PONTIFÍCIO INSTITUTO JOÃO PAULO II PARA ESTUDOS
SOBRE MATRIMÔNIO E FAMÍLIA SEÇÃO BRASILEIRA.
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA FAMÍLIA.
BENEDETTA FONTANA
PESSOA, FAMÍLIA E DESENVOLVIMENTO
O MÉTODO DA AVSI E SUA ATUAÇÃO COM AS FAMÍLIAS DE NOVOS ALAGADOS
SALVADOR
2005
BENEDETTA FONTANA
PESSOA, FAMÍLIA E DESENVOLVIMENTO
O MÉTODO DA AVSI E SUA ATUAÇÃO COM AS FAMÍLIAS DE NOVOS ALAGADOS
Dissertação apresentada ao Pontifício
Instituto João Paulo II para Estudos sobre
Matrimônio e Família, seção Brasileira, para
obtenção do título de Mestre em Ciências da
Família.
Orientador: Dr. João Carlos Petrini
SALVADOR
2005
UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADOR
MESTRADO EM FAMÍLIA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
BENEDETTA FONTANA
PESSOA, FAMÍLIA E DESENVOLVIMENTO
O MÉTODO DA AVSI E SUA ATUAÇÃO COM AS FAMÍLIAS DE NOVOS ALAGADOS
SALVADOR
2005
BENEDETTA FONTANA
PESSOA, FAMÍLIA E DESENVOLVIMENTO
O MÉTODO DA AVSI E SUA ATUAÇÃO COM AS FAMÍLIAS DE NOVOS ALAGADOS
Dissertação apresentada à Universidade
Católica do Salvador como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em
Família na Sociedade Contemporânea.
Orientador: Dr. João Carlos Petrini
SALVADOR
2005
Para você, pai, que dedicou toda a sua vida a batalhas em favor de
muitos dos ideais aqui defendidos.
Não sei se, como você diz, trata-se de questões genéticas... até
porque esse seria motivo de briga com minha mãe, que requer, pelo
menos, alguns direitos de herança...
O que é mais provável é que devo tudo à educação que vocês,
sempre juntos, me deram.
AGRADECIMENTOS
Muitas pessoas contribuíram e de tantas formas diferentes para esse trabalho,
que fica difícil para mim citá-las todas, uma vez que corro o risco de omitir muitas delas.
Ao meu orientador, Dom João Carlos Petrini, que mesmo cheio de atividades e
compromissos, nunca deixou de me atender com disponibilidade e carinho, me dando
força e estimulando ao máximo a minha produção, demonstrando em muitos momentos
uma confiança bem maior em minha capacidade do que a que eu acreditava possuir.
A Ana Cecília Bastos e Miriã Alcântara, cujo profissionalismo me ofereceu
indicações fundamentais para aperfeiçoar o meu trabalho com uma disponibilidade e
gratuidade que me deixam definitivamente devedora, assim como Eduardo Ferreira
Santos e a Dra. Isabel Lima que se dispuseram a ler meu trabalho e me ajudaram na
tentativa de torná-lo mais acadêmico.
Da AVSI e CDM infinita é a lista de pessoas a quem gostaria de agradecer,
meus colegas e amigos próximos, que contribuem para tornar o escritório um ambiente
tão agradável e familiar. Como seria impossível citá-los individualmente, agradeço a todos
através das pessoas que me dedicaram tempo para as entrevistas, Arturo Alberti, Alberto
Piatti, Maria Teresa Gatti, Enrico Novara, Fabrizio Pellicelli, Paola Cigarini, Edina Nazaré
Ramos, que muito contribuiram para expandir e clarificar meu conhecimento sobre a
origem, a história da AVSI, assim como o funcionamento do COF. Em particular agradeço
a Fabrizio Pellicelli, diretor do escritório da AVSI em Salvador, porque foi através da
convivência diária e de sua amizade que aprendi, não apenas tudo o que sei sobre a
AVSI, mas também o sentido mais profundo do trabalho como expressão do ser, pois,
como chefe, sempre me estimulou a expressar minhas potencialidades assim como a dar
o melhor de mim, para retribuir a confiança em mim depositada.
Agradeço também ao Dr.Mário Gordilho, a Jurandir Fonseca e a Maria de
Fátima Cardoso, da CONDER, ao Dr. Ivo Imparato do Banco Mundial e Cities Alliance,
assim como a Dra. Loredana Stalteri do Governo Italiano, que muito contribuíram para o
meu crescimento pessoal e profissional.
Aos meus amigos, italianos e brasileiros, pelo simples fato de existirem, e, em
particular ao “quinteto fantástico” Bella, Wal, Syl, Helô e M.Célia, sempre próximas e
companheiras.
A minha irmã Angélica, que muito se esforçou para estar aqui no dia da minha
defesa e que, apesar da distância, consigo sempre sentir tão próxima.
Por fim, mas não menos importante, um agradecimento especial para a minha
“família brasileira”, “a excêntrica família sequelada”, que me acolhe há mais de seis anos
fazendo-me verdadeiramente sentir em casa, ensinando a uma “gringa” o significado do
aconchego e do calor do povo brasileiro.
Se queres construir um navio, não comeces chamando as pessoas a
buscar a madeira, a preparar as ferramentas, a atribuir funções e a
distribuir o trabalho; mas primeiro desperta nelas a saudade pelo grande
e infinito mar.
Antoine de Saint-Exupéry
RESUMO
Este trabalho pretende estudar e aprofundar o método para o enfrentamento do problema
da pobreza urbana elaborado pela ONG AVSI – Associação Voluntários para o Serviço
Internacional, exemplificando sua atuação em um projeto a suporte de famílias de baixa
renda na comunidade de Novos Alagados, em que residem cerca de 2000 famílias, na
cidade de Salvador, capital do Estado da Bahia.
Após apresentar a ONG AVSI, sua origem e caracterizar sua atuação no mundo, no Brasil
e na cidade de Salvador, especialmente no que se refere ao Projeto de Novos Alagados,
o trabalho pretende analisar a fundamentação metodológica da AVSI e aprofundar os
nexos existentes entre e a teoria e a sua aplicação prática no projeto do Centro de
Orientação da Família -COF em Novos Alagados, especialmente no que se refere ao
trabalho realizado para o combate à desnutrição infantil.
Colocando a Pessoa e a família, sua dignidade e liberdade, como centro e finalidade
última de cada ação, a metodologia parte do reconhecimento do patrimônio da
comunidade, para conhecer e analisar o positivo presente na realidade antes da
intervenção, de forma que o planejamento possa favorecer um desenvolvimento
sustentável, que vise fortalecer os recursos da comunidade, as formas associativas
existentes que atuam com finalidades ligadas ao bem comum, estimulando a formação de
um tecido social rico em participação, em que as associações intermediárias possam ser
apoiadas e credenciadas, segundo o princípio metodológico da subsidiariedade.
O presente estudo pretende também verificar a aplicação prática desses princípios
metodológicos no suporte às famílias de baixa renda.
Palavras – chaves: Pobreza; Pessoa; Família; Desenvolvimento.
ABSTRACT
This paper's purpose is to present an in-depth study on the method developed by the NGO
AVSI –Association of Volunteers for the International Service– to cope with the problem of
urban poverty. AVSI's actions are exemplified by a project it developed to support lowincome families in the community of Novos Alagados, a neighborhood inhabited by about
2000 families in the city of Salvador, the Brazilian State of Bahia's capital.
Besides introducing the NGO AVSI, giving an account on its origins and describing the
activities it carries out worldwide, in Brazil and in the city of Salvador –notably as regards
the Novos Alagados Project– this paper will analyze AVSI's methodological foundations
and examine the existing relationship between theory and its practical applications in
Novos Alagados' COF (Family Advisory Center) project, particularly as concerns the
Center's work against child undernourishment.
By focusing on People and the family, as well as their dignity and freedom as the central
and ultimate target of any action, AVSI's methodology takes its roots in the
acknowledgment of the community's assets, in order to recognize and analyze the existing
positive features before the intervention. Thus planning can be designed to favor
sustainable development –aimed at improving community resources and the existing
associations that work towards the common good– by stimulating the growth of a social
fabric that is rich in participative activities, and on which intermediate associations can be
supported and accredited based on the methodological principle of subsidiarity.
This study is also a survey on the application of the above-mentioned methodological
principles in the practice of supporting low-income families.
Key words
1. Poverty; 2. Person; 3. Family; 4. Development.
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO
15
2
METODOLOGIA
20
2.1
O CONTEXTO DO ESTUDO
21
2.1.1
Novos Alagados
20
2.1.2
As famílias em Novos Alagados
21
2.2
A OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE
26
2.3
REVISÃO DA LITERATURA
27
2.4
ENTREVISTAS
32
3
A AVSI: DE NOVOS ALAGADOS AO PROGRAMA RIBEIRA AZUL
34
3.1
QUEM É A AVSI
34
3.2
O IDEAL: DE ONDE NASCE
37
3.3
A AVSI EM SALVADOR: O PROJETO DE NOVOS ALAGADOS
43
3.4
PAPEL DA AVSI EM NOVOS ALAGADOS E NO PROGRAMA RIBEIRA AZUL
49
4
UM MÉTODO PARA REDUÇÃO DA POBREZA
56
4.1
CENTRALIDADE DA PESSOA
56
4.1.1
Visão de Desenvolvimento
57
4.1.2
A pobreza
67
4.1.3
As Necessidades
70
4.2
PARTIR DO POSITIVO
75
4.2.1
O Conhecimento
76
4.3
FAZER COM
80
4.3.1
A Participação Comunitária
80
4.3.2
Os Escritórios de Campo
82
4.3.3
As Associações Intermediárias
82
4.3.4
Colaboração Governo/Ong
84
4.4
DESENVOLVIMENTO DAS ASSOCIAÇÕES INTERMEDIÁRIAS E SUBSIDIARIEDADE
86
5
CENTRO DE ORIENTAÇÃO DA FAMÍLIA – COF
91
5.1
INTRODUÇÃO
91
5.2
HISTÓRICO DO PROJETO
94
5.3
DESCRIÇÃO DO PROJETO
99
5.3.1
A Equipe Multidisciplinar
99
5.3.2
Ambulatório de Nutrição
102
5.3.3
Ambulatório de Pediatria
106
5.3.4
Ambulatório de Psicologia
108
5.3.5
Oficinas de Estimulação Psicomotora e Educação Alimentar
111
5.4
A ATUAÇÃO DO COF À LUZ DA METODOLOGIA DA AVSI
120
6
CONSIDERAÇÕES FINAIS
127
REFERÊNCIAS
132
LISTA DE FIGURAS
Figura 1
Área do Programa Ribeira Azul
20
Figura 2
Mapa da presença da AVSI e do AVSI Network
35
Figura 3
O Arcebispo Dom Lucas Moreira Neves, Padre Petrini,
Representantes da AVSI, do Governo da Bahia e da comunidade,
visitam Novos Alagados
43
Figura 4
As palafitas
44
Figura 5
Novos Alagados durante a intervenção: foto 1996
46
Figura 6
Novos Alagados: situação atual: foto 2004
46
Figura 7
Novos Alagados: novas casas construídas pelo Projeto: foto 2002
47
Figura 8
Creche João Paulo II, 2005
52
Figura 9
Crianças na Creche João Paulo II, 2005
52
Figura 10
Centro Educativo João Paulo II, 2005
53
Figura 11
Centro de Orientação da Família - COF 2005
54
Figura 12
Centro de Educação Desportiva e Profissional do Boiadeiro –
CEDEP. Foto 2004
55
Figura 13
Centro de Orientação da Família - COF 2005
97
Figura 14
Centro de Orientação da Família - COF 2005
98
Figura 15
Medição peso criança.
105
Figura 16
Medição altura criança
105
Figura 17
Visita domiciliar
105
Figura 18
Visita domiciliar
105
Figura 19
Atendimento de pediatria
107
Figura 20
Consultório de pediatria
107
Figura 21
Atendimento de psicologia
110
Figura 22
Atendimento de psicologia
110
Figura 23
Oficina de culinária
112
Figura 24
Oficina de culinária
112
Figura 25
Oficina de culinária
113
Figura 26
Oficina de culinária – Uma mãe cozinhando
113
Figura 27
Oficina de culinária
113
Figura 28
Oficina de culinária
113
Figura 29
Oficina de culinária – atividade psicomotora
113
Figura 30
Crianças limpando a mesa após a oficina
113
Figura 31
Oficina de culinária Infantil – Lavando as mãos
114
Figura 32
Oficina de culinária Infantil – Mãos na massa!
114
Figura 33
Oficina de culinária Infantil – Preparando o pão
114
Figura 34
Oficina de culinária Infantil – preparando o pão
114
Figura 35
Oficina de culinária Infantil – Finalizando o pão
114
Figura 36
Oficina de culinária Infantil – Pão pronto
114
Figura 37
Oficina materna Tomando banho
115
Figura 38
Oficina materna Tomando banho com a mãe
115
Figura 39
Oficina materna - escovando os dentes
115
Figura 40
Oficina materna - prontos para almoçar com a mãe
115
Figura 41
Oficina de brinquedos
116
Figura 42
Oficina de brinquedos
116
Figura 43
Brinquedos prontos
116
Figura 44
Brinquedos prontos
116
Figura 45
Oficina de saladas de fruta – reconhecendo as frutas
117
Figura 46
Oficina de saladas de fruta – lavando as frutas
117
Figura 47
Oficina de saladas de fruta – cortando e preparando as frutas
117
Figura 48
Oficina de saladas de fruta – desenhando as frutas
117
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1
Caracterização das crianças atendidas quanto a redução
no déficit ponderal e/ou estatural, julho de 2002 a julho de 2004
102
Gráfico 2
Evolução do estado nutricional das crianças atendidas,
segundo indicador P/I , julho de 2002 a julho de 2004
103
Gráfico 3
Incidêcia de anemina nas crianças no início e no final do projeto
106
Gráfico 4
Comparação entre o comparecimento ao ambulatório de
Psicologia e a evolução do estado nutricional Estatura/Idade
e Peso/Idade
109
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
População e idade
21
Tabela 2
Densidade Habitacional
22
Tabela 3
Dados sobre a instrução dos habitantes
22
Tabela 4
Dados sobre a instrução dos chefes de família
22
Tabela 5
Percentual de família com renda mensal em salários mínimos
22
Tabela 6
Percentual de chefes de família com renda mensal em salários mínimos 22
Tabela 7
Trabalho dos habitantes
23
1
INTRODUÇÃO
Este estudo analisa a metodologia de trabalho da Fundação AVSI no âmbito da
redução da pobreza urbana e sua aplicação prática em um projeto em suporte das
famílias de baixa renda na comunidade de Novos Alagados em Salvador.
A proliferação e o aumento dos âmbitos de atuação das Organizações Não
Governamentais – ONGs ou, mais geralmente, das Organizações sem Fins Lucrativos,
nesses últimos anos, é um fenômeno que interessa quase a totalidade dos países, em
particular os em via de desenvolvimento, tornando o assunto do estudo particularmente
atual. A atuação dessas organizações é denominada de forma genérica de “Terceiro
Setor”, para distinguí-la da atuação do estado (primeiro setor) e da empresa privada
(segundo setor). Apesar dessa denominação ser útil na medida em que define a diferente
finalidade dessas entidades, como serviços para as pessoas e de utilidade pública,
representando uma alternativa real à burocratização do estado e à lógica lucrativa das
empresas privadas, a mesma traz consigo um equívoco muito comum, ou seja que o
espaço de atuação das entidades sem fins lucrativos estaria limitado aos âmbitos em que
o estado não consegue atuar ou em que o setor privado não teria interesse, pois se trata
de produção de bens e serviços voltados geralmente para um amplo benefício humano,
que, entretanto, não vêm a oferecer suficiente retorno econômico.
Dessa forma a razão da existência do terceiro setor estaria limitada a uma
dupla falta, do estado e do setor privado, negando o ideal principal que motiva a grande
maioria de todas as associações sem fins lucrativos, que é a capacidade de oferecer
respostas criativas às necessidades encontradas e a liberdade de colocar suas
potencialidades a serviço de pessoas e comunidades, cada uma delas segundo suas
inclinações e valores.
O
crescimento
de
organizações
sem
fins
lucrativos,
sua
crescente
estruturação, capacitação e profissionalização, assim como a existência de legislações
que regulamentam suas atuações, contribuiu para que sempre mais essas entidades
atuassem em parceria ou paralelamente a outros órgãos públicos e privados, com
peculiaridades e papéis diferentes, especialmente devido à territorialidade que confere às
organizações do terceiro setor uma proximidade e penetração maior nas comunidades em
que elas atuam.
O âmbito de atuação do “Terceiro Setor”, com suas especificidades, seu papel
em relação ao poder público é um tema que até hoje foi pouco estudado no Brasil. O
interesse em aprofundar e sistematizar o método de atuação de uma fundação sem fins
lucrativos, está ligado à convicção de que a sociedade civil de forma geral tem um papel
fundamental, junto com o poder público, no desenvolvimento de programas e ações a
serviço de pessoas, famílias e comunidades.
A escolha por aprofundar a metodologia da Fundação AVSI e sua atuação em
um projeto em favor de famílias de baixa renda é devido, principalmente, ao fato da autora
ser membro dessa organização, atuando há mais de seis anos como coordenadora dos
projetos sociais da ONG em Salvador. Possui portanto acesso direto a toda a
documentação institucional necessária ao desenvolvimento do presente estudo, tendo
participado ativamente na elaboração da maioria desses documentos, além de ter fácil
contato com os atores institucionais e fundadores da ONG.
Razões históricas também justificam a escolha dessa organização, devido à
experiência que a AVSI vem construindo há mais de 10 anos nessa área, particularmente
na comunidade de Novos Alagados, no Subúrbio Ferroviário, e aos resultados até hoje
alcançados nos projetos e programas desenvolvidos e em desenvolvimento.
A escolha por focar, dentre os diversos projetos que a AVSI desenvolve em
Salvador, o Centro de Orientação da Família – COF é devido principalmente ao fato de
ser esse um projeto que tem como público alvo as famílias da comunidade de Novos
Alagados e por existir um estudo qualitativo externo, realizado recentemente pelo Banco
Mundial (Bastos, et al. 2005), que avalia esse projeto do ponto de vista dos beneficiários,
o que acrescenta informações à análise efetuada, fornecendo indicadores do impacto
social desse projeto na comunidade.
O interesse científico deste trabalho é representado pela possibilidade de
analisar um método para redução da pobreza urbana e sua aplicação numa das áreas
mais degradadas da cidade de Salvador, com particular atenção às ações de suporte para
as famílias de baixa renda, a fim de incrementar o conhecimento científico acerca do
problema da pobreza e as possibilidades de intervir de forma mais eficaz.
O interesse social é evidenciado pela importância que este modelo de intervenção
pode representar na melhoria da qualidade de vida de pessoas, famílias e comunidades
carentes: a possibilidade de propor e utilizar este modelo para diferentes áreas constituise prova de sua utilidade social.
Dessa forma o objetivo geral desse este estudo consiste em sistematizar,
estudar e analisar o método de redução da pobreza utilizado pela fundação AVSI e sua
atuação no Projeto do Centro de Orientação da Família em Novos Alagados, a fim de
contribuir para ações de organizações do terceiro setor voltadas para o desenvolvimento
de comunidades e famílias.
Para atingir esse objetivo o presente estudo segue o seguinte percurso:
Em primeiro lugar é descrita a metodologia utilizada nesse trabalho, composta
por uma apresentação do contexto no qual se insere o trabalho da AVSI, a comunidade
de Novos Alagados e a situação sócio-econômica das famílias para as quais seus
projetos são voltados. Também são explicitados os critérios metodológicos utilizados para
realização desse estudo - a observação participante e as entrevistas semi estruturadas e
não estruturadas com os atores institucionais - além de uma apresentação do referencial
teórico que serviu como base para analisar os principais conteúdos sobre os quais o
trabalho se desenvolve, sendo eles a pobreza, a família, a visão de desenvolvimento, a
concepção de terceiro setor etc.
Sucessivamente o estudo apresenta a Fundação AVSI, o histórico da sua
presença em Salvador, além da sua atuação no Brasil e no mundo. Após uma descrição
das principais atuações da ONG em Salvador, o estudo aprofunda, através de entrevistas
com seus fundadores, o ideal que deu origem à existência e à atuação da AVSI,
entendendo-se por ideal algo diferente de um sonho, ou uma utopia, isto é, uma imagem,
uma idealização criada pelas pessoas que deram origem a uma ação ou uma obra. Nesse
estudo o ideal é considerado como algo que é intrínseco à natureza do ser humano, algo
que brota dele naturalmente e não uma construção teórica. O ideal, diferentemente de um
sonho construído, tem em si a força da motivação profunda da ação, porque tendendo a
esse ideal as pessoas buscam a própria realização, e, assim fazendo, realizam obras.
Em seguida são apresentados e analisados os principais pontos metodológicos
que norteiam todas as ações da AVSI, aprofundando cada um deles a partir de
entrevistas com os fundadores e atores envolvidos, assim como buscando respaldo na
literatura presente sobre esses temas, para, depois, apresentar o Centro de Orientação
da Família – COF, como exemplo de um projeto da AVSI em favor de famílias de baixa
renda, para combater a desnutrição infantil em Novos Alagados, buscando mostrar, não
só os resultados de suas ações, como, principalmente, os nexos dessas ações com os
princípios metodológicos precedentemente descritos. Por fim são apresentadas as
considerações finais da autora sobre o estudo realizado.
2
METODOLOGIA
2.1
O CONTEXTO DO ESTUDO
2.1.1 Novos Alagados
Novos Alagados é uma comunidade do Subúrbio Ferroviário de Salvador de
aproximadamente 14.000 habitantes, localizada na Bahia de Todos os Santos, situada na
enseada do Cabrito, caracterizada por ter sofrido um processo de invasão que ocupou as
áreas alagadiças, a partir da década de setenta, através da construção de palafitas
edificadas precariamente em cima de uma água altamente poluída. A área é chamada
Novos Alagados para se distinguir de outra área, de invasão mais antiga, surgida na
década de quarenta, sempre no subúrbio ferroviário, na enseada dos Tainheiros,
chamada Alagados. Esta área nos anos setenta encontrava-se completamente invadida
por palafitas, mas foi saneada nos anos oitenta através de uma intervenção do Governo
da Bahia que erradicou as palafitas e construiu casas novas para os habitantes. Essa
intervenção foi basicamente de cunho físico, mas não obteve os resultados desejados,
pois as famílias em pouco tempo voltaram a invadir a mesma área, construindo novas e
mais numerosas palafitas. Enquanto o Governo estava saneando a área da enseada dos
Tainheiros (Alagados), uma nova ocupação nasceu na enseada dos Cabritos que, por ser
uma invasão mais recente, foi denominada Novos Alagados.
Figura 1
Área do Programa Ribeira
Azul
FONTE: CONDER
Fonte:
Sendo o primeiro momento da ocupação, as moradias da maré eram
construídas com muita simplicidade e com materiais de pouco custo, como
tábuas, madeirites e lonas. Nas moradias aterradas, à beira mar, os
habitantes utilizavam a técnica do massapê (barro), que consistia em fazer
trançados de varas em toda a casa, para as paredes e divisórias, em forma
quadricular, que era preenchido de barro, em diversos mutirões. As
mulheres e crianças ajudavam a pisar o barro no chão, enquanto os
homens iam preenchendo os quadrados. (...). Os barracos das palafitas
tinham os paus de sustentação fincados na lama, sendo que, a partir daí,
se fazia o chão com tábuas, e, sustentadas por vigas, se faziam as
divisórias. Após a construção das moradias, as pontes iam crescendo em
direção ao centro da Enseada do Cabrito. De tempo em tempo as
madeiras eram trocadas, devido ao apodrecimento.(FERREIRA SANTOS,
2005a; p.32-33)
2.1.2 As famílias em Novos Alagados
Em 1998 a AVSI realizou uma pesquisa sócio-econômica em uma área de
Novos Alagados, que compreendia cerca de 2000 famílias (Novos Alagados - II Etapa),
para o conhecimento da população. Esses dados, reportados nas tabelas a seguir,
descrevem de forma sintética sua vulnerabilidades social.
Tabela 1 – População e idade
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A população se configura como principalmente jovem, estando mais de 61%
dela situada na faixa etária entre 0 e 25 anos. A Densidade Habitacional também é alta e
o nível de escolaridade da população e dos chefes de família é principalmente médiobaixo (até o primeiro grau).
Tabela 2 – Densidade habitacional
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A renda média das famílias também é baixa, sendo que 83% da população
declara ganhar até um salário mínimo e as condições de trabalho precárias, sendo que
quase 50% dos habitantes não desenvolvem nenhuma atividade, com 20% apenas de
trabalhos ocasionais.
Tabela 5 – Percentual de família com renda mensal em salários mínimos
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Os dados do IBGE (censo do ano 2000), relativos à mesma comunidade,
comparados com os da AVSI, permitem afirmar que
as mulheres responsáveis pelos domicílios apresentam uma
vulnerabilidade maior tanto do ponto de vista da instrução, como da renda:
As mulheres responsáveis pelos domicílios sem renda resultam em
18,9%, contra 13,3% dos homens; as mulheres que possuem renda abaixo
do salário mínimo são 40,3% contra 19,4% dos homens chefes de família
(IBGE).
As mulheres responsáveis pelos domicílios analfabetas ou com
menos de um ano de estudo são 12,9%, contra 5,5% dos homens
(IBGE).(AVSI 2002)
Esses dados evidenciam a vulnerabilidade dessa comunidade e das famílias da
área, em particular das mulheres, principalmente do ponto de vista sócio-econômico. Um
estudo antropológico, realizado para aprofundar a compreensão das pessoas e famílias
destas comunidades (AVSI 2002), ofereceu uma descrição do padrão dominante de
estrutura familiar em Novos Alagados:
(...) é semelhante a da “família caribenha”: unidade doméstica composta
por mulher não casada e pelos filhos2 dessa mulher. A forma característica
de relacionamento homem-mulher é tipicamente descrita como
“monogamia serial”, na qual o papel do homem na unidade doméstica é
relativamente transitório e limitado.
Muitos filhos vivem na casa dos pais após os 20 anos, o que, apesar de
em parte se dever à ausência de alternativas, ao mesmo tempo comprova
a forte conexão com suas famílias. As unidades domésticas relativamente
pequenas – em contraposição às aglomerações maiores de múltiplas
gerações – tendem a predominar. Este grau relativamente alto de
ramificação das unidades domésticas parece relacionar-se à facilidade que
a família tinha até recentemente de ajudar seus filhos a estabelecer suas
próprias casas ou palafitas, reproduzindo assim o processo construtivo não
apenas em termos de moradia, mas também de estrutura familiar.(AVSI
2002, p.225)
No mesmo estudo são enfatizados outros indicadores de vulnerabilidade social e
familiar:
•
1
PEA: População Economicamente Ativa
Os filhos de mães jovens muitas vezes são criados pela avó. Também é comum ver mulheres criar filhos
de parentes distantes e até de não parentes.
2
É comum as meninas engravidarem no início da adolescência, geralmente
sem estabelecer um relacionamento estável com o pai da criança.
Gravidez em série de pais múltiplos, antes dos vinte anos de idade, não
são raros. Meninas adolescentes e até pré-adolescentes estão mais
sujeitas a se envolverem com prostituição, meninos adolescentes e até
pré-adolescentes com o crime, e ambos, com o uso de drogas. (AVSI
2002, p.225)
Os atos violentos, a ausência do pai e a desagregação familiar que caracteriza
as famílias de Novos Alagados, podem ser enfatizadas à luz também do estudo de Alves
e Lima (2003), em pesquisa sobre a prática de atos infracionais na cidade de Salvador,
que confirmaram uma significativa participação de jovens envolvidos nestas ocorrências
residentes na região do subúrbio ferroviário.
Apesar de se tratar de uma área carente, de uma “favela”, muitas das
mudanças que marcam as famílias de Novos Alagados, de forma geral, envolvem um
contexto mais generalizado e muito maior, que vai além da comunidade em questão.
A família participa dos dinamismos próprios das relações sociais e sofre as
influências do contexto político, econômico e cultural no qual está imersa.
A perda de validade de valores e modelos da tradição e a incerteza a
respeito das novas propostas que se apresentam, desafiam a família a
conviver com certa fluidez e abrem um leque de possibilidades que
valorizam a criatividade numa dinâmica do tipo tentativa de acerto e
erro.(PETRINI, 2005, p.28)
O autor, em estudo sobre as mudanças sociais e familiares na atualidade
evidencia como a crise do modelo da família baseado no patriarcado, manifesta-se na
“crescente variedade de modos nos quais as pessoas escolhem conviver e criar as
crianças” (Castelli, 2003, citado por Petrini, 2005, p.28). As causas desse fenômeno são
certamente muito complexas e articuladas, não sendo oportuno um seu aprofundamento
nesse âmbito, mas as conclusões descritas nesse estudo (Petrini, 2005 p.28-32)
evidenciam alguns fatores de fundamental importância para o conhecimento da realidade
em que atua o projeto COF, voltado para as famílias de Novos Alagados:
a)
Diminuição
do número de casamentos e aumento no número de famílias
reconstituídas, uniões de fato e famílias monoparentais;
b)
Aumento do número de famílias chefiadas por mulheres;
c)
Aumento da posição igualitária entre homem e mulher, não sendo mais
exclusivas para as mulheres as tarefas prevalentemente domésticas;
d)
Verifica-se uma desinstitucionalização da família, no sentido de considerá-la
como realidade privada;
e)
É colocado em questão o ideal do sacrifício individual para o bem da família,
sendo mais rapidamente alcançado o ponto de saturação no relacionamento do
casal;
f)
As tarefas educativas e de socialização são cada vez mais compartilhadas com
outras agências, públicas ou privadas.
A comunidade de Novos Alagados, além dos dados de vulnerabilidade devida às
condições sócio - econômicas e familiares, é caracterizada por um grande patrimônio
humano, que se manifestou, ao longo dos anos, em uma história de organização popular
e de sentimento muito forte de pertencer a uma comunidade, que permitiu a essa
população, através das formas associativas espontaneamente criadas, alcançar muitas
das mudanças que o bairro vivenciou nos últimos 10 anos.
O diferencial de Novos Alagados em relação a outras comunidades
carentes de Salvador vai se dar com a importante concepção da
organização popular como forma de pressionar o poder público para a
melhoria da vida do bairro. (...) Temos o registro do nascimento da
organização popular em Novos Alagados através dos moradores que se
reúnem para realizar mutirões, passeios e festas, no intuito de conseguir
dinheiro para construir o barracão da sociedade que abriga a Escola
Popular Novos Alagados, a biblioteca (...). Durante mais de vinte anos, a
organização comunitária esteve centralizada em poucas associações de
bairro. Com a urbanização da área, na década de 1990, e a chegada de
novos atores sociais, começou a acontecer uma efervescência de projetos
sociais e moradores envolvidos nesses projetos, realizando, nas mais
diversas áreas de atuação, serviços e atividades, propondo iniciativas
educacionais, profissionalizantes e culturais. (FERREIRA SANTOS, 2005a;
p. 35-38)
Em um estudo sobre as formas associativas da sociedade civil no Programa
Ribeira Azul (AVSI 2002), foram cadastradas, somente na área de Novos Alagados, mais
de vinte associações comunitárias e serviços de utilidade pública atuando nos âmbitos de
educação, família, saúde, trabalho e qualificação profissional, esporte e lazer, habitat e
organização comunitária. O surgimento de tantas associações, mesmo com níveis
diferenciados de estrutura e organização, proporcionou para a comunidade uma série de
serviços e representa, certamente, um claro sinal de uma população que reagiu de forma
ativa às dificuldades encontradas e de uma sociedade civil que se organizou com
criatividade para o benefício de seus moradores.
2.2
A OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE
Para a realização desse estudo foi utilizada uma abordagem qualitativa baseada
na observação participante. A autora está inserida no contexto estudado, sendo ela
italiana, funcionária da AVSI.
(...) observação participante refere-se a uma situação onde o observador
fica tão próximo quanto um membro do grupo do qual ele está estudando e
participa das atividades normais deste “(Mann, 1975, p.95)”.
A utilização da observação participante trouxe provavelmente uma grande
vantagem e, ao mesmo tempo, aspectos dificultadores nesse trabalho. A vantagem
consiste no acesso que a autora tem a todos os documentos da ONG, assim como a seus
representantes institucionais, conhecendo detalhadamente as ações realizadas e o
contexto no qual elas estão inseridas; participou ativamente da elaboração da maioria dos
documentos existentes sobre o trabalho da AVSI em Salvador, possuindo, portanto, um
amplo conhecimento do objeto do estudo. O Limite é determinado pelo envolvimento
pessoal e profissional da autora, o que representa um elemento dificultador na busca do
distanciamento necessário para uma avaliação crítica ou uma análise com maior isenção
para a realização de um trabalho científico e acadêmico.
A autora não ignora que “o olhar distanciado, exterior, diferente, do estranho, é,
inclusive, a condição que torna possível a compreensão das lógicas que escapam aos
atores sociais” (Laplantine, 2000. p.184).
Esse limite foi enfrentado através do confronto com outros profissionais e
colegas e, principalmente, através do diálogo com o orientador que alertava
constantemente contra esse risco e ajudava a entender a produção – cultura – como a
revisão crítica e sistemática da experiência.
2.3
REVISÃO DE LITERATURA
A literatura consultada, principalmente italiana e brasileira, foi subdividida em
três principais categorias:
1) Documentos institucionais
2) Textos acadêmicos
3) Outros textos teóricos
Os Documentos Institucionais compreendem parte dos textos, panfletos,
publicações, atas de seminários, documentos de uso interno, etc. produzidos diretamente
pela AVSI, pela CONDER ou pelos parceiros da ONG em Salvador. Esses textos
ajudaram na compreensão da instituição e do contexto do objeto de estudo. Em particular
foi estudado e analisado o Plano de Desenvolvimento Social e Ambiental do Programa
Ribeira Azul (AVSI 2002), que contém a “Fundamentação Metodológica do Programa
Ribeira Azul”, em que é apresentado o método da ONG para programas de redução da
pobreza urbana, que suscitou as reflexões desse trabalho sobre temas como a pessoa, a
família, as associações sem fins lucrativos, a pobreza e o desenvolvimento. Também
foram estudados os documentos de uso interno do Centro de Orientação da Família, para
melhor apresentar o funcionamento do projeto e as articulações entre este e a
metodologia da AVSI.
Os Textos acadêmicos aqui utilizados têm a função de fornecer o referencial
teórico desse trabalho, além de fornecer objetividade e consistência científica à análise
dos temas tratados.
As obras de Schwartzman (2004) e Salama & Destremau (1999), ofereceram
material privilegiado para o aprofundamento das causas da pobreza e a utilização de
estatísticas para a descrição do fenômeno no Brasil, assim como para a compreensão
dos parâmetros mais freqüentemente utilizados nas pesquisas divulgadas pelas agências
nacionais e internacionais, de Linha de Pobreza, Linha de Indigência, Necessidades
Básicas Insatisfeitas, Índice de Desenvolvimento Humano, etc.
A obra de Rocha (2003) auxiliou na conceitualização da pobreza, especialmente
no que se refere ao contexto brasileiro, oferecendo uma descrição cuidadosa do
fenômeno nos últimos quinze anos. O referencial teórico da autora, apesar de oferecer
uma
visão
principalmente
econômica
do
fenômeno,
foi
útil
também
para
o
aprofundamento da questão da mensuração da pobreza e da conceituação da pobreza
absoluta e pobreza relativa.
A obra de Zaluar (1985 e 2003) e seu viés antropológico, foram de grande
utilidade para devolver à análise da pobreza um olhar diferente e uma descrição da favela
como:
Lugar do lodo e da flor que nele nasce, lugar das mais belas vistas e do
maior acúmulo de sujeira, lugar da finura e da elegância de tantas
sambistas, desde sempre, e da violência dos mais famosos bandidos que
a cidade conheceu ultimamente, a favela sempre inspirou e continua a
inspirar tanto o imaginário preconceituoso dos que dela querem se
distinguir quanto os tantos poetas e escritores que cantaram suas várias
formas de marcar a vida urbana. (ZALUAR, 2003. p. 8).
O estudo de Paugam (2003) sobre a desqualificação social foi importante para
uma reflexão sobre os riscos de se cair no assistencialismo quando se opera em projetos
sociais, segundo os modelos, por ele individuados, dos “fragilizados, assistidos e
marginalizados” (p.85), mesmo que essas categorias não esgotem a realidade social.
Essa visão da exclusão social dos pobres é enfatizada pela obra de Martins que nela
coloca também uma dimensão moral:
A provação hoje é mais do que privação econômica. Há nela, portanto,
certa dimensão moral. A velha pobreza oferecia ao pobre a perspectiva da
ascensão social (...). A nova pobreza já não oferece essa alternativa a
ninguém. Ela cai sobre o destino dos pobres como uma condenação
irremediável. (MARTINS,1997, p.18-19)
Ainda sobre o tema da pobreza foi aprofundada a obra de Moser(1995, 1996a e
1996b): mais do que apenas medir a capacidade de satisfazer as necessidades básicas
de sobrevivência, a teoria de Moser considera a pobreza urbana como algo dinâmico
onde o patrimônio exerce um papel fundamental, pois representa os recursos presentes
na comunidade e que podem ser utilizados pelos indivíduos para garantir, para si e seus
familiares, maior segurança e um melhor padrão de vida. Os recursos que compõem o
patrimônio são: o Trabalho; a Moradia; a Educação; a Saúde; as Relações Familiares e o
Capital Social (capacidade de organização e participação). Juntos, eles determinam a
segurança e o bem estar da comunidade e podem aumentar ou diminuir de acordo com o
patrimônio. Quanto mais privados de elementos do patrimônio ou ameaçados por fatores
externos, mais vulneráveis estarão os indivíduos que constituem a comunidade. Este é o
fator vulnerabilidade (Moser, 1996b), que deve ser enfrentado a fim de se alcançar um
aumento da qualidade de vida dos moradores.
Os textos de Ferreira Santos (2005a e 2005b), foram muito úteis para a
compreensão do contexto da comunidade de Novos Alagados, complementando o
conhecimento científico e o olhar técnico com uma abordagem principalmente humana da
realidade, da vida das pessoas dessa comunidade, reforçando em particular o seu grande
potencial de organização e, ao mesmo tempo, as dificuldades e o sofrimento da vida
enfrentada nesse bairro:
Novos Alagados é um bairro intenso em sua vida. Crianças e jovens
andam pela rua brincando, jogando, conversando. As ruas crescem para
os lados e principalmente para cima, com os “puxados”, planejados pelos
próprios habitantes; novos moradores chegam e há, também, muita
movimentação nas ruas porque há, também, muitas instituições – escolas,
projetos sociais, creches, cursos, igrejas, terreiros – presentes na
localidade. Os moradores mais velhos estão morrendo, levando consigo
histórias e conhecimentos importantes sobre o lugar. Mas há também
morte dos jovens, principalmente daqueles que se envolvem com drogas e
com a posse de armas; há uma relação direta entre uso de drogas e a
marginalização que leva à morte muitos jovens antes mesmo que cheguem
à casa dos vinte anos.(FERREIRA SANTOS 2005a; p. 23).
Conhecer o ponto de vista dos beneficiários dos projetos sociais da AVSI em
Novos Alagados, através do estudo de Bastos et al. (2005), foi importante para
fundamentar algumas intuições que até então só eram partilhadas pelos atores sociais
envolvidos nos projetos, não possuindo dessa forma, nenhuma fundamentação científica.
O estudo realizado através de grupos focais com os beneficiários permitiu verificar em
parte o impacto da metodologia utilizada.
A impressão geral, a partir do relato dos beneficiários diretos da creche e
do Projeto de Recuperação de Crianças Desnutridas é de grande
satisfação com a sua existência e com o seu impacto sobre a saúde das
crianças por eles contempladas e por seus familiares. Chama a atenção o
entusiasmo com o qual os entrevistados (pais e mães das crianças) se
referem a essas intervenções, reconhecendo o benefício por eles gerado
para os beneficiários, mas também para a comunidade como um todo no
sentido de constituir-se em um “bem social” que deve ser preservado e
ampliado para contemplar outros moradores. (BASTOS et al, 2005. p.43)
A reflexão que nasceu dos princípios metodológicos da AVSI se baseou em uma
literatura principalmente italiana, com base na doutrina social da Igreja, que resgata e
define o papel da sociedade civil, do estado, da pessoa e da família, na construção da
sociedade moderna. O conceito de pessoa e de família foram aprofundados
principalmente através da produção acadêmica de Petrini (2004 e 2005), enquanto a obra
de Vittadini (1997) ajudou principalmente na construção teórica do papel da sociedade
civil e sua relação com o poder público, inserindo, dessa forma, uma importante reflexão
sobre as organizações do terceiro setor e as, assim chamadas, associações
intermediárias. Trata-se de uma série de conceitos teóricos que influenciaram e até
determinaram a formação da sociedade moderna e a concepção popular do estado:
A concepção popular do estado é principalmente o fruto teórico e prático
da síntese entre a doutrina católica das associações intermediárias e a
liberal baseada na preeminência do indivíduo (...). A inteira concepção
popular do Estado parece inspirada e regida por um núcleo central e
originário que tende a afirmar em cada instituição ou atividade do Estado o
binômio incindível de pessoa e comunidade, liberdade e solidariedade,
autonomia e responsabilidade. (FONTANA, 2005, p.34)
Os Outros Textos Teóricos reúnem pensamentos e idéias que foram de
fundamental importância no desenvolvimento do trabalho, mas que por sua natureza, não
podem ser classificados como textos acadêmicos. Trata-se por exemplo de Cartas
Encíclicas do Papa, ou ainda de livros que recolhem os pensamentos de teólogos,
religiosos, políticos, ou livres pensadores que expressam suas idéias sobre temas de
interesse do trabalho apresentado.
2.4
ENTREVISTAS
Foi utilizada a técnica da entrevista principalmente para complementar as
informações que não estavam presentes no material pesquisado, especialmente em
relação à origem da AVSI e ao ideal que motiva sua atuação.
Com esse intuito foram entrevistados, no dia 13 de março de 2005, em Buenos
Aires, em ocasião do II encontro da Companhia das Obras da América Latina, (à qual a
AVSI adere), os representantes institucionais da AVSI que acompanham a ONG desde o
seu nascimento, assumindo até hoje cargos de direção. Dessa forma foram entrevistados:
•
Arturo Alberti, presidente da Fundação AVSI
•
Alberto Piatti, secretário geral da Fundação AVSI
•
Fabrizio Pellicelli, diretor AVSI Salvador-BA
Foi usada a entrevista semi-estruturada com um breve roteiro de perguntas que
podiam ser modificadas e / ou complementadas, durante o andamento da entrevista. As
entrevistas foram gravadas com aparelho digital, copiadas em arquivos no computador e
transcritas durante a realização do trabalho.
Também para complementar as informações não publicadas em textos oficiais,
foram gravados, no dia 14 de março de 2005, em Buenos Aires, os depoimentos de
responsáveis da AVSI em ocasião do Encontro dos Técnicos da AVSI na América Latina,
com seu consentimento, para incrementar o material utilizado na elaboração do presente
estudo. Dessa forma foram gravados os depoimentos de:
•
Arturo Alberti, presidente da Fundação AVSI
•
Alberto Piatti, secretário geral da Fundação AVSI
•
Maria Teresa Gatti, responsável AVSI na América Latina
•
Fabrizio Pellicelli, diretor AVSI Salvador-BA
Também foram ouvidos, a partir de entrevista não-estruturada, respectivamente
no dia 14 de março de 2005, em Buenos Aires, e no dia 29 de junho de 2005 em
Salvador, Fabrizio Pellicelli, diretor da AVSI Salvador, sobre atuação da AVSI no
Programa Ribeira Azul, de acordo com os princípios metodológicos e Paola Cigarini,
diretora do COF em Novos Alagados e Edina de Nazaré Ramos, nutricionista do COF,
sobre as atividades do Centro e sua relação com a metodologia da AVSI.
3
3.1
A AVSI: DE NOVOS ALAGADOS AO PROGRAMA RIBEIRA AZUL
QUEM É A AVSI
A Fundação AVSI, é uma ONG – Organização Não Governamental, sem fins
lucrativos, que nasceu em 1972 e realiza hoje cerca de 100 projetos de cooperação para o
desenvolvimento em 35 paises no mundo. Sua missão consiste em apoiar o desenvolvimento
humano nos países em vias de desenvolvimento em sintonia com os ensinamentos da Doutrina
Social da Igreja Católica, com particular atenção à educação e à promoção da dignidade da
pessoa em todas as suas expressões.
Hoje a AVSI está presente na África, América Latina, Europa do Leste, Oriente Médio e opera nos
setores sanitários, da higiene, da infância em condição de risco, educação, formação profissional,
recuperação das áreas marginais urbanas, agricultura, ambiente, micro e pequenas empresas,
segurança alimentar e emergência humanitária.
Nos projetos em andamento são empenhados mais de 100 “cooperantes externos”, ou seja,
profissionais italianos de várias áreas, com formações diferenciadas (médicos, engenheiros, agrônomos,
arquitetos, educadores, etc.), que permanecem por um período de tempo variável nos países em vias de
desenvolvimento, acompanhando e coordenando projetos em colaboração com as populações locais. Além
do pessoal expatriado, a AVSI conta hoje com um quadro de mais de 600 funcionários locais especializados
nos diferentes paises de atuação.
Desde 1973 a AVSI conseguiu o reconhecimento, por parte do Ministério dos Assuntos
Exteriores da Itália, de Organização Não Governamental de Cooperação Internacional, o que lhe
permite receber financiamentos do governo italiano para a realização de projetos de
desenvolvimento dentro de acordos bilaterais e multilaterais. Desde 1996 é credenciada no
Conselho Econômico e Social da Nações Unidas de New York (Ecosoc) e é credenciada em
qualidade de consultora geral nas Nações Unidas para Desenvolvimento da Industria de Viena
(UNIDO) e está inserida na Special List das organizações não governamentais da Organização
Internacional das Nações Unidas para o Trabalho em Genebra (ILO). A AVSI também possui um
sistema de gestão da Qualidade segundo as normas ISO 9001 para a fase de projeto e
anualmente publica o seu Balanço Social devidamente certificado.
Existe hoje no mundo um network informal de 28 organizações não governamentais
que aderem à AVSI e 15 dessas pertencem ao sul do mundo em países em vias de
desenvolvimento.
Figura 2
A AVSI atua em parceria e com financiamentos do Ministério das Relações Exteriores
Mapa da presença da AVSI e do AVSI Network
da Itália, da União Européia, Agências das Nações Unidas, UNICEF, UNDP, UNCHS Habitat, de
entidades internacionais como Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID e
Programa Alimentar Mundial; além disso, coopera com entidades locais, instituições de
solidariedade internacional e associações de categoria, empresas e financiadores privados.
Cerca de 60% dos fundos e dos recursos da AVSI são oriundos de doadores privados
e famílias que apoiam o trabalho da ONG, entre elas existem cerca de 27.000 adoções a
distância, ou seja, doações constantes e periódicas de famílias para apoiar crianças e
adolescentes em estruturas educativas em várias cidades no mundo. Através dessas doações as
crianças recebem uma adequada alimentação, cuidados médicos, se beneficiam de intervenções
higiênico-sanitárias e freqüentam a escola em suas comunidades.
A AVSI também é uma entidade autorizada, pela comissão pelas Adoções
Internacionais, a cuidar dos procedimentos de adoção internacional.
3.2
O IDEAL: DE ONDE NASCE
Na década de 50 nascia na Itália, na periferia da cidade de Milão, um
movimento de um grupo de jovens católicos, ligados aos ensinamentos de Luigi Giussani3
(1922–2005), que faziam experiências da chamada “caritativa”, vivenciando a “caridade
cristã”, num empenho concreto de solidariedade com pessoas menos favorecidas. O
movimento católico, na época Juventude Estudantil, mais tarde Comunhão e Libertação,
promovia, dentre outras coisas, experiências de solidariedade, a partir de uma educação
para a gratuidade, que nascia de uma concepção de cristianismo “não como um sistema
intelectual, um pacote de dogmas, um moralismo, mas (...) um encontro, uma história de
amor, um acontecimento4”, que se manifesta em gestos concretos de “caridade”, ou seja,
gestos concretos de doação ao próximo, em termos de tempo, capacidades, serviço,
como forma de “doar-se e amar essas pessoas exatamente do jeito que elas são, do jeito
que eu as encontro5”.
Dessas experiências da “caritativa”, que foram se tornando sempre mais
numerosas e se expandindo também territorialmente no resto da Itália, nasceram as
primeiras viagens de grupos de jovens amigos para apoiar iniciativas de solidariedade em
paises em via de desenvolvimento, estreitando, dessa forma, novos vínculos e laços de
amizade. O desejo de continuar apoiando esses amigos de forma estruturada, foi o que
3
Luigi Giussani nasceu em Désio (Milão) em 1922. Realizou seus estudos na faculdade de Teologia
de Venegono, na qual lecionou por alguns anos, especializando-se na teologia oriental, na teologia
protestante americana e no aprofundamento da motivação racional da adesão à fé e à Igreja. Na década de
1950, deixou o ensino no seminário para lecionar no segudo grau e criou a Juventude Estudantil – mais
tarde movimento de Comunhão e Libertação – hoje presenta na Itália e em setenta países do mundo. De
1964 a 1990 foi titular da cadeira de Introdução à Teologia na Universidade Católica de Milão. Foi fundador
e presidente da Fraternidade de Comunhão e Libertação e da associação eclesial Memores Domini, ambas
reconhecidas e aprovadas pelo Pontifício Conselho para os Leigos. Em 1995 recebeu o Prêmio
Internacional de Cultura Católica. Faleceu em 22 de fevereiro de 2005 em Milão.
4
Monsenhor Joseph Ratzinger, funeral de don Luigi Giussani, Milano, 24 febbraio 2005. Disponível
em: <http://www.clonline.org/funerale/ratzing240205.html> Acesso em: 15 maio 2005
impulsionou a criação da AVSI. Dessa forma, o presidente da AVSI, conta como nasceu a
ONG:
Parti pela África em 1971 e lá fiquei, trabalhando como médico, com
minha mulher, até 1973. A decisão surgiu de uma paixão pelo homem
aprofundada dentro de uma experiência cristã específica, a de Comunhão
e Libertação. AVSI nasceu depois, como uma forma, junto com outros
amigos, de continuar apoiando os amigos na África. A AVSI é portanto a
consequência de um encontro com o Movimento de Don Giussani, mas
não é uma “obra” do Movimento, mas nasceu exatamente da experiência
da caritativa semanal: não existia nenhum projeto, mas um empenho
concreto, dedicar tempo livre para uma iniciativa. (...) A ida à África foi
decisiva: nasceu a AVSI como resposta a uma necessidade encontrada,
para ajudar pessoas concretas, com um rosto, com um nome, não nasceu
como um projeto em favor do terceiro mundo.6
A forma como a AVSI nasceu, desta experiência de “caridade humana e cristã”7,
é fundamental para entender toda sua atuação e sua metodologia. A mensagem
evangélica e o encontro com Cristo são o que motivam toda e qualquer ação que nasce
dessa “paixão pelo homem”:
“Isso não significa ir na África e lá falar de Cristo, mas significa encontrar
pessoas e a partir desse encontro tentar oferecer uma resposta a
necessidades evidentes, da casa, da saúde, do trabalho, e por isso nasce
uma operacionalidade concreta. A AVSI nunca foi concebida como uma
resposta às necessidades do terceiro mundo, ou seja, partindo de um
corte ideológico (fome no mundo, crianças necessitadas...). O início e os
passos sucessivos sempre foram determinados por encontros com
pessoas”.8
Isso porque é através do encontro com pessoas e realidades que pode se
realizar a “verdadeira caridade”, vista por Don Giussani como “dom com-movido de si”, ou
seja um dom de si que é movido junto com outras pessoas9.
Interessante é ver que o método com que a AVSI, como já visto, presente hoje
com mais de 100 projetos em 35 paises no mundo, começa sua atuação em um novo
5
Giorgio Vittadini, Buenos Aires, II Encontro de Companhia da Obras da América Latina. 12 de
março de 2005.
6
Entrevista ao Presidenta da AVSI, no dia 13 de março de 2005.
7
“Don Giussani me ensinou uma unidade na pessoa. Não existem dois percursos, um humano e um
cristão”. Entrevista ao Presidenta da AVSI, no dia 13 de março de 2005.
8
Entrevista ao Presidenta da AVSI, no dia 13 de março de 2005.
9
Entrevista ao Presidenta da AVSI, no dia 13 de março de 2005.
país, ou cidade, nunca foi ligado a uma escolha ou um planejamento a priori, apontando
para um determinado lugar no mapa, ou para resolver problemas em nível macro, mas é
sempre determinado do encontro entre pessoas: da mesma forma como no Congo tudo
começou para apoiar alguns amigos, até hoje essa é a modalidade com que a AVSI
começa uma presença:
Ter ido na Serra Leoa não derivou de uma programação, mas nasceu de
um padre que atuava lá que encontrou Don Giussani e esses tiveram uma
grande sintonia e, a partir daí ele nos disse que devíamos ajudar esse
padre porque era um grande homem. Esse foi o encontro e depois disso
começou a programação, não antes. Então se começou a programar uma
viagem para conhecer a realidade, nos interessamos na situação da
escola, começamos a formar o nosso pessoal etc, mas tudo nasceu de
um encontro com esse padre e de um sim dito a ele.10
Da mesma forma no Brasil a AVSI começou como forma de apoiar umas
pessoas que estavam fazendo experiência da “caritativa” em Belo Horizonte, através de
um pequeno projeto que garantisse um mínimo de cobertura sanitária para os amigos que
já estavam empenhados em uma ação concreta em favor da inserção no mercado do
trabalho de alguns adolescentes. A partir desse primeiro projeto eles dizem que a forma
com que AVSI foi educada a olhar para a totalidade da pessoa, a citada “paixão pelo
homem”, levou os voluntários a não olharem setorialmente somente o aspecto da
inserção no mercado do trabalho, mas a condição habitacional, o contexto da favela, a
situação da família etc, até chegar à elaboração de planos e métodos para a redução da
pobreza urbana, com financiamentos internacionais e um nível sempre mais elevado de
profissionalismo.
Eles afirmam que o ponto principal é sempre partir de uma necessidade real,
ligada a pessoas, do micro ao macro:
Esse método parte da pessoa. Se o problema é colocado sempre
em termos de estruturas, de comércio internacional, de grandes
mudanças, ninguém faz nada, ninguém consegue mudar nada, se
meu objetivo é mudar as Nações Unidas... mas se a abordagem
parte da pessoa, de suas necessidades, então posso chegar até as
10
Entrevista ao Presidenta da AVSI, no dia 13 de março de 2005.
Nações Unidas, mas se parto só das Nações Unidas não vou chegar
certamente à pessoa.11
Os membros da ONG declaram trabalhar para alcançar um nível sempre mais
elevado de profissionalismo, sem perder o ideal que motiva toda intervenço, que é a
caridade, entendida, nas palavras do presidente, como paixão pelo homem, por cada
homem, “querer bem a cada homem assim do jeito que você o encontra.12”
O verdadeiro sentido da “caridade”, na sociedade moderna e no âmbito das
intervenções de cooperação internacional, segundo o Secretário Geral da Fundação AVSI
– Alberto Piatti, é distorcido e freqüentemente vira sinônimo de inoperatividade, ou de
assistencialismo de tipo religioso, mas a experiência, a atuação da AVSI e o nível de
profissionalismo alcançado mostram que:
a caridade vai de acordo com a necessária eficácia e eficiência; a
caridade possui uma dignidade civil, social e política e por isso é
reconhecida no seu resultado e na sua eficiência.13
Por esse motivo os técnicos que trabalham na AVSI, tanto no Brasil, como no
mundo, são escolhidos pelas suas capacidades profissionais, não pela crença religiosa, e
são estimulados para um contínuo crescimento profissional e pessoal para alcançar a
máxima eficácia e eficiência nas intervenções. Isso é devido também ao fato da AVSI
nunca ter sido etiquetada como pertencente a um movimento católico, apesar de ter
nascido de pessoas que estavam vivenciando uma experiência católica: na opinião dos
responsáveis, o pertencer a essa experiência gerou um método de trabalho, inspirado na
“caridade” como força ideal e uma forma de dedicação que, exatamente por possuir uma
identidade muito clara, é aberta ao diálogo com realidades diferentes. Essa forma de
trabalhar, com o tempo, foi atraindo muitas pessoas que quiseram aderir a ela, sem
necessariamente aderir ao credo religioso que a inspirou, pois, segundo os líderes da
11
12
2005.
Entrevista ao Presidenta da AVSI, no dia 13 de março de 2005.
Vittadini, Giorgio. II encontro da Companhia da Obras na América Latina, dia 12 de março de
ONG, a realidade demonstrou que esse método responde aos critérios universalmente
aceitos da eficácia e da eficiência em relação ao objetivo.
Para não perder o vínculo com o ideal, entretanto, “os atores devem aprofundar
em si mesmos as razões do fazer, pois cada planta quando cresce deve ter raízes sólidas
para não correr o risco de cair ao primeiro vento ou secar.14”
Para uma ONG credenciada como organismo de cooperação internacional, a
busca da eficácia e da eficiência é claramente conditio sine qua non para a sobrevivência,
mas é também a consequência da excelência exigida pela “caridade” vista como “paixão
pelo homem”, para o qual, no entendimento dos fundadores, são direcionadas todas as
ações. Isso é confirmado pela atuação da AVSI que colabora com os maiores
financiadores nacionais e internacionais, é consultora das Nações Unidas e parceira dos
Governos dos países em que atua e consegue, com todos eles, instaurar um diálogo e
uma troca através de encontros com pessoas com as quais se aprende a falar a mesma
linguagem, sem perder a finalidade última que motiva cada ação.
Eis o desafio: encontrar todas as pessoas, financiadores, altos
funcionários do Banco Mundial, e mostrar que sabemos falar a sua
linguagem, que sabemos administrar os recursos segundo suas regras e
quando eles reconhecerem isso, aí será possível que ouçam a nossa
linguagem, porque vamos estar mostrando isso na prática, as obras vão
mostrar que existe algo que anima a ação. Essa não é uma premissa da
qual derivam as ações, esse é um método que pode até mostrar para um
financiador que suas regras não são adequadas à realidade em que
estamos atuando e que talvez seria interessante modificá-las, mas para
isso, primeiro teremos que mostrar que sabemos falar a linguagem
deles.15
Esse método propõe, portanto, dar conta de uma realidade muito mais ampla,
modificar também o macro, atuações de governos, regras de financiadores, objetivos de
13
Entrevista ao Secretário Geral da Fundação AVSI, no dia 13 de março de 2005.
14
Declaração do Secretário Geral da Fundação AVSI em Buenos Aires, durante o encontro com os
técnicos AVSI na América Latina, dia 14 de março de 2005
15
Declaração do Secretário Geral da Fundação AVSI em Buenos Aires, durante o encontro com os
técnicos AVSI na América Latina, dia 14 de março de 2005.
ações de programas internacionais, sem precisar de revoluções e contraposições, mas,
ao contrário, partindo do encontro e do diálogo.
3.3
A AVSI EM SALVADOR: O PROJETO DE NOVOS ALAGADOS
Em Salvador, no final dos anos 80, um grupo de jovens do movimento de
Comunhão e Libertação, guiados por um sacerdote italiano, Padre Giancarlo Petrini,
realizavam semanalmente a caritativa numa das áreas mais pobres da cidade de
Salvador, Novos Alagados, fazendo atividades com as crianças dessa comunidade. Foi a
partir da amizade com esse padre que a AVSI, já presente no Brasil desde 1982 na
cidade de Belo Horizonte, recebeu o chamado por parte do Arcebispo da época, Dom
Lucas Moreira Neves, que já conhecia o trabalho da AVSI em Belo Horizonte e sua
metodologia de redução da pobreza, para realizar um projeto de desenvolvimento
humano integrado na comunidade de Novos Alagados.
Figura 3
O Arcebispo Dom Lucas Moreira Neves, Padre Petrini, representantes da AVSI, do Governo
da Bahia e da comunidade, visitam o Projeto de Novos Alagados.
Com esse propósito a AVSI decidiu investir recursos humanos e materiais na
realização de projetos e de intervenções para a recuperação ambiental, integração urbana
de Novos Alagados e promoção sócio-econômica da população, juntamente com a
associação dos moradores e instituições locais. Em 1992 foi aprovado com Decreto do
Ministério de Relações Exteriores da Itália - MAE, o projeto “Novos Alagados –
Reestruturação urbana e promoção social” que previa, além da realização de um pequeno
projeto integrado de retirada de palafitas e construção de novas casas, juntamente com
ações sociais para o acompanhamento da comunidade, o estreitamento de uma parceria
com o Governo do Estado da Bahia, para a elaboração, em conjunto, de um novo e maior
projeto para a região.
Figura 4
As palafitas
Nesse primeiro projeto, e em muitos outros a seguir, a AVSI atuou junto com a
Fundação Dom Avelar, da Arquidiocese de Salvador e, sucessivamente, com a ONG
brasileira CDM – Cooperação para o Desenvolvimento e Morada Humana.
A metodologia desse projeto caracterizava-se por ser integrada, ou seja unindo
ações de intervenção física com ações de acompanhamento e desenvolvimento social, e
participativa, ou seja envolvendo as comunidades locais na discussão e realização das
ações do projeto.
Em 1993, a AVSI começou uma parceria com o Governo do Estado da Bahia,
SEPLANTEC – Secretaria de Planejamento, Ciência e Tecnologia do Estado da Bahia,
CONDER – Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia, com
financiamento do Ministério dos Assuntos Exteriores da Itália – MAE, para a realização de
um novo projeto denominado “Recuperação Ambiental e Promoção Social de Novos
Alagados”, que previa:
-
Recuperação Física da Área, com a realização de trabalhos de infra-estrutura
básica; serviços urbanos e sociais essenciais, remoção de palafitas (sobre as quais
morava 38% da população) e relocação das famílias em casas sobre terra firme,
melhoria das habitações sobre a terra firme, regularização fundiária, com a
concessão do título de propriedade ou de uso do terreno para os moradores
reassentados.
-
Plano de Ação Social e Educação Ambiental, contendo ações de
acompanhamento social e educação ambiental das famílias que sofriam a
intervenção física, além da realização de ações específicas de desenvolvimento
humano e no setor educacional.
-
Realização de um convênio técnico e financeiro entre a AVSI e a CONDER
que determinou uma colaboração entre equipes técnicas da ONG e do Governo da
Bahia para a realização e coordenação das ações do projeto, assim como uma
parceria financeira, cabendo à AVSI, como organismo internacional de cooperação,
a captação de financiamentos para serem investidos em projetos sociais na
comunidade de Novos Alagados.
Em função da grande extensão da área, o projeto de Novos Alagados foi
dividido em duas etapas. A primeira etapa foi iniciada em 1995 e beneficiou diretamente
1.700 famílias com ações de recuperação física e promoção social. A segunda etapa
beneficiou cerca de 2000 famílias.
Figura 5
Novos Alagados durante a
intervenção: foto 1996
Figura 6
Novos Alagados: situação atual: foto 2004
FONTE CONDER
FONTE CONDER
Há cerca de quase dez anos o bairro passa por transformações
estruturais a partir de uma intervenção governamental – CONDER – junto
a uma ONG italiana – AVSI – (...). As mudanças são muitas, como a
urbanização das áreas onde existiam palafitas, a construção de novas
casas e a colocação de ambientes de lazer (...). As palafitas não existem
mais; novas e muitas casas foram construídas nos últimos anos. Onde
existiam palafitas agora há pistas para carros e transeuntes, em busca de
condicionamento físico e saúde, e o que era miséria e pobreza, começa a
ver ressurgir, nos espaços da lama, os antigos manguezais, enquanto
meninos e meninas banham-se nas águas da maré. (FERREIRA
SANTOS, 2005a. p.22-23)
Figura 7
Novos Alagados: novas casas
construídas pelo Projeto: foto
2002
A
experiência
do
Projeto
de
Novos
Alagados
apresentou
algumas
peculiaridades que, no conjunto, caracterizaram o método utilizado para enfrentar o
problema da pobreza dessa área. Além das ações de saneamento físico da área, de
retirada de palafitas e construção de novas casas, esse projeto investiu recursos para
fortalecer a componente social: em primeiro lugar tanto o Governo da Bahia, como a AVSI
deram início a uma presença constante na área, através de equipamentos sociais e
através de escritórios de campo, favorecendo, além dos serviços oferecidos, (educativos,
formativos, médicos, familiares etc), um diálogo com a comunidade e com os
beneficiários, também através de atendimentos individuais, visitas domiciliares, reuniões
comunitárias etc. O projeto de urbanização, as melhorias habitacionais, a construção de
uma pista de orla marítima que criou um limite físico para novas ocupações espontâneas,
assim como os projetos sociais citados, fizeram com que em mais de 10 anos do início da
intervenção, a área de Novos Alagados não sofresse novas invasões, sendo muito alto o
percentual (83%) de moradores que continuam ocupando as casas construídas pelo
projeto, sem que se verificasse, até o presente momento, o fenômeno da venda das
casas em favor de um novo processo de invasão espontânea. Esses dados, assim como
recente pesquisa por parte do Banco Mundial sobre os efeitos dos projetos de Novos
Alagados na perspectiva dos beneficiários (BASTOS et al., 2005), demonstram um
processo de desenvolvimento da comunidade de Novos Alagados e um nível satisfatório
de melhoria da qualidade de vida da população, tanto do ponto de vista do processo de
urbanização, como do desenvolvimento econômico e social.
É bastante disseminada a compreensão de que os trabalhos de
urbanização, mesmo se não alcançaram plena cobertura, trouxeram
benefícios para a população (...). Esses benefícios tiveram impacto sobre
a qualidade de vida, sobretudo no que se refere à ampliação de
oportunidades de lazer, à redução de danos à saúde e a uma possível
redução da violência urbana – nesse caso, pela abertura de ruas que
mudam o trânsito de pessoas na área, minimizando a possibilidade de
esconderijo de marginais e de ocorrência de conflitos pela presença da
polícia.(BASTOS, et al. 2005, p. 17).
Morador 1 –“ tem os equipamentos também sociais que ficam. (....) Eu
acho que também, vamos dizer, a melhoria educacional, a pavimentação,
o esgotamento sanitário, eu acho que tudo se complementaram, não foi
tudo 100% mas teve uma melhoria. Poderia ter sido melhor, claro todo
projeto sempre pode ser melhor, mas assim, principalmente os
equipamentos sociais, com todo esse conjunto gerou-se muita vida. A
economia ficou melhor, as pessoas tiveram orgulho de crescer. Muitas
famílias trabalharam durante todo esse tempo (sic). (BASTOS, et al. 2005,
p. 22 em referência ao Grupo Focal de cooperados).
A partir da experiência do Projeto de Novos Alagados nasceu o Programa
governamental Ribeira Azul, que se caracterizou como um salto de escala, que, incluindo
Novos Alagados, se estendeu para uma área dez vezes maior, utilizando a mesma
metodologia integrada de intervenção para uma macro área de pobreza urbana da cidade
de Salvador, unindo no mesmo programa, todas as intervenções, de cunho principalmente
físico, que o Governo da Bahia vinha desenvolvendo de forma pontual na região dos,
assim chamados, Alagados e Novos Alagados. O Programa Ribeira Azul e sua
metodologia de enfrentamento da pobreza numa macro área urbana estão sendo hoje
avaliados pelo Banco Mundial, Cities Alliance e Ministério dos Assuntos Exteriores da
Itália, e propostos como modelo de intervenção em outras macro áreas de concentração
de pobreza na cidade de Salvador e no interior do Estado da Bahia, através do novo
Programa Governamental Viver Melhor II.
3.4
PAPEL DA AVSI EM NOVOS ALAGADOS E NO PROGRAMA RIBEIRA AZUL.
A AVSI atua na área do Programa Ribeira Azul com papéis diferentes:
a)
É contratada pelo Banco Mundial para oferecer assistência técnica ao Governo
do Estado da Bahia na realização do Programa Ribeira Azul, apoiando o
Governo do Estado na aplicação da metodologia utilizada em Novos Alagados
para toda a área do Programa, além da realização de projetos sociais
estratégicos para favorecer o desenvolvimento da população local, gerenciando
um financiamento específico da Cooperação Italiana, dentro de acordos
multilaterais, para realizar também a regulamentação fundiária da área do
Programa, juntamente com ações de urbanização e construção de novas casas.
b)
Como Organização de Cooperação Internacional credenciada, realiza projetos e
implementa ações com financiamento do Ministério dos Assuntos Exteriores da
Itália e da União Européia, conforme acordo bilateral entre os Governos do
Brasil e da Itália;
c)
Como organização do terceiro setor, através de fundos privados, oriundos de
doações e financiamentos, atua realizando projetos para o desenvolvimento de
pessoas,
através
de
equipamentos
comunitários,
projetos
educativos,
sanitários, de formação profissional e de apoio para as famílias, de acordo com
sua missão, metodologia e princípios inspiradores.
A AVSI, além da parceria com o Governo do Estado da Bahia, no
desenvolvimento do Projeto de Novos Alagados antes e no Programa Ribeira Azul depois,
realizou, captando outros financiamentos, projetos sociais para favorecer o crescimento
das pessoas desta comunidade, dando continuidade ao trabalho iniciado com a
“caritativa” fazendo da experiência de “caridade”, uma forma operativa e organizada de
solidariedade. A AVSI, desde 1992, trabalha nos setores de formação profissional e
formação de cooperativas locais para incremento de trabalho e renda, construção e
gerenciamento de equipamentos comunitários e de projetos nas áreas de saúde,
educação e apoio às famílias. A presença junto aos beneficiários é uma condição
fundamental para o conhecimento e o diálogo com a população e para a realização de
projetos participativos, garantidos também graças à existência de escritórios de campo,
em que técnicos sociais trabalham diariamente e encontram os moradores nos
atendimentos individuais e nas reuniões comunitárias, equipamentos e estruturas
educativas e formativas, que oferecem serviços para os moradores.
Muitos projetos que garantem a presença da AVSI junto aos beneficiários das
comunidades em que atua, são oriundos de financiamentos privados dessa ONG:
doações, projetos e captação de recursos. O “Projeto de Apoio a Distância”, por exemplo,
consiste no apoio econômico, por parte de famílias, na maioria italianas, para crianças ou
jovens beneficiários de projetos sociais da AVSI, ou por ela acompanhados. O dinheiro
dessas famílias é utilizado para oferecer uma educação digna em estruturas educativas
comunitárias que oferecem serviços para a população. Em Salvador esse projeto permite
apoiar não somente os projetos e equipamentos diretamente gerenciados pela AVSI, mas
também escolas e creches comunitárias da área às quais a AVSI fornece também
assistência metodológica e orientação educativa.
As estruturas comunitárias que a AVSI realizou e/ou gerencia na área do
Ribeira Azul são:
1)
Creche João Paulo II: nascida a partir da primeira experiência da
“caritativa” na comunidade em Novos Alagados, em que jovens do Movimento
de Don Giussani começaram uma ação de educação infantil com as crianças
dessa comunidade, a creche conta hoje com 150 crianças da comunidade,
oferece
três
alimentações
completas
e
cuidados
médicos,
além
de
complementar as ações educativas com o envolvimento das famílias através de
encontros e visitas domiciliares.
Figura 8
Creche João Paulo II, 2005
Figura 9
Crianças na Creche João
Paulo II, 2005
2)
Centro Educativo João Paulo II: Construído ao lado da Creche João
Paulo II, esse centro nasceu para oferecer continuidade na assistência e no
acompanhamento das crianças que saiam da creche para ingressar nas
escolas públicas. Esse centro oferece hoje reforço escolar, em dois turnos
opostos ao da escola, para 350 jovens e adolescentes da comunidade de
Novos Alagados, com alimentação, cuidados médicos, atividades desportivas e
culturais.
Figura 10
Centro Educativo João Paulo II, 2005
3)
Centro de Orientação da Família – COF: Partindo das necessidades
que foram evidenciadas na comunidade através da Creche e do Centro
Educativo, com fundos de doações privadas, a AVSI construiu esse Centro para
apoiar as famílias da área tanto do ponto de vista educacional, como relacional
e de saúde. No COF são hoje desenvolvidos os seguintes projetos: Combate à
Desnutrição Infantil, oferecendo assistência às crianças desnutridas e suas
famílias através de oficinas educativas, cuidados médicos, ambulatoriais,
nutricionais
e
psico-motores;
Consultório
Familiar,
oferecendo
uma
assistência interdisciplinar para as famílias, do ponto de vista psicológico,
educativo, jurídico, sanitário e espiritual; Projeto Educando, oferecendo uma
alternativa educativa aos adolescentes em conflito com a lei da área, em
cumprimento de medidas sócio-educativas de meio aberto, podendo participar
de várias atividades comunitárias com a assistência do COF, no lugar do
cumprimento da pena prevista pela lei. O Projeto de Combate à Desnutrição
infantil e Consultório Familiar, assim como sua atuação metodológicas, serão
aprofundados no capítulo VI deste trabalho.
Figura 11
Centro de Orientação da Família - COF 2005
4)
Centro de Educação Desportiva e Profissional do Boiadeiro CEDEP: nascido a partir do pedido de uma associação comunitária da área
(ASPASB), a AVSI captou recursos para a reforma de um espaço abandonado
que pertencia à associação e, em parceria com outra entidade do terceiro setor,
há anos vem realizando cursos de formação profissional, com duração de um
ano, para jovens da comunidade em manutenção predial e construção de
mosaicos artísticos. Desses cursos, que até hoje formaram mais de 250 jovens
da comunidade, se formou uma cooperativa de trabalhadores da comunidade, a
COOPREDI - Cooperativa dos Trabalhadores na Construção, Manutenção e
Reformas Prediais, que hoje realiza vários trabalhos e é contratada pelo
Governo da Bahia, em programa de melhorias habitacionais e construção de
novas casas e equipamentos comunitários.
Figura 12
Centro de Educação Desportiva e Profissional do Boiadeiro –
CEDEP. Foto 2004
4
UM MÉTODO PARA A REDUÇÃO DA POBREZA
Neste capítulo são ressaltados os principais critérios metodológicos que norteiam as
atividades da AVSI, aprofundados através da análise dos conceitos teóricos que deram origem a
uma metodologia prática de redução da pobreza, aplicada em diferentes ações e projetos, na área
de Novos Alagados e no Programa do Governo da Bahia Ribeira Azul. Essa base metodológica é
aqui apresentada para servir como ponto de partida para uma reflexão mais ampla que ajuda a
aprofundar a visão abrangente de desenvolvimento em áreas carentes, realizada pela AVSI, na
qual são embasadas diferentes possibilidades de ações e projetos sociais. A reflexão teórica
dessas páginas servirá como base para entender todas as ações desenvolvidas pela ONG e os
pontos aqui apresentados serão retomados, no próximo capítulo, para um projeto específico, na
área de Novos Alagados, em favor de famílias carentes.
4.1
CENTRALIDADE DA PESSOA
Para a AVSI
a pessoa é o centro de cada ação. Sua dignidade e seu desenvolvimento
humano são a finalidade última de cada tipo de intervenção, motivada
sempre por uma inabalável confiança no homem, nas suas infinitas
possibilidades, na sua inesgotável exigência de emancipação espiritual e
de crescimento social e econômico. (AVSI 2002)
4.1.1 Visão de Desenvolvimento
A primeira característica do ser pessoal16 é a sua absoluta singularidade,
diferente do indivíduo: este emerge como membro de uma totalidade da
qual é parte. No interior da espécie vivente à qual pertence, cada
indivíduo pode ser substituído por outro, por isso, ele pode ser numerado.
Pelo contrário, quando se afirma que a pessoa é singular, sublinha-se a
16
O termo “pessoa”, que teve origem no teatro grego, foi re-elaborado no contexto do debate teológico para
discutir as relações trinitárias a partir do século IV e passou a ser utilizado para sublinhar que o ser
humano, homem e mulher, não se deixa encerrar na noção de “indivíduo da espécie”, pois há nele algo
mais, uma plenitude e uma perfeição do ser que somente o conceito de pessoa pode expressar. O ser
humano dispõe da razão, faculdade que não se encontra em outros seres vivos. Por isso Boecio define a
pessoa como indivíduo de natureza racional (individua substancia rationalis naturae).
sua unicidade, ela é insubstituível, não numerável, subsiste em si e por si,
não é parte de uma realidade maior, é um todo. (PETRINI, 2005 p.68)
O primeiro ponto metodológico da AVSI é de fundamental importância para poder
entender sua atuação, pois dele deriva também a visão de desenvolvimento que acompanha toda
e qualquer intervenção: segundo a AVSI, somente partindo da pessoa, vista na totalidade de seus
aspectos, (social, econômico, afetivo, relacional, espiritual, familiar, etc) se pode falar de
verdadeiro desenvolvimento humano, e não somente social, ou tecnológico, ou econômico etc.
No Plano de Desenvolvimento Social e Ambiental do Programa Ribeira Azul, (AVSI
2002), essa visão é exemplificada como:
O desenvolvimento de um povo não depende primariamente do dinheiro,
nem das ajudas materiais, nem das estruturas técnicas, mas sim da
formação das consciências, da maturação da mentalidade e dos
costumes. É o homem o protagonista do desenvolvimento, não o dinheiro
ou a técnica. (JOÃO PAULO II, 1990)
O ponto de partida principal dessa metodologia é a pessoa, não a coletividade, sendo o
indivíduo o sujeito que constrói o seu próprio desenvolvimento e, tentando responder a suas
necessidades, se une a outras pessoas, com finalidades comuns, criando associações
intermediárias, agregações, obras, grupos e comunidades. Segundo essa visão, ao se partir da
coletividade corre-se o risco de anular os anseios mais verdadeiros das pessoas que a compõem,
porque uma coletividade anônima se configura como algo abstrato, enquanto partir da pessoa e
do seu movimento de se unir a outras, assegura o reconhecimento de uma ou mais coletividades
que são a expressão da liberdade do ser humano, começando da família até chegar a toda e
qualquer organização com diferentes níveis de complexidade.
Para a AVSI as livres agregações de pessoas, denominadas de associações
intermediárias, representam um fundamental motor de desenvolvimento, pois, são a expressão mais
verdadeira da liberdade das pessoas, que, movidas por um ideal comum, agregam valores e recursos para
responder às necessidades e, assim fazendo, buscam a própria realização e emancipação pessoal e social.
São aqui chamadas de “associações intermediárias” todas as livres agregações situadas entre o estado e o
indivíduo, ou seja, qualquer “sujeito autônomo que se formou com um objetivo extra-econômico de
atribuição de sentido à vida da pessoa”. (VITTADINI, 1997, p. 8.), isto é pessoas que se juntam,
constituindo-se como famílias, agregações, obras, grupos, comunidades, associações sem fins lucrativos,
ou serviços de utilidade pública etc.
A família, para a AVSI, assim como para a doutrina social da Igreja Católica, é a primeira e
fundamental célula da sociedade e base de toda convivência civil e democrática, ponto de partida para o
processo de desenvolvimento, enquanto núcleo primário para a formação da pessoa. A família é, portanto, a
primeira associação intermediária que deve ser fortalecida para garantir o desenvolvimento.
A família possui uma dimensão social própria, específica e originária,
enquanto lugar primário de relações interpessoais, célula primeira e vital
da sociedade. (PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ, 2005, p.130).
O desenvolvimento, nessa visão, se caracteriza, então, como um caminho que, em primeira
instância é pessoal, que parte do movimento livre de um sujeito que tende à sua realização pessoal,
espiritual e social e que, movido por esse ideal, busca outros sujeitos com os quais se agregar para
alcançar seus objetivos. Nesse sentido é possível entender a afirmação de que é o homem o protagonista
do seu desenvolvimento e que a ajuda material e técnica não pode ser considerada a finalidade última de
um processo de desenvolvimento, mas apenas meios para “tornar o homem mais homem” (João Paulo II,
1990, n° 58), para favorecer o caminho individual da busca da realização de cada pessoa, isto é, através de
processos educativos, sendo tarefa própria da educação a de favorecer o movimento livre de cada pessoa
em busca de sua realização plena.
Essa concepção, evidentemente, revoluciona uma forma de pensar, hoje muito comum, que
tende a colocar os aspectos econômicos e materiais no centro das atenções, ou tornando-os a finalidade
última de cada intervenção em favor das populações mais pobres, ou ainda colocando o mercado global e o
capital como empecilhos para o desenvolvimento, únicos culpados pelas desigualdades sociais,
fomentando, dessa forma, o conflito de classe e a revolta em busca de solução aos problemas.
Ambas as formas excluem o homem como finalidade última. Essas concepções são hoje muito
difundidas, mesmo em âmbito católico (organizações de inspiração missionária, ou associações católicas do
terceiro setor), pretendendo confiar a ideologias políticas, a aspectos materiais e tecnológicos todo o
problema da pobreza no mundo.
O neo-individualismo, a privatização do bem comum, a sacralização do
privado e a feudalização do público, são as causas de uma assustadora
exclusão social que condena à morte milhões de pessoas, sacrificando-as
sobre o altar do capitalismo neoliberal. Trata-se da idolatria do capital e do
resgate do sacrifício humano, como denunciam os teólogos da Teologia
da Libertação, para dar vida
dinheiro.(SELLA, 2002. p.23).
e
continuidade
ao
império
do
Um exemplo muito evidente disso é dado pelo movimento no-global, difundido no mundo inteiro
que apela para uma nova forma de “pauperismo” para atacar o mercado global, verdadeiro responsável pela
desigualdade e pobreza no mundo.
Estrangulados por parte desse sistema econômico, que aclama ao
mercado livre do mesmo jeito que na Bíblia se aclamava ao Deus Moloc,
quarenta milhões de homens sucumbem a cada ano por causa da fome.
Devemos concluir que, se o pecado é morte, segundo as palavras de São
Paulo, então esse sistema econômico mundial é imoral, é o pecado mais
grave porque produz morte. (ZANOTELLI, 1996, p.44.).
Os militantes desse movimento anti-globalização, no dia 7 de julho de 2001 na Itália, na cidade
de Genova, entregaram ao representante do governo, um manifesto de pedidos aos G8, assinado por parte
de mais de 70 associações católicas do mundo inteiro. Nesse manifesto todos os principais pedidos se
referiam à anulação da dívida dos países em vias de desenvolvimento, à solicitação de financiamento com
0,7% do PIB dos países desenvolvidos, ao acesso a medicamentos para a cura do AIDS, etc, reduzindo
dessa forma “tudo a aspectos econômicos e materiais do desenvolvimento, não falando mais em valores
espirituais, culturais, educativos”. (GHEDDO, 2001, p. 18).
Longe de serem neutros, os indicadores de pobreza refletem, na escolha
dos critérios e dos patamares, a definição dada à pobreza, o julgamento
de valor, projetado sobre ela e sobre os pobres, o quadro filosófico, ético
e ideológico no qual a operação se inscreve, e, forçosamente também, a
organização, a instituição, o interventor ou outros prescritores que
executam o projeto..(SALAMA; DESTREMAU, 1999, p. 107).
A visão de pobreza e de desenvolvimento, evidentemente, é determinante para a escolha e
realização de ações: quando se pensava que o problema da pobreza fosse limitado ao problema econômico
e físico, ao problema da casa, as intervenções que o Governo da Bahia realizou na área dos Alagados, nos
anos setenta e oitenta, foram finalizadas à retirada de palafitas e à construção de novas casas, de acordo
com uma visão de desenvolvimento que confiava às ajudas matérias todo o crescimento econômico e social
da população. Este tipo de intervenção não deu os resultados desejados, tendo-se manifestado um novo e
maior processo de ocupação irregular da área poucos anos depois.
Da mesma forma a ideologia que instrumentaliza o homem e, em particular o pobre, e o torna
um meio para alcançar fins políticos de protesto social e de ódio violento contra o sistema, acaba
confinando e abandonando a pessoa na sua situação de miséria sem alternativas de saída. É o caso
daqueles movimentos políticos que construíram sua ação na base da reivindicação e da revolta contra o
Estado e que, preocupados com a perda do poder e do controle social, se opõem duramente a qualquer
proposta de projeto social que seja realizada em parceria com o Governo.
Certamente essa visão pessimista repousa sobre o postulado (...) de que
nada de significativo é feito, nem o será, em favor dos pobres e de suas
famílias, além da repressão acrescida de alguns programas dirigidos ao
público alvo e visando objetivos clientelistas.(SALAMA; DESTREMAU,
1999, p. 118).
A proposta da AVSI se coloca de alguma forma como uma alternativa a essas duas filosofias
que,
de direita e de esquerda, pretendem resolver o problema da pobreza no
mundo. A primeira dessas filosofias pretende confiar o crescimento
econômico e social a intervenções materiais e ao cego determinismo do
mercado (...). A outra filosofia é de derivação marxista e pretende confiar
o resgate das populações pobres ao protesto social ou até à luta armada,
com o resultado de alimentar a miséria com a miséria e a violência com a
violência, deixando à intervenção ilusória de fatores externos o papel da
emancipação econômica: não é um acaso que todas as formas de
terrorismo sempre foram alimentadas pelas realidades sociais em que
reina o maior desespero e onde as crianças, junto com o leite materno,
chupam o ódio contra o inimigo. Como se pode perceber ambas as
filosofias prescindem do homem como finalidade e o consideram somente
como meio acéfalo ou um pretexto para perpetuar o domínio de quem se
colocou em cima. (FONTANA,S. 2004).
Já Einstein em 1930 (citado por GHEDDO e BERETTA, 2002, p. 40-41) dizia que os homens
tinham sido capazes de dar grandes passos na descoberta dos meios, mas estavam ainda engatinhando na
descoberta dos fins. E sem a descoberta dos fins, evidentemente, os meios não somente não bastam, mas
correm o risco de serem contraprodutivos. É o fim que deve determinar cada ação, e, para a AVSI, o fim é a
elevação da pessoa, da sua dignidade, o “tornar o homem mais homem”, pois, já que “é o homem o
protagonista do desenvolvimento”, então é fundamental lembrar que ele é estimulado pelos valores do
espírito, da cultura, da educação, das religiões. (GHEDDO e BERETTA, 2002, p. 40).
Para gerar o desenvolvimento é portanto necessário educar o homem ao
desejo de crescimento, de emancipação, para que ele mesmo seja capaz
de desencadear esse processo17.
Dizia o escritor francês Saint Exupéry
17
Declaração do Diretor da AVSI-Salvador, Buenos Aires, durante o encontro com os técnicos AVSI
na América Latina, dia 14 de março de 2005.
Se queres construir um navio, não comeces chamando as pessoas a
buscar a madeira, a preparar as ferramentas, a atribuir funções e a
distribuir o trabalho; mas primeiro desperta nelas a saudade pelo grande e
infinito mar. (2005)
Dessa forma serão eles mesmos que, animados pelo desejo de infinito, serão capazes de
desenvolver seus dons, sua inteligência e criatividade, colocando sua liberdade a serviço desse ideal, para
encontrar os meios adequados, “para atingir aquela meta que, uma vez instalada no coração, é capaz de
18
guiar um verdadeiro processo de desenvolvimento ”.
A centralidade da pessoa se torna, na prática, para a AVSI, um método de ação que define toda
e qualquer intervenção, na forma e no conteúdo. A confiança no homem, independentemente da sua
condição econômica e social, torna-se o princípio norteador não só de todas as ações que um programa de
desenvolvimento escolhe realizar, mas também da forma como essas ações são desenvolvidas.
Se a pessoa é considerada em todos os aspectos, então um programa de desenvolvimento
deve considerar a pessoa na sua totalidade e em todas as suas exigências, abrangendo ações sistêmicas
direcionadas não só à moradia ou aos aspectos do crescimento econômico e profissional, mas também a
aspectos sanitários, ambientais, educativos, de segurança, relacionais, familiares, de participação ativa na
elaboração e realização dos projetos, na relação com os moradores, com as populações mais
desfavorecidas, etc.
No projeto de Novos Alagados, por exemplo, o valor do homem é o que determina tanto a
escolha de investir na moradia de pessoas que residiam em habitações precárias ou em palafitas, como
também o cuidado com a qualidade da construção ou da reforma de uma casa, como, ainda, a decisão de
manter uma presença de equipes do Programa nos escritórios de campo, próximas às pessoas, além da
forma como se recebe um morador nos atendimentos individuais, ou se lida com os representantes da
comunidade, ou ainda, a escolha de investir em projetos educativos e equipamentos voltados para o
desenvolvimento das pessoas, etc. Por exemplo, um projeto que objetiva fortalecer uma realidade local,
como pode ser a reforma de uma creche comunitária, pode ser realizado de várias formas completamente
diferentes, mas se o desenvolvimento das pessoas e famílias, beneficiárias dessa creche, é
verdadeiramente o objetivo último, então isso definirá a atenção com que se desenhará o projeto, o cuidado
com a escolha de quem o realizará, a supervisão atenta dos trabalhos, mas também um diálogo contínuo
com os beneficiários para a otimização dos recursos e para entender suas necessidades, o tempo que se
18
Declaração do Diretor da AVSI-Salvador, Buenos Aires, durante o encontro com os técnicos AVSI
na América Latina, dia 14 de março de 2005
dedicará ao diálogo, a flexibilidade e disponibilidade na realização de alterações a partir do desejo do
beneficiário etc.
Dessa forma os técnicos, sejam eles assistentes sociais ou engenheiros,
não desempenham somente um papel “técnico”, mas, ao contrário, todos
eles devem ser educados ao objetivo último de cada ação, ou seja, àquela
paixão pelo homem que é o ideal que fez nascer a Fundação AVSI 19.
É evidente então que, para a AVSI, a centralidade da pessoa envolve não somente todos os
beneficiários diretos e indiretos das ações - pessoas, moradores da área, representantes de associações mas também todos os atores que estão envolvidos no programa, isto é todos os técnicos, dos projetos
físicos e sociais, que colocam seu profissionalismo a serviço de um objetivo comum, que não é
simplesmente o de estar trabalhando todos dentro de um único programa, mas é, em última instância, o de
contribuir para favorecer o processo de desenvolvimento das pessoas residentes nas áreas objeto de
intervenção. Isso requer uma atenção particular na formação dos técnicos e no acompanhamento dos
mesmos no desenvolvimento do trabalho, permitindo constantes momentos de reflexão sobre o método e as
motivações do trabalho social, favorecendo momentos de diálogo e de confronto com a realidade que se
vivencia no dia a dia.
Para a AVSI o técnico tem um papel fundamental nesse processo porque a centralidade da
pessoa, do beneficiário, passa pelo olhar do profissional que tem o papel de reconhecer a positividade e o
valor do homem que está a sua frente. Para isso ele precisa acreditar nas pessoas, ter uma motivação ideal
para o trabalho social. Não só a motivação do técnico deve ser estimulada, como também o seu trabalho
deve ser acompanhado do ponto de vista humano e metodológico. O técnico lida com a frustração de não
poder resolver todos os problemas das pessoas que o procuram e que lhe pedem ajuda. O seu papel,
muitas vezes, se resume ao de ser presença, e, muitas vezes, uma presença impotente. Por isso deve ter
clareza quanto aos limites de seu papel, pois se é confundido com o de ser a pessoa designada para
resolver os problemas dos outros, sua frustração será insuportável.
Tudo o que o técnico pode e deve fazer na comunidade é colocar sua
humanidade e seu profissionalismo a serviço do desenvolvimento de
outras pessoas, exatamente iguais a eles, com os mesmos desejos de
felicidade e realização. Somente olhando dessa forma para o ser humano
que está a sua frente o técnico pode favorecer o seu desenvolvimento20,
19
Entrevista ao Secretário Geral da Fundação AVSI, no dia 13 de março de 2005.
20
Declaração do Diretor da AVSI-Salvador, Buenos Aires, durante o encontro com os técnicos AVSI
na América Latina, dia 14 de março de 2005
ouvir suas dificuldades e, junto a ele, quando possível, procurar soluções para os problemas, servindo de
elo entre o programa e seus beneficiários, ajudando a decifrar suas reais necessidades.
4.1.2 A Pobreza
O que significa “centralidade da pessoa” num programa de redução da pobreza? “O método é
sempre imposto pelo objeto” (GIUSSANI, 1997, p. 4.), pela finalidade que se quer alcançar e, como dito,
para a AVSI o “objeto” é sempre o homem, com sua dignidade, mesmo que
confinado em uma situação de pobreza, que determina, não sua condição
ontológica, mas apenas sua condição material. Por esse motivo, quando
falamos de “pobre” ou “pessoa pobre”, não nos referimos a uma categoria
especial, mas, somente, a uma pessoa que vive em condição de pobreza.
(AVSI, 2002).
Esse aspecto é de fundamental importância, porque para a AVSI a dignidade do ser humano é
o ponto de partida e não de chegada de qualquer intervenção: não é o trabalho social que vai devolver a
dignidade à pessoa, mas é a dignidade que a pessoa tem, enquanto pessoa, ontologicamente, que motiva e
move toda e qualquer ação que visa o desenvolvimento, o crescimento e a realização do homem.
A Pobreza é um fenômeno complexo, podendo ser definido de forma
genérica como a situação na qual as necessidades não são atendidas de
forma adequada. (...) Em última instância, ser pobre significa não dispor
dos meios para operar adequadamente no grupo social em que se vive.
(ROCHA, 2003. p.9-10).
Para operacionalizar essa noção foram pensados e utilizados, ao longo dos anos, vários tipos
de visão da pobreza: linha de indigência (construída calculando a renda necessária à reprodução
exclusivamente “calórica” do indivíduo, isto é, com base nos produtos alimentares necessários ao consumo
calórico médio de um indivíduo); linha de pobreza (construída aplicando, à linha de indigência, um
multiplicador, dito de Engel, para complementar as despesas necessárias em roupa, transporte, moradia);
Necessidades Básicas Insatisfeitas – NBI (preconizando uma visão humanista, que vai além da economia
para se remeter ao desenvolvimento do homem em toda sua dimensão, inclusive moral, de liberdade e de
dignidade); Índice de Desenvolvimento Humano – IDH (calculado a partir de três elementos principais:
saúde/longevidade, nível de educação, PIB em termos reais), ou ainda visão de pobreza ligada a reflexões
sobre justiça social, igualdade e desigualdades, etc. (Salama; Destremau, 1999, p.54-84).
Para o Banco Mundial a pobreza traz problemas enquanto fato de
instabilidade sóciopolítica que refreia e eficácia econômica. O pressuposto
é que o mercado, quando as condições estão reunidas para o seu
funcionamento máximo, tende a absorver a pobreza. (...) Apoiando-se
nesse ponto de vista liberal mercantil, o principal indicador de pobreza é,
pois, necessariamente a renda, como capacidade de consumir bens
materiais e não materiais. Para as igrejas e associações caritativas, a
pobreza traz, antes de tudo, um problema moral. Não há nenhuma
necessidade de indicadores de avaliação clara da pobreza (...). Nos
países democráticos e industrializados, a pobreza tende a ser definida de
acordo com a dificuldade de acesso a bens e recursos, avaliada de forma
relativa no nível médio de bem estar da sociedade e não em nível de
sobrevivência mínimo (...). O referente implícito é o da coesão social, que
poderia se encontrar ameaçado pela existência de desigualdades grandes
demais (...). (SALAMA; DESTREMAU, 1999, p. 108-109).
Apesar das limitações evidentes da categoria da renda como único parâmetro para medir a
pobreza, muitos estudos no Brasil adotam como ponto de partida a linha da pobreza, geralmente baseada
no salário mínimo ou em um de seus múltiplos.
A adoção da linha de pobreza é uma abordagem adequada no contexto
brasileiro. Por um lado a economia brasileira é largamente monetizada, de
modo que a renda se revela uma boa proxy do bem estar das famílias,
pelo menos no que concerne ao consumo no âmbito privado. (...) Por
outro lado a abordagem da renda é adequada porque, desde a década de
1970, se dispõem de informações de consumo, de rendimento e de
características sócio-econômicas das pessoas e das famílias que
permitem tanto estabelecer as linhas de pobreza a partir do consumo
observado com base em pesquisas de orçamentos familiares, como
utilizar esses parâmetros juntamente com as informações anuais de
rendimento das Pnads, delimitando e caracterizando a subpopulação
pobre. (ROCHA, 2003. p.43).
Apesar da necessidade de medição da pobreza, que impõe a escolha de parâmetros e
abordagens, a AVSI afirma que qualquer “definição” de pobreza, mesmo quando multidimensional, corre o
risco de sacrificar a visão mais ampla e complexa do ser humano, fechando-a em categorias e subdivisões
setoriais que cancelam sua unidade e completude.
Para a AVSI o homem que vive em condição de pobreza é o homem que não pode realizar
seus “talentos”, pois dedica todos os seus recursos para a satisfação de suas necessidades primárias e
para a sobrevivência.
É o homem que não consegue enfrentar a realidade com um método, com
um olhar que supere o horizonte da vida do “dia a dia”. Pobre é, portanto,
quem não tem as condições físicas e materiais, humanas e espirituais, de
reconhecer e decifrar todas as suas necessidades e então realizar seus
desejos mais profundos, faltando-lhe o acesso às reais oportunidades de
desenvolvimento de suas potencialidade. (AVSI, 2002).
A AVSI parte do pressuposto de que todo ser humano traz em si o desejo de realização e de
desenvolvimento
de
suas
potencialidades.
Nem
sempre
as
necessidades
são
reconhecidas;
freqüentemente saber ler as próprias necessidades não é suficiente para realizá-las, porque falta o acesso a
oportunidades concretas de crescimento humano.
4.1.3 As necessidades
Na definição de pobreza acima citada tem-se, portanto, que “pobre é quem não tem condições
de reconhecer e decifrar todas as suas necessidades”. Essa afirmação da AVSI (2002) é certamente
arriscada, porque, dessa forma, a leitura das necessidades pode se tornar algo subjetivo, arbitrário ou
ideológico, que prescinde da finalidade última de cada ação: o homem. A AVSI, na fundamentação
metodológica do Programa Ribeira Azul (AVSI 2002) evidencia dessa forma os riscos de uma leitura
superficial das necessidades:
1)
Necessidade induzida: é a necessidade de quem, presunçosamente, julga-se capaz de “sugerir”
procedimentos para intervenções de redução da pobreza, pensando saber o que é bom para
aquelas pessoas. É o risco dos operadores sociais e dos gerenciadores dos programas de
desenvolvimento, de chegar em uma comunidade e definir, a priori, todas as necessidades das
pessoas que ali moram, julgando-as incapazes de conseguir escolher e realizar uma ação concreta
em favor de seu desenvolvimento.
E a conclusão, salvo variações menores, tem sido a de que sua pobreza
coloca obstáculos grandes à sua ação coletiva e autônoma, enquanto
grupo social organizado, e à sua visão crítica da sociedade, cujos grupos
dominantes empreendem em relação a eles inúmeras estratégias de
dominação (ZALUAR, 1985. p. 35)
2)
Necessidade não vista: quem se encontra imerso numa realidade de pobreza extrema e não tem
meios de comparação com outras realidades pode não sentir a premência da mudança e não
conseguir reconhecer suas necessidades. É o caso de quem, morando em uma palafita, define a
sua condição habitacional como ótima, sem reconhecer os evidentes riscos físicos, ambientais e de
saúde.
3)
Necessidade parcial: é a necessidade muitas vezes imediata das pessoas, uma necessidade
instantânea e pessoal, geralmente material e não completa, cuja realização reporta à descoberta de
novas necessidades, também parciais e limitadas. É o caso de quem resume suas necessidades a
uma lista de bens materiais imediatos, atrás dos quais geralmente se escondem necessidades e
desejos maiores, de realização e crescimento pessoal, ainda não identificados claramente.
Abre-se então para a reflexão o ponto central da “leitura das necessidades”, para o qual parece
se criar um impasse:
1)
Não basta “ler” a necessidade expressa pelos beneficiários do programa, porque, como explicitado,
corre-se o risco de que ela seja parcial e incompleta.
2)
Não se pode, de qualquer forma, prescindir da necessidade expressa pelos beneficiários, porque
ninguém “de fora” é capaz de identificar a necessidade dos outros.
No projeto de Novos Alagados, a AVSI diminuiu esse impasse ao utilizar a assim chamada
“partilha das necessidades”, ou seja,
uma proximidade relacional entre os técnicos do projeto e os beneficiários.
A proximidade, o conhecer a vida e a história da pessoa, permite muitas
vezes reconhecer que atrás de cada necessidade, mesmo a mais parcial
e limitada, existe sempre um desejo maior que pode ser reconhecido e
dilatado, para um maior crescimento individual e social21.
Esse conceito representa um pouco o que Zaluar (1985) chama de “envolvimento
compreensivo, isto é, a participação afetuosa e emocionada nos seus dramas diários, sem me deixar levar
pela piedade que desemboca no paternalismo e na recusa à dignidade deles”.
Isso significa, para a AVSI, que a proximidade entre técnico e beneficiário permite não recusar a
priori, ou catalogar como errada, a necessidade expressa pelas pessoas, mas, ao contrário, leva-o a partir
dela para “lê-la” em função da totalidade do ser humano.
A esse propósito, na origem da ONG, na citada experiência da “caritativa” do movimento de
Don Giussani, se encontra uma base privilegiada para definir o método: em uma das primeiras experiências
de “caritativa” um grupo de jovens do movimento de Comunhão e Libertação dedicava parte do seu tempo
à assistência de um grupo de adolescentes carentes na periferia de uma cidade e, movido pelas
dificuldades econômicas dessas jovens e de suas famílias, que muitas vezes não possuíam o suficiente
nem para comer, resolveram dar uma ajuda econômica. Um dia depois, voltando às atividades, ficaram
tristemente surpresos ao ver que as adolescentes tinham gasto todo o dinheiro para comprar maquiagem e
se enfeitarem e não, como os voluntários tinham pensado, para os bens de primeira necessidade. Os
jovens voltaram para Don Giussani e relataram decepcionados a experiência. Don Giussani os ajudou a
21
Entrevista ao Secretário Geral da Fundação AVSI, no dia 13 de março de 2005.
refletir, mostrando que ninguém pode definir quais são as necessidades do outro. Nós somos levados a
observar a realidade do nosso ponto de vista, esquecendo da pessoa que está à nossa frente. De traz do
batom, da roupa arrumada e da maquiagem, provavelmente, havia o desejo de felicidade que todo ser
humano tem, de beleza, no caso delas, de emancipação, de feminilidade. Esse desejo, que se expressa
das formas mais diferentes, é o ponto positivo do qual partir: não recusando ou julgando essa necessidade,
mesmo que parcial, manifestada pelas jovens, mas, ao contrário, acompanhando-as, num processo
educativo e de proximidade afetiva, de verdadeira partilha, para que elas mesmas consigam decifrar o
desejo mais profundo que se esconde em seu coração.
Esse exemplo, que pode até parecer paradoxal, é na verdade uma das
experiências mais comuns de encontro entre realidades diferentes: não
havia técnico social, no desenvolvimento das primeiras pesquisas sócio
econômicas, casa por casa, palafita por palafita, em Novos Alagados, que
não ficasse escandalizado ao encontrar pessoas muito pobres, em
condições de misérias desumanas, que gastavam o que não tinham para
comprar um rádio ou uma televisão último modelo. Assim como até hoje
não existe visitantes que entre numa palafita e não comente que aquele
morador, antes de se preocupar em colocar uma antena parabólica ou
pentear e enfeitar os filhos, deveria providenciar alimentos saudáveis,
portas, janelas, etc. O grande risco é de dedicar esforços, energias,
recursos e profissionalismo para ajudar pessoas sem sequer conseguir de
verdade enxergar a pessoa, na sua unicidade, complexidade, totalidade e
desejo de infinito, ou seja, sem que aconteça com essas pessoas um
verdadeiro encontro.22.
O conceito de “proximidade” remete a uma relação de encontro entre pessoas, de partilha
direta, no dia a dia, de proximidade, em primeiro lugar, física. No Projeto de Novos Alagados foi possível
para o pessoal da ONG e do Governo garantir uma presença que tornasse viável esse tipo de relação
pessoal entre os beneficiários e as equipes técnicas, graças à existência, não só dos escritórios de campo,
mas também de várias estruturas comunitárias, gerenciadas diretamente pela AVSI e pela CONDER, que
permitissem o encontro diário com os moradores e as famílias. A leitura das necessidades passava,
portanto, não só por frios instrumentos de pesquisa sócio-econômica, mas, sobretudo, pela leitura conjunta
da realidade que nascia dentro de uma relação pessoal de encontro.
22
Entrevista ao diretor da AVSI - Salvador, no dia 13 de março de 2005.
1)
4.2 Partir do positivo
Para a AVSI cada pessoa, cada comunidade, mesmo a mais carente, representa uma riqueza e
apresenta um patrimônio. Esse princípio do método tende a valorizar e reforçar o que as pessoas têm
construído, suas histórias, as relações existentes, ou seja, aquele tecido social e conjunto de experiências
que constituem seu patrimônio de vida.
Partir do Positivo é um ponto operativo fundamental, de acordo com a concepção da ONG, que
nasce de uma “abordagem positiva da realidade que transmite à pessoa seu valor, sua dignidade e, ao
23
mesmo tempo, a ajuda para assumir responsabilidades” . Para a AVSI quando se reconhece o positivo se
reafirma o homem e se valoriza o que ele fez: isso devolve à pessoa a responsabilidade da sua ação,
apostando ulteriormente em potencialidades.
Cada tentativa de resposta a uma necessidade, por mais limitada que possa
ser, representa um engajamento numa ação. Apostar na pessoa tem um
valor ainda maior quando se reconhece que toda tentativa de resposta
esconde um desejo que a supera, que é muito maior e é esse desejo que
deve ser estimulado, porque dele parte o processo de desenvolvimento24.
Para a AVSI, evidentemente, partir do positivo não significa ignorar os problemas existentes
numa comunidade, ou não estudar sua vulnerabilidade, pois isso levaria a uma leitura parcial da realidade,
mas significa, analisar, junto à vulnerabilidade, os recursos presentes colocados em jogo, para depois tentar
fortalecê-los e reforçá-los.
É muito importante então o conhecimento cuidadoso do patrimônio da comunidade (MOSER;
GATEHOUSE; GARCIA, 1996) na qual se quer atuar, porque, para valorizar o positivo, é necessário, em
primeiro lugar, conhecê-lo e “ouvir as pessoas contarem suas histórias” (AVSI, 2002). O conhecimento da
comunidade não pode prescindir de um estudo sócio-econômico que aprofunde todos os aspectos do
patrimônio (trabalho, moradia, educação, saúde, relações familiares e capital social).
4.2.1
O Conhecimento.
A metodologia adotada em Novos Alagados pela AVSI e CONDER definiu, como primeira
atividade de um projeto para redução da pobreza, a elaboração do assim chamado “retrato da
comunidade”, ou seja, um estudo detalhado da realidade, que ofereceu uma panorâmica clara dos recursos
23
Declaração do Secretário Geral da Fundação AVSI, Buenos Aires, durante o encontro com os
técnicos AVSI na América Latina, dia 14 de março de 2005.
24
Declaração do Secretário Geral da Fundação AVSI, Buenos Aires, durante o encontro com os
técnicos AVSI na América Latina, dia 14 de março de 2005.
presentes na área e dos problemas existentes. Esta fase do conhecimento analisou, com entrevistas de
casa em casa a todos os moradores, a situação da moradia, do trabalho/renda, da saúde, da educação,
dos serviços existentes e utilizados e das formas de participação comunitária.
No projeto de Novos Alagados, esse estudo permitiu, por exemplo, à CONDER/AVSI planejar
intervenções de redução da pobreza na comunidade estudada, que respondessem às necessidades
evidenciadas no retrato, reduzindo ao mínimo o risco de basear as intervenções em leituras que não
correspondessem à realidade da área. A esses estudos sócio-econômicos foram incrementadas outras
ações de conhecimento (estudos ambientais, antropológicos e das associações da sociedade civil) para
evitar a fragmentação das informações, uma vez que, como já dito, “o todo é sempre maior que a soma de
suas partes” (Von Bertalanffy, 1967, 1968, citado em Esteves de Vasconcelos, 2002, p. 198).
A fase do conhecimento representa para a AVSI também um momento crucial porque é o
primeiro contato com a realidade, é também o início de uma presença na área, do encontro com as
pessoas, com os beneficiários, suas histórias, problemas, dificuldades, mas também seus recursos, suas
potencialidades etc.: é o primeiro passo para garantir intervenções que sejam pertinentes à realidade e
portanto respondam às necessidades: “Pouca observação e muito raciocínio conduzem ao erro. Muita
observação e pouco raciocínio conduzem à verdade.”(CARREL, citado por GIUSSANI, 1997p. 27).
A AVSI considera a fase do conhecimento particularmente delicada,
em primeiro lugar porque representa o começo de um relacionamento
com a realidade, feita de dados objetivos, técnicos, problemáticas etc,
mas feita também de pessoas e recursos; em segundo lugar porque as
atividades de conhecimento já podem ser, para todos os efeitos,
consideradas ações do processo de desenvolvimento: a escolha de
cadastrar e estudar as associações intermediárias, já abre uma relação,
uma parceria, à qual depois se deve responder, portanto estudar e
conhecer uma realidade já é para a AVSI um comprometimento com
aquela realidade25.
O conhecimento assim descrito, evidentemente, já faz parte de um conjunto de ações
diretamente derivantes dos princípios metodológicos. Um aspecto relevante é que a comunidade é
diretamente envolvida na leitura das necessidades, passando, dessa forma, de “objeto de estudo” a “sujeito”
que participa ativamente dos projetos.
Um exemplo da aplicação do princípio metodológico do partir do positivo é representando pelo
grande trabalho realizado com as associações intermediárias na área do Programa Ribeira Azul em que,
mesmo com recursos limitados, foram estruturadas inúmeras iniciativas para responder às necessidades da
25
Entrevista ao diretor da AVSI - Salvador, no dia 13 de março de 2005.
comunidade. Reconhecer o positivo, nesse caso, significou, em primeiro lugar conhecer o que existia em
termos de associações intermediárias, através de uma pesquisa e cadastro inicial e, em seguida, apostar
nessas iniciativas e oferecer serviços diversos para fortalecê-las.
Partir do positivo como método de ação significa também passar da
reivindicação à responsabilidade, porque somente partindo do positivo eu
posso olhar, junto aos problemas, alternativas possíveis de solução.26
Segundo a AVSI partir do positivo estimula a iniciativa, porque não significa fechar os olhos e
não olhar os problemas, ou aguardar que o poder público os resolva, mas significa não se concentrar
somente no que falta, mas colocar-se em movimento num processo contínuo de melhoria, segundo o qual o
progresso não consiste em presumir ter alcançado um resultado final, mas tender continuamente à meta.
Concentrar o olhar nos aspectos negativos, coloca as pessoas num imobilismo estático, porque frente à
falta não há iniciativa, só reivindicação ou distanciamento crítico, ou ainda, desespero e desilusão. É mais
simples criticar e reivindicar do que melhorar, mas certamente menos eficaz e para melhorar algo é preciso
participar, engajar-se e assumir responsabilidades.
O partir do positivo, do ponto de vista de um projeto ou programa de redução da pobreza,
significa também reconhecer o positivo dentro de suas próprias atuações com um diálogo direto com a
realidade, que permita um processo de constante aperfeiçoamento, em busca de constante melhoria.
Um exemplo disso, segundo os técnicos da AVSI, é representado pelo projeto de melhorias
habitacionais em Novos Alagados. Após a realização da obra física e do reassentamento de famílias de
palafitas em novas casas, permaneceram, na comunidade, situações críticas de barracos aterrados. Partir
do positivo nessa situação significou não se paralisar frente aos problemas, nem tampouco ter a pretensão
de ter-se alcançado o resultado desejado, mas possibilitou olhar para os problemas que permaneceram
com perspectiva de solução tornando possível um retorno à mesma comunidade, com investimentos de
melhorias para os barracos que hoje estão sendo transformados em casas.
26
Declaração do Secretário Geral da Fundação AVSI, Buenos Aires, durante o encontro com os
técnicos AVSI na América Latina, dia 14 de março de 2005.
2) 4.3. Fazer Com
O “fazer com” define a forma e a modalidade com que se executa qualquer tipo de intervenção
participativa: significa partir do relacionamento com todos os atores envolvidos no programa, para construir,
planejar e executar conjuntamente as ações que respondam às necessidades dos beneficiários.
4.3.1
A Participação Comunitária
O envolvimento dos beneficiários nas ações é uma “condição sine qua non” para a realização
de qualquer projeto, porque o desenvolvimento, para a AVSI, é concebido como movimento de sujeitos
ativos e livres que responsavelmente trabalham para o próprio crescimento individual e social.
A liberdade da pessoa, sujeito de todos os projetos, é portanto considerada, o ponto de partida
de cada ação. Isso significa, em termos operativos, que a comunidade, em primeiro lugar, deve se engajar
num projeto de desenvolvimento e empenhar-se séria e responsavelmente na sua realização.
Para a AVSI só existe participação quando esta é ativa, consciente e responsável, se
diferenciando da mera reivindicação social, pois essa corre o risco de recair no engano de delegar a outros
a solução dos problemas, afastando os indivíduos do compromisso concreto e, sobretudo, de seu
crescimento social e cultural. Diferentemente, o “fazer com”, da forma como é definido nos documentos
metodológicos da organização, propõe a educação de pessoas livres para a responsabilidade.
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Segundo os técnicos da ONG, muitas vezes é comum a tendência de identificar a “participação
comunitária” com a “não intromissão” dos parceiros e financiadores nas escolhas da comunidade, dessa
forma, um projeto tende a ser considerado participativo quando é a comunidade que propõe as ações, as
executa, as gerencia e, ao mesmo tempo, as fiscaliza. Essa concepção, para a AVSI, corre o risco de anular
a verdadeira partilha e parceria, transformando-a num simples meio para obter recursos econômicos. Além
disso, essa forma de participação comunitária, é notadamente mais sujeita aos riscos de uma leitura
incorreta das necessidades, em particular o risco já citado da “necessidade não vista” e da “necessidade
parcial”.
Por outro lado, a exclusão total da comunidade no processo de desenvolvimento, representaria,
o risco evidente de uma leitura distorcida das necessidades e, em particular, o já citado risco da
“necessidade induzida”, tornando portanto cada ação uma imposição do programa ou dos financiadores.
Desse impasse derivou a busca, no projeto de Novos Alagados, de uma forma de participação
que não se transformasse em um conflito para a gestão do “poder”, mas que representasse um diálogo real,
aberto e transparente, que pudesse ampliar a visão parcial de cada um e que, ao mesmo tempo,
respeitasse os diferentes papéis e a capacidade de cada parceiro envolvido. Segundo os atores, o projeto
tentou envolver em cada intervenção os representantes da comunidade com o papel fundamental de guiar
as ações, de ser, ao mesmo tempo, sujeitos das ações planejadas, de ajudar os financiadores na leitura das
necessidades, de participar de encontros e discussões, além de representar os moradores da área de
intervenção e de negociar os benefícios requisitados ao projeto.
Essa visão de envolvimento dos beneficiários definiu portanto estratégias e formas de
participação real.
4.3.2
Os Escritórios de Campo
São o ponto principal de referência para todas as ações, físicas e sociais dos projetos, em que
equipes da CONDER e da AVSI diariamente garantem sua presença com os moradores e representantes
comunitários. Os escritórios têm a função também de servir como balcão de encaminhamentos e pedidos
institucionais dos moradores e das associações da área de forma a favorecer o diálogo entre esses e as
instâncias governamentais. Nesses escritórios são realizadas ações de sensibilização, mobilização,
organização e articulação comunitária, ações de acompanhamento na execução de obras físicas, ações
sócio-ambientais e de pós-ocupação, com a principal função de serem pontos de encontro e presença junto
aos moradores. Nesses escritórios são discutidas com os moradores as propostas preliminares das
intervenções físicas e sociais, antes de sua implantação; também os escritórios são os pontos de encontros
com núcleos de entidades, representantes comunitários e representantes das Associações Intermediárias
atuantes da área. As equipes sociais realizam atendimentos diários individuais e coletivos para
esclarecimentos e encaminhamentos relacionados às ações do projeto. A presença das equipes sociais
acaba sendo solicitada também para resolução de conflitos conjugais (em relação a recebimento de
benefícios) ou entre vizinhos, sendo o escritório de campo um ponto de escuta para qualquer tipo de
problemática, mesmo as que fogem da responsabilidade direta do programa (como enchentes, riscos de
desabamento, abrigo, auxílio alimentação, apoio na busca de empregos e principalmente questões
relacionadas à violência, entre gangues e sucessivas ameaças de vandalismo ou vingança).
Paralelamente, as equipes realizam projetos sociais de acompanhamento da
comunidade para fortalecê-la em suas formas organizativas (organização comunitária), nas
problemáticas sanitárias e ambientais, realizando atendimentos individuais, visitas domiciliares e
porta a porta educativo, assim como no aspecto da geração de trabalho e renda, desenvolvendo
projetos de formação profissional e inserção no mercado do trabalho.
4.3.3
As Associações Intermediárias
Segundo a AVSI, nos últimos anos de trabalho na área dos “alagados”, as formas mais
completas de participação comunitária foram representadas pelos encontros com as associações
intermediárias da área, pois essas possuem algumas vantagens evidentes:
a.
Uma leitura “de dentro” da necessidade e da realidade local.
b.
Seus representantes são diretamente engajados na ação e isso assegura um compromisso real
com um objetivo ligado a um bem comum, favorecendo uma atitude responsável.
c.
Seus responsáveis são o ponto de contato com os beneficiários, o que favorece a
representatividade dos grupos de pessoas e famílias ali atendidas.
As associações intermediárias são, na concepção da AVSI, o principal motor de
desenvolvimento, vetores capazes de agregar recursos, capacidades e capital humano, com o objetivo de
oferecer respostas criativas às necessidades por elas evidenciadas. Por esse motivo para a AVSI, o papel
de um programa de redução da pobreza, é principalmente o de favorecer, reforçar, profissionalizar e
capacitar sempre mais essas associações para que possam desenvolver de forma eficaz suas atividades no
serviço do bem comum e do desenvolvimento da comunidade.
4.3.4
Colaboração Governo/ONG
Uma das mais significativas atuações do “fazer com”, tanto no Projeto de Novos Alagados,
como no Programa Ribeira Azul, foi representada pela colaboração que se concretizou entre um órgão do
Governo do Estado da Bahia, a CONDER, e uma Organização do Terceiro Setor, a AVSI. Depois da
parceria no Projeto Novos Alagados, realizada através de convênios técnicos e financeiros, no Programa
Ribeira Azul, com o Projeto de Apoio Técnico e Social - PATS, realizado através da doação do Ministério
Italiano - MAE, essa parceria deu origem a uma Unidade de Gestão do Programa, que garantiu por um lado,
uma assistência técnica e metodológica ao Governo do Estado da Bahia na realização do programa e, por
outro lado, a criação de uma equipe de trabalho mista, coordenada por uma co-direção de um representante
da CONDER e um representante da AVSI. Da mesma forma, todas as ações sociais do Programa Ribeira
Azul, tanto no planejamento, como na execução, receberam o acompanhamento de uma co-direção social,
de um técnico da CONDER e um técnico da AVSI.
Essa experiência facilitou, do ponto de vista dos técnicos envolvidos, uma relação unitária com
a comunidade, permitindo a aplicação de uma única metodologia que permeava qualquer tipo de
intervenção.
3) 4.4 Desenvolvimentos das Associações Intermediárias e Subsidiariedade
A sociedade nasce com a livre agregação de pessoas e famílias. Portanto, para a AVSI, agir
sobre o desenvolvimento social significa também favorecer a capacidade associativa, ou seja, reconhecer,
valorizar e estimular a constituição de associações intermediárias,
(...) as quais são a expressão da liberdade humana, e como tais devem
ser avaliadas e reconhecidas. O estado verdadeiramente democrático
reconhece e garante não só os direitos do homem isolado, o que seria
uma abstração, mas os direitos do homem associado segundo uma livre
vocação social. (MORO citado por VITTADINI, 1997, p. 8.).
O direito de cada pessoa à liberdade de associação e de iniciativa é considerado, pelos atores
da ONG, um importante motor de desenvolvimento e o credenciamento, por parte do poder público, das
livres associações e dos serviços por elas realizados em favor do bem comum, é o que representa o
conceito de subsidiariedade.
É do ponto metodológico da centralidade da pessoa que, segundo a AVSI, de acordo com a
doutrina social católica, deriva o respeito à dignidade, à autonomia e à liberdade dessas formações sociais.
É impossível promover a dignidade da pessoa sem que se cuide da
família, dos grupos, das associações, das realidades territoriais locais, em
outras palavras, daquelas expressões agregativas de tipo econômico,
social, cultural, desportivo, recreativo, profissional, político, às quais as
pessoas dão vida espontaneamente e que lhes tornam possível um
efetivo crescimento social. É este o âmbito da sociedade civil, entendida
como o conjunto das relações entre indivíduos e entre sociedades
intermédias, que se realizam de forma originária e graças à “subjetividade
criadora do cidadão”. (PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ, 2005,
p.111)
Essa definição do primado da pessoa, se por um lado define a necessária intervenção das
instituições estatais a favor das pessoas e dos grupos, por outro lado, limita o poder do estado e de suas
funções, de forma a permitir aos indivíduos e grupos amplas margens de autonomia e espaço de liberdade
para o exercício de seus direitos fundamentais.
É necessário, portanto, um justo equilíbrio entre a co-responsabilidade dos membros da
sociedade e o compromisso do Estado, pois
(...) os direitos sociais não derivam de um Estado paternalista dispensador
de segurança social e de benefícios, mas encontram seu ponto de partida
nas diferentes formações sociais .(VITTADINI, 1997, p. 8).
Esse é o conceito de subsidiariedade.
A subsidiariedade, que tem suas raízes no pensamento de Aristóteles e São Tomás,
incorporada no tratado de Maastricht da União Européia, é várias vezes retomada na Doutrina Social da
Igreja Católica:
é injusto remeter a uma maior e mais alta sociedade aquilo que por
menores e inferiores comunidades pode ser feito (...) Disto derivaria um
grave dano e uma revolução da reta ordem da sociedade (...) Porque
objeto natural de qualquer intervenção da sociedade é ajudar de forma
supletiva as assembléias do corpo social, não destruí-las e absorvê-las.
Segundo a AVSI a reivindicação segundo a qual o estado deve assegurar e garantir o bem
estar coletivo em todos os aspectos e ser o provedor de todo e qualquer tipo de serviço, leva a uma visão
distorcida do papel do poder público e a um imobilismo da sociedade civil:
Cada pessoa, família, corpo intermédio tem algo de original para oferecer
à comunidade. A experiência revela que a negação da subsidiariedade, ou
a sua limitação em nome de uma pretensa democratização ou igualdade
de todos na sociedade, limita e às vezes também anula o espírito de
liberdade e de iniciativa (PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ,
2005, p.112)
além de promover inevitavelmente uma solidariedade de tipo impessoal, porque não é mais a
“expressão da liberdade das pessoas potencializada pela forma associativa” (GIUSSANI citado por
VITTADINI.1997, p.10) como no caso das agregações da sociedade civil.
“É no primado da sociedade frente ao estado que se salva a cultura da responsabilidade”,
(VITTADINI, 1997, p. 10.) e, para os técnicos da ONG, somente devolvendo a responsabilidade às
associações intermediárias é possível criar as condições para um processo de desenvolvimento.
A AVSI afirma ser metodologicamente errado e enganoso dizer que as associações
intermediárias, as organizações sem fins lucrativos ou de voluntariado e as demais obras que oferecem
serviços de utilidade pública, que nascem de uma sociedade civil que se organiza para responder às
necessidades, têm sua razão de existir somente nos âmbitos em que o estado é ineficaz ou ausente:
segundo essas concepções as associações sem fins lucrativos seriam o
resultado de deficiências do estado ou do mercado, negando, dessa
forma, que elas sejam a expressão de uma criatividade social em resposta
a necessidades concretas. (VITTADINI, 1997, p. 17).
Essa visão de associação intermediária, evidentemente, atribui um papel fundamental e uma
grande responsabilidade à sociedade civil no âmbito de um processo de desenvolvimento e de um
programa de redução da pobreza urbana, mas atribui também uma grande responsabilidade ao poder
público no seu papel de, por um lado, garantir a atuação dessas entidades e seu credenciamento, e por
outro, de oferecer condições favoráveis a uma atuação cada vez mais eficiente.
Para que uma realidade de solidariedade social se desenvolva de forma
eficaz não é suficiente um genérico espírito de altruísmo, mas é
necessário um grande profissionalismo e uma forte capacidade de
inovação. (VITTADINI, 1997, p. 16).
Por este motivo o Projeto de Novos Alagados e o Programa Ribeira Azul investiram em projetos
sociais estratégicos de acompanhamento e formação das associações intermediárias. A formação, além de
técnica e organizativa, voltada ao aperfeiçoamento da eficiência da entidade, é também metodológica e
educativa, porque a sociedade civil deve ser educada a entender o seu papel, o papel do poder público, e a
dialogar e colaborar com ele, cada um segundo sua competência, para favorecer o desenvolvimento.
Por outro lado o poder público deve trabalhar para ajustar uma legislação que favoreça a
atuação da sociedade civil, criando políticas públicas ao serviço das pessoas e de suas formas associativas,
para tornar viável uma redistribuição das tarefas e garantir o credenciamento daquelas entidades ou
associações dispostas a se engajarem no processo de desenvolvimento.
À atuação do princípio de subsidiariedade correspondem: o respeito e a
promoção efetiva do primado da pessoa e da família; a valorização das
associações e das organizações intermédias, nas próprias opções
fundamentais e em todas as que não podem ser delegadas ou
assimiladas por outros; o incentivo oferecido à iniciativa privada, de tal
modo que cada organismo social, com a próprias peculiaridades,
permaneça ao serviço do bem comum (...). (PONTIFÍCIO CONSELHO
JUSTIÇA E PAZ, 2005, p.113)
A organização da sociedade civil e a existência de associações intermediárias espontâneas são
o sinal mais evidente de uma positividade de resposta de pessoas engajadas no próprio crescimento,
representam o ponto positivo do qual se pode iniciar um processo de desenvolvimento. Uma comunidade
que possui uma rica organização em nível de associações intermediárias já possui um ponto de partida
privilegiado.
5
CENTRO DE ORIENTAÇÃO DA FAMÍLIA - COF
5.1.
INTRODUÇÃO
Com a obra educativa, a família forma o homem para a plenitude da sua
dignidade pessoal, segundo todas as suas dimensões, inclusive a social.
(...) Exercendo a sua missão educativa, a família contribui para o bem
comum e constitui a primeira escola das virtudes sociais, de que todas as
sociedades necessitam. As pessoas são ajudadas, em família, a crescer
na liberdade e na responsabilidade, requisitos indispensáveis para se
assumir qualquer tarefa na sociedade. (PONTIFÍCIO CONSELHO
JUSTIÇA E PAZ, 2005, p.146).
Na concepção da AVSI, do ponto metodológico da centralidade da pessoa
deriva diretamente a centralidade da família, expressão da liberdade das pessoas e
elemento fundamental para a socialização e a educação das novas gerações. Dentro da
família é transmitida não somente a vida em si, mas o seu significado, o conjunto de
valores e critérios de orientação da conduta. Núcleo primário da sociedade, a família é
também considerada hoje a origem e a causa de um conjunto de problemas que afetam o
ser humano e, conseqüentemente, toda a organização social. Assim, como é freqüente
evidenciar a responsabilidade da família no surgimento de problemas individuais e
sociais, é menos comum reconhecer nela as potencialidades e os recursos para enfrentálos e resolvê-los.
A metodologia da AVSI vê no fortalecimento da família a principal diretriz para
favorecer o desenvolvimento de uma pessoa. Na base desse princípio está a convicção
de que a família deve e pode, quando devidamente apoiada, garantir o cuidado de todos
os seus membros, tornando-se, dessa forma, um recurso imprescindível para o
desenvolvimento de uma pessoa, e, portanto, da sociedade como um todo.
Uma sociedade à medida da família é a melhor garantia contra toda a
deriva de tipo individualista ou coletivista, porque nela a pessoa está
sempre no centro da atenção enquanto fim e nunca como meio
(PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ, 2005, p.131)
Isto significa, na concepção da AVSI, que todos os projetos sociais devem
contribuir para a construção de uma sociedade à medida da família, isto é, garantindo a
prioridade da família em relação à sociedade e ao Estado. A família, de
fato, em suas funções a favor de cada um dos seus membros, precede,
por importância e valor, as funções que a sociedade e o Estado também
devem cumprir (PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ, 2005, p.131 132).
A família, por mais fragilizada que seja, representa uma rede de solidariedade
insubstituível, por esse motivo, em todos os projetos em que atua, a AVSI busca o
envolvimento das famílias de seus beneficiários, pois um olhar sobre a pessoa em todos
seus aspectos, que vise seu fortalecimento e a melhoria da qualidade de vida, não pode
prescindir da dimensão relacional, especialmente a familiar. Dessa forma os benefícios
dos projetos são potencializados:
a)
O envolvimento das famílias permite uma maior e melhor compreensão do filho
por
parte
dos
educadores/formadores
e,
conseqüentemente,
facilita
o
oferecimento de uma proposta educativa mais adequada à real necessidade do
educando.
b)
As famílias estimulam a participação dos filhos nos projetos sociais.
c)
As famílias colaboram e oferecem continuidade nas ações educativas realizadas
pelos projetos, formando uma verdadeira “parceria” com as instituições
educativas.
d)
A relação com a família é em grande parte responsável pela estabilidade afetiva
e emocional da pessoa ao longo da sua vida e, portanto, fundamental para o seu
desenvolvimento.
e)
Os hábitos adquiridos pelos filhos influenciam a família e, de alguma forma,
multiplicam seus efeitos. Esse último aspecto foi evidenciado também pelo já
citado trabalho de análise qualitativa:
As atividades e orientações recebidas no trabalho educativo desenvolvido
pela AVSI têm um alcance maior, pois se estendem até a família, quando
as crianças e jovens comparam atitudes dos professores com os costumes
e ações dos pais. (BASTOS, et.al.2005. p.63)
5.2
HISTÓRICO DO PROJETO
O Centro de Orientação da Família – COF em Novos Alagados foi construído
em 2003 através de fundos de doadores privados que a AVSI arrecadou com este
objetivo, através de campanhas de divulgação da iniciativa27, na Itália e no exterior. Nessa
época já existiam, gerenciados com fundos privados da mesma ONG, através do projeto
Apoio a Distância, na comunidade de Novos Alagados, a Creche João Paulo II, acolhendo
150 crianças em tempo integral, e o Centro Educativo João Paulo II, oferecendo reforço
escolar para 350 adolescentes no turno oposto ao da escola.
A presença da AVSI na comunidade, através dessas duas estruturas, permitiu
criar um vínculo e conhecer a realidade de seus beneficiários: através das crianças e
adolescentes ali atendidos, os professores e diretores da creche e do centro, entravam
diariamente em contato com suas famílias, conhecendo de perto suas problemáticas e
principais necessidades.
A observação e o conhecimento da realidade em que os projetos da AVSI
estavam inseridos foi o que permitiu sua expansão e o incremento de iniciativas para
responder às necessidades que, com o tempo, iam se evidenciando. Nesse aspecto, vale
ressaltar que o mesmo Centro Educativo, inaugurado em 2000, foi construído pela AVSI,
através de doações privadas, exatamente para oferecer continuidade na assistência
daquelas crianças e suas famílias, que tinham sido acompanhadas durante anos na
creche e que, alcançando a idade escolar, não podiam mais continuar no projeto. Da
mesma forma, como já visto, a creche João Paulo II, por sua vez, nasceu da exigência de
oferecer continuidade ao trabalho educativo iniciado com as crianças da comunidade nas
primeiras experiências da “caritativa” em Novos Alagados.
27
Essa iniciativa, realizada todos os anos, é chamada “Tendas de Natal” porque acontece na época do
Natal. Em todas as maiores praças da Itália e nas praças de muitas cidades do mundo, são montados
stands de divulgação dos projetos da AVSI ou se realizam iniciativas beneficentes para arrecadar fundos
em suporte de uma ou mais iniciativas, escolhidas a cada ano, de acordo com os projetos da ONG.
O ponto metodológico da centralidade da pessoa, na concepção da ONG,
enfatiza que a pessoa deve ser olhada na totalidade de seus aspectos. Por esse motivo,
tanto o projeto Creche, como o Centro Educativo, não se limitavam a cuidar da educação
das crianças e adolescentes dentro das estruturas, mas buscavam uma interação com
suas famílias, tentando reforçar sua rede de suporte, se preocupando com todos os
aspectos que envolviam o bem estar dos seus beneficiários, tentando responder às
necessidades que iam surgindo a partir do vínculo que se criava com elas.
As crianças e os jovens abrem novas perspectivas de vida com a
participação nos projetos educativos, alcançando metas difíceis. Os pais
demonstram orgulho com o crescimento do filho e atribuem isso à
participação dos projetos. (BASTOS, et.al. 2005. p.63)
Durante o acompanhamento das crianças na creche a AVSI percebeu que a
maioria dos meninos ali atendidos apresentava problemas de crescimento devido a um
índice alto de desnutrição, o mesmo que, provavelmente, influenciava as dificuldades de
aprendizado verificadas nas atividades de reforço escolar dos jovens daquela região. A
intuição inicial de que a desnutrição infantil poderia ser a causa de muitos dos problemas
que afetavam o desenvolvimento psicomotor das crianças, foi confirmada por uma
atividade de pesquisa com a população de Novos Alagados: no período de novembro a
dezembro de 2001, a AVSI realizou um inquérito em quatro comunidades de Novos
Alagados para a identificação da prevalência de desnutrição; nessa investigação foram
avaliadas 1050 crianças na faixa etária de zero a cinco anos de idade, medindo seu peso
e altura em relação à idade. O resultado evidenciou um índice muito elevado (38,7%) de
desnutrição, superior à média da região Norte (16,2%) e Nordeste (17,9%) e superior
também à média do Estado da Bahia, que tem o índice mais alto da população desnutrida
do Brasil (21,6%). (IBGE 2001)
A partir do contato com a realidade dos beneficiários da creche, se verificou
uma demanda muito alta de acompanhamento médico das crianças recém-nascidas e de
suas mães, que deu vida ao projeto de saúde materno-infantil, financiado com recursos
próprios da ONG e, sucessivamente, ao projeto médico-ambulatorial, financiado pelo
Programa Ribeira Azul, do Governo da Bahia: essas atividades permitiram a construção
de um ambulatório de pediatria na estrutura da creche, para fornecer assistência médica
para as crianças e suas famílias, além de atividades de acompanhamento nutricional na
Creche e no Centro Educativo, garantindo às crianças e adolescentes uma alimentação
de valor nutricional equilibrado, proporcionando ações educativas para ensinar a
alimentarem-se
de
forma
correta,
realizando
também
visitas
domiciliares
e
acompanhamento das famílias dos beneficiários. Com o tempo, a AVSI começou a
desenvolver atividades de acompanhamento sanitário e avaliação nutricional também em
outras creches da comunidade, visitando periodicamente essas estruturas com uma
pediatra e uma enfermeira.
As atividades desenvolvidas nesses projetos evidenciaram que o problema
detectado da desnutrição possuía causas multifatoriais, ligadas não somente à condição
sócio-econômica das famílias, mas também a problemas de hábitos alimentares e de
higiene, ao vínculo entre a mãe e o filho, à violência familiar e, de forma geral, à
desestruturação familiar. Foi constatado pela AVSI que, seja qual for o motivo, a
desnutrição revela uma situação de “abandono velado” da criança. Segundo os
responsáveis pelo COF, na comunidade de Novos Alagados existem raros casos de
famílias que abandonam realmente os filhos, poucos são os “meninos de rua” que não
têm nenhum tipo de referencial familiar, mas freqüentes são as situações de “abandono
velado”, ou seja famílias que carecem em cuidados para com seus filhos.
Esses âmbitos afetavam o desenvolvimento psíquico e físico tanto das crianças
da creche, como dos adolescentes atendidos no Centro Educativo, gerando uma
necessidade de ação integrada nos aspectos relacionais, educativos, familiares e de
saúde. A leitura das necessidades assim evidenciadas foi o que deu origem à elaboração
de um projeto e à sucessiva criação de um centro polifuncional de apoio para crianças e
adolescentes em condição de risco social e familiar, destinado a atender uma média de
150 crianças e suas família a cada ano: o COF.
Figura 13 - Centro de Orientação da Família - COF 2005
Nas próximas páginas será descrito o trabalho do COF e seus resultados,
favorecendo pontes entre as atividades desenvolvidas e a metodologia da AVSI.
Figura 14 Centro de Orientação da Família - COF 2005
5.3
DESCRIÇÃO DO PROJETO.
5.3.1 A Equipe Multidisciplinar
O objetivo maior das atividades desenvolvidas no COF é o de ajudar a mãe a
se tornar autônoma na capacidade de cuidar do filho, promovendo um trabalho educativo
dentro de uma realidade possível de ser mudada.
De acordo com esse modelo, a adequação do cuidado dependeria
diretamente das habilidades ou capacidades maternas, fruto de sua
escolaridade e ambiente cultural; de seu próprio estado de saúde física e
mental; de sua autoconfiança e autonomia, isto é, poder para controlar e
alocar os recursos disponíveis; de sua carga de trabalho e disponibilidade
de tempo; e da possibilidade de contar com substitutos adequados quando
é necessário se afastar do cuidado direto da criança e com ajuda da
família e da comunidade nos momentos de crises de diferentes naturezas.(
CARVALHAES, M.A, D'AQUINO BENÍCIO, 2002)
Entendendo que os fatores que contribuem para a desnutrição infantil
relacionam-se com a educação alimentar, situação econômica, vínculo mãe e filho,
dificuldades familiares e condições de higiene e saneamento básico, o trabalho no COF é
abordado através de uma equipe multidisciplinar, determinante para que ocorram
mudanças na evolução da criança e da família.
A existência de uma equipe multidisciplinar, segundo a AVSI, é consequência
necessária do ponto metodológico da centralidade da pessoa, pois a pessoa tem que ser
vista em todos os seus aspectos. Isto influencia o trabalho do COF principalmente de
duas formas:
1)
A abordagem multidisciplinar para o enfrentamento da desnutrição de forma
global.
2)
A atenção à criança envolvendo também o contexto em que ela vive e, portanto,
sua família.
A equipe multidisciplinar é composta por uma nutricionista, uma pediatra, uma
enfermeira, uma psicóloga e uma assistente social.
Segundo a diretora do COF cada membro da equipe desenvolve um papel
fundamental: além da nutricionista para cuidar dos aspectos específicos da desnutrição
das crianças, a pediatra oferece cobertura sanitária, pois às vezes elas estão num estágio
tão avançado de desnutrição, que a alimentação correta não basta para resolver o
problema: às vezes uma simples doença é suficiente para retroceder os esforços de
meses de tratamento nutricional; para uma criança desnutrida uma diarréia pode ser letal.
Mas o trabalho da pediatra não seria suficiente se não existisse na equipe uma
enfermeira, com o papel de visitar as famílias, entender as condições higiênicas que
podem estar afetando a saúde da criança e, sobretudo, traduzir as receitas da médica de
forma que as mães possam seguir as indicações prescritas.
“A gente lida às vezes com mães que não sabem ler e nem contar as gotas
de remédio para dar ao filho. A enfermeira explica as receitas, traduz os
números em desenhos que possam ser compreendidos pelas mães e as
ajuda a tomar conta de seu filho”28
A psicóloga trata principalmente das crianças que, devido à desnutrição, não
desenvolveram algumas habilidades físicas, psíquicas e motoras. As crianças desnutridas
tem maiores dificuldades de aprendizagem, pois não comendo, elas não possuem as
energias necessárias ao aprendizado e freqüentemente apresentam atraso cognitivo,
motor ou atrofia muscular etc. O atraso também é devido à falta de estimulação dos filhos,
por parte dos adultos mais próximos, para o desenvolvimento de sua psicomotricidade, o
que leva a dificuldades maiores no aprendizado.
Para a AVSI, a desnutrição da criança não é o que a define como pessoa, a
criança é muito mais do que o problema que traz naquele momento de sua vida. Por esse
motivo, um olhar abrangente sobre a pessoa não pode prescindir do acompanhamento da
situação da inteira família. Esse é o papel principal da assistente social, que, olhando para
a criança, olha também seu contexto, olha o “todo”: o COF parte do pressuposto de que a
criança pode melhorar quando a família toda melhora. Uma família saudável tem
melhores condições de cuidar da criança.
“Se a criança atendida na nossa estrutura tem 4 irmãos, e se descobre que
dois estão em idade escolar e não freqüentam a escola, a assistente social
faz um percurso com a mãe e se empenha para a inserção escolar dessas
duas crianças. Isso porque nunca se trabalha somente com uma criança,
ela não é uma ilha. Ela sempre pertence a uma família, ela é parte de algo
que é maior, boa ou ruim, ela pertence àquela família e se a família
melhorar, há mais probabilidade que a recuperação nutricional se
mantenha no tempo29”
O desenvolvimento de todas as ações que a equipe realiza nasceu da
necessidade de responder à realidade, de forma que as atividades foram se compondo e
se integrando mutuamente para que cada criança e sua família fossem atendidas de
forma global. As intervenções realizadas, resumidas nos ambulatórios de nutrição,
pediatria, psicologia e nas oficinas de estimulação psicomotora, não representam,
portanto, ações fragmentadas, mas são entre elas integradas e complementares.
28
Entrevista à Diretora do COF, no dia 29 de junho de 2005.
29
Entrevista à Diretora do COF, no dia 29 de junho de 2005.
5.3.2 Ambulatório de Nutrição
O ambulatório de nutrição realiza atendimentos para a verificação do peso e da
altura das crianças e a avaliação nutricional, oferecendo também uma orientação
alimentar específica para cada criança. Esse processo ocorre uma vez por mês, com o
intuito de acompanhar a evolução e a educação nutricional das crianças, havendo
flexibilidade para uma maior freqüência em situações específicas. De julho de 2002 a
julho de 2004 foram realizados 1116 atendimentos no ambulatório, apresentando os
seguintes resultados30:
Gráfico 1 - Caracterização das crianças atendidas quanto a redução no déficit ponderal
e/ou estatural, julho de 2002 a julho de 2004.
Caracterização das crianças atendidas quanto
a redução no déficit ponderal e/ou estatural,
julho de 2002 a julho de 2004.
7%
93%
Sim
Não
O gráfico mostra que 93% das crianças tiveram evolução do estado nutricional
Peso/Idade e/ou Estatura/Idade, e 07% não obtiveram o êxito desejado.
Gráfico 2- Evolução do estado nutricional das crianças atendidas, segundo indicador P/I ,
julho de 2002 a julho de 2004.
30
Dados oriundos do documento: AVSI - relatório atividades COF 2004.
Evolução do estado nutricional das crianças
atendidas, segundo indicador P/I , julho de 2002
a julho de 2004.
60,0%
40,0%
20,0%
0,0%
INICIAL
FINAL
Desn. Leve
Desn. Moderada
Desn. Grave
Eutrofia
O gráfico analisa a evolução nutricional da criança quanto ao grau de desnutrição:
diminuiu a incidência da grave e moderada, aumentando a leve e a eutrofia (normalidade).
A maioria dos casos atendidos apresenta uma melhoria significativa na evolução do
estado nutricional, sendo que a equipe do COF atribui os resultados menos positivos a
casos de desmame tardio e falta de envolvimento de algumas mães.
Esse trabalho, sozinho, seria portanto suficiente para melhorar os índices de
desnutrição de seus beneficiários, mas, segundo a AVSI, a desnutrição, é somente o
efeito evidente de uma série de causas latentes que devem ser enfrentadas de forma
global. Da mesma forma que considera-se relativamente simples a solução, ou melhoria,
do problema da desnutrição, especialmente em crianças de zero a cinco anos de idade, é
também fácil que, se não houver uma atenção às causas, com pouco tempo a criança
volte a apresentar os mesmos sintomas. Por esse motivo o ambulatório de nutrição é
somente uma das ações desenvolvidas no COF, considerada condição necessária mas
não suficiente para o enfrentamento do problema da desnutrição.
Um aspecto interessante do trabalho da nutricionista, e da equipe inteira, é a
realização de constantes visitas domiciliares às famílias dos beneficiários atendidos no
COF. Essa ação tem como finalidade o conhecimento da situação da família da criança,
tanto do ponto de vista da moradia e condições de salubridade, como do ponto de vista
higiênico e de hábitos alimentares. As indicações nutricionais são sempre construídas de
acordo com as possibilidades econômicas das famílias, partindo de suas possibilidades,
mostrando alternativas possíveis de oferecer refeições balanceadas e com alto valor
nutricional a custos muito baixos, de forma que esses hábitos possam ser mantidos pelos
beneficiários.
Um elemento ainda que deve ser ressaltado do projeto de recuperação de
crianças desnutridas é que ele busca trabalhar dentro da realidade das
pessoas daquele bairro, propondo medidas que sejam acessíveis ao
orçamento das famílias e que lhes permita manter as ações em casa.
Prioriza-se também o “ensinar a fazer”, estimulando a aquisição de
conhecimentos e práticas.(BASTOS,et.al. 2005 p.45)31
As visitas domiciliares também têm a fundamental função de criar um laço com
a mãe, construir uma relação de afetividade e confiança, que possa favorecer o seu
acesso aos profissionais do COF, e, portanto melhorar o atendimento à criança.
Segundo a diretora do centro, muitas mães voltam ao COF e participam de
suas atividades porque gostam da nutricionista, confiam nela e se sentem por ela
acolhidas. Algumas mães aceitam cuidar melhor de suas crianças graças à relação que
têm com ela.
Edina (a nutricionista) visita as casas, senta para tomar um café, conversa,
observa e dá indicações sobre como cuidar melhor da criança, não
somente do ponto de vista higiênico ou nutricional, mas também na relação
entre a mãe e a criança. Através da observação dos hábitos familiares se
entendem muitas coisas. Por exemplo muitas casas não possuem uma
mesa para as refeições, dessa forma a criança costuma comer sozinha, na
frente da televisão, o que dificulta o controle de refeições regulares. As
crianças precisam da atenção dos pais na hora da comida, da interação
com a mãe. Não basta pôr um pratinho no colo da criança na frente da
televisão32.
Esse aspecto das visitas domiciliares faz parte do que foi visto na metodologia
da AVSI, a propósito da partilha das necessidades, da proximidade afetiva que se realiza
através do encontro, que favorece o processo de desenvolvimento.
Condividir quer dizer acompanhar a pessoa, seu nível de problemática e
não olhar de fora. Condividir com a pessoa não quer dizer viver a condição
dela, recriar em nós a sua condição de vida, mas sim ser uma companhia
que permite assumir e penetrar em sua situação (NOVARA, 2003. p.25).
31
32
Grifos do autor.
Entrevista à Diretora do COF, no dia 29 de junho de 2005.
Figura 15 Medição peso criança.
Figura 17 Visita domiciliar.
Figura 16 Medição altura criança.
Figura 18 Visita domiciliar.
5.3.3 Ambulatório de Pediatria
O ambulatório de pediatria é fundamental, porque o COF, como visto, se propõe
a cuidar da saúde da criança de forma total e não somente do ponto de vista nutricional.
Dessa forma a pediatra realiza exames clínicos e solicita exames laboratoriais, prescreve
e distribui gratuitamente medicamentos para o tratamento das patologias diagnosticadas e
realiza o delicado trabalho de encaminhar seus beneficiários para outras especialidades
médicas (cirurgia, ortopedia, urologia, neurologia e otorrino). Esses encaminhamentos
normalmente ocorrem a cada semestre com todas as crianças e recebem o suporte do
trabalho da assistente social. Freqüentemente as mães que são encaminhadas para
outros serviços são fisicamente acompanhadas pela assistente social e pela enfermeira,
de forma a oferecer o suporte necessário tanto ao acesso ao serviço desejado, assim
como ao entendimento das indicações médicas que recebem. O ambulatório pediátrico
atende também casos extras solicitados pela equipe ou pela mãe. No período de julho de
2002 a julho de 2004 foram realizadas 472 consultas pediátricas33. Os problemas mais
comuns diagnosticados foram parasitoses, infecções das vias aéreas e anemia.
Gráfico 3- Incidêcia de anemina nas crianças no início e no final do projeto
Incidêcia de anemina nas crianças no início e no final do
projeto
60
56
40
26
inicial
final
20
0
inicial
final
O gráfico apresentado mostra que nos primeiros exames (2002) 56% das
crianças tinham anemia, mas nos últimos exames (2004) somente 26% continuam
anêmicas.
33
Dados oriundos do documento: AVSI - relatório atividades COF 2004.
Do ponto de vista do atendimento médico, o COF, apesar de trabalhar no
sentido de criar parcerias com postos de saúde e/ou hospitais próximos e apesar de
conseguir muitos encaminhamentos gratuitos para seus beneficiários, ainda não construiu
uma rede de apoio suficiente para suprir todas as demandas da população ali atendida. O
ponto metodológico da subsidiariedade indica caminhos para que entidades que, como o
COF, desenvolvem atividades voltadas para o serviço de seus beneficiários, possam
receber subsídios e credenciamento por parte do poder público.
Nesse sentido a AVSI conseguiu durante alguns anos financiamentos, através
do programa governamental Ribeira Azul, para as atividades médicas e nutricionais
realizadas no COF, mas não conseguiu ainda uma parceria mais estável com a prefeitura
municipal, com postos de saúde e com hospitais públicos para seus beneficiários. O fato
do COF também ser a entidade que, com recursos próprios, distribui remédios para seus
beneficiários, é um sinal de que muito ainda deve ser feito no caminho para a
subsidiariedade.
Figura 19 Atendimento de pediatria.
Figura 20 Consultório de pediatria.
5.3.4 Ambulatório de Psicologia
A psicóloga no COF é uma figura de apoio principalmente para as crianças e
suas mães. Inicialmente realiza com as crianças uma série de testes de desenvolvimento
psicomotor e cognitivo, para verificar se existem dificuldades específicas. Para melhor
atender as crianças, a psicóloga também realiza atendimentos com as mães, inicialmente
sob forma de “anamnese” familiar, ou seja resgatando a história de vida daquela família,
especialmente em relação à gravidez e nascimento do filho, tentando investigar, através
dessas informações, também a situação do vínculo da mãe, e, quando existe, do pai, com
esse filho. A depender das dificuldades encontradas a psicóloga começa um trabalho
individual com as crianças, direcionado para o tipo de atraso evidenciado, seja esse
cognitivo - ligado à dificuldade de aprendizagem, motor - ligado a dificuldades de
coordenação
ou
movimentos,
ou
ainda
comportamental
-
esse
último
ligado
principalmente à relação com a mãe. Em todas as intervenções o vínculo mãe-filho acaba
sendo o ponto central do trabalho, pois, além dos atendimentos e trabalhos individuais, as
sessões são realizadas na presença da mãe, que é ajudada a desenvolver novas
estratégias para se relacionar com o filho. Uma forma utilizada pela psicóloga é a de
conscientizar a mãe quanto às dificuldades do filho, assim como ensinar exercícios e
brincadeiras que poderiam minimizar o problema da criança, envolvendo-a na realização
das atividades, de forma a oferecer o suporte necessário para o cuidado com a criança.
Os atendimentos acontecem a partir de demanda espontânea ou quando a
equipe percebe a necessidade de um acompanhamento mais específico.
No período de 2002 à 2004 ocorreram 360 consultas, sendo que outras 92
crianças foram agendadas, mas não compareceram.
Gráfico 4 - Comparação entre o comparecimento ao ambulatório de Psicologia e a
evolução do estado nutricional Estatura/Idade e Peso/Idade
Comparação entre o comparecimento ao ambulatório de
Psicologia e a evolução do estado nutricional E/I e P/I
100
80
60
40
20
0
77,8
73,3
Sim =>6
Sim <6
22,2
26,7
Não =>6
Não <6
Sim =>6
Sim <6
Não =>6
Não <6
O ambulatório de psicologia é mais direcionado para as crianças que
apresentam maior atraso psicomotor e problemas de comportamento de um modo geral,
sendo assim o gráfico evidencia uma diferença significativa porque, apesar do seu
comprometimento psicológico, elas conseguiram ter uma boa recuperação nutricional.
O princípio metodológico dessa atividade é o mesmo: partindo de uma
problemática específica manifestada pela criança, se tenta trabalhar o contexto,
envolvendo a mãe e a relação que ela tem com o seu filho. Nesse sentido a demanda é
diferente da de um atendimento psicológico típico, no que o paciente procura uma ajuda
psicológica para um determinado problema, pois a demanda, nesse caso, é
principalmente centrada no problema psicomotor ou afetivo e relacional do filho, sendo
portanto, a partir daí, solicitado o envolvimento da mãe.
Figura 21 Atendimento de psicologia.
Figura 22 Atendimento de psicologia.
5.3.5 Oficinas de Estimulação Psicomotora e Educação Alimentar
Como a desnutrição infantil possui causas multifatoriais, dificilmente esse
problema pode ser completamente resolvido apenas através de uma ação ambulatorial,
por mais abrangente que ela possa ser.
Para melhorar uma criança do ponto de vista nutricional, na maioria dos
casos bastam seis meses de internamento numa estrutura que ofereça
atendimento ambulatorial e alimentação equilibrada. Mas com a mesma
rapidez com que se melhoram os indicadores, os mesmos voltam a piorar
quando a criança retorna à sua família. Dessa forma, mesmo você
seguindo uma criança a semana toda, com atendimento ambulatorial e
nutricional, e oferecendo as refeições equilibradas, no final de semana, se
a família não segue os mesmo critérios, na segunda-feira a criança volta
com os índices piores novamente. Nessa fase basta pouco para perder o
que se ganha34.
O verdadeiro desafio do trabalho nutricional está, portanto, contido na
continuidade no tempo dessas melhorias, através da ação da família, isto é, da mudança
permanente de hábitos alimentares, higiênicos e relacionais na família. Tudo isso
acontece, segundo a diretora do COF, apostando-se na mãe, na responsabilidade e na
liberdade da mãe de tomar conta do seu filho.
Para favorecer as mudanças de hábitos é necessário, segundo a AVSI, que a
ação não se limite a repassar uma teoria, mas, pelo contrário, que a mãe e a criança
possam partir da experiência e isso é possível juntando-se a eles em atividades práticas.
O princípio metodológico do fazer com é o que justifica o trabalho das oficinas práticas.
São atividades de estimulação em grupos (crianças e mães) coordenadas pela
equipe, onde procura-se desenvolver nas crianças habilidades de atenção, concentração,
esquema corporal, coordenação motora global, noções de higiene, educação alimentar e
introdução de novos alimentos. O ponto principal das oficinas é reforçar o vínculo mãe e
34
Entrevista à Nutricionista do COF, no dia 29 de junho de 2005.
filho, pois existe a necessidades das mães adquirirem um novo olhar sobre a criança,
ajudando-a desenvolver o seu potencial.
A desnutrição não é somente um problema de renda... às vezes as famílias
têm condições e os filhos são desnutridos. Às vezes as mães sabem até
preparar a comida, mas o filho não come e continua desnutrido: muitas
vezes o problema da desnutrição é ligado não a receitas, mas à relação
mãe-filho (...)35
Levando em consideração esses aspectos o COF desenvolve diferentes tipos
de oficinas :
-
Oficina de culinária:
Tem como objetivo principal ensinar uma receita de baixo custo, mostrar o valor
nutritivo, aproveitamento e higienização dos alimentos, utensílios e ambiente como
também a introdução de novos alimentos. As crianças participam e são estimuladas a
fazer tarefas que não ofereçam riscos como a higienização e o pré-preparo dos alimentos.
Figura 23 Oficina de culinária.
35
Figura 24 Oficina de culinária.
Entrevista à Diretora do COF, no dia 29 de junho de 2005.
Figura 25 Oficina de culinária.
Figura 26 Oficina de culinária –
uma mãe cozinhando.
Figura 27 Oficina de culinária.
Figura 28 Oficina de culinária.
Figura 29 Oficina de culinária – atividade
psicomotora.
Figura 30 Crianças limpando a mesa após
a oficina.
-
Oficina culinária infantil:
A Oficina, que já acontecia com as mães e crianças do Projeto, foi adaptada
somente para as crianças na faixa etária de 04 a 07 anos, sem a participação das mães.
Foi proposta uma receita que reforçasse o hábito e o gosto por alimentos de alto valor
nutricional, fácil preparo e baixo custo como, por exemplo, o arroz, o feijão e a soja. O
objetivo maior dessa oficina é observar o comportamento alimentar da criança longe da
mãe.
Figura 31 Oficina de culinária
Infantil – Lavando as mãos.
Figura 32 Oficina de culinária
Infantil – Mãos na massa!
Figura 33 Oficina de culinária
Infantil – Preparando o pão.
Figura 34 Oficina de culinária
Infantil – preparando o pão.
Figura 35 Oficina de culinária
Infantil – Finalizando o pão.
Figura 36 Oficina de culinária
Infantil – Pão pronto.
-
Oficina Materna:
A Oficina Materna tem como objetivo observar a dinâmica da relação mãe-filho,
principalmente no que se refere ao preparo e oferecimento das refeições, estando atentos
para os relatos a respeito do ambiente e convivência familiares, bem como dos hábitos de
higiene. Permite ainda uma verificação do comportamento das mães em relação às
orientações anteriormente fornecidas pela equipe nos atendimentos.
A rotina da oficina acontece da seguinte forma: a mãe chega com a criança pela
manhã, prepara e oferece o café da manhã, depois a criança passa para uma atividade
de brincadeira, onde a mãe também participa e por fim tem a atividade do banho e da
escovação dos dentes.
Figura 37 Oficina materna
Tomando banho.
Figura 38 Oficina materna
Tomando banho com a mãe.
Figura 39 Oficina materna
Escovando os dentes
Figura 40 Oficina materna
Prontos para almoçar com a mãe.
-
Oficina de Brinquedos:
A Oficina de Brinquedos pretende estimular a capacidade psicomotora das
crianças, previamente diagnosticada pela avaliação psicológica, e também reforçar o
vínculo mãe-filho.
A mãe e a criança elaboram juntas um brinquedo, utilizando como matériaprima, a sucata. Dessa maneira, o brinquedo pode ser fabricado em casa, com um baixo
custo, constituindo-se numa alternativa para estimular a cognição infantil.
O brinquedo a ser fabricado é determinado pela equipe, levando em
consideração a sugestão das mães e deve reproduzir um tipo de brincadeira que
desenvolva a atenção, a concentração e identificação de semelhanças, noções de forma,
cor e quantidade, coordenação motora fina e global.
Figura 41 Oficina de brinquedos
Figura 42 Oficina de brinquedos
Figura 43 Brinquedos prontos
Figura 44 Brinquedos prontos
-
Oficina de salada de fruta:
Esta oficina em particular, contempla vários aspectos psicológicos e nutricionais
importantes para serem trabalhados com as crianças, pois é uma atividade que trabalha a
utilização, o conhecimento, a higienização e o pré-preparo (corte) das frutas, terminando
com a degustação da salada. Nessa atividade a parte cognitiva também é trabalhada,
através de estimulação sensorial em torno das frutas, a coordenação motora necessária
para o corte. Também se trabalha o aspecto cognitivo através de desenhos para que as
crianças aprendam a pintar as figuras que correspondem às frutas trabalhadas.
Figura 45 Oficina de saladas de fruta –
reconhecendo as frutas
Figura 46 Oficina de saladas de fruta –
lavando as frutas
Figura 47 Oficina de saladas de fruta –
cortando e preparando as frutas
Figura 48 Oficina de saladas de fruta –
desenhando as frutas
-
Oficina de recreação:
As atividades de recreação têm por objetivo estimular, através das brincadeiras,
o desenvolvimento das habilidades infantis, principalmente psicomotoras, ensinando aos
pais como isso poderia ser feito no cotidiano, utilizando os recursos muito simples ao
alcance deles. Outro objetivo fundamental dessa oficina é o de incentivar a presença dos
pais nos momentos lúdicos da criança, mostrando como isso favorece o desenvolvimento
do filho e a melhoria da relação entre eles, através de atividades que podem ser
extremamente prazerosas para ambos.
Além das atividades até aqui descritas, o COF realiza também distribuição de
cestas básicas. São distribuídas 30 cestas básicas mensalmente, no valor médio de R$
30,00 (trinta reais) às famílias que apresentam maior necessidade, do ponto de vista
econômico e da evolução nutricional das crianças que estão sendo acompanhadas.
Muitas vezes a distribuição de cestas básicas é uma ação que suscita bastante polêmica
no âmbito dos projetos contra a desnutrição, não só por ser vista geralmente como uma
atividade principalmente de cunho assistencialista, mas sobretudo porque programas
alimentares que ofereciam cestas básicas para as famílias de crianças desnutridas se
mostraram falhas, provavelmente porque, sendo o índice de desnutrição da criança a
condição para o recebimento de ajudas econômicas, algumas famílias poderiam não
alimentar seus filhos para não perderem o benefício da cesta básica. Para superar esse
impasse e, ao mesmo tempo, poder oferecer uma ajuda mínima as famílias que não
tinham realmente a menor condição econômica, a equipe do COF resolveu distribuir
algumas cestas básicas por tempo determinado, avaliando cada caso em equipe,
utilizando como critério para o mantimento do benefício a melhoria dos índices
nutricionais da criança.
O COF realiza também atividades de Consultório Familiar, formado por uma
psicóloga, uma assistente social e um advogado. Para esse serviço são encaminhadas as
famílias que precisam de orientação específica, psicológica, educativa, jurídica ou de
assistência social. Os atendimentos podem ser individuais e em grupo e o objetivo é
fortalecer a família nas necessidades que surgirem, sem tempo determinado, a depender
de cada caso.
Toda semana acontecem as reuniões de equipe para discussão de todos os
casos tratados, de forma que toda orientação que a família recebe seja partilhada pela
equipe, para favorecer também uma unidade metodológica na atuação do COF. Essas
reuniões são também ocasião de estudo e aprofundamento da metodologia da AVSI para
reforçar nos profissionais o princípio ideal que deve nortear cada ação. Nas reuniões
acontece também a programação conjunta das atividades previstas na semana.
5.4 A ATUAÇÃO DO COF À LUZ DA METODOLOGIA DA AVSI
As atividades do COF partem do pressuposto que para favorecer um processo
de desenvolvimento, é preciso partir da pessoa, de uma pessoa que se coloca em
movimento, que muda algo: “se caracteriza (...) como um caminho que, em primeira
instância é pessoal, que parte do movimento livre de um sujeito que tende à sua
realização pessoal, espiritual e social36”
Posso afirmar, como dado científico, que onde existe melhoria nos índices
de desnutrição da criança, atrás tem uma mãe que mudou alguma coisa,
uma mãe que assumiu a responsabilidade sobre o filho, uma mãe que se
interessou de verdade pelo seu filho, que mudou em primeiro lugar a sua
forma de olhar para esse filho, mudou sua relação com ele, a relação
afetiva, pois quando isso não acontece o nosso trabalho sozinho não dá
fruto, pois basta um final de semana em casa para piorar de novo. É
interessante que a mudança da mãe é realmente gratuita, ninguém as
convence a mudar, elas mudam porque encontram uma conveniência para
a vida delas, é como uma tomada de consciência por parte da mãe e nisso
a mãe é apoiada pelo COF. 37
As oficinas com as mães e as crianças também partem do pressuposto de que,
para que haja essa mudança, em qualquer aspecto da pessoa, é preciso fazer algo
juntos. Este é o princípio de qualquer tipo de ação educativa, não bastam as palavras, é
preciso caminhar juntos. No caso da educação alimentar é a mesma coisa: a experiência
do COF mostra que não é suficiente falar da importância de ter refeições regulares e
descrever os alimentos adequados. A mudança parte da ação conjunta, pois, é
desencadeada a partir da experiência e não de uma teoria. Segundo a diretora do COF,
só preparando as refeições junto com a nutricionista que a ajuda, a mãe pode fazer
realmente experiência de que ela é capaz e, sobretudo, ela percebe que acontece algo
novo, algo que ela não esperava, recupera uma confiança em suas possibilidades e uma
consciência maior também de suas responsabilidades. No método da AVSI esse conceito
36
C.f. Cap. 4, p.59.
37
Entrevista à Diretora do COF, no dia 29 de junho de 2005.
é resumido na afirmação: “O fazer com, pelo contrário, educa sujeitos livres para a
responsabilidade” (AVSI 2002).
Não só você diz as coisas, mas as faz junto com ela... e dessa forma ela
aprende mesmo quando não percebe que está aprendendo. Quantas mães
chegaram aqui dizendo que o filho não comia a fruta, odiava a fruta... e
você começa a envolver as mães e as crianças para conhecer as frutas,
trabalhar as formas, as cores, desenhar e pintar as frutas, limpar e cortar,
preparar a salada de fruta, conversar sobre a importância e seu valor
nutritivo, mostrar que você as come, que você gosta... e daqui a pouco,
sem dizer nada, a criança está comendo a fruta. A mãe observa, vê, faz
experiência de que algo diferente está acontecendo. A criança que não
comia a fruta agora come. (...)38
Além disso as oficinas são todas estruturadas a partir de um conteúdo sobre o
qual se quer trabalhar, que também é funcional à atividade do COF, seja ela uma receita
com baixo custo e alto valor nutricional, ou o desenvolvimento cognitivo e motor das
crianças. Cada encontro representa uma oportunidade para educar: enquanto se ensina o
preparo de uma refeição, a nutricionista e a psicóloga também observam como a mãe
trata os alimentos, a higiene, e vice-versa. Dessa forma a mãe também observa como a
psicóloga interage com a criança e começa a ver que existem outras formas de se
relacionar com seu filho, passando a conhecer melhor o próprio filho. O simples fato da
mãe dar banho na criança depois da oficina e a atividade de escovar os dentes antes de ir
pra casa, são atitudes educativas voltadas, não só para a aquisição de novos hábitos
higiênicos, mas sobretudo, são experiências preciosas de cuidado e interação com o
próprio filho. Segundo o COF as oficinas acabam sendo também um momento de diálogo
importantíssimo, porque a conversa flui muito facilmente e a mãe acaba contando coisas
que ela não contaria se o contato acontecesse somente no ambulatório.
O ponto metodológico do partir do positivo, de forma geral, é dado pela escolha
de se partir da realidade em que se encontra, da família do jeito que ela é encontrada,
vista sempre como um recurso sobre o qual apostar todas as fichas, pois o objetivo último
do trabalho não é recuperar o estado nutricional, mas recuperar a capacidade materna de
38
Entrevista à Nutricionista do COF, no dia 29 de junho de 2005.
cuidar do filho em todos os seus aspectos, inclusive o da desnutrição. Para isso no
trabalho, quando existem, são envolvidos também os pais, mas, na realidade do COF, o
grande trabalho é realizado com as mães, existindo somente dois casos em que os pais
também participam das atividades.
Nem sempre trabalhar com as famílias assim do jeito que são encontradas
é uma coisa simples... às vezes chegam aqui mães que não falam uma
palavra, que não têm interação nenhuma com o filho... nesse caso, partir
do positivo, significa buscar os aspectos em que as mães conseguem
responder de forma melhor e insistir neles. Por exemplo, chegou aqui uma
mãe que não falava nunca e o filho dela, desnutrido, só fazia xingar essa
mãe e bater nela, pois aprendeu esse comportamento com o pai, que tinha
problemas de alcoolismo e batia na mãe. Foi proposto para a criança, de
quatro anos, e a mãe um trabalho com a psicóloga. A mãe não falava nada
e o filho a ignorava completamente, mas o ponto positivo era que a mãe
voltava para o COF. Algo nela respondia. Mirela (a psicóloga) brincava
com a criança e a mãe continuava sem falar nada. Na brincadeira Mirela
começou a dar limites para essa criança, que não tinha limite nenhum, não
tinha experiência de viver de verdade com uma outra pessoa, a mãe nunca
tinha dado esse limite, mal falava com ele. Mirela começava a dar limites e
a criança começava a respeitar e, nisso, ela chamava a atenção da mãe,
para que ela percebesse o que estava acontecendo. 39
No caso relatado, o simples fato da mãe voltar para o COF era um sinal
positivo, apesar dela não se manifestar, já que continuava sem falar com ninguém. Com o
tempo a criança começou a ficar muito próxima da psicóloga, criando afeição para com
ela. Quando esse vínculo foi se tornando mais sólido, foi possível para a psicóloga
começar a incluir a mãe nas brincadeiras, na tentativa de reconstruir o vínculo entre eles.
No caso relatado, foi evidente para a equipe do COF, que a desnutrição da criança estava
ligada principalmente à relação mãe-filho, tornando desnecessária, portanto, uma ação
que fosse centrada nos aspectos formais da desnutrição, receitas, regras alimentares etc.
A adaptação da metodologia à realidade encontrada caracteriza a metodologia da AVSI
de partir do que existe, buscando e reforçando o positivo em cada situação. No caso
citado foi possível reduzir os índices de desnutrição quando a mãe conseguiu reconstruir
39
Entrevista à Diretora do COF, no dia 29 de junho de 2005.
sua relação com o filho. O interesse nas regras alimentares, receitas e hábitos de higiene
foram uma consequência dessa retomada da relação.
A metodologia da AVSI evidencia também o encontro e a partilha das
necessidades como ponto de partida para o processo de desenvolvimento e de mudança.
Um exemplo interessante, nesse sentido, relatado pela diretora do COF, foi o de uma mãe
que tinha sete filhos, dois dos quais altamente desnutridos. Através de visitas da equipe
se descobriu que as duas crianças desnutridas eram filhas de uma relação da mãe com
um outro homem e o atual companheiro dessa mulher, pai dos outros cinco filhos, não
queria que a mãe alimentasse os filhos do outro homem. Mesmo ficando clara a situação
para toda a equipe, a mãe continuava não alimentando esses dois filhos, por medo da
reação do marido e mentia para equipe, dizendo que cuidava deles. A mudança da mãe
aconteceu graças à relação de confiança que se estabeleceu com a nutricionista e com a
psicóloga. Elas começaram a visitar a família com freqüência, mostrando aceitação por
essa mulher, e estabeleceram um vínculo muito forte com as crianças. A mãe observando
o vínculo dos filhos com Edina (nutricionista) e com Mirela (psicóloga), começou a
participar mais da relação com esses dois filhos rejeitados, até chegar a confessar à
equipe que ela queria alimentá-los, mas que o marido não deixava. Dessa forma ela foi
ajudada, inicialmente, a encontrar estratégias para cuidar dos filhos escondida do marido
e isso contribuiu para que essa mãe se fortalecesse no seu papel de mãe, a ponto que,
após alguns meses, ela encontrou a coragem de assumir frente ao marido que iria cuidar
dos filhos. Nesse caso o encontro dessa mãe com as pessoas do COF deu origem a uma
mudança muito significativa: hoje os dois filhos que apresentavam índices de desnutrição
muito altos, estão recuperados do ponto de vista nutricional, cognitivo e estão inseridos na
escola pública.
Numa concepção ainda mais ampliada de saúde que a compreende como
“felicidade”, chama a atenção, nas observações de pais e mães, a
percepção de que seus filhos estão mais felizes depois que passaram a
dispor desses benefícios: creche, reforço escolar, programa
recuperação de crianças desnutridas. (BASTOS, et al. 2005.p.47).
de
Em relação ao ponto metodológico do desenvolvimento das associações
intermediárias e da subsidiariedade, o trabalho do COF pode gerar duas considerações
principais:
1)
Considerando a família realmente como primeira e fundamental associação
intermediária, o COF atua no respeito desse princípio na medida em que sua
ação não se substitui a da família na cura da desnutrição e no cuidado para
com as crianças, mas, pelo contrário, toda sua ação é centrada em devolver à
família a sua responsabilidade, apoiando e fortalecendo essa associação no
que for possível, mas estimulando uma autonomia cada vez maior do projeto.
A escolha do COF foi a de não atuar no sentido de internar a criança para
resolver seus problemas no lugar da família, mas o nosso método é que eu
não faço o que você não faz, se devolve a criança à família, passando a
mensagem clara para a mãe de que ela é a família da criança, não o COF.
O COF apóia a mãe em tudo, mas não vai nunca fazer o que a mãe não
faz. Às vezes a gente lida com situações tão tristes e carências tão
grandes que basta muito pouco para se substituir à mãe... é uma tentação
muito grande, mexe com a humanidade de todo mundo... existem mães
que deixariam as crianças com você numa boa... mas o que a gente tenta
dar é um juízo de valor diferente: a família existe, por mais difícil que seja
envolvê-la, e o papel do COF é fortalecê-la, nunca substituí-la. Isso fica
muito claro para todo mundo, é um ponto de trabalho constante com a
equipe. Se você não acredita de verdade na família, você não a constrói,
não a fortalece, pelo contrário, mata cada chance de uma mãe voltar a
cuidar do seu filho.40
Essa afirmação foi de alguma forma apontada pelo estudo de Bastos et al, que
se ressalta que:
Esse conjunto de estratégias nas diversas modalidades de atendimento
pode ser compreendido como uma maneira de contribuir com a qualidade
de vida dos moradores do bairro e com a melhoria da saúde das crianças,
desenvolvendo, ao mesmo tempo, um sentimento de fortalecimento
dessas pessoas que lhes permita galgar níveis de maior autonomia,
evitando o fomento de atitudes de dependência. Ao mesmo tempo, há a
manifestação do desejo de que o projeto deve continuar a existir para
40
Entrevista à Diretora do COF, no dia 29 de junho de 2005.
atender outras crianças necessitadas, como um bem comum, pelo qual
pessoas entrem, se beneficiem e deixem espaço para outros. (BASTOS, et
al. 2005. p.45).
Na fala de um beneficiário, relatada no mesmo estudo, a autonomia parece ser
uma meta clara:
M10: É isso que eu vou falar. Eu acho assim que, quando elas percebem
que a gente pode andar com as próprias pernas, outras crianças vão
entrando no lugar, entendeu? Acho que isso nunca vai acabar, porque elas
estão dispostas a continuar com esse projeto, não só hoje, mas por muitos
e muitos tempos ainda, entendeu? Porque aqui mesmo, tem ali, tem o
projeto, o projeto daí mesmo que, quando uma criança sai, outra entra.
Nunca acaba, entendeu? Já tem muito tempo e nunca acabou. Acho que
também isso aqui vai ser assim! Quando a gente começar a entender,
começar a entender, por dentro de nós mesmos, que a gente já pode
seguir sem olhar para trás e errar, aí outras crianças vão entrar (Grupo
focal saúde - BASTOS, et al. 2005. p.45).
2)
Um outro aspecto em relação à subsidiariedade é relativo ao COF como
associação intermediária. Nesse caso a equipe declara trabalhar no sentido de
criar uma rede de serviços ligados ao COF que possam completar a sua
atuação, como, por exemplo os encaminhamentos médicos para outras
especialidades, a relação com os postos de saúde para realização de exames,
serviços sociais de suporte às famílias etc. Apesar de existir hoje uma rede
ampla de entidades e instituições com as quais o COF estreitou parcerias,
ainda existem aspectos que mostram uma carência no credenciamento dessa
entidade por parte do poder público. No programa do Governo da Bahia Ribeira
Azul foram conseguidos avanços significativos graças a financiamentos que o
projeto COF recebeu para oferecer continuidade aos trabalhos que estavam
sendo desenvolvidos no âmbito do combate à desnutrição infantil, assim como
com o consultório familiar. Mesmo assim não existe ainda um convênio ou
parceria direta com o poder público, municipal, estadual ou federal, para
credenciamento desta entidade e repasse de recursos para o desenvolvimento
de atividades ligadas a serviços em favor de comunidades carentes.
6
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo percorreu um caminho pouco convencional, obrigando o
leitor a uma contínua passagem do micro ao macro e vice-versa, da experiência à teoria
para, novamente voltar á prática, numa contínua busca de conexões entre as duas faces
da mesma moeda.
Esse estudo quis sugerir um percurso que mostrasse exatamente a “não
linearidade” dessa dinâmica, evidenciando o profundo nexo existente entre as duas
partes, baseado na retro-alimentação e no constante diálogo entre a teoria e a prática,
entre a experiência que se transforma gerando cultura e os ideais que se transformam
gerando as ações.
Aderir à realidade e refletir sistemática e criticamente sobre ela, procurando
levar em consideração todos os fatores que entram em jogo parece ser o caminho
percorrido pela ONG estudada. As idas e vindas entre o plano teórico que consubstancia
a metodologia da AVSI e a observação de algumas de suas ações específicas,
procurando investigar de maneira crítica as conexões e as recíprocas elucidações,
sugeriram este caminho como o mais adequado para compreender o objeto de estudo.
O esforço de permanecer em direto contato com a realidade, em seu sentido
mais amplo, ou seja, abrangendo todos os fatores, foi o que mais motivou tanto a
apresentação das experiências práticas, como o aprofundamento da literatura existente
sobre os temas abordados pela metodologia, não podendo a experiência ignorar o
contexto mais amplo - social e cultural - no qual a prática sempre se insere.
Ao apresentar e analisar a metodologia de trabalho da Fundação AVSI, este
estudo partiu da hipótese de fundo de que as associações da sociedade civil, do, assim
chamado, terceiro setor, possuem um papel fundamental especialmente no que diz
respeito à atuação em âmbitos de projetos e programas de desenvolvimento e em
serviços voltados para a pessoa. A trajetória seguida sugeriu que a partir de um ideal
claro, sujeitos ativos são motivados para uma ação que dá origem a iniciativas,
associações, obras, que, exatamente por nascerem do desejo de pessoas que livremente
se unem em vista de um ideal comum, são a expressão da liberdade de sua resposta às
necessidades encontradas, dentro de um caminho de busca de sentido que, nas
associações sem fins lucrativos, é ligado a critérios extra-econômicos. Essas iniciativas,
ações, ou obras, não nascem portanto necessariamente da necessidade de oferecer uma
resposta a uma carência de serviços por parte do Estado, pois isso negaria uma série de
iniciativas que se propõem como alternativas a serviços já existentes, mas nascem da
infinita fonte de criatividade que é o ser humano e da sua capacidade de interpretar a
realidade a partir de seus valores e princípios e, sendo a eles fiel, oferecer a resposta que
julga ser a mais adequada, seguindo um princípio ideal que dá sentido à sua ação.
Dessa convicção, na qual se baseia o princípio de subsidiariedade, a autora
acredita, de acordo com Vittadini, que
as pessoas e as associações intermediárias têm o direito de ser não
somente os usuários, mas sobretudo os gerenciadores de serviços em
resposta às suas necessidades. (VITTADINI, 1997. p.25).
Esse foi o motivo pelo qual o trabalho proposto quis evidenciar o ideal que
levou, inicialmente, algumas pessoas a uma ação - limitada, pontual, específica - que
nasceu exatamente como uma resposta a esse ideal e só depois, com o tempo, veio a se
configurar como uma ONG, a Fundação AVSI, que atua hoje em diversos países no
mundo.
Sua metodologia de atuação é fruto desse ideal, que coloca a pessoa como
centro e finalidade última de cada ação, com uma visão de planejamento que pretende
superar os limites tanto do assistencialismo como da imposição de ações pré-definidas,
colocando
o
desenvolvimento
como
um
movimento
livre
de
pessoas
que,
responsavelmente, atuam para seu crescimento individual e social.
A visão de planejamento e de ação que a AVSI propõe parte do conhecimento
e do diálogo com a realidade e seus beneficiários, não sendo suficiente estudar em
detalhes a situação sócio-econômica, tornando-se necessário aliar esses conhecimentos
e estudos de diferente natureza, ao encontro real com as pessoas, as famílias, as
associações da sociedade civil.
Essa concepção, transformada em instrumentos práticos de trabalho, deriva de
uma visão de homem e de desenvolvimento que é o cerne do trabalho da AVSI e de sua
metodologia, que, além de colocar a pessoa e a família como centro de cada ação, parte
do positivo, da valorização do que já existe para analisar a realidade, enfatizando o “fazer
com” como condição primária e imprescindível para a realização das ações, colocando no
fortalecimento das livres associações o modelo de um desenvolvimento livre e
sustentável.
Colocar a pessoa, qualquer pessoa, como centro e finalidade de cada ação,
utilizando o fazer com como método, foi o que possibilitou para a AVSI o relacionamento
estreito de trabalho e de diálogo tanto com os órgãos do Governo - em particular a
CONDER - e os principais financiadores - Governo Italiano e Banco Mundial - como com a
comunidade, as associações, chegando até os usuários do COF, ou os últimos moradores
das palafitas.
Aprofundar os princípios metodológicos da ONG e buscar sua origem, na
compreensão do ideal inicial, dialogando com a literatura existente sobre o tema, teve o
objetivo principal de entender de que forma a ONG poderia estar contribuindo para
incrementar não só o conhecimento científico sobre temas da atualidade na realidade
brasileira - como é o da pobreza - mas sobretudo de que forma sua visão de homem, de
família, de desenvolvimento, de subsidiariedade, etc., poderiam contribuir para gerar
ações de redução da pobreza e de melhoria da qualidade de vida de seus beneficiários.
Todo modelo social que pretenda servir ao bem do homem não pode
prescindir da centralidade e da responsabilidade social da família. A
sociedade e o Estado, nas suas relações com as famílias, têm o dever de
ater-se ao princípio de subsidiariedade. (PONTIFÍCIO CONSELHO
JUSTIÇA E PAZ, 2005, p.132).
Apesar de não ter sido possível aprofundar todas as ações desenvolvidas pela
AVSI, inclusive em sua atuação junto ao Governo da Bahia, em um programa de
desenvolvimento de uma macro área urbana, para verificar de que forma seus princípios
metodológicos gerariam o impacto desejado na melhoria da qualidade de vida dos
moradores de uma inteira comunidade ou de um conjunto de comunidades, acredita-se
que a análise da atuação da ONG no projeto do Centro de Orientação da Família, possa
ter oferecido uma idéia de como uma organização do terceiro setor possa responder às
necessidades evidenciadas através da sua leitura “in loco” e da relação direta com seus
beneficiários.
Dessa forma a análise do trabalho do COF pôde mostrar de que maneira os
conceitos teóricos apresentados se concretizaram em ações práticas voltadas para a
melhoria da qualidade de vida de seus beneficiários, em particular no aspecto da
desnutrição.
O estudo qualitativo do ponto de vista dos beneficiários avaliou de forma
positiva os serviços prestados pelo COF, sendo que
No que tange à creche e ao Programa de Recuperação de Crianças
Desnutridas, os únicos pontos negativos ressaltados dizem respeito ao
número ainda insuficiente de vagas para atender às necessidades da
população local. (BASTOS, et al.2005. p.48).
Além da insuficiência de vagas em relação à realidade que ainda é muito maior,
acredita-se que o ponto metodológico da subsidiariedade indica caminhos para que
entidades que, como o COF, desenvolvem atividades voltadas para o serviço de seus
beneficiários, possam receber subsídios e credenciamento por parte do poder público,
inclusive como uma forma de poder ampliar os serviços oferecidos. Essa consideração
pode ser generalizada para todas as ações desenvolvidas pela sociedade civil, desde que
alcancem objetivos de utilidade pública e serviços de qualidade para as pessoas, mas no
caso específico de um serviço como o do COF que, além da saúde, tem como objetivo o
de fortalecer a instituição familiar, muito ainda deve ser feito em termos de ações culturais
e de políticas públicas, para que a família seja reconhecida como sujeito titular de direitos
e célula imprescindível para toda a sociedade.
A família, sujeito titular de direitos nativos e invioláveis, encontra sua
legitimação na natureza humana e não no reconhecimento do Estado. Ela
não é, portanto, para a sociedade e para o Estado; antes, a sociedade e o
Estado são para a família. (PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ,
2005, p.132).
Acredita-se ser esse um dos desafios metodológicos da AVSI a serem ainda
alcançados para que suas ações possam ter uma abrangência maior e não corram o risco
de serem exemplos isolados de atuações que, por mais positivas que sejam, ainda
parecem insuficientes para assegurar uma sustentabilidade total.
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