XXXIX CONGRESSO NACIONAL DE PROCURADORES DE ESTADO O ADVOGADO PÚBLICO, AS FUNÇÕES DA CIDADANIA E OS 25 ANOS DA CF 15 a 18 de outubro de 2013, a praia de Porto de Galinhas COMISSÃO TEMÁRIA V – DIREITO CIVIL, EMPRESARIAL E DO CONSUMIDOR 2. O regime jurídico da prescrição e da decadência no Código Civil e as disposições aplicáveis à Fazenda Pública TESE: DA APLICABILIDADE DA PRESCRIÇÃO TRIENAL NAS AÇÕES DE REPARAÇÃO CIVIL EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA Autor: Nilton Carlos de Almeida Coutinho Procurador do Estado de São Paulo Endereço eletrônico: [email protected] Qualificação: Procurador do Estado de São Paulo, Mestre em Direito pelo CESUMAR/PR, Doutorando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. TESE: DA APLICABILIDADE DA PRESCRIÇÃO TRIENAL NAS AÇÕES DE REPARAÇÃO CIVIL EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA SUMÁRIO: 1. Da prescrição e da evolução histórica do tema. 2. Dos posicionamentos sobre o tema e seus fundamentos. 2.1 Prazo prescricional trienal. 2.2 Prazo prescricional quinquenal. 3. Do atual posicionamento do STJ: recurso repetitivo (REsp 1.251.993/PR). 4. Do equívoco da decisão proferida e seus fundamentos. 5. Conclusões. Bibliografia 1. DA PRESCRIÇÃO E DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TEMA A prescrição constitui-se como um instituto jurídico tendente a dar juridicidade à situações que se prolongaram no tempo, tendo como principal objetivo, limitar, no tempo, o exercício de uma pretensão. Neste aspecto, tem-se que a maioria dos autores fundamentam a existência da prescrição no anseio da sociedade em não permitir que demandas fiquem indefinidamente em aberto; no interesse social de estabelecer um clima de segurança e harmonia, pondo termo a situações litigiosas e evitando que, passados anos e anos, venham a ser propostas ações, reclamando direitos cuja prova de constituição se perdeu no tempo.1 Segundo BEVILACQUA a prescrição “é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em consequência do não uso delas, durante um determinado espaço de tempo”.2 Com a evolução da ciência jurídica, tal conceito sofreu alterações, de tal forma que, hoje, predomina o entendimento de que a prescrição extingue a pretensão, a qual, por sua vez, traduz-se na exigência de subordinação de um interesse alheio ao interesse próprio. Nesta 1 2 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: pare geral. Vol. I. São Paulo: Max Limonad, 1962, p 372 BEVILACQUA, Clovis. Teoria geral do direito civil. Campinas: Servanda editora, 2007, p. 399 esteira, NERY JÚNIOR conceitua a prescrição como "causa extintiva da pretensão de direito material pelo seu não exercício no prazo estipulado pela lei."3 A propósito, observe-se que o art.189 do Código Civil atual estabelece que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”. Ante todo o exposto, conclui-se que a prescrição visa dar segurança jurídica à sociedade, restringindo a possibilidade de discussão em juízo em relação a determinada pretensão em razão do transcurso do tempo. Especificamente com relação à evolução normativa dos prazos prescricionais e, em especial, nas hipóteses relacionadas às ações de reparação civil propostas em face da Fazenda Pública observa-se uma considerável evolução ao longo dos anos. Compulsando-se o Código Civil de 19164, observa-se que esse distinguia as ações pessoais das ações reais, sendo certo que as ações pessoais eram pessoais “são as que tendem a exigir o cumprimento de uma obrigação.”5 Deste modo, o art. 177 do referido código, em sua redação original, estabelecia que as ações pessoais prescreveriam ordinariamente em trinta anos, ao passo que as ações reais prescreveriam em dez anos (entre presentes) e em vinte anos (entre ausentes), contados da data em que poderiam ter sido propostas. Tal artigo sofreu alteração de redação por meio da Lei nº 2.437, de 1955, a qual reduziu tais prazos, passando a estabelecer a prescrição vintenária em relação às ações pessoais e, com relação às ações reais, o prazo de dez anos (entre presentes) e de quinze anos (entre ausentes), contados da data em que poderiam ter sido propostas.6 Assim, o sistema do Código Civil de 1916 previa um prazo prescricional de 20 anos para ações pessoais, incluindo-se as ações de reparação de danos em geral7 Já o art. 178 do Código Civil de 1916 estabelecia, em seu § 10, inciso VI, que o prazo prescricional relacionado às dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, e bem assim toda e qualquer ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal era de cinco anos. 3 NERY JÚNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código Civil anotado e legislação extravagante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 259 4 Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. 5 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. V. 1. São Paulo: Saraiva, 1993, p 305 6 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. Parte geral. São Paulo: Atlas, 2004, p. 658-659 7 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 842 Da análise de tais artigos observa-se que o Código de 1916 preocupou-se em dar um tratamento privilegiado para a Fazenda Pública, estabelecendo prazos prescricionais menores para o ajuizamento de ação contra a Fazenda. Anos depois foi criado um diploma normativo específico tratando da prescrição em relação às dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios ou qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal.8 Trata-se do decreto 20.910/32 o qual estabeleceu que: a) as ações contra a Fazenda Pública prescrevem em 05 (cinco) anos;9 e b) o disposto no referido decreto não exclui prazos inferiores.10 Assim em razão do Código Civil vigente à época e o Decreto 20.910/32 tratarem da matéria de forma idêntica não havia discussão doutrinária ou jurisprudencial em relação ao prazo prescricional das ações de indenização envolvendo a Fazenda Pública. Ocorre que, com o advento do Código civil de 2001, a questão atinente à responsabilidade civil passou a ser tratada de forma diversa, estabelecendo prazo prescricional menor. Assim, o novo Código Civil (lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002) optou por reduzir sensivelmente os prazos prescricionais previstos no código anterior. Especificamente em relação às ações de reparação civil tem-se que o art. 206, §3º, V, do novo Código Civil previu um prazo prescricional de três anos para tal pretensão.11 Observe-se, ainda, que tal parágrafo não fez qualquer menção ao autor ou ao réu da ação de reparação civil. Assim, diante do surgimento deste novo diploma normativo, passou-se a discutir qual o prazo para as ações de reparação civil movidas contra o Estado, surgindo dois posicionamentos: um defendendo a tese do prazo prescricional de três anos e outro entendendo que o prazo prescricional contra a Fazenda Pública era de cinco anos. 8 Observe-se que tal lei não fez menção ao Distrito Federal em razão deste ente público ter sido criado posteriormente, o qual, entretanto, encontra-se abrangido pela referida disposição normativa em face do disposto no parágrafo primeiro do art. 32 da Constituição Federal. 9 Art. 1º do Decreto 20.910/32 10 Art. 10 do Decreto 20.910/32 11 Neste aspecto, observe-se que segundo o art. 177 do Código Civil anterior tal prazo prescricional era de vinte anos. 2. DOS POSICIONAMENTOS SOBRE O TEMA E SEUS FUNDAMENTOS 2.1 PRAZO PRESCRICIONAL TRIENAL Com a entrada em vigor do novo Código Civil, muitos foram os autores que passaram a defender a tese do prazo prescricional trienal. Sobre o tema, Carlos Roberto Gonçalves assevera: Sustentam alguns que o Decreto 20.910 de 6 de janeiro de 1932, que estabelece o prazo de cinco anos para a prescrição de direitos e ações contra a Fazenda Pública, encontra-se ainda em vigor. Todavia tal decreto deve ser entendido como regra geral e aplicado quando não houver outro prazo fixado por lei como já decidido pelo 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo (Ap. 616.174-00/7, 9ª C. Rel. Juiz Eros Piceli, j. 21.11.2001).12 No mesmo sentido, CARNEIRO defende a tese da responsabilidade trienal. Aliás, observe-se: Em princípio, a regra especial deveria prevalecer sobre a geral, de sorte que a pretensão da reparação civil contra a Fazenda Pública manter-se-ia subordinada ao regime especial da prescrição qüinqüenal. Cumpre, todavia, atentar-se para o disposto no art. 10 do Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932, que assim dispõe: ‘Art. 10. O disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições de menor prazo, constantes das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas às mesmas regras.’ Significa que a prescrição das pretensões formuladas contra a Fazenda Pública é qüinqüenal, ressalvados os casos em que a lei estabeleça prazos menores. Na verdade, os prazos prescricionais inferiores a 5 (cinco) anos beneficiam a Fazenda Pública. 13 Na jurisprudência também é possível encontrar diversos julgados aplicando a tese da prescrição trienal. Neste sentido, cite-se os seguintes precedentes: REsp 1.238.260/PB, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 5.5.2011; REsp 1.217.933/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 25.4.2011; REsp 1.182.973/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 10.2.2011; REsp 1.066.063/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, 12 13 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 843 CARNEIRO, Leonardo da Cunha. A Fazenda Pública em Juízo. São Paulo: Dialética, 2005, p. 74 DJe de 17.11.2008; EREspsim 1.066.063/RS, 1ª Seção, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 22/10/2009). Assim, ao tratar do tema atinente ao prazo prescricional da pretensão indenizatória, os referidos julgados concluíram pela incidência, na espécie, do art. 206, § 3º, V, do novo código, em detrimento do decreto n. 20.910/32. Ademais, observe-se que o legislador estatuiu a prescrição qüinqüenal em benefício do Fisco e, com manifesto objetivo de favorecer ainda mais os entes públicos, estipulou que, no caso de eventual existência de prazo prescricional menor a incidir em situações específicas, o prazo de cinco anos deveria ser afastado nesse particular.14 Tal posicionamento decorre da interpretação do art. 10 do Decreto nº 20.910/32, o qual estabelece que o disposto acerca da prescrição quinquenal não altera as prescrições de menor prazo, constantes das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas às mesmas regras. Por esta razão, diversos julgados passaram a entender que o prazo prescricional de três anos em relação à pretensão de reparação civil (previsto no art. 206, § 3º, V, do Código Civil de 2002) deve prevalecer sobre o quinquênio previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32.15 Por fim, observe-se que, discorrendo acerca do art. 206, V, Nestor Duarte16 colaciona jurisprudência segundo a qual a ação de reparação civil proposta contra a fazenda pública prescreve em três anos, a contar da data do fato.17 2.2 PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL Em sentido contrário, também é possível encontrar uma série de julgados entendendo pela aplicação do prazo prescricional quinquenal - previsto do Decreto 20.910/32 - nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002. Neste sentido, vejam-se os seguintes julgados: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR 14 REsp 1.217.933/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 25.4.2011 Neste sentido, vide REsp 1137354/RJ e REsp 1182973/PR 16 PELUSO, Cezar. Código civil comentado: doutrina e jurisprudência. Barueri: Manole, 2009, p. 163 17 Para maiores detalhes vide: ap. 2006.700.200.23435/PR, do TRF da 4ª Região 15 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. 1. É de cinco anos o prazo para a pretensão de reparação civil do Estado. 2. Precedente da Primeira Seção (AgRgREsp nº 1.149.621/PR, Relator Ministro Benedito Gonçalves, in DJe 18/5/2010). 3. Embargos de divergência rejeitados.18 ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. ART. 1º DO DECRETO 20.910/1932. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Trata-se de ação de indenização por dano moral proposta por pessoa acusada de infundado crime de desobediência. 2. É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que a prescrição contra a Fazenda Pública, mesmo em ações indenizatórias, rege-se pelo Decreto 20.910/1932, que disciplina que o direito à reparação econômica prescreve em cinco anos da data da lesão ao patrimônio material ou imaterial. Precedentes: REsp 1.197.876/RR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 02/3/2011; AgRg no Ag 1.349.907/MS, Rel. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 23/2/2011; e REsp 1.100.761/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 23/03/2009. 3. Agravo regimental não provido19 ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. ACIDENTE DE TRÂNSITO. PRESCRIÇÃO TRIENAL. INAPLICABILIDADE. NÃO INCIDÊNCIA DO ART. 206, § 3o., IV DO CC/2002. APLICAÇÃO DO DECRETO 20.910/32. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ENTENDIMENTO FIRMADO EM RECURSO REPETITIVO. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A Primeira Seção dessa Corte Superior de Justiça, no julgamento do REsp. 1.251.993/PR, sob o rito do art. 543-C, do CPC, firmou o entendimento de que deve ser aplicado o prazo prescricional quinquenal - previsto do Decreto 20.910/32 - nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002. 2. Agravo Regimental desprovido.20 Da leitura dos referidos julgados observa-se que o principal fundamento que autoriza tal afirmação decorre da suposta natureza especial do Decreto 20.910/32 (que trata especificamente da prescrição das pretensões formuladas contra a Fazenda Pública) ao 18 EREsp 1081885/RR AgRg no AREsp 7385/SE 20 AgRg no AREsp 108912/SP 19 contrário da disposição prevista no Código Civil (norma geral que regula o tema de maneira genérica e que, portanto, não altera o caráter especial da legislação). Assim, para os defensores deste posicionamento, deve-se aplicar, nestas hipóteses, o disposto no art. 1º do Decreto nº. 20.910/1932, o qual fixa em cinco anos o prazo para a pretensão de reparação civil contra o Estado.21 3. DO ATUAL POSICIONAMENTO DO STJ: RECURSO REPETITIVO (RESP 1.251.993/PR) O Art. 543-C do Código de Processo Civil (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008) estabelece que, quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos especiais representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo por parte daquele Tribunal. O objetivo finalístico deste procedimento diferenciado é assegurar a estabilidade nas relações jurídicas, privilegiando os princípios da isonomia e da segurança jurídica. Aliás, a sistemática dos recursos repetitivos tem como objetivo evitar o confronto das decisões emanadas dos tribunais da Federação com a jurisprudência do STJ.22 No tema em discussão a controvérsia foi representada por meio do RESP 1.251.993/PR, o qual foi assim ementado: ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ARTIGO 543-C DO CPC). RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL (ART. 1º DO DECRETO 20.910/32) X PRAZO TRIENAL (ART. 206, § 3º, V, DO CC). PREVALÊNCIA DA LEI ESPECIAL. ORIENTAÇÃO PACIFICADA NO ÂMBITO DO STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 21 22 AgRg no REsp 1241640/RS RECURSO ESPECIAL Nº 1.111.743/DF Tal recurso especial tratou acerca do prazo prescricional em ação indenizatória ajuizada contra a Fazenda Pública, em face da aparente antinomia do prazo trienal (art. 206, § 3º, V, do Código Civil) e o prazo quinquenal (art. 1º do Decreto 20.910/32). Assim, conforme orientação consolidada no julgamento do REsp 1.251.993/PR, submetido ao rito dos recursos repetitivos, a prescrição contra a Fazenda Pública, mesmo em ações indenizatórias, deve ser regida pelo Decreto 20.910/32.23 Deste modo, tem-se que, no âmbito do STJ (órgão jurisdicional competente para o julgamento, em recurso especial, das causas nas quais a decisão recorrida esteja relacionada à vigência e aplicação de lei federal,24 firmou-se entendimento (no julgamento do REsp 1.251.993/PR, de relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques) no sentido de que é quinquenal o prazo prescricional para propositura de ação indenizatória contra a Fazenda Pública, a teor do art. 1° do Decreto n. 20.910/32, afastada a aplicação do Código Civil. Como se vê, a jurisprudência daquela Corte firmou-se no sentido de que a prescrição contra a Fazenda Pública é quinquenal, mesmo em ações indenizatórias, uma vez que é regida pelo Decreto n. 20.910/32, norma especial que prevalece sobre lei geral. Sobre o tema, Silvio Rodrigues relembra que se não houver colidência entre dois textos, porque a lei nova apenas estabelece disposição a par das já existentes e com elas compatíveis, a primeira continua a subsistir. 25 Há, assim, aplicação da norma de sobredireito constante no art. 2º, § 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, a qual estabelece que “a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”. Deste modo, com base no posicionamento acima esposado, firmou-se o entendimento de que há de se aplicar, no caso, as regras atinentes à prescrição quinquenal estabelecidas no Decreto n. 20.910/32. 23 REsp 1211537/RJ O art. 105, III da CF estabelece competir ao Superior Tribunal de Justiça Julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal 25 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: parte geral. Vol. I. São Paulo: Max limonad, 1962, p 40 24 4. DO EQUÍVOCO DA DECISÃO PROFERIDA E SEUS FUNDAMENTOS Para nós, foi equivocada a decisão proferida pelo STJ no julgamento do referido RESP 1.251.993/PR. Veja-se: A Lei de Introdução ao Código Civil, no artigo 2º, § 1º, proclama: A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que trata a lei anterior. Como se vê, o citado artigo contém dois elementos indicativos da revogação tácita, a saber: incompatibilidade da lei nova com a anterior e a “circunstância da lei nova regular inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.26 Assim, observa-se que o referido artigo estabelece, de forma clara, a revogação tácita da lei anterior nas hipóteses em que existam incompatibilidades entre elas ou a lei nova regule inteiramente a matéria. Com relação ao primeiro elemento, SERPA LOPES esclarece que havendo conflito deve prevalecer a lei posterior: lex posterior derogat priori. A lei antiga, entretanto, fica revogada apenas nas disposições necessariamente incompatíveis com a nova lei. 27 Do mesmo modo, o art. 206, §3º, V, do Código Civil é claro ao estabelecer, sem qualquer ressalva, que: prescreve em três anos a pretensão de reparação civil. Discorrendo acerca do novo Código Civil, José dos Santos Carvalho Filho assevera que, como o texto se refere à reparação civil de forma genérica, há de se concluir que tal redução do prazo beneficiará, também, a Fazenda Pública, haja vista qualquer menção em sentido contrário.28 WILLEMAN também defende que o Decreto 20.910/32 (bem como a lei 9.497/97) não podem permanecer em vigor (no que tange ao prazo prescricional) após a entrada em vigor de norma geral mais benéfica, trazida à lume pelo art. 206, §3º do Código Civil de 2002.29 26 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Comentários à lei de introdução ao código civil vol I. São Paulo: Livraria Freitas bastos, 1959, p. 55 27 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Comentários à lei de introdução ao código civil vol I. São Paulo: Livraria Freitas bastos, 1959, p. 55 28 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 515-516 29 WILLEMAN, Flávio de Araujo. Responsabilidade civil das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 43-44 Sob outro aspecto, tem-se que a ratio essendi do decreto 20.910/32 e seu art. 10 foi a de beneficiar a Fazenda Pública. Deste modo, o legislador quis somente que fosse aplicado o decreto quando os prazos de prescrição nele contidos fossem mais favoráveis à Fazenda Pública. Neste aspecto, observe-se que o texto é expresso no sentido de que o disposto no referido decreto não altera as prescrições de menor prazo, constantes das leis e regulamentos. A propósito, frise-se que a possibilidade de prazos prescricionais menores pode ser fixada por diplomas normativos de natureza distinta do Decreto, tais como leis, regulamentos, etc. Assim, com a promulgação do novo Código Civil, o prazo prescricional para pretensões referentes à responsabilidade civil foi reduzido para três anos, sendo certo que o Decreto 20.910/32 previu a possibilidade de estabelecer prazos prescricionais menores em relação à Administração Pública. Neste sentido, entende-se correto o posicionamento segundo o qual “a pretensão de reparação civil contra a Fazenda pública submete-se ao prazo prescricional de 3 (três) anos, e não à prescrição quinquenal.”30 Ademais, tendo-se em vista o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, e o princípio da igualdade material, não se mostra juridicamente razoável entender que a partir da entrada em vigor do Código Civil de 2002 os prazos prescricionais nas ações pessoais movidas contra a Fazenda Pública tornaram-se mais extensos do que aqueles previstos para as ações propostas contra os particulares em geral.31 Relembre-se: a regra atinente ao prazo prescricional era a de que este deveria ser menor na hipótese de ações propostas contra a Fazenda Pública, ante a natureza pública e indisponível dos bens por ela tutelados. Assim, em razão do Decreto 20.910/32 ter o objetivo de beneficiar a Fazenda Pública, não seria possível a manutenção do prazo prescricional quinquenal após a entrada em vigor de norma mais benéfica, tal como dispõe o art. 206, §3º do atual Código Civil. Deste modo, o próprio artigo 10 do citado decreto, constitui-se norma de resolução de antinomias, na medida que admite, expressamente, que seus prazos cedam aplicação a prazos menores, definidos em favor da Administração Pública. Assim, diante do disposto no art. 10 do citado Decreto nº 20.910/32, observa-se, por meio de um exercício de interpretação lógicossistemática, que o prazo trienal estabelecido 30 CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. São Paulo: Dialética, 2012, p. 87 CARNEIRO, Bernardo Lima Vasconcelos. A prescrição trienal em favor da Fazenda Pública: para uma interpretação sistêmica e dialógica à luz do CC/02. Disponível em http://www.boletimjuridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=1368, acesso em 25.07.2013. 31 pelo Código Civil para a prescrição das pretensões de reparação civil deve ser também aplicado às hipóteses envolvendo a Fazenda Pública.32 Neste sentido, observe-se: ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. FURTO DE VEÍCULO. ESTACIONAMENTO. UNIVERSIDADE PÚBLICA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. DECRETO Nº 20.910/32. ADVENTO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. REDUÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA TRÊS ANOS. OCORRÊNCIA. 1. O legislador estatuiu a prescrição de cinco anos em benefício do Fisco e, com o manifesto objetivo de favorecer ainda mais os entes públicos, estipulou que, no caso da eventual existência de prazo prescricional menor a incidir em situações específicas, o prazo quinquenal seria afastado nesse particular. Inteligência do art. 10 do Decreto nº 20.910/32. 2. O prazo prescricional de três anos relativo à pretensão de reparação civil - art. 206, § 3º, V, do Código Civil de 2002 - prevalece sobre o quinquênio previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32.33 Desse modo, tem-se que o prazo prescricional nas ações indenizatórias contra a Fazenda Pública foi reduzido pelo novo Código Civil, o qual deve ser interpretado pelos critérios histórico e hermenêutico. Logo, encontra-se equivocada a decisão proferida pelo STJ no julgamento do RESP 1.251.993/PR, o qual não pautou-se pelos preceitos que deveriam balizar a interpretação das normas jurídicas e solução de conflitos. Porém, não obstante a jurisprudência atual do STJ, em relação à pretensão de reparação civil formuladas contra a Fazenda Pública seja pela fixação do prazo prescricional de cinco anos, há de se observar que tal posicionamento não é imutável, podendo ser revisto à medida que haja alteração na composição daquele tribunal. 32 SANTOS, Kleidson Nascimento dos. A aplicação do prazo de prescrição trienal do código civil nas demandas indenizatórias em face da fazenda pública. Disponível em: http://www.portalciclo.com.br/downloads/ artigos/direito/KleidsonNascimento_AplicPrazoPrescricaoTrienalCodCivilDemandasIndenizatorias.pdf, acesso em 25.07.2013 33 REsp 1182973 / PR 5. CONCLUSÕES Ante todo o exposto, entende-se que: O Colendo STJ, ao pronunciar-se acerca do prazo prescricional das ações de reparação de dano propostas em face da Fazenda Pública não adotou a melhor opção, sob o ponto de vista técnico e jurídico. A prescrição é um instituto jurídico criado com o objetivo de propiciar segurança jurídica a todo o corpo social, evitando que temas de interesse jurídico sejam discutidos muito tempo depois da ocorrência dos fatos. E, no caso das ações propostas em face do poder público, tal prazo prescricional não pode ser superior àquele estabelecido para ações propostas contra entes privados. Em que pese a clareza do art. 10 do Decreto 20.910/32, tem-se que – tendo em vista a manifestação do STJ sobre o tema, e considerando que a alteração do entendimento consolidado dependerá de nova composição daquele Tribunal - seria salutar a alteração do Decreto 20.910/32, de modo a adequá-lo ao sistema normativo estabelecido com o advento do novo Código Civil. Não há justificativa técnica e razoável para se entender que, a partir da entrada em vigor do Código Civil de 2002, os prazos prescricionais nas ações pessoais propostas contra a Fazenda Pública passaram a se tornar mais extensos do que aqueles previstos para ações ajuizadas contra particulares, traduzindo-se em flagrante prejuízo ao princípio da supremacia do interesse público. Assim, com base nos fundamentos acima estabelecidos, entende-se que deve ser observado, nas ações de reparação civil propostas em face da Fazenda Pública, o prazo prescricional trienal, nos termos do art. 206, §3º do Código Civil, consoante interpretação decorrente do disposto no art. 2º, § 1º da LICC e art. 10 do Decreto 20.910/32. BIBLIOGRAFIA BEVILACQUA, Clovis. Teoria geral do direito civil. Campinas: Servanda editora, 2007 CARNEIRO, Bernardo Lima Vasconcelos. A prescrição trienal em favor da Fazenda Pública: para uma interpretação sistêmica e dialógica à luz do CC/02. Disponível em: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1368, acesso em 25.07.2013 CARNEIRO, Leonardo da Cunha. A Fazenda Pública em Juízo. São Paulo: Dialética, 2005 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005 CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. São Paulo: Dialética, 2012 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 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