® BuscaLegis.ccj.ufsc.br Quesitação do Falso Testemunho no Julgamento dos Crimes Dolosos Contra a Vida: Dever do Juiz Presidente Quando Requerido Pelo Ministério Público SUSANA BROGLIA FEITOSA DE LACERDA* RESUMO FALSO TESTEMUNHO – INDEFERIMENTO PELO JUIZ TOGADO DE QUESITAÇÃO SOLICITADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO SOB ARGUMENTO QUE A TESTEMUNHA NÃO PRESTOU DEPOIMENTO EM PLENÁRIO NULIDADE POSTERIOR À PRONÚNCIA – REALIZAÇÃO DE NOVO JULGAMENTO – PROCEDIMENTO ADOTADO PELO JUIZ TOGADO QUE INTERFERIU NO CONVENCIMENTO DOS JURADOS – OFENSA AO ARTIGO 5º, INCISO XXVIII, ALÍNEA “D”, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, POR AFASTAR DA APRECIAÇÃO DOS JURADOS O DELITO CONEXO AO DOLOSO CONTRA À VIDA. EXPOSIÇÃO A competência do Tribunal do Júri está estabelecida na Constituição da República como cláusula pétrea (artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea d), impossibilitando qualquer tentativa de extinção ou supressão do Tribunal Popular. Apesar da existência e funcionamento milenares do Tribunal do Júri, sendo o mesmo, em alguns Estados, considerados a forma mais justa de julgamento, há 1 dificuldade dos Tribunais Togados de assimilar suas decisões, havendo diversos comportamentos que ferem a soberania dos veredictos, quer seja com alterações de veredictos em sede recursal, quer seja com adoção de posturas durante a própria sessão de julgamento do Tribunal do Júri. Neste panorama, a quesitação do falso testemunho no Tribunal do Júri é um ponto de suma importância, vez que a admissão ou não, de que determinada testemunha faltou, calou ou omitiu a verdade em alguma fase processual (ou administrativa) tem cabal influência no veredicto do Conselho de Sentença, pois se referido depoimento é reconhecido como falso, não será considerado pelos Jurados para formação de seu convencimento. Desta forma, não cabe ao Juiz Togado a análise da pertinência do requerimento, sendo seu dever formular o quesito e explicar aos Jurados quais as conseqüências de suas respostas, sob pena de ferir regra de competência prevista na Constituição da República (artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea d – julgamento pelo Tribunal do Júri dos delitos dolosos contra a vida e conexos). Há, ainda, ofensa aos ditames constitucionais quando o Juiz Togado ex officio inclui no questionário o falso testemunho. Desde logo, é mister salientar que não importa se o depoimento in thesis falso foi prestado APENAS na primeira fase do procedimento dos crimes dolosos contra a vida (jus acusationes) e muito menos condicionar a quesitação à repetição do aludido depoimento em plenário. A importância do tema concentra-se, assim, na real apreciação, pelos juízes populares, se houve ou não deturpação da verdade por parte de alguma das testemunhas, de modo a influenciar na verdade dos fatos e, consequentemente, nas teses acusatórias e defensivas. A não quesitação do crime de falso testemunho em plenário, sob fundamento que o depoimento falso não ocorreu na sessão de julgamento, da mesma forma, fere a competência constitucional prevista no art. 5º, inc. XXXVIII, alínea d, da Constituição da República, pois, impede que os Jurados se manifestem acerca da ocorrência de crime conexo aos dolosos contra a vida. 2 Em sendo os Jurados os juízes da causa, são os mesmos competentes para julgamento do feito como um todo, não podendo restringir seu conhecimento aos acontecimentos ocorridos em plenário. Ademais, recusando-se o Juiz Togado (apenas Presidente do Tribunal do Júri e não Julgador) a quesitar acerca do crime de falso testemunho ocorrido na fase do jus acusationes, influenciará, com toda certeza, na decisão dos Juízes Leigos, ora Jurados, pois, referida conduta seria o mesmo que afirmar que o crime de falso testemunho não teria ocorrido, ou seja, o mesmo que asseverar que o depoimento da testemunha – ora suspeita de cometimento de crime de falso testemunho - era verdadeiro. A conduta do Juiz Togado, ainda que aja sem tal intenção de causar influência nos Jurados, assim o faz, repercutindo na decisão deles, ao menos indiretamente, em seu convencimento, já que a leitura dos Jurados será a seguinte: se o Juiz Togado não “afirmou” que a testemunha apontada pelo Ministério Público prestou falso testemunho, outras testemunhas ou provas, que se opõem ao suposto depoimento falso, é que são as falsas. Logo, por que os Jurados acreditariam no Ministério Público? Assim, não é defeso concluir que, se o Juiz Togado não formular o quesito sobre o crime de falso testemunho requerido pelo Ministério Público estará interferindo ilegalmente no julgamento, quando deveria manter uma postura imparcial. Outrossim, não há que se cogitar, como impedindo para formulação do quesito de falso testemunho, a hipótese do Ministério Público não ter mencionado sobre a ocorrência de aludido crime no falso testemunho durante o sumário da culpa quando de sua manifestação na fase do artigo 406 do Código de Processo Penal, pois na sessão em plenário é onde ocorre o julgamento da causa, logo é o momento oportuno e hábil para quesitar o falso testemunho, bem como as demais circunstancias do crime doloso contra a vida e seus conexos. Admitindo-se a hipótese que o Ministério Público, quando houvesse oferecido as alegações escritas mencionasse a ocorrência de crime de falso testemunho, o Juiz Togado analisaria tal circunstância na sentença de pronúncia? A resposta só pode ser negativa, vez que tal circunstância deveria ser analisada pelo E. Conselho de Sentença e não pelo Juiz Togado, pois, sem sombra de dúvidas, seria crime conexo ao doloso contra a vida e com grande relevância para o deslinde do feito. Qualquer manifestação na sentença de pronúncia macularia a decisão de nulidade, vez que o Juiz Togado não pode adentrar no mérito da causa na mencionada sentença. 3 Ademais, não se pode olvidar que o autor do crime de falso testemunho poderia, em tese, exercer a retratação na sessão do Tribunal do Júri, solicitando a sua oitiva, vez que cabe retratação até a prolação da sentença condenatória e nos processos do Tribunal do Júri a sentença final é a aquela prolatada após a decisão do E. Conselho de Sentença, e respeitando incondicionalmente sua decisão. Neste sentido: "O momento em que se pode iniciar a ação penal com o oferecimento da denúncia, no crime de falso testemunho (art.342, §1º, do CP) é após a sentença final, não se exigindo, por outro lado, o trânsito em julgado da mesma. Interpretação conjunta do art. 322, § 3º, do CP e art. 211 do CPP. Jurisprudência da Corte. Recurso conhecido e improvido” (RTJ 47/218, RT 708/385 e JSTJ 49/344). O máximo que o Juiz Togado poderia determinar é que tal testemunha, caso houvesse possibilidade, fosse ouvida como testemunha do juízo em plenário, a fim de oportunizar-lhe a retratação. Por que exigir-se a cogitação de falso testemunho antes mesmo de sentença condenatória se tal situação, repise-se, somente seria analisada em plenário? Seria, como exposto anteriormente, um claro desrespeito à instituição do Júri, suprimindo-se sua competência. Desse modo, havendo requerimento pelo Ministério Público ou mesmo pela Defesa acerca da ocorrência de falso testemunho é defeso ao Juiz Togado negarse a formular a quesitação do falso testemunho. Agindo de modo diverso, o Juiz Togado induzirá os Juízes da Causa, pois, indiretamente, repise-se, dará crédito aos depoimentos das testemunhas ora suspeitas. Aliem-se ainda as palavras dos ilustres doutrinadores ALBERTO SILVA FRANCO, RUI STOCO e ADRIANO MARREY, em sua obra “Teoria e Prática do Júri”: “Se, no curso do julgamento perante o Júri, for suscitada a questão de falso testemunho, atribuído a algum dos depoentes ouvidos em Plenário, ou já anteriormente inquiridos na 4 instrução, o Juiz-Presidente formulará aos Jurados um quesito especial (...)”.1- sublinhado O Juiz Togado recusando-se a quesitar sobre o crime de falso testemunho, descumpriu uma de suas obrigações impostas pelo ordenamento jurídico, já que seu dever era o de incluir no questionário, um quesito especial que tratasse do crime de falso testemunho. Se assim agir, independentemente da decisão dos jurados, o Juiz Togado não dará causa à ocorrência de nulidade. Sobre o assunto, cita-se trecho da obra “Processo Penal”, do nobre doutrinador JULIO FABBRINI MIRABETE, o qual frisa o papel do juiz togado nos crimes de competência do Tribunal do Júri: “O juiz não pode e não deve fazer apreciação subjetiva dos elementos probatórios coligidos, cumprindo-lhe limitar-se, única e tão somente, em termos sóbrios e comedidos, a apontar a prova do crime e os indícios da autoria, para não exercer influência no ânimo dos jurados, competentes para o exame aprofundado da matéria”2. Assim, na hipótese do Juiz Togado indeferir a quesitação do falso testemunho pelo Ministério Público e tal decisão prejudicar a condenação do réu submetido a julgamento, é de rigor a determinação do retorno dos autos para a realização de novo júri, pois ocorreu nulidade absoluta posterior à pronúncia, nos termos do artigo 564, parágrafo único, do Código de Processo Penal, visto que não foi submetido ao Conselho de Sentença quesito obrigatório acerca do crime de falso testemunho, caracterizando desobediência ao disposto no artigo 5º, inc. XXXVIII, alínea d, da Constituição da República. A mencionada nulidade é absoluta por ferir regras constitucionais de competência, independendo de argüição das partes, vez que influiu diretamente na compreensão e convencimento dos Senhores Jurados. 1 2 7a ed., São Paulo: RT, 2000, p. 652. São Paulo: Atlas, 2004 – p. 528. 5 Não há que se cogitar da aplicação do artigo 497, inciso XI, do Código de Processo Penal, vez que o Juiz Togado não sanou nulidade, mas sim a gerou, quando se recusou a quesitar acerca do crime de falso testemunho. CONCLUSÃO A não quesitação do crime de falso testemunho em plenário, sob fundamento que o depoimento falso não ocorreu na sessão de julgamento, fere a competência constitucional prevista no art. 5º, inc. XXXVIII, alínea d, da CF, pois, impede que os Jurados se manifestem acerca da ocorrência de crime conexo aos dolosos contra a vida. Uma vez suscitado por qualquer das partes a submissão do quesito de falso testemunho para os Jurados, qualquer manifestação do Juiz Togado de não formular o aludido quesito, influencia visceralmente no convencimento do Conselho de Sentença e, conseqüentemente, fere a competência constitucional de julgar crimes dolosos contra a vida e conexos e o princípio constitucional da soberania dos veredictos. Não se pode permitir a intromissão do Juiz Togado no tocante ao poder decisório de quesitar o falso testemunho. Se houver requerimento, não pode o Juiz Togado furtar-se a submeter aos Jurados a apreciação do quesito. Há muitos Magistrados que, mesmo havendo requerimento do Ministério Público para quesitação do falso testemunho, deixam de fazê-lo porque acreditam que a testemunha não cometeu falso testemunho, ou porque o depoimento não foi colhido na sessão do Tribunal do Júri. Entendimento em contrário coroa o preconceito que o Conselho de Sentença não é apto a promover justiça. * PROMOTORA DE JUSTIÇA DO TRIBUNAL DO JÚRI DA LONDRINA Disponível em: http://www.mp.pr.gov.br/eventos/tssusana.doc Acesso em: 6 de junho de 2007 6