Apartes no Tribunal do Júri André Luiz Bogado Cunha O Tribunal do Júri é uma instituição marcada pela tradição e, no Brasil, desde os seus primórdios, os apartes o integram e são fundamentais para o bom desenvolvimento da articulação das versões apresentadas pelas partes. É impossível imaginar que grandes oradores como Roberto Lyra, Evandro Lins e Silva, Evaristo de Morais e tantos outros, com participação efetiva na tribuna, ficassem privados deste expediente. Contudo, a sua normatização só ocorreu com o advento da Lei 11.689/2008, que inseriu o inciso XII no artigo 497 do CPP, permitindo que a parte o solicite ao juiz presidente, que poderá concedê-lo pelo prazo de até três minutos, que serão acrescidos ao tempo de quem estiver com a palavra. Segundo Walfredo Cunha Campos, o aparte pode ser definido como “a interrupção requerida ou não, consentida ou não, da fala do orador, por seu adversário, para dizer algo” (Tribunal do Júri, pág. 230). O autor prossegue citando Borges da Rosa, segundo o qual “a expressão ‘aparte’, isto é, ‘à parte’, ao lado’, consiste em palavra ou frase pronunciada enquanto outrem está falando” (Processo penal brasileiro, v.3, p.108). Certamente as partes têm o seu tempo de manifestação previsto em lei, que pode ser prorrogado se a acusação lançar mão da réplica. Porém, além destes períodos, é possível que uma parte interrompa a outra para fazer uma observação, pedir um esclarecimento, desaprovar uma afirmação ou para expor qualquer outro ponto que se mostre pertinente. No júri, mais do que em qualquer outra área do direito, os debates não são estanques, não podem servir de monólogos sucessivos, pois o que se busca, da melhor maneira possível, é mostrar aos jurados e ao juiz presidente a versão de cada parte e a sua visão da prova produzida. O público alvo é diferente, o Conselho de Sentença, via de regra, é formado por pessoas leigas, daí a necessidade de uma maior confrontação das divergências entre as partes e um melhor detalhamento do contexto probatório. É certo que acusação e defesa têm o seu tempo de exposição, contudo, dependendo do que for afirmado pelo orador, a outra parte necessita apresentar contestação imediata, ou mesmo solicitar esclarecimento necessário, principalmente quando se tratar de tréplica, onde a acusação não mais tem tempo para manifestação posterior. Mesmo não se tratando de inovação de tese, por vezes, a interrupção se faz necessária, por variadas razões e até mesmo visandose a busca da verdade real. Uma afirmação leviana e não verdadeira, se não for contestada imediatamente, poderá ficar diluída num cipoal de assertivas que podem influenciar a convicção do jurado. De outra banda, é uma oportunidade para o orador que estiver com a palavra rechaçar eventuais objeções a sua tese e demonstrar segurança naquilo que diz. Certamente, o aparte deve ser objetivo, versar sobre um ponto específico da prova ou da tese contrária e não pode, por óbvio, ser disperso ou vago. Um aparte oportuno, bem colocado, feito com loquacidade e rapidez de raciocínio pode ficar marcado na memória do jurado e ser o fator determinante do seu convencimento. Com a inovação legislativa trazida à baila pela Lei 11.689/2008, passaram a coexistir duas espécies de aparte. O primeiro é o mais tradicional, onde a parte que deseja fazê-lo deve se dirigir ao orador que estiver com a palavra e o solicitar. Já o segundo, introduzido pela nova norma, deve ser requerido ao juiz presidente, que poderá concedê-lo pelo período de até três minutos, tempo este que será acrescido ao aparteado. O ideal é que o interessado se dirija diretamente ao orador e peça o aparte. Pela urbanidade e gentileza que devem nortear os debates no júri, este poderá concedê-lo de imediato, ou logo após a conclusão de um raciocínio que seria prejudicado com a abrupta interrupção. Neste caso se trata de mera faculdade ou liberalidade de quem está com a palavra, não é direito subjetivo de quem o solicita. Negado o pedido, o interessado deverá se dirigir ao juiz presidente e fazer o requerimento, que deverá ser, ainda que verbalmente e de forma singela, devidamente justificado e fundamentado, como qualquer outro pedido formulado ao magistrado. Entendendo cabível, este poderá concedê-lo pelo prazo máximo de três minutos, que serão acrescidos ao tempo do orador que estiver com a palavra. Aqui não se trata de mera faculdade do juiz, é um poder/dever, pois se o aparte for pertinente, passa a ser direito de quem o faz. Caso o pedido, embora preencha todos os requisitos legais, venha a ser indeferido, a parte prejudicada deverá requerer que tal fato conste em ata, para eventual alegação de nulidade, em futura apelação. É óbvio que os apartes devem ser necessários e objetivos, os sucessivos requerimentos, que visam apenas a tumultuar a sessão plenária certamente justificam o indeferimento. A primeira espécie de aparte, segundo Amaury Silva, juiz de direito de Minas Gerais, é denominada de consentido, e o segundo, de autorizado. Acrescentaria também a este último, a nomenclatura de determinado, pois, embora feito a requerimento da parte, o magistrado, no limite de suas atribuições e competência, tem o poder determiná-lo. No primeiro caso, como já se afirmou, trata-se de mera liberalidade da parte, de uma concessão feita por ela. Já no segundo caso, haverá o reconhecimento de um direito e a autorização ou determinação de que a parte faça uso dele. Há também a denominação feita por Edilson Mougenot Bonfim e Domingos Parra Neto (O novo procedimento do Júri, pág.125), onde a primeira espécie é chamada de livre e a segunda, de regulamentada. Com todo o respeito que os ilustres mestres merecem, estas não parecem ser as denominações mais precisas, pois o aparte consentido não é livre, caso contrário, a parte contrária poderia fazê-lo a qualquer momento, com total liberdade, no entanto, aqui depende do consentimento da outra e trata-se de mera faculdade. No tocante ao regulamentado, é certo que existe a previsão legal, porém, ela depende da análise do juiz presidente, que deverá autorizá-lo, desde que pertinente e fundamentado. Há, ainda, uma terceira espécie de aparte, com previsão legal, que embora, não tenha ainda sido reconhecida por outros autores, não deixa de ter a natureza de aparte, se assim entendida qualquer espécie de interrupção da fala do orador por seu adversário. Trata-se do disposto no artigo 480, “caput”, do CPP, que dispõe sobre a possibilidade da parte ou mesmo dos jurados de pedirem ao orador, por intermédio do juiz presidente, que indique a folha dos autos onde se encontra a peça por ele lida ou citada. Obviamente, este dispositivo legal visa a garantir a lealdade processual e a possibilidade de se confirmar se aquilo que está sendo dito realmente integra os autos. O normal é que as partes leiam as provas apresentadas e peçam para que um ou mais jurados acompanhem a leitura, porém, não é incomum que alguns oradores falem de provas técnicas ou testemunhais de maneira vaga, muitas vezes distorcendo o seu conteúdo. Para evitar este tipo de ocorrência surgiu esta inovação legal, que deve ser usada com moderação, somente nos casos estritamente necessários. Aqui também não se trata de mera liberalidade; se pertinente, o juiz presidente deverá determinar a sua realização. É certo que os debates em plenário têm natureza dialética, pois cabe a cada parte apresentar a sua versão e visão do processo e das provas nele constantes. É exatamente este confronto que faz com que os destinatários, no caso, os jurados, formem as suas convicções. Os apartes fazem parte desta dialética e devem ser usados sempre que necessário, com urbanidade, moderação e objetividade.