episódio 1 TEMPO • 31 de Março de 1968 – 04:00 h. PERSONAGENS • Pedro e Carol: ambos vestem as roupas com as quais estavam quando entraram no site. • José: feirante; 1,70m; 85 kilos; cabelos pretos curtos; moreno claro; olhos pretos; calça jeans já bem usada; camisa da época. • João: ajudante do feirante(30 anos), 1,80m; 70 kilos; cabelos pretos, lisos e compridos – altura do ombro, branco, olhos castanhos, bermuda e camiseta de time de futebol. • Paulo Roberto: jornalista; 1,65m; 60 kilos; cabelos pretos e curtos; moreno escuro; olhos pretos; calça social cinza e camisa branca de mangas compridas. • Figurantes na feira: vestidos com roupas da época, carregando sacolas de feira listradas e carrinhos de mão. • Figurantes na redação do jornal: homens vestidos com calça social em tons de cinza e preto, camisas de cores claras. Algumas mulheres vestidas de calça modelo semi-bag de cintura alta e blazer na altura dos quadris. Outras, de saia abaixo do joelho e camiseta lisa de gola redonda CENÁRIO • Site • Ruas do Rio de Janeiro • Redação de jornal • Feira livre (PEDRO E CAROL ESTÃO NO SITE NOVAMENTE. CONTENTES, ALIVIADOS. MAS NA FALA E EXPRESSÃO DE AMBOS TRANSPARECE QUE ESTÃO AINDA UM POUCO ASSUSTADOS COM O RESULTADO DA ÚLTIMA VIAGEM) Pedro Você sabe o que está acontecendo? CAROL Eu não!! Não tenho a mínima idéia. Eu tô é com medo. PEDRO Mas foi muito gostoso, você não acha? (Eles se entreolham) PEDRO Isso tá começando a ficar legal. CAROL (concorda como a cabeça,mas um pouco apreensiva) Será que vamos ficar aqui pro resto da vida? Nunca vamos achar um jeito de sair daqui? PEDRO Ah, vai ter um jeito. Nós ainda vamos achar CAROL (Falando pra si mesma) Acho que temos que passar por todos os links, até o fim da barra de navegação. PEDRO É isso mesmo, vai ser isso mesmo. Vamos continuar, então. Vem, vem... (Sai correndo, chamando com as mãos Carol em direção à barra de navegação, e se joga no link logo abaixo do que havia saído, e , com isso, desaparece. Carol hesita, fica sem saber o que fazer,então vê que ficou sozinha e corre atrás do amigo. A mulher que traduz libras fica contente quando percebe que os dois estão começando a gostar deste novo mundo) Está escuro, é final de madrugada - 4 da manhã.Carol aparece num lugar urbanizado, um centro de cidade. Está numa calçada sem movimento. Ela olha para os lados, não vê ninguém, fica amedrontada. CAROL Cadê o Pedro? Ele também saiu. O que eu faço...? (vira-se, olhando para trás e vê uma porta entreaberta.) CAROL (fala consigo) Quem sabe ele tá ali. (Vai em direção à porta e entra) Está escuro, é final de madrugada - 4 da manhã. Pedro aparece numa rua escura, um pouco larga que leva diretamente a uma praça onde estão montando uma feira-livre. Olha para os lados e não vê a amiga. Escuta muito barulho. Passa um homem que esbarra nele. Ambos caem. O homem levava uma caixa de laranjas nos braços. Fica nervoso. PEDRO Desculpa, desculpa! (O homem se acalma) PEDRO Por favor, o senhor...bom dia...o senhor não viu uma menina de um metro e setenta mais ou menos, de uns 17 anos? Ela é mulata, muito bonita. O nome dela é Carol. JOÃO Não conheço nenhuma Carol. Nem vi ninguém assim ainda hoje. PEDRO Eu...eu (ouve-se um grito: JOÃO, JOÃO) JOÃO Preciso ir, o seu Zé tá me chamando. Tenho que levar isso pra ele. (João caminha em direção à feira. Pedro titubeia) PEDRO Posso ir com o senhor? JOÃO Estou trabalhando, menino! Como diz o ditado: "muito ajuda quem não atrapalha". Tô carregando caixas de laranja pra feira. Tenho que fazer isso e ajudar o seu Zé arrumar tudo pra ganhar um dinheirinho hoje. PEDRO Eu não posso ir com você? Assim eu posso te ajudar a levar a caixa... JOÃO Bem...como cê já sabe, eu sou João... PEDRO Eu sou Pedro. JOÃO O que cê faz? Eu vivo desses bicos, um servicinho aqui, ali. Não gosto de emprego fixo. Não tenho horário fixo de trabalho, não tenho chefe me enchendo o dia inteiro. PEDRO Eu...eu... JOÃO Vamos lá, pega logo uma caixa aí e vamos logo levar essas pra buscar as outras. (Eles vão em direção à feira) Uma redação de jornal, uma grande sala com várias mesas individuais, umas ao lado das outras, cada uma com uma máquina de escrever, algumas com duas, papéis empilhados, canetas, blocos de anotações, retratos de família e canecas de café. Carol fica surpresa, olhando de um lado para o outro, ao ver a movimentação ali, naquela hora. Umas 30 pessoas no total: algumas andavam de um lado pra outro, levando papéis, outras estavam sentadas trabalhando em máquinas (antigas máquinas de escrever, que Carol estranha ao ver). Ninguém a percebe de início. Um dos jornalistas, ao desviar-se de Carol, derruba a papelada que levava nas mãos. CAROL Me desculpe! PAULO ROBERTO Que diabo! Eu tô cansado, com pressa e isso ainda cai tudo... CAROL Me desculpe! Eu não queria te atrapalhar... PAULO ROBERTO (virando-se para ela) Você não começou bem seu dia de estágio... E por que veio nesta hora da madrugada? CAROL Eu não... (Ela mesma interrompe o que ia dizer) CAROL É...bom...eu... PAULO ROBERTO Não é você a nova estagiária? Você é a única pessoa nova por aqui. CAROL É...sou eu. Carol. É que acabei de chegar de viagem e então vim para cá. (Começa a ajudar a recolher os papéis do chão.) PAULO ROBERTO Eu tô de plantão hoje. (Vira-se para a mesa ao lado e fala ao colega) E além de estar de plantão vou ter que ir atrás de uma matéria da pauta da próxima noite. (Volta-se para Carol) Bom, você veio de viagem, mas se está aqui precisamos trabalhar. CAROL Estou pronta. (E diz pra si mesma) Ele não pode saber de onde vim! PAULO ROBERTO Como? CAROL Nada, nada... Pedro e João chegam à barraca do seu José. JOÃO Ô seu Zé, arrumei mais um ajudante. JOSÉ Eu não vou pagar mais ninguém. PEDRO Mas não precisa mesmo. Só vim pra ajudar o amigo. JOÃO Vambora buscar as outras caixas. E larga de moleza, tem que por força hein menino. (Ainda está escuro. No caminho até o caminhão Pedro vai olhando para os lados, observando tudo, e se aproxima de um orelhão da época.) PEDRO Em que época eu estou? Oh João, de quando é aquele telefone ali? JOÃO Como de que época? Todo orelhão é assim... PEDRO Tem muito tempo que você mora aqui? JOÃO Já morei em São Cristóvão, em Niterói, mas sempre aqui no Rio. PEDRO E você nasceu quando, quantos anos você tem? JOÃO Trinta PEDRO Nasceu quando? JOÃO Não sabe fazer conta? PEDRO E o que você tá achando do Governo? JOÃO (Olha para os lados e fala um pouco mais baixo, aproximando-se um pouco mais de Pedro) Olha, é preciso tomar cuidado...A vida tá muito difícil. Não sei de onde você veio, mas aqui no Rio é melhor não ficar falando muito do governo...precisa tomar cuidado. Não fica por aí perguntando sobre o governo não, que é arriscado pra você. Como dizia meu avô: "quem semeia vento, colhe tempestade"... (Continuam o trabalho de ir buscar as caixas) PEDRO Não, num tô querendo confusão. Obrigado. É... cidade grande é diferente...(pequena pausa) E como é o nome do Presidente da República? JOÃO (Ri) Cê tá brincando, cê não estuda? É o Costa e Silva. Olha a vida melhorou um pouco só para alguns, os mais ricos. Pra mim tá do mesmo jeito ou pior. E além disso...(pára de falar, olha desconfiado para Pedro, mas depois relaxa) bem, você não é da polícia...é, não pode ser...você é muito novo. A gente tem que ter cuidado com o que fala e pra quem fala. PEDRO É eu sei... eu tenho cuidado... JOÃO Tem gente que desaparece, ninguém sabe como nem quando. São presos, morrem. Você acompanhou o caso do Edson, o estudante morto outro dia? PEDRO (Mente) É...acompanhei sim. JOÃO Eu...pra mim, a única coisa que posso fazer é trabalhar, ganhar meu dinheirinho e tocar minha vida. De grão em grão a galinha enche o papo.Vamos esperar pra ver se melhora pra todo mundo... (Já está claro, são 6 horas. Os dois se aproximam novamente junto dos caminhões) Pedro (Lê uma frase em um pára-choque de caminhão, Ri) JOÃO Do que cê tá rindo? PEDRO (Apontando a frase no pára-choque, lê em voz alta) "Não sou pipoca, mas dou meus pulinhos". JOÃO (Também ri) Aqui na feira quase todo caminhão tem essas frases. Olha ali: "Na subida, paciência. Na descida, dá licença". E a outra ali: "Amo a sogra da minha mulher". "Vou rezar 1/3 pra arranjar 1/2 de te levar pra 1/4". Carol, na redação do jornal, se afasta de Paulo Roberto e vai olhando tudo mais de perto, as máquinas, observa as roupas dos jornalistas. Olha para o cabelo de uma jornalista. CAROL Parece o cabelo da minha tia numa foto antiga! Em que ano eu estou? Pelo menos parece ser século XX. (Continua a andar e a observar as coisas, encontra um disco de vinil - a câmera focaliza - "The Beatles - SGT Peppers Lonely Hearts Club Band - 1967") PAULO ROBERTO (Vê Carol com o disco) Cuidado com meu LP novo! CAROL Novo??? PAULO ROBERTO Bom... nem tão novo assim. Saiu ano passado, mas eu comprei só agora. CAROL Ah...já sei... PAULO ROBERTO Como? Não entendi a pergunta... Eu gosto muito de música...dos Beatles...de muitos cantores da Bossa Nova. Caramba...já tem 10 anos a bossa nova! CAROL Também gosto muito de música. PAULO ROBERTO Tá acompanhando essa coisa aí do tropicalismo. O Caetano, né, o Gilberto Gil. Você já ouviu os Mutantes? CAROL Sabe que não?...É que eles não contin... PAULO ROBERTO Não o quê? CAROL É...não...não...não ouvi não. PAULO ROBERTO Eu gosto deles, viu? Tem um amigo que tá fazendo uma matéria sobre o Tropicalismo. Ele me disse que eles se inspiraram na Semana de Arte Moderna de 22. Ou seja, eles têm uma atitude meio antropofágica, como aquele grupo de São Paulo. CAROL Você acha, é...? PAULO ROBERTO Acho. Acho sim. Eles têm essa atitude de absorver influências culturais externas misturar no nosso caldeirão cultural, que é tão variado, e depois colocam pra fora, regurgitam, não? CAROL É verdade. Depois quero ler essa matéria. (Carol olha para um relógio na parede. 7 horas) É tudo estranho, mas eu tô aprendendo muita coisa nova...Mas onde será que tá o Pedro? PAULO ROBERTO Quem? Pedro e João chegam à Feira com a última caixa. Pedro passa a observar com cuidado a feira: o corredor com as barracas de cores e tamanhos diferentes - são de ferro e madeira. Todos os produtos à mostra. O povo chegando, andando desordenadamente. Parando aqui, ali, falando com os vendedores. Os donos das barracas gritam para anunciar seus produtos. Pedro olhando para os lados, diz: PEDRO E a Carol, que diacho, onde ela foi parar? E essa cidade é grande. E ainda tem os perigos dessa situação política... episódio 2 TEMPO • 31 de Março de 1968 – 10 h. PERSONAGENS • Pedro e Carol: ambos vestem as roupas com as quais estavam quando entraram no site. • José: feirante; 1,70m; 85 kilos; cabelos pretos curtos; moreno claro; olhos pretos; calça jeans já bem usada; camisa da época. • João: ajudante do feirante, 1,80m; 70 kilos; cabelos pretos, lisos e compridos – altura do ombro, branco, olhos castanhos, bermuda e camiseta de time de futebol. • Paulo Roberto: jornalista; 1,65m; 60 kilos; cabelos pretos e curtos; moreno escuro; olhos pretos; calça social cinza e camisa branca de mangas compridas. • Daniel: chefe de Paulo Roberto; 1,80m; 90 kilos; cabelos castanhos claros; moreno claro; olhos castanhos; terno preto; camisa branca e gravata cinza; calça preta. • Figurantes na feira: vestidos com roupas da época, carregando sacolas de feira listradas e carrinhos de mão. CENÁRIO • Ruas do Rio de Janeiro • Redação de jornal • Sala do editor-chefe • • • Restaurante Feira livre Lagoa Rodrigo de Freitas. Na Feira, por volta das 10 horas da manhã. Pedro está observando o movimento da Feira, ouvindo o barulho FEIRANTE (gritando) Moça bonita não paga...mas também não leva!" No jornal, Paulo Roberto na sala do editor chefe. Carol o espera na mesa dele, olhando para a porta da sala do editor. Paulo Roberto sai da sala preocupado. CAROL Algum problema? PAULO ROBERTO (Indica com o dedo para a sala do chefe) Ele me pediu, em cima da hora, uma matéria nova, que não seja sobre homenagem à "Revolução". CAROL De que Revolução você está falando? PAULO ROBERTO (espantado) Cê não tá falando sério?!! CAROL Como assim? (Fica sem jeito. percebe que era algo que ela deveria saber para aquela época) PAULO ROBERTO Todo jornalista precisa ser muito bem informado. Como é que alguém que quer ser jornalista não sabe do que está acontecendo no Brasil nos últimos anos? CAROL Você tá falando do Golpe militar? PAULO ROBERTO (Se aproximando dela e falando mais baixo) É isso. Mas cuidado! Você não pode ficar falando de golpe militar por aí. Tome muito cuidado com isso. CAROL Tá certo. Vou ter cuidado. PAULO ROBERTO A censura na imprensa tá muito forte, não sei se você sabe bem disso. CAROL Ah, tá. Me desculpe. PAULO ROBERTO Está muito difícil para todo mundo, mas para artistas e jornalistas tá duro. Pode ser perigoso. Ninguém pode falar de qualquer coisa abertamente. As matérias vêm passando por uma revisão de censura antes de serem publicadas. CAROL Eu sei que a revisão é importante. PAULO ROBERTO Não é revisão, menina. É censura. CAROL Que coisa!! Como existe censura ainda nesta época. Achei que isso era algo mais antigo. PAULO ROBERTO Existe sim. A censura sempre acompanhou a humanidade, os governos, a Igreja. Deixa pra lá. Preciso pensar em encontrar uma matéria que interesse e que não fique falando deste aniversário de 31 de março. CAROL Não seria bom a gente sair. Ver se encontra algo na rua? PAULO ROBERTO Pode ser. Mas é melhor fazer alguns telefonemas primeiro para saber se alguma fonte, ou algum lugar aí tem algo que pode interessar. Pega meu caderno de endereços na minha mesa. CAROL (Indo até a mesa dele) Tá aqui. PAULO ROBERTO Procura aí pra mim delegacia, hospitais. (Ela anota e passa para ele. Ele se senta ao telefone e vai fazendo ligações.) Liguei até para uns comerciantes amigos, mas nada. Vamos sair. (Ele pega a agenda, algumas fichas de telefone, um bloco de notas, uma maleta e a câmera. Olha para o relógio) Quase dez horas. CAROL Vamos sair já? PAULO ROBERTO Vamos. A gente procura, e eu vou telefonando pra cá de quando em quando pra saber do plantão se apareceu alguma notícia. Vamos para a zona Sul, quem sabe por lá acontece alguma coisa diferente. Assim te mostro um pouco a cidade. Saem para a rua. Ela vai prestando atenção nas fachadas das casas, das lojas, nos carros. CAROL Se eu pudesse, queria fotografar as coisas para meu amigo ver como é diferente. PAULO ROBERTO Diferente do quê? Da cidade de vocês? De onde vocês são? CAROL Ele ia gostar destes carros. E aquele outdoor ali. É muito diferente: xxxxxx PAULO ROBERTO Ele não conhece? (Estão andando na direção da Lagoa Rodrigo de Freitas) CAROL Nós não vamos achar nada assim... PAULO ROBERTO É difícil sim. Mas vamos ser persistentes. Um jornalista tem que ser persistente, paciente. Como dizia minha avó: "Água mole em pedra dura tanto bate até que fura". Na feira seu José grita para atrair clientes. JOSÉ Laranja lima! Melão maduro! Mamão fresquinho! (Pedro acha engraçado.) JOSÉ E aí menino, não quer me ajudar na propaganda? (João e Pedro se olham e riem) PEDRO Olha o melão, melão maduro! laranja docinha!(repete) Carol e Paulo Roberto andando avistam uma feira. Vão olhar. Eles se misturam ao tumulto. Pessoas com carrinho de feira, com sacolas, crianças chorando e feirantes gritando. Passam pela barraca do peixe. CAROL Aquela mulher tá com dificuldade de comprar. Acho que ela tem deficiência auditiva. PAULO ROBERTO É. Ela é surda. CAROL (Pára na barraca e começa a conversar com a compradora em libras. Fala à feirante:) Ela quer um quilo de pescada. FEIRANTE Obrigado, menina. (A compradora também agradece em libras) PAULO ROBERTO É tão difícil encontrar quem saiba língua de surdos...como você sabe? CAROL Minha irmã tem deficiente auditiva, então aprendi para conversarmos. PAULO ROBERTO Ela é surda desde o nascimento, ou teve algum problema depois? CAROL Desde que nasceu. (Continuam a andar pela feira, passam pela barraca da verdura e se aproximam da barraca de frutas) Pedro continua a gritar com satisfação, rindo PEDRO Olha o melão, melão maduro! Laranja docinha! (repete) Mamão da melhor qualidade! JOÃO Pedro, precisamos ir buscar mais uma caixa de frutas que o seu Zé pediu. (Vão até o caminhão. Em seguida Carol e o jornalista passam pela barraca de frutas e saem da feira) 13 horas. A feira já está esvaziando PEDRO Mas, João, tô escangalhado e com fome. Eu nem me lembro quando comi pela última vez. JOÃO Veja bem, nós vamos almoçar já já. Saco vazio não pára em pé. Eu ganhei dois PF num boteco bem legal aqui perto. Depois podemos também tomar uma cervejinha com o dinheirinho que o seu Zé me pagou. Você vai comigo. Eu pago seu almoço. PEDRO Então vamos ajudar logo a desmontar tudo pra gente comer. (Ajudam a desmontar a barraca e a levar tudo para o caminhão. Seu José paga João) No restaurante JOÃO Dois PF no capricho. Um pra mim e outro pro menino esfomeado aqui. GARÇOM Pra beber... JOÃO Uma branquinha pra mim. PEDRO Um guaraná. (O garçom traz as bebidas) JOÃO Qué um gole? PEDRO Não obrigado. Cê bebe rápido... (Ficam conversando) Paulo ao telefone. Fala um pouco PAULO ROBERTO É não tem nada mesmo. É melhor voltarmos pro jornal, lá posso ajudar quem estiver precisando. CAROL Será que eu posso fazer alguma revisão hoje pra ir praticando? PAULO ROBERTO Claro, vamos lá. Pedro e João depois de saírem do restaurante vão em direção à lagoa Rodrigo de Freitas. JOÃO Quero te mostrar um lugar que eu gosto de ir pra descansar na beira d'água. PEDRO Cê bebeu um bocado, hein? JOÃO Nada. Uns gole. (Vão andando e conversando. João vai gesticulando muito e às vezes cambaleia ligeiramente) PEDRO Tô muito preocupado porque não tenho a menor notícia da Carol e não sei como vou encontrá-la. JOÃO Vamos descansar um pouco aqui, e depois a gente pensa nisso. (Eles se deitam e cochilam. Quando Pedro acorda, olha pro lado e não vê João.) PEDRO Pronto, fiquei sozinho de novo! episódio 3 TEMPO • 31 de Março de 1968 – 18 h. PERSONAGENS • Pedro e Carol: ambos vestem as roupas com as quais estavam quando entraram no site. • João: ajudante do feirante, 1,80m; 70 kilos; cabelos pretos, lisos e compridos – altura do ombro, branco, olhos castanhos, bermuda e camiseta de time de futebol. • Paulo Roberto: jornalista; 1,65m; 60 kilos; cabelos pretos e curtos; moreno escuro; olhos pretos; calça social cinza e camisa branca de mangas compridas. • Policiais • Bombeiros • Repórteres CENÁRIO • Ruas do Rio de Janeiro • Redação de jornal • Lagoa Rodrigo de Freitas. • Site. PEDRO (Preocupado, olhando para todos os lados. Avista João ao longe saindo da lagoa) Oh! É ele. JOÃO (Vem gritando e balançando os braço) PEDRO Não entendi repete! JOÃO Encontrei um homem morto na Lagoa. POLICIAL (Se aproxima) O que que ocê achou? PEDRO (Receoso, gagueja) É...é... meu amigo, acho que ele achou um morto na Lagoa! Ele tá chegando... JOÃO (Chega esbaforido, assustado...) Tem o corpo de um homem boiando na Lagoa! POLICIAL Onde, onde você viu? O que você tava fazendo lá? JOÃO Está boiando ali mais pra frente. POLICIAL Fique aí que eu vou chamar outra viatura. Não sai daí que precisamos conversar. (O policial volta e logo depois chega uma viatura do corpo de bombeiros) Carol está sentada numa mesa lendo uma matéria que Paulo lhe passou para fazer uma revisão. Paulo está a seu lado. ela fala com ele, ele responde. Na mesa ao lado uma radinho de pilha toca Domingo no Parque. Carol cantarola algumas passagens PAULO Então você conhece os tropicalistas...essa música é do Gilberto Gil de que eu te falei. CAROL Claro que conheço... PAULO É interessante como a letra é como uma notícia de Jornal... CAROL É uma pequena crônica de briga e morte por um amor. (Toca o telefone) PAULO Alô. Sim, sou eu.Posso sim, estou indo. CAROL Alguma novidade? PAULO Um amigo policial que me telefonou pra dizer que foi encontrado o corpo de um homem na Lagoa Rodrigo de Freitas. Vamos lá que ainda dá tempo de fazer uma matéria pra edição de hoje. E talvez sejamos os únicos a publicar... Os policiais interrogam João e Pedro JOÃO (Ainda um pouco embriagado) Nós somos trabalhadores da feira. Trabalhamos de manhã depois fomos almoçar um PF. POLICIAL E como encontraram o corpo, se ele não estava na margem? JOÃO Nós resolvemos dar uma descansada, um cochilo aqui na grama. Aí eu resolvi tomar um banhozinho pra refrescar. O Pedro ficou dormindo e eu dei um mergulho. Quando nadei pra lá (mostra) avistei o corpo boiando. (Chegam os bombeiros, sirene, descem da viatura tiram os aparelhos necessários. Já está escurecendo e os bombeiros resgatam o corpo) POLICIAL E quem é ele? JOÃO Eu não conheço. Eu só vi ele quando entrei na água. POLICIAL Naum tá estranha esta história? PEDRO É verdade. Quando acordei vi o João vindo correndo e gritando que tinha visto um corpo boiando. POLICIAL Bom. Vocês vão aguardar aí pra gente ver o que vamos fazer. (Vão examinar o corpo, falar com os bombeiros. Falar com os técnicos que começam a fotografar) Paulo Roberto e Carol chegam ao local da ocorrência e observam os bombeiros trabalhando PAULO ROBERTO,Digirindo-se a um policial, diz: Eu sou da imprensa, o boletim de ocorrência já está feito? POLICIAL Já é esse aqui. PAULO ROBERTO (Lendo para Carol) "Foi encontrado, boiando na Lagoa Rodrigo de Freitas, às 19:08 do dia 31/03/1968, o corpo de um homem aparentando ter 28 anos. Ele trajava uma camiseta e uma calça jeans. Retirado da água, foi posto em decúbito dorsal para ser fotografado. Causa provável da morte: afogamento.” CAROL O que é decúbito dorsal? PAULO ROBERTO É a forma pela qual os policiais se referem, nos boletins de ocorrência, à posição de um corpo de costas para chão e barriga pra cima. CAROL Jeito estranho de falar... PAULO ROBERTO É... cada profissão tem seu jargão, seu jeito de falar... e utilizam ele sempre. Mas estas expressões podem aparecer em outras situações, você não leu “tragédia Carioca” do Bandeira? Ele termina dizendo “foi encontrada de organdi azul em decúbito dorsal”. PAULO ROBERTO Volta-se para os policiais PAULO ROBERTO Quem encontrou o corpo? POLICIAL Foram dois rapazes, acho que são aqueles ali. PAULO ROBERTO Obrigado. (Voltando-se para Carol) Precisamos encontrá-los e conversar com eles. Assim podemos saber mais um pouco dessa história. Paulo Roberto e Carol vão na direção dos rapazes indicados pela polícia. Eles conversam entre si. JOÃO Ocê acha que eles estão desconfiados da gente? PEDRO Não sei. Pode ser, só que eles precisam de informações para começar a investigar. (Paulo Roberto tocando no ombro de Pedro) PAULO ROBERTO Oi menino... tudo bem? PEDRO Menino, não. Pedro. (olha fixo e alegre para Carol) Carol???? CAROL Pedro??? Pedro!!! (Se abraçam, falam entre si muitos satisfeitos) PEDRO Tava aqui com medo. Foi o João que estava comigo que encontrou o corpo. Fiquei achando que estavam desconfiando de nós. CAROL Nada, cara. Não vai ser nada. PEDRO Queria que você estivesse comigo agora para me ajudar a sair dessa. (Carol sorri satisfeita) PAULO ROBERTO Então este é seu amigo perdido? CAROL Como você se meteu nessa? PEDRO Quando me vi no Rio sem você encontrei logo o João, que ajuda na Feira. E o acompanhei o dia todo, ele me arrumou almoço... viemos pra cá para descansar um pouco. Quando eu dei uma cochilada ele resolveu nadar um pouco. Foi aí que ele viu o corpo e saiu gritando, me chamando e um policial que passava percebeu e veio ver. Aí tudo começou aqui. Veio polícia, bombeiros, sei lá... PAULO ROBERTO Pedro, você e seu amigo podem me dar uma entrevista? Queria fotografá-los para a matéria que vou fazer sobre o ocorrido. Vou focar a notícia na Lagoa, como um lugar especial do Rio. Pode ser “Afogou-se na Rodrigo de Feitas”. (Fala para Carol) Isto me lembra um outro poema de Bandeira. Acho que se chama “Poema tirado de uma notícia de jornal”. (o jornalista recita uma passagem) Vários jornalistas se aproximam. Vão logo se aproximando de Pedro e João e separam Pedro de Carol. Pedro fica olhando para ela. CAROL Preciso tirar Pedro dali... Afasta-se ligeiramente e vê uma luz estranha vindo de dentro do túnel Rebouças CAROL (Gritando para o amigo) Nós já não passamos por aquele túnel alguma vez? (Vai em direção a Pedro e o puxa pela mão e sai correndo em direção à luz. Ao entrarem na Luz voltam ao site. Pedro, ao perceber que está de volta ao site, fica muito descontente. ) PEDRO Eu quero voltar pra lá. Eu quero voltar pra lá. Não posso deixar o João sozinho lá. Tenta retornar ao link em que estavam, mas ao bater a cabeça no link, aparece uma mensagem: “ Tarefa concluída”. Escutam-se vários piiiii. CAROL Fica calmo Pedro. Finalizamos a tarefa. Não tem jeito. Vamos fazer as outras tarefas. FIM