. Ao contrário do que sugere S. Exa., -- sem nenhuma razão -- a defesa de JOÃO PAULO CUNHA e todos os depoimentos por ele prestados foram absolutamente coincidentes e uníssonos. O questionamento da credibilidade de suas palavras é leviano e não encontra respaldo nos documentos juntados aos autos. Aliás, apenas alguém sem subsídio é que se socorreria de um argumento, com a devida e maxima venia, deplorável, para justificar a denúncia ofertada. Esquecendo-se que o denunciado foi eleito por 434 votos à Presidência da Câmara dos Deputados, afirma o representante do Parquet de forma absolutamente leviana em sua manifestação: “o Deputado Federal João Paulo Cunha não era um simples parlamentar federal. Não, pelo contrário. Era o Presidente da Câmara dos Deputados, função esta que conseguiu com o apoio de seu partido político e seus líderes (José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Silvio Pereira). Por essa razão, era íntimo do núcleo central da organização criminosa. Ou será que o seu cargo não passou pela aprovação prévia do denunciado José Dirceu” (fls. 10.220). No que importa, quanto às questões trazidas pela defesa há um vazio absoluto! A denúncia, no que diz respeito ao defendente, é, data venia, capenga, desestruturada e não preenche, ainda que 6 minimamente, as exigências do artigo 41 do Código de Processo Penal, comprometendo a sua defesa. E aqui não se trata somente da ausência da descrição pormenorizada dos fatos, é muito pior: falta à acusação suporte em elementos informativos dos autos, donde decorre a manifesta falta de justa causa para a ação penal. O Exmo. Sr. Procurador-Geral da República parte de fatos inexistentes para concluir pela ocorrência de outros absolutamente divorciados da realidade. Contraposto esse cenário, que revela uma acusação canhestra contra o denunciado, está o seu passado: um homem que sempre se dedicou à vida publica, exercendo diversos mandatos (Vereador, Deputado Estadual e Deputado Federal desde 1995) e teve seu trabalho reconhecido quando da sua eleição em 2.003 com aproximadamente 434 votos à Presidência da Câmara dos Deputados, função que exerceu com desenvoltura, determinação e apoio de seus pares, melhorando, em muito, a realização dos trabalhos legislativos. A mesma função pública que o consagrou e da qual o denunciado tem muito orgulho, hoje, de forma absolutamente açodada e irresponsável, é apontada pelo em. Procuradoria Geral da República como meio para o cometimento de crimes. A denúncia, sem embargo da qualidade de seu ilustre subscritor, deve ser rejeitada. II – A RESPOSTA: CORRUPÇÃO PASSIVA – ARTIGO 317, DO CÓDIGO PENAL: I) DA INÉPCIA FORMAL: 7 A imputação trazida na denúncia com referência à corrupção passiva resume-se na seguinte descrição: “Em uma dessas reuniões, Marcos Valério, em nome de Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino, ofereceu vantagem indevida (50 mil reais) a João Paulo Cunha, tendo em vista sua condição de Presidente da Câmara dos Deputados, com a finalidade de receber tratamento privilegiado no procedimento licitatório em curso naquela Casa Legislativa para a contratação de agência de publicidade” (fls. 5.660/1). O delito previsto no artigo 317 do Código Penal, como se sabe, tem o seguinte teor: “Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”. Portanto, além de “solicitar ou receber vantagem indevida ou aceitar promessa de tal vantagem”, “para si ou para outrem”, “direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumila”, deve fazê-lo sempre “em razão de ato inerente à função”. É exatamente este elemento do tipo que falta à descrição da denúncia. Tal ressalva, ao contrário do que pode parecer, não trata de nenhum preciosismo formal, mas da materialização da garantia do direito de defesa do denunciado, que tem o direito impostergável de saber porquê seria ou foi corrompido. A denúncia, de forma superficial, diz apenas que o denunciado, na condição de Presidente da Câmara, recebeu R$ 50.000,00 e, por isso, daria tratamento privilegiado a MARCOS VALÉRIO no procedimento licitatório. Não diz, porém, em que consistiria tal “tratamento privilegiado” e, mais, qual ato seria – ou foi - praticado em razão da função! 8 Com a devida venia, descrição insuficiente e que impõe o reconhecimento da inépcia formal da denúncia. Aliás, para tanto, basta saber que, embora omitido da denúncia, havia uma COMISSÃO ESPECIAL DE LICITAÇÃO destinada apenas à contratação de serviço de publicidade e propaganda (doc. anexo à resposta juntada aos autos). A legalidade de tal procedimento é ressaltada no ofício encaminhado pelo Diretor Geral da Câmara dos Deputados, Sr. SÉRGIO SAMPAIO CONTREIRAS DE ALMEIDA, expedido em 29/11/05 ao Conselho de Ética e Decoro Parlamenter, no qual esclarece: “Indaga-se, primeiramente, uma vez que a Câmara dos Deputados dispõe de uma Comissão Permanente de Licitação, da necessidade de se compor uma comissão especial de licitação destinada apenas à contratação de serviços de publicidade e propaganda. Quanto a este aspecto da questão, de plano há que se ressaltar a existência de norma legal expressa na Lei de Licitações, que autoriza tal procedimento administrativo (art. 6º, XVI e art. 51, caput), que, nas condições particulares do que a Administração pretendia, mostrava-se como o caminho mais natural e eficiente” (doc. anexo à resposta juntada aos autos). Para a contratação daqueles serviços, a avaliação das propostas era de caráter eminentemente técnico e intelectual, necessitando, portanto, que fosse executada por pessoas com capacitação específica e elevado nível de conhecimento sobre a matéria. Daí a nomeação de cinco servidores com formação e currículo funcionais que os apontavam como os mais habilitados no universo da Câmara, para, formando a referida Comissão, emitir avaliação técnica das propostas de modo a selecionar aquela que melhor atendesse às expectativas da Casa e ao interesse público específico no ajuste pretendido. É bom dizer que a referida Comissão era formada por cinco pessoas diferentes, as quais tinham total autonomia e responsabilidade por todo o procedimento licitatório. O denunciado, como 9 Presidente da Câmara, não tinha absolutamente qualquer interferência naquilo que a denúncia diz que privilegiaria MARCOS VALÉRIO. A denúncia silencia sobre o que seria o “tratamento privilegiado” e, ademais, imputa ao denunciado um crime que lhe seria impossível praticar. Afinal, basta olhar com atenção para ver que não havia qualquer “ato inerente à função pública” do denunciado, como adverte CELSO DELMANTO 1 , para que pudesse ser corrompido. No entanto, se a e. ProcuradoriaGeral da República entende diferente e acusa o denunciado do crime de corrupção passiva, tinha que descrevê-lo em sua inteireza. Não o fez, talvez porque não pudesse mesmo escapar da atipicidade da conduta. O certo é que o ilustre Procurador-Geral deixa de descrever uma elementar do tipo como lhe impunha. Afinal: Qual ato privilegiaria Marcos Valério no procedimento licitatório? De que forma o denunciado agiu ou agiria? De fato isto aconteceu? Qual a conduta especificamente praticada pelo denunciado que levaria ao tal privilégio no procedimento licitatório? A denúncia não diz. Impossível defenderse, adivinhando. Como reiteradamente tem advertido este colendo Supremo Tribunal Federal “trata-se, simplesmente, de observar a Constituição. A denúncia tem que descrever o fato, dizer o que ocorreu, quando e em que condições ocorreu, para que haja um mínimo de plausibilidade” (2ª Turma, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, HC n.º 84.388/SP, DJ 19/05/06). Como se destacou no v. acórdão citado, “denúncia imprecisa, genérica, vaga, além de traduzir persecução criminal injusta, é incompatível com o princípio da dignidade humana e com o postulado do direito à defesa e ao contraditório” (2ª Turma, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, HC n.º 84.388, DJ 19/05/06). 1 Código Penal Comentado, ed. Renovar, 5ª ed., pág. 539. 10 Dessa forma, aguarda-se, inicialmente, o reconhecimento da inépcia formal da denúncia com relação ao crime de corrupção passiva. II) DA FALTA DE JUSTA CAUSA (IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO PENAL): A) EM RAZÃO DA FALTA DE BASE EMPÍRICA: Como é público e notório, o denunciado foi largamente investigado perante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do Mensalão, Comissão Parlamentar Mista dos Correios e pela Corregedoria da Câmara dos Deputados e julgado perante os seus pares por ter sacado no Banco Rural R$ 50.000,00, (cinqüenta mil reais). Tal quantia, segundo o denunciado sustentou e provou, foi disponibilizado pelo Partido dos Trabalhadores. Como reconhece e declara o próprio tesoureiro do partido, DELÚBIO SOARES (doc. anexo à resposta juntada aos autos), jamais o denunciado soube da origem real do dinheiro, ou seja, de que seria proveniente de conta corrente de empresa do Sr. MARCOS VALÉRIO. Nunca, jamais, foi dito por quem quer que seja, -- e nem poderia --, ou mesmo existe qualquer documento juntado aos autos que contrarie o fato de o denunciado desconhecer por completo a origem do dinheiro que sempre acreditou provir do Partido ao qual sempre foi filiado. Mais do que isso, não há qualquer elemento que indique que este valor tivesse sido oferecido ou recebido pelo denunciado de MARCOS VALÉRIO. Muito menos que tal dinheiro tivesse qualquer relação com a licitação realizada pela Câmara dos Deputados na Presidência do denunciado. Ao contrário, há de sobejo, provas apresentadas nas investigações realizadas perante a Câmara dos Deputados, como depoimentos colhidos nesses autos que demonstram categoricamente que o dinheiro foi disponibilizado pelo Partido dos Trabalhadores, na pessoa de seu tesoureiro e investido em pesquisas pré-eleitorais do próprio Partido (fls. 978/980, 1876/1879, Declaração de DELÚBIO SOARES juntada com a resposta). 11 A despeito de tudo isto, o MPF, ignorando os fatos como eles são, ofereceu denúncia contra o defendente e, referindo-se ao mesmo saque de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), diz, numa construção sem pé nem cabeça, sem lastro probatório, e com base, unicamente, em sua criação mental, o seguinte: “Em uma dessas reuniões, Marcos Valério, em nome de Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino, ofereceu vantagem indevida (50 mil reais) a João Paulo Cunha, tendo em vista sua condição de Presidente da Câmara dos Deputados, com a finalidade de receber tratamento privilegiado no procedimento licitatório em curso naquela Casa Legislativa para contratação de agência de publicidade. João Paulo Cunha, por seu turno, não apenas concordou com a oferta, como ciente da sua origem criminosa, engendrou uma estrutura fraudulenta para o seu recebimento. Importante destacar que João Paulo Cunha tinha plena ciência da estrutura delituosa montada pela organização criminosa descrita no tópico anterior. Um dos coordenadores da campanha presidencial de 2002, ali teve início seu relacionamento com Marcos Valério, que procurou o núcleo central da organização delitiva para oferecer os préstimos da sua própria quadrilha. Integrante de escol dos Trabalhadores, teve seu nome lançado para uma função estratégica dentro das pretensões do grupo: presidir a Câmara dos Deputados. Referida indicação contou com o aval do núcleo central da organização composta por José Dirceu, Delúbio Soares, Silvio Pereira e José Genuíno. Diante disso, como já descrito, vinculou-se com grande intimidade a Marcos Valério. “Nessa linha, consciente de que o dinheiro tinha como origem organização criminosa voltada para a prática de crimes contra o sistema financeiro nacional e contra a administração pública, o João Paulo Cunha, almejando ocultar a origem, natureza e o real destinatário do valor pago como propina, enviou sua esposa Márcia Regina para sacar no caixa o valor de cinqüenta mil reais em espécie. (...) A licitação na modalidade melhor técnica foi vencida pela empresa SMP&B, de propriedade do grupo de Marcos Valério, tendo o contrato n.º 2003/204.0 12 sido assinado em 31 de dezembro de 2.003 (fls. 5.661). Esta é a fiel narração dos fatos que, segundo a denúncia, consubstanciariam a hipótese criminosa prevista no artigo 317, do Código Penal, ou seja, a corrupção passiva. Eminentes Ministros: com a devida e maxima venia, não se compreende de onde o ilustre Procurador Geral da República tirou esta versão sobre o dinheiro sacado pelo denunciado. E aqui nem se diga que no momento do recebimento da denúncia não se exige tal prova porque no curso da ação penal ela poderá ser produzida. É que no limiar da ação penal deve existir um mínimo de base empírica a sustentar a acusação. Do contrário, teremos a imaginação do MPF, como suporte para a ação penal. Não se pode descuidar da lição deste Pretório Excelso, lembrada pelo e. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE: “Creio ser de Carnelutti a observação acerca de dramático paradoxo do processo penal: para saber se se deve aplicar a pena, é necessário o processo, mas o processo, pelo estigma que acarreta e os constrangimentos que gera já é, em si mesmo, uma pena: assim, com o processo, começa-se por punir aquele de quem se pretende saber se merece ser punido. O paradoxo é quase sempre inevitável, pela impossibilidade de reclamar-se do acusador, para a instauração do processo, certeza do crime e da responsabilidade do acusado, que só para a sentença condenatória é dado exigir. Nem por isso é possível contentar-se com aptidão formal da denúncia – ou seja, que nela se contenha imputação ao denunciado da comissão de um fato penalmente típico, ainda quando, por exemplo, haja prova inequívoca da inexistência do fato ou da autoria de que a afirmação de uma ou de outra sejam mera “criação mental da acusação”, na expressão sempre recordada do Orozimbo Nonato (HC 32.203, Rfor 150/393)” (HC n.º 80.161-7/RJ, DJ 08.09.2000). No caso em discussão, com relação ao denunciado, não existe base para a versão acusatória. Não há amparo em documentos, testemunhas ou no que quer que esteja juntado nestes autos, ou até 13 fora dele, com exceção da imaginação fértil e, data venia, inadmissível do d. subscritor da denúncia. O denunciado sente-se como cera mole nas mãos do ilustre Procurador Geral da República, que dispôs de seu nome e seu cargo como bem quis, sem qualquer lastro probatório. Afinal, é de se perguntar: como pode S. Exa. afirmar sem qualquer elemento concreto que em uma reunião MARCOS VALÉRIO “ofereceu vantagem indevida (50 mil reais) a João Paulo Cunha, tendo em vista sua condição de Presidente da Câmara dos Deputados, com a finalidade de receber tratamento privilegiado no procedimento licitatório em curso naquela Casa Legislativa para contratação de agência de publicidade”? Aliás, cabe perguntar, quando e onde foi a tal reunião? Que tipo de tratamento privilegiado no procedimento licitatório buscava? Não havia uma licitação em curso presidida por uma comissão, da qual não pertencia o denunciado? De que forma o denunciado poderia beneficiá-lo? De quais elementos concretos dos autos S. Exa. extrai esta conclusão fantástica? A denúncia não diz. Não indica um elemento concreto sequer, uma página dos autos para referendar suas assertivas. O denunciado tem o direito de saber, é impossível se defender de uma coisa que não existe. Pior que isto, a denúncia vai mais longe. Quando todos os elementos apontam que a real origem do dinheiro recebido pelo denunciado era por ele desconhecida, uma vez que foi um valor solicitado e disponibilizado pelo Partido dos Trabalhadores, como pode a inicial acusatória afirmar peremptoriamente que “João Paulo Cunha, por seu turno, não apenas concordou com a oferta, como, ciente da sua origem criminosa, engendrou uma estrutura fraudulenta para o seu recebimento”? Com base em que elemento informativo diz isto? E, ainda, afirma que o denunciado “tinha 14 plena ciência da estrutura delituosa montada pela organização criminosa descrita no tópico anterior” e “teve seu nome lançado para uma função estratégica dentro das pretensões do grupo: presidir a Câmara dos Deputados”? Com a devida e maxima venia, tais assertivas extrapolam quaisquer limites! Como o denunciado tinha plena ciência da estrutura delituosa? Se tivesse e fizesse parte dela como sugere covardemente a denúncia ao dizer que ocupava função estratégica dentro das pretensões do grupo, certamente, o ilustre Procurador Geral da Republica não o teria deixado de fora na parte da denúncia que trata da quadrilha. É verdadeiramente imoral, data venia, que se jogue o nome e a carreira política do denunciado de mais de 20 anos, sempre filiado ao mesmo partido político e exercendo relevantes serviços à nação como Deputado Federal na Câmara dos Deputados, no lixo. É bom lembrar que não foram as pessoas apontadas como integrantes da organização criminosa que elegeram o denunciado para a Presidência da Casa Legislativa, mas sim o voto de mais de 434 Deputados Federais, que tem em seu nome uma referência de capacidade e competência. Isto sem dizer que o i. Procurador-Geral da República faz afirmações peremptórias sobre o procedimento licitatório e eventuais vantagens que o denunciado teria trocado com o Sr. MARCOS VALÉRIO -sem dizer quais e em troca do que concretamente – mas, esquece-se de contar na denúncia que i) havia uma comissão de licitação absolutamente independente do denunciado e ii) foi o próprio denunciado tão logo eclodiram os fatos envolvendo a empresa do Sr. MARCOS VALÉRIO, que solicitou ao Tribunal de Contas da União a realização de uma auditoria no referido certame, até hoje não finalizada (doc. anexo à resposta juntada aos autos). Daí porque não se pode admitir esse tipo de afirmação, data venia, leviana e sem qualquer respaldo, apenas para satisfazer a sanha punitiva do Ministério Público que, com a devida venia, resolveu inventar 15 uma versão para os fatos e, assim, construiu a acusação. É bom lembrar que a técnica da denúncia tem sido objeto de análise reiterada por esta Corte Constitucional sempre preocupada com o princípio da dignidade humana e da ampla defesa, impedindo que uma pessoa possa ser levada ao pólo passivo de uma ação penal que não tem qualquer supedâneo fático. As reflexões sobre a matéria são sintetizadas com muita precisão em acórdão da lavra do eminente Min. CELSO DE MELLO, ementado da seguinte forma: “Persecução Penal – Ministério Público – aptidão da denúncia. O Ministério Público, para validamente formular a denúncia penal, deve ter por suporte uma necessária base empírica, a fim de que o exercício desse grave dever-poder não se transforme em instrumento de injusta persecução estatal. O ajuizamento da ação penal condenatória supõe a existência de justa causa, que se tem por inocorrente quando o comportamento atribuído ao réu “nem mesmo em tese constitui crime, ou quando, configurando um infração penal, resulta de pura criação mental da acusação (RF 150/393, Rel. Min. Orozimbo Nonato)” (HC nª. 72.271, DJ 04/10/1996). E agora, com o Min. GILMAR MENDES, se destaca o seguinte: “Quando se fazem imputações vagas, dando ensejo à persecução criminal injusta, está a se violar, também, o princípio da dignidade da pessoa humana, que, entre nós, tem base positiva no artigo 1º, III, da Constituição. Como se sabe, na sua acepção originária, este princípio proíbe a utilização ou transformação do homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas e humilhações” (...) Não é difícil perceber os danos que a mera existência de uma ação penal impõe ao indivíduo. Daí a necessidade de rigor e prudência por parte daqueles que têm o poder de iniciativa nas ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso” (HC n.º 84.768/PE, DJ 27/05/05). Eminentes Ministros, é inexorável 16 a constatação da manifesta falta de justa causa para a acusação que não encontra lastro algum a não ser no fértil imaginário de seu ilustre subscritor. Insista-se: como narrado, os fatos apontados na denúncia simplesmente não existem! É por isso que vale a advertência do eminente Min. CELSO DE MELLO “Na realidade, os princípios democráticos que informam o modelo constitucional consagrado na Carta Política de 1988 repelem qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção, nem responsabilidade criminal por mera suspeita. MERAS CONJECTURAS SEQUER PODEM CONFERIR SUPORTE MATERIAL A QUALQUER ACUSAÇÃO ESTATAL. É que, sem base probatória consistente, dados conjecturais não se revestem, em sede penal, de idoneidade jurídica, quer para efeito de formulação de imputação penal, quer para fins de prolação de juízo condenatório. Torna-se essencial insistir, portanto, na asserção de que “por exclusão, suspeita ou presunção, ninguém pode ser condenado em nosso sistema jurídico-penal”, consoante proclamou, em lapidar decisão, o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo” (RT 165/596, Rel. Des. Vicente de Azevedo, Apud: voto do Min. CELSO DE MELLO no HC n.º 84.409/SP, DJ 19/08/2005). Parafraseando a precisa lição do eminente Min. GILMAR MENDES: na denúncia tal qual lançada “há um forte quid de imaginação e de ausência de elementos de realidade” (voto do e. Min. GILMAR MENDES no HC n.º 84.388, DJ). É exatamente isto. Simplesmente, não há qualquer realidade nos fatos narrados na inicial acusatória. É por isso que o eminente Min. SEPÚLVEDA PERTENCE em v. aresto da Col. Primeira Turma do E. STF, advertiu: “ ... falta de justa causa para ação penal: hipótese que, por imperativo da Constituição, há de abranger tanto a ilegalidade stricto sensu, quanto o abuso de poder, a fim de remediar a indevida instauração de processos penais não apenas por força de denúncias formalmente ineptas, mas também de denúncias arbitrárias e abusivas, porque manifestamente despidas do mínimo necessário de suporte informativo, ou, como sucede no caso, confessadamente baseadas em mera suposição do 17 Ministério Público...” (HC n.º 80.161-7/RJ, DJ 08.09.2000). As lições pretorianas são claras nesse sentido. A aplicabilidade ao caso concreto e inafastável. Eminentes Ministros: Vossas Excelências estão diante da narração de fatos que não encontram ressonância em qualquer elemento dos autos, resultando unicamente da “criação mental” de seu ilustre “inventor”, constatação esta que se repete, como se verá com as demais imputações lançadas contra o denunciado. B) EM RAZÃO DA ATIPICIDADE DELITIVA: O artigo 317, do Código Penal, dispõe: “Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem” Portanto, são elementares do tipo: 1) ser funcionário público; 2) solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela; 3) vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem. Lendo-se e relendo-se a peça acusatória, além de um amontoado de afirmações desconectadas da realidade probatória e aleivosias, não se encontra a imputação criminosa definida e clara com a descrição de todos os seus elementos. Tal fato, como já se disse, além de configurar inépcia da denúncia, só reforça a hipótese que há atipicidade da conduta veiculada na denúncia. É inquestionável que o crime de corrupção passiva só pode ser praticado em razão da função pública, no dizer de CELSO DELMANTO “a solicitação, recebimento ou aceitação deve ser para a prática ou 18 omissão de ato inerente à sua função” (ob. cit.,pág. 633). E acrescenta o saudoso jurista, a denúncia “Deve descrever a relação entre a “vantagem econômica” recebida ou aceita e a prática ou omissão de fato inerente à função pública do agente, sob pena de trancamento da ação penal por falta de justa causa (TRF da 1ª Reg., RT 783/756; TJSP, RT 761/592)” (ob. cit., pág. 635). A jurisprudência é pacífica nesse sentido. Aliás, o Pleno deste Col. Supremo Tribunal Federal, apreciando a matéria, decidiu: “Crime de Corrupção passiva. Art. 317 do Código Penal. A denúncia é uma exposição narrativa do crime, na medida em que deve revelar o fato com todas as suas circunstâncias. Orientação assentada pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que o crime sob enfoque não está integralmente descrito se não há na denúncia a indicação de nexo de causalidade entre a conduta do funcionário e a realização de ato funcional de sua competente. Caso em que a aludida peça se ressente de omissão quanto a essa elementar do tipo penal excogitado. Acusação rejeitada” (Rel. Min. ILMAR GALVÃO, Inq. 785/DF, DJ 07/12/00). No mesmo diapasão, a E. Sexta Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça se pronunciou: “O delito de corrupção passiva, consoante inteligência ministrada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Penal n.º 307-DF – para sua configuração reclama que o funcionário público tenha solicitado ou recebido vantagem indevida ou aceito sua promessa em razão de ato específico de sua função ou cargo, ou seja, ato de ofício (omissivo ou comissivo)” (Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, HC n.º 13.487/RJ, DJ 27/05/2002). No corpo do v. aresto lê-se que, segundo a orientação deste Col. STF, para a configuração do delito tipificado no art. 317, do Código Penal “há a exigência de não ser bastante a solicitação, recebimento ou aceitação de promessa de vantagem indevida pelo funcionário público em razão do exercício de sua função, ainda que fora dela ou antes de seu início. Indispensável se torna, diz o acórdão, “a existência de nexo de causalidade 19 entre a conduta do funcionário e a realização de ato funcional de sua competência” (Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, HC n.º 13.487/RJ, DJ 27/05/2002). Ora, no caso em exame, a denúncia genericamente diz que MARCOS VALÉRIO ofereceu os cinqüenta mil reais ao defendente para que fosse beneficiado na licitação que se fazia na Câmara dos Deputados. Mais do que não dizer que tipo de benefício seria concedido, a denúncia não diz de que forma esse benefício seria dado. E nem poderia, o defendente, em razão de sua função pública, não tinha competência ou independência para conceder qualquer facilidade às empresas concorrentes. Insista-se: havia uma Comissão de Licitação que atuava com absoluta independência, responsável pela escolha da empresa vendedora da licitação, formada por cinco integrantes, todos servidores efetivos da Câmara dos Deputados: RONALDO GOMES DE SOUZA, presidente da CPL; MARCOS MAGNO, consultor legislativo, especialista em propaganda; RUBENS FOIZER FILHO, assessor jurídico do diretor geral da Câmara; FLAVIO ELIAS FERREIRA PINTO, profissional da Secretaria de Comunicação, com experiência em publicidade; e MARCIO MARQUES DE ARAÚJO, na condição de diretor do órgão técnico, responsável pela gestão do contrato (doc. anexo à resposta juntada aos autos). Os atos contratuais foram todos transparentes e, em conformidade com avaliações técnicas e jurídicas rigorosas, sujeitas a controle interno e externo. A responsabilidade pela gestão do contrato foi mantida no âmbito da área afim e cumprindo orientação do Tribunal de Contas da União – TCU - foi nomeado o servidor responsabilizado pela fiscalização do contrato: MARCIO MARQUES DE ARAÚJO. Como se vê, a Comissão de Licitação, não 20 tinha em nenhuma esfera ou assunto a participação do denunciado, sendo formada por um grupo absolutamente heterogêneo e independente. Tudo isto, como parece óbvio, não foi trazido a Vossas Excelências na denúncia. Eminentes Ministros, se como leciona DELMANTO “a solicitação, recebimento ou aceitação deve ser para a prática ou omissão de ato inerente a sua função”, parece evidente que se tomarmos por base a versão acusatória de que se tratava verdadeiramente de um pedido de MARCOS VALÉRIO, este era impossível de ser atendido. Conferir benefícios à empresa concorrente da licitação fugia completamente da função, capacidade e competência do denunciado. Nada poderia fazer, nem se quisesse, para privilegiar MARCOS VALÉRIO. Talvez por isso, a denúncia não tenha conseguido apontar o liame entre o defendente e a suposta conduta tida por ilícita, tendo-o afirmado apenas ilusória e genericamente. Aliás, de forma bastante criativa, ao descrever que “em uma reunião...”. Não se compreende de onde se partiu para “descrever a cena do crime”! Que reunião? Tal prática tem sido repelida sintomaticamente por nossa jurisprudência. A col. Quinta Turma do e. STJ, decidiu no que toca a imputação de corrupção passiva: “Não obstante o entendimento de que, na hipótese de concurso de agentes, é prescindível a exata individualização das condutas dos envolvidos, não se pode aceitar acusação fundada, basicamente, na condição de delegado do paciente, à época dos fatos apurados, sem a indicação de consistente liame entre o paciente e as condutas apontadas como ilícitas. Evidenciando-se o apontado prejuízo à defesa, que se sujeitava a vagas acusações, deve ser reconhecida a inépcia da denúncia no que concerne ao paciente” (Rel. Min. GILSON DIPP, HC n.º 16.924/SP, DJ 22/10/2001). E no voto do eminente Relator, se lê: 21 “...alega-se que, quanto à corrupção passiva na forma continuada, a denúncia não teria descrito o modo, o lugar, o tempo e as circunstâncias nas quais as várias infrações penais teriam ocorrido, limitando-se a repetir genericamente o tipo penal. Não constaria, da mesma forma, qual o montante da vantagem econômica indevida, supostamente recebida pelo paciente, quando e de que forma teria sido paga e por quem. Por outro, não descreveria quais os atos de ofício que teriam sido praticados pelo paciente, com infringência de dever funcional, em razão das tais vantagens recebidas, ainda não descrevendo qual o fato praticado pelo paciente, que constituiria crime de corrupção passiva e quais os deveres funcionais que teria infringido em razão do recebimento das vantagens econômicas indevidas.” (Rel. Min. GILSON DIPP, HC n.º 16.924/SP, DJ 22/10/2001). Concluindo S. Exa., o eminente Ministro: “Penso que assiste razão à impetração. Pelo exame da peça pórtica, parcialmente referida acima, sobressai que não houve concreta descrição de comportamento praticado pelo paciente Hélio Pantaleão. Ao contrário, quanto à corrupção passiva na forma continuada, a ele atribuída, realmente não há descrição do modo, lugar, tempo e circunstâncias em que ocorridas as infrações penais, mas, tão somente, afirmações genéricas no sentido de que o paciente teria recebido vantagens indevidas em razão da função pública que ocupava, tendo praticado atos de ofício infringindo deveres funcionais. O certo é que não foi especificado o valor eventualmente recebido especificamente pelo paciente, a ocasião ou a forma como o mesmo teria se dado. Do mesmo modo, não houve a descrição dos atos de ofício que teriam sido praticados por Hélio Pantaleão, com infringência de dever funcional, relativamente às vantagens recebidas” (Rel. Min. GILSON DIPP, HC n.º 16.924/SP, DJ 22/10/2001). Eminentes Ministros, o julgado trazido à colação retrata exatamente a hipótese dos autos, sem tirar ou por. Aqui também não se encontra a descrição de quais atos de ofício teriam sido praticados pelo denunciado, com a infringência do dever funcional, em razão das tais vantagens recebidas, ainda não descrevendo qual o fato praticado pela denunciado, 22 constituiria o crime imputado ou mesmo o benefício. É muito cômodo o ilustre Procurador-Geral da República simplesmente inventar que “em uma dessas reuniões, Marcos Valério, (...) ofereceu vantagem indevida (50 mil reais) a João Paulo Cunha, tendo em vista sua condição de Presidente da Câmara dos Deputados, com a finalidade de receber tratamento privilegiado no procedimento licitatório em curso naquela Casa Legislativa para contratação de agencia de publicidade” e não dizer, como era seu dever, qual o ato o denunciado praticou ilegalmente em razão da sua função, demonstrando o nexo causal, em desrespeito não só da necessidade da subsunção do fato à norma jurídica, como da própria garantia a ampla defesa! Insista-se, tal obrigação era ainda mais clara, porque havia uma Comissão independente de licitação, sobre a qual a denúncia não descreve nenhuma linha! Premissas equivocadas. Conclusões distorcidas. Ausência de demonstração dos fatos. De fato, uma das empresas de MARCOS VALÉRIO já havia prestado serviços em anterior campanha do denunciado. No entanto, não mantinham, ao contrário do que diz a denúncia, nenhuma relação de amizade ou intimidade. Aliás, nem o depoimento de FERNANDA KARINA, aquela secretária que sabe e vê tudo, diz o contrário. No exercício da Presidência da Câmara, percebendo a insatisfação de alguns com a empresa que cuidava da publicidade da Casa Legislativa, o denunciado decidiu promover uma pesquisa entre funcionários e Deputados, o que culminou com a decisão de se realizar novo procedimento licitatório para troca do serviço prestado. Daí porque, todas as providências legais necessárias para a contratação da empresa de publicidade da Câmara dos Deputados no biênio seguinte (2.004/2.005), foram tomadas. A primeira delas foi a formação de uma COMISSÃO DE LICITAÇÃO absolutamente independente, 23 responsável por todas as etapas do certame, composta por cinco pessoas. Da licitação participaram oito empresas. A ausência de questionamentos das concorrentes quanto a legalidade e licitude dos atos praticados pela Comissão demonstra o acerto dos Atos Admnistrativos realizados quando da disputa licitatória, bem conduzida pelo Presidente da Comissão Permanente de Licitação da Câmara dos Deputados, o servidor Ronaldo Gomes de Souza, que também presidiu, naquela oportunidade a Comissão Especial. Aqui, é bom frisar. O denunciado não tinha qualquer interferência, ingerência, comando ou poder de decisão sobre referida comissão. Daí porque, jamais poderia conferir a quem quer que seja “tratamento privilegiado no procedimento licitatório”. Insista-se: nada poderia oferecer. Talvez seja por isso que a denúncia tenha afirmado apenas genericamente que a vantagem oferecida e paga pelo sr. MARCOS VALÉRIO seria para receber um “tratamento privilegiado”. Insista-se: qual tratamento? Para qual finalidade? Na função pública que exercia tinha poderes para facilitar ou favorecer o Sr. MARCOS VALÉRIO? Ora, como já se destacou, é imprescindível a existência de nexo de causalidade entre a conduta do funcionário e a realização de ato funcional de sua competência” (Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, HC n.º 13.487/RJ, DJ 27/05/2002). Aqui, não há o nexo causal e, tampouco, era da competência funcional do denunciado a pratica de qualquer ato pelo qual pudesse ser corrompido. Nesse sentido já decidiu o E. Tribunal de Justiça de São Paulo ao deixar expresso que “não se pode aceitar denúncia oferecida contra funcionário público sem a indicação de qual é o ato funcional vinculado à suposta vantagem indevida”(TJSP, HC nº 261.928, Rel. Des. Gonçalves Nogueira, JUBI 30/99 – Apud: “Código Penal Comentado”, GUILHERME DE SOUZA NUCCI, ed. RT, 2002, pág. 882). Em aresto conduzido pelo preclaro ALBERTO SILVA FRANCO, ficou assentado e com muita propriedade: 24 "Num processo de tipo acusatório não se compreende que o objeto da acusação fique ambíguo, indefinido, incerto ou logicamente contraditório pois é ele que estabelece os limites das atividades cognitiva e decisória do juiz". ( AC n.º 184.801, j. 28.9.78, v.u.). Aqui, eminentes Ministros, a ilegalidade acusatória vai muito além da inépcia, maculando a própria tipicidade delitiva, devendo a denúncia ser rejeitada. Bem se sabe que nessa fase, ou seja, do recebimento ou não da denúncia, sobrepõe-se ao in dubio pro reu, o princípio do in dubio pro societate, aplicável sempre quando há “fato típico e ilícito” (TRF 3ª Região, 5ª T., RCCR 2377, Rel. Des. RAMZA TARTUCE, DJU 12.11.2002, p. 386) o que, como se destacou, não existe na hipótese vertente. Aliás, a Corte Especial do Col. Superior Tribunal de Justiça, já decidiu que “o momento também não se presta ao exame da culpabilidade ou de outra forma de exclusão de criminalidade, pois a questão é restrita à verificação de eventual atipicidade do fato...” (APN 195, Rel. Min. GILSON DIPP, DJU 15/09/2003). E ainda a Col. 6ª Turma do STJ, reafirmou o mesmo entendimento que “... com a decisão prelibatória de recebimento da denúncia, na qual o juiz, no verbo comum da doutrina e da jurisprudência, somente deve verificar se o fato imputado ostenta, primus ictus oculi, tipicidade penal, à luz, de resto, a servir-lhe de limite...”(Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, Resp n.º 295.215, DJU 19/12/2002, p. 461 – cf. fls. 1918). No caso em exame, o i. Procurador-Geral da República, perdendo-se em ilações, deixou de descrever o fato típico, restringindo-se a colocar o tipo penal que se pretende ver aplicado a uma conduta virtual, daí porque, a denúncia pode e deve ser, desde logo, rejeitada. 25 DA LAVAGEM DE DINHEIRO -ARTIGO 1º, INCISOS V, VI E VII, DA LEI N. 9.613/98: I) DA INÉPCIA FORMAL: Diz o diploma legal: “Art. 1º - ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime: V- contra a administração publica, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a pratica ou omissão de atos administrativos; VI – contra o sistema financeiro nacional; VII – praticado por organização criminosa. Descreve a denúncia: “... consciente de que o dinheiro tinha como origem organização criminosa voltada para a prática de crimes contra o sistema financeiro nacional e contra a administração pública, o João Paulo Cunha, almejando ocultar a origem, natureza e o real destinatário do valor pago como propina, enviou sua esposa Márcia Regina para sacar no caixa o valor de cinquenta mil reais em espécie” (fls. 5.661). Independentemente da dificuldade de o denunciado se defender de fatos que não tem qualquer base empírica, o que se discutirá adiante, também com relação à descrição da lavagem de dinheiro, a denúncia desatende a exigência contida no artigo 41 do CPP. É que, como se verifica facilmente, os elementos do tipo não foram descritos de molde a se conhecer todas as suas circunstâncias. Como tem decidido este colendo Supremo Tribunal Federal “não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que a análise de qualquer peça acusatória apresentada pelo Ministério Público impõe que nela se identifique, desde logo, a narração objetiva, individuada e precisa do fato 26 delituoso, que deve ser especificado e descrito, em todos os seus elementos estruturais e circunstanciais, pelo órgão estatal da acusação penal” (2ª T., HC n.º 84.409/SP, DJ 19/08/2005) Se é assim, é fácil perceber que não foram descritos como deveriam os elementos típicos da prática imputada, causando prejuízo irreparável à defesa do denunciado. Em primeiro lugar, não custa lembrar que não fosse a pequena indicação entre parênteses contida apenas no final da denúncia após a capitulação jurídica, na qual se lê a “utilização da Sra. Márcia Regina para receber cinqüenta mil reais” (fls. 5.667), seria difícil identificar em qual ponto da narrativa se encontra a descrição do delito de lavagem de dinheiro. A propósito, em memorável aresto da lavra do saudoso Ministro SOARES MUÑOZ este Col. Supremo Tribunal Federal, com a sua mais alta autoridade, deixou assentado o seguinte: "O apelante defende-se da imputação concretizada em fatos, tais como são narrados na denúncia. Cerceada é a defesa, se a acusação é vaga e imprecisa. Daí salientar, com acerto, Borges da Rosa:«a denúncia é uma exposição narrativa e demonstrativa. É narrativa, porque deve revelar o fato com todas as suas circunstâncias, isto é, não só a ação transitiva, como a pessoa que a praticou (quis), os meios que empregou (quibus auxiliis), o mal que produziu (quid), os motivos que o determinaram a isso (cur), a maneira por que o praticou (quomodo), o lugar onde o praticou (ubi), e o tempo (quando). É demonstrativa, porque deve dar as razões de convicção ou presunção da criminalidade do fato praticado e fazer a indicação das provas» (Comentários ao Código de Processo Penal, págs. 128/29, 3ª edição atualizada por Angelito A. Aiquel)". RTJ 110/110; obs.: ementa na p. 107. Desse modo, não basta afirmar que o denunciado recebeu um dinheiro ilícito e, mandando sacá-lo na agência bancária da conta-corrente da empresa de seu corruptor, praticou lavagem de dinheiro. 27 Fosse diferente, tudo seria lavagem de dinheiro. Não é assim. Como leciona RAUL CERVINI há “três grandes fases na conduta de lavagem de dinheiro”: 1) a primeira delas é a fase de “ocultação, onde o dinheiro obtido diretamente com a atividade criminosa passa por sua primeira transformação, visando conseguir uma menor visibilidade. A criminalidade organizada, principalmente o mercado de droga, produzem grandes quantidades de dinheiro em espécie, um alto volume de pequenas notas, além de objetos de valor. Assim, o criminoso necessita transformar esse conjunto de capitais em correspondentes quantias mais manejáveis e menos visíveis (...); 2) Com a posse do dinheiro já manipulado, tem início a segunda fase: a “cobertura” ou “fase de controle”. O objetivo principal do agente é distanciar ao máximo o dinheiro de sua origem, apagando os vestígios de sua obtenção. Durante todo o tempo o dinheiro é controlado, e para tanto entra em cena uma complexa rede de operações econômico-financeiras, numa cascata e negócios jurídicos envolvendo pessoas e instituições. São comuns múltiplas transferências de dinheiro, compensações financeiras, manipulação das bolsas, remessas aos paraísos fiscais, superfaturação das exportações etc. 3) Finalmente, o dinheiro deve retornar ao normal circuito econômico: é chamada “fase da integração”. Nesse momento o agente converte o dinheiro “sujo” em capital lícito, adquirindo propriedades e bens, pagando dívidas, constituindo empresas e estabelecimentos lícitos, financiando atividades de terceiros, concedendo empréstimos, além de inverter parte do capital na prática de novos delitos” (ob. cit., p. 321/1). Eminentes Ministros, em qual parte da denúncia está descrita a lavagem de dinheiro? Será que dizer que o denunciado recebeu dinheiro consciente de sua ilicitude e “almejando ocultar a origem, natural e o real destinatário do valor pago como propina”, mandou sua mulher para sacar o dinheiro no caixa, satisfaz a exigência de descrever todas as circunstâncias do delito? 28 É evidente que não. Aqui, na linha do que define CERVINI, não há primeira transformação alguma. Não há primeira, segunda, nem terceira fases. Ademais, que ocultação se pretendia fazer mandando sua própria mulher – lembre-se o denunciado era nada menos do que o Presidente da Câmara dos Deputados, figura notória e conhecida - no Banco Rural sacar dinheiro mediante recibo e sua identificação! Insista-se, a denúncia é inepta porque se limita a repetir a letra da lei. Para dizer que houve ocultação tinha que dizer de que forma ela se deu. De que forma se pretendia lavar os cinqüenta mil reais para reintegrá-lo ao sistema financeiro. Nenhuma linha se lê a respeito. Pretendia como ocultar a origem? Sacando o dinheiro da conta corrente, segundo a denúncia, do próprio corruptor? Pretendia ocultar a natureza? De que forma? Passando um recibo do que retirou do Banco? E a ocultação do real destinatário? Foi ocultada com o saque feito pela mulher do conhecido Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado João Paulo Cunha, aquele que em Brasília “ninguém conhece”!? É, data venia, pueril, a descrição capenga dos fatos. E nem se diga, como fez o ilustre Procurador Geral da República que sua mulher só foi identificada porque houve a adoção de medida invasiva com a execução de mandado de busca e apreensão. A informação sempre esteve no Banco Rural. A mulher do denunciado nunca se ocultou ou escondeu a sua identidade. Assinou recibo e assinou o documento para o saque do dinheiro. Se há meios processuais próprios para obter provas, especialmente, cobertas por sigilo bancário, não se pode atribuir essa dificuldade ao denunciado ou que este 29 pretendia “embaraçar a atuação estatal na descoberta dos crimes” (fls. 10.220). Se, ocultar, como define HOUAISS é “encobrir, esconder, não revelar, não demonstrar, disfarçar, dissimular, camuflar (...)” 2 , não se vê nos fatos articulados – “enviou sua esposa Márcia Regina para sacar no caixa o valor de cinqüenta mil reais em espécie” – a satisfação dos requisitos previstos no artigo 41, do CPP, como tem reiteradamente sido exigido por esta Corte Constitucional. Isto sem dizer que se articula, além do inciso V, que trata do proveito de crime contra a administração pública, a prática dos incisos VI e VII, do artigo 1º, da Lei n.º 9.613/98. Nesse ponto, aliás, não basta a mera inferência sobre o que quer dizer a denúncia, deve-se fazer um verdadeiro exercício de adivinhação, pois não há uma linha sequer sobre isto. Aliás, se a denúncia fala de um único saque de R$ 50 mil é possível admitir-se que se refere a prática do inciso V, VI, ou VII? Ademais, se o dinheiro pago, segundo a denúncia, foi uma operação particular entre o denunciado e MARCOS VALÉRIO, de que organização criminosa e crimes contra o sistema financeiro nacional está se falando. A denúncia não diz e, nesse caso, a defesa também não conseguiu adivinhar. Daí porque, a única solução possível é o reconhecimento da inépcia formal da denúncia também com relação ao delito de lavagem de dinheiro. II) DA FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A IMPUTAÇÃO DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO: “Parece que estamos no domínio da imprecisão absoluta, da indeterminação ilimitada, da acusação pela acusação” (Rel. para 2 Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, ed. Objetiva, Rio de Janeiro, 2001, p. 2049. 30 acórdão Min. GILMAR MENDES, 2ª Turma, HC n.º 84.768/PE, DJ 27/05/2005). Se com relação ao crime de corrupção, as dificuldades de compreensão existiam, com relação ao crime de lavagem de dinheiro, estas são intransponíveis. Apenas para facilitar a leitura, transcreve-se novamente o trecho da denúncia que neste ponto interessa: “Nessa linha, consciente de que o dinheiro tinha como origem organização criminosa voltada para a pratica de crimes contra o sistema financeiro nacional e contra a administração pública, o João Paulo Cunha, almejando ocultar a origem, natureza e o real destinatário do valor pago como propina, enviou sua esposa Márcia Regina para sacar no caixa o valor de cinqüenta mil reais em espécie” (fls. 5.661). Eminentes Ministros, a defesa tem uma dificuldade enorme de responder à acusação, porque esta se lastreia em fatos que não existem. Dizer que o denunciado recebeu dinheiro de propina paga por MARCOS VALÉRIO é, data venia, surreal. Dizer que esta propina foi paga para que MARCOS VALÉRIO fosse beneficiado na licitação, é impossível. Como já se disse, o denunciado não exercia com relação à licitação, qualquer função pública que permitisse beneficiar uma das empresas. Dizer, porque supostamente recebeu propina, que o denunciado tinha consciência da ilicitude do dinheiro, não tem, in casu, qualquer cabimento. O denunciado nunca soube na época dos fatos que o dinheiro vinha de MARCOS VALÉRIO! 31 Em conclusão, dizer que o denunciado estava consciente de toda a ilicitude, e, portanto, pretendia lavar o dinheiro ao mandar sua mulher sacá-lo no banco, é, data venia, um total disparate! Apenas para lembrar: a versão real sobre os fatos comprovada nos autos e nos documentos que ora se apresentam é única e se extrai da primeira defesa apresentada pelo denunciado durante as investigações que se procederam: “Em meados de 2003, ainda no calor da vitória eleitoral do Partido dos Trabalhadores e, diante das boas expectativas para as eleições de 2004, como, freqüentemente, acontece no cotidiano político-partidário, fui procurado pelo coordenador do PT da macro-região de Osasco, por vários diretórios municipais e por pré-candidatos solicitando apoio na preparação do processo eleitoral, inclusive para a realização de pesquisas de opinião para avaliação dos cenários políticos nas respectivas cidades. 15.3. Em face das dificuldades financeiras partidárias fiz o que deveria ter feito: busquei auxílio junto à Tesouraria Nacional do Partido. O então tesoureiro Delúbio Soares se comprometeu a ajudar, visto que o PT Nacional iria definir prioridades e, inclusive, estava preparando pesquisas em diversas cidades do País. 15.4. Essa ajuda foi processada através da quantia de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), que foi disponibilizada na agência do Banco Rural de Brasília. O saque foi efetuado por minha mulher, Márcia. A indicação para o local de retirada do dinheiro foi feita pelo Tesoureiro do Partido dos Trabalhadores. 15.5. Esclareço que recorrer à Tesouraria Nacional para socorrer diretórios municipais e estaduais no pagamento de dívidas de eleições pretéritas ou na preparação de processos eleitorais é uma prática na vida partidária brasileira. 15.6. Portanto, este é o contexto que envolve o referido saque bancário. Todo, absolutamente todo recurso sacado, foi investido naquilo que denominamos “pré-campanha” com a execução de 4 (quatro) pesquisas que agora ficam à disposição de Vossa Excelência para conhecimento e comprovação inclusive com a comprovação fiscal” (defesa do denunciado na Corregedoria da Câmara ). 32 Nada, absolutamente nada diferente disto existe. Tanto é assim, que toda a argumentação lançada na denúncia, não está lastreada em prova ou sequer elemento indiciário algum. Basta ver que no meio da narrativa, como se fosse uma produção cinematográfica, o ilustre Procurador Geral da República passa a narrar uma reunião onde o oferecimento de propina teria ocorrido. Pura criação mental, data venia. Com a devida venia, não se pode conceber tal prática num Estado Democrático de Direito. Não estamos num concurso literário de ficção. Atentem Vossas Excelências para o seguinte: Objetivamente, falando, a acusação, inovadora e despregada da realidade, em síntese, resume-se no fato de o denunciado ter recebido cinqüenta mil reais de propina paga por MARCOS VALÉRIO oferecida em uma reunião para que fosse “privilegiado” na licitação da Câmara dos Deputados e, depois, consciente da ilicitude deste dinheiro, almejando ocultálo, ter enviado sua mulher sacá-lo na boca do caixa do Banco Rural exatamente da conta corrente do seu corruptor. Em português claro: “de onde S. Exa. tirou isto?” Tudo parte da elucubração mental do i. Procurador-Geral da República. A premissa de que o denunciado tivesse consciência da ilicitude do dinheiro e, portanto, tenha arquitetado a sua ocultação é falsa. NADA, ABSOLUTAMENTE, NENHUM ELEMENTO INFORMATIVO DOS AUTOS APONTA NESTE SENTIDO. Ao contrário, como já se destacou, o tesoureiro do Partido dos Trabalhadores declara expressamente que o dinheiro sacado pelo denunciado foilhe destinado via partido para auxílio na pré-campanha eleitoral e que este desconhecia a sua origem (doc. anexo à resposta juntada aos autos), não há qualquer demonstração que o denunciado tenha recebido dinheiro de MARCOS 33 VALÉRIO. Eminentes Ministros: a tal propina não existe! Ademais: será que é crível, ainda que por amor ao debate, que uma pessoa -– CÂMARA DOS NÃO QUALQUER PESSOA, O PRESIDENTE DA DEPUTADOS -- consciente de que recebeu dinheiro em razão de propina, mande sua mulher sacar o dinheiro no Banco diretamente da conta da empresa com quem teria feito o “negócio”, e esta se identifica, apresenta documento de identidade, assina um recibo, com o fim de “ocultar ou dissimular a origem, natureza e o real destinatário do valor pago”? E mais, aplica este dinheiro em pesquisas pré-eleitorais, como se comprovou documentalmente em sua defesa na Câmara dos Deputados? De que ocultação está se falando? Mais uma vez, seguindo-se a linha de tudo o que já se disse com relação ao delito de corrupção passiva, não há qualquer lastro probatório, senão as meras conjecturas e invencionices do i. Procurador-Geral da República para respaldar a versão acusatória. Que ocultação ou dissimulação é esta, que qualquer um poderia identificar? Aliás, bastou um mero ofício para se saber que os referidos R$ 50.000,00 foram destinados ao defendente. Como insistentemente tem decidido este colendo Supremo Tribunal Federal: “A imputação penal não pode ser o resultado da vontade pessoal e arbitrária do acusador” (STF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, HC n.º 70.763-7/DF, DJ 24.09.94), que é exatamente o que se verifica no caso em exame. Não há nada nos autos que afirme o contrário. A denúncia é mera criação de seu i. subscritor. A falta de justa causa para a ação penal é 34 manifesta. O cerceamento de defesa imposto ao denunciado é indiscutível. Por mais esforço que se faça, não se consegue compreender a denúncia. Falta descrição das circunstâncias dos fatos, aliás, faltam os fatos como realmente se deram, falta a demonstração com base empírica de como se chegou a conclusão alcançada pelo representante do Ministério Público Federal. Ora, se como ensinam RAUL CERVINI, WILLIAM TERRA e LUIZ FLAVIO GOMES o crime previsto no caput do artigo 1º indica a razão do injusto, ou seja, “punir os processos de atribuição de aparência de licitude a bens, direitos ou valores cuja origem deita raízes em fatos ilícitos anteriores” 3 , e ainda o “conhecimento da ilicitude, a intenção do agente e as finalidade que conduzem o comportamento são requisitos do crime, e devem ser aferidos pela análise das circunstâncias objetivas de cada caso. Será de grande importância para interpretar o elemento subjetivo a verificação da conduta do agente no caso concreto e o estudo dos processos que utilizou para a movimentação, ocultação ou dissimulação dos bens” 4 , era imprescindível que a denúncia demonstrasse de forma real e objetiva, com elementos empíricos e informativos, que o dinheiro sacado pela mulher do denunciado proveio de um ilícito e que havia consciência por parte do denunciado desta ilicitude, que, ademais, agia com o fim exclusivo e dirigido de ocultar e dissimular a origem deste dinheiro. A existência de pagamento de propina e, consequentemente, a consciência da origem ilícita do valor é presumida, inventada na denúncia. Presumindo-se, daí, tudo que segue a narrativa dos fatos. De outra parte, é bom que se diga que, tomados os fatos como eles se deram, ou seja, o denunciado retirou um dinheiro por indicação do partido e, depois soube, que partiu da conta de uma das 3 4 In: Lei de Lavagem de Capitais, São Paulo, ed. RT, 1998, p. 319. Ob. cit., pág. 327. 35 empresas de MARCOS VALÉRIO, pessoa a quem se imputam diversos ilícitos, nem por amor ao debate poderia se sustentar a imputação criminosa. O denunciado não tinha o dever de investigar a origem do dinheiro a ele destinado pelo seu próprio partido 5 . Aliás, neste sentido a lição de CERVINI é clara “todos os crimes previstos na lei são dolosos. Em momento algum o legislador fez menção a figuras culposas, razão pela qual somente será possível o enquadramento de comportamentos onde a consciência da ilicitude esteja patente. O autor somente poderá ser responsabilizado se tiver consciência de que está ocultando ou dissimulando dinheiro, bens, direitos ou valores cuja procedência sabe ser relacionada com os crimes previstos nos incs. I a VII do art. 1º (tráfico, terrorismo, contrabando de armas, extorsão mediante seqüestro etc.). Em todas as operações que realize deve saber, ou ao menos admitir (teoria da representação), que pratica ou concorre para a prática de lavagem de dinheiro” 6 . Eminentes Ministros: hoje o denunciado e o Brasil conhecem uma outra realidade sobre os fatos. Realidade esta que só com o tempo e com o desenrolar das investigações, o denunciado e o povo brasileiro 5 Aliás, fosse outra a imputação, também o denunciado não poderia ser punido, porque não tinha o dever de perquirir a origem do dinheiro. Aliás, este tema é objeto de preocupação no mundo todo, chamado em Portugal de “branqueamento de capitais negligente”. Como leciona JORGE ALEXANDRE FERNANDES GODINHO: “cumpre saudar o facto de o legislador português ter optado por não punir o branqueamento de capitais negligente. Uma tal punição serviria para abranger os casos em que não é possível provar que o agente tinha o conhecimento da proveniência ilícita dos bens; tratar-se-ia de um “tipo de interceptação” que visaria aliviar dificuldades de prova” (ob. cit., p. 158). E citando FIGUEIREDO DIAS, transcreve: “acabaria assim por punir-se todo aquele que tivesse actuado com negligência grosseira e não apenas aquele que tivesse actuado com dolo insusceptível de prova – sem que o legislador tivesse feito, como se imporia, um juízo afirmativo autônomo da dignidade punitiva do facto negligente. E estaria, afinal, a incorrer-se em manipulações de princípios de prova que aliás, segundo o seu sentido, se ligam a exigências jurídico-constitucionais em matéria de culpa e de presunção de inocência. Considerações que crimes inteiramente pertinentes no caso do branqueamento de capitais” (ob. cit., p. 158). Sobre o tema MUNÕZ CONDE destaca “que considera que o tipo de branqueamento de capitais negligente vigente em Espanha só pode abranger, como autores, as pessoas que, por virtude de legislação especial, se encontrem obrigadas a adoptar medidas de prevenção do branqueamento de capitais (Derecho penal, Parte especial, p. 477)” (Apud: ob. cit., p. 158). O Brasil ao admitir apenas a forma dolosa do crime de lavagem de dinheiro, afastou a figura existente em outros países que punem “a imprudência ou negligência grave nos casos de lavagem de dinheiro”. E lembre-se, até para ser omisso, deve-se provar o dolo! 6 Ob. cit., pág. 327. 36 puderam conhecer, ou seja, de que o Partido dos Trabalhadores, segundo afirma seu ex-tesoureiro DELÚBIO SOARES, recebia dinheiro de MARCOS VALÉRIO. O certo é que quando o denunciado em 2003 recebeu de seu partido político este dinheiro, não havia absolutamente nada de estranho ou errado, que pudesse fazê-lo desconfiar da sua origem. Dessa forma, eminentes Ministros, não há outra solução possível, senão a rejeição da denúncia pela prática do delito de lavagem de capitais. DO CRIME DE PECULATO – ARTIGO 312 DO CÓDIGO PENAL: I) DA FALTA DE JUSTA CAUSA: 23. Pedindo escusas à Vossas Excelências, mas com o intuito de facilitar a visualização do que se pretende demonstrar, transcreve-se o primeiro trecho da denúncia que se refere ao delito em discussão: “Iniciada a execução do contrato, João Paulo Cunha desviou R$ 252.000,00 (duzentos e cinqüenta e dois mil reais) em proveito próprio. O completo entendimento do fato passa pela descrição das atividades desempenhadas pelo Sr. Luis Costa Pinto. Luis Costa Pinto era assessor direto de João Paulo Cunha pelo menos desde o ano de 2.003. Aliás, nessa condição, participou de diversas reuniões entre João Paulo Cunha e Marcos Valério. Após a formalização do contrato entre a Câmara dos Deputados e a empresa SMP&B, a empresa IFT- Idéias, Fatos e Texto Ltda. foi subcontratada supostamente para prestar assessoria de comunicação. Entretanto, as provas colhidas demonstram que a contratação foi uma manobra articulada por João Paulo Cunha para desviar recursos públicos em proveito 37 próprio. Em razão da fluidez do serviço proposto, como forma de demonstrar o trabalho que pretensamente seria realizado, a empresa IFT comprometeu-se a elaborar “boletins mensais com resumo das ações propostas, a explicação dos trabalhos desenvolvidos por ela e a avaliação da opinião da mídia em relação a Câmara dos Deputados a ser produzida a partir de conversas reservadas em insights junto aos fornecedores de opinião dos maiores meios de comunicação credenciados junto a Câmara. Este trabalho, em caráter reservado será encaminhado ao presidente da Câmara e ao diretor da SECOM. No conjunto deste trabalho também esta obrigada a atividade de leitura e analise estratégica de pesquisas de opinião – sejam eles encomendadas especificamente pela Câmara dos Deputados ou não – e de elaboração de propostas de agendas legislativas que sirvam para dar maior visibilidade ao trabalho dos parlamentares no ano de 2.004”. O problema e que os referidos boletins jamais foram entregues na Secretaria de Comunicação da Câmara dos Deputados, demonstrando que os serviços subcontratados não foram prestados. Nesse sentido, documento subscrito pelo Diretor da Secretaria de Comunicação Social da Câmara dos Deputados: “quanto ao pedido constante da alínea “a” do mesmo oficio, cumpre-me, inicialmente, esclarecer que assumia Direção da Secretaria de Comunicação Social da Câmara dos Deputados em 18 de fevereiro de 2005 (fl. 4), não tendo acompanhado, direta ou indiretamente, a contratação da execução dos serviços da IFT Consultoria em Comunicação e Estratégia, previstos nos processos n.s 101.389/04 e 114.902/04. Com o objetivo de atender citada solicitação da equipe de auditoria, foi promovida pesquisa nos arquivos documentais da Secom e ouvidos servidores que trabalhavam na Secretaria a época. Desse trabalho, resultou a conclusão que inexistem, na Secom, os citados boletins da IFT Consultoria em Comunicação e Estratégia” (fls. 5.664). E segue a denúncia: “A empresa IFT, e esse e o detalhe capital, pertence a Luis Costa Pinto. Na verdade, a subcontratação foi uma armação para que Luis costa Pinto fosse bem remunerado (vinte mil reais por mês) para prestar assessoria direta a João Paulo Cunha. Contratado pela empresa SMP&B sob o manto formal do serviço apresentado em 38 sua proposta, Luis Costa Pinto prestava assessoria direta a João Paulo Cunha. A empresa IFT, cujos sócios são Luis Costa Pinto e sua esposa tem como endereço registrado na Receita Federal exatamente a residência dos proprietários, indicando que se trata de uma empresa de fachada. O desvio perpetrado por João Paulo Cunha, no período compreendido entre fevereiro de 2.004 até dezembro de 2.004, alcançou o montante de R$ 252.000,00 (duzentos e cinqüenta e dois mil reais), valor pago ao Sr. Luis Costa Pinto. Observe-se que foi o próprio João Paulo Cunha quem autorizou a subcontratação da empresa IFT, cuja proposta trouxe o nome de Luis costa Pinto” (fls. 5.664/5). Mais uma vez, fatos descritos que não tem base empírica alguma. Tais conclusões lançadas na denúncia como se fossem verdades absolutas, não encontram respaldo em qualquer documento, prova ou elemento concreto. Partem, exclusivamente, de meras conjecturas do ilustre Procurador-Geral da República. Para se chegar a tal conclusão, não é preciso grande esforço, basta analisar a realidade simples e fácil de entender: Durante o ano de 2003, a Câmara Federal utilizou, para efeito de publicidade e propaganda, o contrato da mesa anterior no valor de R$ 4,5 milhões por semestre, celebrado com a agência DENISON PROPAGANDA. Eleito o denunciado como novo Presidente da Câmara dos Deputados em fevereiro de 2.003, constatou-se uma insatisfação generalizada com alguns serviços prestados na área de publicidade pela agência contratada. Daí porque, em maio de 2.003, iniciou-se o processo de nova licitação. A elaboração do edital levou em conta toda a experiência e a credibilidade da COMISSÃO PERMANENTE DE LICITAÇÕES DA CÂMARA, fundamentando-se na política de comunicação construída pela Secretaria de Comunicação da Câmara (SECOM), a partir de um amplo processo de discussão e estudos. Foram dois seminários para os quais foram convidados funcionários da Secom – concursados ou comissionados -, reuniões com 39 assessores de comissões da Casa e dos gabinetes e uma pesquisa realizada com 102 deputados escolhidos de acordo com as diversas representações deste parlamento. A transparência e o profissionalismo foram a referência para a política de comunicação da Câmara e para a elaboração do edital que selecionaria a agência de propaganda para a Câmara. Foi um processo consistente e fundamentado em amplas consultas e estudos técnicos. Esta política de comunicação, sem dúvida nenhuma, melhorou muito a imagem da Instituição, o que foi comprovado por pesquisas. A Comissão de Licitação que selecionou a agência, como já se disse, foi formada por cinco integrantes, todos servidores efetivos da Câmara dos Deputados: RONALDO GOMES DE SOUZA, presidente da CPL; MARCOS MAGNO, consultor legislativo, especialista em propaganda; RUBENS FOIZER FILHO, assessor jurídico do diretor geral da Câmara; Flavio Elias Ferreira Pinto, profissional da Secretaria de Comunicação, com experiência em publicidade; e MARCIO MARQUES DE ARAÚJO, na condição de diretor do órgão técnico, responsável pela gestão do contrato. Observa-se que o resultado da licitação foi homologado sem recurso ou questionamento judicial. Os atos contratuais foram todos transparentes e, em conformidade com avaliações técnicas e jurídicas rigorosas, sujeitas a controle interno e externo. A responsabilidade pela gestão do contrato foi mantida no âmbito da área afim e cumprindo orientação do Tribunal de Contas da União – TCU - foi nomeado o servidor responsabilizado pela fiscalização do contrato: MARCIO MARQUES DE ARAÚJO. 40 A Comissão de Licitação não tinha qualquer subordinação ao denunciado, sendo formada por um grupo absolutamente heterogêneo e independente. Enfatizadas tais premissas, especificamente com relação a subcontratação da empresa IFT – Idéias, Fatos e Texto Ltda, devese destacar o seguinte. Referida empresa, de fato tem como proprietário LUIS COSTA PINTO, pessoa bastante conhecida e respeitada no meio de assessoria de imprensa. Também é verdade que, com o prestigio que tem, foi contratado pelo denunciado para realizar sua campanha à Presidência da Câmara dos Deputados, sendo absolutamente vitorioso em seu trabalho. Os esclarecimentos dados por LUIS COSTA PINTO em suas declarações na fase policial são eloqüentes neste sentido (Vol. 29, fls. 6.005/7). Diante dos bons serviços prestados, a agência DENISON PROPAGANDA, já contratada pela Câmara dos Deputados, antes da gestão do denunciado, após realizar uma concorrência entre três ou quatro empresas de assessoria de imprensa, contratou a IFT. A subcontratação de empresas pela agência de propaganda contratada pela Câmara dos Deputados é absolutamente independente. De fato, por exigência contratual, para efetivar a contratação e com o intuito de a Câmara ter o controle sobre o serviço prestado, a aprovação final da subcontratada dependia da assinatura do Presidente: “A contratada poderá subcontratar outras empresas, para a execução total ou parcial de alguns dos serviços de que trata esta concorrência, mediante anuência prévia, por escrito, da Contratante, ressaltando-se que a subcontratação não transfere as responsabilidades a terceiros e nem exonera a contratada das obrigações 41 assumidas” (Apenso 84, fls. 723). No entanto, a concordância do Presidente da Câmara só ocorre após a apresentação de análise e solicitação por parte do Diretor da Secretaria de Comunicação Social da Câmara dos Deputados, sr. MÁRCIO MARQUES DE ARAÚJO, que como se vê do apenso 84, em pedido fundamentado requeria a autorização do denunciado (p. ex. fls. 597/8; 681/2 e 683). É importante ressaltar, no entanto, que não há qualquer vinculação da Câmara dos Deputados e de seu Presidente sobre o contrato formulado e o pagamento do subcontratado que ficam exclusivamente a cargo da agência. Insista-se, eminentes Ministros, o denunciado em nada influenciava na escolha por parte da agência de quem quer que seja. Tanto é assim, que, normalmente, havia uma seleção entre as empresas antes da contratação de uma. As subcontratações eram absolutamente independentes. Daí porque, é absurda a afirmação de que “as provas colhidas demonstram que a contratação foi uma manobra articulada por João Paulo Cunha para desviar recursos públicos em proveito próprio” (fls. 5.663). Com a devida e maxima venia, tal asserção representa um absurdo! Primeiro: quais provas colhidas demonstram tal manobra? Não está dito e nem há referência! Segundo: De que forma o denunciado influenciou na contratação e desviou recursos públicos em proveito próprio? Terceiro: houve serviço prestado e devidamente remunerado ou Luis Costa Pinto trabalhou de graça? De fato, como diz a denúncia, os boletins que deveriam ser elaborados pela IFT mensalmente, não o foram. Também, é 42 bom esclarecer, que não havia uma obrigatoriedade. Seja como for, a prestação de serviços era notória. O memorial de serviços apresentado pela empresa demonstra isto (doc. anexo). Quem estava ali – o que não é o caso do i. Procurador-Geral da República – viu. O que era obrigatório e, quanto a isto a denúncia silencia, era a apresentação das notas fiscais. Estas sim, que eram a condição para o pagamento, eram VISTADAS por um funcionário da Câmara que CONFERIA O SERVIÇO feito e só depois a agência realizava o pagamento (doc. anexo à resposta juntada aos autos). A denúncia quer dar uma importância que não existia para os tais boletins e, esqueceu-se, que todos os serviços eram atestados e conferidos por meio da nota fiscal antes do pagamento (doc. anexo à resposta juntada aos autos). Daí porque, não vale a argumentação de que o serviço na verdade não foi prestado e de que a “subcontratação foi uma armação para que Luis Costa Pinto fosse bem remunerado (vinte mil reais por mês) para prestar assessoria direta a João Paulo Cunha” (fls. 5.664). LUIS COSTA PINTO nunca prestou assessoria direta ao denunciado. Prestava serviços, isto sim, para a Câmara dos Deputados, na qual se inclui, como parece óbvio, a sua Presidência. Eminentes Ministros, não havia armação, ou manobra de nenhuma espécie. A IFT como foi subcontratada pela DENISON, foi subcontratada pela SMP&B e de fato, como demonstram as notas fiscais que se anexou à defesa e os relatórios posteriormente feitos por Luis Costa Pinto, os serviços foram prestados. Daí porque não se compreende a conclusão da denúncia de que o denunciado desviou em proveito próprio o dinheiro que fora destinado a IFT em razão da subcontratação. Com todo respeito, não se compreende a lógica ministerial. O denunciado nunca teve qualquer beneficio 43 com esta subcontratação, que dirá a afirmação de que desviou em proveito próprio R$ 252.000,00 pagos ao Sr. LUIS COSTA PINTO. Aliás, não se pode deixar de dizer, seguindo o que diz a denúncia, que o denunciado não só autorizou a subcontratação de LUIS COSTA PINTO, como de todas as outras subcontratadas, atendendo à exigência do próprio contrato. Daí porque não se compreende a ironia da denúncia, que coloca este fator como demonstração de “conluio” ou do próprio desvio. O denunciado, não tinha dinheiro em sua posse. O dinheiro pago à subcontratada o foi diretamente por parte da agência, nenhuma relação o denunciado tinha com a IFT ou LUIS COSTA PINTO, além daquela inventada na denúncia. Manifesta a falta de justa causa, data venia. De outra parte, não custa dizer que a denúncia argumenta que o endereço registrado na Receita Federal da empresa IFT era da residência de LUIS COSTA PINTO e de sua esposa, também sócia, concluindo que isto indica que “se trata de uma empresa de fachada” (fls. 5.664). Com todo o respeito, típico argumento, de quem não tem nada para dizer. Qual o problema de o endereço ser o da residência dos sócios. A prestação de serviços feito pela IFT não demanda a existência de um escritório formado, cheio de funcionários. Depende única e exclusivamente do assessor de imprensa, neste caso, o próprio LUIS COSTA PINTO. A natureza do trabalho é outra. Diante de tudo o que se disse, verifica-se que a acusação não se lastreia em elemento informativo algum, além da vontade do órgão ministerial em divulgar fatos que pertencem unicamente ao seu universo criativo. É exatamente isto que acontece com o segundo episódio descrito na denúncia como configurador do peculato: 44 “Todavia, uma ilegalidade, pelo seu caráter absurdo e delituoso, merece destaque como meio de demonstrar a promiscuidade entre Marcos Valério e João Paulo Cunha. A empresa SMP&B, com o aval de João Paulo Cunha, subcontratou 99,9% do objeto licitado. De uma soma total de R$ 10.745.902,17, somente R$ 17.091,00 foram pagos por serviços prestados direitamente pela SMP&B, representando 0,01%. A SMP&B, do núcleo Marcos Valério, participou do contrato apenas para intermediar subcontratações, recebendo honorários de 5% por isso. Referida situação caracteriza grave lesão ao erário, além do crime de peculato. Com efeito, João Paulo Cunha desviou R$ 536.440,55 do contrato n.º2003/204.0 em proveito do núcleo Marcos Valério da organização criminosa. Explica-se. O núcleo Marcos Valério, por meio da empresa SMB&B assinou o contrato n.º 2003/204.0 para não prestar qualquer serviço. Nessa linha, subcontratou 99,9% do objeto contratual. Por conta disso, recebeu gratuitamente R$ 536.440,55, valor dos honorários fixados na avença. Foi remunerado para nada fazer. João Paulo Cunha viabilizou o repasse indevido desse montante em razão da subcontratação total do objeto, pois autorizava expressamente todas as subcontratações” (fls. 5.665/6). Eminentes Ministros: coloquem-se as coisas nos seus devidos lugares. O ilustre Procurador-Geral da República perdeu-se, data venia, em seus devaneios... O contrato com a empresa SMP&B decorreu de licitação, a qual até que o Tribunal de Contas da União diga o contrário, foi absolutamente legal 7 . É inadmissível dizer que tenha “recebido gratuitamente R$ 536.440,55” ou que “foi remunerado para nada fazer”. No contrato estava, como se destacou acima, expressamente prevista a possibilidade de subcontratação. De fato, 7 Aliás, como já se disse, auditoria esta requerida pelo próprio denunciado tão logo eclodiu a crise. 45 também por exigência contratual, após o parecer do Direito da Secretaria de Comunicação, o Presidente da Câmara deveria aprovar a subcontratação, como fez com todas aquelas empresas que entendeu adequadas. Ademais, percentagem apresentada pela denúncia, embora ou seja, se conteste 99,9%, (na a qual, equivocadamente, se leva em consideração os valores destinados à veiculação nas redes de televisão, por exemplo) não havia limite contratual para a subcontratação. Apenas para que não reste qualquer dúvida sobre a lisura do procedimento e da execução do contrato, é bom que se diga que o contrato questionado estabelecia o pagamento de R$ 9 (nove) milhões por ano – ou seja, o mesmo valor do contrato anterior, só que desta vez, anual. No ano de 2004 foram gastos R$ 10,7 milhões, ou seja, R$ 9 (nove) milhões do contrato original, mais R$ 1,7 milhões correspondentes a 19% de aditamento conforme previsão da Lei 8.666 – Lei das Licitações, sobre o qual também tive nenhuma interferência. A relação das despesas efetuadas foi descrita pormenorizadamente na resposta apresentada e juntada aos autos. Diante desse quadro, será que é admissível a versão acusatória? Qual a base que a sustenta? Tudo o que o denunciado afirma é comprovado documentalmente. Alguns documentos foram juntados à defesa, outros, foram integralmente juntados nas investigações que se procederam perante a CPI, Comissão de Ética, Corregedoria e Plenário da Câmara dos Deputados, que podem, caso Vossas Excelências entendam necessário ser requisitados para juntada a este procedimento. A SMP&B foi a empresa vencedora da licitação. Por essa razão ganhou o valor mencionado na denúncia. Não houve desvio algum. Aliás, desvio este que seria impossível, como já se disse, ser 46 praticado pelo denunciado que não tinha em sua posse referidos valores. Dinheiro este que era devido contratualmente. Dinheiro este que, ao contrário do afirmado na denúncia representava remuneração pelo trabalho realizado pela empresa em razão do contrato de publicidade. Se porventura houve alguma irregularidade no contrato ou no excesso de subcontratação isso não significa peculato. O denunciado não pode ser processado antecipadamente por fatos que jamais existiram e que não passam, como diz a lição sempre lembrada de OROZIMBO NONATO de “criação mental da acusação”. Eminentes Ministros: com todo o respeito, mais uma vez, a denúncia representa a fantasia de seu ilustre subscritor, devendo, por isso, ser reconhecida a falta de justa causa também com relação ao delito de peculato, como medida de J U S T I Ç A! III) DA ATIPICIDADE DELITIVA: Não bastasse tudo o que se disse, a ausência de cumprimento ao artigo 41, do CPP, e a indiscutível falta de justa causa para ação penal, é inafastável a conclusão de que o delito imputado ao denunciado é atípico. Como ensina CELSO DELMANTO, é “imprescindível que o agente, em razão do cargo, tenha a posse dele. Os doutrinadores dão sentido largo à posse, abrangendo tanto a detenção como a posse indireta” (In: “Código Penal Comentado”, RJ, ed. Renovar, 2.000, pág. 553). Eminentes Ministros: a atipicidade dos fatos descritos como criminosos na forma de peculato é manifesta. O denunciado 47 nunca teve a posse direta ou indireta e, nem mesmo, a detenção de qualquer valor. Ao contrário, é notório e, contra isto, o Ministério Público não se opõe, de que o dinheiro vinha destinado diretamente dos cofres da União para a agência vencedora da licitação. Jamais, em momento algum, o dinheiro passava pelas mãos do Presidente da Câmara e, tampouco, da Comissão de Licitação, que, jamais tiveram a posse deste a que título fosse. Se não tinha posse, não podia o acusado se apropriar do dinheiro e, tampouco, desviá-lo no sentido de dar “ao objeto material destinação diferente daquela para a qual o objeto lhe foi confiado” (ob. cit., pág. 553). Primeiro porque o valor não lhe foi confiado e, segundo, porque jamais o acusado poderia destinar o dinheiro para outro fim, já que não lhe cabia a liberação ou entrega do dinheiro para quem quer que seja. Portanto, ainda que quisesse – apenas para argumentar -, o denunciado não teria meios materiais para desviar valor algum proveniente do contrato de publicidade feito entre a empresa vencedora da licitação e a Câmara dos Deputados, porque não tinha a posse deste. É por isso que o mestre HUNGRIA define o peculato: “ é o crime do funcionário público que arbitrariamente faz sua ou desvia em proveito próprio ou alheio a coisa móvel que possui em razão do cargo, seja ela pertencente ao Estado ou apenas se ache sob sua guarda ou vigilância. Tal como a apropriação indébita, o peculato pressupõe no agente a preexistência da legítima posse precária, ou em confiança, da res mobilis de que se apropria, ou desvia do fim a que era destinada. A posse antecedente da coisa e a infidelidade do agente ao seu dever funcional são elementos tradicionalmente incluídos no conceito de peculato” (“Comentários ao Código Penal”, Rio de Janeiro, ed. Forense, Vol. IX, pág. 332). 48 O denunciado nunca teve a posse de dinheiro algum. E nem em razão do cargo que exercia, poderia dispor das verbas como lhe aprouvesse. A prova dos autos espanca quaisquer dúvidas. O acusado não tinha qualquer ingerência sobre o contrato, sobre os pagamentos das verbas pagas, não havendo qualquer possibilidade de dispor sobre elas... Não se esqueça, a denúncia não diz, MAS HAVIA UMA COMISSÃO DE LICITAÇÃO INDEPENDENTE QUE TRATAVA DE TODOS OS ASSUNTOS REFERENTES AO CERTAME. Além disso, existia a Secretaria de Comunicação Social que tinha um diretor responsável por tudo que cercasse a execução do contrato. Sendo atípica a imputação de peculato, por ausência de elemento essencial ao tipo penal, aguarda-se, também por este motivo, a rejeição da denúncia. CONCLUSÃO: Eminentes Ministros: a análise da denúncia no que toca o defendente leva à única conclusão possível: a rejeição da denúncia, o que se espera e aguarda de Vossas Excelências por medida de J U S T I Ç A! São Paulo, 30 de julho de 2.007. ALBERTO ZACHARIAS TORON O.A.B./SP n.º 65.371 CARLA VANESSA T.H. DE DOMENICO O.A.B./SP n.º 146.100 49