Centro Universitário de Belo Horizonte - Uni-BH Francisco Diego de Jesus Melo Análise sobre o regionalismo pós-liberal na América do Sul e integração: IIRSA e UNASUL Belo Horizonte 2010 Francisco Diego de Jesus Melo Análise sobre o regionalismo pós-liberal na América do Sul e integração: IIRSA e UNASUL Artigo apresentado ao Centro Universitário de Belo Horizonte como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais. Orientadora: Marinana Andrade e Belo Horizonte 2010 Barros À Sileste, minha mãe, ao Gaspar, meu pai e a todos meus amigos, que com muito incentivo e apoio me ajudaram a concluir mais essa difícil etapa da minha vida. Agradeço à Profa. Marinana Andrade e Barros e ao Prof. Leonardo Ramos (que me orientou no primeiro semestre), pelo apoio e inspiração no amadurecimento das minhas idéias e opiniões que me levaram a execução e conclusão desta monografia. "O que fazemos na vida ecoa pela eternidade." – Filme: O Gladiador 1 RESUMO Este artigo propõe analisar o advento do regionalismo pós-liberal na América do Sul, e enquadra a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA) e a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), como exemplos desse novo panorama. Também será analisada as outras duas ondas de integração sul-americana: o regionalismo aberto e o regionalismo fechado, importantes para o entendimento da análise como um todo. Além disso, analisará instituições que fizeram parte destes outros momentos da integração regional, como a ALALC, a ALADI e o MERCOSUL. Palavras-chave: Regionalismo, Integração, Pós-liberalismo, IIRSA, UNASUL, ALALC, ALADI, MERCOSUL. ABSTRACT This article aims to analyze the advent of post-liberal regionalism in South America, and fits the Initiative for the Integration of Regional Infrastructure in South America (IIRSA) and the Union of South American Nations (UNASUR) as examples of this new landscape. Will be analyzed the other two waves of South American integration: open regionalism and closed regionalism, which are important for understanding of this analysis. Also, examine the institutions that took part of these stages of regional integration, as ALALC, ALADI and MERCOSUR. Keywords: Regionalism, Integration, Post-liberalism, IIRSA, UNASUR, ALALC, ALADI, MERCOSUR. 2 Introdução O presente artigo tem como principal objetivo analisar e verificar se a integração física da América do Sul nos moldes do acordo regional denominado Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA), bem como a integração política, tomando por base a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), podem se inserir, num contexto pósliberal de um regionalismo sul-americano. Para tanto, tem-se como alicerce a hipótese de que, tanto a IIRSA quanto a UNASUL, são elementos de um contexto mais amplo de desenvolvimento e regionalismo. Além disso, este trabalho também busca entender o funcionamento, bem como as especificidades da IIRSA e UNASUL, dois organismos sobre os quais ainda se sabe pouco no que concerne às suas práticas, atividades e arranjo. Neste contexto, este artigo divide-se em quatro partes principais. A primeira, “Integração e Regionalismo” terá como principal objetivo expor o contexto histórico de integração, que há muito é buscado. Com o mesmo objetivo, são examinados, os processos de integração que chamam maior atenção ao tema proposto, já que se inserem em contextos internacionais diferentes, que por sua vez moldam essas perspectivas integracionistas. Para tanto serão examinadas algumas instituições que se inserem nesses eixos de integração da América do Sul, bem como de toda América Latina, percebendo, portanto, as especificidades da Aliança Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), que foram e são, respectivamente, antecessoras do processo de integração atual e que ajudaram a modelar as instituições de hoje e será investigada também a instituição do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), exemplo mais atual dessa integração institucional. A segunda parte deste artigo, intitulada “Entendendo as ondas do desenvolvimento regional Sul-Americano”, planeja explanar acerca das ondas históricas de integração diferenciado-as entre si, e ainda irá incluir na discussão o processo pós-liberal, que se inclui na discussão como uma terceira onda de integração e analisará também o papel da globalização neste último processo. Entender tais perspectivas se torna importante pois visa proporcionar uma visão mais específica sobre os papeis da integração na América do Sul e também para poder verificar onde e como instituições como a ALALC, ALADI e 3 MERCOSUL se encaixam e poder, portanto, verificar se a IIRSA e a UNASUL se inserem neste contexto do pós-liberalismo. A terceira divisão “Integração regional: IIRSA e UNASUL” analisará a IIRSA e a UNASUL e suas possibilidades de manejar o processo de integração regional. Deve-se ter em mente que estas duas instituições são inovações no processo de integração da América do Sul e também tem caráter mais ampliado, pois buscam envolver todo o sub-continente sulamericano. A quarta e última parte, “Dilemas e Possibilidades do Regionalismo Pós-liberal na América do Sul”, estará direcionada a concluir o tema proposto, buscando verificar até que ponto esses modelos de integração regional (IIRSA e UNASUL) se inserem em um contexto pós-liberal. Integração e Regionalismo Falar sobre a busca pela integração sul-americana é uma tarefa que remonta aos períodos em que os Estados deste sub-continente começaram a conquistar suas independências. Essa busca pela integração (ao menos nos moldes políticos) começou a ser proposta de fato, no Congresso do Panamá em 1826, congresso internacional em que Simón Bolivar esperava conseguir um solene pacto de união entre as nações hispano-americanas. Entretanto, somente alguns países compareceram ao congresso, a saber, Colômbia, América Central, México e Peru (TREND, 1946, p. 146 - 150). É percebido porém, que além de um ideal político e de iniciativas para a integração político/ideológica, é necessário também um maior incremento nas políticas para a integração física de fato, o que foi observado também por J.B. Trend (1946, p. 148) quando este expõe: “As políticas continentais precisavam de visão – o que Bolívar tinha, mas também precisavam de estradas, ferrovias, linhas, canos e aviões”. Bolívar também compreende tal situação e expõe que em decorrência das rivalidades regionais, tal iniciativa é de difícil consolidação. O que ele mesmo expõe na Carta de Jamaica: É uma grande idéia tentar fazer de todo o chamado Mundo Novo uma só nação com somente um laço que una suas partes entre si e com o todo… mas não é 4 possível, pois climas remotos, situações diversas, interesses opostos, impressões diferentes dividem a América. (Carta de Jamaica - Simón Bolívar, P. 28) Pode-se perceber então, que há séculos tem-se falado nessa busca pela integração regional. Contudo, tanto Bolívar, maior propagador histórico das idéias de integração, quanto outros autores, percebem que tal questão é de difícil solidificação. Além disso, desde a Segunda Guerra Mundial, segundo Christiansen (2006), o mundo assiste a emergência de um novo fenômeno: a cooperação e a integração dos Estados em um sentido regional que pode se dar nos mais diferentes setores: político, econômico, militar, cultural, entre outros. Contudo, deve-se em um primeiro momento atentar para os conceitos envolvidos nestes termos (integração e regionalismo). Hoffmann e Herz, ao trabalhar com o conceito de integração regional, explicam melhor os dois termos envolvidos. Segundo as autoras região tem sempre como eixo principal a capacidade de se ter uma referência territorial, isto é, uma localização geográfica, que pode ser contínua ou não e também, mas não em regra, pode ser definida por outros critérios: econômicos, socioculturais, entre outros (HOFFMANN e HERZ, 2005). Já integração seria um processo ao longo do qual os atores, inicialmente independentes, unificam-se, ou seja, tornam-se parte de um todo e estes atores envolvidos podem ser classificados como governamentais ou não-governamentais, isto é, os setores executivos dos Estados ou federações nacionais de indústria, comércio, entre outros, respectivamente (HOFFMANN e HERZ, 2005). Fica claro que, para que o processo de integração seja desencadeado, é necessária uma cooperação entre as partes, sejam elas de caráter governamental ou não-governamental e para que haja cooperação, segundo Keohane (1984, p. 51), “é necessário que as ações dos indivíduos ou organizações – os quais não estão em uma harmonia pré-existente – sejam interpostas em conformidade com outras, através de um processo de negociação [...]” Dado tal aspecto geral, Hoffmann e Herz concluem a definição de integração regional como “um processo dinâmico de intensificação em profundidade e abrangência das relações entre atores levando à criação de novas formas de governança político-intitucionais de escopo regional... abrangendo várias áreas temáticas de cooperação (HOFFMANN e HERZ, 2005)”. A integração regional, desta maneira, segundo Rocha (2005), é fundamental, pois permite economias de escala, tendo como subprodutos uma diminuição dos custos e possibilitando tais organismos enfrentarem a concorrência internacional. 5 Hoffmann e Herz também conduzem a discussão dizendo que se deve diferenciar uma organização de integração regional de acordos regionais de integração econômica, esta última visando criar áreas de livre comércio, uniões aduaneiras, mercados comuns, bem como uniões monetárias. Além disso, os acordos regionais de integração econômica não precisam estabelecer organizações regionais com sedes para gerir suas políticas, porém, a ausência de tal organização compromete sua eficácia. (HOFFMANN e HERZ, 2005). Hoffmann e Herz também (2005, p. 169) expõe o quadro a seguir mostrando as principais diferenças entre os tipos de integração econômica, que é de vital importância para o entendimento deste trabalho: Quadro 1: Tipos de Integração Econômica: • Área de livre-comércio: As tarifas comerciais entre seus membros são eliminadas, mas cada um possui tarifas comerciais diferenciadas com terceiros. • União aduaneira: É uma área de livre-comércio com uma tarifa externa comum. • Mercado comum: Além da tarifa externa comum, promove também a harmonização da política comercial e livre circulação de serviços, capitais e pessoas. • União monetária: Mercado comum, e acrescentando-se uma moeda comum a harmonização da política monetária. Fonte: HOFFMANN e HERZ, 2005, p. 169 Dadas tais orientações, pode-se perceber que as soluções latino-americanas, no final do século XX, para este processo de integração podem ser percebidas quando olhamos para a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) e para a Associação LatinoAmericana de Integração (ALADI), esta última sucessora da primeira. Duas instituições que serviram de base para grande parte das instituições da América do Sul, como o próprio MERCOSUL e a UNASUL, como se verificará mais adiante. 6 A ALALC foi criada com a assinatura do Tratado de Montevidéu em 18 de fevereiro de 1960, que surgiu graças aos estudos da CEPAL1 e constitui a primeira tentativa de promover uma maior integração latino-americana (BÖLKE, 2002, p. 94). Percebe-se pelo Tratado de Montevidéu de 1960, que a ALALC buscou uma ampliação dos mercados nacionais que por sua vez seria obtida através da eliminação gradual das barreiras econômicas regionais, além disso, os países associados a partir de 1960, Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai, Perú e Uruguai e os que foram signatários em anos posteriores, como Colômbia (1961), Equador (1962), Venezuela (1966) e Bolívia (1967), argumentam que a Associação, colaborará para a promoção do comércio entre os países latino-americanos, bem como com todo o mundo (Tratado de Montevidéu, 1960). No mesmo Tratado, mais especificamente no “Capítulo II: Programa de Liberação de Intercâmbio”, é observado que os países integrantes teriam um período de até doze anos para, a partir da data de sua entrada em vigor, começarem a eliminar “gradualmente, para o essencial de seu comércio recíproco, os gravames e as restrições de toda ordem que incidam sobre a importação de produtos originários do território de qualquer Parte Contratante” (Tratado de Montevidéu 1960. Capítulo II. Artigo 3). Porém, a ALALC, como primeira tentativa de integração, fracassou, primeiro pois buscava apenas estabelecer uma zona de livre comércio, como observa Vachino, a ALALC: “foi associada com o limitado propósito de estabelecer uma zona de livre comércio (conservando ao mesmo tempo todo o poder de decisão na esfera nacional), sem levar em conta o objetivo programático e de longo prazo (com todas as exigências que sua conquista deveria impor), de estabelecer um mercado comum regional, tal como lhe consagrou o artigo 54 de tal tratado”. (VACHINO, 1983, p. 62 - 63 apud CARNEIRO, 2006, p. 91) O artigo em questão, trabalhado por Vachino, argumenta o seguinte: As Partes Contratantes empregarão o máximo de seus esforços, no sentido de orientar suas políticas, com vistas à criação de condições favoráveis ao estabelecimento de um mercado comum latino-americano. Para tal fim, o Comitê realizará estudos e considerará projetos e planos tendentes à consecução desse objetivo, procurando coordenar seus trabalhos com os que realizam outros organismos internacionais. (Tratado de Montevidéu, 1960) 1 A CEPAL é uma das cinco comissões econômicas regionais das Nações Unidas (ONU). Foi criada para monitorar as políticas direcionadas à promoção do desenvolvimento econômico da região latino-americana, assessorar as ações encaminhadas para sua promoção e contribuir para reforçar as relações econômicas dos países da área, tanto entre si como com as demais nações do mundo. Posteriormente, seu trabalho ampliou-se para os países do Caribe e se incorporou o objetivo de promover o desenvolvimento social e sustentável (CEPAL, 2009) 7 No mesmo sentido exposto por Vachino, Barbosa (1991, p. 60) argumenta que as dificuldades na implementação do Tratado de Montevidéu de 1960, como também, no funcionamento da ALALC, deveu-se aos mais variados motivos, como: As dificuldades práticas vinculadas á natureza multilateral das negociações, à pouca flexibilidade das principais disposições do tratado, aos objetivos ambiciosos nele estabelecidos, aliadas à oposição do setor privado e a problemas de natureza política, surgidos com a gradual instalação de regimes autoritários na quase totalidade dos países da região... (BARBOSA, 1991, Pág. 60 apud CARNEIRO, 2006, p. 100) Além dos problemas internos pelos quais a ALALC passava, ainda havia alguns fatores externos que contribuíram para o fracasso desta organização. Os problemas que mais se destacam, e que também estão intimamente ligados ao fim da primeira onda de integração, principalmente na década de 1970 e início dos anos 1980, são os seguintes, segundo Bresser (2009, p. 27, 79): a) A proteção das industrias nacionais ao estabelecer políticas de substituição de importações o que levou as economias latino-americanas a uma profunda distorção; b) A crise dos anos 1980 que conduziu estas economias a uma elevada inflação inercial; c) A queda do crescimento das taxas de lucro; d) E o crescimento dos EUA no fim dos anos 1970. Desta maneira, após o fracasso decorrente dos processos supracitados, a ALALC foi substituída pela ALADI. A transformação da ALALC em ALADI, segundo Carneiro, deu-se de maneira gradual, observando-se em um primeiro momento a assinatura do Tratado de Montevidéu de 1980 (CARNEIRO, 2006, p. 108). O Tratado de Montevidéu de 1980, quando comparado ao seu antecessor, oferece algumas novidades, como poderá ser percebido ao comparar algumas de suas características. Contudo tal tratado ainda reitera, em seu preâmbulo, que o presente tratado colherá das experiências positivas do tratado anterior. A primeira delas é que o Tratado de Montevidéu de 1960 versou sobre o intuito de se fazer um mercado comum ao prazo de doze anos, o que não aconteceu (o Tratado esclareceu que ao fim dos doze anos, os Estados poderiam negociar novas formas de tentar melhorar a busca pelos objetivos, porém a ALALC já se mostrava esgotada), contudo o Tratado de 1980 8 versou sobre tal objetivo já no Capítulo I, Artigo 1º, mas demonstrando maior flexibilidade, como se pode-se notar atentando-se para o argumento de que a longo prazo: “esse processo terá como objetivo, [...] o estabelecimento em forma gradual e progressiva de um mercado comum latino-americano” (ALADI, 2009a). Porém, apesar de certa continuidade da meta em se tentar criar um mercado comum, pode-se argumentar acerca também, de várias mudanças, como no rumo do processo e na compreensão de sua operação. Segue abaixo, uma citação em que a ALADI busca demonstrar as diferenças entre essa e a ALALC e que é de vital importância para se entender as principais modificações que ocorreram na transição de uma instituição para a outra, como pode-se notar: Primeiro, o programa de liberalização comercial multilateral e seus mecanismos auxiliares, que visavam aperfeiçoar uma zona de livre-comércio, foram substituídos por uma área de preferências econômicas integrada por um conjunto de mecanismos que abrange uma preferência tarifária regional, acordos de alcance regional e acordos de alcance parcial. Esses instrumentos oferecem múltiplas opções operacionais aos países-membros, cuja convergência permitirá avançar para etapas superiores de integração econômica. Segundo, o caráter basicamente comercial do Tratado de Montevidéu 1960 foi substituído pela coexistência de três funções básicas da nova associação: a promoção e regulamentação do comércio recíproco, a complementação econômica e o desenvolvimento de ações de cooperação econômica que levem à ampliação dos mercados. Terceiro, a pesar de que o Tratado de Montevidéu 1960 reconhecesse um estatuto especial para os países de menor desenvolvimento econômico relativo, o novo esquema incorporou, como um dos eixos fundamentais de ação da ALADI, um sistema integral de apoio em seu favor e reconheceu expressamente uma categoria de países de desenvolvimento intermediário, a fim de determinar tratamentos diferenciais nos diferentes mecanismos e normas (ALADI, 2009b) Tal categoria de países citada, de acordo com o mesmo Tratado de 1980, ficou organizada da seguinte forma: os países de menor desenvolvimento, Bolívia, Equador e Paraguai; os de desenvolvimento médio são Chile, Colômbia, Peru, Uruguai e Venezuela e os outros são, Argentina, Brasil e México (BÖLKE, 2002, p. 126). Dadas tais diferenças entre as duas concepções, fica claro que a ALADI se tornou uma associação de caráter muito mais flexível. Além disso, Bölke observa que a ALADI foi a primeira experiência realizada de fato que envolveu vários países latino-americanos e do mesmo modo pode ser referida como um dos antecedentes remotos do MERCOSUL. Isto pois, apesar de não ter ainda cumprido seus objetivos, esta admitiu a realização de acordos bilaterais essenciais entre Argentina e Brasil (BÖLKE, 2002, p. 130 - 131). Por outro lado, Baptista afirma que havia uma progressiva erosão da ALADI enquanto projeto de integração, já que começava a surgir acordos regionais como o MERCOSUL (BAPTISTA, 1998. Pág. 108). Além do MERCOSUL, a 9 ALADI ainda serviu como base para a constituição da Comunidade Andina2 de Nações (CAN) e do Grupo dos Três. É percebido também que os signatários do MERCOSUL, por sua vez, aderem e se integram à ALADI, “no Preâmbulo, inciso 5, nos artigos 8 e 20, no anexo I, artigos 3 e 10, assim também na Declaração número 1 dos Chanceleres” (BAPTISTA, 1998. Pág. 110). A criação do MERCOSUL então, não significa uma ruptura com o processo de integração pretendido pela ALADI, e sim uma continuidade, já que o MERCOSUL deixa aberta as portas para a entrada de membros da ALADI como pode-se notar: Conscientes de que o presente Tratado deve ser considerado como um novo avanço no esforço tendente ao desenvolvimento progressivo da integração da América Latina, conforme o objetivo do Tratado de Montevidéu de 1980 (Ministério das Relações Exteriores, 2009a). Deste modo, o Tratado de Assunção criou o MERCOSUL em 1991, e de acordo com seu preâmbulo, tal tratado visa, além da criação de um mercado comum, uma inserção internacional adequada para seus países através da integração e cria as bases para uma união cada vez mais estreita entre seus povos. O Tratado trouxe também algumas inovações quando comparado à processos anteriores de integração como a ALALC e a própria ALADI, trazendo objetivos como a adoção de uma tarifa única comum e políticas macroeconômicas coordenadas. Ademais o Tratado levou a adesão do Paraguai e do Uruguai para este processo de integração que já se verificava entre Brasil e Argentina e ainda deixa as portas abertas para futuras adesões (BAPTISTA, 1998. Pág. 36). No mesmo sentido Baptista (1990, p. 32 apud SILVA, 1998, p. 38) afirma que “o MERCOSUL é uma continuação de um processo, e assim não representa uma ruptura histórica”. Porém apesar do tratado visar a criação de um mercado comum, “parece-nos, entretanto, que doutrinariamente, situaríamos (o MERCOSUL) entre uma zona aduaneira comum e um mercado comum” (BAPTISTA, 1998. Pág. 41) Quanto à criação do MERCOSUL, segundo Hoffmann e Herz (2005 p. 204), seus principais tratados e protocolos são o seguinte: o Tratado de Assunção (29/11/1991), que cria o MERCOSUL; o Protocolo de Brasília (22/04/1993), sobre solução de controvérsias3; o 2 A Comunidade Andina de Nações é um bloco econômico formado pela Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela. Com o objetivo de alcançar um desenvolvimento mais acelerado, mais equilibrado e autônomo, mediante a integração andina, sul-americana e latino-americana. Disponível em: http://www.comunidadandina.org/quienes.htm. Acesso em: 11, jul. 2010. 3 O Protocolo de Brasília foi revogado pelo Protocolo de Olivos. 10 Protocolo de Ouro Preto (15/12/1995), que trás uma estrutura institucional definitiva e uma personalidade jurídica para o organismo; o Protocolo de Ushuaia (17/01/2002) que trouxe à tona a cláusula democrática e o Protocolo de Olivos (10/02/2004) que introduziu uma Corte Permanente de Solução de Controvérsias Deste modo, foram estabelecidos então, vários órgãos que buscam garantir o cumprimento dos processos dentro do âmbito do MERCOSUL, sendo estes os principais órgãos e seus respectivos processos decisórios: o Conselho do Mercado Comum: órgão do poder legislativo em que as decisões são tomadas por consenso e são de caráter obrigatórias (devem ser internalizadas); o Grupo do Mercado Comum: órgão do poder executivo e de iniciativa legislativa, em que as resoluções são decididas por consenso; a Comissão de Comércio do MERCOSUL: que expõe diretrizes obrigatórias e propostas, são decididas por consenso; a Comissão Parlamentar Conjunta: órgão de poder consultivo, que faz recomendações decididas por consenso; Tribunal Permanente de Revisão: expõe laudos arbitrais adotados por maioria que são obrigatórios; e por último o Foro Consultivo Econômico-Social: órgão de poder consultivo, que faz recomendações ao Grupo Mercado Comum. (HOFFMANN e HERZ, 2005, p. 207 - 209) Dessa forma o MERCOSUL se constituía em um dos mais importantes e ativos órgãos da América do Sul neste recente processo de integração, tendo em vista também sua ampliação atual com a entrada da Venezuela4 que faz surgir um novo debate no que concerne o recente processo de integração na América do Sul, contudo tais desdobramentos da entrada deste último membro não será trabalhada neste artigo. Contudo, deve-se perceber que, atualmente, o MERCOSUL vem se tornando um órgão cada vez mais frágil em termos de importância e atuação, como argumenta Henrique Rattner: Os problemas no intercâmbio comercial, [...] particularmente nos setores automobilísticos, de calçados, açúcar, aço e tecidos, revelam a debilidade estrutural, econômica e política do processo de integração do mercosul (2002, p. 71) Transpondo este fato, resumidamente pode-se dizer que a América do Sul na medida em que é definida como região, vem buscando se integrar. Essa busca pela integração de fato, vem sofrendo desde Simón Bolivar, períodos de avanços, de intervalos e retrocessos. Sendo que as primeiras iniciativas, como as de Simón Bolivar em períodos mais arcaicos da história da América do Sul, bem como iniciativas mais recentes como a ALALC, fracassaram. Deixando porém um legado que serviu para que outros processos 4 A Venezuela ainda não faz parte do MERCOSUL. Apesar de a Argentina, o Brasil e o Uruguai já terem ratificado tal proposta, o processo ainda não se concluiu no Paraguai. 11 integracionistas avançassem, como é o caso de outros projetos como a ALADI e o próprio MERCOSUL, com também a IIRSA e a UNASUL, que por sua vez serão expostas no terceiro capítulo. As ondas do desenvolvimento regional sul-americano Hoffmann e Herz (2005) sugerem que o regionalismo teve duas ondas principais, a primeira que se iniciou no pós-guerra e prosseguiu até o início da década de 1980 e a segunda, que surgiu no final da mesma década. Ainda trabalharemos, no decorrer deste artigo com uma terceira onda de integração que vem ocorrendo desde o fim da década de 1990 e início dos anos 2000. Essa primeira, denominada “regionalismo fechado” foi ditada principalmente pelos Estados Unidos da América (EUA) e também por uma ideologia Cepalina5, através de políticas para os países menos desenvolvidos. Essa primeira onda deu origem aos seguintes acordos e organizações no âmbito latino-americano: Tratado Interamericano de Defesa (TIAR, ou Pacto do RIO) em 1942, Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1948; Mercado Comum da América Central, em 1960; Associação Latino-Americana de LivreComércio (ALALC), em 1960; Pacto Andino, em 1969; Comunidade Caribenha, em 1973; Sistema Econômico Latino-Americano (SELA), em 1975; Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), em 1980; e Organização dos Estados do Leste Caribenho, em 1981 (HOFFMANN e HERZ, 2005. Pág. 170 – 171). O regionalismo fechado pode ser descrito como a antítese da integração que era promovido pelo GATT (The General Agreement on Tariffs and Trade), isto é, uma integração baseada no liberalismo, que não viesse a prejudicar o sistema multilateral. Esse tipo de integração, era apoiado por organismos da ONU, como a CEPAL e a UNCTAD. O argumento principal é de que os mais atrasados não podiam concorrer em igualdade com os países mais desenvolvidos, por isso buscavam uma integração regional baseada neles mesmo, excluindo assim, como dito, os países mais desenvolvidos. É fato que o desenvolvimentismo então, é característico dessa primeira onda de integração e pode ser definido como um processo pelo qual os Estados fazem do 5 Essa ideologia Cepalina diz repeito aos “países mais atrasados, que não podiam concorrer em igualdade com os mais desenvolvidos e, portanto, precisavam de incentivos especiais para a promoção de sua industrialização. (HOFFMANN e HERZ, 2005. Pág. 172). 12 desenvolvimento econômico, um dos seus interesses principais (BRESSER, 2009, p. 47), além de ser um processo diretamente ligado às idéias da CEPAL, como já verificamos. Luis Carlos Bresser ainda expõe que embora a expressão “Estado desenvolvimentista” tenha sido criada na economia internacional para designar os países asiáticos com as economias mais dinâmicas, um Estado não precisa necessariamente ser chamado de “desenvolvimentista” para ter uma estratégia nacional baseada no desenvolvimento (BRESSER, 2009, p. 47). Cássio Silva Moreira expõe as cinco bases principais pela qual o nacional desenvolvimentismo está baseado, sendo: Primeiramente, com a atuação das empresas estatais no setor produtivo da economia. Em segundo, por meio do planejamento e da distribuição setorial dos investimentos. Em terceiro, por meio da subordinação das políticas monetária, fiscal e cambial ao desenvolvimento. Em quarto, a promoção do mercado interno por intermédio de uma redistribuição de renda mais eqüitativa. Por fim, pelo controle dos fluxos de capital estrangeiro. (MOREIRA, 2008, p. 5) Moreira (2008) ainda afirma que tais medidas buscavam industrializar o país por etapas, no caso do Brasil, mas não diferentemente de nenhum desenvolvimentismo empregado em outro lugar do sub-continente sul- americano. O mesmo autor conclui dizendo ainda que durante o governo de Getúlio Vargas o Brasil passou de um país economicamente baseado nas atividades agrárias para um país industrializado. Para Bresser (2009, p. 27), as políticas desenvolvimentistas iniciaram seu declínio principalmente em razão da queda do crescimento das taxas de lucro e do crescimento econômico dos EUA no fim dos anos 1970. Bresser ainda destaca que os: [...] países em desenvolvimento que nos anos 1970 haviam aceitado sem reservas a receita da política do crescimento com poupança externa, em particular os países latino-americanos e africanos, mergulharam na grande crise da dívida externa dos anos 1980 e perderam poder na arena das relações internacionais. [...] A partir dos anos 1980, os países em desenvolvimento, um a um, submeteram-se ao Consenso de Washington. (BRESSER, 2009, p. 29) Como resultado desse processo, surgiria uma nova ideologia nos anos 1980: o neoliberalismo – “em lugar do Estado, o mercado é que deveria agora coordenar a economia” (Bresser, 2009, p. 27). Deve-se perceber então, que com o descrédito nas políticas de desenvolvimento regidas pelo Estado, o mercado agora seria o novo regulador da esfera econômica e conseqüentemente, novo promotor do desenvolvimento, assinalando assim a segunda onda do regionalismo. Essa segunda onda do regionalismo que, por sua vez, é intitulada “regionalismo aberto”, só foi acontecer com o advento do fim da Guerra-Fria, já que a economia mundial retomava seu crescimento e havia uma aceleração do processo de globalização. A partir de 13 então foram criados novos acordos de cooperação e outros, já existentes, se tornaram mais robustos. De novo, no contexto dessa segunda onda de regionalização nas Américas, temos as seguintes organizações e acordos: Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (NAFTA, em 1989; Sistema de Integração na América Central, em 1991; Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul) em 1991; Associação dos Estados Caribenhos, em 1994; Área de Livre-Comércio do Grupo dos Três (G3), em 1995; e Comunidade Andina (CAN), em 1997 (HOFFMANN e HERZ, 2005. p. 172 – 174). O regionalismo aberto, de acordo com Hoffmann e Herz, é caracterizado como sendo “processos regionais de integração econômica [que] passaram a ser vistos como etapas intermediárias para a liberalização multilateral e não como fins em si mesmos” (HOFFMANN e HERZ, 2005, p. 174). Ou seja, esse regionalismo aberto faz parte de um processo de liberalização econômica em que os blocos regionais, não passam apenas a fomentar a liberalização entre eles, mas também com outras regiões e blocos do mundo (HOFFMANN e HERZ, 2005, p. 174 – 175) Essa liberalização, como já vista anteriormente e analisada por Bresser (2009, p. 27), derivou-se da queda das taxas de crescimento dos lucros e do crescimento dos EUA enquanto hegemonia neoliberal. Bresser ainda analisa o novo período afirmando que o Estado social, das políticas desenvolvimentistas, agora é severamente agredido, já que beneficiou e contribuiu com os trabalhadores e também por ter causado “uma compressão dos lucros e redução das taxas de crescimento” (BRESSER, 2009, p. 28) Bresser (2009) ainda expõe quatro tentativas neoliberais de administrar as políticas públicas, algumas bem sucedidas, outras não, a saber: (1) a tentativa de formular uma política macroeconômica neoclássica, que fracassou; (2) a tentativa de privatizar as empresas Estatais nos países em desenvolvimento, que foi bem-sucedida; (3) a tentativa de adicionar flexibilidade às relações trabalhistas, parcialmente bem-sucedida; (4) a tentativa de promover o desenvolvimento econômico por meio de reformas orientadas pelo mercado e de políticas macroeconômicas. Sumariamente pode-se dizer que a segunda onda, distinguida através do liberalismo, desenvolveu-se em um primeiro momento, pelo declínio das taxas de crescimento dos países que utilizavam dessa política e depois em razão do crescimento, tanto econômico como político dos EUA, que no momento já caminhava para ser uma hegemonia global e que praticava de maneira mais firme, o liberalismo (BRESSER, 2009). 14 Trabalhando com essa mesma perspectiva, a partir dos anos 2000, alguns autores começam a trabalhar com a opinião de que surge uma terceira onda de integração, diferente das duas descritas anteriormente, sendo esta descrita como um regionalismo pós-liberal. De acordo com Motta Veiga e Ríos (2007, p. 15 - 16), essa terceira onda de integração surge em decorrência das mudanças no ambiente internacional que emergiram no início desse novo século, bem como da sequência de crises econômicas que provocaram desvalorizações cambiais, como no Brasil em 1998 e na Argentina em 2001, embora isso não significasse uma ruptura total das políticas praticadas na década anterior. Contudo, tais fatores cooperaram para que houvesse uma grande contestação do papel do Estado na economia e o cenário que se firmava da liberalização dos fluxos de comércio entre os Estados da região bem como com o resto do mundo. Além disso, ganha espaço a idéia de que a globalização já bastava, pois “além de produzir desemprego no Norte, poderia levar as políticas a convergir em torno de padrões baixos e de critérios mínimos, com isso ameaçando normas sociais e valores culturais consagrados nestes países” (VEIGA e RÍOS, 2007, p. 16). Além destes fatores apontados por Veiga e Ríos para o declínio neoliberal na década de 1990, Bresser (2009. p. 42) contribui para a afirmação de alguns e ainda apontam outros. É certo pensar as mudanças no ambiente internacional, como o forte declínio hegemônico dos Estados Unidos, que era uma das bases do domínio da ideologia neoliberal, além desse fator também compartilhado pelos primeiros autores, Bresser expõe o desastre político que é a Guerra do Iraque, a crise financeira imobiliária dos anos de 2007-2008 nos EUA, eleições de políticos de esquerda e nacionalista na América Latina, bem como a mudança do eixo econômico dos EUA para a Ásia, como outros fatores que contribuem para a certeza de que o neoliberalismo da década anterior tenha chegado ao seu esgotamento. Desta maneira, é observado que passa a existir na América Latina uma revisão da convergência liberal dos anos 1990, que dá lugar por sua vez a adoção de estratégias diversas de inserção internacional, até mesmo divergentes entre si (VEIGA E RÍOS, 2007).. Isso pois como observa Veiga e Ríos: [...] alguns países buscam ampliar sua integração à economia internacional implementando políticas de abertura comercial para bens e serviços e de estabilidade de regras e proteção aos investimentos estrangeiros. Esses são os países que negociaram ou gostariam de iniciar negociações com os EUA e que, à exceção do Chile, fazem parte de esquemas sub-regionais de integração que pretendem ser uniões aduaneiras. [já outros] países [...] resistem não apenas a realizar movimentos mais expressivos de abertura comercial, mas também a assumir compromissos com 15 regras em serviços e investimentos nos acordos comerciais. Esses são os países que resistem a avançar em negociações com os EUA (Argentina, Brasil, Venezuela e Bolívia) (VEIGA e RÍOS, 2007, p.17) Isto é, com o advento do pós-liberalismo, os países passaram a agir diferentemente na arena internacional, uns guiados ainda pelo paradigma anterior, através de abertura comercial para bens e serviços e outras políticas e outros grupos de nações que são guiados por essa nova visão, resistindo em fazer movimentos maiores de abertura comercial entre outras ações. Em síntese, de acordo com as observações de Motta Veiga e Ríos e Bresser, pode-se definir o regionalismo pós-liberal como um novo processo que surge no início dos anos 2000, decorrente do fim dos ideais neoliberais que faziam parte da década anterior. Este processo embora não seja uma negação total da segunda onda de integração, mescla valores decorrentes da primeira onda de integração com o advento da globalização, que por sua vez também vem perdendo importância. Além disso, fatores que derivam de mudanças no ambiente internacional, da crise economia de 2007-2008 e de fatores próprios da América Latina, fazem com que o neoliberalismo, antes fortemente presente, se torne bem mais frágil. (VEIGA e RÍOS, 2007). Isto é, pode-se dizer que o pós-liberalismo conduz a uma revisão das políticas liberais, se aproximando, desta maneira, mais da primeira onda de integração, caracterizada, como já dito, por uma perspectiva de caráter mais nacional desenvolvimentista. Desta maneira afirmase o pós-liberalismo como um processo, que se adaptou ao novo cenário internacional, marcado fortemente pela globalização. Globalização essa que parece fazer com que este argumento não tenha fundamento e além disso, faz com que os países não se fechem em si mesmos ou em suas regiões. Contudo, como elucida Bresser: A idéia central é que [...] na globalização, os Estados-nação se tornam mais interdependentes, perdem autonomia para implantar políticas e, consequentemente, perdem importância. Mas é fácil demonstrar o contrário a partir das mesmas suposições. Na verdade, a globalização se caracteriza por maior interdependência entre Estados-nação – e maior interdependência significa certa perda de autonomia. Mas qual é a razão dessa maior interdependência? É o aumento, não da cooperação, mas da competição entre países – um aumento de competição que tornou os Estados e seus governos muito mais estratégicos economicamente do que eram antes da globalização, quando cada país tinha de competir com um número limitado de outros países, geralmente vizinhos (BRESSER, 2009, p. 34) Ou seja, embora o advento do regionalismo pós-liberal tenha surgido em meio à globalização, esta não o nega, e sim conforme exposto por Bresser, esta o afirma ainda mais, pois ao tornar os governos mais estratégicos devido à grande competição global por fatias do 16 mercado, observa-se uma maior interdependência regional e estes Estados buscando novamente trilhar o caminho do desenvolvimentismo e da equidade. Motta Veiga e Ríos (2007), observam isso ao argumentarem que a hipótese básica do regionalismo pós-liberal é a de que a liberalização dos fluxos comerciais, sendo expressas através de acordos para este fim, resultando em uma desconexão do Estado da economia, acaba por gerar intrinsecamente a este processo, malefícios para o desenvolvimento e também reduzem espaço para políticas nacionais de caráter desenvolvimentistas, como também impede a adoção de uma agenda regional que se tem temas como a equidade e o desenvolvimento regional e nacional, como temas principais. Integração regional: IIRSA e UNASUL No contexto sul-americano, há tentativas de se criar uma infraestrutura necessária para a integração dos Estados, que já foi claramente percebida no relatório de 2002 do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID6): Nos últimos anos, a abertura das economias da América Latina e do Caribe aos países vizinhos fez crescer a demanda de infraestrutura regional. Esse fenômeno, por sua vez, levou a uma sensível melhora das respostas dos setores público e privado no que diz respeito à oferta. As concessões para atividades de infraestrutura desempenharam um papel importante nesse avanço e, por parte do capital privado, local e estrangeiro, observou-se uma maior disposição para apoiar o desenvolvimento do setor. (RELATÓRIO BID, 2002, p. 133). No mesmo relatório é percebido que o desenvolvimento da infraestrutura na América Latina até o ano de 2002 se deu em grande medida em decorrência da participação privada e muitas das infraestrutura s construídas, portanto, se encontram nas mãos destes mesmos agentes. Quando os projetos são financiados pelo setor público, observa-se o problema do oportunismo, com cada parte tentando maximizar seus benefícios e tentando restringir seus compromissos. (RELATÓRIO BID, 2002). O Brasil, apesar da supracitada citada pouca participação dos setores públicos em projetos que envolvam a integração das infraestruturas interestatais, sempre esteve, entretanto, em maior medida interessado em projetos dessa natureza, o que pode ser percebido no trecho seguinte: 6 O BID oferece soluções para problemas de desenvolvimento nos 26 países da América Latina e do Caribe. Atua em parceria com governos, empresas e organizações da sociedade civil. (BID, 2009) 17 A discussão sobre a ligação do Brasil com o Oceano Pacífico é bastante antiga. Efetivamente, os debates a respeito das opções são anteriores a Segunda Grande Guerra, quando já se discutiam as alternativas rodoviária/ferroviária e alguns traçados possíveis. (DE SOUZA, 1993). Contudo apesar de os Estados buscarem, alguns mais, outros menos, essa integração regional, deve-se atentar-se para duas grandes variáveis que fazem com que os Estados na América do Sul não possam ser nem iguais e nem colocados em pé de igualdade, sendo estas culturais e econômicas. Estes problemas são recorrentes, ainda, quando se trata de logística internacional. Por exemplo: A logística utilizada para se operar em um mercado internacional ou multinacional é muito mais complexa do que aquela utilizada para se operar em um único mercado nacional integrado [...]. As diferenças quanto à cultura, língua, costume e leis levam a diferenças fundamentais entre várias porções de um mercado multinacional (MAGEE, 1977) Percebe-se então que além das dificuldades enfrentadas pelos Estados sul-americanos em se integrarem devido à fatores culturais, lingüísticos, de costumes e de leis, estes tem, como principais catalisadores desse tipo de integração, a iniciativa privada, como já foi exposto em parágrafos anteriores. A partir de 1990, como visto, a América do Sul assiste o surgimento de um regionalismo aberto, no contexto de afirmação do neoliberalismo no continente, que pode ser explicado como um processo integracionista que tem como uma de suas metas principais, consolidar os processos de abertura comercial que se apresentava na região. (DINIZ, 2005). Em termos econômicos pode-se dizer que a América do Sul administra um PIB de mais de 4 trilhões de dólares, como pode-se verificar no quadro abaixo, produzido de acordo com as informações oferecidas pelo site institucional da Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA): Quadro 2: PIB dos Países da América do Sul (a Guiana Francesa não foi inserida por ser um departamento ultramarino francês) Países Argentina Bolívia Brasil PIB (em Bilhões de US$) 558,00 45,11 2.025,00 18 Chile 243,70 Colômbia 401,00 Equador 108,20 Guiana 2,84 Paraguai 28,27 Peru 253,00 Suriname 4,27 Uruguai 31,28 Venezuela 350,10 Total: 4.050,78 Fonte: Cia Factbook, 2009. Tal característica é fator de extrema importância e que impulsiona os países ainda mais no caminho da integração econômica e portanto de suas infraestruturas, fazendo com que o fluxo de capitais se torne maior e menos dispendioso. Não é uma tarefa fácil integrar a América do Sul fisicamente, já que este sub-continente é marcado, em muitas regiões, por barreiras físicas que acabam por dificultar esta integração de infraestrutura s e que devem, por isso, serem superadas, como é o caso da Cordilheira dos Andes, a bacia do Rio Orinoco, a floresta amazônica, entre outras, como pode-se perceber no mapa em anexo, “Figura 1 – Barreiras Naturais Sul-Americanas”. Contudo, ao menos no momento presente, há uma convergência de interesses no sentido de buscar uma maior integração de infraestrutura s físicas do sub-continente, o que pode ser comprovado nos mais variados acordos e discursos quando se trata deste assunto em questão. Por exemplo, o ex-ministro das Relações Exteriores do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), Luiz Felipe Lampreia, disse à Folha de São Paulo em 28/08/2000, que: O objetivo do Brasil é criar uma maior aproximação entre os países da América do Sul, com vistas a permitir que as possibilidades, as potencialidades, que existem na região sejam exploradas da melhor maneira possível: nos planos comercial, energético e de transporte. (COUTO, 2009, p. 52 apud FOLHA DE SÃO PAULO, 28/08/2000) Fica claro então, que o Brasil começa a pensar nas bases para um acordo de infraestrutura que saneie as necessidades da região. Dentro desta perspectiva, um acordo em especial intitulado “Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana”, 19 denominada IIRSA e que trata exclusivamente destas estratégias para a implementação de uma infraestrutura física regional, sendo desta maneira um projeto de caráter mais técnico, em relação ao outro projeto a ser discutido adiante, a UNASUL. Tal iniciativa teve suas origens na I Reunião de Presidentes da América do Sul, que se realizou em Brasília, no mês de agosto do ano 2000. Os líderes presentes na reunião acordaram em desenvolver ações conjuntas para que haja um avanço nos processos de integração política, social e econômica da América do Sul, incluindo para esta integração, a modernização da infraestrutura regional e outras ações de caráter mais específico para promover a integração e o desenvolvimento de regiões mais afastadas e isoladas (IIRSA, 2009a). Como resultado de tal encontro, foi redigido o Comunicado de Brasília, documento em que foram registradas as conclusões que os líderes da região chegaram, tendo um capítulo especialmente voltado para iniciativa de integração que se iniciava, (dentre outros capítulos versando sobre a democracia, o comércio, drogas ilícitas e delitos conexos e por fim, sobre informação, conhecimento e tecnologia. Já no primeiro parágrafo de tal comunicado, é exprimido claramente que esta integração física deverá levar os países da América do sul a um espaço privilegiado de cooperação, como se pode verificar: Os chefes de Estado observaram que o impulso da integração transfronteiriça se fortalece como resultado, entre outros fatores, da proximidade geográfica, da identidade cultural e da consolidação de valores comuns. As fronteiras sul-americanas devem deixar de ser um elemento de isolamento e separação para tornar-se um elo de ligação para a circulação de mercadorias e pessoas, conformando-se assim um espaço ideal e privilegiado para a cooperação. (COMUNICADO DE BRASÍLIA7, 2000, tradução nossa) Tal iniciativa terá um horizonte de dez anos para concluir as primeiras etapas nas áreas de energia, transporte e comunicação, contando com a ajuda para o financiamento dos projetos de algumas instituições de fomentos como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Corporação Andina de Fomento (CAF), o Banco Mundial, o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata, o setor privado (através de parcerias Público-Privadas – PPP’s) e claro, com o investimento direto dos governos. (IIRSA, 2009a) 7 Original: Los Jefes de Estado observaron que el impulso de la integración transfronteriza se fortalece por ser una resultante, entre otros factores, de la proximidad geográfica, de la identidad cultural y de la consolidación de valores comunes. Las fronteras suramericanas deben dejar de constituir un elemento de aislamiento y separación para tornarse un eslabón de unión para la circulación de bienes y personas, conformándose así un espacio privilegiado de cooperación.(Comunicado de Brasília, 2000) 20 Essa primeira etapa consiste em um conjunto de trinta e um projetos estratégicos que tem alto impacto na integração física da região, que pode ser verificada na “Tabela 1 Agenda de Implementação Consensual 2005 – 2010”, que se encontra em anexo e que informa sobre qual o eixo beneficiado, o valor de cada projeto e em que etapa de finalização este se encontra. Tal conjunto de projeto está inserida na Agenda de Implementação Consensual 2005 – 2010 que foi aprovada pelo Comitê de Direção Executiva da IIRSA, em novembro de 2004 (IIRSA, 2009a). Esta primeira etapa de projetos, que recebe atenção especial dos governos terá um custo estimado em US$ 10 bilhões, já em sua totalidade a IIRSA terá 510 projetos e um custo de US$ 74 bilhões e meio (IIRSA, 2009c). As localidades e especificidades de cada um destes trinta e um primeiros projetos podem ser melhor compreendidas com a ajuda da “Figura 2 – Mapa da Agenda de Implemantação Consensual 2005-2010”, anexa a este trabalho, que mostra as localidades de cada projeto e do que se trata. A IIRSA ainda conta com um plano de ação que se encontra anexado ao Comunicado de Brasília e que trata especificamente de como funcionará a IIRSA e como a mesma poderá ser implementada. As idéias e projetos integracionistas propostos e, alguns já concretizados pela IIRSA, ainda foram reforçados na II Reunião de Presidentes da América do Sul de 2002, que deu origem ao Consenso de Guayaquil, e que foi convocada pelo então presidente da República do Equador Gustavo Noboa Bejarano e que versou basicamente sobre as questões de integração, segurança e infraestrutura para o desenvolvimento regional no âmbito da IIRSA (Comunidade Andina de Nações, 2010b). Nesta mesma declaração (COMUNIDADE ANDINA DE NAÇÕES, 2010b) é expresso, mais precisamente no artigo 8, o apoio dos governos em se dar continuidade aos projetos da IIRSA, reafirmando esta Iniciativa como de extrema importância e relevância para a aplicação de instrumentos que viabilize a integração entre todos os setores. Afirmando ainda que a IIRSA é essencial como estratégia bem sucedida para: a) Promover e facilitar o crescimento e desenvolvimento econômico e social da América do Sul; b) Melhorar a competitividade internacional da região, aumentar sua participação na economia global e enfrentar melhor os desafios colocados pela globalização; 21 c) E fortalecer a integração regional e a cooperação através da expansão dos mercados, a convergência de políticas públicas e uma abordagem social e cultural na América do Sul. Fica claro aqui, que além de buscar uma integração regional de fato, a IIRSA, através de seus projetos, busca essencialmente promover uma maior aproximação econômica dos países em questão, buscando como dito, cooperar principalmente no âmbito econômico para que os Estados sul-americanos se tornem mais competitivos na esfera global. Portanto, para cada projeto proposto, foi desenvolvido um programa que buscou averiguar os possíveis potenciais e riscos de cada projeto, identificando assim as principais atividades econômicas, os fluxos de comércio que tais projetos poderiam trazer, a atratividade de investimentos privados, os perigos ambientais e do mesmo modo já verificado, a contribuição par o aumento da competitividade da produção regional, como observa Couto (2009). Verificando-se, além disso, a aproximação de tal projeto quanto ás especificidades da terceira onda de integração caracterizada, como já dito, pelo pós-liberalismo. Isso pois, como visto, tal projeto busca não apenas facilitar o desenvolvimento econômico, mas também o desenvolvimento social da região, não deixando tal anseio apenas por conta do mercado. Contudo, como observa Couto (2009), os Estados sul-americanos buscam realizar as obras da IIRSA não apenas visando transformá-la em “grandes corredores de exportação”, mas que possam, da mesma maneira, colaborar para o desenvolvimento em suas áreas de influência e que antes mesmo de se faze ligar os oceanos da região, deve-se buscar o desenvolvimento das regiões interiores da América do Sul que participam pouco e estão pouco conectados aos fluxos de integração. No ano de 2004, foi realizada a III Reunião de Presidentes da América do Sul, realizada na cidade de Cuzco e que deu origem à Declaração de Cuzco, que por sua vez originou a Comunidade Sul-americana de Nações (CASA). Tal declaração, além de buscar dar um novo passo rumo a integração em âmbito mais político entre as nações da América do Sul, ainda traz um parágrafo em que reitera o apoio a: [...] integração física, energética e de comunicações na América do Sul como base do aprofundamento das experiências bilaterais, regionais e subregionais existentes, com a consideração de mecanismos financeiros inovadores e as propostas setoriais em curso, que permitam uma melhor efetivação dos investimentos em infraestrutura física para a região. (DECLARAÇÃO DE CUZCO, 2004) 22 Os últimos avanços da IIRSA, além claro, das conclusões de várias obras propostas, se deram principalmente em relação à divulgação da iniciativa, principalmente em buscar a atrair o setor empresarial como mais uma forma de garantir a implementação de alguns projetos a partir da iniciativa privada (COUTO, 2009) Contudo, a Declaração de Cuzco, citada anteriormente, apesar de conter um parágrafo específico sobre a integração física da região, esta buscou, na verdade, a instituição da CASA. Pode-se dizer que a CASA teve suas raízes não só em propostas como a ALCA/ALADI ou em outras como as três primeira reuniões de presidentes da América do Sul, como também em propostas criadas nos anos 1990, como a Área de Livre Comércio das Américas – ALCSA (COUTO, 2009). Que, como pode-se perceber buscava integrar a América do Sul em torno de uma proposta exclusivamente econômica, bem diferente do que se constata atualmente, como se verificará adiante. Os Chefes de Estado e de Governo, se reuniram uma outra vez, após a criação da CASA, mais precisamente no ano de 2006, na cidade de Cochabamba, Bolívia. Tal reunião buscou, como observa Couto (2009, p. 58), reforçar a institucionalidade da CASA, aprofundar as questões políticas, a instituição de um sistema financeiro regional, a integração produtiva, questões de desenvolvimento social e como já visto, a integração da infraestrutura regional. No ano de 2007, durante a Primeira Reunião Energética da América do Sul, realizada na Venezuela, a CASA teve sua nomenclatura modificada para União das Nações Sulamericanas (UNASUL) e decidia-se pela cidade de Quito, no Equador, como sede para a Secretaria Permanente da Instituição. A nomenclatura foi modificada devido a críticas do Presidente Hugo Chávez, sobre os rumos da integração regional ao qual ele chamou de “lentidão da integração” (BBC/Brasil, 2008). Ao analisar seu tratado, o Tratado Constitutivo da Unasul de 23/05/2008, fica claro que a UNASUL busca dar continuidade aos tratados anteriores a ela, como a Declaração de Cuzco supracitada, a Declaração de Brasília (2005) e Cochabamba (2006). Buscando dessa forma dar continuação à integração no que tange o âmbito “político, econômico, social, cultural, ambiental, energético e de infraestrutura” (Tratado Constitutivo da UNASUL em Ministério das Relações Exteriores – Site Institucional). Segundo o Presidente Lula: 23 A UNASUL vai facilitar que [se] negocie com outros blocos em conjunto. Isso vai facilitar que esse estabelecimento do tratado e da confiança mútua entre nós, nós possamos fazer mais obras de integração. Poderemos fazer mais ferrovias, mais rodovias, mais pontes, mais linhas de transmissão. Ou seja, na verdade, eu acho que foi a realização de um sonho, mas ainda vamos ter que trabalhar muito para consolidar as coisas práticas. (FOLHA ONLINE, 2010) O Presidente Lula, ainda argumenta sobre o futuro da América do Sul, da UNASUL e de suas políticas econômicas, dizendo que “agora estamos criando o Banco da América do Sul. Nós vamos caminhar para, no futuro, termos um Banco Central único, para ter moeda única” (FOLHA ONLINE, 2010). É percebido então que a UNASUL almeja criar um mercado comum e também uma união monetária nos moldes da União Européia e como pode ser percebido em seu tratado, buscando convergir a Comunidade Andina (CAN) e o MERCOSUL e também integrando nesse processo o Chile, a Guiana e o Suriname (a Guiana Francesa não participa de tal projeto já que não se trata de um Estado sul-americano e sim de um departamento ultramarino francês), como pode-se perceber através da Declaração de Cuzco, a qual se busca: O aprofundamento da convergência entre o MERCOSUL, a Comunidade Andina e o Chile, através do aprimoramento da zona de livre comércio, apoiando-se, no que for pertinente, na Resolução 59 do XIII Conselho de Ministros da ALADI, de 18 de outubro de 2004, e sua evolução a fases superiores da integração econômica, social e institucional. Os Governos do Suriname e Guiana se associarão a este processo, sem prejuízo de suas obrigações sob o Tratado revisado de Chaguaramas. (DECLARAÇÃO DE CUZCO, 2004) Como já exposto em várias passagens deste artigo, os governos sul-americanos, sempre observam as assimetrias existentes entres os países da região e como demonstra Couto (2009, p. 59), dentre os seis princípios orientadores da integração sul-americana, o primeiro já cita a preocupação com a assimetria verificada na região, sendo os seis princípios orientadores os seguintes: a) Solidariedade e Cooperação na busca de uma maior equidade, redução da pobreza, diminuição das assimetrias e fortalecimento do multilateralismo. b) Soberania, respeito à integridade territorial e autodeterminação dos povos. c) Paz. d) Democracia e Pluralismo. e) Respeito aos Direitos Humanos. f) Desenvolvimento Sustentável. 24 É visível, portanto, ao se verificar os princípios orientadores da integração sulamericana, a clara perspectiva de que não há mais aquela busca apenas por ganhos comerciais que, como na segunda onda de integração, norteavam as políticas dos países da região. Estes princípios expõem outros fatores, como a busca por, em sua essência, uma igualdade entre os povos da região em todos os aspectos possíveis, sendo esta igualdade administrada pelos Estados. Isso por sua vez é característica do pós-liberalismo. Além desses fatores, se propõe a criação de uma união política e comercial e de uma moeda única sul-americana e a intenção de se buscar a superação entre as simetrias através da junção da CAN, do MERCOSUL e de outros países, a UNASUL se aproxima mais do arranjo da União Européia, como é a intenção, ao se idealizar também um Conselho de Defesa da UNASUL, que foi proposto pelo governo brasileiro (FOLHA ONLINE, 2010) No entanto, apesar de todo arranjo preparado e por vezes até funcionando de forma pouco elaborada, como observa Couto (2009, p. 62) somente em maio de 2008 os presidente dos doze países da região assinaram o tratado de criação da UNASUL, criando desta maneira, condições para que a instituição tivesse uma personalidade jurídica própria. Contudo o acordo ainda necessita tramitar pelos órgãos legislativos da maioria dos países, sendo que apenas quatro, dos doze países, já ratificaram tal acordo, a saber, Bolívia, Equador, Guiana e Venezuela. Contudo alguns progressos já foram feitos, como a eleição de Néstor Kirchner para secretário-geral da isntituição (BBC/Brasil, 2010) Em resumo pode-se dizer que tanto a IIRSA, quanto a UNASUL, são processos que buscam integrar os Estados sul-americanos segundo seus pressupostos e especificidades, além de que, como verificar-se-á na conclusão deste artigo, tanto a IIRSA, quanto a UNASUL, são instituições que surgem dentro do contexto pós-liberal. Enquanto a IIRSA busca integrar o sub-continente através de uma proposta mais técnica, isto é, através de obras de infraestrutura, para assim, fazer aumentar o fluxo comercial e a interdependência econômica entre os países, a UNASUL, por sua vez, busca, como visto, uma integração de teor mais político, nos moldes da União Européia, isto é, de se chegar a uma União Monetária, nível mais avançado de integração, como visto no quadro “tipos de integração econômica”. Para isto acomodou a CAN, o MERCOSUL e outros países sul-americanos que não faziam parte de nenhuma destas duas instituições. 25 IIRSA e UNASUL, reflexos dessa terceira onda de integração? A integração sul americana, como observado, é um processo que remonta ao século XIX, quando Simón Bolívar começou a difundir seus ideais e que culmina, atualmente, com a proposta da UNASUL, e em meio a esse caminho, encontra-se instituições que fracassaram, mas que serviram de preponentes para outras instituições que vieram a ter relativo sucesso. Trabalhou-se neste artigo, com duas ondas principais referentes à integração regional sul-americana, sendo comumente conhecidas como primeira e segunda onda de integração ou regionalismo fechado e aberto, respectivamente. Sendo que algumas das instituições como a ALALC, ALADI e o MERCOSUL, foram enquadradas em suas respectivas ondas de integração. Por outro lado, também se trabalhou com uma terceira onda de integração que se iniciou no começo deste século e que é comumente designada como um regionalismo pósliberal, por trazer novas concepções que foram já especificadas. E como observa Motta Veiga e Ríos (2007), uma característica básica do regionalismo integracionista na América do Sul, atualmente, é o fato de seu surgimento estar vinculado a uma crítica do liberalismo,tanto em âmbito intra-regional, como também nas políticas de desenvolvimento nacionais, fazendo com que entrem em cena, novas concepções sociais, antes marginalizadas. Deste modo, com a ocorrência desta terceira onda de integração, surge a necessidade de se buscar novos objetivos, de se lançar novos atores no ambiente internacional para que se faça valer os novos ideais e também de se difundir iniciativas que exemplifiquem esse novo contexto. E é neste momento que se tornam exemplo deste novo paradigma, a IIRSA e a UNASUL, que ao serem trabalhadas mais detalhadamente, percebe-se que, apesar de serem as duas instituições frutos do contexto do regionalismo pós-liberal, cada uma tem suas nuanças e especificidades. Isto pois, a IIRSA, em decorrência de ser uma iniciativa datada do ano 2000, em que ainda apenas se sentia os novos rumos que tomava a integração regional, mas também se, de certo modo, a presença do regionalismo aberto da segunda onda de integração, tem muitas características justamente voltadas a buscar um certo liberalismo, ao menos quando se contempla as relações econômicas que poderiam surgir de tal integração. Além de ser uma instituição que busca, como observa Motta Veiga e Ríos (2007, p. 36) “refletir as prioridades dos modelos primário exportador – orientado para o comércio extra-regional – e de substituição das importações”, por ser um projeto de caráter exclusivamente voltado para o desenvolvimento das infra-estruturas da região. 26 Por outro lado, é notório que a IIRSA se trata também de um projeto que se enquadra perfeitamente dentro da perspectiva do regionalismo pós-liberal. Isso pois tem o propósito de servir como fator que pode gerar o desenvolvimento dos Estados, como também o desenvolvimento regional, buscando do mesmo modo trazer uma equidade maior entre os países da região, que deriva-se por sua vez também, um maior desenvolvimento social. Conclui-se deste modo, que a IIRSA, apesar de ter raízes fortemente fixadas em um momento pelo qual os países da América do Sul almejavam o liberalismo, esta já busca colher e incentivar os projetos pós-liberais existentes na região, tornando-se dessa maneira um projeto em que pode-se verificar tanto a integração voltada para os ideais liberais, em um primeiro momento, como também dirigida para uma integração pós-liberal, já que esta busca fomentar o desenvolvimento dos Estados nacionais. Isto é, a IIRSA busca, apesar de ser um projeto voltado em essência para fazer com que o comércio regional e com os demais países do mundo tenha um crescimento, devido a melhoria das infra-estruturas, um ajuste das políticas comerciais conforme uma gestão feita exclusivamente pelos Estados. Afirma-se, da mesma maneira, que a UNASUL é uma instituição de caráter exclusivamente pós-liberal, pois primeiramente verifica-se o intento de se buscar o desenvolvimento da região bem como dos Estados membros. Afirmação feita a partir da conclusão de que a UNASUL é uma instituição de natureza política, e que portanto, buscará atender os anseios políticos da região, derivando-se daí, o ressurgimento de um nacionalismo econômico, propondo a politização das agendas nacionais e fazendo com que propostas liberais como o MERCOSUL e a CAN, tornem-se parte dessa proposta anti-liberal que está em evidência. A UNASUL, tendo essas características, ainda tenta dialogar com um mundo exclusivamente globalizado, mas que faz com que a UNASUL não tenha um caráter liberal, dada a característica pós-liberal de grande parte dos países da América do Sul, como visto anteriormente. Além disso, como foi visto, a globalização não faz o papel de não permitir que os Estados adotem estratégias nacionalistas de desenvolvimento, muito pelo contrário, em decorrência da competição acirrada entre estes mesmos Estados. Indo além, pode-se perceber a total inserção da UNASUL na perspectiva pós-liberal na medida em que esta propõe um outro rumo para os países sul-americanos, rumo este que não se baseia mais em panoramas inerentes ao comércio e ao liberalismo, mas sim dirigido a um aspecto que busca maior equidade entre as sociedades, ao mesmo tempo em que busca o 27 desenvolvimento dos Estados. Isso faz com que estes não sejam processos divergentes, como aparentemente se apresenta na perspectiva liberal. Sendo assim, pode-se concluir que tanto a IIRSA quanto a UNASUL são projeto que fazem parte de um mesmo arranjo, o arranjo pós-liberal. A IIRSA devido a fatores em certa medida de caráter mais comercial, não é um projeto em sua totalidade pós-liberal. Contudo esta ainda se afirma como tal, devido à busca dos governos a procurar incluir o progresso social e políticas de desenvolvimento nacional. Já quando ao projeto da UNASUL, pode-se afirmar que este é em sua essência pós-liberal, isso pois esta nova instituição, embora ainda não tenha agido de forma abrangente, mostra em suas intenções, planos e características de um projeto exclusivamente pós-liberal. Pode-se desta maneira, afirmar então que tanto a UNASUL como a IIRSA, apesar de há muito tempo sendo planejados e só agora realmente efetivados, são dois projetos que buscam se adequar à conjuntura da globalização, através do viés pós-liberal. 28 Referências bibliográficas: ALADI. Tratado de Montevidéu de 1980. Disponível em: <http://www.aladi.org/nsfaladi/juridica.nsf/vtratadowebp/tm80>. Acesso em: 27 nov. 2009a. ALADI. O que significou a substituição da ALALC pela ALADI? Disponível em: http://www.aladi.org/nsfaladi/preguntasfrecuentes.nsf/009c98144e0151fb03256ebe005e795 d/cf2ded02ef8e4a c03256ed100613e5d?OpenDocument>. Acesso em 27 nov. 2009b. BAPTISTA, Luiz Olavo. O Mercosul, suas Instituições e Ordenamento Jurídico. Ed. 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