Revista AMAzônica, LAPESAM/GMPEPPE/UFAM/CNPq/EDUA ISSN 1983-3415 (versão impressa) - ISSN 2318-8774 (versão digital) Ano7, Vol XIII, número 1, 2014, Jan-Jun, pág. 243-259. Dificuldades de Aprendizagem da matemática – fatores que desencadeiam essa problemática Silmara Rossetto1 Gisele Cristina Resende 2 RESUMO A aprendizagem é uma construção que ocorre na interação do sujeito com o ambiente que o cerca, trata-se de um processo continuo. Para facilitar esse processo foram organizados os meios educacionais: escola. Normalmente, é nesse ambiente que são percebidas as dificuldades para aprendizagem e é o professor o responsável por essa observação dessas dificuldades que podem afetar a autoestima e aprendizagem dos estudantes. A presente pesquisa objetivou a compreensão da temática a partir de uma revisão da literatura na área e concluiu-se que as dificuldades podem ocorrer por inúmeros fatores isolados ou combinados relacionados ao desenvolvimento cognitivo (inteligência geral e raciocínios abstrato, espacial e compreensivo), aprendizagens iniciais dos conceitos matemáticos (quantidade, número, operações básicas de cálculo).Também podem advir de dificuldades no sistema de ensino: didática e metodologia e na relação professor e aluno; sendo primordial que o psicólogo escolar investigue o que está acontecendo no contexto educativo para orientar alunos, professores e pais. Palavras-Chave: dificuldade de aprendizagem na matemática, cognição e psicologia escolar. ABSTRACT Learning is a construction that occurs in the subject's interaction with the environment that surrounds it, it is an ongoing process. To facilitate this process were organized educational means: school. Usually, it is in this environment that are perceived difficulties in learning and is the teacher responsible for this observation of these difficulties that may affect self-esteem and student learning. This research aimed to understand the issue from a literature review in the area and concluded that the difficulties can occur by several factors combined or related to cognitive development (general intelligence and abstract reasoning, spatial and understanding), initial learning mathematical concepts (quantity, number, basic operations of calculation.) may also result from difficulties in education: teaching and methodology and the relationship between teacher and student, it is paramount that the school psychologist to investigate what is happening in the educational context to guide students, teachers and parents. Keywords: learning disability in mathematics, cognition and school psychology. 1. INTRODUÇÃO A importância da aprendizagem para um indivíduo é incomensurável. Com o desenvolvimento humano essa importância aumenta muito. A aprendizagem tem inicio no nascimento ou mesmo antes dele e prolonga-se por toda vida. 1 Acadêmica do Curso de Psicologia da Faculdade Martha Falcão. E-mail: [email protected]. 2 Mestre em Psicologia (UFAM) e Doutoranda no Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade de São Paulo/ Ribeirão Preto. Docente do Curso de Psicologia da Faculdade Martha Falcão/ DeVry. E-mail: [email protected] 243 Revista AMAzônica, LAPESAM/GMPEPPE/UFAM/CNPq/EDUA ISSN 1983-3415 (versão impressa) - ISSN 2318-8774 (versão digital) Quando pequena a criança aprende a chamar sua mãe com o choro. Logo se acostuma com os objetos que estão ao seu redor, conseguindo também controlar suas mãos e pés e inicia-se a aprendizagem da linguagem. Quando é chegado o momento de ir á escola, tem inicio a aprendizagem guiada. Todos esses momentos de aprendizagem irão interferir na aquisição de hábitos, habilidades, conhecimentos e conduta perante a sociedade, e como será a postura deste indivíduo frente á sociedade. Através dela, o homem melhora suas realizações nas tarefas manuais, tira partido de seus erros, aprende a conhecer a natureza e a compreender seus companheiros. Ela capacita-o ajustar-se adequadamente a seu ambiente físico e social. Enfim, a aprendizagem leva o individuo a viver melhor ou pior, mas, indubitavelmente, a viver de acordo com o que aprende. (CAMPOS, 2011, pg.14). O indivíduo será o que ele aprendeu, e o que irá aprender ao longo de sua vida, interferindo e integrando comportamento e experiência. A aprendizagem é um processo de construção que ocorre na interação do sujeito com o ambiente que o cerca, “é uma mudança relativamente permanente no comportamento de um organismo em decorrência da experiência”. (MYERS, 1999, p.171). Para facilitar esse processo foram organizados os meios educacionais e as escolas. Campos (2011) apresentam em seu estudo, que toda e qualquer tipo de aprendizagem nada mais é senão a busca por um restabelecimento de um equilíbrio vital. A aprendizagem envolve o uso e o desenvolvimento de todos os poderes, capacidades, potencialidades do homem, tanto físicas quanto mentais e afetivas. Isto significa que a aprendizagem não pode ser considerada somente como um processo de memorização ou que emprega apenas o conjunto das funções mentais ou unicamente os elementos físicos ou emocionais, pois todos estes aspectos são necessários. (CAMPOS, 2011, p. 33). 244 Revista AMAzônica, LAPESAM/GMPEPPE/UFAM/CNPq/EDUA ISSN 1983-3415 (versão impressa) - ISSN 2318-8774 (versão digital) A aprendizagem como a autora afirma é um processo de organização e apreensão do mundo físico, bem como a adaptação ao mundo social e à aprendizagem escolar. Dessa forma, na escola surgem várias aprendizagens e dificuldades pertencentes a esse universo. Nesse contexto, percebe-se a dificuldade em algumas disciplinas e a matemática adquire um “rótulo social” de disciplina difícil. No transcorrer do curso de graduação em matemática realizado há alguns anos, surgiu o interesse para o estudo da concepção dos professores e alunos acerca das dificuldades de aprendizagem de matemática, aprendizagem essa que exige compreensão de conceitos e raciocínio abstrato. Essas indagações permaneceram e atualmente no curso de psicologia percebeu-se a possibilidade de compreensão desse fenômeno, uma vez que através da investigação da concepção pessoal a respeito das dificuldades podese abordar a subjetividade que implica no processo de aprendizagem. O que fundamentou esses questionamentos é que os processos de aprendizagem ocorrem na interação do sujeito com o meio sociocultural, especificamente na escola e na sala de aula. A postura do professor é essencial para que o aluno tenha o desenvolvimento de suas potencialidades e da aprendizagem. Sua função é a de identificar os conhecimentos trazidos pelo aluno e entender como ele apreende e estabelece conexões, para então planejar sua ação pedagógica. E o aluno é o elemento fundamental nesse processo, ele precisa interagir para que os processos mentais sejam elaborados e integrados na ação humana. O presente artigo objetivou realizar uma revisão bibliográfica sobre as dificuldades de aprendizagem de matemática. Ao final do projeto pretendeu-se sugerir ações de psicologia escolar para a superação das dificuldades na aprendizagem da matemática. 245 Revista AMAzônica, LAPESAM/GMPEPPE/UFAM/CNPq/EDUA ISSN 1983-3415 (versão impressa) - ISSN 2318-8774 (versão digital) APRENDIZAGEM: CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS Desde muito tempo tem-se a preocupação de entender a aprendizagem e os fatos que estão relacionados à ela. Na Antiguidade já existiram filósofos e pensadores que tentaram explicar sua concepção, Campos (2011, p. 16) cita os seguintes: Sócrates – este entendia que o conhecimento preexiste no espírito do homem e a aprendizagem consiste no despertar desses acontecimentos que se encontram inatos e adormecidos. Platão – tinha uma teoria dualista separando corpo de alma. A alma guardaria o aprendizado da encarnação anterior, que voltariam à consciência. Aristóteles – este entendeu que o conhecimento começa com os sentidos, rejeitando que existam ideias em nosso espírito. Utilizou-se do método dedutivo. Santo Agostinho – tentou reviver o método dedutivo e adotou o método da introspecção registrando suas próprias experiências mentais. Santo Tomás de Aquino – Conseguiu dividir em verdades cientificas e divinas. Para ele o principal transformador da aprendizagem é a atividade de quem aprende, considerando um processo inteligente, dinâmico e autoativo. Juan Luis Vives – entendeu a aprendizagem como métodos indutivos, em psicologia e filosofia. Na ciência moderna surgem teorias de Copérnico, Bacon, Descartes, Locke. Em contribuições mais atuais pode-se citar: Thorndike, Piaget, Pavlov, Watson. E sem falar em Freud, Adler, Jung, Fromm, Husserl, entre outros. E mais atuais ainda encontra-se dois grandes grupos de estudo sobre aprendizagem, os associacionistas e Teorias Cognitivas e de Campo. Mas a pergunta que não quer calar é: O que é aprendizagem e quais são suas características? Os estudos e as pesquisas científicas feitas por psicólogos trazem diferentes conceitos e complexas definições de aprendizagem conforme diversas teorias de aprendizagem. Quando da apresentação do conceito acadêmico de aprendizagem, normalmente entende-se como a aquisição de 246 Revista AMAzônica, LAPESAM/GMPEPPE/UFAM/CNPq/EDUA ISSN 1983-3415 (versão impressa) - ISSN 2318-8774 (versão digital) habilidades; confundindo aprendizagem com o aprendizado da escrita, linguagem, da história, geografia e matemática. Esse seria um aprendizado somente como aquisição de conhecimento. Outra forma de avaliação da aprendizagem é através do desempenho, se houve um bom desempenho na realização da atividade, houve uma boa aprendizagem, o que não é verdadeiro. A aprendizagem envolve o uso e o desenvolvimento de todos os poderes, capacidades, potencialidades do homem, tanto físicas quanto mentais e afetivas. Isto significa que a aprendizagem não pode ser considerada somente como um processo de memorização ou que emprega apenas o conjunto das funções mentais ou unicamente os elementos físicos ou emocionais, pois todos estes aspectos são necessários. (CAMPOS, 2011, p. 33). A autora cita que a aprendizagem é construída através de alguns produtos tais como: os que predominam os movimentos motores, os cognitivos, os elementos afetivos ou apreciativos. E sem duvida os fatores determinantes das funções cognitivas tais como: percepção, atenção, conceituação e memória. De acordo com Davis e Oliveira (2008) a aprendizagem é o processo pelo qual a criança se apropria ativamente do conteúdo da experiência humana, do que foi produzido pelo grupo social e pela cultura na qual está inserida, sendo necessário para tal apropriação à interação dela com outros seres humanos (adultos e crianças). Para Ciasca (2003) a aprendizagem é uma atividade que se desenvolve num sistema único e contínuo onde os dados recebidos são revestidos de significado. Fonseca (1995) conceitua a aprendizagem como uma mudança de comportamento resultante da experiência. Essa mudança apresenta características neurológicas (atividade bioelétrica, reação química, arranjos moleculares nas células nervosas, sinapses e outras) e sociais, porque é um 247 Revista AMAzônica, LAPESAM/GMPEPPE/UFAM/CNPq/EDUA ISSN 1983-3415 (versão impressa) - ISSN 2318-8774 (versão digital) processo dinâmico, onde os sujeitos têm um papel ativo na interação com seu grupo. Segundo Paín (1985) a aprendizagem é constituída de momento histórico, organismo físico, genética da inteligência humana e um sujeito; portanto, ela possui várias dimensões. Dentro das dimensões necessárias para a aprendizagem, a inteligência é um aspecto fundamental, pois é a capacidade humana de resolução de problemas, compreensão do mundo, elaboração e entendimento de conceitos. Segundo (Pisani et all, 1990 ) a inteligência é o resultado da interação entre o meio e os aspectos biológicos que é demonstrada pela capacidade global do indivíduo em aprender e atuar sobre o meio resolvendo problemas através do pensamento abstrato. A aprendizagem garante assim a continuidade do processo histórico e a manutenção da sociedade pelas transformações evolutivas e estruturais. Por meio dela o sujeito incorpora uma representação de mundo. É no contexto escolar que ocorre a aprendizagem formal, e é nesse momento de construção da aprendizagem que podem surgir às dificuldades no processo. Mas, muitas vezes se encontra crianças que possuem uma boa integridade emocional, motora, sensorial e intelectual e mesmo assim apresentam dificuldades de aprendizagem. Como isso se dá? DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM Até agora não foram definidos os critérios avaliativos que indique que uma criança possui dificuldade de aprendizagem podem ser vários e por isso devem-se avaliar suas capacidades sensoriais, intelectuais, motoras e de ajustamento emocional, além do contexto educacional (escola, professores e família), como afirma Barbosa, 2003. 248 Revista AMAzônica, LAPESAM/GMPEPPE/UFAM/CNPq/EDUA ISSN 1983-3415 (versão impressa) - ISSN 2318-8774 (versão digital) A escola capaz de trabalhar com as dificuldades no cotidiano é aquela que consegue descentrar da figura do professor o momento do aprender; é aquela que sabe trabalhar com grupos; que sabe promover o interdiscurso; que sabe compreender que os erros e as falhas fazem parte de um processo e que existem para serem superados, considerando-se tanto as especificidades dos indivíduos, quanto as exigências curriculares e as características grupais. (BARBOSA, 2003, p.15). Somente após a análise criteriosa, podem-se estabelecer quais as áreas que a criança tem dificuldade para apreender. Quando se fala em desempenho acadêmico aparecem dificuldades para compreender a palavra falada, a leitura, a escrita ou as operações aritméticas. De acordo com Ross (1979), o termo distúrbio de aprendizagem relaciona-se às dificuldades de aprendizagem que residem nas áreas de percepção, atenção, memória, associação e fixação de informações. Dificuldade de aprendizagem é um termo usado para definir que a criança não é deficiente mental, mas que ela aprende de maneira diferente e que tais dificuldades dependem de funções cognitivas. “As suas principais características compreendem uma dificuldade de aprendizagem dos processos simbólicos: fala, leitura, escrita, aritmética, etc.” (FONSECA, 1995 p. 252). Essas crianças podem apresentar dificuldades em selecionar a atenção, dificuldades de memória, de percepção de estímulos visuais, mesmo sem problemas de visão e ou problemas emocionais, pois as capacidades integradas são essenciais para a aprendizagem. Johnson e Myklebust (1987) definem as crianças com problemas de aprendizagem como portadoras de capacidade motora adequada, inteligência entre a média e acima da média, audição e visão adequadas, e ajustamento emocional, embora não consigam aprender de modo usual. Essas crianças podem ter pequena descoordenação motora e certo grau de distúrbio emocional. Ciasca (2003) usa o termo distúrbio de aprendizagem, e o define como um déficit que envolve habilidades de linguagem oral (fonologia, morfologia, 249 Revista AMAzônica, LAPESAM/GMPEPPE/UFAM/CNPq/EDUA ISSN 1983-3415 (versão impressa) - ISSN 2318-8774 (versão digital) semântica, sintaxe, pragmática), de leitura (habilidades no uso da palavra, reconhecimento de letras, compreensão), de escrita (soletração, ditado, cópia), de matemática (habilidades de cálculo, raciocínio matemático), e nas combinações e/ou relações entre elas. Percebe-se que os fatores citados por grande parte dos autores são os orgânicos, psicológicos e ambientais e eles isolados ou não, interrompem o processo normal do aprender e prejudicam a inserção social e escolar do sujeito, necessitando de um olhar diferenciado para que suas necessidades de aprendizagem sejam atendidas e para que ocorra o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social. Em diversas disciplinas escolares podem existir dificuldades, por isso é necessário que haja compreensão do processo de aprendizagem e de suas dificuldades para que os professores saibam identificar as crianças que as possuem e para que possam elaborar um método de ensino mais adequado, como por exemplo, no caso da matemática, uma das disciplinas que já foi rotulada como uma de grande dificuldade. MATEMÁTICA E SUAS DIFICULDADES A matemática, do grego mátheema (ciência), distingue-se por seu aspecto formal e abstrato e por sua natureza dedutiva. Em contrapartida, sua construção liga-se a uma atividade concreta sobre os objetos para a qual o aluno necessita da intuição como processo mental. Aprender matemática é um procedimento extraordinário para adquirir e desenvolver capacidades cognitivas gerais (SANCHEZ HUETE & FERNADEZ BRAVO, 2005). Trata-se de uma ciência em que prevalece o método sobre o conteúdo, dai a tendência generalizada de sublinhar a importância de basear o ensino nos processos de pensamento matemáticos subjacentes á resolução de problemas, mais que na simples transferência de conteúdos, é a construção de conhecimento. 250 Revista AMAzônica, LAPESAM/GMPEPPE/UFAM/CNPq/EDUA ISSN 1983-3415 (versão impressa) - ISSN 2318-8774 (versão digital) [...] a matemática está passando por profundas transformações, o professor necessariamente deve estar mais preparado para participar dessas transformações e para se aventurar no novo, do que para repetir o velho, muitas vezes inútil e desinteressante. O papel do professor deve ser outro. Aquele professor que vê passar a informação ensina algo, repete conhecimentos feitos e congelados, e cobra aquilo que ensinou, está com os dias contados. O novo perfil do professor é fundamentalmente o de um facilitador da aprendizagem do aluno e de um companheiro na busca do novo. (D’AMBROSIO, 1998 apud FAINGUELERNT & NUNES, 2012, p. v). O autor explica a concepção construtivista do processo de ensino/aprendizagem e afirma que é o aluno que constrói suas próprias aprendizagens, sem esquecer-se de ajudas mediadoras de outros fatores intervenientes: professor, materiais curriculares, etc. Tal processo não é uma oferta de conteúdos que qualquer aluno, em qualquer circunstancias, deva integrar a sua bagagem acadêmica; necessitam-se, antes, estratégias adequadas para satisfazer a necessidade de aprendizagem de cada aluno. No entanto, alguns alunos com dificuldades mais sérias de aprendizagem têm problemas para chegar ao pensamento abstrato; é necessário que lhes sejam oferecidos apoio concreto e trabalho sobre conteúdos mais diretamente relacionados com sua experiência diária. Segundo Sánchez (2004), as dificuldades de aprendizagem matemática estão caracterizadas da seguinte forma: Dificuldades em relação ao desenvolvimento cognitivo e á construção da experiência matemática; do tipo da conquista de noções básicas e princípios numéricos, da conquista da numeração, quanto a pratica das operações básicas, quanto à mecânica ou quanto à compreensão do significado das operações. Dificuldades na resolução de problemas, o que implica a compreensão do problema, compreensão e habilidade para analisar o problema e raciocinar matematicamente... Dificuldades relativas à própria complexidade da matemática, como seu alto nível de abstração e generalização, a complexidade dos conceitos e algoritmos (SÁNCHEZ, 2004, p. 175). 251 Revista AMAzônica, LAPESAM/GMPEPPE/UFAM/CNPq/EDUA ISSN 1983-3415 (versão impressa) - ISSN 2318-8774 (versão digital) Pode existir uma conexão entre as dificuldades de leitura com a aprendizagem de matemática, esses problemas podem ser observados no desenvolvimento do raciocínio matemático. De qualquer forma, vários fatores podem ser incluídos nessa problemática e todos devem ser analisados: se o ensino está sendo adequado, preparo para assimilação do conhecimento informal, motivação, reações da criança no momento de intervenção e principalmente o pensamento desta na escola. Segundo o Manual Diagnostico e Estatístico de Transtornos Mentais (DM IV-TR, 2002), elaborado pela American Psychiatric Association apresenta que a característica principal para que haja a dificuldade de aprendizagem de matemática devem obedecer aos seguintes critérios: Critério A: a capacidade matemática, medida por testes padronizados individualmente administrados esta acentuadamente abaixo do nível esperado, considerando a idade cronológica, a inteligência medida e o nível escolar próprios de cada individuo. Critério B: a perturbação no critério A interfere significativamente no rendimento escolar ou nas atividades da vida diária que exigem habilidades matemáticas. Critério C: em presença de um déficit sensorial, as dificuldades na capacidade matemática excedem as habitualmente a este associadas. (DSM IV TR, 2002, pg. 84). Este manual informa ainda que o transtorno para a dificuldade de aprendizagem de matemática pode estar associado a transtorno na leitura ou ainda na expressão escrita e estima-se que 1% de crianças na idade escolar o possua. É um transtorno que raramente consegue ser identificado antes do final da primeira serie, visto ser a partir desse momento que o conteúdo fica mais complexo na maioria dos contextos escolares. Os autores Johnson e Myklebust (1987) explicam que podem existir questões que interferem na aprendizagem da matemática, mas não necessariamente ser a discalculia. 252 Revista AMAzônica, LAPESAM/GMPEPPE/UFAM/CNPq/EDUA ISSN 1983-3415 (versão impressa) - ISSN 2318-8774 (versão digital) Um dos exemplos que os autores falam é a criança que possui um distúrbio de aprendizagem receptivo-auditivo-auditiva, e que pode interferir na aprendizagem da matemática, mas essa dificuldade não necessariamente está relacionada com o entendimento das relações quantitativas. E sim desordens na compreensão verbal, já que está não consegue compreender os significados das palavras nos enunciados dos problemas, ela acaba mudando de um contexto para outro, não existe o entendimento quanto ao significado da palavra. Os autores explicam que normalmente ela se sai bem nos cálculos, mas “é inferior no que diz respeito ao raciocínio e aos testes de vocabulário aritmético”. (JOHNSON e MYKLEBUST, 1987, p.291). Outro caso citado pelos autores diz respeito á crianças que possuem problemas de memória auditiva, por exemplo, a criança reconhece o número quando ouve, mas é incapaz de dizer aquele que quer dizer. Essa dificuldade é percebida quando da necessidade de exercícios orais. Por outro lado quando é possibilitado á ela ler o problema ela consegue resolver perfeitamente. Estes explicam que as crianças disléxicas nem sempre possuem dificuldades de aprendizagem de matemática. Está criança pode apresentar dificuldade na leitura e entendimento dos enunciados. Já as crianças com distúrbios na escrita, não conseguem escrever nem letras e nem números, e aí sim podem possuir dificuldades para a aprendizagem da matemática. A discalculia explicada por Johnson e Myklebust (1987) nada mais é que uma má formação neurológica que se apresenta através da dificuldade de entendimento dos números. Esse fato não é causado por deficiência mental, não tem á ver com níveis de QI e inteligência. Simplesmente não compreendem os sinais matemáticos, não entendem operações, medidas, sequencias e consequentemente os valores de moedas comerciais. São pessoas que possuem deficiências na organização visual-espacial e na integração não verbal. Explicam que a linguagem matemática faz parte de processos internos, receptivos e expressivos, visto tratar-se de uma aprendizagem e comportamento simbólico. 253 Revista AMAzônica, LAPESAM/GMPEPPE/UFAM/CNPq/EDUA ISSN 1983-3415 (versão impressa) - ISSN 2318-8774 (versão digital) A aquisição de um sentido de numero é comparável aos de comportamento verbal. Ao relacionar o conceito de linguagem interna á aritmética, estamos preocupados com a capacidade da criança para compreender as experiências necessárias ao pensamento quantitativo, particularmente aquelas que tratam de relações de quantidade, espaço, forma, distância, ordem e tempo. (JOHNSON, MYKLEBUST, 1987, p. 288). Os autores esclarecem que pais frequentemente relatam que as crianças quando pequenas raramente gostavam de brincar de quebra-cabeça, blocos, ou brinquedos que exigiam uma construção criativa. Sentem dificuldades em definir o que comer e vestir. No momento da comida não conseguem dosar a comida no prato ou talher e no momento de se vestir não conseguem conciliar os botões. Por outro lado possuem grande capacidade auditiva e falam cedo. Com isso os pais recorrem a atividades de matemática faladas através de discos, músicas e vídeos, tentando facilitar o aprendizado, mas é em vão, já que memorizam os números, mas não conseguem compreender os conceitos. Ainda segundo os autores, algumas crianças podem apresentar distúrbios da imagem corporal. E pode haver uma dificuldade de orientação espacial, diferenciação entre direita e esquerda. Podendo ter dificuldades de entendimento do tempo. Nos testes de inteligência conseguem um desempenho superior nas funções verbais em comparação com as não verbais. Nem todas as deficiências em aritmética são iguais, é sempre necessário determinar o nível da dificuldade de aprendizagem e o conteúdo, para tanto existe testes padronizados que oferecem uma avaliação especifica. Afinal existem vários tipos de discalculia: léxica, verbal, gráfica, operacional, practognostica (dificuldade na enumeração, manipulação e comparação de objetos reais ou em imagens), e ideognósticas (dificuldades nas operações mentais e no entendimento de conceitos matemáticos). (ibid) O acompanhamento e a mediação que deve ocorrer com pais e professores em alunos com dificuldade em aprendizagem de matemática exigem bastante tempo e esforço. Não devem ser ignoradas as diferenças 254 Revista AMAzônica, LAPESAM/GMPEPPE/UFAM/CNPq/EDUA ISSN 1983-3415 (versão impressa) - ISSN 2318-8774 (versão digital) individuais, mas praticar um ensino que integre vários estilos e modos de aprendizagem e a amplitude matemática que cada aluno manifeste. Ressalta-se que é importante atentar para que muitas das dificuldades na aprendizagem do ensino de matemática podem ocorrer pelo motivo de um ensino inadequado e pouco funcional dos conteúdos matemáticos (SANCHEZ HUETE & FERNANDÉZ BRAVO, 2005; SANCHÉZ, 2004; JOHNSON & MYKLEBUST, 1987). Ensinar e aprender são processos estruturados e correlacionais que precisam se completar, para que não surjam as dificuldades de aprendizagem que levam as crianças à desmotivação, ao desgaste e à reprovação e evidencia o fracasso do sistema escolar. 2. RESULTADOS E DISCUSSÃO A pesquisa bibliográfica possibilitou compreender que é por meio da aprendizagem que se desenvolve os comportamentos que possibilitam a sobrevivência da humanidade que foi se desenvolvendo. A capacidade do homem de aprender é demonstrada por meio das experiências e descobertas das gerações anteriores e evoluindo ainda mais; chegando aos tempos atuais, onde tudo avança com uma velocidade impressionante, com “descobertas em invenções da ciência moderna, no pensamento filosófico e nas decisões dos estadistas”. (CAMPOS, 2011, p. 15), Entretanto, no ambiente escolar podem surgir as dificuldades de aprendizagem na matemática, ocasionadas por diversos fatores isolados ou combinados relacionados ao desenvolvimento cognitivo (inteligência geral e raciocínios abstrato, espacial e compreensivo), aprendizagens iniciais dos conceitos matemáticos (quantidade, número, operações básicas de cálculo), como apontou Sanchez (2004) e Sanchez Huete e Fernadez Bravo (2005). Também podem advir de dificuldades no sistema de ensino: didática e metodologia e na relação professor e aluno, como enfatizou Barbosa (2003). 255 Revista AMAzônica, LAPESAM/GMPEPPE/UFAM/CNPq/EDUA ISSN 1983-3415 (versão impressa) - ISSN 2318-8774 (versão digital) A necessidade da aprendizagem na área da matemática para os alunos com dificuldades e os objetivos a serem alcançados com as atividades propostas tem sua origem nas necessidades da vida escolar, familiar e social em geral, pois a matemática está inserida no cotidiano da sociedade. Dois fatores são importantes para o processo de instrução da matemática, como apontou Sanchez Huete e Fernadez Bravo (2005), o uso e incentivo dos procedimentos intuitivos como mediação para explorar e construir formalmente o conhecimento matemático e o conhecimento dos alunos em relação às ideias previas que possuem e o grau de dificuldade que poderiam manifestar pelo nível de desenvolvimento intelectual alcançado. Essa é uma concepção construtivista do processo de ensino/aprendizagem, que defende que é o aluno quem constrói suas próprias aprendizagens, sem esquecer-se de ajudas mediadoras de outros fatores intervenientes: professor, materiais curriculares. Tal processo não é uma oferta de conteúdos que qualquer aluno, em qualquer circunstancias, integra a bagagem pessoal à acadêmica e necessita de estratégias adequadas para satisfazer a necessidade de aprendizagem de cada aluno. Desse modo, o diagnóstico e a compreensão da dificuldade é papel do psicólogo escolar que pode orientar professores para a melhor condução do ensino e as famílias a apoiarem os estudantes. As estratégias de ação do psicólogo no ambiente escolar diante de tais dificuldades podem ser: Orientação de Professores: (i) relacionada ao conhecimento do aluno, quando o professor conhece sua clientela ele pode observar melhor as potencialidades e dificuldades em sala de aula; (ii) para uma boa interação e relacionamento em sala de aula, pois isso irá motivar os alunos para uma aprendizagem de sucesso e incentivá-los a aprender e superar as dificuldades; (iii) em relação à metodologia adotada para o processo de ensino e aprendizagem, como por exemplo, o trabalho com jogos nas aulas de matemática, quando bem planejado e orientado auxilia o desenvolvimento de habilidades como observação, análise, levantamento de hipóteses, busca de 256 Revista AMAzônica, LAPESAM/GMPEPPE/UFAM/CNPq/EDUA ISSN 1983-3415 (versão impressa) - ISSN 2318-8774 (versão digital) suposições, reflexão, tomada de decisão, argumentação e organização, que estão estreitamente relacionadas ao raciocínio lógico e matemático. Apoio ao estudante, o psicólogo escolar pode apoiar o estudante em momentos de dificuldade que podem ocasionar ansiedade diante do processo de aprendizagem. Apoio às famílias, realizando a escuta psicológica das dificuldades, angústias e ansiedades e encaminhando para trabalhos psicopedagógicos necessários para a superação das dificuldades O psicólogo no ambiente escolar será esse mediador entre o processo de ensino e a aprendizagem da matemática, que perpassa por relações, metodologias e técnicas educacionais que são concretizadas pelo professor em direção ao aluno ao cumprirem a missão de educar, que de acordo com Santaló (1996 apud FAINGUELERNT & NUNES, 2012, p. vi) “A missão dos educadores é preparar as novas gerações para o mundo em que terão que viver: isto quer dizer proporcionar-lhes o ensino necessário para que adquiram as destrezas e habilidades que vão necessitar para seu desempenho, como comodidade e eficiência, no seio da sociedade que enfrentarão ao concluir sua escolaridade”. Construir os significados de conceitos matemáticos ajudará na formação e no desenvolvimento do pensamento rumo à cidadania. 3. CONCLUSÕES Normalmente é quando se inicia na escola que se percebe as dificuldades para aprendizagem, e é o professor o responsável por essa observação, que é o responsável por mediar os processos de aprendizagem. As dificuldades são percebidas na escola quando a criança não consegue o mesmo desempenho revelado por outros alunos da mesma série e idade escolar, comprometendo seu 257 Revista AMAzônica, LAPESAM/GMPEPPE/UFAM/CNPq/EDUA ISSN 1983-3415 (versão impressa) - ISSN 2318-8774 (versão digital) desenvolvimento global. Essas podem surgir quando a interação do aluno com esse meio não ocorre de maneira adequada, geralmente devido às disfunções biológicas, psíquicas e/ou relacionais. Porém, o que se observa com muita frequência é que este profissional, apesar de tal percepção, parece não estar, na maioria dos casos, capacitado para tratar das dificuldades de aprendizagem. Sua concepção de dificuldade de aprendizagem pode reforçar um estigma de fracasso escolar pelo qual o aluno é visto como único responsável. Diante desse cenário outro ponto a ser compreendido é como o aluno percebe sua dificuldade, pois essa percepção relaciona-se diretamente com os aspectos afetivos envolvidos na aprendizagem e tal percepção contribui para a visão de eu, isto é, a autoestima e o autoconceito. A investigação desse problema de pesquisa, ou seja, a concepção dos professores sobre as dificuldades de aprendizagem, e mais especificamente em matemática, esclareceu essa temática e forneceu dados para uma maior compreensão do fenômeno, requisito fundamental para a elaboração de intervenções no ambiente escolar, possibilitando sanar as dificuldades e todos os estigmas que possam surgir. 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA, L. M. S. A concepção da dificuldade de aprendizagem na atualidade. In: I Encontro Paranaense de Psicopedagogia – ABPppr – nov./2003. Artigos, p. 9-16. 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E-mail: [email protected] Recebido em 1/3²014. Aceito em 20/6/2014. 259