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08/09/2011
Medicamentos
Indústria nacional ainda é incapaz de produzir o
“Lipitor brasileiro”
Versão brasileira de droga para o colesterol não tem data para chegar ao mercado
Carlos Orsi
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7
Nove meses depois de anunciada a
descoberta, por pesquisadores brasileiros,
de uma nova rota química para a síntese da
atorvastatina cálcica – o princípio ativo do
remédio para colesterol Lipitor, da Pfizer – a
indústria farmacêutica local ainda não está
pronta para pôr a versão nacional do
genérico no mercado.
“Nossa rota, de onze etapas, é complexa
demais para a capacidade da indústria
Frasco com amostra da atorvastatina
cálcica produzida com uso de rota nacional
farmacêutica nacional”, explicou Luiz Carlos
Dias, do Instituto de Química da Unicamp,
um dos descobridores do processo inédito para a produção da droga.
Antonio Scarpinetti/Unicamp
O processo desenvolvido por Dias e Adriano Vieira,
também do IQ-Unicamp, é mais eficiente e barato que
duas rotas já usadas comercialmente para a obtenção
da molécula da atorvastatina: a original da Pfizer,
patenteada em 1989, e uma alternativa desenvolvida
por uma indústria indiana, a Rambaxy, em 2009.
“Nossa rota, de onze etapas,
é complexa demais para a
capacidade da indústria
farmacêutica nacional”
Em 2009, o Lipitor foi o medicamento mais vendido no mundo, gerando receita global
de US$ 13 bilhões. A patente da molécula caiu em junho de 2011. Desde então, é
legalmente possível produzir genéricos da atorvastatina, e vários laboratórios já têm
suas versões disponíveis no mercado nacional. Mas nenhuma delas se vale da rota
brasileira.
Complexidade
Dias, que falou com a reportagem da Inovação Unicamp durante o 5º EniFarMed –
Encontro Nacional de Inovação em Fármacos e Medicamentos, realizado na última
semana de agosto em São Paulo – disse que um fármaco criado a partir da rota
brasileira “talvez nunca venha a ser produzido”, mas referiu-se ao trabalho de criação
do processo como “uma quebra de paradigma”. “Isso mostrou que temos a
competência científica. Se fomos capazes de fazer a atorvastatina, isso significa que
também podemos fazer outras moléculas, mais simples, que estão ao alcance da
indústria e também são importantes para a saúde pública”.
De acordo com o pesquisador, a dificuldade na produção da atorvastatina no Brasil
está no elevado número de etapas da rota encontrada – onze. “Uma coisa é fazer
alguns poucos gramas num laboratório acadêmico, outra é implementar em escala
industrial”, explicou. “Uma solução seria surgirem pequenas empresas, start-ups, que
fizessem, digamos, as seis primeiras etapas, e entregassem o produto para a grande
indústria completar, embalar e vender”, sugeriu.
Outras alternativas envolveriam algum tipo de ação do Estado, por meio de subvenções
ou parcerias público-privadas. “Também poderia haver um melhor controle
alfandegário”, disse ele, atribuindo a fraqueza da indústria nacional de produtos
farmacêuticos intermediários às facilidades de importação de insumos de países como
Índia e China. “Cerca de 90% dos genéricos consumidos no Brasil são feitos a partir de
matéria-prima importada”.
Dias não considera, no entanto, a possibilidade de licenciar a rota descoberta na
Unicamp para produção da atorvastatina para algum laboratório fora do país. “Se eu
puser isso na mão de uma multinacional, eles fazem em dois tempos”, declarou. “Mas o
objetivo do projeto nunca foi esse. Sempre teve em vista os programas brasileiros de
genéricos e de saúde pública”.
Indústria e governo
O pesquisador Sérgio Falomir Peraza, da indústria
Nortec Química, que assim como os químicos da
Unicamp foi homenageado no 5º EniFarMed por ter
criado uma inovação tecnológica – no caso, uma
modificação na síntese de um remédio anticonvulsivo, a
fosfenoteína dissódica – explica que “não existe processo industrial sem um mercado”.
“Cerca de 90% dos genéricos
consumidos no Brasil são
feitos a partir de matériaprima importada”
“O acadêmico me dá a inovação, mas poucas pessoas no Brasil conseguem
transformar a inovação em produto de indústria. A indústria tem de fazer o produto
chegar ao mercado”.
Diante da questão da atorvastatina – molécula para a qual o mercado já está
estabelecido – Peraza reitera a explicação de Dias: “Nós não temos uma indústria de
intermediários. Temos de comprar os intermediários de Índia e China”, declarou,
acrescentando que as importações inibem possíveis iniciativas nacionais.
Representantes do governo federal presentes ao evento manifestaram preocupação
com a questão da dependência brasileira de insumos farmacêuticos importados. Zich
Moysés, da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da
Saúde, disse, durante mesa redonda sobre compras governamentais e parcerias
público-privadas, que “ter a matéria-prima produzida aqui é fundamental”. “Não é só ter
produção: é para ter a tecnologia aqui também”, afirmou.
Tecnologia e inovação
A questão da importação de insumos farmacêuticos ativos (IFAs), matéria-prima para a
indústria de genéricos, e o impacto dessas importações sobre o fabricante nacional
permearam diversas mesas e debates do evento.
"Ou se resolve o problema da indústria de genéricos não consumir dos fabricantes
farmoquímicos nacionais, ou nenhuma ação vai adiantar", queixou-se Jean Peter,
presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina e suas
Especialidades (Abifina), durante mesa sobre as perspectivas para os farmoquímicos
nacionais.
Dante Alario Júnior, principal executivo científico da
Biolab Famacêutica, declarou, durante a sessão de
abertura do EniFarMed, que “não dá para competir com
China e Índia” na questão dos fármacos fora de
patente, a menos que haja alguma inovação envolvida
no processo. “Só tem um caminho para a síntese, que não está sendo explorado, que
é fazer inovação em síntese”, disse ele. “Eu nunca montaria uma indústria, e já fiz isso,
que faz fármaco que está fora de patente. Eu fiz uma vez, mas não faço a segunda”.
Síntese, no caso, é o nome dado ao processo químico de obter compostos mais
complexos a partir de ingredientes mais simples.
“Existe uma oportunidade
tecnológica a ser capturada
pelo empresariado nacional,
que é a biotecnologia”
“Eu só faria alguma coisa”, prosseguiu, “ onde também vá fazer inovação em síntese.
Vou fazer coisas que dão patente, inovações radicais que também dão patente. Esse é
o único caminho que ainda existe para a indústria de fármaco. Se ela fizer isso, ela tem
chance de fazer até fármacos fora da patente. Mas só fazer fora da patente e competir
com China e Índia, desculpe, não dá”.
Áreas onde o espaço para o produto nacional parece menos controverso, abordadas no
5º EniFarMed, foram a biotecnologia – com a apresentação de um fundo de
investimento internacional patrocinado pelo BNDES – e os fitoterápicos. De acordo com
o representante do BNDES que mediou uma mesa sobre biotecnologia, Pedro
Palmeira, “existe uma janela de oportunidade” para o desenvolvimento de uma indústria
nacional forte no setor.
“Existe uma oportunidade tecnológica a ser capturada pelo empresariado nacional, que
é a biotecnologia”, afirmou ele, citando fatores que devem estimular o desenvolvimento
do setor: a capacidade de compras do governo e a disposição do BNDES para
fomentar a “internalização das competências” envolvidas.
Prêmio
O Prêmio Reconhecimento Técnico, concedido no 5º EniFarMed, contemplou, além do
desenvolvimento da rota brasileira para a produção da atorvastatina cálcica e da
inovação na produção da fosfenoteína dissódica, os seguintes trabalhos: avanços
obtidos pela Fiocruz, no desenvolvimento de um comprimido solúvel de antirretrovirais
para uso pediátrico e na inovação da síntese de uma droga usada na terapia de câncer,
o mesilato de imatinibe; o desenvolvimento do acesso a uma combinação de drogas
contra a malária, a ASQM, pela Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas;
e a criação de um sistema para a priorização da produção nacional de medicamentos
considerados estratégicos para o SUS, por Rodrigo Cartaxo, mestrando do INPI.
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