PONTIFÍCIO INSTITUTO JOÃO PAULO II PARA ESTUDOS SOBRE MATRIMÔNIO E FAMÍLIA SEÇÃO BRASILEIRA. MESTRADO EM CIÊNCIAS DA FAMÍLIA. BENEDETTA FONTANA PESSOA, FAMÍLIA E DESENVOLVIMENTO O MÉTODO DA AVSI E SUA ATUAÇÃO COM AS FAMÍLIAS DE NOVOS ALAGADOS SALVADOR 2005 BENEDETTA FONTANA PESSOA, FAMÍLIA E DESENVOLVIMENTO O MÉTODO DA AVSI E SUA ATUAÇÃO COM AS FAMÍLIAS DE NOVOS ALAGADOS Dissertação apresentada ao Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos sobre Matrimônio e Família, seção Brasileira, para obtenção do título de Mestre em Ciências da Família. Orientador: Dr. João Carlos Petrini SALVADOR 2005 UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADOR MESTRADO EM FAMÍLIA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA BENEDETTA FONTANA PESSOA, FAMÍLIA E DESENVOLVIMENTO O MÉTODO DA AVSI E SUA ATUAÇÃO COM AS FAMÍLIAS DE NOVOS ALAGADOS SALVADOR 2005 BENEDETTA FONTANA PESSOA, FAMÍLIA E DESENVOLVIMENTO O MÉTODO DA AVSI E SUA ATUAÇÃO COM AS FAMÍLIAS DE NOVOS ALAGADOS Dissertação apresentada à Universidade Católica do Salvador como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Família na Sociedade Contemporânea. Orientador: Dr. João Carlos Petrini SALVADOR 2005 Para você, pai, que dedicou toda a sua vida a batalhas em favor de muitos dos ideais aqui defendidos. Não sei se, como você diz, trata-se de questões genéticas... até porque esse seria motivo de briga com minha mãe, que requer, pelo menos, alguns direitos de herança... O que é mais provável é que devo tudo à educação que vocês, sempre juntos, me deram. AGRADECIMENTOS Muitas pessoas contribuíram e de tantas formas diferentes para esse trabalho, que fica difícil para mim citá-las todas, uma vez que corro o risco de omitir muitas delas. Ao meu orientador, Dom João Carlos Petrini, que mesmo cheio de atividades e compromissos, nunca deixou de me atender com disponibilidade e carinho, me dando força e estimulando ao máximo a minha produção, demonstrando em muitos momentos uma confiança bem maior em minha capacidade do que a que eu acreditava possuir. A Ana Cecília Bastos e Miriã Alcântara, cujo profissionalismo me ofereceu indicações fundamentais para aperfeiçoar o meu trabalho com uma disponibilidade e gratuidade que me deixam definitivamente devedora, assim como Eduardo Ferreira Santos e a Dra. Isabel Lima que se dispuseram a ler meu trabalho e me ajudaram na tentativa de torná-lo mais acadêmico. Da AVSI e CDM infinita é a lista de pessoas a quem gostaria de agradecer, meus colegas e amigos próximos, que contribuem para tornar o escritório um ambiente tão agradável e familiar. Como seria impossível citá-los individualmente, agradeço a todos através das pessoas que me dedicaram tempo para as entrevistas, Arturo Alberti, Alberto Piatti, Maria Teresa Gatti, Enrico Novara, Fabrizio Pellicelli, Paola Cigarini, Edina Nazaré Ramos, que muito contribuiram para expandir e clarificar meu conhecimento sobre a origem, a história da AVSI, assim como o funcionamento do COF. Em particular agradeço a Fabrizio Pellicelli, diretor do escritório da AVSI em Salvador, porque foi através da convivência diária e de sua amizade que aprendi, não apenas tudo o que sei sobre a AVSI, mas também o sentido mais profundo do trabalho como expressão do ser, pois, como chefe, sempre me estimulou a expressar minhas potencialidades assim como a dar o melhor de mim, para retribuir a confiança em mim depositada. Agradeço também ao Dr.Mário Gordilho, a Jurandir Fonseca e a Maria de Fátima Cardoso, da CONDER, ao Dr. Ivo Imparato do Banco Mundial e Cities Alliance, assim como a Dra. Loredana Stalteri do Governo Italiano, que muito contribuíram para o meu crescimento pessoal e profissional. Aos meus amigos, italianos e brasileiros, pelo simples fato de existirem, e, em particular ao “quinteto fantástico” Bella, Wal, Syl, Helô e M.Célia, sempre próximas e companheiras. A minha irmã Angélica, que muito se esforçou para estar aqui no dia da minha defesa e que, apesar da distância, consigo sempre sentir tão próxima. Por fim, mas não menos importante, um agradecimento especial para a minha “família brasileira”, “a excêntrica família sequelada”, que me acolhe há mais de seis anos fazendo-me verdadeiramente sentir em casa, ensinando a uma “gringa” o significado do aconchego e do calor do povo brasileiro. Se queres construir um navio, não comeces chamando as pessoas a buscar a madeira, a preparar as ferramentas, a atribuir funções e a distribuir o trabalho; mas primeiro desperta nelas a saudade pelo grande e infinito mar. Antoine de Saint-Exupéry RESUMO Este trabalho pretende estudar e aprofundar o método para o enfrentamento do problema da pobreza urbana elaborado pela ONG AVSI – Associação Voluntários para o Serviço Internacional, exemplificando sua atuação em um projeto a suporte de famílias de baixa renda na comunidade de Novos Alagados, em que residem cerca de 2000 famílias, na cidade de Salvador, capital do Estado da Bahia. Após apresentar a ONG AVSI, sua origem e caracterizar sua atuação no mundo, no Brasil e na cidade de Salvador, especialmente no que se refere ao Projeto de Novos Alagados, o trabalho pretende analisar a fundamentação metodológica da AVSI e aprofundar os nexos existentes entre e a teoria e a sua aplicação prática no projeto do Centro de Orientação da Família -COF em Novos Alagados, especialmente no que se refere ao trabalho realizado para o combate à desnutrição infantil. Colocando a Pessoa e a família, sua dignidade e liberdade, como centro e finalidade última de cada ação, a metodologia parte do reconhecimento do patrimônio da comunidade, para conhecer e analisar o positivo presente na realidade antes da intervenção, de forma que o planejamento possa favorecer um desenvolvimento sustentável, que vise fortalecer os recursos da comunidade, as formas associativas existentes que atuam com finalidades ligadas ao bem comum, estimulando a formação de um tecido social rico em participação, em que as associações intermediárias possam ser apoiadas e credenciadas, segundo o princípio metodológico da subsidiariedade. O presente estudo pretende também verificar a aplicação prática desses princípios metodológicos no suporte às famílias de baixa renda. Palavras – chaves: Pobreza; Pessoa; Família; Desenvolvimento. ABSTRACT This paper's purpose is to present an in-depth study on the method developed by the NGO AVSI –Association of Volunteers for the International Service– to cope with the problem of urban poverty. AVSI's actions are exemplified by a project it developed to support lowincome families in the community of Novos Alagados, a neighborhood inhabited by about 2000 families in the city of Salvador, the Brazilian State of Bahia's capital. Besides introducing the NGO AVSI, giving an account on its origins and describing the activities it carries out worldwide, in Brazil and in the city of Salvador –notably as regards the Novos Alagados Project– this paper will analyze AVSI's methodological foundations and examine the existing relationship between theory and its practical applications in Novos Alagados' COF (Family Advisory Center) project, particularly as concerns the Center's work against child undernourishment. By focusing on People and the family, as well as their dignity and freedom as the central and ultimate target of any action, AVSI's methodology takes its roots in the acknowledgment of the community's assets, in order to recognize and analyze the existing positive features before the intervention. Thus planning can be designed to favor sustainable development –aimed at improving community resources and the existing associations that work towards the common good– by stimulating the growth of a social fabric that is rich in participative activities, and on which intermediate associations can be supported and accredited based on the methodological principle of subsidiarity. This study is also a survey on the application of the above-mentioned methodological principles in the practice of supporting low-income families. Key words 1. Poverty; 2. Person; 3. Family; 4. Development. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 15 2 METODOLOGIA 20 2.1 O CONTEXTO DO ESTUDO 21 2.1.1 Novos Alagados 20 2.1.2 As famílias em Novos Alagados 21 2.2 A OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE 26 2.3 REVISÃO DA LITERATURA 27 2.4 ENTREVISTAS 32 3 A AVSI: DE NOVOS ALAGADOS AO PROGRAMA RIBEIRA AZUL 34 3.1 QUEM É A AVSI 34 3.2 O IDEAL: DE ONDE NASCE 37 3.3 A AVSI EM SALVADOR: O PROJETO DE NOVOS ALAGADOS 43 3.4 PAPEL DA AVSI EM NOVOS ALAGADOS E NO PROGRAMA RIBEIRA AZUL 49 4 UM MÉTODO PARA REDUÇÃO DA POBREZA 56 4.1 CENTRALIDADE DA PESSOA 56 4.1.1 Visão de Desenvolvimento 57 4.1.2 A pobreza 67 4.1.3 As Necessidades 70 4.2 PARTIR DO POSITIVO 75 4.2.1 O Conhecimento 76 4.3 FAZER COM 80 4.3.1 A Participação Comunitária 80 4.3.2 Os Escritórios de Campo 82 4.3.3 As Associações Intermediárias 82 4.3.4 Colaboração Governo/Ong 84 4.4 DESENVOLVIMENTO DAS ASSOCIAÇÕES INTERMEDIÁRIAS E SUBSIDIARIEDADE 86 5 CENTRO DE ORIENTAÇÃO DA FAMÍLIA – COF 91 5.1 INTRODUÇÃO 91 5.2 HISTÓRICO DO PROJETO 94 5.3 DESCRIÇÃO DO PROJETO 99 5.3.1 A Equipe Multidisciplinar 99 5.3.2 Ambulatório de Nutrição 102 5.3.3 Ambulatório de Pediatria 106 5.3.4 Ambulatório de Psicologia 108 5.3.5 Oficinas de Estimulação Psicomotora e Educação Alimentar 111 5.4 A ATUAÇÃO DO COF À LUZ DA METODOLOGIA DA AVSI 120 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 127 REFERÊNCIAS 132 LISTA DE FIGURAS Figura 1 Área do Programa Ribeira Azul 20 Figura 2 Mapa da presença da AVSI e do AVSI Network 35 Figura 3 O Arcebispo Dom Lucas Moreira Neves, Padre Petrini, Representantes da AVSI, do Governo da Bahia e da comunidade, visitam Novos Alagados 43 Figura 4 As palafitas 44 Figura 5 Novos Alagados durante a intervenção: foto 1996 46 Figura 6 Novos Alagados: situação atual: foto 2004 46 Figura 7 Novos Alagados: novas casas construídas pelo Projeto: foto 2002 47 Figura 8 Creche João Paulo II, 2005 52 Figura 9 Crianças na Creche João Paulo II, 2005 52 Figura 10 Centro Educativo João Paulo II, 2005 53 Figura 11 Centro de Orientação da Família - COF 2005 54 Figura 12 Centro de Educação Desportiva e Profissional do Boiadeiro – CEDEP. Foto 2004 55 Figura 13 Centro de Orientação da Família - COF 2005 97 Figura 14 Centro de Orientação da Família - COF 2005 98 Figura 15 Medição peso criança. 105 Figura 16 Medição altura criança 105 Figura 17 Visita domiciliar 105 Figura 18 Visita domiciliar 105 Figura 19 Atendimento de pediatria 107 Figura 20 Consultório de pediatria 107 Figura 21 Atendimento de psicologia 110 Figura 22 Atendimento de psicologia 110 Figura 23 Oficina de culinária 112 Figura 24 Oficina de culinária 112 Figura 25 Oficina de culinária 113 Figura 26 Oficina de culinária – Uma mãe cozinhando 113 Figura 27 Oficina de culinária 113 Figura 28 Oficina de culinária 113 Figura 29 Oficina de culinária – atividade psicomotora 113 Figura 30 Crianças limpando a mesa após a oficina 113 Figura 31 Oficina de culinária Infantil – Lavando as mãos 114 Figura 32 Oficina de culinária Infantil – Mãos na massa! 114 Figura 33 Oficina de culinária Infantil – Preparando o pão 114 Figura 34 Oficina de culinária Infantil – preparando o pão 114 Figura 35 Oficina de culinária Infantil – Finalizando o pão 114 Figura 36 Oficina de culinária Infantil – Pão pronto 114 Figura 37 Oficina materna Tomando banho 115 Figura 38 Oficina materna Tomando banho com a mãe 115 Figura 39 Oficina materna - escovando os dentes 115 Figura 40 Oficina materna - prontos para almoçar com a mãe 115 Figura 41 Oficina de brinquedos 116 Figura 42 Oficina de brinquedos 116 Figura 43 Brinquedos prontos 116 Figura 44 Brinquedos prontos 116 Figura 45 Oficina de saladas de fruta – reconhecendo as frutas 117 Figura 46 Oficina de saladas de fruta – lavando as frutas 117 Figura 47 Oficina de saladas de fruta – cortando e preparando as frutas 117 Figura 48 Oficina de saladas de fruta – desenhando as frutas 117 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 Caracterização das crianças atendidas quanto a redução no déficit ponderal e/ou estatural, julho de 2002 a julho de 2004 102 Gráfico 2 Evolução do estado nutricional das crianças atendidas, segundo indicador P/I , julho de 2002 a julho de 2004 103 Gráfico 3 Incidêcia de anemina nas crianças no início e no final do projeto 106 Gráfico 4 Comparação entre o comparecimento ao ambulatório de Psicologia e a evolução do estado nutricional Estatura/Idade e Peso/Idade 109 LISTA DE TABELAS Tabela 1 População e idade 21 Tabela 2 Densidade Habitacional 22 Tabela 3 Dados sobre a instrução dos habitantes 22 Tabela 4 Dados sobre a instrução dos chefes de família 22 Tabela 5 Percentual de família com renda mensal em salários mínimos 22 Tabela 6 Percentual de chefes de família com renda mensal em salários mínimos 22 Tabela 7 Trabalho dos habitantes 23 1 INTRODUÇÃO Este estudo analisa a metodologia de trabalho da Fundação AVSI no âmbito da redução da pobreza urbana e sua aplicação prática em um projeto em suporte das famílias de baixa renda na comunidade de Novos Alagados em Salvador. A proliferação e o aumento dos âmbitos de atuação das Organizações Não Governamentais – ONGs ou, mais geralmente, das Organizações sem Fins Lucrativos, nesses últimos anos, é um fenômeno que interessa quase a totalidade dos países, em particular os em via de desenvolvimento, tornando o assunto do estudo particularmente atual. A atuação dessas organizações é denominada de forma genérica de “Terceiro Setor”, para distinguí-la da atuação do estado (primeiro setor) e da empresa privada (segundo setor). Apesar dessa denominação ser útil na medida em que define a diferente finalidade dessas entidades, como serviços para as pessoas e de utilidade pública, representando uma alternativa real à burocratização do estado e à lógica lucrativa das empresas privadas, a mesma traz consigo um equívoco muito comum, ou seja que o espaço de atuação das entidades sem fins lucrativos estaria limitado aos âmbitos em que o estado não consegue atuar ou em que o setor privado não teria interesse, pois se trata de produção de bens e serviços voltados geralmente para um amplo benefício humano, que, entretanto, não vêm a oferecer suficiente retorno econômico. Dessa forma a razão da existência do terceiro setor estaria limitada a uma dupla falta, do estado e do setor privado, negando o ideal principal que motiva a grande maioria de todas as associações sem fins lucrativos, que é a capacidade de oferecer respostas criativas às necessidades encontradas e a liberdade de colocar suas potencialidades a serviço de pessoas e comunidades, cada uma delas segundo suas inclinações e valores. O crescimento de organizações sem fins lucrativos, sua crescente estruturação, capacitação e profissionalização, assim como a existência de legislações que regulamentam suas atuações, contribuiu para que sempre mais essas entidades atuassem em parceria ou paralelamente a outros órgãos públicos e privados, com peculiaridades e papéis diferentes, especialmente devido à territorialidade que confere às organizações do terceiro setor uma proximidade e penetração maior nas comunidades em que elas atuam. O âmbito de atuação do “Terceiro Setor”, com suas especificidades, seu papel em relação ao poder público é um tema que até hoje foi pouco estudado no Brasil. O interesse em aprofundar e sistematizar o método de atuação de uma fundação sem fins lucrativos, está ligado à convicção de que a sociedade civil de forma geral tem um papel fundamental, junto com o poder público, no desenvolvimento de programas e ações a serviço de pessoas, famílias e comunidades. A escolha por aprofundar a metodologia da Fundação AVSI e sua atuação em um projeto em favor de famílias de baixa renda é devido, principalmente, ao fato da autora ser membro dessa organização, atuando há mais de seis anos como coordenadora dos projetos sociais da ONG em Salvador. Possui portanto acesso direto a toda a documentação institucional necessária ao desenvolvimento do presente estudo, tendo participado ativamente na elaboração da maioria desses documentos, além de ter fácil contato com os atores institucionais e fundadores da ONG. Razões históricas também justificam a escolha dessa organização, devido à experiência que a AVSI vem construindo há mais de 10 anos nessa área, particularmente na comunidade de Novos Alagados, no Subúrbio Ferroviário, e aos resultados até hoje alcançados nos projetos e programas desenvolvidos e em desenvolvimento. A escolha por focar, dentre os diversos projetos que a AVSI desenvolve em Salvador, o Centro de Orientação da Família – COF é devido principalmente ao fato de ser esse um projeto que tem como público alvo as famílias da comunidade de Novos Alagados e por existir um estudo qualitativo externo, realizado recentemente pelo Banco Mundial (Bastos, et al. 2005), que avalia esse projeto do ponto de vista dos beneficiários, o que acrescenta informações à análise efetuada, fornecendo indicadores do impacto social desse projeto na comunidade. O interesse científico deste trabalho é representado pela possibilidade de analisar um método para redução da pobreza urbana e sua aplicação numa das áreas mais degradadas da cidade de Salvador, com particular atenção às ações de suporte para as famílias de baixa renda, a fim de incrementar o conhecimento científico acerca do problema da pobreza e as possibilidades de intervir de forma mais eficaz. O interesse social é evidenciado pela importância que este modelo de intervenção pode representar na melhoria da qualidade de vida de pessoas, famílias e comunidades carentes: a possibilidade de propor e utilizar este modelo para diferentes áreas constituise prova de sua utilidade social. Dessa forma o objetivo geral desse este estudo consiste em sistematizar, estudar e analisar o método de redução da pobreza utilizado pela fundação AVSI e sua atuação no Projeto do Centro de Orientação da Família em Novos Alagados, a fim de contribuir para ações de organizações do terceiro setor voltadas para o desenvolvimento de comunidades e famílias. Para atingir esse objetivo o presente estudo segue o seguinte percurso: Em primeiro lugar é descrita a metodologia utilizada nesse trabalho, composta por uma apresentação do contexto no qual se insere o trabalho da AVSI, a comunidade de Novos Alagados e a situação sócio-econômica das famílias para as quais seus projetos são voltados. Também são explicitados os critérios metodológicos utilizados para realização desse estudo - a observação participante e as entrevistas semi estruturadas e não estruturadas com os atores institucionais - além de uma apresentação do referencial teórico que serviu como base para analisar os principais conteúdos sobre os quais o trabalho se desenvolve, sendo eles a pobreza, a família, a visão de desenvolvimento, a concepção de terceiro setor etc. Sucessivamente o estudo apresenta a Fundação AVSI, o histórico da sua presença em Salvador, além da sua atuação no Brasil e no mundo. Após uma descrição das principais atuações da ONG em Salvador, o estudo aprofunda, através de entrevistas com seus fundadores, o ideal que deu origem à existência e à atuação da AVSI, entendendo-se por ideal algo diferente de um sonho, ou uma utopia, isto é, uma imagem, uma idealização criada pelas pessoas que deram origem a uma ação ou uma obra. Nesse estudo o ideal é considerado como algo que é intrínseco à natureza do ser humano, algo que brota dele naturalmente e não uma construção teórica. O ideal, diferentemente de um sonho construído, tem em si a força da motivação profunda da ação, porque tendendo a esse ideal as pessoas buscam a própria realização, e, assim fazendo, realizam obras. Em seguida são apresentados e analisados os principais pontos metodológicos que norteiam todas as ações da AVSI, aprofundando cada um deles a partir de entrevistas com os fundadores e atores envolvidos, assim como buscando respaldo na literatura presente sobre esses temas, para, depois, apresentar o Centro de Orientação da Família – COF, como exemplo de um projeto da AVSI em favor de famílias de baixa renda, para combater a desnutrição infantil em Novos Alagados, buscando mostrar, não só os resultados de suas ações, como, principalmente, os nexos dessas ações com os princípios metodológicos precedentemente descritos. Por fim são apresentadas as considerações finais da autora sobre o estudo realizado. 2 METODOLOGIA 2.1 O CONTEXTO DO ESTUDO 2.1.1 Novos Alagados Novos Alagados é uma comunidade do Subúrbio Ferroviário de Salvador de aproximadamente 14.000 habitantes, localizada na Bahia de Todos os Santos, situada na enseada do Cabrito, caracterizada por ter sofrido um processo de invasão que ocupou as áreas alagadiças, a partir da década de setenta, através da construção de palafitas edificadas precariamente em cima de uma água altamente poluída. A área é chamada Novos Alagados para se distinguir de outra área, de invasão mais antiga, surgida na década de quarenta, sempre no subúrbio ferroviário, na enseada dos Tainheiros, chamada Alagados. Esta área nos anos setenta encontrava-se completamente invadida por palafitas, mas foi saneada nos anos oitenta através de uma intervenção do Governo da Bahia que erradicou as palafitas e construiu casas novas para os habitantes. Essa intervenção foi basicamente de cunho físico, mas não obteve os resultados desejados, pois as famílias em pouco tempo voltaram a invadir a mesma área, construindo novas e mais numerosas palafitas. Enquanto o Governo estava saneando a área da enseada dos Tainheiros (Alagados), uma nova ocupação nasceu na enseada dos Cabritos que, por ser uma invasão mais recente, foi denominada Novos Alagados. Figura 1 Área do Programa Ribeira Azul FONTE: CONDER Fonte: Sendo o primeiro momento da ocupação, as moradias da maré eram construídas com muita simplicidade e com materiais de pouco custo, como tábuas, madeirites e lonas. Nas moradias aterradas, à beira mar, os habitantes utilizavam a técnica do massapê (barro), que consistia em fazer trançados de varas em toda a casa, para as paredes e divisórias, em forma quadricular, que era preenchido de barro, em diversos mutirões. As mulheres e crianças ajudavam a pisar o barro no chão, enquanto os homens iam preenchendo os quadrados. (...). Os barracos das palafitas tinham os paus de sustentação fincados na lama, sendo que, a partir daí, se fazia o chão com tábuas, e, sustentadas por vigas, se faziam as divisórias. Após a construção das moradias, as pontes iam crescendo em direção ao centro da Enseada do Cabrito. De tempo em tempo as madeiras eram trocadas, devido ao apodrecimento.(FERREIRA SANTOS, 2005a; p.32-33) 2.1.2 As famílias em Novos Alagados Em 1998 a AVSI realizou uma pesquisa sócio-econômica em uma área de Novos Alagados, que compreendia cerca de 2000 famílias (Novos Alagados - II Etapa), para o conhecimento da população. Esses dados, reportados nas tabelas a seguir, descrevem de forma sintética sua vulnerabilidades social. Tabela 1 – População e idade # $! ) ' ! ! % ! &' " ( * (" * A população se configura como principalmente jovem, estando mais de 61% dela situada na faixa etária entre 0 e 25 anos. A Densidade Habitacional também é alta e o nível de escolaridade da população e dos chefes de família é principalmente médiobaixo (até o primeiro grau). Tabela 2 – Densidade habitacional #+ # $! , - ) . # /0 (* * 12 3 3 12 3 4 4 % ! &' 5 /0 5 " Tabela 3 – Dados sobre a instrução dos habitantes + + -6 '% 3 ' ' + , - ) #) + * ** * " ! 7 3 8 14 ! 9 05 ' 1 90 9 0 ! 5 ! 1 : 0 , 3 # +)6 * " 5 Tabela 4 – Dados sobre a instrução dos chefes de família + + -6 #: '% 3 ' ' + ., ; + ; < = > ! 7 3 8 1! ' 1 * 2 % % ! &' # $! # +)6 0 0 5 " 5 ? A renda média das famílias também é baixa, sendo que 83% da população declara ganhar até um salário mínimo e as condições de trabalho precárias, sendo que quase 50% dos habitantes não desenvolvem nenhuma atividade, com 20% apenas de trabalhos ocasionais. Tabela 5 – Percentual de família com renda mensal em salários mínimos 6. #) 7 A C 'B < ; < = + . < 6 # < #+ < + @6 + < =# < + ! & ! 'B ! & ! 'B ! & ! 'B ! & ! Tabela 6 – Percentual de chefes de família com renda mensal em salários mínimos 7 < ) 6. #) ! & ! 'B ! & ! 'B ! & ! ' % ! &' ? ., ; + ; < = . < 6 # < #+ < + @6 + < =# < + 50,66% * ** (* 'B Tabela 7 – trabalho dos habitantes )6 ) ) 3 '2 D4 ! 3 '2 D D 'D , + , - ) #) + * #: , 3 3 '2 * " ( Os dados do IBGE (censo do ano 2000), relativos à mesma comunidade, comparados com os da AVSI, permitem afirmar que as mulheres responsáveis pelos domicílios apresentam uma vulnerabilidade maior tanto do ponto de vista da instrução, como da renda: As mulheres responsáveis pelos domicílios sem renda resultam em 18,9%, contra 13,3% dos homens; as mulheres que possuem renda abaixo do salário mínimo são 40,3% contra 19,4% dos homens chefes de família (IBGE). As mulheres responsáveis pelos domicílios analfabetas ou com menos de um ano de estudo são 12,9%, contra 5,5% dos homens (IBGE).(AVSI 2002) Esses dados evidenciam a vulnerabilidade dessa comunidade e das famílias da área, em particular das mulheres, principalmente do ponto de vista sócio-econômico. Um estudo antropológico, realizado para aprofundar a compreensão das pessoas e famílias destas comunidades (AVSI 2002), ofereceu uma descrição do padrão dominante de estrutura familiar em Novos Alagados: (...) é semelhante a da “família caribenha”: unidade doméstica composta por mulher não casada e pelos filhos2 dessa mulher. A forma característica de relacionamento homem-mulher é tipicamente descrita como “monogamia serial”, na qual o papel do homem na unidade doméstica é relativamente transitório e limitado. Muitos filhos vivem na casa dos pais após os 20 anos, o que, apesar de em parte se dever à ausência de alternativas, ao mesmo tempo comprova a forte conexão com suas famílias. As unidades domésticas relativamente pequenas – em contraposição às aglomerações maiores de múltiplas gerações – tendem a predominar. Este grau relativamente alto de ramificação das unidades domésticas parece relacionar-se à facilidade que a família tinha até recentemente de ajudar seus filhos a estabelecer suas próprias casas ou palafitas, reproduzindo assim o processo construtivo não apenas em termos de moradia, mas também de estrutura familiar.(AVSI 2002, p.225) No mesmo estudo são enfatizados outros indicadores de vulnerabilidade social e familiar: • 1 PEA: População Economicamente Ativa Os filhos de mães jovens muitas vezes são criados pela avó. Também é comum ver mulheres criar filhos de parentes distantes e até de não parentes. 2 É comum as meninas engravidarem no início da adolescência, geralmente sem estabelecer um relacionamento estável com o pai da criança. Gravidez em série de pais múltiplos, antes dos vinte anos de idade, não são raros. Meninas adolescentes e até pré-adolescentes estão mais sujeitas a se envolverem com prostituição, meninos adolescentes e até pré-adolescentes com o crime, e ambos, com o uso de drogas. (AVSI 2002, p.225) Os atos violentos, a ausência do pai e a desagregação familiar que caracteriza as famílias de Novos Alagados, podem ser enfatizadas à luz também do estudo de Alves e Lima (2003), em pesquisa sobre a prática de atos infracionais na cidade de Salvador, que confirmaram uma significativa participação de jovens envolvidos nestas ocorrências residentes na região do subúrbio ferroviário. Apesar de se tratar de uma área carente, de uma “favela”, muitas das mudanças que marcam as famílias de Novos Alagados, de forma geral, envolvem um contexto mais generalizado e muito maior, que vai além da comunidade em questão. A família participa dos dinamismos próprios das relações sociais e sofre as influências do contexto político, econômico e cultural no qual está imersa. A perda de validade de valores e modelos da tradição e a incerteza a respeito das novas propostas que se apresentam, desafiam a família a conviver com certa fluidez e abrem um leque de possibilidades que valorizam a criatividade numa dinâmica do tipo tentativa de acerto e erro.(PETRINI, 2005, p.28) O autor, em estudo sobre as mudanças sociais e familiares na atualidade evidencia como a crise do modelo da família baseado no patriarcado, manifesta-se na “crescente variedade de modos nos quais as pessoas escolhem conviver e criar as crianças” (Castelli, 2003, citado por Petrini, 2005, p.28). As causas desse fenômeno são certamente muito complexas e articuladas, não sendo oportuno um seu aprofundamento nesse âmbito, mas as conclusões descritas nesse estudo (Petrini, 2005 p.28-32) evidenciam alguns fatores de fundamental importância para o conhecimento da realidade em que atua o projeto COF, voltado para as famílias de Novos Alagados: a) Diminuição do número de casamentos e aumento no número de famílias reconstituídas, uniões de fato e famílias monoparentais; b) Aumento do número de famílias chefiadas por mulheres; c) Aumento da posição igualitária entre homem e mulher, não sendo mais exclusivas para as mulheres as tarefas prevalentemente domésticas; d) Verifica-se uma desinstitucionalização da família, no sentido de considerá-la como realidade privada; e) É colocado em questão o ideal do sacrifício individual para o bem da família, sendo mais rapidamente alcançado o ponto de saturação no relacionamento do casal; f) As tarefas educativas e de socialização são cada vez mais compartilhadas com outras agências, públicas ou privadas. A comunidade de Novos Alagados, além dos dados de vulnerabilidade devida às condições sócio - econômicas e familiares, é caracterizada por um grande patrimônio humano, que se manifestou, ao longo dos anos, em uma história de organização popular e de sentimento muito forte de pertencer a uma comunidade, que permitiu a essa população, através das formas associativas espontaneamente criadas, alcançar muitas das mudanças que o bairro vivenciou nos últimos 10 anos. O diferencial de Novos Alagados em relação a outras comunidades carentes de Salvador vai se dar com a importante concepção da organização popular como forma de pressionar o poder público para a melhoria da vida do bairro. (...) Temos o registro do nascimento da organização popular em Novos Alagados através dos moradores que se reúnem para realizar mutirões, passeios e festas, no intuito de conseguir dinheiro para construir o barracão da sociedade que abriga a Escola Popular Novos Alagados, a biblioteca (...). Durante mais de vinte anos, a organização comunitária esteve centralizada em poucas associações de bairro. Com a urbanização da área, na década de 1990, e a chegada de novos atores sociais, começou a acontecer uma efervescência de projetos sociais e moradores envolvidos nesses projetos, realizando, nas mais diversas áreas de atuação, serviços e atividades, propondo iniciativas educacionais, profissionalizantes e culturais. (FERREIRA SANTOS, 2005a; p. 35-38) Em um estudo sobre as formas associativas da sociedade civil no Programa Ribeira Azul (AVSI 2002), foram cadastradas, somente na área de Novos Alagados, mais de vinte associações comunitárias e serviços de utilidade pública atuando nos âmbitos de educação, família, saúde, trabalho e qualificação profissional, esporte e lazer, habitat e organização comunitária. O surgimento de tantas associações, mesmo com níveis diferenciados de estrutura e organização, proporcionou para a comunidade uma série de serviços e representa, certamente, um claro sinal de uma população que reagiu de forma ativa às dificuldades encontradas e de uma sociedade civil que se organizou com criatividade para o benefício de seus moradores. 2.2 A OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE Para a realização desse estudo foi utilizada uma abordagem qualitativa baseada na observação participante. A autora está inserida no contexto estudado, sendo ela italiana, funcionária da AVSI. (...) observação participante refere-se a uma situação onde o observador fica tão próximo quanto um membro do grupo do qual ele está estudando e participa das atividades normais deste “(Mann, 1975, p.95)”. A utilização da observação participante trouxe provavelmente uma grande vantagem e, ao mesmo tempo, aspectos dificultadores nesse trabalho. A vantagem consiste no acesso que a autora tem a todos os documentos da ONG, assim como a seus representantes institucionais, conhecendo detalhadamente as ações realizadas e o contexto no qual elas estão inseridas; participou ativamente da elaboração da maioria dos documentos existentes sobre o trabalho da AVSI em Salvador, possuindo, portanto, um amplo conhecimento do objeto do estudo. O Limite é determinado pelo envolvimento pessoal e profissional da autora, o que representa um elemento dificultador na busca do distanciamento necessário para uma avaliação crítica ou uma análise com maior isenção para a realização de um trabalho científico e acadêmico. A autora não ignora que “o olhar distanciado, exterior, diferente, do estranho, é, inclusive, a condição que torna possível a compreensão das lógicas que escapam aos atores sociais” (Laplantine, 2000. p.184). Esse limite foi enfrentado através do confronto com outros profissionais e colegas e, principalmente, através do diálogo com o orientador que alertava constantemente contra esse risco e ajudava a entender a produção – cultura – como a revisão crítica e sistemática da experiência. 2.3 REVISÃO DE LITERATURA A literatura consultada, principalmente italiana e brasileira, foi subdividida em três principais categorias: 1) Documentos institucionais 2) Textos acadêmicos 3) Outros textos teóricos Os Documentos Institucionais compreendem parte dos textos, panfletos, publicações, atas de seminários, documentos de uso interno, etc. produzidos diretamente pela AVSI, pela CONDER ou pelos parceiros da ONG em Salvador. Esses textos ajudaram na compreensão da instituição e do contexto do objeto de estudo. Em particular foi estudado e analisado o Plano de Desenvolvimento Social e Ambiental do Programa Ribeira Azul (AVSI 2002), que contém a “Fundamentação Metodológica do Programa Ribeira Azul”, em que é apresentado o método da ONG para programas de redução da pobreza urbana, que suscitou as reflexões desse trabalho sobre temas como a pessoa, a família, as associações sem fins lucrativos, a pobreza e o desenvolvimento. Também foram estudados os documentos de uso interno do Centro de Orientação da Família, para melhor apresentar o funcionamento do projeto e as articulações entre este e a metodologia da AVSI. Os Textos acadêmicos aqui utilizados têm a função de fornecer o referencial teórico desse trabalho, além de fornecer objetividade e consistência científica à análise dos temas tratados. As obras de Schwartzman (2004) e Salama & Destremau (1999), ofereceram material privilegiado para o aprofundamento das causas da pobreza e a utilização de estatísticas para a descrição do fenômeno no Brasil, assim como para a compreensão dos parâmetros mais freqüentemente utilizados nas pesquisas divulgadas pelas agências nacionais e internacionais, de Linha de Pobreza, Linha de Indigência, Necessidades Básicas Insatisfeitas, Índice de Desenvolvimento Humano, etc. A obra de Rocha (2003) auxiliou na conceitualização da pobreza, especialmente no que se refere ao contexto brasileiro, oferecendo uma descrição cuidadosa do fenômeno nos últimos quinze anos. O referencial teórico da autora, apesar de oferecer uma visão principalmente econômica do fenômeno, foi útil também para o aprofundamento da questão da mensuração da pobreza e da conceituação da pobreza absoluta e pobreza relativa. A obra de Zaluar (1985 e 2003) e seu viés antropológico, foram de grande utilidade para devolver à análise da pobreza um olhar diferente e uma descrição da favela como: Lugar do lodo e da flor que nele nasce, lugar das mais belas vistas e do maior acúmulo de sujeira, lugar da finura e da elegância de tantas sambistas, desde sempre, e da violência dos mais famosos bandidos que a cidade conheceu ultimamente, a favela sempre inspirou e continua a inspirar tanto o imaginário preconceituoso dos que dela querem se distinguir quanto os tantos poetas e escritores que cantaram suas várias formas de marcar a vida urbana. (ZALUAR, 2003. p. 8). O estudo de Paugam (2003) sobre a desqualificação social foi importante para uma reflexão sobre os riscos de se cair no assistencialismo quando se opera em projetos sociais, segundo os modelos, por ele individuados, dos “fragilizados, assistidos e marginalizados” (p.85), mesmo que essas categorias não esgotem a realidade social. Essa visão da exclusão social dos pobres é enfatizada pela obra de Martins que nela coloca também uma dimensão moral: A provação hoje é mais do que privação econômica. Há nela, portanto, certa dimensão moral. A velha pobreza oferecia ao pobre a perspectiva da ascensão social (...). A nova pobreza já não oferece essa alternativa a ninguém. Ela cai sobre o destino dos pobres como uma condenação irremediável. (MARTINS,1997, p.18-19) Ainda sobre o tema da pobreza foi aprofundada a obra de Moser(1995, 1996a e 1996b): mais do que apenas medir a capacidade de satisfazer as necessidades básicas de sobrevivência, a teoria de Moser considera a pobreza urbana como algo dinâmico onde o patrimônio exerce um papel fundamental, pois representa os recursos presentes na comunidade e que podem ser utilizados pelos indivíduos para garantir, para si e seus familiares, maior segurança e um melhor padrão de vida. Os recursos que compõem o patrimônio são: o Trabalho; a Moradia; a Educação; a Saúde; as Relações Familiares e o Capital Social (capacidade de organização e participação). Juntos, eles determinam a segurança e o bem estar da comunidade e podem aumentar ou diminuir de acordo com o patrimônio. Quanto mais privados de elementos do patrimônio ou ameaçados por fatores externos, mais vulneráveis estarão os indivíduos que constituem a comunidade. Este é o fator vulnerabilidade (Moser, 1996b), que deve ser enfrentado a fim de se alcançar um aumento da qualidade de vida dos moradores. Os textos de Ferreira Santos (2005a e 2005b), foram muito úteis para a compreensão do contexto da comunidade de Novos Alagados, complementando o conhecimento científico e o olhar técnico com uma abordagem principalmente humana da realidade, da vida das pessoas dessa comunidade, reforçando em particular o seu grande potencial de organização e, ao mesmo tempo, as dificuldades e o sofrimento da vida enfrentada nesse bairro: Novos Alagados é um bairro intenso em sua vida. Crianças e jovens andam pela rua brincando, jogando, conversando. As ruas crescem para os lados e principalmente para cima, com os “puxados”, planejados pelos próprios habitantes; novos moradores chegam e há, também, muita movimentação nas ruas porque há, também, muitas instituições – escolas, projetos sociais, creches, cursos, igrejas, terreiros – presentes na localidade. Os moradores mais velhos estão morrendo, levando consigo histórias e conhecimentos importantes sobre o lugar. Mas há também morte dos jovens, principalmente daqueles que se envolvem com drogas e com a posse de armas; há uma relação direta entre uso de drogas e a marginalização que leva à morte muitos jovens antes mesmo que cheguem à casa dos vinte anos.(FERREIRA SANTOS 2005a; p. 23). Conhecer o ponto de vista dos beneficiários dos projetos sociais da AVSI em Novos Alagados, através do estudo de Bastos et al. (2005), foi importante para fundamentar algumas intuições que até então só eram partilhadas pelos atores sociais envolvidos nos projetos, não possuindo dessa forma, nenhuma fundamentação científica. O estudo realizado através de grupos focais com os beneficiários permitiu verificar em parte o impacto da metodologia utilizada. A impressão geral, a partir do relato dos beneficiários diretos da creche e do Projeto de Recuperação de Crianças Desnutridas é de grande satisfação com a sua existência e com o seu impacto sobre a saúde das crianças por eles contempladas e por seus familiares. Chama a atenção o entusiasmo com o qual os entrevistados (pais e mães das crianças) se referem a essas intervenções, reconhecendo o benefício por eles gerado para os beneficiários, mas também para a comunidade como um todo no sentido de constituir-se em um “bem social” que deve ser preservado e ampliado para contemplar outros moradores. (BASTOS et al, 2005. p.43) A reflexão que nasceu dos princípios metodológicos da AVSI se baseou em uma literatura principalmente italiana, com base na doutrina social da Igreja, que resgata e define o papel da sociedade civil, do estado, da pessoa e da família, na construção da sociedade moderna. O conceito de pessoa e de família foram aprofundados principalmente através da produção acadêmica de Petrini (2004 e 2005), enquanto a obra de Vittadini (1997) ajudou principalmente na construção teórica do papel da sociedade civil e sua relação com o poder público, inserindo, dessa forma, uma importante reflexão sobre as organizações do terceiro setor e as, assim chamadas, associações intermediárias. Trata-se de uma série de conceitos teóricos que influenciaram e até determinaram a formação da sociedade moderna e a concepção popular do estado: A concepção popular do estado é principalmente o fruto teórico e prático da síntese entre a doutrina católica das associações intermediárias e a liberal baseada na preeminência do indivíduo (...). A inteira concepção popular do Estado parece inspirada e regida por um núcleo central e originário que tende a afirmar em cada instituição ou atividade do Estado o binômio incindível de pessoa e comunidade, liberdade e solidariedade, autonomia e responsabilidade. (FONTANA, 2005, p.34) Os Outros Textos Teóricos reúnem pensamentos e idéias que foram de fundamental importância no desenvolvimento do trabalho, mas que por sua natureza, não podem ser classificados como textos acadêmicos. Trata-se por exemplo de Cartas Encíclicas do Papa, ou ainda de livros que recolhem os pensamentos de teólogos, religiosos, políticos, ou livres pensadores que expressam suas idéias sobre temas de interesse do trabalho apresentado. 2.4 ENTREVISTAS Foi utilizada a técnica da entrevista principalmente para complementar as informações que não estavam presentes no material pesquisado, especialmente em relação à origem da AVSI e ao ideal que motiva sua atuação. Com esse intuito foram entrevistados, no dia 13 de março de 2005, em Buenos Aires, em ocasião do II encontro da Companhia das Obras da América Latina, (à qual a AVSI adere), os representantes institucionais da AVSI que acompanham a ONG desde o seu nascimento, assumindo até hoje cargos de direção. Dessa forma foram entrevistados: • Arturo Alberti, presidente da Fundação AVSI • Alberto Piatti, secretário geral da Fundação AVSI • Fabrizio Pellicelli, diretor AVSI Salvador-BA Foi usada a entrevista semi-estruturada com um breve roteiro de perguntas que podiam ser modificadas e / ou complementadas, durante o andamento da entrevista. As entrevistas foram gravadas com aparelho digital, copiadas em arquivos no computador e transcritas durante a realização do trabalho. Também para complementar as informações não publicadas em textos oficiais, foram gravados, no dia 14 de março de 2005, em Buenos Aires, os depoimentos de responsáveis da AVSI em ocasião do Encontro dos Técnicos da AVSI na América Latina, com seu consentimento, para incrementar o material utilizado na elaboração do presente estudo. Dessa forma foram gravados os depoimentos de: • Arturo Alberti, presidente da Fundação AVSI • Alberto Piatti, secretário geral da Fundação AVSI • Maria Teresa Gatti, responsável AVSI na América Latina • Fabrizio Pellicelli, diretor AVSI Salvador-BA Também foram ouvidos, a partir de entrevista não-estruturada, respectivamente no dia 14 de março de 2005, em Buenos Aires, e no dia 29 de junho de 2005 em Salvador, Fabrizio Pellicelli, diretor da AVSI Salvador, sobre atuação da AVSI no Programa Ribeira Azul, de acordo com os princípios metodológicos e Paola Cigarini, diretora do COF em Novos Alagados e Edina de Nazaré Ramos, nutricionista do COF, sobre as atividades do Centro e sua relação com a metodologia da AVSI. 3 3.1 A AVSI: DE NOVOS ALAGADOS AO PROGRAMA RIBEIRA AZUL QUEM É A AVSI A Fundação AVSI, é uma ONG – Organização Não Governamental, sem fins lucrativos, que nasceu em 1972 e realiza hoje cerca de 100 projetos de cooperação para o desenvolvimento em 35 paises no mundo. Sua missão consiste em apoiar o desenvolvimento humano nos países em vias de desenvolvimento em sintonia com os ensinamentos da Doutrina Social da Igreja Católica, com particular atenção à educação e à promoção da dignidade da pessoa em todas as suas expressões. Hoje a AVSI está presente na África, América Latina, Europa do Leste, Oriente Médio e opera nos setores sanitários, da higiene, da infância em condição de risco, educação, formação profissional, recuperação das áreas marginais urbanas, agricultura, ambiente, micro e pequenas empresas, segurança alimentar e emergência humanitária. Nos projetos em andamento são empenhados mais de 100 “cooperantes externos”, ou seja, profissionais italianos de várias áreas, com formações diferenciadas (médicos, engenheiros, agrônomos, arquitetos, educadores, etc.), que permanecem por um período de tempo variável nos países em vias de desenvolvimento, acompanhando e coordenando projetos em colaboração com as populações locais. Além do pessoal expatriado, a AVSI conta hoje com um quadro de mais de 600 funcionários locais especializados nos diferentes paises de atuação. Desde 1973 a AVSI conseguiu o reconhecimento, por parte do Ministério dos Assuntos Exteriores da Itália, de Organização Não Governamental de Cooperação Internacional, o que lhe permite receber financiamentos do governo italiano para a realização de projetos de desenvolvimento dentro de acordos bilaterais e multilaterais. Desde 1996 é credenciada no Conselho Econômico e Social da Nações Unidas de New York (Ecosoc) e é credenciada em qualidade de consultora geral nas Nações Unidas para Desenvolvimento da Industria de Viena (UNIDO) e está inserida na Special List das organizações não governamentais da Organização Internacional das Nações Unidas para o Trabalho em Genebra (ILO). A AVSI também possui um sistema de gestão da Qualidade segundo as normas ISO 9001 para a fase de projeto e anualmente publica o seu Balanço Social devidamente certificado. Existe hoje no mundo um network informal de 28 organizações não governamentais que aderem à AVSI e 15 dessas pertencem ao sul do mundo em países em vias de desenvolvimento. Figura 2 A AVSI atua em parceria e com financiamentos do Ministério das Relações Exteriores Mapa da presença da AVSI e do AVSI Network da Itália, da União Européia, Agências das Nações Unidas, UNICEF, UNDP, UNCHS Habitat, de entidades internacionais como Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID e Programa Alimentar Mundial; além disso, coopera com entidades locais, instituições de solidariedade internacional e associações de categoria, empresas e financiadores privados. Cerca de 60% dos fundos e dos recursos da AVSI são oriundos de doadores privados e famílias que apoiam o trabalho da ONG, entre elas existem cerca de 27.000 adoções a distância, ou seja, doações constantes e periódicas de famílias para apoiar crianças e adolescentes em estruturas educativas em várias cidades no mundo. Através dessas doações as crianças recebem uma adequada alimentação, cuidados médicos, se beneficiam de intervenções higiênico-sanitárias e freqüentam a escola em suas comunidades. A AVSI também é uma entidade autorizada, pela comissão pelas Adoções Internacionais, a cuidar dos procedimentos de adoção internacional. 3.2 O IDEAL: DE ONDE NASCE Na década de 50 nascia na Itália, na periferia da cidade de Milão, um movimento de um grupo de jovens católicos, ligados aos ensinamentos de Luigi Giussani3 (1922–2005), que faziam experiências da chamada “caritativa”, vivenciando a “caridade cristã”, num empenho concreto de solidariedade com pessoas menos favorecidas. O movimento católico, na época Juventude Estudantil, mais tarde Comunhão e Libertação, promovia, dentre outras coisas, experiências de solidariedade, a partir de uma educação para a gratuidade, que nascia de uma concepção de cristianismo “não como um sistema intelectual, um pacote de dogmas, um moralismo, mas (...) um encontro, uma história de amor, um acontecimento4”, que se manifesta em gestos concretos de “caridade”, ou seja, gestos concretos de doação ao próximo, em termos de tempo, capacidades, serviço, como forma de “doar-se e amar essas pessoas exatamente do jeito que elas são, do jeito que eu as encontro5”. Dessas experiências da “caritativa”, que foram se tornando sempre mais numerosas e se expandindo também territorialmente no resto da Itália, nasceram as primeiras viagens de grupos de jovens amigos para apoiar iniciativas de solidariedade em paises em via de desenvolvimento, estreitando, dessa forma, novos vínculos e laços de amizade. O desejo de continuar apoiando esses amigos de forma estruturada, foi o que 3 Luigi Giussani nasceu em Désio (Milão) em 1922. Realizou seus estudos na faculdade de Teologia de Venegono, na qual lecionou por alguns anos, especializando-se na teologia oriental, na teologia protestante americana e no aprofundamento da motivação racional da adesão à fé e à Igreja. Na década de 1950, deixou o ensino no seminário para lecionar no segudo grau e criou a Juventude Estudantil – mais tarde movimento de Comunhão e Libertação – hoje presenta na Itália e em setenta países do mundo. De 1964 a 1990 foi titular da cadeira de Introdução à Teologia na Universidade Católica de Milão. Foi fundador e presidente da Fraternidade de Comunhão e Libertação e da associação eclesial Memores Domini, ambas reconhecidas e aprovadas pelo Pontifício Conselho para os Leigos. Em 1995 recebeu o Prêmio Internacional de Cultura Católica. Faleceu em 22 de fevereiro de 2005 em Milão. 4 Monsenhor Joseph Ratzinger, funeral de don Luigi Giussani, Milano, 24 febbraio 2005. Disponível em: <http://www.clonline.org/funerale/ratzing240205.html> Acesso em: 15 maio 2005 impulsionou a criação da AVSI. Dessa forma, o presidente da AVSI, conta como nasceu a ONG: Parti pela África em 1971 e lá fiquei, trabalhando como médico, com minha mulher, até 1973. A decisão surgiu de uma paixão pelo homem aprofundada dentro de uma experiência cristã específica, a de Comunhão e Libertação. AVSI nasceu depois, como uma forma, junto com outros amigos, de continuar apoiando os amigos na África. A AVSI é portanto a consequência de um encontro com o Movimento de Don Giussani, mas não é uma “obra” do Movimento, mas nasceu exatamente da experiência da caritativa semanal: não existia nenhum projeto, mas um empenho concreto, dedicar tempo livre para uma iniciativa. (...) A ida à África foi decisiva: nasceu a AVSI como resposta a uma necessidade encontrada, para ajudar pessoas concretas, com um rosto, com um nome, não nasceu como um projeto em favor do terceiro mundo.6 A forma como a AVSI nasceu, desta experiência de “caridade humana e cristã”7, é fundamental para entender toda sua atuação e sua metodologia. A mensagem evangélica e o encontro com Cristo são o que motivam toda e qualquer ação que nasce dessa “paixão pelo homem”: “Isso não significa ir na África e lá falar de Cristo, mas significa encontrar pessoas e a partir desse encontro tentar oferecer uma resposta a necessidades evidentes, da casa, da saúde, do trabalho, e por isso nasce uma operacionalidade concreta. A AVSI nunca foi concebida como uma resposta às necessidades do terceiro mundo, ou seja, partindo de um corte ideológico (fome no mundo, crianças necessitadas...). O início e os passos sucessivos sempre foram determinados por encontros com pessoas”.8 Isso porque é através do encontro com pessoas e realidades que pode se realizar a “verdadeira caridade”, vista por Don Giussani como “dom com-movido de si”, ou seja um dom de si que é movido junto com outras pessoas9. Interessante é ver que o método com que a AVSI, como já visto, presente hoje com mais de 100 projetos em 35 paises no mundo, começa sua atuação em um novo 5 Giorgio Vittadini, Buenos Aires, II Encontro de Companhia da Obras da América Latina. 12 de março de 2005. 6 Entrevista ao Presidenta da AVSI, no dia 13 de março de 2005. 7 “Don Giussani me ensinou uma unidade na pessoa. Não existem dois percursos, um humano e um cristão”. Entrevista ao Presidenta da AVSI, no dia 13 de março de 2005. 8 Entrevista ao Presidenta da AVSI, no dia 13 de março de 2005. 9 Entrevista ao Presidenta da AVSI, no dia 13 de março de 2005. país, ou cidade, nunca foi ligado a uma escolha ou um planejamento a priori, apontando para um determinado lugar no mapa, ou para resolver problemas em nível macro, mas é sempre determinado do encontro entre pessoas: da mesma forma como no Congo tudo começou para apoiar alguns amigos, até hoje essa é a modalidade com que a AVSI começa uma presença: Ter ido na Serra Leoa não derivou de uma programação, mas nasceu de um padre que atuava lá que encontrou Don Giussani e esses tiveram uma grande sintonia e, a partir daí ele nos disse que devíamos ajudar esse padre porque era um grande homem. Esse foi o encontro e depois disso começou a programação, não antes. Então se começou a programar uma viagem para conhecer a realidade, nos interessamos na situação da escola, começamos a formar o nosso pessoal etc, mas tudo nasceu de um encontro com esse padre e de um sim dito a ele.10 Da mesma forma no Brasil a AVSI começou como forma de apoiar umas pessoas que estavam fazendo experiência da “caritativa” em Belo Horizonte, através de um pequeno projeto que garantisse um mínimo de cobertura sanitária para os amigos que já estavam empenhados em uma ação concreta em favor da inserção no mercado do trabalho de alguns adolescentes. A partir desse primeiro projeto eles dizem que a forma com que AVSI foi educada a olhar para a totalidade da pessoa, a citada “paixão pelo homem”, levou os voluntários a não olharem setorialmente somente o aspecto da inserção no mercado do trabalho, mas a condição habitacional, o contexto da favela, a situação da família etc, até chegar à elaboração de planos e métodos para a redução da pobreza urbana, com financiamentos internacionais e um nível sempre mais elevado de profissionalismo. Eles afirmam que o ponto principal é sempre partir de uma necessidade real, ligada a pessoas, do micro ao macro: Esse método parte da pessoa. Se o problema é colocado sempre em termos de estruturas, de comércio internacional, de grandes mudanças, ninguém faz nada, ninguém consegue mudar nada, se meu objetivo é mudar as Nações Unidas... mas se a abordagem parte da pessoa, de suas necessidades, então posso chegar até as 10 Entrevista ao Presidenta da AVSI, no dia 13 de março de 2005. Nações Unidas, mas se parto só das Nações Unidas não vou chegar certamente à pessoa.11 Os membros da ONG declaram trabalhar para alcançar um nível sempre mais elevado de profissionalismo, sem perder o ideal que motiva toda intervenço, que é a caridade, entendida, nas palavras do presidente, como paixão pelo homem, por cada homem, “querer bem a cada homem assim do jeito que você o encontra.12” O verdadeiro sentido da “caridade”, na sociedade moderna e no âmbito das intervenções de cooperação internacional, segundo o Secretário Geral da Fundação AVSI – Alberto Piatti, é distorcido e freqüentemente vira sinônimo de inoperatividade, ou de assistencialismo de tipo religioso, mas a experiência, a atuação da AVSI e o nível de profissionalismo alcançado mostram que: a caridade vai de acordo com a necessária eficácia e eficiência; a caridade possui uma dignidade civil, social e política e por isso é reconhecida no seu resultado e na sua eficiência.13 Por esse motivo os técnicos que trabalham na AVSI, tanto no Brasil, como no mundo, são escolhidos pelas suas capacidades profissionais, não pela crença religiosa, e são estimulados para um contínuo crescimento profissional e pessoal para alcançar a máxima eficácia e eficiência nas intervenções. Isso é devido também ao fato da AVSI nunca ter sido etiquetada como pertencente a um movimento católico, apesar de ter nascido de pessoas que estavam vivenciando uma experiência católica: na opinião dos responsáveis, o pertencer a essa experiência gerou um método de trabalho, inspirado na “caridade” como força ideal e uma forma de dedicação que, exatamente por possuir uma identidade muito clara, é aberta ao diálogo com realidades diferentes. Essa forma de trabalhar, com o tempo, foi atraindo muitas pessoas que quiseram aderir a ela, sem necessariamente aderir ao credo religioso que a inspirou, pois, segundo os líderes da 11 12 2005. Entrevista ao Presidenta da AVSI, no dia 13 de março de 2005. Vittadini, Giorgio. II encontro da Companhia da Obras na América Latina, dia 12 de março de ONG, a realidade demonstrou que esse método responde aos critérios universalmente aceitos da eficácia e da eficiência em relação ao objetivo. Para não perder o vínculo com o ideal, entretanto, “os atores devem aprofundar em si mesmos as razões do fazer, pois cada planta quando cresce deve ter raízes sólidas para não correr o risco de cair ao primeiro vento ou secar.14” Para uma ONG credenciada como organismo de cooperação internacional, a busca da eficácia e da eficiência é claramente conditio sine qua non para a sobrevivência, mas é também a consequência da excelência exigida pela “caridade” vista como “paixão pelo homem”, para o qual, no entendimento dos fundadores, são direcionadas todas as ações. Isso é confirmado pela atuação da AVSI que colabora com os maiores financiadores nacionais e internacionais, é consultora das Nações Unidas e parceira dos Governos dos países em que atua e consegue, com todos eles, instaurar um diálogo e uma troca através de encontros com pessoas com as quais se aprende a falar a mesma linguagem, sem perder a finalidade última que motiva cada ação. Eis o desafio: encontrar todas as pessoas, financiadores, altos funcionários do Banco Mundial, e mostrar que sabemos falar a sua linguagem, que sabemos administrar os recursos segundo suas regras e quando eles reconhecerem isso, aí será possível que ouçam a nossa linguagem, porque vamos estar mostrando isso na prática, as obras vão mostrar que existe algo que anima a ação. Essa não é uma premissa da qual derivam as ações, esse é um método que pode até mostrar para um financiador que suas regras não são adequadas à realidade em que estamos atuando e que talvez seria interessante modificá-las, mas para isso, primeiro teremos que mostrar que sabemos falar a linguagem deles.15 Esse método propõe, portanto, dar conta de uma realidade muito mais ampla, modificar também o macro, atuações de governos, regras de financiadores, objetivos de 13 Entrevista ao Secretário Geral da Fundação AVSI, no dia 13 de março de 2005. 14 Declaração do Secretário Geral da Fundação AVSI em Buenos Aires, durante o encontro com os técnicos AVSI na América Latina, dia 14 de março de 2005 15 Declaração do Secretário Geral da Fundação AVSI em Buenos Aires, durante o encontro com os técnicos AVSI na América Latina, dia 14 de março de 2005. ações de programas internacionais, sem precisar de revoluções e contraposições, mas, ao contrário, partindo do encontro e do diálogo. 3.3 A AVSI EM SALVADOR: O PROJETO DE NOVOS ALAGADOS Em Salvador, no final dos anos 80, um grupo de jovens do movimento de Comunhão e Libertação, guiados por um sacerdote italiano, Padre Giancarlo Petrini, realizavam semanalmente a caritativa numa das áreas mais pobres da cidade de Salvador, Novos Alagados, fazendo atividades com as crianças dessa comunidade. Foi a partir da amizade com esse padre que a AVSI, já presente no Brasil desde 1982 na cidade de Belo Horizonte, recebeu o chamado por parte do Arcebispo da época, Dom Lucas Moreira Neves, que já conhecia o trabalho da AVSI em Belo Horizonte e sua metodologia de redução da pobreza, para realizar um projeto de desenvolvimento humano integrado na comunidade de Novos Alagados. Figura 3 O Arcebispo Dom Lucas Moreira Neves, Padre Petrini, representantes da AVSI, do Governo da Bahia e da comunidade, visitam o Projeto de Novos Alagados. Com esse propósito a AVSI decidiu investir recursos humanos e materiais na realização de projetos e de intervenções para a recuperação ambiental, integração urbana de Novos Alagados e promoção sócio-econômica da população, juntamente com a associação dos moradores e instituições locais. Em 1992 foi aprovado com Decreto do Ministério de Relações Exteriores da Itália - MAE, o projeto “Novos Alagados – Reestruturação urbana e promoção social” que previa, além da realização de um pequeno projeto integrado de retirada de palafitas e construção de novas casas, juntamente com ações sociais para o acompanhamento da comunidade, o estreitamento de uma parceria com o Governo do Estado da Bahia, para a elaboração, em conjunto, de um novo e maior projeto para a região. Figura 4 As palafitas Nesse primeiro projeto, e em muitos outros a seguir, a AVSI atuou junto com a Fundação Dom Avelar, da Arquidiocese de Salvador e, sucessivamente, com a ONG brasileira CDM – Cooperação para o Desenvolvimento e Morada Humana. A metodologia desse projeto caracterizava-se por ser integrada, ou seja unindo ações de intervenção física com ações de acompanhamento e desenvolvimento social, e participativa, ou seja envolvendo as comunidades locais na discussão e realização das ações do projeto. Em 1993, a AVSI começou uma parceria com o Governo do Estado da Bahia, SEPLANTEC – Secretaria de Planejamento, Ciência e Tecnologia do Estado da Bahia, CONDER – Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia, com financiamento do Ministério dos Assuntos Exteriores da Itália – MAE, para a realização de um novo projeto denominado “Recuperação Ambiental e Promoção Social de Novos Alagados”, que previa: - Recuperação Física da Área, com a realização de trabalhos de infra-estrutura básica; serviços urbanos e sociais essenciais, remoção de palafitas (sobre as quais morava 38% da população) e relocação das famílias em casas sobre terra firme, melhoria das habitações sobre a terra firme, regularização fundiária, com a concessão do título de propriedade ou de uso do terreno para os moradores reassentados. - Plano de Ação Social e Educação Ambiental, contendo ações de acompanhamento social e educação ambiental das famílias que sofriam a intervenção física, além da realização de ações específicas de desenvolvimento humano e no setor educacional. - Realização de um convênio técnico e financeiro entre a AVSI e a CONDER que determinou uma colaboração entre equipes técnicas da ONG e do Governo da Bahia para a realização e coordenação das ações do projeto, assim como uma parceria financeira, cabendo à AVSI, como organismo internacional de cooperação, a captação de financiamentos para serem investidos em projetos sociais na comunidade de Novos Alagados. Em função da grande extensão da área, o projeto de Novos Alagados foi dividido em duas etapas. A primeira etapa foi iniciada em 1995 e beneficiou diretamente 1.700 famílias com ações de recuperação física e promoção social. A segunda etapa beneficiou cerca de 2000 famílias. Figura 5 Novos Alagados durante a intervenção: foto 1996 Figura 6 Novos Alagados: situação atual: foto 2004 FONTE CONDER FONTE CONDER Há cerca de quase dez anos o bairro passa por transformações estruturais a partir de uma intervenção governamental – CONDER – junto a uma ONG italiana – AVSI – (...). As mudanças são muitas, como a urbanização das áreas onde existiam palafitas, a construção de novas casas e a colocação de ambientes de lazer (...). As palafitas não existem mais; novas e muitas casas foram construídas nos últimos anos. Onde existiam palafitas agora há pistas para carros e transeuntes, em busca de condicionamento físico e saúde, e o que era miséria e pobreza, começa a ver ressurgir, nos espaços da lama, os antigos manguezais, enquanto meninos e meninas banham-se nas águas da maré. (FERREIRA SANTOS, 2005a. p.22-23) Figura 7 Novos Alagados: novas casas construídas pelo Projeto: foto 2002 A experiência do Projeto de Novos Alagados apresentou algumas peculiaridades que, no conjunto, caracterizaram o método utilizado para enfrentar o problema da pobreza dessa área. Além das ações de saneamento físico da área, de retirada de palafitas e construção de novas casas, esse projeto investiu recursos para fortalecer a componente social: em primeiro lugar tanto o Governo da Bahia, como a AVSI deram início a uma presença constante na área, através de equipamentos sociais e através de escritórios de campo, favorecendo, além dos serviços oferecidos, (educativos, formativos, médicos, familiares etc), um diálogo com a comunidade e com os beneficiários, também através de atendimentos individuais, visitas domiciliares, reuniões comunitárias etc. O projeto de urbanização, as melhorias habitacionais, a construção de uma pista de orla marítima que criou um limite físico para novas ocupações espontâneas, assim como os projetos sociais citados, fizeram com que em mais de 10 anos do início da intervenção, a área de Novos Alagados não sofresse novas invasões, sendo muito alto o percentual (83%) de moradores que continuam ocupando as casas construídas pelo projeto, sem que se verificasse, até o presente momento, o fenômeno da venda das casas em favor de um novo processo de invasão espontânea. Esses dados, assim como recente pesquisa por parte do Banco Mundial sobre os efeitos dos projetos de Novos Alagados na perspectiva dos beneficiários (BASTOS et al., 2005), demonstram um processo de desenvolvimento da comunidade de Novos Alagados e um nível satisfatório de melhoria da qualidade de vida da população, tanto do ponto de vista do processo de urbanização, como do desenvolvimento econômico e social. É bastante disseminada a compreensão de que os trabalhos de urbanização, mesmo se não alcançaram plena cobertura, trouxeram benefícios para a população (...). Esses benefícios tiveram impacto sobre a qualidade de vida, sobretudo no que se refere à ampliação de oportunidades de lazer, à redução de danos à saúde e a uma possível redução da violência urbana – nesse caso, pela abertura de ruas que mudam o trânsito de pessoas na área, minimizando a possibilidade de esconderijo de marginais e de ocorrência de conflitos pela presença da polícia.(BASTOS, et al. 2005, p. 17). Morador 1 –“ tem os equipamentos também sociais que ficam. (....) Eu acho que também, vamos dizer, a melhoria educacional, a pavimentação, o esgotamento sanitário, eu acho que tudo se complementaram, não foi tudo 100% mas teve uma melhoria. Poderia ter sido melhor, claro todo projeto sempre pode ser melhor, mas assim, principalmente os equipamentos sociais, com todo esse conjunto gerou-se muita vida. A economia ficou melhor, as pessoas tiveram orgulho de crescer. Muitas famílias trabalharam durante todo esse tempo (sic). (BASTOS, et al. 2005, p. 22 em referência ao Grupo Focal de cooperados). A partir da experiência do Projeto de Novos Alagados nasceu o Programa governamental Ribeira Azul, que se caracterizou como um salto de escala, que, incluindo Novos Alagados, se estendeu para uma área dez vezes maior, utilizando a mesma metodologia integrada de intervenção para uma macro área de pobreza urbana da cidade de Salvador, unindo no mesmo programa, todas as intervenções, de cunho principalmente físico, que o Governo da Bahia vinha desenvolvendo de forma pontual na região dos, assim chamados, Alagados e Novos Alagados. O Programa Ribeira Azul e sua metodologia de enfrentamento da pobreza numa macro área urbana estão sendo hoje avaliados pelo Banco Mundial, Cities Alliance e Ministério dos Assuntos Exteriores da Itália, e propostos como modelo de intervenção em outras macro áreas de concentração de pobreza na cidade de Salvador e no interior do Estado da Bahia, através do novo Programa Governamental Viver Melhor II. 3.4 PAPEL DA AVSI EM NOVOS ALAGADOS E NO PROGRAMA RIBEIRA AZUL. A AVSI atua na área do Programa Ribeira Azul com papéis diferentes: a) É contratada pelo Banco Mundial para oferecer assistência técnica ao Governo do Estado da Bahia na realização do Programa Ribeira Azul, apoiando o Governo do Estado na aplicação da metodologia utilizada em Novos Alagados para toda a área do Programa, além da realização de projetos sociais estratégicos para favorecer o desenvolvimento da população local, gerenciando um financiamento específico da Cooperação Italiana, dentro de acordos multilaterais, para realizar também a regulamentação fundiária da área do Programa, juntamente com ações de urbanização e construção de novas casas. b) Como Organização de Cooperação Internacional credenciada, realiza projetos e implementa ações com financiamento do Ministério dos Assuntos Exteriores da Itália e da União Européia, conforme acordo bilateral entre os Governos do Brasil e da Itália; c) Como organização do terceiro setor, através de fundos privados, oriundos de doações e financiamentos, atua realizando projetos para o desenvolvimento de pessoas, através de equipamentos comunitários, projetos educativos, sanitários, de formação profissional e de apoio para as famílias, de acordo com sua missão, metodologia e princípios inspiradores. A AVSI, além da parceria com o Governo do Estado da Bahia, no desenvolvimento do Projeto de Novos Alagados antes e no Programa Ribeira Azul depois, realizou, captando outros financiamentos, projetos sociais para favorecer o crescimento das pessoas desta comunidade, dando continuidade ao trabalho iniciado com a “caritativa” fazendo da experiência de “caridade”, uma forma operativa e organizada de solidariedade. A AVSI, desde 1992, trabalha nos setores de formação profissional e formação de cooperativas locais para incremento de trabalho e renda, construção e gerenciamento de equipamentos comunitários e de projetos nas áreas de saúde, educação e apoio às famílias. A presença junto aos beneficiários é uma condição fundamental para o conhecimento e o diálogo com a população e para a realização de projetos participativos, garantidos também graças à existência de escritórios de campo, em que técnicos sociais trabalham diariamente e encontram os moradores nos atendimentos individuais e nas reuniões comunitárias, equipamentos e estruturas educativas e formativas, que oferecem serviços para os moradores. Muitos projetos que garantem a presença da AVSI junto aos beneficiários das comunidades em que atua, são oriundos de financiamentos privados dessa ONG: doações, projetos e captação de recursos. O “Projeto de Apoio a Distância”, por exemplo, consiste no apoio econômico, por parte de famílias, na maioria italianas, para crianças ou jovens beneficiários de projetos sociais da AVSI, ou por ela acompanhados. O dinheiro dessas famílias é utilizado para oferecer uma educação digna em estruturas educativas comunitárias que oferecem serviços para a população. Em Salvador esse projeto permite apoiar não somente os projetos e equipamentos diretamente gerenciados pela AVSI, mas também escolas e creches comunitárias da área às quais a AVSI fornece também assistência metodológica e orientação educativa. As estruturas comunitárias que a AVSI realizou e/ou gerencia na área do Ribeira Azul são: 1) Creche João Paulo II: nascida a partir da primeira experiência da “caritativa” na comunidade em Novos Alagados, em que jovens do Movimento de Don Giussani começaram uma ação de educação infantil com as crianças dessa comunidade, a creche conta hoje com 150 crianças da comunidade, oferece três alimentações completas e cuidados médicos, além de complementar as ações educativas com o envolvimento das famílias através de encontros e visitas domiciliares. Figura 8 Creche João Paulo II, 2005 Figura 9 Crianças na Creche João Paulo II, 2005 2) Centro Educativo João Paulo II: Construído ao lado da Creche João Paulo II, esse centro nasceu para oferecer continuidade na assistência e no acompanhamento das crianças que saiam da creche para ingressar nas escolas públicas. Esse centro oferece hoje reforço escolar, em dois turnos opostos ao da escola, para 350 jovens e adolescentes da comunidade de Novos Alagados, com alimentação, cuidados médicos, atividades desportivas e culturais. Figura 10 Centro Educativo João Paulo II, 2005 3) Centro de Orientação da Família – COF: Partindo das necessidades que foram evidenciadas na comunidade através da Creche e do Centro Educativo, com fundos de doações privadas, a AVSI construiu esse Centro para apoiar as famílias da área tanto do ponto de vista educacional, como relacional e de saúde. No COF são hoje desenvolvidos os seguintes projetos: Combate à Desnutrição Infantil, oferecendo assistência às crianças desnutridas e suas famílias através de oficinas educativas, cuidados médicos, ambulatoriais, nutricionais e psico-motores; Consultório Familiar, oferecendo uma assistência interdisciplinar para as famílias, do ponto de vista psicológico, educativo, jurídico, sanitário e espiritual; Projeto Educando, oferecendo uma alternativa educativa aos adolescentes em conflito com a lei da área, em cumprimento de medidas sócio-educativas de meio aberto, podendo participar de várias atividades comunitárias com a assistência do COF, no lugar do cumprimento da pena prevista pela lei. O Projeto de Combate à Desnutrição infantil e Consultório Familiar, assim como sua atuação metodológicas, serão aprofundados no capítulo VI deste trabalho. Figura 11 Centro de Orientação da Família - COF 2005 4) Centro de Educação Desportiva e Profissional do Boiadeiro CEDEP: nascido a partir do pedido de uma associação comunitária da área (ASPASB), a AVSI captou recursos para a reforma de um espaço abandonado que pertencia à associação e, em parceria com outra entidade do terceiro setor, há anos vem realizando cursos de formação profissional, com duração de um ano, para jovens da comunidade em manutenção predial e construção de mosaicos artísticos. Desses cursos, que até hoje formaram mais de 250 jovens da comunidade, se formou uma cooperativa de trabalhadores da comunidade, a COOPREDI - Cooperativa dos Trabalhadores na Construção, Manutenção e Reformas Prediais, que hoje realiza vários trabalhos e é contratada pelo Governo da Bahia, em programa de melhorias habitacionais e construção de novas casas e equipamentos comunitários. Figura 12 Centro de Educação Desportiva e Profissional do Boiadeiro – CEDEP. Foto 2004 4 UM MÉTODO PARA A REDUÇÃO DA POBREZA Neste capítulo são ressaltados os principais critérios metodológicos que norteiam as atividades da AVSI, aprofundados através da análise dos conceitos teóricos que deram origem a uma metodologia prática de redução da pobreza, aplicada em diferentes ações e projetos, na área de Novos Alagados e no Programa do Governo da Bahia Ribeira Azul. Essa base metodológica é aqui apresentada para servir como ponto de partida para uma reflexão mais ampla que ajuda a aprofundar a visão abrangente de desenvolvimento em áreas carentes, realizada pela AVSI, na qual são embasadas diferentes possibilidades de ações e projetos sociais. A reflexão teórica dessas páginas servirá como base para entender todas as ações desenvolvidas pela ONG e os pontos aqui apresentados serão retomados, no próximo capítulo, para um projeto específico, na área de Novos Alagados, em favor de famílias carentes. 4.1 CENTRALIDADE DA PESSOA Para a AVSI a pessoa é o centro de cada ação. Sua dignidade e seu desenvolvimento humano são a finalidade última de cada tipo de intervenção, motivada sempre por uma inabalável confiança no homem, nas suas infinitas possibilidades, na sua inesgotável exigência de emancipação espiritual e de crescimento social e econômico. (AVSI 2002) 4.1.1 Visão de Desenvolvimento A primeira característica do ser pessoal16 é a sua absoluta singularidade, diferente do indivíduo: este emerge como membro de uma totalidade da qual é parte. No interior da espécie vivente à qual pertence, cada indivíduo pode ser substituído por outro, por isso, ele pode ser numerado. Pelo contrário, quando se afirma que a pessoa é singular, sublinha-se a 16 O termo “pessoa”, que teve origem no teatro grego, foi re-elaborado no contexto do debate teológico para discutir as relações trinitárias a partir do século IV e passou a ser utilizado para sublinhar que o ser humano, homem e mulher, não se deixa encerrar na noção de “indivíduo da espécie”, pois há nele algo mais, uma plenitude e uma perfeição do ser que somente o conceito de pessoa pode expressar. O ser humano dispõe da razão, faculdade que não se encontra em outros seres vivos. Por isso Boecio define a pessoa como indivíduo de natureza racional (individua substancia rationalis naturae). sua unicidade, ela é insubstituível, não numerável, subsiste em si e por si, não é parte de uma realidade maior, é um todo. (PETRINI, 2005 p.68) O primeiro ponto metodológico da AVSI é de fundamental importância para poder entender sua atuação, pois dele deriva também a visão de desenvolvimento que acompanha toda e qualquer intervenção: segundo a AVSI, somente partindo da pessoa, vista na totalidade de seus aspectos, (social, econômico, afetivo, relacional, espiritual, familiar, etc) se pode falar de verdadeiro desenvolvimento humano, e não somente social, ou tecnológico, ou econômico etc. No Plano de Desenvolvimento Social e Ambiental do Programa Ribeira Azul, (AVSI 2002), essa visão é exemplificada como: O desenvolvimento de um povo não depende primariamente do dinheiro, nem das ajudas materiais, nem das estruturas técnicas, mas sim da formação das consciências, da maturação da mentalidade e dos costumes. É o homem o protagonista do desenvolvimento, não o dinheiro ou a técnica. (JOÃO PAULO II, 1990) O ponto de partida principal dessa metodologia é a pessoa, não a coletividade, sendo o indivíduo o sujeito que constrói o seu próprio desenvolvimento e, tentando responder a suas necessidades, se une a outras pessoas, com finalidades comuns, criando associações intermediárias, agregações, obras, grupos e comunidades. Segundo essa visão, ao se partir da coletividade corre-se o risco de anular os anseios mais verdadeiros das pessoas que a compõem, porque uma coletividade anônima se configura como algo abstrato, enquanto partir da pessoa e do seu movimento de se unir a outras, assegura o reconhecimento de uma ou mais coletividades que são a expressão da liberdade do ser humano, começando da família até chegar a toda e qualquer organização com diferentes níveis de complexidade. Para a AVSI as livres agregações de pessoas, denominadas de associações intermediárias, representam um fundamental motor de desenvolvimento, pois, são a expressão mais verdadeira da liberdade das pessoas, que, movidas por um ideal comum, agregam valores e recursos para responder às necessidades e, assim fazendo, buscam a própria realização e emancipação pessoal e social. São aqui chamadas de “associações intermediárias” todas as livres agregações situadas entre o estado e o indivíduo, ou seja, qualquer “sujeito autônomo que se formou com um objetivo extra-econômico de atribuição de sentido à vida da pessoa”. (VITTADINI, 1997, p. 8.), isto é pessoas que se juntam, constituindo-se como famílias, agregações, obras, grupos, comunidades, associações sem fins lucrativos, ou serviços de utilidade pública etc. A família, para a AVSI, assim como para a doutrina social da Igreja Católica, é a primeira e fundamental célula da sociedade e base de toda convivência civil e democrática, ponto de partida para o processo de desenvolvimento, enquanto núcleo primário para a formação da pessoa. A família é, portanto, a primeira associação intermediária que deve ser fortalecida para garantir o desenvolvimento. A família possui uma dimensão social própria, específica e originária, enquanto lugar primário de relações interpessoais, célula primeira e vital da sociedade. (PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ, 2005, p.130). O desenvolvimento, nessa visão, se caracteriza, então, como um caminho que, em primeira instância é pessoal, que parte do movimento livre de um sujeito que tende à sua realização pessoal, espiritual e social e que, movido por esse ideal, busca outros sujeitos com os quais se agregar para alcançar seus objetivos. Nesse sentido é possível entender a afirmação de que é o homem o protagonista do seu desenvolvimento e que a ajuda material e técnica não pode ser considerada a finalidade última de um processo de desenvolvimento, mas apenas meios para “tornar o homem mais homem” (João Paulo II, 1990, n° 58), para favorecer o caminho individual da busca da realização de cada pessoa, isto é, através de processos educativos, sendo tarefa própria da educação a de favorecer o movimento livre de cada pessoa em busca de sua realização plena. Essa concepção, evidentemente, revoluciona uma forma de pensar, hoje muito comum, que tende a colocar os aspectos econômicos e materiais no centro das atenções, ou tornando-os a finalidade última de cada intervenção em favor das populações mais pobres, ou ainda colocando o mercado global e o capital como empecilhos para o desenvolvimento, únicos culpados pelas desigualdades sociais, fomentando, dessa forma, o conflito de classe e a revolta em busca de solução aos problemas. Ambas as formas excluem o homem como finalidade última. Essas concepções são hoje muito difundidas, mesmo em âmbito católico (organizações de inspiração missionária, ou associações católicas do terceiro setor), pretendendo confiar a ideologias políticas, a aspectos materiais e tecnológicos todo o problema da pobreza no mundo. O neo-individualismo, a privatização do bem comum, a sacralização do privado e a feudalização do público, são as causas de uma assustadora exclusão social que condena à morte milhões de pessoas, sacrificando-as sobre o altar do capitalismo neoliberal. Trata-se da idolatria do capital e do resgate do sacrifício humano, como denunciam os teólogos da Teologia da Libertação, para dar vida dinheiro.(SELLA, 2002. p.23). e continuidade ao império do Um exemplo muito evidente disso é dado pelo movimento no-global, difundido no mundo inteiro que apela para uma nova forma de “pauperismo” para atacar o mercado global, verdadeiro responsável pela desigualdade e pobreza no mundo. Estrangulados por parte desse sistema econômico, que aclama ao mercado livre do mesmo jeito que na Bíblia se aclamava ao Deus Moloc, quarenta milhões de homens sucumbem a cada ano por causa da fome. Devemos concluir que, se o pecado é morte, segundo as palavras de São Paulo, então esse sistema econômico mundial é imoral, é o pecado mais grave porque produz morte. (ZANOTELLI, 1996, p.44.). Os militantes desse movimento anti-globalização, no dia 7 de julho de 2001 na Itália, na cidade de Genova, entregaram ao representante do governo, um manifesto de pedidos aos G8, assinado por parte de mais de 70 associações católicas do mundo inteiro. Nesse manifesto todos os principais pedidos se referiam à anulação da dívida dos países em vias de desenvolvimento, à solicitação de financiamento com 0,7% do PIB dos países desenvolvidos, ao acesso a medicamentos para a cura do AIDS, etc, reduzindo dessa forma “tudo a aspectos econômicos e materiais do desenvolvimento, não falando mais em valores espirituais, culturais, educativos”. (GHEDDO, 2001, p. 18). Longe de serem neutros, os indicadores de pobreza refletem, na escolha dos critérios e dos patamares, a definição dada à pobreza, o julgamento de valor, projetado sobre ela e sobre os pobres, o quadro filosófico, ético e ideológico no qual a operação se inscreve, e, forçosamente também, a organização, a instituição, o interventor ou outros prescritores que executam o projeto..(SALAMA; DESTREMAU, 1999, p. 107). A visão de pobreza e de desenvolvimento, evidentemente, é determinante para a escolha e realização de ações: quando se pensava que o problema da pobreza fosse limitado ao problema econômico e físico, ao problema da casa, as intervenções que o Governo da Bahia realizou na área dos Alagados, nos anos setenta e oitenta, foram finalizadas à retirada de palafitas e à construção de novas casas, de acordo com uma visão de desenvolvimento que confiava às ajudas matérias todo o crescimento econômico e social da população. Este tipo de intervenção não deu os resultados desejados, tendo-se manifestado um novo e maior processo de ocupação irregular da área poucos anos depois. Da mesma forma a ideologia que instrumentaliza o homem e, em particular o pobre, e o torna um meio para alcançar fins políticos de protesto social e de ódio violento contra o sistema, acaba confinando e abandonando a pessoa na sua situação de miséria sem alternativas de saída. É o caso daqueles movimentos políticos que construíram sua ação na base da reivindicação e da revolta contra o Estado e que, preocupados com a perda do poder e do controle social, se opõem duramente a qualquer proposta de projeto social que seja realizada em parceria com o Governo. Certamente essa visão pessimista repousa sobre o postulado (...) de que nada de significativo é feito, nem o será, em favor dos pobres e de suas famílias, além da repressão acrescida de alguns programas dirigidos ao público alvo e visando objetivos clientelistas.(SALAMA; DESTREMAU, 1999, p. 118). A proposta da AVSI se coloca de alguma forma como uma alternativa a essas duas filosofias que, de direita e de esquerda, pretendem resolver o problema da pobreza no mundo. A primeira dessas filosofias pretende confiar o crescimento econômico e social a intervenções materiais e ao cego determinismo do mercado (...). A outra filosofia é de derivação marxista e pretende confiar o resgate das populações pobres ao protesto social ou até à luta armada, com o resultado de alimentar a miséria com a miséria e a violência com a violência, deixando à intervenção ilusória de fatores externos o papel da emancipação econômica: não é um acaso que todas as formas de terrorismo sempre foram alimentadas pelas realidades sociais em que reina o maior desespero e onde as crianças, junto com o leite materno, chupam o ódio contra o inimigo. Como se pode perceber ambas as filosofias prescindem do homem como finalidade e o consideram somente como meio acéfalo ou um pretexto para perpetuar o domínio de quem se colocou em cima. (FONTANA,S. 2004). Já Einstein em 1930 (citado por GHEDDO e BERETTA, 2002, p. 40-41) dizia que os homens tinham sido capazes de dar grandes passos na descoberta dos meios, mas estavam ainda engatinhando na descoberta dos fins. E sem a descoberta dos fins, evidentemente, os meios não somente não bastam, mas correm o risco de serem contraprodutivos. É o fim que deve determinar cada ação, e, para a AVSI, o fim é a elevação da pessoa, da sua dignidade, o “tornar o homem mais homem”, pois, já que “é o homem o protagonista do desenvolvimento”, então é fundamental lembrar que ele é estimulado pelos valores do espírito, da cultura, da educação, das religiões. (GHEDDO e BERETTA, 2002, p. 40). Para gerar o desenvolvimento é portanto necessário educar o homem ao desejo de crescimento, de emancipação, para que ele mesmo seja capaz de desencadear esse processo17. Dizia o escritor francês Saint Exupéry 17 Declaração do Diretor da AVSI-Salvador, Buenos Aires, durante o encontro com os técnicos AVSI na América Latina, dia 14 de março de 2005. Se queres construir um navio, não comeces chamando as pessoas a buscar a madeira, a preparar as ferramentas, a atribuir funções e a distribuir o trabalho; mas primeiro desperta nelas a saudade pelo grande e infinito mar. (2005) Dessa forma serão eles mesmos que, animados pelo desejo de infinito, serão capazes de desenvolver seus dons, sua inteligência e criatividade, colocando sua liberdade a serviço desse ideal, para encontrar os meios adequados, “para atingir aquela meta que, uma vez instalada no coração, é capaz de 18 guiar um verdadeiro processo de desenvolvimento ”. A centralidade da pessoa se torna, na prática, para a AVSI, um método de ação que define toda e qualquer intervenção, na forma e no conteúdo. A confiança no homem, independentemente da sua condição econômica e social, torna-se o princípio norteador não só de todas as ações que um programa de desenvolvimento escolhe realizar, mas também da forma como essas ações são desenvolvidas. Se a pessoa é considerada em todos os aspectos, então um programa de desenvolvimento deve considerar a pessoa na sua totalidade e em todas as suas exigências, abrangendo ações sistêmicas direcionadas não só à moradia ou aos aspectos do crescimento econômico e profissional, mas também a aspectos sanitários, ambientais, educativos, de segurança, relacionais, familiares, de participação ativa na elaboração e realização dos projetos, na relação com os moradores, com as populações mais desfavorecidas, etc. No projeto de Novos Alagados, por exemplo, o valor do homem é o que determina tanto a escolha de investir na moradia de pessoas que residiam em habitações precárias ou em palafitas, como também o cuidado com a qualidade da construção ou da reforma de uma casa, como, ainda, a decisão de manter uma presença de equipes do Programa nos escritórios de campo, próximas às pessoas, além da forma como se recebe um morador nos atendimentos individuais, ou se lida com os representantes da comunidade, ou ainda, a escolha de investir em projetos educativos e equipamentos voltados para o desenvolvimento das pessoas, etc. Por exemplo, um projeto que objetiva fortalecer uma realidade local, como pode ser a reforma de uma creche comunitária, pode ser realizado de várias formas completamente diferentes, mas se o desenvolvimento das pessoas e famílias, beneficiárias dessa creche, é verdadeiramente o objetivo último, então isso definirá a atenção com que se desenhará o projeto, o cuidado com a escolha de quem o realizará, a supervisão atenta dos trabalhos, mas também um diálogo contínuo com os beneficiários para a otimização dos recursos e para entender suas necessidades, o tempo que se 18 Declaração do Diretor da AVSI-Salvador, Buenos Aires, durante o encontro com os técnicos AVSI na América Latina, dia 14 de março de 2005 dedicará ao diálogo, a flexibilidade e disponibilidade na realização de alterações a partir do desejo do beneficiário etc. Dessa forma os técnicos, sejam eles assistentes sociais ou engenheiros, não desempenham somente um papel “técnico”, mas, ao contrário, todos eles devem ser educados ao objetivo último de cada ação, ou seja, àquela paixão pelo homem que é o ideal que fez nascer a Fundação AVSI 19. É evidente então que, para a AVSI, a centralidade da pessoa envolve não somente todos os beneficiários diretos e indiretos das ações - pessoas, moradores da área, representantes de associações mas também todos os atores que estão envolvidos no programa, isto é todos os técnicos, dos projetos físicos e sociais, que colocam seu profissionalismo a serviço de um objetivo comum, que não é simplesmente o de estar trabalhando todos dentro de um único programa, mas é, em última instância, o de contribuir para favorecer o processo de desenvolvimento das pessoas residentes nas áreas objeto de intervenção. Isso requer uma atenção particular na formação dos técnicos e no acompanhamento dos mesmos no desenvolvimento do trabalho, permitindo constantes momentos de reflexão sobre o método e as motivações do trabalho social, favorecendo momentos de diálogo e de confronto com a realidade que se vivencia no dia a dia. Para a AVSI o técnico tem um papel fundamental nesse processo porque a centralidade da pessoa, do beneficiário, passa pelo olhar do profissional que tem o papel de reconhecer a positividade e o valor do homem que está a sua frente. Para isso ele precisa acreditar nas pessoas, ter uma motivação ideal para o trabalho social. Não só a motivação do técnico deve ser estimulada, como também o seu trabalho deve ser acompanhado do ponto de vista humano e metodológico. O técnico lida com a frustração de não poder resolver todos os problemas das pessoas que o procuram e que lhe pedem ajuda. O seu papel, muitas vezes, se resume ao de ser presença, e, muitas vezes, uma presença impotente. Por isso deve ter clareza quanto aos limites de seu papel, pois se é confundido com o de ser a pessoa designada para resolver os problemas dos outros, sua frustração será insuportável. Tudo o que o técnico pode e deve fazer na comunidade é colocar sua humanidade e seu profissionalismo a serviço do desenvolvimento de outras pessoas, exatamente iguais a eles, com os mesmos desejos de felicidade e realização. Somente olhando dessa forma para o ser humano que está a sua frente o técnico pode favorecer o seu desenvolvimento20, 19 Entrevista ao Secretário Geral da Fundação AVSI, no dia 13 de março de 2005. 20 Declaração do Diretor da AVSI-Salvador, Buenos Aires, durante o encontro com os técnicos AVSI na América Latina, dia 14 de março de 2005 ouvir suas dificuldades e, junto a ele, quando possível, procurar soluções para os problemas, servindo de elo entre o programa e seus beneficiários, ajudando a decifrar suas reais necessidades. 4.1.2 A Pobreza O que significa “centralidade da pessoa” num programa de redução da pobreza? “O método é sempre imposto pelo objeto” (GIUSSANI, 1997, p. 4.), pela finalidade que se quer alcançar e, como dito, para a AVSI o “objeto” é sempre o homem, com sua dignidade, mesmo que confinado em uma situação de pobreza, que determina, não sua condição ontológica, mas apenas sua condição material. Por esse motivo, quando falamos de “pobre” ou “pessoa pobre”, não nos referimos a uma categoria especial, mas, somente, a uma pessoa que vive em condição de pobreza. (AVSI, 2002). Esse aspecto é de fundamental importância, porque para a AVSI a dignidade do ser humano é o ponto de partida e não de chegada de qualquer intervenção: não é o trabalho social que vai devolver a dignidade à pessoa, mas é a dignidade que a pessoa tem, enquanto pessoa, ontologicamente, que motiva e move toda e qualquer ação que visa o desenvolvimento, o crescimento e a realização do homem. A Pobreza é um fenômeno complexo, podendo ser definido de forma genérica como a situação na qual as necessidades não são atendidas de forma adequada. (...) Em última instância, ser pobre significa não dispor dos meios para operar adequadamente no grupo social em que se vive. (ROCHA, 2003. p.9-10). Para operacionalizar essa noção foram pensados e utilizados, ao longo dos anos, vários tipos de visão da pobreza: linha de indigência (construída calculando a renda necessária à reprodução exclusivamente “calórica” do indivíduo, isto é, com base nos produtos alimentares necessários ao consumo calórico médio de um indivíduo); linha de pobreza (construída aplicando, à linha de indigência, um multiplicador, dito de Engel, para complementar as despesas necessárias em roupa, transporte, moradia); Necessidades Básicas Insatisfeitas – NBI (preconizando uma visão humanista, que vai além da economia para se remeter ao desenvolvimento do homem em toda sua dimensão, inclusive moral, de liberdade e de dignidade); Índice de Desenvolvimento Humano – IDH (calculado a partir de três elementos principais: saúde/longevidade, nível de educação, PIB em termos reais), ou ainda visão de pobreza ligada a reflexões sobre justiça social, igualdade e desigualdades, etc. (Salama; Destremau, 1999, p.54-84). Para o Banco Mundial a pobreza traz problemas enquanto fato de instabilidade sóciopolítica que refreia e eficácia econômica. O pressuposto é que o mercado, quando as condições estão reunidas para o seu funcionamento máximo, tende a absorver a pobreza. (...) Apoiando-se nesse ponto de vista liberal mercantil, o principal indicador de pobreza é, pois, necessariamente a renda, como capacidade de consumir bens materiais e não materiais. Para as igrejas e associações caritativas, a pobreza traz, antes de tudo, um problema moral. Não há nenhuma necessidade de indicadores de avaliação clara da pobreza (...). Nos países democráticos e industrializados, a pobreza tende a ser definida de acordo com a dificuldade de acesso a bens e recursos, avaliada de forma relativa no nível médio de bem estar da sociedade e não em nível de sobrevivência mínimo (...). O referente implícito é o da coesão social, que poderia se encontrar ameaçado pela existência de desigualdades grandes demais (...). (SALAMA; DESTREMAU, 1999, p. 108-109). Apesar das limitações evidentes da categoria da renda como único parâmetro para medir a pobreza, muitos estudos no Brasil adotam como ponto de partida a linha da pobreza, geralmente baseada no salário mínimo ou em um de seus múltiplos. A adoção da linha de pobreza é uma abordagem adequada no contexto brasileiro. Por um lado a economia brasileira é largamente monetizada, de modo que a renda se revela uma boa proxy do bem estar das famílias, pelo menos no que concerne ao consumo no âmbito privado. (...) Por outro lado a abordagem da renda é adequada porque, desde a década de 1970, se dispõem de informações de consumo, de rendimento e de características sócio-econômicas das pessoas e das famílias que permitem tanto estabelecer as linhas de pobreza a partir do consumo observado com base em pesquisas de orçamentos familiares, como utilizar esses parâmetros juntamente com as informações anuais de rendimento das Pnads, delimitando e caracterizando a subpopulação pobre. (ROCHA, 2003. p.43). Apesar da necessidade de medição da pobreza, que impõe a escolha de parâmetros e abordagens, a AVSI afirma que qualquer “definição” de pobreza, mesmo quando multidimensional, corre o risco de sacrificar a visão mais ampla e complexa do ser humano, fechando-a em categorias e subdivisões setoriais que cancelam sua unidade e completude. Para a AVSI o homem que vive em condição de pobreza é o homem que não pode realizar seus “talentos”, pois dedica todos os seus recursos para a satisfação de suas necessidades primárias e para a sobrevivência. É o homem que não consegue enfrentar a realidade com um método, com um olhar que supere o horizonte da vida do “dia a dia”. Pobre é, portanto, quem não tem as condições físicas e materiais, humanas e espirituais, de reconhecer e decifrar todas as suas necessidades e então realizar seus desejos mais profundos, faltando-lhe o acesso às reais oportunidades de desenvolvimento de suas potencialidade. (AVSI, 2002). A AVSI parte do pressuposto de que todo ser humano traz em si o desejo de realização e de desenvolvimento de suas potencialidades. Nem sempre as necessidades são reconhecidas; freqüentemente saber ler as próprias necessidades não é suficiente para realizá-las, porque falta o acesso a oportunidades concretas de crescimento humano. 4.1.3 As necessidades Na definição de pobreza acima citada tem-se, portanto, que “pobre é quem não tem condições de reconhecer e decifrar todas as suas necessidades”. Essa afirmação da AVSI (2002) é certamente arriscada, porque, dessa forma, a leitura das necessidades pode se tornar algo subjetivo, arbitrário ou ideológico, que prescinde da finalidade última de cada ação: o homem. A AVSI, na fundamentação metodológica do Programa Ribeira Azul (AVSI 2002) evidencia dessa forma os riscos de uma leitura superficial das necessidades: 1) Necessidade induzida: é a necessidade de quem, presunçosamente, julga-se capaz de “sugerir” procedimentos para intervenções de redução da pobreza, pensando saber o que é bom para aquelas pessoas. É o risco dos operadores sociais e dos gerenciadores dos programas de desenvolvimento, de chegar em uma comunidade e definir, a priori, todas as necessidades das pessoas que ali moram, julgando-as incapazes de conseguir escolher e realizar uma ação concreta em favor de seu desenvolvimento. E a conclusão, salvo variações menores, tem sido a de que sua pobreza coloca obstáculos grandes à sua ação coletiva e autônoma, enquanto grupo social organizado, e à sua visão crítica da sociedade, cujos grupos dominantes empreendem em relação a eles inúmeras estratégias de dominação (ZALUAR, 1985. p. 35) 2) Necessidade não vista: quem se encontra imerso numa realidade de pobreza extrema e não tem meios de comparação com outras realidades pode não sentir a premência da mudança e não conseguir reconhecer suas necessidades. É o caso de quem, morando em uma palafita, define a sua condição habitacional como ótima, sem reconhecer os evidentes riscos físicos, ambientais e de saúde. 3) Necessidade parcial: é a necessidade muitas vezes imediata das pessoas, uma necessidade instantânea e pessoal, geralmente material e não completa, cuja realização reporta à descoberta de novas necessidades, também parciais e limitadas. É o caso de quem resume suas necessidades a uma lista de bens materiais imediatos, atrás dos quais geralmente se escondem necessidades e desejos maiores, de realização e crescimento pessoal, ainda não identificados claramente. Abre-se então para a reflexão o ponto central da “leitura das necessidades”, para o qual parece se criar um impasse: 1) Não basta “ler” a necessidade expressa pelos beneficiários do programa, porque, como explicitado, corre-se o risco de que ela seja parcial e incompleta. 2) Não se pode, de qualquer forma, prescindir da necessidade expressa pelos beneficiários, porque ninguém “de fora” é capaz de identificar a necessidade dos outros. No projeto de Novos Alagados, a AVSI diminuiu esse impasse ao utilizar a assim chamada “partilha das necessidades”, ou seja, uma proximidade relacional entre os técnicos do projeto e os beneficiários. A proximidade, o conhecer a vida e a história da pessoa, permite muitas vezes reconhecer que atrás de cada necessidade, mesmo a mais parcial e limitada, existe sempre um desejo maior que pode ser reconhecido e dilatado, para um maior crescimento individual e social21. Esse conceito representa um pouco o que Zaluar (1985) chama de “envolvimento compreensivo, isto é, a participação afetuosa e emocionada nos seus dramas diários, sem me deixar levar pela piedade que desemboca no paternalismo e na recusa à dignidade deles”. Isso significa, para a AVSI, que a proximidade entre técnico e beneficiário permite não recusar a priori, ou catalogar como errada, a necessidade expressa pelas pessoas, mas, ao contrário, leva-o a partir dela para “lê-la” em função da totalidade do ser humano. A esse propósito, na origem da ONG, na citada experiência da “caritativa” do movimento de Don Giussani, se encontra uma base privilegiada para definir o método: em uma das primeiras experiências de “caritativa” um grupo de jovens do movimento de Comunhão e Libertação dedicava parte do seu tempo à assistência de um grupo de adolescentes carentes na periferia de uma cidade e, movido pelas dificuldades econômicas dessas jovens e de suas famílias, que muitas vezes não possuíam o suficiente nem para comer, resolveram dar uma ajuda econômica. Um dia depois, voltando às atividades, ficaram tristemente surpresos ao ver que as adolescentes tinham gasto todo o dinheiro para comprar maquiagem e se enfeitarem e não, como os voluntários tinham pensado, para os bens de primeira necessidade. Os jovens voltaram para Don Giussani e relataram decepcionados a experiência. Don Giussani os ajudou a 21 Entrevista ao Secretário Geral da Fundação AVSI, no dia 13 de março de 2005. refletir, mostrando que ninguém pode definir quais são as necessidades do outro. Nós somos levados a observar a realidade do nosso ponto de vista, esquecendo da pessoa que está à nossa frente. De traz do batom, da roupa arrumada e da maquiagem, provavelmente, havia o desejo de felicidade que todo ser humano tem, de beleza, no caso delas, de emancipação, de feminilidade. Esse desejo, que se expressa das formas mais diferentes, é o ponto positivo do qual partir: não recusando ou julgando essa necessidade, mesmo que parcial, manifestada pelas jovens, mas, ao contrário, acompanhando-as, num processo educativo e de proximidade afetiva, de verdadeira partilha, para que elas mesmas consigam decifrar o desejo mais profundo que se esconde em seu coração. Esse exemplo, que pode até parecer paradoxal, é na verdade uma das experiências mais comuns de encontro entre realidades diferentes: não havia técnico social, no desenvolvimento das primeiras pesquisas sócio econômicas, casa por casa, palafita por palafita, em Novos Alagados, que não ficasse escandalizado ao encontrar pessoas muito pobres, em condições de misérias desumanas, que gastavam o que não tinham para comprar um rádio ou uma televisão último modelo. Assim como até hoje não existe visitantes que entre numa palafita e não comente que aquele morador, antes de se preocupar em colocar uma antena parabólica ou pentear e enfeitar os filhos, deveria providenciar alimentos saudáveis, portas, janelas, etc. O grande risco é de dedicar esforços, energias, recursos e profissionalismo para ajudar pessoas sem sequer conseguir de verdade enxergar a pessoa, na sua unicidade, complexidade, totalidade e desejo de infinito, ou seja, sem que aconteça com essas pessoas um verdadeiro encontro.22. O conceito de “proximidade” remete a uma relação de encontro entre pessoas, de partilha direta, no dia a dia, de proximidade, em primeiro lugar, física. No Projeto de Novos Alagados foi possível para o pessoal da ONG e do Governo garantir uma presença que tornasse viável esse tipo de relação pessoal entre os beneficiários e as equipes técnicas, graças à existência, não só dos escritórios de campo, mas também de várias estruturas comunitárias, gerenciadas diretamente pela AVSI e pela CONDER, que permitissem o encontro diário com os moradores e as famílias. A leitura das necessidades passava, portanto, não só por frios instrumentos de pesquisa sócio-econômica, mas, sobretudo, pela leitura conjunta da realidade que nascia dentro de uma relação pessoal de encontro. 22 Entrevista ao diretor da AVSI - Salvador, no dia 13 de março de 2005. 1) 4.2 Partir do positivo Para a AVSI cada pessoa, cada comunidade, mesmo a mais carente, representa uma riqueza e apresenta um patrimônio. Esse princípio do método tende a valorizar e reforçar o que as pessoas têm construído, suas histórias, as relações existentes, ou seja, aquele tecido social e conjunto de experiências que constituem seu patrimônio de vida. Partir do Positivo é um ponto operativo fundamental, de acordo com a concepção da ONG, que nasce de uma “abordagem positiva da realidade que transmite à pessoa seu valor, sua dignidade e, ao 23 mesmo tempo, a ajuda para assumir responsabilidades” . Para a AVSI quando se reconhece o positivo se reafirma o homem e se valoriza o que ele fez: isso devolve à pessoa a responsabilidade da sua ação, apostando ulteriormente em potencialidades. Cada tentativa de resposta a uma necessidade, por mais limitada que possa ser, representa um engajamento numa ação. Apostar na pessoa tem um valor ainda maior quando se reconhece que toda tentativa de resposta esconde um desejo que a supera, que é muito maior e é esse desejo que deve ser estimulado, porque dele parte o processo de desenvolvimento24. Para a AVSI, evidentemente, partir do positivo não significa ignorar os problemas existentes numa comunidade, ou não estudar sua vulnerabilidade, pois isso levaria a uma leitura parcial da realidade, mas significa, analisar, junto à vulnerabilidade, os recursos presentes colocados em jogo, para depois tentar fortalecê-los e reforçá-los. É muito importante então o conhecimento cuidadoso do patrimônio da comunidade (MOSER; GATEHOUSE; GARCIA, 1996) na qual se quer atuar, porque, para valorizar o positivo, é necessário, em primeiro lugar, conhecê-lo e “ouvir as pessoas contarem suas histórias” (AVSI, 2002). O conhecimento da comunidade não pode prescindir de um estudo sócio-econômico que aprofunde todos os aspectos do patrimônio (trabalho, moradia, educação, saúde, relações familiares e capital social). 4.2.1 O Conhecimento. A metodologia adotada em Novos Alagados pela AVSI e CONDER definiu, como primeira atividade de um projeto para redução da pobreza, a elaboração do assim chamado “retrato da comunidade”, ou seja, um estudo detalhado da realidade, que ofereceu uma panorâmica clara dos recursos 23 Declaração do Secretário Geral da Fundação AVSI, Buenos Aires, durante o encontro com os técnicos AVSI na América Latina, dia 14 de março de 2005. 24 Declaração do Secretário Geral da Fundação AVSI, Buenos Aires, durante o encontro com os técnicos AVSI na América Latina, dia 14 de março de 2005. presentes na área e dos problemas existentes. Esta fase do conhecimento analisou, com entrevistas de casa em casa a todos os moradores, a situação da moradia, do trabalho/renda, da saúde, da educação, dos serviços existentes e utilizados e das formas de participação comunitária. No projeto de Novos Alagados, esse estudo permitiu, por exemplo, à CONDER/AVSI planejar intervenções de redução da pobreza na comunidade estudada, que respondessem às necessidades evidenciadas no retrato, reduzindo ao mínimo o risco de basear as intervenções em leituras que não correspondessem à realidade da área. A esses estudos sócio-econômicos foram incrementadas outras ações de conhecimento (estudos ambientais, antropológicos e das associações da sociedade civil) para evitar a fragmentação das informações, uma vez que, como já dito, “o todo é sempre maior que a soma de suas partes” (Von Bertalanffy, 1967, 1968, citado em Esteves de Vasconcelos, 2002, p. 198). A fase do conhecimento representa para a AVSI também um momento crucial porque é o primeiro contato com a realidade, é também o início de uma presença na área, do encontro com as pessoas, com os beneficiários, suas histórias, problemas, dificuldades, mas também seus recursos, suas potencialidades etc.: é o primeiro passo para garantir intervenções que sejam pertinentes à realidade e portanto respondam às necessidades: “Pouca observação e muito raciocínio conduzem ao erro. Muita observação e pouco raciocínio conduzem à verdade.”(CARREL, citado por GIUSSANI, 1997p. 27). A AVSI considera a fase do conhecimento particularmente delicada, em primeiro lugar porque representa o começo de um relacionamento com a realidade, feita de dados objetivos, técnicos, problemáticas etc, mas feita também de pessoas e recursos; em segundo lugar porque as atividades de conhecimento já podem ser, para todos os efeitos, consideradas ações do processo de desenvolvimento: a escolha de cadastrar e estudar as associações intermediárias, já abre uma relação, uma parceria, à qual depois se deve responder, portanto estudar e conhecer uma realidade já é para a AVSI um comprometimento com aquela realidade25. O conhecimento assim descrito, evidentemente, já faz parte de um conjunto de ações diretamente derivantes dos princípios metodológicos. Um aspecto relevante é que a comunidade é diretamente envolvida na leitura das necessidades, passando, dessa forma, de “objeto de estudo” a “sujeito” que participa ativamente dos projetos. Um exemplo da aplicação do princípio metodológico do partir do positivo é representando pelo grande trabalho realizado com as associações intermediárias na área do Programa Ribeira Azul em que, mesmo com recursos limitados, foram estruturadas inúmeras iniciativas para responder às necessidades da 25 Entrevista ao diretor da AVSI - Salvador, no dia 13 de março de 2005. comunidade. Reconhecer o positivo, nesse caso, significou, em primeiro lugar conhecer o que existia em termos de associações intermediárias, através de uma pesquisa e cadastro inicial e, em seguida, apostar nessas iniciativas e oferecer serviços diversos para fortalecê-las. Partir do positivo como método de ação significa também passar da reivindicação à responsabilidade, porque somente partindo do positivo eu posso olhar, junto aos problemas, alternativas possíveis de solução.26 Segundo a AVSI partir do positivo estimula a iniciativa, porque não significa fechar os olhos e não olhar os problemas, ou aguardar que o poder público os resolva, mas significa não se concentrar somente no que falta, mas colocar-se em movimento num processo contínuo de melhoria, segundo o qual o progresso não consiste em presumir ter alcançado um resultado final, mas tender continuamente à meta. Concentrar o olhar nos aspectos negativos, coloca as pessoas num imobilismo estático, porque frente à falta não há iniciativa, só reivindicação ou distanciamento crítico, ou ainda, desespero e desilusão. É mais simples criticar e reivindicar do que melhorar, mas certamente menos eficaz e para melhorar algo é preciso participar, engajar-se e assumir responsabilidades. O partir do positivo, do ponto de vista de um projeto ou programa de redução da pobreza, significa também reconhecer o positivo dentro de suas próprias atuações com um diálogo direto com a realidade, que permita um processo de constante aperfeiçoamento, em busca de constante melhoria. Um exemplo disso, segundo os técnicos da AVSI, é representado pelo projeto de melhorias habitacionais em Novos Alagados. Após a realização da obra física e do reassentamento de famílias de palafitas em novas casas, permaneceram, na comunidade, situações críticas de barracos aterrados. Partir do positivo nessa situação significou não se paralisar frente aos problemas, nem tampouco ter a pretensão de ter-se alcançado o resultado desejado, mas possibilitou olhar para os problemas que permaneceram com perspectiva de solução tornando possível um retorno à mesma comunidade, com investimentos de melhorias para os barracos que hoje estão sendo transformados em casas. 26 Declaração do Secretário Geral da Fundação AVSI, Buenos Aires, durante o encontro com os técnicos AVSI na América Latina, dia 14 de março de 2005. 2) 4.3. Fazer Com O “fazer com” define a forma e a modalidade com que se executa qualquer tipo de intervenção participativa: significa partir do relacionamento com todos os atores envolvidos no programa, para construir, planejar e executar conjuntamente as ações que respondam às necessidades dos beneficiários. 4.3.1 A Participação Comunitária O envolvimento dos beneficiários nas ações é uma “condição sine qua non” para a realização de qualquer projeto, porque o desenvolvimento, para a AVSI, é concebido como movimento de sujeitos ativos e livres que responsavelmente trabalham para o próprio crescimento individual e social. A liberdade da pessoa, sujeito de todos os projetos, é portanto considerada, o ponto de partida de cada ação. Isso significa, em termos operativos, que a comunidade, em primeiro lugar, deve se engajar num projeto de desenvolvimento e empenhar-se séria e responsavelmente na sua realização. Para a AVSI só existe participação quando esta é ativa, consciente e responsável, se diferenciando da mera reivindicação social, pois essa corre o risco de recair no engano de delegar a outros a solução dos problemas, afastando os indivíduos do compromisso concreto e, sobretudo, de seu crescimento social e cultural. Diferentemente, o “fazer com”, da forma como é definido nos documentos metodológicos da organização, propõe a educação de pessoas livres para a responsabilidade. ! " ! # $ ! % & ' ( ) *++*, Segundo os técnicos da ONG, muitas vezes é comum a tendência de identificar a “participação comunitária” com a “não intromissão” dos parceiros e financiadores nas escolhas da comunidade, dessa forma, um projeto tende a ser considerado participativo quando é a comunidade que propõe as ações, as executa, as gerencia e, ao mesmo tempo, as fiscaliza. Essa concepção, para a AVSI, corre o risco de anular a verdadeira partilha e parceria, transformando-a num simples meio para obter recursos econômicos. Além disso, essa forma de participação comunitária, é notadamente mais sujeita aos riscos de uma leitura incorreta das necessidades, em particular o risco já citado da “necessidade não vista” e da “necessidade parcial”. Por outro lado, a exclusão total da comunidade no processo de desenvolvimento, representaria, o risco evidente de uma leitura distorcida das necessidades e, em particular, o já citado risco da “necessidade induzida”, tornando portanto cada ação uma imposição do programa ou dos financiadores. Desse impasse derivou a busca, no projeto de Novos Alagados, de uma forma de participação que não se transformasse em um conflito para a gestão do “poder”, mas que representasse um diálogo real, aberto e transparente, que pudesse ampliar a visão parcial de cada um e que, ao mesmo tempo, respeitasse os diferentes papéis e a capacidade de cada parceiro envolvido. Segundo os atores, o projeto tentou envolver em cada intervenção os representantes da comunidade com o papel fundamental de guiar as ações, de ser, ao mesmo tempo, sujeitos das ações planejadas, de ajudar os financiadores na leitura das necessidades, de participar de encontros e discussões, além de representar os moradores da área de intervenção e de negociar os benefícios requisitados ao projeto. Essa visão de envolvimento dos beneficiários definiu portanto estratégias e formas de participação real. 4.3.2 Os Escritórios de Campo São o ponto principal de referência para todas as ações, físicas e sociais dos projetos, em que equipes da CONDER e da AVSI diariamente garantem sua presença com os moradores e representantes comunitários. Os escritórios têm a função também de servir como balcão de encaminhamentos e pedidos institucionais dos moradores e das associações da área de forma a favorecer o diálogo entre esses e as instâncias governamentais. Nesses escritórios são realizadas ações de sensibilização, mobilização, organização e articulação comunitária, ações de acompanhamento na execução de obras físicas, ações sócio-ambientais e de pós-ocupação, com a principal função de serem pontos de encontro e presença junto aos moradores. Nesses escritórios são discutidas com os moradores as propostas preliminares das intervenções físicas e sociais, antes de sua implantação; também os escritórios são os pontos de encontros com núcleos de entidades, representantes comunitários e representantes das Associações Intermediárias atuantes da área. As equipes sociais realizam atendimentos diários individuais e coletivos para esclarecimentos e encaminhamentos relacionados às ações do projeto. A presença das equipes sociais acaba sendo solicitada também para resolução de conflitos conjugais (em relação a recebimento de benefícios) ou entre vizinhos, sendo o escritório de campo um ponto de escuta para qualquer tipo de problemática, mesmo as que fogem da responsabilidade direta do programa (como enchentes, riscos de desabamento, abrigo, auxílio alimentação, apoio na busca de empregos e principalmente questões relacionadas à violência, entre gangues e sucessivas ameaças de vandalismo ou vingança). Paralelamente, as equipes realizam projetos sociais de acompanhamento da comunidade para fortalecê-la em suas formas organizativas (organização comunitária), nas problemáticas sanitárias e ambientais, realizando atendimentos individuais, visitas domiciliares e porta a porta educativo, assim como no aspecto da geração de trabalho e renda, desenvolvendo projetos de formação profissional e inserção no mercado do trabalho. 4.3.3 As Associações Intermediárias Segundo a AVSI, nos últimos anos de trabalho na área dos “alagados”, as formas mais completas de participação comunitária foram representadas pelos encontros com as associações intermediárias da área, pois essas possuem algumas vantagens evidentes: a. Uma leitura “de dentro” da necessidade e da realidade local. b. Seus representantes são diretamente engajados na ação e isso assegura um compromisso real com um objetivo ligado a um bem comum, favorecendo uma atitude responsável. c. Seus responsáveis são o ponto de contato com os beneficiários, o que favorece a representatividade dos grupos de pessoas e famílias ali atendidas. As associações intermediárias são, na concepção da AVSI, o principal motor de desenvolvimento, vetores capazes de agregar recursos, capacidades e capital humano, com o objetivo de oferecer respostas criativas às necessidades por elas evidenciadas. Por esse motivo para a AVSI, o papel de um programa de redução da pobreza, é principalmente o de favorecer, reforçar, profissionalizar e capacitar sempre mais essas associações para que possam desenvolver de forma eficaz suas atividades no serviço do bem comum e do desenvolvimento da comunidade. 4.3.4 Colaboração Governo/ONG Uma das mais significativas atuações do “fazer com”, tanto no Projeto de Novos Alagados, como no Programa Ribeira Azul, foi representada pela colaboração que se concretizou entre um órgão do Governo do Estado da Bahia, a CONDER, e uma Organização do Terceiro Setor, a AVSI. Depois da parceria no Projeto Novos Alagados, realizada através de convênios técnicos e financeiros, no Programa Ribeira Azul, com o Projeto de Apoio Técnico e Social - PATS, realizado através da doação do Ministério Italiano - MAE, essa parceria deu origem a uma Unidade de Gestão do Programa, que garantiu por um lado, uma assistência técnica e metodológica ao Governo do Estado da Bahia na realização do programa e, por outro lado, a criação de uma equipe de trabalho mista, coordenada por uma co-direção de um representante da CONDER e um representante da AVSI. Da mesma forma, todas as ações sociais do Programa Ribeira Azul, tanto no planejamento, como na execução, receberam o acompanhamento de uma co-direção social, de um técnico da CONDER e um técnico da AVSI. Essa experiência facilitou, do ponto de vista dos técnicos envolvidos, uma relação unitária com a comunidade, permitindo a aplicação de uma única metodologia que permeava qualquer tipo de intervenção. 3) 4.4 Desenvolvimentos das Associações Intermediárias e Subsidiariedade A sociedade nasce com a livre agregação de pessoas e famílias. Portanto, para a AVSI, agir sobre o desenvolvimento social significa também favorecer a capacidade associativa, ou seja, reconhecer, valorizar e estimular a constituição de associações intermediárias, (...) as quais são a expressão da liberdade humana, e como tais devem ser avaliadas e reconhecidas. O estado verdadeiramente democrático reconhece e garante não só os direitos do homem isolado, o que seria uma abstração, mas os direitos do homem associado segundo uma livre vocação social. (MORO citado por VITTADINI, 1997, p. 8.). O direito de cada pessoa à liberdade de associação e de iniciativa é considerado, pelos atores da ONG, um importante motor de desenvolvimento e o credenciamento, por parte do poder público, das livres associações e dos serviços por elas realizados em favor do bem comum, é o que representa o conceito de subsidiariedade. É do ponto metodológico da centralidade da pessoa que, segundo a AVSI, de acordo com a doutrina social católica, deriva o respeito à dignidade, à autonomia e à liberdade dessas formações sociais. É impossível promover a dignidade da pessoa sem que se cuide da família, dos grupos, das associações, das realidades territoriais locais, em outras palavras, daquelas expressões agregativas de tipo econômico, social, cultural, desportivo, recreativo, profissional, político, às quais as pessoas dão vida espontaneamente e que lhes tornam possível um efetivo crescimento social. É este o âmbito da sociedade civil, entendida como o conjunto das relações entre indivíduos e entre sociedades intermédias, que se realizam de forma originária e graças à “subjetividade criadora do cidadão”. (PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ, 2005, p.111) Essa definição do primado da pessoa, se por um lado define a necessária intervenção das instituições estatais a favor das pessoas e dos grupos, por outro lado, limita o poder do estado e de suas funções, de forma a permitir aos indivíduos e grupos amplas margens de autonomia e espaço de liberdade para o exercício de seus direitos fundamentais. É necessário, portanto, um justo equilíbrio entre a co-responsabilidade dos membros da sociedade e o compromisso do Estado, pois (...) os direitos sociais não derivam de um Estado paternalista dispensador de segurança social e de benefícios, mas encontram seu ponto de partida nas diferentes formações sociais .(VITTADINI, 1997, p. 8). Esse é o conceito de subsidiariedade. A subsidiariedade, que tem suas raízes no pensamento de Aristóteles e São Tomás, incorporada no tratado de Maastricht da União Européia, é várias vezes retomada na Doutrina Social da Igreja Católica: é injusto remeter a uma maior e mais alta sociedade aquilo que por menores e inferiores comunidades pode ser feito (...) Disto derivaria um grave dano e uma revolução da reta ordem da sociedade (...) Porque objeto natural de qualquer intervenção da sociedade é ajudar de forma supletiva as assembléias do corpo social, não destruí-las e absorvê-las. Segundo a AVSI a reivindicação segundo a qual o estado deve assegurar e garantir o bem estar coletivo em todos os aspectos e ser o provedor de todo e qualquer tipo de serviço, leva a uma visão distorcida do papel do poder público e a um imobilismo da sociedade civil: Cada pessoa, família, corpo intermédio tem algo de original para oferecer à comunidade. A experiência revela que a negação da subsidiariedade, ou a sua limitação em nome de uma pretensa democratização ou igualdade de todos na sociedade, limita e às vezes também anula o espírito de liberdade e de iniciativa (PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ, 2005, p.112) além de promover inevitavelmente uma solidariedade de tipo impessoal, porque não é mais a “expressão da liberdade das pessoas potencializada pela forma associativa” (GIUSSANI citado por VITTADINI.1997, p.10) como no caso das agregações da sociedade civil. “É no primado da sociedade frente ao estado que se salva a cultura da responsabilidade”, (VITTADINI, 1997, p. 10.) e, para os técnicos da ONG, somente devolvendo a responsabilidade às associações intermediárias é possível criar as condições para um processo de desenvolvimento. A AVSI afirma ser metodologicamente errado e enganoso dizer que as associações intermediárias, as organizações sem fins lucrativos ou de voluntariado e as demais obras que oferecem serviços de utilidade pública, que nascem de uma sociedade civil que se organiza para responder às necessidades, têm sua razão de existir somente nos âmbitos em que o estado é ineficaz ou ausente: segundo essas concepções as associações sem fins lucrativos seriam o resultado de deficiências do estado ou do mercado, negando, dessa forma, que elas sejam a expressão de uma criatividade social em resposta a necessidades concretas. (VITTADINI, 1997, p. 17). Essa visão de associação intermediária, evidentemente, atribui um papel fundamental e uma grande responsabilidade à sociedade civil no âmbito de um processo de desenvolvimento e de um programa de redução da pobreza urbana, mas atribui também uma grande responsabilidade ao poder público no seu papel de, por um lado, garantir a atuação dessas entidades e seu credenciamento, e por outro, de oferecer condições favoráveis a uma atuação cada vez mais eficiente. Para que uma realidade de solidariedade social se desenvolva de forma eficaz não é suficiente um genérico espírito de altruísmo, mas é necessário um grande profissionalismo e uma forte capacidade de inovação. (VITTADINI, 1997, p. 16). Por este motivo o Projeto de Novos Alagados e o Programa Ribeira Azul investiram em projetos sociais estratégicos de acompanhamento e formação das associações intermediárias. A formação, além de técnica e organizativa, voltada ao aperfeiçoamento da eficiência da entidade, é também metodológica e educativa, porque a sociedade civil deve ser educada a entender o seu papel, o papel do poder público, e a dialogar e colaborar com ele, cada um segundo sua competência, para favorecer o desenvolvimento. Por outro lado o poder público deve trabalhar para ajustar uma legislação que favoreça a atuação da sociedade civil, criando políticas públicas ao serviço das pessoas e de suas formas associativas, para tornar viável uma redistribuição das tarefas e garantir o credenciamento daquelas entidades ou associações dispostas a se engajarem no processo de desenvolvimento. À atuação do princípio de subsidiariedade correspondem: o respeito e a promoção efetiva do primado da pessoa e da família; a valorização das associações e das organizações intermédias, nas próprias opções fundamentais e em todas as que não podem ser delegadas ou assimiladas por outros; o incentivo oferecido à iniciativa privada, de tal modo que cada organismo social, com a próprias peculiaridades, permaneça ao serviço do bem comum (...). (PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ, 2005, p.113) A organização da sociedade civil e a existência de associações intermediárias espontâneas são o sinal mais evidente de uma positividade de resposta de pessoas engajadas no próprio crescimento, representam o ponto positivo do qual se pode iniciar um processo de desenvolvimento. Uma comunidade que possui uma rica organização em nível de associações intermediárias já possui um ponto de partida privilegiado. 5 CENTRO DE ORIENTAÇÃO DA FAMÍLIA - COF 5.1. INTRODUÇÃO Com a obra educativa, a família forma o homem para a plenitude da sua dignidade pessoal, segundo todas as suas dimensões, inclusive a social. (...) Exercendo a sua missão educativa, a família contribui para o bem comum e constitui a primeira escola das virtudes sociais, de que todas as sociedades necessitam. As pessoas são ajudadas, em família, a crescer na liberdade e na responsabilidade, requisitos indispensáveis para se assumir qualquer tarefa na sociedade. (PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ, 2005, p.146). Na concepção da AVSI, do ponto metodológico da centralidade da pessoa deriva diretamente a centralidade da família, expressão da liberdade das pessoas e elemento fundamental para a socialização e a educação das novas gerações. Dentro da família é transmitida não somente a vida em si, mas o seu significado, o conjunto de valores e critérios de orientação da conduta. Núcleo primário da sociedade, a família é também considerada hoje a origem e a causa de um conjunto de problemas que afetam o ser humano e, conseqüentemente, toda a organização social. Assim, como é freqüente evidenciar a responsabilidade da família no surgimento de problemas individuais e sociais, é menos comum reconhecer nela as potencialidades e os recursos para enfrentálos e resolvê-los. A metodologia da AVSI vê no fortalecimento da família a principal diretriz para favorecer o desenvolvimento de uma pessoa. Na base desse princípio está a convicção de que a família deve e pode, quando devidamente apoiada, garantir o cuidado de todos os seus membros, tornando-se, dessa forma, um recurso imprescindível para o desenvolvimento de uma pessoa, e, portanto, da sociedade como um todo. Uma sociedade à medida da família é a melhor garantia contra toda a deriva de tipo individualista ou coletivista, porque nela a pessoa está sempre no centro da atenção enquanto fim e nunca como meio (PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ, 2005, p.131) Isto significa, na concepção da AVSI, que todos os projetos sociais devem contribuir para a construção de uma sociedade à medida da família, isto é, garantindo a prioridade da família em relação à sociedade e ao Estado. A família, de fato, em suas funções a favor de cada um dos seus membros, precede, por importância e valor, as funções que a sociedade e o Estado também devem cumprir (PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ, 2005, p.131 132). A família, por mais fragilizada que seja, representa uma rede de solidariedade insubstituível, por esse motivo, em todos os projetos em que atua, a AVSI busca o envolvimento das famílias de seus beneficiários, pois um olhar sobre a pessoa em todos seus aspectos, que vise seu fortalecimento e a melhoria da qualidade de vida, não pode prescindir da dimensão relacional, especialmente a familiar. Dessa forma os benefícios dos projetos são potencializados: a) O envolvimento das famílias permite uma maior e melhor compreensão do filho por parte dos educadores/formadores e, conseqüentemente, facilita o oferecimento de uma proposta educativa mais adequada à real necessidade do educando. b) As famílias estimulam a participação dos filhos nos projetos sociais. c) As famílias colaboram e oferecem continuidade nas ações educativas realizadas pelos projetos, formando uma verdadeira “parceria” com as instituições educativas. d) A relação com a família é em grande parte responsável pela estabilidade afetiva e emocional da pessoa ao longo da sua vida e, portanto, fundamental para o seu desenvolvimento. e) Os hábitos adquiridos pelos filhos influenciam a família e, de alguma forma, multiplicam seus efeitos. Esse último aspecto foi evidenciado também pelo já citado trabalho de análise qualitativa: As atividades e orientações recebidas no trabalho educativo desenvolvido pela AVSI têm um alcance maior, pois se estendem até a família, quando as crianças e jovens comparam atitudes dos professores com os costumes e ações dos pais. (BASTOS, et.al.2005. p.63) 5.2 HISTÓRICO DO PROJETO O Centro de Orientação da Família – COF em Novos Alagados foi construído em 2003 através de fundos de doadores privados que a AVSI arrecadou com este objetivo, através de campanhas de divulgação da iniciativa27, na Itália e no exterior. Nessa época já existiam, gerenciados com fundos privados da mesma ONG, através do projeto Apoio a Distância, na comunidade de Novos Alagados, a Creche João Paulo II, acolhendo 150 crianças em tempo integral, e o Centro Educativo João Paulo II, oferecendo reforço escolar para 350 adolescentes no turno oposto ao da escola. A presença da AVSI na comunidade, através dessas duas estruturas, permitiu criar um vínculo e conhecer a realidade de seus beneficiários: através das crianças e adolescentes ali atendidos, os professores e diretores da creche e do centro, entravam diariamente em contato com suas famílias, conhecendo de perto suas problemáticas e principais necessidades. A observação e o conhecimento da realidade em que os projetos da AVSI estavam inseridos foi o que permitiu sua expansão e o incremento de iniciativas para responder às necessidades que, com o tempo, iam se evidenciando. Nesse aspecto, vale ressaltar que o mesmo Centro Educativo, inaugurado em 2000, foi construído pela AVSI, através de doações privadas, exatamente para oferecer continuidade na assistência daquelas crianças e suas famílias, que tinham sido acompanhadas durante anos na creche e que, alcançando a idade escolar, não podiam mais continuar no projeto. Da mesma forma, como já visto, a creche João Paulo II, por sua vez, nasceu da exigência de oferecer continuidade ao trabalho educativo iniciado com as crianças da comunidade nas primeiras experiências da “caritativa” em Novos Alagados. 27 Essa iniciativa, realizada todos os anos, é chamada “Tendas de Natal” porque acontece na época do Natal. Em todas as maiores praças da Itália e nas praças de muitas cidades do mundo, são montados stands de divulgação dos projetos da AVSI ou se realizam iniciativas beneficentes para arrecadar fundos em suporte de uma ou mais iniciativas, escolhidas a cada ano, de acordo com os projetos da ONG. O ponto metodológico da centralidade da pessoa, na concepção da ONG, enfatiza que a pessoa deve ser olhada na totalidade de seus aspectos. Por esse motivo, tanto o projeto Creche, como o Centro Educativo, não se limitavam a cuidar da educação das crianças e adolescentes dentro das estruturas, mas buscavam uma interação com suas famílias, tentando reforçar sua rede de suporte, se preocupando com todos os aspectos que envolviam o bem estar dos seus beneficiários, tentando responder às necessidades que iam surgindo a partir do vínculo que se criava com elas. As crianças e os jovens abrem novas perspectivas de vida com a participação nos projetos educativos, alcançando metas difíceis. Os pais demonstram orgulho com o crescimento do filho e atribuem isso à participação dos projetos. (BASTOS, et.al. 2005. p.63) Durante o acompanhamento das crianças na creche a AVSI percebeu que a maioria dos meninos ali atendidos apresentava problemas de crescimento devido a um índice alto de desnutrição, o mesmo que, provavelmente, influenciava as dificuldades de aprendizado verificadas nas atividades de reforço escolar dos jovens daquela região. A intuição inicial de que a desnutrição infantil poderia ser a causa de muitos dos problemas que afetavam o desenvolvimento psicomotor das crianças, foi confirmada por uma atividade de pesquisa com a população de Novos Alagados: no período de novembro a dezembro de 2001, a AVSI realizou um inquérito em quatro comunidades de Novos Alagados para a identificação da prevalência de desnutrição; nessa investigação foram avaliadas 1050 crianças na faixa etária de zero a cinco anos de idade, medindo seu peso e altura em relação à idade. O resultado evidenciou um índice muito elevado (38,7%) de desnutrição, superior à média da região Norte (16,2%) e Nordeste (17,9%) e superior também à média do Estado da Bahia, que tem o índice mais alto da população desnutrida do Brasil (21,6%). (IBGE 2001) A partir do contato com a realidade dos beneficiários da creche, se verificou uma demanda muito alta de acompanhamento médico das crianças recém-nascidas e de suas mães, que deu vida ao projeto de saúde materno-infantil, financiado com recursos próprios da ONG e, sucessivamente, ao projeto médico-ambulatorial, financiado pelo Programa Ribeira Azul, do Governo da Bahia: essas atividades permitiram a construção de um ambulatório de pediatria na estrutura da creche, para fornecer assistência médica para as crianças e suas famílias, além de atividades de acompanhamento nutricional na Creche e no Centro Educativo, garantindo às crianças e adolescentes uma alimentação de valor nutricional equilibrado, proporcionando ações educativas para ensinar a alimentarem-se de forma correta, realizando também visitas domiciliares e acompanhamento das famílias dos beneficiários. Com o tempo, a AVSI começou a desenvolver atividades de acompanhamento sanitário e avaliação nutricional também em outras creches da comunidade, visitando periodicamente essas estruturas com uma pediatra e uma enfermeira. As atividades desenvolvidas nesses projetos evidenciaram que o problema detectado da desnutrição possuía causas multifatoriais, ligadas não somente à condição sócio-econômica das famílias, mas também a problemas de hábitos alimentares e de higiene, ao vínculo entre a mãe e o filho, à violência familiar e, de forma geral, à desestruturação familiar. Foi constatado pela AVSI que, seja qual for o motivo, a desnutrição revela uma situação de “abandono velado” da criança. Segundo os responsáveis pelo COF, na comunidade de Novos Alagados existem raros casos de famílias que abandonam realmente os filhos, poucos são os “meninos de rua” que não têm nenhum tipo de referencial familiar, mas freqüentes são as situações de “abandono velado”, ou seja famílias que carecem em cuidados para com seus filhos. Esses âmbitos afetavam o desenvolvimento psíquico e físico tanto das crianças da creche, como dos adolescentes atendidos no Centro Educativo, gerando uma necessidade de ação integrada nos aspectos relacionais, educativos, familiares e de saúde. A leitura das necessidades assim evidenciadas foi o que deu origem à elaboração de um projeto e à sucessiva criação de um centro polifuncional de apoio para crianças e adolescentes em condição de risco social e familiar, destinado a atender uma média de 150 crianças e suas família a cada ano: o COF. Figura 13 - Centro de Orientação da Família - COF 2005 Nas próximas páginas será descrito o trabalho do COF e seus resultados, favorecendo pontes entre as atividades desenvolvidas e a metodologia da AVSI. Figura 14 Centro de Orientação da Família - COF 2005 5.3 DESCRIÇÃO DO PROJETO. 5.3.1 A Equipe Multidisciplinar O objetivo maior das atividades desenvolvidas no COF é o de ajudar a mãe a se tornar autônoma na capacidade de cuidar do filho, promovendo um trabalho educativo dentro de uma realidade possível de ser mudada. De acordo com esse modelo, a adequação do cuidado dependeria diretamente das habilidades ou capacidades maternas, fruto de sua escolaridade e ambiente cultural; de seu próprio estado de saúde física e mental; de sua autoconfiança e autonomia, isto é, poder para controlar e alocar os recursos disponíveis; de sua carga de trabalho e disponibilidade de tempo; e da possibilidade de contar com substitutos adequados quando é necessário se afastar do cuidado direto da criança e com ajuda da família e da comunidade nos momentos de crises de diferentes naturezas.( CARVALHAES, M.A, D'AQUINO BENÍCIO, 2002) Entendendo que os fatores que contribuem para a desnutrição infantil relacionam-se com a educação alimentar, situação econômica, vínculo mãe e filho, dificuldades familiares e condições de higiene e saneamento básico, o trabalho no COF é abordado através de uma equipe multidisciplinar, determinante para que ocorram mudanças na evolução da criança e da família. A existência de uma equipe multidisciplinar, segundo a AVSI, é consequência necessária do ponto metodológico da centralidade da pessoa, pois a pessoa tem que ser vista em todos os seus aspectos. Isto influencia o trabalho do COF principalmente de duas formas: 1) A abordagem multidisciplinar para o enfrentamento da desnutrição de forma global. 2) A atenção à criança envolvendo também o contexto em que ela vive e, portanto, sua família. A equipe multidisciplinar é composta por uma nutricionista, uma pediatra, uma enfermeira, uma psicóloga e uma assistente social. Segundo a diretora do COF cada membro da equipe desenvolve um papel fundamental: além da nutricionista para cuidar dos aspectos específicos da desnutrição das crianças, a pediatra oferece cobertura sanitária, pois às vezes elas estão num estágio tão avançado de desnutrição, que a alimentação correta não basta para resolver o problema: às vezes uma simples doença é suficiente para retroceder os esforços de meses de tratamento nutricional; para uma criança desnutrida uma diarréia pode ser letal. Mas o trabalho da pediatra não seria suficiente se não existisse na equipe uma enfermeira, com o papel de visitar as famílias, entender as condições higiênicas que podem estar afetando a saúde da criança e, sobretudo, traduzir as receitas da médica de forma que as mães possam seguir as indicações prescritas. “A gente lida às vezes com mães que não sabem ler e nem contar as gotas de remédio para dar ao filho. A enfermeira explica as receitas, traduz os números em desenhos que possam ser compreendidos pelas mães e as ajuda a tomar conta de seu filho”28 A psicóloga trata principalmente das crianças que, devido à desnutrição, não desenvolveram algumas habilidades físicas, psíquicas e motoras. As crianças desnutridas tem maiores dificuldades de aprendizagem, pois não comendo, elas não possuem as energias necessárias ao aprendizado e freqüentemente apresentam atraso cognitivo, motor ou atrofia muscular etc. O atraso também é devido à falta de estimulação dos filhos, por parte dos adultos mais próximos, para o desenvolvimento de sua psicomotricidade, o que leva a dificuldades maiores no aprendizado. Para a AVSI, a desnutrição da criança não é o que a define como pessoa, a criança é muito mais do que o problema que traz naquele momento de sua vida. Por esse motivo, um olhar abrangente sobre a pessoa não pode prescindir do acompanhamento da situação da inteira família. Esse é o papel principal da assistente social, que, olhando para a criança, olha também seu contexto, olha o “todo”: o COF parte do pressuposto de que a criança pode melhorar quando a família toda melhora. Uma família saudável tem melhores condições de cuidar da criança. “Se a criança atendida na nossa estrutura tem 4 irmãos, e se descobre que dois estão em idade escolar e não freqüentam a escola, a assistente social faz um percurso com a mãe e se empenha para a inserção escolar dessas duas crianças. Isso porque nunca se trabalha somente com uma criança, ela não é uma ilha. Ela sempre pertence a uma família, ela é parte de algo que é maior, boa ou ruim, ela pertence àquela família e se a família melhorar, há mais probabilidade que a recuperação nutricional se mantenha no tempo29” O desenvolvimento de todas as ações que a equipe realiza nasceu da necessidade de responder à realidade, de forma que as atividades foram se compondo e se integrando mutuamente para que cada criança e sua família fossem atendidas de forma global. As intervenções realizadas, resumidas nos ambulatórios de nutrição, pediatria, psicologia e nas oficinas de estimulação psicomotora, não representam, portanto, ações fragmentadas, mas são entre elas integradas e complementares. 28 Entrevista à Diretora do COF, no dia 29 de junho de 2005. 29 Entrevista à Diretora do COF, no dia 29 de junho de 2005. 5.3.2 Ambulatório de Nutrição O ambulatório de nutrição realiza atendimentos para a verificação do peso e da altura das crianças e a avaliação nutricional, oferecendo também uma orientação alimentar específica para cada criança. Esse processo ocorre uma vez por mês, com o intuito de acompanhar a evolução e a educação nutricional das crianças, havendo flexibilidade para uma maior freqüência em situações específicas. De julho de 2002 a julho de 2004 foram realizados 1116 atendimentos no ambulatório, apresentando os seguintes resultados30: Gráfico 1 - Caracterização das crianças atendidas quanto a redução no déficit ponderal e/ou estatural, julho de 2002 a julho de 2004. Caracterização das crianças atendidas quanto a redução no déficit ponderal e/ou estatural, julho de 2002 a julho de 2004. 7% 93% Sim Não O gráfico mostra que 93% das crianças tiveram evolução do estado nutricional Peso/Idade e/ou Estatura/Idade, e 07% não obtiveram o êxito desejado. Gráfico 2- Evolução do estado nutricional das crianças atendidas, segundo indicador P/I , julho de 2002 a julho de 2004. 30 Dados oriundos do documento: AVSI - relatório atividades COF 2004. Evolução do estado nutricional das crianças atendidas, segundo indicador P/I , julho de 2002 a julho de 2004. 60,0% 40,0% 20,0% 0,0% INICIAL FINAL Desn. Leve Desn. Moderada Desn. Grave Eutrofia O gráfico analisa a evolução nutricional da criança quanto ao grau de desnutrição: diminuiu a incidência da grave e moderada, aumentando a leve e a eutrofia (normalidade). A maioria dos casos atendidos apresenta uma melhoria significativa na evolução do estado nutricional, sendo que a equipe do COF atribui os resultados menos positivos a casos de desmame tardio e falta de envolvimento de algumas mães. Esse trabalho, sozinho, seria portanto suficiente para melhorar os índices de desnutrição de seus beneficiários, mas, segundo a AVSI, a desnutrição, é somente o efeito evidente de uma série de causas latentes que devem ser enfrentadas de forma global. Da mesma forma que considera-se relativamente simples a solução, ou melhoria, do problema da desnutrição, especialmente em crianças de zero a cinco anos de idade, é também fácil que, se não houver uma atenção às causas, com pouco tempo a criança volte a apresentar os mesmos sintomas. Por esse motivo o ambulatório de nutrição é somente uma das ações desenvolvidas no COF, considerada condição necessária mas não suficiente para o enfrentamento do problema da desnutrição. Um aspecto interessante do trabalho da nutricionista, e da equipe inteira, é a realização de constantes visitas domiciliares às famílias dos beneficiários atendidos no COF. Essa ação tem como finalidade o conhecimento da situação da família da criança, tanto do ponto de vista da moradia e condições de salubridade, como do ponto de vista higiênico e de hábitos alimentares. As indicações nutricionais são sempre construídas de acordo com as possibilidades econômicas das famílias, partindo de suas possibilidades, mostrando alternativas possíveis de oferecer refeições balanceadas e com alto valor nutricional a custos muito baixos, de forma que esses hábitos possam ser mantidos pelos beneficiários. Um elemento ainda que deve ser ressaltado do projeto de recuperação de crianças desnutridas é que ele busca trabalhar dentro da realidade das pessoas daquele bairro, propondo medidas que sejam acessíveis ao orçamento das famílias e que lhes permita manter as ações em casa. Prioriza-se também o “ensinar a fazer”, estimulando a aquisição de conhecimentos e práticas.(BASTOS,et.al. 2005 p.45)31 As visitas domiciliares também têm a fundamental função de criar um laço com a mãe, construir uma relação de afetividade e confiança, que possa favorecer o seu acesso aos profissionais do COF, e, portanto melhorar o atendimento à criança. Segundo a diretora do centro, muitas mães voltam ao COF e participam de suas atividades porque gostam da nutricionista, confiam nela e se sentem por ela acolhidas. Algumas mães aceitam cuidar melhor de suas crianças graças à relação que têm com ela. Edina (a nutricionista) visita as casas, senta para tomar um café, conversa, observa e dá indicações sobre como cuidar melhor da criança, não somente do ponto de vista higiênico ou nutricional, mas também na relação entre a mãe e a criança. Através da observação dos hábitos familiares se entendem muitas coisas. Por exemplo muitas casas não possuem uma mesa para as refeições, dessa forma a criança costuma comer sozinha, na frente da televisão, o que dificulta o controle de refeições regulares. As crianças precisam da atenção dos pais na hora da comida, da interação com a mãe. Não basta pôr um pratinho no colo da criança na frente da televisão32. Esse aspecto das visitas domiciliares faz parte do que foi visto na metodologia da AVSI, a propósito da partilha das necessidades, da proximidade afetiva que se realiza através do encontro, que favorece o processo de desenvolvimento. Condividir quer dizer acompanhar a pessoa, seu nível de problemática e não olhar de fora. Condividir com a pessoa não quer dizer viver a condição dela, recriar em nós a sua condição de vida, mas sim ser uma companhia que permite assumir e penetrar em sua situação (NOVARA, 2003. p.25). 31 32 Grifos do autor. Entrevista à Diretora do COF, no dia 29 de junho de 2005. Figura 15 Medição peso criança. Figura 17 Visita domiciliar. Figura 16 Medição altura criança. Figura 18 Visita domiciliar. 5.3.3 Ambulatório de Pediatria O ambulatório de pediatria é fundamental, porque o COF, como visto, se propõe a cuidar da saúde da criança de forma total e não somente do ponto de vista nutricional. Dessa forma a pediatra realiza exames clínicos e solicita exames laboratoriais, prescreve e distribui gratuitamente medicamentos para o tratamento das patologias diagnosticadas e realiza o delicado trabalho de encaminhar seus beneficiários para outras especialidades médicas (cirurgia, ortopedia, urologia, neurologia e otorrino). Esses encaminhamentos normalmente ocorrem a cada semestre com todas as crianças e recebem o suporte do trabalho da assistente social. Freqüentemente as mães que são encaminhadas para outros serviços são fisicamente acompanhadas pela assistente social e pela enfermeira, de forma a oferecer o suporte necessário tanto ao acesso ao serviço desejado, assim como ao entendimento das indicações médicas que recebem. O ambulatório pediátrico atende também casos extras solicitados pela equipe ou pela mãe. No período de julho de 2002 a julho de 2004 foram realizadas 472 consultas pediátricas33. Os problemas mais comuns diagnosticados foram parasitoses, infecções das vias aéreas e anemia. Gráfico 3- Incidêcia de anemina nas crianças no início e no final do projeto Incidêcia de anemina nas crianças no início e no final do projeto 60 56 40 26 inicial final 20 0 inicial final O gráfico apresentado mostra que nos primeiros exames (2002) 56% das crianças tinham anemia, mas nos últimos exames (2004) somente 26% continuam anêmicas. 33 Dados oriundos do documento: AVSI - relatório atividades COF 2004. Do ponto de vista do atendimento médico, o COF, apesar de trabalhar no sentido de criar parcerias com postos de saúde e/ou hospitais próximos e apesar de conseguir muitos encaminhamentos gratuitos para seus beneficiários, ainda não construiu uma rede de apoio suficiente para suprir todas as demandas da população ali atendida. O ponto metodológico da subsidiariedade indica caminhos para que entidades que, como o COF, desenvolvem atividades voltadas para o serviço de seus beneficiários, possam receber subsídios e credenciamento por parte do poder público. Nesse sentido a AVSI conseguiu durante alguns anos financiamentos, através do programa governamental Ribeira Azul, para as atividades médicas e nutricionais realizadas no COF, mas não conseguiu ainda uma parceria mais estável com a prefeitura municipal, com postos de saúde e com hospitais públicos para seus beneficiários. O fato do COF também ser a entidade que, com recursos próprios, distribui remédios para seus beneficiários, é um sinal de que muito ainda deve ser feito no caminho para a subsidiariedade. Figura 19 Atendimento de pediatria. Figura 20 Consultório de pediatria. 5.3.4 Ambulatório de Psicologia A psicóloga no COF é uma figura de apoio principalmente para as crianças e suas mães. Inicialmente realiza com as crianças uma série de testes de desenvolvimento psicomotor e cognitivo, para verificar se existem dificuldades específicas. Para melhor atender as crianças, a psicóloga também realiza atendimentos com as mães, inicialmente sob forma de “anamnese” familiar, ou seja resgatando a história de vida daquela família, especialmente em relação à gravidez e nascimento do filho, tentando investigar, através dessas informações, também a situação do vínculo da mãe, e, quando existe, do pai, com esse filho. A depender das dificuldades encontradas a psicóloga começa um trabalho individual com as crianças, direcionado para o tipo de atraso evidenciado, seja esse cognitivo - ligado à dificuldade de aprendizagem, motor - ligado a dificuldades de coordenação ou movimentos, ou ainda comportamental - esse último ligado principalmente à relação com a mãe. Em todas as intervenções o vínculo mãe-filho acaba sendo o ponto central do trabalho, pois, além dos atendimentos e trabalhos individuais, as sessões são realizadas na presença da mãe, que é ajudada a desenvolver novas estratégias para se relacionar com o filho. Uma forma utilizada pela psicóloga é a de conscientizar a mãe quanto às dificuldades do filho, assim como ensinar exercícios e brincadeiras que poderiam minimizar o problema da criança, envolvendo-a na realização das atividades, de forma a oferecer o suporte necessário para o cuidado com a criança. Os atendimentos acontecem a partir de demanda espontânea ou quando a equipe percebe a necessidade de um acompanhamento mais específico. No período de 2002 à 2004 ocorreram 360 consultas, sendo que outras 92 crianças foram agendadas, mas não compareceram. Gráfico 4 - Comparação entre o comparecimento ao ambulatório de Psicologia e a evolução do estado nutricional Estatura/Idade e Peso/Idade Comparação entre o comparecimento ao ambulatório de Psicologia e a evolução do estado nutricional E/I e P/I 100 80 60 40 20 0 77,8 73,3 Sim =>6 Sim <6 22,2 26,7 Não =>6 Não <6 Sim =>6 Sim <6 Não =>6 Não <6 O ambulatório de psicologia é mais direcionado para as crianças que apresentam maior atraso psicomotor e problemas de comportamento de um modo geral, sendo assim o gráfico evidencia uma diferença significativa porque, apesar do seu comprometimento psicológico, elas conseguiram ter uma boa recuperação nutricional. O princípio metodológico dessa atividade é o mesmo: partindo de uma problemática específica manifestada pela criança, se tenta trabalhar o contexto, envolvendo a mãe e a relação que ela tem com o seu filho. Nesse sentido a demanda é diferente da de um atendimento psicológico típico, no que o paciente procura uma ajuda psicológica para um determinado problema, pois a demanda, nesse caso, é principalmente centrada no problema psicomotor ou afetivo e relacional do filho, sendo portanto, a partir daí, solicitado o envolvimento da mãe. Figura 21 Atendimento de psicologia. Figura 22 Atendimento de psicologia. 5.3.5 Oficinas de Estimulação Psicomotora e Educação Alimentar Como a desnutrição infantil possui causas multifatoriais, dificilmente esse problema pode ser completamente resolvido apenas através de uma ação ambulatorial, por mais abrangente que ela possa ser. Para melhorar uma criança do ponto de vista nutricional, na maioria dos casos bastam seis meses de internamento numa estrutura que ofereça atendimento ambulatorial e alimentação equilibrada. Mas com a mesma rapidez com que se melhoram os indicadores, os mesmos voltam a piorar quando a criança retorna à sua família. Dessa forma, mesmo você seguindo uma criança a semana toda, com atendimento ambulatorial e nutricional, e oferecendo as refeições equilibradas, no final de semana, se a família não segue os mesmo critérios, na segunda-feira a criança volta com os índices piores novamente. Nessa fase basta pouco para perder o que se ganha34. O verdadeiro desafio do trabalho nutricional está, portanto, contido na continuidade no tempo dessas melhorias, através da ação da família, isto é, da mudança permanente de hábitos alimentares, higiênicos e relacionais na família. Tudo isso acontece, segundo a diretora do COF, apostando-se na mãe, na responsabilidade e na liberdade da mãe de tomar conta do seu filho. Para favorecer as mudanças de hábitos é necessário, segundo a AVSI, que a ação não se limite a repassar uma teoria, mas, pelo contrário, que a mãe e a criança possam partir da experiência e isso é possível juntando-se a eles em atividades práticas. O princípio metodológico do fazer com é o que justifica o trabalho das oficinas práticas. São atividades de estimulação em grupos (crianças e mães) coordenadas pela equipe, onde procura-se desenvolver nas crianças habilidades de atenção, concentração, esquema corporal, coordenação motora global, noções de higiene, educação alimentar e introdução de novos alimentos. O ponto principal das oficinas é reforçar o vínculo mãe e 34 Entrevista à Nutricionista do COF, no dia 29 de junho de 2005. filho, pois existe a necessidades das mães adquirirem um novo olhar sobre a criança, ajudando-a desenvolver o seu potencial. A desnutrição não é somente um problema de renda... às vezes as famílias têm condições e os filhos são desnutridos. Às vezes as mães sabem até preparar a comida, mas o filho não come e continua desnutrido: muitas vezes o problema da desnutrição é ligado não a receitas, mas à relação mãe-filho (...)35 Levando em consideração esses aspectos o COF desenvolve diferentes tipos de oficinas : - Oficina de culinária: Tem como objetivo principal ensinar uma receita de baixo custo, mostrar o valor nutritivo, aproveitamento e higienização dos alimentos, utensílios e ambiente como também a introdução de novos alimentos. As crianças participam e são estimuladas a fazer tarefas que não ofereçam riscos como a higienização e o pré-preparo dos alimentos. Figura 23 Oficina de culinária. 35 Figura 24 Oficina de culinária. Entrevista à Diretora do COF, no dia 29 de junho de 2005. Figura 25 Oficina de culinária. Figura 26 Oficina de culinária – uma mãe cozinhando. Figura 27 Oficina de culinária. Figura 28 Oficina de culinária. Figura 29 Oficina de culinária – atividade psicomotora. Figura 30 Crianças limpando a mesa após a oficina. - Oficina culinária infantil: A Oficina, que já acontecia com as mães e crianças do Projeto, foi adaptada somente para as crianças na faixa etária de 04 a 07 anos, sem a participação das mães. Foi proposta uma receita que reforçasse o hábito e o gosto por alimentos de alto valor nutricional, fácil preparo e baixo custo como, por exemplo, o arroz, o feijão e a soja. O objetivo maior dessa oficina é observar o comportamento alimentar da criança longe da mãe. Figura 31 Oficina de culinária Infantil – Lavando as mãos. Figura 32 Oficina de culinária Infantil – Mãos na massa! Figura 33 Oficina de culinária Infantil – Preparando o pão. Figura 34 Oficina de culinária Infantil – preparando o pão. Figura 35 Oficina de culinária Infantil – Finalizando o pão. Figura 36 Oficina de culinária Infantil – Pão pronto. - Oficina Materna: A Oficina Materna tem como objetivo observar a dinâmica da relação mãe-filho, principalmente no que se refere ao preparo e oferecimento das refeições, estando atentos para os relatos a respeito do ambiente e convivência familiares, bem como dos hábitos de higiene. Permite ainda uma verificação do comportamento das mães em relação às orientações anteriormente fornecidas pela equipe nos atendimentos. A rotina da oficina acontece da seguinte forma: a mãe chega com a criança pela manhã, prepara e oferece o café da manhã, depois a criança passa para uma atividade de brincadeira, onde a mãe também participa e por fim tem a atividade do banho e da escovação dos dentes. Figura 37 Oficina materna Tomando banho. Figura 38 Oficina materna Tomando banho com a mãe. Figura 39 Oficina materna Escovando os dentes Figura 40 Oficina materna Prontos para almoçar com a mãe. - Oficina de Brinquedos: A Oficina de Brinquedos pretende estimular a capacidade psicomotora das crianças, previamente diagnosticada pela avaliação psicológica, e também reforçar o vínculo mãe-filho. A mãe e a criança elaboram juntas um brinquedo, utilizando como matériaprima, a sucata. Dessa maneira, o brinquedo pode ser fabricado em casa, com um baixo custo, constituindo-se numa alternativa para estimular a cognição infantil. O brinquedo a ser fabricado é determinado pela equipe, levando em consideração a sugestão das mães e deve reproduzir um tipo de brincadeira que desenvolva a atenção, a concentração e identificação de semelhanças, noções de forma, cor e quantidade, coordenação motora fina e global. Figura 41 Oficina de brinquedos Figura 42 Oficina de brinquedos Figura 43 Brinquedos prontos Figura 44 Brinquedos prontos - Oficina de salada de fruta: Esta oficina em particular, contempla vários aspectos psicológicos e nutricionais importantes para serem trabalhados com as crianças, pois é uma atividade que trabalha a utilização, o conhecimento, a higienização e o pré-preparo (corte) das frutas, terminando com a degustação da salada. Nessa atividade a parte cognitiva também é trabalhada, através de estimulação sensorial em torno das frutas, a coordenação motora necessária para o corte. Também se trabalha o aspecto cognitivo através de desenhos para que as crianças aprendam a pintar as figuras que correspondem às frutas trabalhadas. Figura 45 Oficina de saladas de fruta – reconhecendo as frutas Figura 46 Oficina de saladas de fruta – lavando as frutas Figura 47 Oficina de saladas de fruta – cortando e preparando as frutas Figura 48 Oficina de saladas de fruta – desenhando as frutas - Oficina de recreação: As atividades de recreação têm por objetivo estimular, através das brincadeiras, o desenvolvimento das habilidades infantis, principalmente psicomotoras, ensinando aos pais como isso poderia ser feito no cotidiano, utilizando os recursos muito simples ao alcance deles. Outro objetivo fundamental dessa oficina é o de incentivar a presença dos pais nos momentos lúdicos da criança, mostrando como isso favorece o desenvolvimento do filho e a melhoria da relação entre eles, através de atividades que podem ser extremamente prazerosas para ambos. Além das atividades até aqui descritas, o COF realiza também distribuição de cestas básicas. São distribuídas 30 cestas básicas mensalmente, no valor médio de R$ 30,00 (trinta reais) às famílias que apresentam maior necessidade, do ponto de vista econômico e da evolução nutricional das crianças que estão sendo acompanhadas. Muitas vezes a distribuição de cestas básicas é uma ação que suscita bastante polêmica no âmbito dos projetos contra a desnutrição, não só por ser vista geralmente como uma atividade principalmente de cunho assistencialista, mas sobretudo porque programas alimentares que ofereciam cestas básicas para as famílias de crianças desnutridas se mostraram falhas, provavelmente porque, sendo o índice de desnutrição da criança a condição para o recebimento de ajudas econômicas, algumas famílias poderiam não alimentar seus filhos para não perderem o benefício da cesta básica. Para superar esse impasse e, ao mesmo tempo, poder oferecer uma ajuda mínima as famílias que não tinham realmente a menor condição econômica, a equipe do COF resolveu distribuir algumas cestas básicas por tempo determinado, avaliando cada caso em equipe, utilizando como critério para o mantimento do benefício a melhoria dos índices nutricionais da criança. O COF realiza também atividades de Consultório Familiar, formado por uma psicóloga, uma assistente social e um advogado. Para esse serviço são encaminhadas as famílias que precisam de orientação específica, psicológica, educativa, jurídica ou de assistência social. Os atendimentos podem ser individuais e em grupo e o objetivo é fortalecer a família nas necessidades que surgirem, sem tempo determinado, a depender de cada caso. Toda semana acontecem as reuniões de equipe para discussão de todos os casos tratados, de forma que toda orientação que a família recebe seja partilhada pela equipe, para favorecer também uma unidade metodológica na atuação do COF. Essas reuniões são também ocasião de estudo e aprofundamento da metodologia da AVSI para reforçar nos profissionais o princípio ideal que deve nortear cada ação. Nas reuniões acontece também a programação conjunta das atividades previstas na semana. 5.4 A ATUAÇÃO DO COF À LUZ DA METODOLOGIA DA AVSI As atividades do COF partem do pressuposto que para favorecer um processo de desenvolvimento, é preciso partir da pessoa, de uma pessoa que se coloca em movimento, que muda algo: “se caracteriza (...) como um caminho que, em primeira instância é pessoal, que parte do movimento livre de um sujeito que tende à sua realização pessoal, espiritual e social36” Posso afirmar, como dado científico, que onde existe melhoria nos índices de desnutrição da criança, atrás tem uma mãe que mudou alguma coisa, uma mãe que assumiu a responsabilidade sobre o filho, uma mãe que se interessou de verdade pelo seu filho, que mudou em primeiro lugar a sua forma de olhar para esse filho, mudou sua relação com ele, a relação afetiva, pois quando isso não acontece o nosso trabalho sozinho não dá fruto, pois basta um final de semana em casa para piorar de novo. É interessante que a mudança da mãe é realmente gratuita, ninguém as convence a mudar, elas mudam porque encontram uma conveniência para a vida delas, é como uma tomada de consciência por parte da mãe e nisso a mãe é apoiada pelo COF. 37 As oficinas com as mães e as crianças também partem do pressuposto de que, para que haja essa mudança, em qualquer aspecto da pessoa, é preciso fazer algo juntos. Este é o princípio de qualquer tipo de ação educativa, não bastam as palavras, é preciso caminhar juntos. No caso da educação alimentar é a mesma coisa: a experiência do COF mostra que não é suficiente falar da importância de ter refeições regulares e descrever os alimentos adequados. A mudança parte da ação conjunta, pois, é desencadeada a partir da experiência e não de uma teoria. Segundo a diretora do COF, só preparando as refeições junto com a nutricionista que a ajuda, a mãe pode fazer realmente experiência de que ela é capaz e, sobretudo, ela percebe que acontece algo novo, algo que ela não esperava, recupera uma confiança em suas possibilidades e uma consciência maior também de suas responsabilidades. No método da AVSI esse conceito 36 C.f. Cap. 4, p.59. 37 Entrevista à Diretora do COF, no dia 29 de junho de 2005. é resumido na afirmação: “O fazer com, pelo contrário, educa sujeitos livres para a responsabilidade” (AVSI 2002). Não só você diz as coisas, mas as faz junto com ela... e dessa forma ela aprende mesmo quando não percebe que está aprendendo. Quantas mães chegaram aqui dizendo que o filho não comia a fruta, odiava a fruta... e você começa a envolver as mães e as crianças para conhecer as frutas, trabalhar as formas, as cores, desenhar e pintar as frutas, limpar e cortar, preparar a salada de fruta, conversar sobre a importância e seu valor nutritivo, mostrar que você as come, que você gosta... e daqui a pouco, sem dizer nada, a criança está comendo a fruta. A mãe observa, vê, faz experiência de que algo diferente está acontecendo. A criança que não comia a fruta agora come. (...)38 Além disso as oficinas são todas estruturadas a partir de um conteúdo sobre o qual se quer trabalhar, que também é funcional à atividade do COF, seja ela uma receita com baixo custo e alto valor nutricional, ou o desenvolvimento cognitivo e motor das crianças. Cada encontro representa uma oportunidade para educar: enquanto se ensina o preparo de uma refeição, a nutricionista e a psicóloga também observam como a mãe trata os alimentos, a higiene, e vice-versa. Dessa forma a mãe também observa como a psicóloga interage com a criança e começa a ver que existem outras formas de se relacionar com seu filho, passando a conhecer melhor o próprio filho. O simples fato da mãe dar banho na criança depois da oficina e a atividade de escovar os dentes antes de ir pra casa, são atitudes educativas voltadas, não só para a aquisição de novos hábitos higiênicos, mas sobretudo, são experiências preciosas de cuidado e interação com o próprio filho. Segundo o COF as oficinas acabam sendo também um momento de diálogo importantíssimo, porque a conversa flui muito facilmente e a mãe acaba contando coisas que ela não contaria se o contato acontecesse somente no ambulatório. O ponto metodológico do partir do positivo, de forma geral, é dado pela escolha de se partir da realidade em que se encontra, da família do jeito que ela é encontrada, vista sempre como um recurso sobre o qual apostar todas as fichas, pois o objetivo último do trabalho não é recuperar o estado nutricional, mas recuperar a capacidade materna de 38 Entrevista à Nutricionista do COF, no dia 29 de junho de 2005. cuidar do filho em todos os seus aspectos, inclusive o da desnutrição. Para isso no trabalho, quando existem, são envolvidos também os pais, mas, na realidade do COF, o grande trabalho é realizado com as mães, existindo somente dois casos em que os pais também participam das atividades. Nem sempre trabalhar com as famílias assim do jeito que são encontradas é uma coisa simples... às vezes chegam aqui mães que não falam uma palavra, que não têm interação nenhuma com o filho... nesse caso, partir do positivo, significa buscar os aspectos em que as mães conseguem responder de forma melhor e insistir neles. Por exemplo, chegou aqui uma mãe que não falava nunca e o filho dela, desnutrido, só fazia xingar essa mãe e bater nela, pois aprendeu esse comportamento com o pai, que tinha problemas de alcoolismo e batia na mãe. Foi proposto para a criança, de quatro anos, e a mãe um trabalho com a psicóloga. A mãe não falava nada e o filho a ignorava completamente, mas o ponto positivo era que a mãe voltava para o COF. Algo nela respondia. Mirela (a psicóloga) brincava com a criança e a mãe continuava sem falar nada. Na brincadeira Mirela começou a dar limites para essa criança, que não tinha limite nenhum, não tinha experiência de viver de verdade com uma outra pessoa, a mãe nunca tinha dado esse limite, mal falava com ele. Mirela começava a dar limites e a criança começava a respeitar e, nisso, ela chamava a atenção da mãe, para que ela percebesse o que estava acontecendo. 39 No caso relatado, o simples fato da mãe voltar para o COF era um sinal positivo, apesar dela não se manifestar, já que continuava sem falar com ninguém. Com o tempo a criança começou a ficar muito próxima da psicóloga, criando afeição para com ela. Quando esse vínculo foi se tornando mais sólido, foi possível para a psicóloga começar a incluir a mãe nas brincadeiras, na tentativa de reconstruir o vínculo entre eles. No caso relatado, foi evidente para a equipe do COF, que a desnutrição da criança estava ligada principalmente à relação mãe-filho, tornando desnecessária, portanto, uma ação que fosse centrada nos aspectos formais da desnutrição, receitas, regras alimentares etc. A adaptação da metodologia à realidade encontrada caracteriza a metodologia da AVSI de partir do que existe, buscando e reforçando o positivo em cada situação. No caso citado foi possível reduzir os índices de desnutrição quando a mãe conseguiu reconstruir 39 Entrevista à Diretora do COF, no dia 29 de junho de 2005. sua relação com o filho. O interesse nas regras alimentares, receitas e hábitos de higiene foram uma consequência dessa retomada da relação. A metodologia da AVSI evidencia também o encontro e a partilha das necessidades como ponto de partida para o processo de desenvolvimento e de mudança. Um exemplo interessante, nesse sentido, relatado pela diretora do COF, foi o de uma mãe que tinha sete filhos, dois dos quais altamente desnutridos. Através de visitas da equipe se descobriu que as duas crianças desnutridas eram filhas de uma relação da mãe com um outro homem e o atual companheiro dessa mulher, pai dos outros cinco filhos, não queria que a mãe alimentasse os filhos do outro homem. Mesmo ficando clara a situação para toda a equipe, a mãe continuava não alimentando esses dois filhos, por medo da reação do marido e mentia para equipe, dizendo que cuidava deles. A mudança da mãe aconteceu graças à relação de confiança que se estabeleceu com a nutricionista e com a psicóloga. Elas começaram a visitar a família com freqüência, mostrando aceitação por essa mulher, e estabeleceram um vínculo muito forte com as crianças. A mãe observando o vínculo dos filhos com Edina (nutricionista) e com Mirela (psicóloga), começou a participar mais da relação com esses dois filhos rejeitados, até chegar a confessar à equipe que ela queria alimentá-los, mas que o marido não deixava. Dessa forma ela foi ajudada, inicialmente, a encontrar estratégias para cuidar dos filhos escondida do marido e isso contribuiu para que essa mãe se fortalecesse no seu papel de mãe, a ponto que, após alguns meses, ela encontrou a coragem de assumir frente ao marido que iria cuidar dos filhos. Nesse caso o encontro dessa mãe com as pessoas do COF deu origem a uma mudança muito significativa: hoje os dois filhos que apresentavam índices de desnutrição muito altos, estão recuperados do ponto de vista nutricional, cognitivo e estão inseridos na escola pública. Numa concepção ainda mais ampliada de saúde que a compreende como “felicidade”, chama a atenção, nas observações de pais e mães, a percepção de que seus filhos estão mais felizes depois que passaram a dispor desses benefícios: creche, reforço escolar, programa recuperação de crianças desnutridas. (BASTOS, et al. 2005.p.47). de Em relação ao ponto metodológico do desenvolvimento das associações intermediárias e da subsidiariedade, o trabalho do COF pode gerar duas considerações principais: 1) Considerando a família realmente como primeira e fundamental associação intermediária, o COF atua no respeito desse princípio na medida em que sua ação não se substitui a da família na cura da desnutrição e no cuidado para com as crianças, mas, pelo contrário, toda sua ação é centrada em devolver à família a sua responsabilidade, apoiando e fortalecendo essa associação no que for possível, mas estimulando uma autonomia cada vez maior do projeto. A escolha do COF foi a de não atuar no sentido de internar a criança para resolver seus problemas no lugar da família, mas o nosso método é que eu não faço o que você não faz, se devolve a criança à família, passando a mensagem clara para a mãe de que ela é a família da criança, não o COF. O COF apóia a mãe em tudo, mas não vai nunca fazer o que a mãe não faz. Às vezes a gente lida com situações tão tristes e carências tão grandes que basta muito pouco para se substituir à mãe... é uma tentação muito grande, mexe com a humanidade de todo mundo... existem mães que deixariam as crianças com você numa boa... mas o que a gente tenta dar é um juízo de valor diferente: a família existe, por mais difícil que seja envolvê-la, e o papel do COF é fortalecê-la, nunca substituí-la. Isso fica muito claro para todo mundo, é um ponto de trabalho constante com a equipe. Se você não acredita de verdade na família, você não a constrói, não a fortalece, pelo contrário, mata cada chance de uma mãe voltar a cuidar do seu filho.40 Essa afirmação foi de alguma forma apontada pelo estudo de Bastos et al, que se ressalta que: Esse conjunto de estratégias nas diversas modalidades de atendimento pode ser compreendido como uma maneira de contribuir com a qualidade de vida dos moradores do bairro e com a melhoria da saúde das crianças, desenvolvendo, ao mesmo tempo, um sentimento de fortalecimento dessas pessoas que lhes permita galgar níveis de maior autonomia, evitando o fomento de atitudes de dependência. Ao mesmo tempo, há a manifestação do desejo de que o projeto deve continuar a existir para 40 Entrevista à Diretora do COF, no dia 29 de junho de 2005. atender outras crianças necessitadas, como um bem comum, pelo qual pessoas entrem, se beneficiem e deixem espaço para outros. (BASTOS, et al. 2005. p.45). Na fala de um beneficiário, relatada no mesmo estudo, a autonomia parece ser uma meta clara: M10: É isso que eu vou falar. Eu acho assim que, quando elas percebem que a gente pode andar com as próprias pernas, outras crianças vão entrando no lugar, entendeu? Acho que isso nunca vai acabar, porque elas estão dispostas a continuar com esse projeto, não só hoje, mas por muitos e muitos tempos ainda, entendeu? Porque aqui mesmo, tem ali, tem o projeto, o projeto daí mesmo que, quando uma criança sai, outra entra. Nunca acaba, entendeu? Já tem muito tempo e nunca acabou. Acho que também isso aqui vai ser assim! Quando a gente começar a entender, começar a entender, por dentro de nós mesmos, que a gente já pode seguir sem olhar para trás e errar, aí outras crianças vão entrar (Grupo focal saúde - BASTOS, et al. 2005. p.45). 2) Um outro aspecto em relação à subsidiariedade é relativo ao COF como associação intermediária. Nesse caso a equipe declara trabalhar no sentido de criar uma rede de serviços ligados ao COF que possam completar a sua atuação, como, por exemplo os encaminhamentos médicos para outras especialidades, a relação com os postos de saúde para realização de exames, serviços sociais de suporte às famílias etc. Apesar de existir hoje uma rede ampla de entidades e instituições com as quais o COF estreitou parcerias, ainda existem aspectos que mostram uma carência no credenciamento dessa entidade por parte do poder público. No programa do Governo da Bahia Ribeira Azul foram conseguidos avanços significativos graças a financiamentos que o projeto COF recebeu para oferecer continuidade aos trabalhos que estavam sendo desenvolvidos no âmbito do combate à desnutrição infantil, assim como com o consultório familiar. Mesmo assim não existe ainda um convênio ou parceria direta com o poder público, municipal, estadual ou federal, para credenciamento desta entidade e repasse de recursos para o desenvolvimento de atividades ligadas a serviços em favor de comunidades carentes. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo percorreu um caminho pouco convencional, obrigando o leitor a uma contínua passagem do micro ao macro e vice-versa, da experiência à teoria para, novamente voltar á prática, numa contínua busca de conexões entre as duas faces da mesma moeda. Esse estudo quis sugerir um percurso que mostrasse exatamente a “não linearidade” dessa dinâmica, evidenciando o profundo nexo existente entre as duas partes, baseado na retro-alimentação e no constante diálogo entre a teoria e a prática, entre a experiência que se transforma gerando cultura e os ideais que se transformam gerando as ações. Aderir à realidade e refletir sistemática e criticamente sobre ela, procurando levar em consideração todos os fatores que entram em jogo parece ser o caminho percorrido pela ONG estudada. As idas e vindas entre o plano teórico que consubstancia a metodologia da AVSI e a observação de algumas de suas ações específicas, procurando investigar de maneira crítica as conexões e as recíprocas elucidações, sugeriram este caminho como o mais adequado para compreender o objeto de estudo. O esforço de permanecer em direto contato com a realidade, em seu sentido mais amplo, ou seja, abrangendo todos os fatores, foi o que mais motivou tanto a apresentação das experiências práticas, como o aprofundamento da literatura existente sobre os temas abordados pela metodologia, não podendo a experiência ignorar o contexto mais amplo - social e cultural - no qual a prática sempre se insere. Ao apresentar e analisar a metodologia de trabalho da Fundação AVSI, este estudo partiu da hipótese de fundo de que as associações da sociedade civil, do, assim chamado, terceiro setor, possuem um papel fundamental especialmente no que diz respeito à atuação em âmbitos de projetos e programas de desenvolvimento e em serviços voltados para a pessoa. A trajetória seguida sugeriu que a partir de um ideal claro, sujeitos ativos são motivados para uma ação que dá origem a iniciativas, associações, obras, que, exatamente por nascerem do desejo de pessoas que livremente se unem em vista de um ideal comum, são a expressão da liberdade de sua resposta às necessidades encontradas, dentro de um caminho de busca de sentido que, nas associações sem fins lucrativos, é ligado a critérios extra-econômicos. Essas iniciativas, ações, ou obras, não nascem portanto necessariamente da necessidade de oferecer uma resposta a uma carência de serviços por parte do Estado, pois isso negaria uma série de iniciativas que se propõem como alternativas a serviços já existentes, mas nascem da infinita fonte de criatividade que é o ser humano e da sua capacidade de interpretar a realidade a partir de seus valores e princípios e, sendo a eles fiel, oferecer a resposta que julga ser a mais adequada, seguindo um princípio ideal que dá sentido à sua ação. Dessa convicção, na qual se baseia o princípio de subsidiariedade, a autora acredita, de acordo com Vittadini, que as pessoas e as associações intermediárias têm o direito de ser não somente os usuários, mas sobretudo os gerenciadores de serviços em resposta às suas necessidades. (VITTADINI, 1997. p.25). Esse foi o motivo pelo qual o trabalho proposto quis evidenciar o ideal que levou, inicialmente, algumas pessoas a uma ação - limitada, pontual, específica - que nasceu exatamente como uma resposta a esse ideal e só depois, com o tempo, veio a se configurar como uma ONG, a Fundação AVSI, que atua hoje em diversos países no mundo. Sua metodologia de atuação é fruto desse ideal, que coloca a pessoa como centro e finalidade última de cada ação, com uma visão de planejamento que pretende superar os limites tanto do assistencialismo como da imposição de ações pré-definidas, colocando o desenvolvimento como um movimento livre de pessoas que, responsavelmente, atuam para seu crescimento individual e social. A visão de planejamento e de ação que a AVSI propõe parte do conhecimento e do diálogo com a realidade e seus beneficiários, não sendo suficiente estudar em detalhes a situação sócio-econômica, tornando-se necessário aliar esses conhecimentos e estudos de diferente natureza, ao encontro real com as pessoas, as famílias, as associações da sociedade civil. Essa concepção, transformada em instrumentos práticos de trabalho, deriva de uma visão de homem e de desenvolvimento que é o cerne do trabalho da AVSI e de sua metodologia, que, além de colocar a pessoa e a família como centro de cada ação, parte do positivo, da valorização do que já existe para analisar a realidade, enfatizando o “fazer com” como condição primária e imprescindível para a realização das ações, colocando no fortalecimento das livres associações o modelo de um desenvolvimento livre e sustentável. Colocar a pessoa, qualquer pessoa, como centro e finalidade de cada ação, utilizando o fazer com como método, foi o que possibilitou para a AVSI o relacionamento estreito de trabalho e de diálogo tanto com os órgãos do Governo - em particular a CONDER - e os principais financiadores - Governo Italiano e Banco Mundial - como com a comunidade, as associações, chegando até os usuários do COF, ou os últimos moradores das palafitas. Aprofundar os princípios metodológicos da ONG e buscar sua origem, na compreensão do ideal inicial, dialogando com a literatura existente sobre o tema, teve o objetivo principal de entender de que forma a ONG poderia estar contribuindo para incrementar não só o conhecimento científico sobre temas da atualidade na realidade brasileira - como é o da pobreza - mas sobretudo de que forma sua visão de homem, de família, de desenvolvimento, de subsidiariedade, etc., poderiam contribuir para gerar ações de redução da pobreza e de melhoria da qualidade de vida de seus beneficiários. Todo modelo social que pretenda servir ao bem do homem não pode prescindir da centralidade e da responsabilidade social da família. A sociedade e o Estado, nas suas relações com as famílias, têm o dever de ater-se ao princípio de subsidiariedade. (PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ, 2005, p.132). Apesar de não ter sido possível aprofundar todas as ações desenvolvidas pela AVSI, inclusive em sua atuação junto ao Governo da Bahia, em um programa de desenvolvimento de uma macro área urbana, para verificar de que forma seus princípios metodológicos gerariam o impacto desejado na melhoria da qualidade de vida dos moradores de uma inteira comunidade ou de um conjunto de comunidades, acredita-se que a análise da atuação da ONG no projeto do Centro de Orientação da Família, possa ter oferecido uma idéia de como uma organização do terceiro setor possa responder às necessidades evidenciadas através da sua leitura “in loco” e da relação direta com seus beneficiários. Dessa forma a análise do trabalho do COF pôde mostrar de que maneira os conceitos teóricos apresentados se concretizaram em ações práticas voltadas para a melhoria da qualidade de vida de seus beneficiários, em particular no aspecto da desnutrição. O estudo qualitativo do ponto de vista dos beneficiários avaliou de forma positiva os serviços prestados pelo COF, sendo que No que tange à creche e ao Programa de Recuperação de Crianças Desnutridas, os únicos pontos negativos ressaltados dizem respeito ao número ainda insuficiente de vagas para atender às necessidades da população local. (BASTOS, et al.2005. p.48). Além da insuficiência de vagas em relação à realidade que ainda é muito maior, acredita-se que o ponto metodológico da subsidiariedade indica caminhos para que entidades que, como o COF, desenvolvem atividades voltadas para o serviço de seus beneficiários, possam receber subsídios e credenciamento por parte do poder público, inclusive como uma forma de poder ampliar os serviços oferecidos. Essa consideração pode ser generalizada para todas as ações desenvolvidas pela sociedade civil, desde que alcancem objetivos de utilidade pública e serviços de qualidade para as pessoas, mas no caso específico de um serviço como o do COF que, além da saúde, tem como objetivo o de fortalecer a instituição familiar, muito ainda deve ser feito em termos de ações culturais e de políticas públicas, para que a família seja reconhecida como sujeito titular de direitos e célula imprescindível para toda a sociedade. A família, sujeito titular de direitos nativos e invioláveis, encontra sua legitimação na natureza humana e não no reconhecimento do Estado. Ela não é, portanto, para a sociedade e para o Estado; antes, a sociedade e o Estado são para a família. (PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ, 2005, p.132). Acredita-se ser esse um dos desafios metodológicos da AVSI a serem ainda alcançados para que suas ações possam ter uma abrangência maior e não corram o risco de serem exemplos isolados de atuações que, por mais positivas que sejam, ainda parecem insuficientes para assegurar uma sustentabilidade total. REFERÊNCIAS ALVES, V. S.; LIMA, I.M.S.O. Proteção Integral ao Adolescente e Apoio à Família: Análise a partir dos Atos Infracionais IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. Apresentado no IV congresso do IBDFAM, 26 de setembro/2003, Belo Horizonte, Minas Gerais. AVSI (Associação Voluntários para o Serviço Internacional) / CDM (Cooperação para o Desenvolvimento e Morada Humana), Salvador - Programa Ribeira Azul - Projeto de Apoio Técnico e Social. Pedido de financiamento ao Ministério dos Assuntos Exteriores. Junho 2000. 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