KLEIDSON NASCIMENTO DOS SANTOS
A PRESCRIÇÃO TRIENAL E SUA APLICAÇÃO ÀS DEMANDAS
INDENIZATÓRIAS EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA
Fortaleza/CE
2009
A PRESCRIÇÃO TRIENAL E SUA APLICAÇÃO ÀS DEMANDAS
INDENIZATÓRIAS EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA
KLEIDSON NASCIMENTO DOS SANTOS1
Trabalho monográfico submetido à apreciação da
Coordenadoria de Teses do XXXV Congresso
Nacional de Procuradores de Estado e do Distrito
Federal.
Fortaleza/CE
Outubro/2009
1
Procurador do Estado de Sergipe. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL.
Especialista em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas. Professor
de Direito Civil da Faculdade Pio Décimo.
SUMÁRIO
Introdução
1. A proteção da Fazenda Pública frente ao Código Civil e ao Decreto nº 20.910/32
2. A prescrição trienal em favor da Fazenda Pública e os precedentes jurisprudenciais
Conclusões
Bibliografia
INTRODUÇÃO
A prescrição, enquanto instituto jurídico, já instigou as mais diversas
concepções acerca da sua configuração, havendo, inclusive, quem a tenha considerado um
afronta à moral, algo em descompasso com o mais profundo sentimento de justiça, mormente
para os leigos, não versados nas letras jurídicas.2
Porém, a prescrição nada mais é do que um instituto deveras necessário à
estabilização das dos direitos em geral, indissociavelmente ligado à segurança jurídica, de
modo a preservar a todos, enquanto sujeito de direitos e obrigações, frente ao decurso do
tempo, que se fosse infinito traria intranqüilidade factualmente problemática.
Assim, o Código Civil Brasileiro de 2002 trouxe a noção, já debatida na
doutrina, da prescrição como perda da pretensão, esclarecendo por meio do texto legal que
quando alguém tem um direito subjetivo patrimonial violado e não exercitá-lo num
determinado lapso de tempo, perderá a pretensão de reclamar a reparação do seu direito (o
que não se confunde com a possibilidade de acionar o Estado-Juiz, no exercício do direito de
ação).3
E se de um lado temos a prescrição como forma de obtenção da estabilidade
das relações jurídicas de cunho patrimonial, temos de outro o interesse público, protegido por
normas que elevam a Fazenda Pública a posição privilegiada em face dos particulares, a bem
da preservação do erário, constituído por todos os membros da sociedade.
Nesse toar, o Código Civil de 1916, que trazia o prazo vintenário para a
prescrição das pretensões de caráter patrimonial, foi excepcionado, quanto à Fazenda Pública
como demandada, pelo Decreto nº 20.910, de 1932, que trouxe o prazo quinquenal para a
prescrição dessa espécie de direito subjetivo quando exercido em face das pessoas jurídicas de
direito público.
CARVALHO NETO, Inácio. Curso de Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral do Direito Civil. Vol. 1. 2ª
Edição. Curitiba: Juruá, 2007, pág. 500.
3
FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito civil: teoria geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, 548.
2
Com a revogação do antigo Codex de Clóvis Bevilaqua pelo Código Civil
de 2002, várias foram as inovações do legislador no que diz respeito à prescrição, inclusive
incluindo dispositivo dedicado às pretensões de reparação civil, que passaram a prescrever em
três anos.
No entanto, a atual jurisprudência pátria ainda não se alinhou à nova
realidade legal, constituída pela redução do prazo prescricional para as pretensões de
reparação civil em geral, seja qual for o titular do direito subjetivo, de modo que o que
observamos é a aplicação míope do prazo quinquenal para as demandas indenizatórias em
face da Fazenda Pública, a despeito da própria redação do Decreto nº 20.910/32.
O objetivo deste estudo é, seguindo essa linha de argumentação, demonstrar
a necessidade de se ponderar a aplicação indistinta das normas prescricionais em favor da
Fazenda Pública, privilegiando o interesse público em face do particular, e evitar distorções
que levam à ilógica situação em que o poder público goza de menos proteção do que o
administrado, trazendo á baila recentes julgamentos que mostram a lucidez de magistrados
que começam a enxergar a importância dessa reflexão.
1. A PROTEÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA FRENTE AO CÓDIGO CIVIL E AO
DECRETO Nº 20.910/32
As demandas judiciais em face da Fazenda Pública, como é sabido, se
revestem de regras processuais que as distinguem das demais lides em geral, por trazerem em
ao menos um de seus pólos pessoa jurídica que compõe a Administração Pública Direta ou
Indireta, ente que goza de prerrogativas inerentes ao interesse público a que servem,
inspiradas tanto na complexidade da máquina pública e na sua burocracia, que lhe é inerente e
necessária, como, sobretudo, em instrumentos de preservação do erário, a bem de todos os
cidadãos.
Além do regramento processual diferenciado, alguns institutos de direito
material que visam à manutenção da segurança jurídica das relações inter-humanas também
receberam tratamento legislativo diferenciado quando atinentes aos entes públicos, como é o
caso da prescrição.
Já na década de 30 do século passado, o instituto da prescrição, fundamental
na sistemática material civil, à vista da preservação da segurança jurídica mencionada retro,
foi especialmente normatizado pelo Decreto nº 20.910/32, em vigor nos tempos hodiernos,
que se tornou a disciplina específica da prescrição no que tange à cobrança de dívidas e outros
direitos em face da Fazenda Pública.
A principal e clássica regra contida nesse Decreto está prevista em seu
artigo primeiro, o qual determina que o prazo prescricional seja de 5 (cinco) anos para as
pretensões deduzidas em face da Fazenda Pública. Foi com base nessa norma que se baseou a
maior parte dos debates na doutrina na jurisprudência pátrias em torno da prescrição de direito
envolvendo entes públicos.
Durante o período de vigência do Código Civil de 1916, a regra da
prescrição quinquenal em favor da Fazenda Pública cumpria o seu papel com inegável
eficiência, já que se propõe ser uma prerrogativa do Poder Público a bem de um interesse
maior, qual seja, o interesse público, trazendo um prazo prescricional menor do que aquele
aplicável aos particulares, mormente numa época em que a regra geral era a da prescrição
vintenária.
Porém, com o advento do Código Civil de 2002, operou-se uma sensível
alteração nos prazos de prescrição tratados na legislação anterior, fazendo com que a regra
geral contida no artigo 1º do Decreto nº 20.910/32, interpretada isoladamente, já não fosse
mais suficiente para preservar a prerrogativa que se depreende da ratio legis.
Quando se refere às demandas indenizatórias, o Código Civil atual impõe a
observância de um prazo prescricional de três anos, aplicável a todas as pessoas que
promovem pretensões de reparação civil. Eis o teor do art. 206, §3º, V, do diploma civil em
comento:
Art. 206 – Prescreve:
omissis
§3º Em três anos:
omissis
V – a pretensão de reparação civil
Sob um olhar menos cuidadoso acerca do ordenamento jurídico em vigor,
focado apenas na disciplina do artigo primeiro do Decreto nº 20.910/32, seria capaz negar a
aplicação do dispositivo do Código Civil às demandas indenizatórias em face dos entes
públicos, ao argumento de que estas pessoas jurídicas em Juízo teriam regramento próprio e
que este não contemplou prazo prescricional inferior aos cinco anos apontados por aquele
Decreto.
Pois bem, não se pode olvidar que, desde a época da sua edição, houve uma
preocupação do legislador ordinário em estabelecer proteção ao sentido da norma posta, pelo
que fez constar importante ressalva no artigo 10 do Decreto, assim descrito, verbis:
Art. 10 – O disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições de
menor prazo, constantes das leis e regulamentos, as quais ficam
subordinadas às mesmas regras.
Diante deste dispositivo do Decreto nº 20.910/32 e feito um simples
exercício de interpretação lógico-sistemática, resta evidenciado que o prazo trienal
estabelecido pelo Código Civil para a prescrição das pretensões de reparação civil deve ser
também obedecido em face da Fazenda Pública.
Inferir o contrário, ou seja, negar tal interpretação, constituiria total inversão
do princípio da supremacia do interesse público, norteador das relações que envolvem a
Administração Pública, além de ofender o paradigma da razoabilidade, já que levaria a
admitir a aplicação de um prazo prescricional maior para a Fazenda Pública (5 anos) e menor
para o particular (3 anos) em idêntica matéria de reparação civil.
A aplicação do prazo menor de prescrição em demandas indenizatórias
postas posteriormente ao Código Civil de 2002 quando enfrentadas por pessoas jurídicas de
direito público é patente e inexorável, contanto com entendimento firmado pela doutrina
especializada, como na lição do ilustre professor José dos Santos Carvalho Filho 4, que
reconhece a aplicação da norma do artigo 206, §3º, V, do Código Civil na hipótese tratada,
como se denota adiante:
“Como o texto se refere à reparação civil de forma genérica, será forçoso
reconhecer que a redução do prazo beneficiará tanto as pessoas públicas
como as de direito privado prestadoras de serviços públicos. Desse modo,
ficarão derrogados os diplomas acima no que concerne à reparação civil. A
prescrição da pretensão de terceiros contra tais pessoas passará de
quinquenal para trienal” (destacou-se)
Nessa mesma esteira, tece relevantes comentários o prestigiado autor
Leonardo José Carneiro da Cunha5 que afirma, com precisão meridiana, que “em se tratando
de Fazenda Pública, além das disposições encartadas no Código Civil, aplicam-se as regras
contidas no Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932, e, igualmente, aquelas hospedadas
no Decreto-lei nº 4.597, de 19 de agosto de 1942”.
Ao tratar especificamente sobre a prescrição nas ações em face da Fazenda
Pública, o eminente jurista conclui com a coerente e irrefutável assertiva:
In Manual de Direito Administrativo. 12ª ed. Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Iuris,
2005, págs. 515-516.
5
In A Fazenda Pública em Juízo. Editora Dialética, 2ª Edição, pág. 61.
4
“... a pretensão de reparação civil contra a Fazenda Pública submete-se ao
prazo prescricional de 3 (três) anos, e não à prescrição quinquenal".6
Essa vertente torna-se ainda mais clara quando se estuda o comando inserto
no artigo 2º, §1º, da Lei de Introdução do Código Civil, segundo o qual “a lei posterior
revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou
quando regule inteiramente a matéria de que tratava a anterior”.
Porquanto, se os dois diplomas em referência tratam da mesma matéria e
considerando que o Decreto nº 20.910/32 não foi revogado pelo Código Civil de 2002, tem-se
que, no que tange à pretensão de reparação civil, aplica-se o seu prazo deste último, por ser
menor, seja pela posterioridade da Lei material civil, seja por se tratar de pessoa jurídica de
direito público em Juízo, seja pela expressa disposição do artigo 10 do Decreto
supramencionado.
Dessarte, o prazo de prescrição quinquenal para as ações pessoais previsto
no artigo 1º do Decreto nº 20.910/32, no artigo 2º do Decreto-Lei nº 4.597/42 e no art. 1º-C da
Lei nº 9.494/97, continua a existir no ordenamento jurídico pátrio, entretanto, somente possui
aplicação em face da Fazenda Pública naquelas hipóteses em que o prazo, nas mesmas ações,
for igual ou superior em face de particulares.
Quando tal não ocorrer, lógica e sistêmica será a aplicação do prazo de
prescrição trienal previsto no artigo 206, § 3º, do Código Civil também nas ações intentadas
em face da Fazenda Pública.
2.
A PRESCRIÇÃO TRIENAL EM FAVOR DA FAZENDA PÚBLICA E OS
PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS
É verdade que, quando se analisa a jurisprudência pátria, os julgados acerca
do tema tratado neste trabalho ainda são majoritariamente desfavoráveis aos entes públicos,
distante da visão hermenêutica aqui esposada.
6
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. Editora Dialética, 2ª Edição, pág. 64.
No entanto, como foi dito no intróito, começam a se multiplicar os juristas
que vêem a importância da temática abordada e dão às situações fáticas a interpretação que o
caso requer, de modo a proteger o patrimônio público com o tratamento no mínimo igualitário
ao particular.
Sobre a questão, o Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe já se manifestou
nesse mesmo sentido, consoante se denota do voto condutor do julgamento da Apelação Cível
nº 3306/2006, em trecho aqui transcrito:
“(...) A par dessas considerações, posso concluir que, no caso da reparação
civil, cujo objeto é um ilícito, a regra geral do Código Civil deve ser
observada. Ou seja, uma ação indenizatória ajuizada contra um particular
em razão de um ilícito civil não pode ter tratamento diferente numa
demanda sobre idêntico fato, contra a Fazenda Pública. (...)” (destacou-se)
Ainda no Estado de Sergipe, o digno Juízo de Direito da 1ª Vara Cível da
comarca de Lagarto foi prolator de sentença de mérito exarada no processo nº 200754000855,
transitado em julgado, na qual confirma o melhor entendimento sobre a matéria:
“É importante observar que a regra geral contida no art. 1º, do Decreto nº
20.910/32, comporta exceções, consoante prescreve o seu art. 10, in verbis:
‘Art. 10. O disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições de
menor prazo, constantes das leis e regulamentos, as quais ficam
subordinadas às mesmas regras’.
Posta esta premissa, vê-se que o Código Civil de 2002, diferentemente do
Código de 1916 (que não previa prazo prescricional especial para as ações
desta natureza, submetendo-as à regra geral do prazo vintenário), passou a
prever prazo prescricional especial para as ações de reparação civil, sendo
este de 3 (três) anos, consoante art. 206, § 3º, V.
Após a promulgação da lex nova, passou-se a entender, quanto às ações de
reparação civil, fundadas no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, que
deveria ser adotado o prazo trienal e não o quinquenal, por ser esta solução
consentânea com o princípio da supremacia do interesse público sobre o
primário, não se admitindo que uma demanda contra particular possa ter
prazo de prescrição inferior à demanda contra a Fazenda Pública, que
sempre gozou de determinadas prerrogativas, necessárias para o
cumprimento das suas missões institucionais. Ademais, o novel Código Civil
não faz qualquer ressalva quanto à aplicação deste dispositivo à Fazenda
Pública, não havendo razão para entendimento diverso.” (destacou-se)
Outra não é a solução dada por outros tribunais pátrios, que já julgam em
consonância com a nova sistemática acerca da prescrição em face da Fazenda Pública, como
fazem certo o seguinte julgado, que também precedente à sentença supracitada:
“RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. PRESCRIÇÃO.
ARTIGO 2.028 DO CÓDIGO CIVIL. NÃO VERIFICAÇÃO.
SUICÍDIO. MORTE DE DETENTO. CARCERAGEM DA CPE.
RESPONSABILIDADE
CIVIL
OBJETIVA
DA
ADMINISTRAÇÃO. GARANTIA DA INTEGRIDADE FÍSICA E
MORAL DO PRESO. OMISSÃO. NEXO DE CAUSALIDADE.
INDENIZAÇÃO.
Não tendo transcorrido mais da metade do prazo prescricional
estabelecido em lei até a entrada em vigor do novo Código Civil,
conta-se o novo prazo a partir da entrada em vigor deste, conforme
estabelecido em seu artigo 2.028. Preliminar rejeitada.
MÉRITO. O Estado é responsável pela integridade física e moral do
preso, devendo manter a vigilância adequada em relação aos detentos.
Cabe ao Estado, quando conhecedor do estado depressivo do preso,
bem como de suas ameaças de cometer suicídio, tomar providências
no sentido de cuidar para evitar o resultado previsível. É devida
indenização por danos morais à mãe do detento, não merecendo
reforma a sentença de primeiro grau. Negou-se provimento ao
recurso.” (destacou-se)
(Apelação Cível nº 20030111180415 (Ac. 213413), 1ª Turma Cível do
TJDFT, Rel. Natanael Caetano. j. 11.04.2005, unânime, DJU
19.05.2005).
“AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PRESCRIÇÃO. REDUÇÃO DO
PRAZO PELO CÓDIGO CIVIL DE 2002. APLICAÇÃO DA
REGRA DO ART. 2.028, DO CCB/2002. CONTAGEM DO NOVO
PRAZO A PARTIR DE 12.01.2003. PRINCÍPIO DA
IRRETROATIVIDADE DAS LEIS. DESTINATÁRIO DA PROVA.
JULGADOR. FALTA DE PROVA IMPRESCINDÍVEL À
VERIFICAÇÃO DOS FATOS. PRODUÇÃO DE PROVAS
TESTEMUNHAL, DOCUMENTAL E PERICIAL.
Reduzido pelo Código Civil de 2002 o prazo prescricional para o
exercício da pretensão de reparação civil e não tendo transcorrido a
metade do lapso temporal previsto no art. 177, do Codex de 1916, na
data de sua revogação, impõe-se a aplicação da regra de direito
intertemporal prevista no art. 2.028, da nova lei. Nesse caso, a
contagem do prazo previsto no art. 206, § 3º, V, do CCB/2002, deve
iniciar-se na data da entrada em vigor do novo Código,
desconsiderando o que já havia transcorrido sob a égide da lei
revogada, sob pena de ofensa ao princípio da irretroatividade das leis.
O Juiz, na condição de destinatário da prova, verificando que os
elementos presentes nos autos não são suficientes para se desvendar a
verdade dos fatos, deve determinar a produção das provas
necessárias.” (destacou-se)
(Apelação Cível nº 1.0433.05.151904-2/001(1), 17ª Câmara Cível do
TJMG, Rel. Eduardo Mariné da Cunha. j. 09.11.2006, unânime, Publ.
23.11.2006).
Por fim, traz-se a conhecimento o recente julgado da 1ª Turma do Superior
Tribunal de Justiça, que corrobora, com propriedade, a tese aqui defendida:
“RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESO. LESÕES
CORPORAIS. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. VALOR.
REDUÇÃO. AGRAVO RETIDO. PRAZO PRESCRICIONAL.
CONTAGEM. NOVO CÓDIGO CIVIL.
I - Trata-se de ação de indenização movida contra o Estado de
Roraima, por meio do qual se busca a reparação por danos sofridos
pelo recorrido enquanto se encontrava recolhido à cadeia pública,
onde o Tribunal a quo fixou a indenização a título de danos morais no
valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).
II - Em agravo retido foi suscitada a ocorrência da prescrição da ação,
tendo em conta a redução do prazo prescricional disposta no novo
Código Civil (artigo 206, § 3º, V).
III - A teor do artigo 2.028, do novo Codex, a lei anterior continuará a
reger os prazos, quando se conjugarem os seguintes requisitos: houver
redução pela nova lei, e, na data de vigência do novo Código, já se
houver esgotado mais da metade fixado pela lei revogada (Decreto nº
20.910/32, no caso).
IV - In casu não foi observado o segundo requisito, porquanto da data
do evento danoso (dezembro/2000) até a vigência do novo Código
(11.01.2003), passaram-se apenas 2 (dois) anos, 1 (um) mês e alguns
dias, ou seja, menos da metade do prazo de 5 (cinco) anos fixado pela
lei revogada. Dessa forma, a contagem do prazo prescricional é a de 3
(três) anos, fixada pelo artigo 206, § 3º, V, do Codex, e deve ser
contada a partir da vigência dele. Precedentes: AgRg no REsp nº
698.128/DF, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, DJ de
23.10.2006, REsp nº 848.161/MT, Rel. Min.
JORGE
SCARTEZZINI, DJ de 05.02.2007, REsp nº 905.210/SP, Rel. Min.
HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 04.06.2007.
V - Prescrição que não se verifica, pois a ação foi ajuizada em
21.03.2005, quando não ultrapassados ainda os 3 anos, considerando a
data da vigência do novo Código Civil.
VI - Quanto ao valor indenizatório tenho que este Superior Tribunal
de Justiça em ocasiões como a presente vem mitigando os rigores da
súmula nº 7/STJ, para reduzir a indenização em patamares razoáveis.
VIII - Recurso parcialmente conhecido e parcialmente provido para
reduzir a indenização ao valor de R$ 20.000,00.” (destacou-se)
(REsp 982811/RR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO. 1ª Turma,
Data do Julgamento: 02/10/2008, Data da Publicação: DJe
16/10/2008)
É de que destacar que o instituto da prescrição, por seu eminente viés de
efeito processual, que leva à extinção da demanda judicial com resolução do mérito, merece a
devida atenção dos advogados públicos e dos órgãos do Poder Judiciário ante a peculiaridade
presente nas ações promovidas frente aos entes estatais.
Essa importante prejudicial meritória – ou preliminar de mérito – deve ser
compreendida e aplicada não apenas com base no dispositivo legal que estabelece o seu prazo,
de forma isolada, mas sim em conjunto com as demais normas que regem as especificidades
da lide em apreço, como fora analisado na prescrição trienal, conforme os ditames
hermenêuticos que devem nortear a aplicação da lei.
CONCLUSÕES
Ao fim deste trabalho, chega-se às seguintes conclusões:
1) É perfeitamente adequada a aplicação do prazo prescricional de três anos
em favor da Fazenda Pública nas demandas indenizatórias em que o ente estatal for
demandado, não se devendo admitir a perspectiva distorcida que confere ao poder público
menor proteção jurídica que ao particular.
2) Há que se conciliar a matéria da prescrição prevista tanto o Decreto nº
20.910/32 quanto no Código Civil de 2002, aplicando-se o prazo trienal deste último às
pretensões de reparação civil, seja pelo expresso imperativo legal do artigo 10 do mencionado
decreto, por ser menor, seja pela posterioridade da lei material civil, considerada a Fazenda
Pública em Juízo.
3) O prazo de prescrição quinquenal para as ações pessoais previsto no
artigo 1º do Decreto nº 20.910/32, no artigo 2º do Decreto-Lei nº 4.597/42 e no art. 1º-C da
Lei nº 9.494/97, continua a existir no ordenamento jurídico pátrio, entretanto, somente tem
aplicação nas hipóteses em que o prazo prescricional em favor da Fazenda Pública for igual
ou superior àquele aplicável em face de particulares.
BIBLIOGRAFIA
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 12ª ed. Revista,
ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005.
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. Editora Dialética, 2ª
Edição, São Paulo: Dialética, 2005.
CARVALHO NETO, Inácio. Curso de Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral do Direito
Civil. Vol. 1. 2ª Edição. Curitiba: Juruá, 2007.
FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito civil: teoria geral. 2ª. Edição. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2005.
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