Ação de Investigação Judicial Eleitoral
Autos nº. 315-45.2012.6.16.0166.
Investigante: Ministério Público Eleitoral
Investigados: Gerson Francisco Gusso
João Alberton
SENTENÇA
1 – RELATÓRIO:
O presente feito constitui-se em Ação de Investigação Judicial Eleitoral para apuração de
irregularidade de captação ilegal de sufrágio, abuso do poder político e econômico, cumulada com
pedido de cassação do registro ou do diploma, deduzida pelo Ministério Público Eleitoral em face
de Gerso Francisco Gusso e João Alberton, candidatos, respectivamente, à reeleição aos cargos de
prefeito e vice-prefeito, na Coligação “Unidos Pela Paz e que o Desenvolvimento Continue”,
perante o município de Três Barras do Paraná.
Em sua exordial, a investigante relatou que instaurou procedimento administrativo para apuração
de condutas irregulares praticadas em período eleitoral, registrado sob nº. 0032.12.000126-1. Tais
irregularidades consistiam na distribuição indiscriminada de requisições para aquisição de
alimentos pelos munícipes conforme relatos da eleitora Maria Lenz Bueno.
No mesmo procedimento, averiguou-se a captação de sufrágio por parte do segundo investigado,
que teria oferecido dinheiro em troca de voto à eleitora Catiana de Souza.
Em razão de tais fatos, o investigante manejou a presente demanda. Sustentou que restou apurado
que os investigados estavam utilizando recursos públicos para subsidiar sua campanha eleitoral,
distribuindo vale alimentação em troca de votos. Aventou que, embora existisse um programa
municipal de auxílio às pessoas carentes ou portadoras de doenças crônicas, no caso em apreço,
houve distribuição sem critério de auxílio alimentação a munícipes que não se encaixavam em tal
programa, chamando atenção para o número de requisições entregues no período eleitoral.
Teceu comentários acerca dos princípios norteadores da administração pública.
Disse que também restou comprovada a captação ilícita de sufrágio através da compra direta de
votos mediante pagamento em dinheiro, consoante depoimento prestado pela eleitora Catiana de
Souza, bem como pela gravação por ela fornecida.
Tais condutas seriam violadoras do disposto nos arts. 41-A da Lei nº. 9.504/97, bem como do art.
22 da Lei Complementar 64/90.
Requereu, ao final, o cancelamento do registro, a cassação do diploma ou do mandato dos
investigados, bem como a decretação de suas inelegibilidades. Juntou os documentos relativos ao
procedimento preparatório no início mencionado. Arrolou testemunhas.
Notificados, os investigados apresentaram sua defesa (fls. 40/72).
Aventaram preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público.
No mérito, negaram tenha havido abuso do poder político ou econômico, aduzindo que o que de
fato existiu foi um ato da oposição política, que condicionou os denunciantes, os encaminhando até
a Promotoria de Justiça.
Aventaram que a eleitoral Maria Lenz Bueno tem cadastro no município como pessoa carente
desde 2010, cadastro esse inclusive atualizado em 2012 – fato esta que teria sido por ela omitido,
sendo esta a razão da entrega da cesta, que não foi condicionada a qualquer pedido de voto.
Argumentaram que desde o ano de 2007 existe programa de distribuição de cestas básicas no
município de Três Barras do Paraná, havendo somente a continuidade do mesmo em 2012.
Aduziram que em momento algum houve aumento na distribuição de cestas básicas, ocorrendo
justamente o contrário no período eleitoral – apresentou inclusive tabelas comparativas.
Com relação à captação ilícita de sufrágio, em tese, praticada pelo segundo investigado,
argumentaram que tal fato não ocorreu. Sustentaram que a Sra. Catiana de Souza é articuladora
política da aposição e que suas declarações são suspeitas. Combateram a gravação ambiental feita
por ela, argumentando ser prova ilícita, eis que quem dela se utilizou foi o investigante, e não a
eleitoral que a produziu.
No restante, traçaram entendimento acerca da fragilidade da prova coligida, da aplicação dos
dispositivos da Lei Geral das Eleições (Lei nº. 9.504/97) e da Lei das Inelegibilidades
Infraconstitucionais (LC 64/90).
Pugnaram, ao final, a improcedência da pretensão ministerial exordial. Arrolou testemunhas e
juntou documentos (fls. 75/510).
Em vista dos autos, o Ministério Público pugnou pelo não acolhimento da questão preliminar. No
mérito, sustentou a necessidade de instrução do feito (fls. 513/519).
Na decisão de saneamento, foi rejeitada a preliminar, deferida a prova testemunha e demarcada
para tanto a instrução do feito (fls. 521/523).
Na audiência de instrução, presentes todas as partes e o Ministério Público, foram ouvidas 03
testemunhas arroladas pela investigante e 05 pelos investigados. Foram apresentados
requerimentos pelas partes, sendo somente deferida a juntada de novos documentos.
Com a vinda dos documentos (fls. 550/572), seguiram-se as alegações finais, no prazo comum. O
investigante fez uma analise da prova coligida e pugnou ao final pela procedência de sua pretensão
exordial (fls.591/620). Os investigados agiram da mesma forma que a investigante (fls. 578/589).
Vieram os autos conclusos.
2 – FUNDAMENTAÇÃO:
Trata-se de Ação de Investigação Eleitoral que visa apurar a prática, em tese, de 02 fatos
imputados aos investigados pelo investigante. Desta forma, entendo que a análise de per si de cada
fato é a forma que melhor atende os interesses da justiça. Passo a fazê-lo desta forma:
2.1 – 1º Fato:
Conforme já relatado, o 1º fato consiste na captação ilícita de sufrágio através de distribuição de
requisições para aquisição de cestas básicas pelos munícipes e eleitores de Três Barras do Paraná,
seguido do pedido de auxílio “na política”. Pois bem.
Em princípio, pelo que se narrou na exordial, a norma de regência do caso encontra-se estampada
no art. 41-A da Lei nº. 9.504/97, in verbis:
Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada
por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o
voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde
o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil
Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei
Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.
§ 1o Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando
a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.
Segundo se extrai do dispositivo em voga, para que se tenha configurada a captação ilícita mister
se faz concorram 04 elementos: (i) a doação, oferecimento, prometimento ou entrega ao eleitor, (ii)
com o fim de obter-lhe o voto, (iii) de bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, (iv), desde o
registro da candidatura até a expedição do diploma.
Enquanto o investigante imputa a conduta de distribuição indiscriminada de cestas básicas pelos
investigados no período eleitoral, com intuito de obter o voto, estes sustentam que somente
estavam fazendo cumprir um programa social pré-existente no município, sem qualquer conotação
eleitoreira. Analisando o contexto probatório, e parafraseando o dito popular, entendo que não é
caso “nem de oito, nem de oitenta”, mas de um meio termo. Explico:
Dos documentos juntados com a contestação dos investigados extraio que, desde o ano de 2008,
existe programa de distribuição de cestas básicas para munícipes que se encaixem nas condições
exigidas pelas leis de regência. É fato comprovado, também, que mesmo antes de 2008, existiam
outros programas assistenciais municipais. Visando aclarar a situação, fiz um compêndio histórico
da legislação.
O programa “distribuição de cestas básicas” iniciou-se com o advento da Lei Municipal nº. 293/07,
consoante se extrai do Procedimento Administrativo nº. 0032.12.000126-1 (fls. 157/158), que
previa a distribuição, por uma vez, a cada ano (art. 4º). Em seguida veio a Lei Municipal nº.
340/07, consoante se extrai do Procedimento Administrativo nº. 0032.12.000126-1 (fls. 155/156),
que previa a mesma quantidade de distribuição (art. 4º).
Na sequencia, foi editada a Lei Municipal nº. 408/08, que previa a distribuição de 04 cestas por
família em tal exercício financeiro, consoante se extrai do Procedimento Administrativo nº.
0032.12.000126-1 (fls. 165/166). Posteriormente, ela foi alterada pela Lei Municipal nº. 24/09,
consoante se extrai do Procedimento Administrativo nº. 0032.12.000126-1 (fls. 173/176), que
reduziu o numero de distribuições anuais a 01 única, no mês de dezembro (art. 4º), mantidas pela
Lei Municipal nº. 142/09 (fls. 175/176, Procedimento Administrativo nº. 0032.12.000126-1).
A Lei Municipal nº. 155/09 estendeu o programa “cestas básicas” para as famílias com renda até
R$ 930,00 mensais (Procedimento Administrativo nº. 0032.12.000126-1, fl. 177). A Lei Municipal
nº. 326/10 recriou novamente o programa “cestas básicas” (Procedimento Administrativo nº.
0032.12.000126-1, fls. 186/187), e manteve o numero de distribuições em 01 anual, no mês de
dezembro (art. 4º).
Ao lado da legislação relativa ao programa “cestas básicas”, existiam outras Leis que
disciplinavam diversos programas sociais, tais como Lei Municipal nº. 298/97, nº. 464/08, nº.
23/09, nº. 212/10 – Programa de Atendimento Social; Leis Municipais nº. 374/07 e nº. 550/11 –
Programa Cestas Natalinas; Leis Municipais nº. 01/09, nº. 211/10 e nº. 279/10 – Programa
Alimentos a Pessoa Carente e Portadora de Doença Crônica.
Por fim, foi editada a Lei Municipal nº. 358/11 (fls. 191/195, Procedimento Administrativo nº.
0032.12.000126-1), que consolidou a legislação existente sobre os programas de serviços de
auxílio/benefícios assistenciais e expressamente revogou as Leis Municipais nº. 365/07, 299/10,
301/10, 335/10 e 336/10.
Do compêndio supra facilmente verifico que, de fato, existiam variados programas sociais em
execução no município. A existência e as nuances de tais programas foram aclaradas pelas
testemunhas ouvidas durante a instrução do presente feito, das quais transcrevo os dizeres:
Dalvo Koerich - com relação às cestas básicas, a classificação e distribuição são feitas pela
assistência social. Sabe como se prepara para que as cestas possam der doadas. O programa existe
desde 2007. Especificamente para 2011 e 2012 as cestas básicas passaram a constas no PPA, LDO
e LOA. Antes de 2011, doava-se uma, duas, três ou quatro cestas básicas por ano. Depois, com a
vinda do CRAS, foi feita uma nova legislação. A Lei diz quem tem direito, e os requisitos. A ele
compete fazer a legislação até chegar à assistência social. Faz 12 anos que a testemunha trabalha
para o município. Antes de 2011, a cada vez que se criada uma lei se fazia uma licitação
específica. A partir de 2011 criou-se um critério sem limite de cestas, bastando a disponibilidade
financeira e o preenchimento dos requisitos. As compras são feitas em atacado pelo município,
cujos produtos são relacionados. Após a criação do CRAS, foi ele quem passou a instrumentalizar
a distribuição, sendo que tal órgão racionalizou tal distribuição. A distribuição já existia mesmo
antes do ano eleitoral. Como dito, depois de 2011 foi feita uma lei geral, não necessitando de uma
lei por programa. As despesas são todas contabilizadas. No mês de janeiro distribuem-se menos
cestas. No entanto, nos meses de seca ou de crise, a população procura por mais cestas básicas. Em
média, segundo previsão orçamentária, são distribuídas 200 cestas básicas mensais. Até hoje não
houve transbordo da dotação. Segundo a testemunha, a distribuição parte do estudo social, emite-se
a requisição, sendo que destas fica arquivada uma cópia. A assistência social relaciona as pessoas
que recebem as cestas, mensalmente. A distribuição entre junho e agosto de 2012 está dentro da
média.
Jurema Dresch – é funcionária concursada do município há 17 anos. Com relação às cestas básicas,
dona Maria Plens é usuária dos programas assistenciais desde que a conhece. Ela se utiliza de
medicamentos, alimentos. A testemunha faz o estudo socioeconômico e o encaminha via e-mail
para o órgão gestor. Não participa da entrega do benefício, mas sim das famílias que teriam direito
aos benefícios. Quando faz o estudo a família solicita o que precisa, embora isso não conste do
estudo. Conversou com a Maria Plens em abril, sendo que na oportunidade ela pugnou por
alimentos. Atualizou o cadastro da dona Maria, porém não pegou a assinatura porque não tinha o
sistema de arquivo físico no novo CRAS. A triagem é feita com base nos critérios legais. Fazem
visita in loco. Sabe dizer detalhes sobre a Sra. Maria, que é considerada vulnerável. Nunca
presenciou a Dona Cristina distribuindo cestas básicas e pedindo voto. Quem entrega as
requisições é a secretária de ação social. Confirma a veracidade das informações prestadas no
relatório que não se encontra assinado. Não houve aumento das assistências sociais prestadas pelo
município no período eleitoral. Todos os anos o fluxo de distribuição é praticamente o mesmo. As
distribuições começaram em 2005 ou antes. Dona Maria Plens preenche vários requisitos para a
obtenção de benefícios. Não tinha pensado sobre a conduta de fazer atualizações no cadastro sem a
assinatura da dona Maria. Em 2010 colheu a assinatura porque estava no órgão gestor e tinha
condições de arquivar fisicamente os documentos.
Sandra Franceschini – quanto às cestas básicas, a secretaria de ação social é o órgão gestor. A
testemunha é a assistente social que responde por tal órgão. Ana Cristina é a secretaria de ação
social. A distribuição das cestas é feito com base em lei municipal, que contem critérios definidos.
O CRAS é recente no município. Antes o auxílio era buscado diretamente na prefeitura. O CRAS
foi implantado a cerca de um ano e meio. Não conhece dona Maria Plens, eis que está há pouco
tempo no município. Acompanha-a somente pelo cadastro. O requerimento é feito perante a
secretaria, mas alguns já criaram o hábito de ir direto ao CRAS. Os cadastros são anualmente
renovados, seja a pedido do beneficiário, ou toda vez que solicitado auxílio e mudado o contexto
de vida. Normalmente colhe-se a assinatura do beneficiário. Dona Maria Plens já passou por vários
auxílios, v.g. medicamentos, tratamento para alcoolismo, tanto dela quanto seu marido. Trabalha
na sede do município. A gestora da secretaria é dona Ana Cristina Gusso, que assina as requisições
e demais expedientes. Os vales são distribuídos na sede da prefeitura. No CRAS somente
acontecem os programas e encaminhamentos. Quando solicitados alimentos, a distribuição ocorre
no órgão gestor. Não há um número limite de cestas básicas. As distribuições são feitos com base
na renda e na vulnerabilidade da família. O caso de dona Maria, há vulnerabilidade econômica e
problemas com alcoolismo. Existe controle acerca dos auxílios recebidos pela dona Maria Plens.
Não presenciou situação de compra de votos em relação à dona Maria. Os critérios dependem de
cada caso. Não houve exagero nos atendimentos em decorrência do pleito eleitoral de 2012, sendo
mantida a demanda, que somente aumentou a partir da implantação do CRAS, que começou
trabalho intensivo nesse sentido, bem como aumento nos meses de fevereiro, março e abril, em
razão da falta de chuvas. Quem assina e por vezes entrega pessoalmente as requisições é dona Ana
Cristina, enquanto secretaria de ação social. É natural que Maria Cristina entregue as requisições,
sendo que na sua ausência quem procede a entrega é Tânia, funcionária da secretaria de ação
social. A maioria das vezes a dona Ana Cristina deixa o bloco de requisições assinado. Para a
testemunha também é encaminhado um estudo elaborado pela assistente social, ao qual
efetivamente ela confere credibilidade e validade para efeito do auxilio, sendo que o cadastro é
mero ato de consulta, como banco de dados, e não para efeito de concessão de auxílios.
Tania Elvira da Rosa – dona Maria Plens é de família vulnerável, cadastrada no CRAS e
acompanhada. Sempre que precisou foi atendida pela secretaria de ação social. Os cadastros e as
atualizações são feitas quando necessário, ou anualmente. No caso de dona Maria, foi refeito o
cadastro em razão de acidente por ela sofrido. A testemunha faz o atendimento ao público na
secretaria da ação social. Nem chegou a ver dona Maria no mês de agosto. Em abril dona Maria
também solicitou auxílio.
De todos os depoimentos extraio que os programas eram de fato desenvolvidos há tempos e de
forma organizada pelo município. Havia leis autorizadoras, critérios de escolha, eram feitas visitas
às famílias, cadastros prévios e a distribuição dos auxílios ocorria com certa regularidade e para
determinado número de público. Os auxílios, por sua vez, compreendiam, além de cestas básicas,
assistência média, funeral, dentre vários outros. As requisições aos montes juntadas aos autos dão
conta somente de comprovar que o município estava implementando tais programas, e que havia,
como dito, certa regularidade na entrega e no número de beneficiários.
Restou apurado que até os idos do final de 2010 não existia no município o Centro de Referência
em Assistência Social – CRAS. Portanto, toda a gestão dos programas ficava a cargo da secretaria
de ação social. Assim o era mesmo antes da gestão dos investigados, consoante depoimento
prestado pela testemunha Jurema Dresch. De mais a mais, segundo a testemunha Sandra
Franceschini, a distribuição das requisições relativas às cestas básicas era feitas no paço municipal,
onde se localiza a secretaria de ação social, da qual é secretária a primeira dama Ana Cristina
Gusso (não estou certa se seria Ana Cristina ou Maria Cristina). Inclusive, algumas vezes era a
própria secretária quem fazia pessoalmente as entregas.
Com a instalação do CRAS a municipalidade está tentando desvincular a sede municipal de tais
entregas, concentrando-as naquele órgão específico a tal finalidade. No entanto, justamente por
lidar com população de baixa renda e muitas vezes em situação de miserabilidade econômica, não
é fácil alterar costume incrustrado em suas mentes, de modo que as entregas, na grande maioria das
vezes, ainda são feitas na prefeitura, para a qual historicamente os necessitados sempre se
dirigiram.
O depoimento que pode ensejar alguma dúvida foi o prestado pela Sra. Maria Plens Bueno, que foi
o estopim, por assim dizer, de toda essa demanda. Disse ela em juízo:
Maria Plens Bueno – dia 04 de agosto foi a cidade com seu marido, que tinha que ir à prefeitura.
Ao ir ao encontro do seu marido viu uma multidão no órgão público e foi ver o que era.
Informaram-lhe que estavam distribuído cesta básica. Dona Ana Cristina lhe pediu sua identidade e
lhe entregou uma requisição. Antes já tinha ganhado cesta básica, no entanto só nos finais de ano.
Depois que dona Ana Cristina tirou fotocópia da identidade, pediu para a testemunha ajudar nós
com o voto. Nessa ocasião a testemunha já estava com o vale na bolsa. De posse do valo foi até o
mercado e adquiriu a cesta básica. Não é cadastrada em nenhum programa assistencial do
município. A assinatura de fl. 79 dos autos é da testemunha. Somente ganhou cestas básicas no
final do ano, através de um ônibus da saúde. Faz 03 anos que ela recebe. Dona Ana Cristina não
chegou a consultar cadastro algum para entregar a requisição. Já conhecia dona Ana Cristina,
sabendo que ela é esposa do prefeito Gerso. Não conversou com Gerso. Não mora na cidade. Não
sabe como estava a situação das campanhas da cidade. No momento em que recebeu a requisição
havia várias pessoas. Algumas já estavam saindo, outras ainda estavam na fila. Não sabe se todos
receberam a requisição. Só recebeu cestas básicas nos 03 finais de ano anteriores. Não ouviu dizer
das demais pessoas em troca de que estava sendo distribuídas as cestas básicas. Primeiro recebeu o
vale para depois receber o pedido de voto. Quem trouxe a testemunha perante o Ministério Público
foi Valdir Martinazzo. Valdir tinha passado na casa da testemunha que, na ocasião lhe mostrou o
vale, sendo que ele a instou acerca da ilicitude da conduta. A fila era na secretaria da direita, na
qual trabalha a primeira dama. Nunca procurou o CRAS para solicitar ajuda, bem como ninguém
fez estudo social na sua residência. O cadastro do bolsa família foi feito em sua própria casa. Não
vendeu o voto. A testemunha ganhou duas requisições, sendo que Ana Cristina não justificou.
Trocou a requisição no mercado Belenine, Beguenini, uma coisa assim. Imediatamente a entrega
do vale a primeira dama lhe requereu uma força para o Gerso, dando a entender pedido de voto.
Analisando separadamente o que a testemunha mencionou, tenho que, consoante já dito, era
comum a feitura de entrega de requisições no paço municipal, bem como pessoalmente pela
secretaria Ana Cristina Gusso, nada havendo de estranho nesse ponto.
Em certas passagens o depoimento da testemunha Maria Plens Bueno carece de credibilidade. Isso
porque ela alegou que nunca, em nenhum momento, recebeu outro benefício da municipalidade
que não as cestas básicas anuais. No entanto, da documentação anexa extraio que no corrente ano
eleitoral ela ou sua família receberam auxílio doença (fl. 559), auxílio alimentação (fl. 561), afora
o auxílio por ela noticiado ao investigante, ocorrido em agosto. Inclusive, a data do auxílio
alimentação (segundo bimestre de 2012), corresponde à data alegada pela testemunha Jurema
Dresch. Ela consta, também, de várias listas assistenciais mantidas pela assistência social,
consoante documentos de fls. 552/554; 555.
Não obstante, causa certa estranheza a conduta da primeira dama praticada no mês de agosto de
2012, durante a campanha eleitoral. Embora fosse comum a entrega de auxílios no paço municipal,
é certo que no mês de agosto tal entrega teve um “quê” de especialidade. Veja-se que Ana Cristina
Gusso recebeu dona Maria na porta do paço, a fez entrar e entregou duas requisições, no mesmo
momento. Logo em seguida, solicitou-lhe auxílio no pleito eleitoral que se avizinhava.
De mais a mais, consoante disse dona Maria, “no momento em que recebeu a requisição havia
várias pessoas. Algumas já estavam saindo, outras ainda estavam na fila. Não sabe se todos
receberam a requisição, havia grande fila em frente à prefeitura”. Isso denota a grande
concentração em uma só data de pessoas que necessitavam do benefício, ao passo que das
requisições juntadas nos autos extraio que a entrega dava-se de forma parcelada, em variados dias
do mês.
Ora, tais condutas certamente escapam do comum, da forma ordinária como as coisas aconteciam,
o que foi relatada pelas testemunhas. Embora nenhuma delas tenha denunciado aumento nas
distribuições dos benefícios sociais, e certo que a forma de entrega, aparentemente, mudou, e
mudou justamente em período que era vedado mudar.
Entretanto, a mudança, a meu sentir, não chegou a evoluir para uma captação ilícita de sufrágio.
Veja-se que para restar configurada a captação ilícita de sufrágio o candidato deve “doar, oferecer,
prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de
qualquer natureza” (grifei).
No caso em apreço, não foi exatamente isso que aconteceu. O que ocorreu foi que, posteriormente
à entrega do benefício social, a esposa do investigado Gerso, primeira dama do Município e
Secretária de Ação Social, utilizou-se de tal ato para tentar alavancar o prestígio eleitoral deste e,
dessa forma, sagrá-lo vencedor do pleito eleitoral municipal. Em outras palavras, a conduta não se
subsumiu com perfeição à captação ilícita se sufrágio, eis que a vantagem entregada consistia em
benefício social cujo programa foi implementado pelo menos 05 ou mais anos antes.
Também, não há falar que a conduta se amolda à exceção prevista no §10 do art. 73 da Lei nº.
9.504/97. Vejamos o que diz tal dispositivo, na parte que interessa:
§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou
benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado
de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no
exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua
execução financeira e administrativa.
Entendo que não se aplica a exceção por um simples motivo: embora o programa social tenha sido
implementado anteriormente ao ano da eleição municipal, o que ocorreu não foi a simples
distribuição gratuita de bens às famílias. Ato contínuo a distribuição correu um plus, eis que a
primeira dama e secretária da ação social pugnou pelo auxílio político, claramente promovendo a
candidatura dos investigados.
Nesta senda, denoto que o investigado Gerson Gusso utilizou-se dos programas sociais e da
carência dos eleitores para tentar alavancar, promover sua pretensão política. Não estou aqui a
estigmatizar as doações feitas pelo ente público à depoente e as demais famílias de baixa renda ou
vulneráveis. Isso porque e dever constitucional do estado prover condições de vida dignas à
população (art. 1º, inciso III e art. 6º, CF).
No entanto, restou comprovado que os investigados, por meio de pessoas a eles ligadas (esposa do
primeiro), aproveitaram-se da situação da concessão dos auxílios sociais para promoverem sua
pretensão política e angariar votos, o que é expressamente vedado pelo art. 73, inciso IV, da Lei nº.
9.504/97.
Nem se diga que eles não tinham conhecimento do que estava ocorrendo, na medida em que a
envolvida direta na ação era esposa do primeiro, primeira dama e secretária da Ação Social, Sra.
Ana Cristina. Ora, não se pode acreditar que na alcova do lar penda segredo de tal monta,
notadamente frente à consequência jurídica que o ato pode acarretar.
Em razão disso, não se trata de mera conjectura, de mera presunção, mas sim da constatação de
que, em razão de ser sua esposa quem pretendeu angariar votos, tendo como pano de fundo a
execução de programas sociais, com certeza o investigado Gerso Gusso sabia do que ocorria,
sendo pelo menos conivente com tal situação. Nesse sentido já decidiu o TSE, no julgamento do
RESPE – 815659 – 01/12/2011:
(...) O forte vínculo político e familiar evidencia de forma plena o liame entre os autores da
conduta e os candidatos beneficiários. Na hipótese dos autos, os responsáveis diretos pela compra
de votos são primos do agravante e atuaram como cabos eleitorais - em conjunto com os demais
representados - na campanha eleitoral.
De mais a mais, é comum em casos tais os candidatos utilizarem-se de interpostas pessoas,
justamente na tentativa de furtarem-se à aplicação da legislação eleitoral. Esse é, por assim dizer, o
“modus operandi standard” da captação.
Desta forma, incorreram os investigados na conduta vedada descrita no inciso IV do art. 73 da Lei
nº. 9.504/96, senão vejamos:
Reza o antedito dispositivo:
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a
afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de
distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder
Público;
Existem provas da conduta vedada, eis que a depoente afirmou que a primeira dama Ana Cristina
Gusso, após a entrega do benefício social, solicitou-lhe abertamente auxilio político. Segundo ela,
“dia 04 de agosto foi a cidade com seu marido, que tinha que ir à prefeitura. Ao ir ao encontro do
seu marido viu uma multidão no órgão público e foi ver o que era. Informaram-lhe que estavam
distribuído cesta básica. Dona Ana Cristina lhe pediu sua identidade e lhe entregou uma requisição.
Depois que dona Ana Cristina tirou fotocópia da identidade, pediu para a testemunha ajudar nós
com o voto”. (grifei)
Nesse sentido, como já dito, a conduta não se amoldou com precisão à captação ilícita de sufrágio,
eis que a entrega do benefício não foi condicionada ao voto. O que ocorreu foi a promoção da
candidatura dos investigados logo após a entrega de um beneficio legalmente garantido aos
munícipes. É da jurisprudência:
"Recurso ordinário. Eleições 2006. Ação de impugnação de mandato eletivo. Captação ilícita de
sufrágio (art. 41-A da Lei nº 9.504/97). Descaracterização. Deputado federal. Candidato.
Oferecimento. Churrasco. Bebida. [...] 2. A captação ilícita de sufrágio, espécie do gênero
corrupção eleitoral, enquadra-se nas hipóteses de cabimento da AIME, previstas no art. 14, § 10,
da CF. Precedentes. 3. Para a caracterização da captação ilícita de sufrágio, é necessário que o
oferecimento de bens ou vantagens seja condicionado à obtenção do voto, o que não ficou
comprovado nos autos. [...]" (TSE - Ac. de 18.3.2010 no RO nº 1.522, rel. Min. Marcelo Ribeiro.)
(grifei)
No mesmo sentido é a doutrina quando ensina que não constitui captação ilícita de sufrágio para o
que se exige, além de comprovação robusta, “(...) que o agente infrator tenha a finalidade
específica de aliciar o eleitor com promessas de bens ou vantagens em troca de seu voto”. (sic,
PELEJA JUNIOR, Antônio Veloso e BATISTA, Fabrício Napoleão Teixeira. Direito eleitoral:
aspectos processuais – ações e recursos. 2ª edição. Curitiba: Juruá, 2012, p.258). (grifei)
Portanto, ficou claro que os investigados utilizaram-se de programas sociais de distribuição
gratuita de bens em beneficio promocional de sua candidatura, praticando, assim, a conduta vedada
prevista no art. 73, inciso IV, da Lei nº. 9.504/97, sendo merecedor da reprimenda prevista em tal
Lei.
2.2 – 2º fato:
Conforme já relatado, o 2º fato consiste na captação ilícita de sufrágio, por meio da compra direta
de voto da eleitora Catiana de Souza. Pois bem. Em princípio, pelo que se narrou na exordial, a
norma de regência do caso encontra-se estampada no art. 41-A da Lei nº. 9.504/97, in verbis:
Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada
por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o
voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde
o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil
Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei
Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.
§ 1o Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando
a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.
Segundo se extrai do dispositivo em voga, para que se tenha configurada a captação ilícita mister
se faz concorram 04 elementos: (i) a doação, oferecimento, prometimento ou entrega ao eleitor, (ii)
com o fim de obter-lhe o voto, (iii) de bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, (iv) desde o
registro da candidatura até a expedição do diploma .
De início, desde logo, reconheço a licitude da gravação telefônica e, consequentemente, de sua
degravação nos presentes autos, eis que não existe nenhuma causa que impossibilite sua utilização,
v.g. sigilo legal do teor da conversação, tal qual ocorre entre advogado-cliente.
É consabido que a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XII, prevê que “é inviolável o sigilo
da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas,
salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins
de investigação criminal ou instrução processual penal”.
Diante do Principio da Integração ou da Unidade Constitucional, o intérprete deve, tanto quanto
possível, equalizar todas as garantias constitucionais, de modo que elas convivam
harmoniosamente. Tendo isso em mente, entendo que a proteção constitucional do sigilo, em
certos casos, sede espaço frente à necessidade de comprovação do ilícito, notadamente quando o
interessado é um dos interlocutores, como no caso. O legislador constituinte certamente, em
nenhum momento, teve por intuito fazer com que a garantia ao sigilo fosse utilizada para acobertar
o ilícito.
Nem se diga que a prova foi utilizada por terceiro, o investigante Ministério Público, eis que este
atua como substituto processual da parte lesada. Em casos de captação de sufrágio o que resta
ferido é o regime democrático e a vontade do eleitor que se tenta modificar, via incentivo de
qualquer modo. Diante desse contexto, irracional seria pensar que membro do Ministério Público
seria alvo de captação de sufrágio e que, somente nessa situação, pudesse se utilizar da gravação
telefônica. Da mesma forma, irracional seria pensar que a gravação feita por um dos interlocutores
não poderia ser utilizada pelo órgão, cuja missão institucional é, dentre outras, a defesa do estado
democrático (art. 127, CF).
De mais a mais, tenho que o entendimento do STF é no sentido da licitude de tal espécie de prova,
desde que não haja causa legal específica de sigilo nem reserva de conversação – o que é o caso.
Inclusive tal decisão foi proferida em sede de repercussão geral no RE 583.397/RJ. O TSE segue a
mesma trilha, consoante julgado abaixo:
RESPE - 35622.
RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PROVA.
ILICITUDE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. ART. 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. ORDEM JUDICIAL. AUSÊNCIA. CONTAMINAÇÃO DAS DEMAIS PROVAS.
INCIDÊNCIA DOS VERBETES SUMULARES Nos 7/STJ e 279/STF. 1. A gravação clandestina
feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, não constitui interceptação vedada
pela Constituição da República, sobretudo quando se destine a fazer prova, em juízo ou inquérito, a
favor de quem a gravou (...).
Ressalto, por fim, que a gravação da conversação telefônica foi feita por interlocutora conhecida
do juízo e dos litigantes, que nunca ocultou sua identidade, bem como seu teor foi reafirmado por
ocasião da audiência de instrução. Desse modo, nada há de ilícito que contamine a prova coligida,
devendo a mesma ser mantida e apreciada pelo Poder Judiciário.
Com isso em mente, diferentemente do fato anterior, entendo que nesse caso a captação ilícita se
sufrágio restou suficientemente comprovada, livre de qualquer dúvida. A testemunha Catiana de
Souza afirmou em juízo ter sido vítima direta de pedido de voto e de apoio político, em troca de
dinheiro. Vejamos o que disse:
Catiana de Souza – João Alberton estava interessado na testemunha. Uma sexta-feira foi até a sua
escola, entrou, e mandou que ela lhe fizesse uma proposta. Fez a proposta de R$ 3.000,00. Ele
disse que não, que dava R$ 1.500,00. Ela topou. Já no sábado à tarde vieram pessoas da família da
testemunha dizendo que o investigado João estava se gabando que tinha passado pro lado deles. No
domingo e na segunda ocorreu a mesma coisa. Na comunidade do Santo Isidoro ficou sabendo que
João tinha se gabado de ter comprado seu voto. Ligou para João e cobrou o porquê. Ele negou todo
o tempo. Foi inclusive na casa da testemunha se gabar que teria comprado a testemunha. Não era
conhecida do investigado João. João queria pessoas influentes para conseguir angariar outros
votos. Procurou a testemunha na sexta-feira do dia 21/09/12. Entraram no banheiro para ninguém
ver, eis que a escola estava cheia de alunos. O investigado João falou que não adiantava a
testemunha continuar no 15, que a política já estava ganha e que era melhor ela passar para o lado
deles. No ato o investigado João lhe pagou R$ 300,00, o restante seria pago por mês, sob a
condição de que votasse a seu favor. Todos os familiares da testemunha estavam lhe cobrando
quanto à venda do voto. Posteriormente, não procurou mais o investigado João, nem recebeu os
restantes dos valores. Mostrou para sua funcionária o dinheiro recebido. A testemunha conseguiu o
telefone do investigado João e ligou para ele. Embora perante o Ministério Público tenha dito que
Amanda presenciou a entrega do dinheiro, esclarece, agora, que ela somente estava na escola
quando lhe foi entregue o dinheiro. Quem a trouxe na promotoria foi o seu Valdir Martinazzo. A
testemunha foi quem o procurou para que fizesse o frete. 08 indivíduos tentaram impedir a
testemunha de chegar ao Ministério Público. No momento, estavam Valdir, a testemunha e mais
uma pessoa. Confirma que pegou os R$ 300,00. Não é filiada a partido político. Quando fez a
ligação, não premeditou nada, somente tinha intuito de se defender. A ligação ocorreu uns 10 dias
antes de a testemunha procurar a promotoria.
Poder-se-ia até cogitar, como pretendeu a defesa, que a testemunha era adversária política dos
investigados e que, desse modo, teria interesse no resultado desta demanda. No entanto, o que ela
disse foi em grande parte confirmado pela testemunha Amanda Fagundes, cujos dizeres transcrevo
abaixo:
Amanda Fagundes – presenciou uma visita do investigado João Alberton à Catiana. Trabalha na
escola de Catiana. A recepção fica dividida. Presenciou a hora que o investigado chegou, disse que
queria conversar em um lugar mais reservado. Foram para o banheiro. Catiana é dona da escola.
Não sabe o teor da conversa. Depois ele pediu o nome dela (Catiana). Catiana lhe mostrou os 300
reais, em seis notas de RS 50,00, dizendo, ainda, que João lhe pediu para que fizesse uma proposta.
Fez a proposta de 3.000, ele fez contraproposta de R$ 1.500,00, que foi aceita. No outro dia, o
investigado ficou de trazer o restante do dinheiro. Catiana falou que o investigado a procurou para
comprar voto. Segundo a testemunha, Catiana comentou que o investigado saiu espalhando que
teria comprado seu voto. Tudo o que a testemunha sabe foi o que Catiana lhe disse. Não ouviu
boatos de terceiros na cidade acerca do ocorrido. Ninguém procurou Catiana na escola para saber
do acontecido. Catiana chegou a comentar que é amiga da dona Geovana e do seu Valdir. Catiana
não pediu o voto da depoente para nenhum candidato. É responsável por dar aula e pela
administração da escola. Era numa sexta-feira. Nesse dia, receberam as mensalidades dos alunos.
Acha que Catiana não tinha nenhum dinheiro no bolso antes do acontecido.
Não há dúvidas de que o candidato a vice-prefeito realmente procurou a Sra. Catiana em seu local
de trabalho e ambos dirigiram-se ao banheiro para conversar de forma reservada. Acontece que em
momento algum a defesa dos investigados justificou - ou ao menos tentou justificar – qual o
motivo da visita e sobre qual assunto teriam conversado. Isso, por si só, já indica que algo de ilegal
estava ocorrendo.
A única contraprova trazida pela defesa em relação a tais fatos foi a testemunha Fernando Luiz
Manica. No entanto, de seus dizeres extraio muito “diz que, diz que”, muito “ouviu dizer”, muita
especulação, muito apego popular. Ao contrário do que disseram Catiana e Amanda, de seus
dizeres não extraio afirmações sólidas, somente ilações. Vejamos o que disse:
Fernando Luiz Manica – com relação à proposta de compra de voto pelo seu João Alberton, ouviu
conversas que Catiana queria armar para o investigado João, em razão de ela ser adversária
política. Não sabe dizer de quem ouviu a conversa. A conversa sai daqui, dali, de ambos os lados.
Não ouviu conversas de que o investigado João tenha comprado o voto de Catiana. A família de
Catiana sempre foi adversária política da família do investigado João. Acha que Catiana chamou o
investigado João para conversar. Esse fato chegou ao seu conhecimento por conversas. A
testemunha é filiada ao Democratas – DEM. Ouviu as conversas na rua. Ouviu falar da conversa
telefônica havida entre Catiana e o investigado João. Têm amigos de ambas as facções políticas.
Ouviu a conversa de ambas. Não sabe dizer de Valdir Martinazzo interferiu nos fatos. Catiana é
bastante amiga de Geovana e Valdir. Parece que Catiana fazia campanha para eles, tendo a
testemunha presenciado um pedido de votos. A testemunha é estudante e trabalha na prefeitura, em
cargo comissionado. Acredita que não seria demitido em razão de não prestar depoimento. A
testemunha ganha R$ 2.200,00 reais na prefeitura. É diretor de compras e licitação. Está se
formando em engenharia de produção.
Anota-se, ainda, que a testemunha é exercente de cargo em comissão na municipalidade, estando
ainda cursando o ensino superior e aufere, no cargo, renda mensal de R$ 2.200,00 (valor muito
maior do que a média da população nacional). Isso, atrelado ao “diz que, diz que”, coloca em
xeque a idoneidade de seu depoimento.
Nesse contexto probatório, entendo que despicienda se mostra a análise ou mesmo menção à
conversação telefônica ocorrida posteriormente. No entanto, tendo sido reconhecida sua licitude,
somente arremato dizendo que dela defluiu a concreção da captação ilícita de sufrágio propagada
pelo segundo investigado, mormente no seguinte trecho: “eu não falei pra ninguém isso ai. Nem
falei nada pra ninguém. Ah, é coisa que vou sair falando, parece loca”.
Não se pode admitir que candidatos de qualquer facção politica tentem se imiscuir na vontade do
eleitor, notadamente numa sociedade carente de recursos como a nossa, pena de retornarmos ao
coronelismo reinante no início do Brasil colônia, ao “voto de cabresto”, à época das capitanias
hereditárias. Portanto, ao incrementar seu pedido de voto e auxílio político com ajuda financeira,
indubitavelmente o segundo investigado incorreu nas disposições do art. 41-A da Lei nº. 9.504/97,
devendo sofrer a reprimenda nele prevista.
2.4 – Das penalidades aplicáveis:
2.4.1 – Em relação ao 1º fato:
Prescreve o art. 73, §§4º, 5º e 8º da Lei nº. 9.504/97:
§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta
vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.
§ 5o Nos casos de descumprimento do disposto nos incisos do caput e no § 10, sem prejuízo do
disposto no § 4o, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do
registro ou do diploma.
§ 8º Aplicam-se as sanções do § 4º aos agentes públicos responsáveis pelas condutas vedadas e aos
partidos, coligações e candidatos que delas se beneficiarem.
É certo que os investigados, embora não tenham praticado diretamente a conduta, certamente dela
se beneficiaram, na medida em que lograram reeleger-se. Portanto, ao teor do exposto no §8º supra
transcrito, devem sofrer a imposição da penalidade correspondente.
A lei também prevê a possibilidade de cassação. No entanto, entendo que a conduta não teve a
potencialidade, por si só, de garantir a reeleição dos investigados, eis que consistiu não restou
comprovada a magnitude de sua influência na consciência popular. Ante a esse contexto, aplicar a
cassação do mandato seria desarrazoado e desproporcional, consoante entendimento do TSE:
RO – 890235 14/06/20121.
1. Este Tribunal Superior já firmou entendimento no sentido de que, quanto às condutas vedadas
do art. 73 da Lei nº 9.504/97, a sanção de cassação somente deve ser imposta em casos mais
graves, cabendo ser aplicado o princípio da proporcionalidade da sanção em relação à conduta.
Nesse sentir, ainda que a cassação não seja a medida proporcional que a infração demanda, é certo
que, comprovada a prática das condutas vedadas, reconhece-se o benefício à candidatura dos
investigados. O próprio legislador estatuiu essa presunção ao elencar quais condutas são vedadas
aos agentes públicos no ano eleitoral. Nesse sentido:
Representação nº. 425109, julgada em 21/03/2012
RECURSO. REPRESENTAÇÃO. ELEIÇÕES 2010. CANDIDATURA À PRESIDÊNCIA DA
REPÚBLICA. CONDUTA VEDADA. PRAZO PARA AJUIZAMENTO. ART. 73, § 12. ART.
73, I, DA LEI 9.504/97. UTILIZAÇÃO DE BENS PÚBLICOS EM PROL DE CANDIDATO.
CONFIGURAÇÃO, INDEPENDENTEMENTE DA POTENCIALIDADE.
PROPORCIONALIDADE NA FIXAÇÃO DA SANÇÃO. ART. 73, § 8º, DA LEI 9.504/97. 1.
Com o advento da Lei 12.034/2009, o prazo para o ajuizamento das representações fundamentadas
na prática de condutas vedadas estende-se até a diplomação dos eleitos, nos termos do art. 73, § 12,
da Lei 12.034/2009. 2. A configuração das condutas vedadas aos agentes públicos ocorre com a
mera prática de uma das hipóteses mencionadas no art. 73 da Lei 9.504/97, independentemente da
potencialidade lesiva de influenciar o resultado do pleito, já que há presunção legal de que a
prática dessas condutas tende a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos
eleitorais, independentemente de sua repercussão. Precedentes. 3. Na espécie, servidora pública
municipal enviou 71 (setenta e uma) correspondências eletrônicas por meio de seu correio
eletrônico funcional, divulgando mensagem em favor da então candidata à Presidência da
República Dilma Rousseff. 4. A despeito de ser beneficiária da conduta, a representada Dilma
Rousseff não deve ser sancionada, considerado o contexto da eleição presidencial brasileira. 5.
Recurso provido para conhecer da representação e julgá-la parcialmente procedente, com aplicação
de multa no mínimo legal à responsável pela prática da conduta.
Em vista do exposto, com base no Inciso V, in fine, do caput, bem como nos §§4º e 8º, todos do
art. 73 da Lei nº. 9.504/97, há de ser aplicada aos investigados a multa em UFIR´s prevista e a
decretação da NULIDADE do ato de contratação. Ressalto que a multa deverá ser dobrada, em
razão do resultado da AIJE nº. 311-08.2012.6.16.0166, consoante dispõe o art. 73, §6º, da mesma
lei.
2.4.2 – Em relação ao 2º fato:
Prescreve o art. 41-A da Lei nº. 9.504/97:
Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada
por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o
voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde
o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil
Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei
Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.
Em relação a este dispositivo protege a vontade do eleitor, bem de maior quilate no processo
eleitoral. E segundo a jurisprudência do e. TSE, incabível questionar-se acerca da
proporcionalidade ou potencialidade lesiva do ato. Nessa medida, verificada a prática da captação
ilícita de sufrágio, devem incidir as reprimendas legalmente previstas.
Embora não tenha restado comprovado qualquer ato de captação ilícita de sufrágio praticado pelo
investigado Gerso Francisco Gusso, deixo consignado que a penalidade de cassação a ele se
estenderá em razão da indivisibilidade da chapa eleitoral, consoante dispõe o art. 3º, §1º da Lei nº.
9.504/97 e art. 91 do Código Eleitoral.
3 – DISPOSITIVO:
Ante ao exposto, julgo a pretensão exordial PARCIALMENTE PROCEDENTE e,
consequentemente, extinto o presente feito com resolução de mérito, o que faço com base no art.
269, inciso I do Código de Processo Civil, para o fim de:
1 - Reconhecer a prática de conduta vedada em relação ao 1º fato, subsumida ao art. 73, inciso IV
da Lei nº. 9.504/97, e aplicar aos investigados, solidariamente, MULTA de 10.000 (dez mil)
UFIRs, o que faço com fundamento no art. 73, §§4º, 6º e 8º da Lei nº. 9.504/97. Para efeito de
liquidação deve se considerado o último valor atribuído a tal unidade, já que extinta.
2 – Reconhecer a prática de captação ilícita de sufrágio em relação ao 2º fato, subsumida ao art.
41-A, da Lei nº. 9.504/97, e aplicar aos investigados, solidariamente, MULTA de 2.000 (dois mil)
UFIRs, e CASSAÇÃO do registro de suas candidaturas (eis que ainda não expedido o diploma).
Para efeito de liquidação deve se considerado o último valor atribuído a tal unidade, já que extinta.
Em feitos eleitorais descabe condenação aos ônus sucumbenciais .
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Ciência ao Ministério Público.
Oportunamente, arquivem-se.
Cumpra-se, no que for pertinente, as Resoluções e determinações do Eg. TRE/PR e do C. TSE.
Diligências necessárias.
Catanduvas, 23 de novembro de 2012.
Regiane Tonet
Juíza de Direito
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