Assim, vejamos: para De Cenzo e Robbins2, o campo da gestão de recursos humanos centra-se em quatro domínios: aquisição, manutenção, motivação e desenvolvimento. Storey e SissonJ definem um ciclo de gestão de recursos humanos em cinco passos: selecção, desempenho, avaliação, retribuições e desenvolvimento. Beer, Spector, Lawrence, Mills e Walton4 escolhem quatro temas: influência dos empregados, fluxos de recursos humanos (de dentro para fora e de fora para dentro), sistema retributivo e sistema de trabalho. Tichy Frombrun e Devanas consideram quatro grandes áreas: selecção, avaliação, retribuição (salários e beneficios complementares) e desenvolvimento. Schuleer e MacMillan6 incluem as seguintes áreas: planeamento de recursos humanos, apoio (recrutamento, selecção e socialização), avaliação, retribuição, treino e desenvolvimento e relações com os sindicatos. Gomez Mejia7 compõe o seu manual da seguinte forma: introdução; contextos da gestão de recursos humanos; recrutamento; desenvolvimento; compensação; govemância. Em França, Peretti S arruma as matérias da seguinte forma: Função pessoal (desenvolvimento da função recursos humanos, a função recursos humanos, a logística da função, a auditoria social), emprego (as pessoas, os empregos, políticas de emprego, recrutamento e integração, carreira na 2 De Cenzo; Robbins - PersonnellHuman Resources Management. New York: Wiley and Sons, 1988. l Storey (ed) - New Perspectives or Human Resources Management. London: Routiedge, 1991. 4 Beer, Spector, Lawrence, Mills e Walton - Human Resources Management. New York: The Free Press, 1985. 5 Tichy Frombrun, Devana - Strategic Human Resources Management. Sloan Management Review. 23 (2),47-61, 1982. 6 Schuleer e MacMillan - Gaining Competitive Advantage Through Human Resources Management Practices. Human Resources Management. 23 (3), (1984), p. 241-55. 7 Luíz Gomez Mejia - Man.aging Human Resources. London: Prentice Hall, 1998. 8 Jean Marie Peretti - Recursos Humanos - Lisboa: Silabo, 1997 6 empresa), os salários (massa salarial, avaliação de funções e desempenho, política de remuneração) e desenvolvimento social (investimento em formação, investir na segurança e na melhoria das condições de trabalho, a gestão do tempo, as relações sociais, informação e comunicação na empresa). Chiavenat09 organiza as matérias da seguinte forma: interacção entre pessoas e organizações; sistema de administração de recursos humanos; subsistema de suprimentos de recursos humanos; subsistema de aplicação de recursos humanos; subsistema de manutenção de recursos humanos; subsistema de desenvolvimento de recursos humanos; subsistema de controlo de recursos humanos. Em Portugal, Oliveira Rocha lO estrutura as matérias da forma seguinte: introdução; gestão de pessoal; procura de recursos humanos; integração de recursos humanos; avaliação de desempenho; desenvolvimento de recursos humanos; manutenção de recursos humanos; separação de recursos humanos; avaliação e controlo de recursos humanos e gestão de recursos humanos no futuro. Nesta obra, tivemos em conta a necessidade de ensinar gestão de recursos humanos, numa perspectiva estratégica e, consequentemente, as matérias foram organizadas por forma a que respondessem a este objectivo. Os recursos humanos hoje não constituem apenas mais um dos muitos recursos das organizações, mas antes, na sociedade da informação onde a mudanç~ a constante, constituem o recurso estratégico. Representam aquele factor crítico sem o qual não há forma de competir e ter sucesso. Os recursos humanos transformaram-se no activo mais valioso e tendem a ser encarados, desde os trabalhos pioneiros de Becker (prémio Nobel da economia) e Schultz, como capital humano. Por isso, se este manual em alguma coisa se distingue dos restantes, tal distinção tem a ver com a perspectiva adoptada, com a óptica assumida por nós no concurso para Professor Catedrático, de que a gestão privada e a administração pública exigem uma gestão estratégica de recursos humanos. 9 Idalberto Chiavenato - Recursos Humanos. São Paulo: Atlas, 1992. Oliveira Rocha - Gestão de Recursos Humanos. Lisboa: Presença, 1997. 10 7 De facto, o actual paradigma da gestão não vê os recursos financeiros, tecnológicos ou logísticos, como principais factores competitivos, mas sim as pessoas, dado pressupor-se que quanto mais valorizadas estiverem, em tennos de competências estratégicas para garantir o sucesso da organização, motivadas e empenhadas nas actividades, objectivos e missões, maior será a taxa de produtividade. Desta fonná, a gestão estratégica de recursos humanos (GERH) constitui, hoje, um factor detenninant~ do sucesso das organizações públicas ou privadas, por colocar as pessoas no coração da organização. Em virtude desta orientação estratégica, que obriga ao entrosamento entre gestão de recursos humanos e estratégia organizacional, estruturámos este manual da seguinte fonna: introdução e abordagens teóricas; contextos de gestão e processos organizacionais; técnicas e práticas de gestão de recursos humanos. Estas últimas são subdivididas em três grandes dimensões: atracção de recursos humanos, avaliação e desenvolvimento, fidelização das pessoas à organização. Esta organização das matérias liga-se ao que se nos afigura constituir as novas dimensões que tenderão a integrar a gestão de recursos humanos: gestão estratégica; atracção de pessoas para a organização; investimento nos activos mais importantes da organização - as pessoas; fidelização das pessoas à organização, evitando que este activo se perca ou vá alimentar a concorrência. A abordagem teórica subjacente ao manual situa-se dentro da abordagem técnica (sistémica) da sociologia da gestão, da abordagem contingencial, pelo lado da teoria organizacional e da abordagem de Edgar Schein, II pelo lado do comportamento organizacional. II 8 Consultar: João Bilhim - Teoria Organizacional. 3." ed. rev. Lisboa: 2004. ÍNDICE Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 PARTE I - A FUNÇÃO RECURSOS HUMANOS CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO AOS PRINCIPAIS CONCEITOS. . . . . . . . . . . . 17 1.1. Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 1.1.1. O problema. . ... .. . ... . .. . ... .. . .. . ... .. . .. . .... . .. . ... . .. . 1.1.2. Subsistema organizacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 21 1.1.3. Subsistema comportamental. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.1.4. Sociologia da gestão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 27 1.2. Gestão de recursos humanos: definição e ciclo de vida . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 1.2.1. Definição. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 1.2.2. Passado e presente da gestão de recursos humanos . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.2.3. Ciclo de vida da gestão de recursos humanos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 37 1.2.4. Gestão de recursos humanos no último quartel do século xx. . . . . . . . . . 40 CAPÍTULO 2 - GESTÃO ESTRATÉGICA DE RECURSOS HUMANOS. . . . . . 47 2.1. Gestão estratégica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 2.2. Desafios da envolvente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.2.1. Económica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 51 2.2.2. Tecnológica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 2.2.3. Demográfica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 9 CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO AOS PRINCIPAIS CONCEITOS 1.1. Introdução 1.1.1. O problema A gestão de recursos humanos é, em geral, aceite como um tema central no estudo das organizações e, de acordo com a Harvard Business School, ela diz respeito "a todas as decisões de gestão que afectam a relação entre a organização e os empregados"'2. Todavia, o conhecimento disponível acerca da influência das boas ou más práticas de gestão de recursos humanos sobre a produtividade e a eficácia organizacional é muito escasso. A gestão de recursos humanos, pela sua dimensão prática (ciência-prática), lembra frequentemente um receituário de boas práticas. Embora recorra à teoria e ao comportamento organizacionais, a necessidade de resolver problemas muito concretos amarra-a de tal forma ao quotidiano que sobressaem, com mais frequência, os aspectos instrumentais de receituário do que os aspectos doutrinais do corpo teórico. Do ponto de vista epistemológico, as decisões de gestão são de uma natureza eminentemente prática e, em si, não são científicas. A ciência 12 M. Beer [et aI.] - Human Resource Management: A general manager's perspective. Nova York: Free Press, 1985. 17 ou o carácter científico da gestão relacionam-se com o tipo de conhecimento usado a montante da decisão. Por exemplo, nesta perspectiva, a decisão médica de diagnóstico não constitui um acto científico, mas antes de natureza técnica, embora tal decisão tenha sido tomada com base em informações científicas. Assim, também parece ocorrer na GRH. As decisões seriam de natureza técnica, mesmo que para tais decisões tenham concorrido informações de natureza científica. O concurso das diversas ciências estaria para a gestão de recursos humanos, como a química orgânica, a farmacopeia, ou a biologia, nomeadamente, para a medicina. Do ponto de vista conceptual, a designação "gestão de recursos humanos", que descende do conceito de gestão de pessoal, antes dominante na literatura, está longe de apresentar um campo estabilizado de conhecimentos 13 • Falta realmente uma teoria geral explicativa do papel das pessoas na eficácia organizacional e no desempenho das empresas. Ferris, Barnum, Rosen, Holleran e Dulebohn l4 consideram que a ausência de uma teoria geral explicativa do papel dos recursos humanos no desempenho das organizações deve ser atribuída ao seu carácter empírico e prático. A inexistência deste corpo teórico próprio constitui uma dificuldade que não é fácil de contornar, sobretudo num contexto económico marcado pelo aumento crescente da competição entre as nações e as empresas. Acresce que, pela globalização dos factores produtivos, as políticas nacionais de comércio externo, a gestão das pessoas, a tecnologia, a inovação e a educação assumem, progressivamente, um papel crítico para o sucesso de qualquer país ou empresa lS • Na gestão de recursos humanos, encontramos conceitualizações psicológicas, sociológicas, económicas, jurídicas e até oriundas da ciência política, que lhe conferem um carácter ecléctico, não dispondo, deste modo, de uma base de conhecimentos fortemente integrada e consistente. Todavia, 13 Hendry, Pettigrew - Human Resource Management: an agenda for the 1990's. The International Journal or Human Resources Management. Vol. 19 (1990), p. 17-43. 14 Ferris [et aI.] - Handbook or Human Resource Management. Cambridge, Mass: Blackwel1 Publishers. IS Dertouzof; Lester & Solow - Made in America. Cambridge, Mass: MIT Press, 1989. 18 este eclectismo não enfraquece a sua posição actual onde todos, em geral, reconhecem, à gestão de recursos humanos, um papel estratégico. Este eclectismo fica-se a dever, do nosso ponto de vista, ao carácter extremamente variado e complexo dos problemas que constituem a agenda de investigação e de trabalho do pesquisador e do gestor de recursos humanos. o facto de a gestão de recursos humanos, do ponto de vista teórico, recorrer à teoria e ao comportamento organizacionais acarreta como consequência que se possa estabelecer diferenças significativas entre os diversos autores que têm abordado este tema. Confronta-se, assim, o investigador e o prático de GRH com a existência de uma multiplicidade de abordagens teóricas que resultam da adopção de diferentes abordagens científicas. Isto significa que o que a GRH integra no seu seio ou rejeita tem directamente a ver com a abordagem teórica que lhe subjaz, circunstância que poderá eventualmente confundir quem não possua uma maior bagagem conceptual. A gestão de recursos humanos evoluiu, em certa medida, ao longo do século xx em articulação estreita com a teoria e o comportamento organizacionais, partilhando os pontos altos e baixos da evolução desta ciência dedicada ao estudo das organizações l6 • Fruto desta articulação, as pessoas que trabalham nas organizações têm sido encaradas de diversas e opostas maneiras. Assim, de engrenagem sujeita ao determinismo cego de uma máquina, passaram a ser cidadãos, parceiros activos, e são agora elevados a factor estratégico. Este carácter estratégico atribuído ao factor humano traduz o aspecto mais relevante da gestão de recursos humanos na actualidade. As actividades de gestão de recursos humanos (GRH) possuem um impacto muito significativo no desempenho e na realização (performance) individual e, por conseguinte, na produtividade e na realização global de qualquer organização. A sua capacidade de inovação depende da criação de um ambiente propício e de apoio que por sua vez depende da existência de pessoas inovadoras. Por outro lado, a qualidade das decisões estra16 João Pereira Neto - Prefácio. ln João Bilhim - Questões Actuais de Gestão de Recursos Humanos. Lisboa: ISCSP, 2001. 19 tégicas está ligada à qualidade dos recursos humanos existentes, bem como o sucesso da implementação dos objectivos estratégicos é função, em grande medida, do sistema de GRH (selecção, avaliação, compensação e desenvolvimento de competências). Dada a sua importância estratégica, hoje em dia, a disciplina de GRH trata da concepção e execução de estratégias de gestão de recursos humanos através de dois temas centrais: como pensar sistemática e estrategicamente a gestão dos activos humanos de uma organização; o que é preciso fazer para implementar estas políticas e obter vantagens competitivas. Neste novo contexto de gestão estratégica, importa salientar que, ao contrário daquilo que prevaleceu até aos anos setenta do século passado, tal como constava ainda em Levitt, não há uma melhor maneira de gerir recursos humanos. À velha perspectiva one best way sucedeu a nova perspectiva contingencial da gestão dos recursos humanos. Justifica-se, assim, que cada organização analise a especificidade dos seus clientes e objectivos, articulando, de uma forma harmoniosa, as suas características com as necessidades dos consumidores. Importa, consequentemente, salientar que a gestão de recursos humanos apresenta os seguintes factores de contingência: estratégia de negócio, ligação com o consumidor, tecnologia, natureza da envolvente, tipo de pessoas 17 • Estes factores cruzam-se, por seu turno, com duas metáforas organizacionais (mecânica e orgânica), que correspondem aos dois extremos da grelha dos indicadores de medida l8 • Por outro lado, é importante não esquecer que a gestão de recursos humanos tem lugar no interior das organizações e estas podem ser vistas na perspectiva sistémica ou técnica. Ora, de acordo com esta perspectiva teórica, as organizações são compostas por dois grandes subsistemas: organizacional e comportamental. 17 J. c. Chebat & P. Kollias - The lmpact of Empowerment on Customer Contact Employees Roles in Service Organizations. Journal or Service Research. Vol. 3, (2000), p. 66-81. 18 João Bilhim - Teoria Organizacional. Lisboa: ISCSP, 2004. 20 1.1.2. Subsistema organizacional As organizações são as unidades sociais dominantes das sociedades complexas, quer sejam industriais ou da informação l9 • Hoje, nascemos em hospitais, alimentamo-nos em restaurantes, trabalhamos em empresas, departamentos públicos, instituições sem fins lucrativos e, quando morremos, recorremos à igreja e à empresa funerária: tudo organizações, que penetram em todos os aspectos da vida contemporânea. o termo organização tem origem no grego "organon", que significa instrumento, utensílio. A noção de organização apresenta dois significados. Por um lado, designa unidades e entidades sociais, conjuntos práticos, como, por exemplo, as fábricas, os bancos e a Administração Pública. Por outro, designa certas condutas e processos sociais: o acto de organizar tais actividades, a disposição dos meios relativamente aos fins e a integração dos diversos membros numa unidade coerente 20 • Na primeira acepção, a organização é uma entidade social, propositadamente coordenada, gozando de fronteiras delimitadas, que funciona numa base relativamente contínua, tendo em vista a realização de objectivos. A coordenação consciente exige a gestão formal. O facto de a organização ser uma entidade ou unidade social significa que é integrada por pessoas e grupos de pessoas que interagem. A existência de fronteiras distintivas do que é ou não é organização, mesmo que esta mude ao longo do tempo e os seus limites não sejam sempre muito claros, permite distinguir os membros dos não membros. A organização existe para realizar os seus objectivos, os quais seriam inatingíveis se a sua concretização estivesse a cargo de uma só pessoa. Assim, as organizações: são constituídas por grupos de duas ou mais pessoas; há, entre elas, relações de cooperação; exigem a coordenação formal de acções; caracterizam-se pela prossecução de metas; pressupõem a diferenciação de funções; possuem uma estrutura hierárquica; caracterizam-se pela existência de fronteiras. 19 Veja-se João Bilhim - Trabalho e Lazer na Sociedade da Informação. Lisboa: Instituto de Estudos Pós-Graduados da Universidade Internacional, 1995. 20 João Bilhim - Teoria Organizacional. Lisboa: ISCSP, 2004. 21 Nesta linha, Edgar Schein derme a organização como sendo: a coordenação racional de actividades de um certo número de pessoas, tendo em vista a realização de um objectivo ou intenção explícita e comum, através de uma divisão do trabalho e funções, de uma hierarquia de autoridade e de responsabilidade". A estrutura organizacional constitui um conjunto de variáveis complexas, sobre as quais os administradores e gestores fazem escolhas e tomam decisões. Define, pois, a forma como as tarefas devem estar destinadas, especifica quem depende de quem e estabelece os mecanismos formais. Mintzberg sintetiza os atributos organizacionais distinguindo três tipos de variáveis: contexto, estrutura, processo. As variáveis de contexto são: a idade e dimensão, a tecnologia, o meio envolvente, o poder. As variáveis de estrutura são: os mecanismos de coordenação e controlo, os elementos base da estrutura, os parâmetros de concepção, as configurações organizacionais. As variáveis de processo, por seu turno, são: os processos de comunicação, os processos de liderança, os processos de decisão e os processos políticos. Podemos considerar três características na estrutura organizacional: a complexidade, a formalização e a centralização. A complexidade inclui os múltiplos graus de especialização, a divisão de trabalho, os níveis hierárquicos, as extensões da organização e as filiais que possa ter. A formalização é constituída pelas regras e os procedimentos que as organizações têm para prientar o comportamento dos seus membros, e pelas suas normas escritas. A centralização aponta o lugar onde está localizado o poder de decisão. A centralização e a descentralização representam os dois extremos duma linha contínua. A localização da organização nessa linha é um factor importante que nos pode informar sobre o tipo de estrutura da organização". A atribuição de responsabilidades, a tomada de decisão, o agrupamento de funções, a coordenação e o controlo são requisitos fundamentais, que possibilitam a operação contínua da organização. A estrutura organi2J Edgar Scbein - A Psicologia na Organização. Tradução portuguesa de Maria Silva Bento. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1986. 22 João Bilhim - Teoria Organizacional. Lisboa: ISCSP, 2004. 22 zacional é profundamente influenciada por estes requisitos e auxilia a organização a alcançar os seus objectivos através de três maneiras: • Como estrutura básica - tomando a forma de descrição do trabalho, de organogramas; • Como mecanismo de operação - conformando os comportamentos dos indivíduos por meio de procedimentos, regras, rotinas de trabalho, padrões de desempenho, sistemas de avaliação e recompensa, programações e sistemas de comunicação; • Como mecanismo de decisão - processando informação com origem na envolvente externa e interna e cruzando, avaliando e disponibilizando as informações indispensáveis aos decisores. o desenho organizacional tem a ver com o funcionamento e a mudança operada numa organização para atingir os fins propostos. Tal como na construção de uma casa, temos um objectivo a cumprir e seguimos um determinado plano (planta, maqueta). Na organização, o documento análogo será um gráfico organizacional (organograma, manuais de organização). o desenho organizacional expressa, pois, a configuração estrutural da organização, o seu funcionamento, os órgãos que a integram e as suas relações de interdependência. Enquadra-se no desenho organizacional, por um lado, a definição da estrutura e a repartição das tarefas por departamentos, divisões, grupos e posições. Compreende, por outro, todos os aspectos tangíveis e reguladores, destinados a conformar o comportamento dos indivíduos aos padrões organizacionais. A estrutura de uma organização pode ser entendida como o total dos meios utilizados para dividir o trabalho em tarefas distintas e, em seguida, assegurar a necessária coordenação entre as mesmas". A estrutura organizacional deve compreender tanto os meios formais como os semiformais para dividir e coordenar o trabalho, de maneira a criar padrões estáveis de comportamento. Para Alfred Chandler24 a estrutura de uma organização seguia a estratégia. Ele classificou as estratégias de crescimento organizacional que proHenry Mintzberg - Estrutura e Dinâmica das Organizações. Lisboa: Dom Quixote, 1995. Alfred Chandler - Strategy and Structure: Chapters in history of lhe american industrial enterprise. Cambridge Mass: MIT Press, 1962. 23 24 23 vocaram alterações na estrutura como sendo de: expansão de volume, dispersão geográfica, integração vertical e de diversificação de produtos. Para o autor à medida que as organizações crescem e se tornam mais complexas elas alteram a sua estrutura passando do tipo funcional para o de produtos e finalmente para o mutidivisional. Em suma, para este autor as organizações que não alteraram as suas estruturas orgânicas à medida que alteraram as suas estratégias tornaramse ineficientes e acabaram por casar a estrutura com a estratégia ou faliram. Na perspectiva da gestão estratégica de recursos humanos, a estrutura é o modo como a organização foi desenhada para atingir os seus objectivos, incluindo a divisão do trabalho e a descrição das funções ou do trabalho a desenvolver, assim como o grau de centralização ou descentralização do controlo adoptado pelos gestores de topo". 1.1.3. Subsistema comportamental o comportamento organizacional constitui um campo de ensino e investigação que trata da relação (impacto) que os indivíduos, grupos e estruturas organizacionais têm no comportamento humano dentro de uma determinada organização com o objectivo de usar tal conhecimento na melhoria da sua eficiência, eficácia e economia. o estudo do comportamento do homem na organização enquadra-se numa perspectiva micro que dá mais atenção aos pequenos grupos, ao indivíduo, à motivação. Os tópicos centrados nos pequenos grupos incluem: estatuto social, poder, conflito, liderança e comunicação. Os temas relacionados com os indivíduos dizem respeito à percepção e decisão individual, aos valores e atitudes de satisfação no trabalho e à motivação e absentismo". A distinção estabelecida entre os níveis micro e macro, aceite em sociologia, não deixa de criar algumas sobreposições parcelares. Por exemplo, os factores estruturais detêm certo impacto sobre o comportamento individual dentro da organização, assim como os assuntos do nível 2S Fombrun; Ichy; Devana - Strategic Humao Resource Management. NY: John Wiley, 1984. 26 João Bilhim; Isabel Mota de Castro - Comportamento Organizacional. Lisboa: Universi- dade Aberta, 1997. 24 micro são relevantes para o estudo do sistema organizacional. Importa, consequentemente, que as duas dimensões dos estudos organizacionais tenham em conta estas relações. Todavia, estas sobreposições parcelares não apresentam igual ênfase e igual peso. Por exemplo, num tema como o conflito organizacional, a dimensão comportamental tenderá a acentuar os aspectos interpessoais e intra-grupais, cuja origem se encontra nas diferenças de personalidade. Ao invés, sobre o mesmo tema, a dimensão da teoria organizacional enfatizará os aspectos de relação interdepartamental. De um modo geral, poder-se-ia acrescentar que, enquanto o nível micro tenderá a analisar os conflitos como problemas de pessoas, o nível macro revelará a propensão para os encarar em termos estruturais, de fluxos e barreiras à informação. Num domínio de estudo, investigação e ensino que ainda não tem um século, podemos afirmar que as Ciências Sociais - Antropologia, Sociologia, Psicologia e Ciência Política - desde muito cedo se começaram a dedicar ao estudo das organizações. A Antropologia tem estudado as culturas, tendo em vista uma melhor compreensão dos seres humanos e das suas actividades. Os seus trabalhos têm ajudado a compreender as diferenças de valores, atitudes e comportamentos, entre povos de diferentes países e organizações. Grande parte do nosso conhecimento actual sobre a cultura organizacional e, particularmente, as relações inter e transculturais, são o resultado do trabalho de antropólogos, ou de investigadores que usaram a metodologia antropológica. A Sociologia" coloca o acento no sistema social. As áreas que maior contributo receberam da Sociologia foram a dinâmica de grupos, a cultura organizacional, a teoria e estrutura formal das organizações, a tecnologia organizacional, as burocracias, a comunicação, o poder e o conflito. A Psicologia Social e a Psicossociologia têm ajudado a compreender, particularmente, o problema da mudança organizacional, assim como a mudança de atitudes, os padrões de comunicação, a dinâmica de grupo e o processo de decisão em grupo. 27 Veja-se João Bilhim Dos Estudos Organizacionais à Sociologia da Empresa: Algumas controvérsias. Lusíada: Revista de Ciência e Cultura, Série de Gestão, n.O 2 Abril (1994). 25 Em suma, todas estas ciências sociais têm estudado as organizações, à luz de diferentes tradições de ensino e pesquisa, por vezes salientando aspectos específicos e, não raras vezes, debruçando-se sobre o mesmo objecto e usando metodologias e técnicas de pesquisa idênticas. Por outro lado, em resumo pode dizer-se que o comportamento organizacional diz respeito ao estudo do que as pessoas fazem e como o fazem dentro de uma organização e como o seu comportamento afecta o desempenho final de toda a organização. Assim, este subsistema liga comportamento e desempenho de funções, trabalho, saídas para o exterior, produtividade, absentismo, satisfação no trabalho etc, e integra os temas ligados a: motivação, liderança, poder, comunicação interpessoal, estrutura e processos de grupo, aprendizagem, desenvolvimento de atitudes e percepção, processo de mudança, conflitos, concepção de postos de trabalho e stress. Numa perspectiva de gestão estratégica, o padrão de comportamento organizacional tem de estar articulado com a estratégia". Isto significa que a organização precisa de se definir quanto aos seguintes dilemas: • Natureza do contrato psicológico de emprego. Paga-se de acordo com o que cada um produz numa lógica de curto prazo ou atribui-se trabalho significante para o indivíduo em troca da sua lealdade para com a organização? • Grau de participação na decisão na organização. As decisões são tomadas pelo topo da pirâmide e comunicadas posteriormente ou, há participação da base para o topo no processo de tomada de decisão? • Mercado de trabalho interno ou externo. Prevalece na organização o recrutamento interno ou pelo contrário quando há necessidade recrutase, por princípio, do exterior, sem dar oportunidades internas? • Realização individual ou de grupo. A cultura organizacional está orientada para o trabalho cooperativo ou competitivo? Se posicionarmos estes quatro dilemas da gestão de recursos humanos num contínuo que percorra uma escala de I a 10, a organização será obrigada a optar ou pelos extremos ou por um ponto intermédio. A gestão tem de optar por uma filosofia acerca das pessoas. Ora, a opção feita com maior ou menor coerência irá afectar o clima e a cultura organizacionais e, consequentemente, o padrão de comportamento exigido. 28 26 Fombrun; Ichy; Devana ~ Strategic Human Resource Management. NY: John Wiley, 1984. 1.1.4. Sociologia da gestão Mike Reed" caracteriza a gestão sob três perspectivas: técnica, política e crítica. A perspectiva técnica confunde-se com o paradigma positivista/funcionalista/sistémico/contingencial reactivo. Nesta perspectiva, a gestão é um mecanismo, um instrumento racional destinado à realização de objectivos instrumentais ligados à eficiência, eficácia e economia. A perspectiva política sobrepõe-se ao paradigma interpretativo, construtivista, pró-activo, ligado à teoria da acção, em que a gestão é nmdamentalmente negociação permanente. A perspectiva crítica, ligada ao paradigma estruturalista radical, valoriza fortemente o poder e apela à libertação de uma visão distorcida da realidade social, que muitos trabalhadores possuem" Nenhuma destas três perspectivas apresenta uma estrutura conceptual em que a visão parcelar, mas muito importante, de cada uma delas, é integrada de maneira sistemática e coerente. Contribuir para tal objectivo é um dos desafios actuais. Todavia, esta estruturação permite-nos entender melhor o que se passa com a gestão de recursos humanos. É, fundamentalmente, na perspectiva técnica que esta disciplina científica medrou, embora haja diversos estudos elaborados nas perspectivas política e crítica. Em nosso entender, é necessário integrar as três perspectivas, ou seja, adoptar uma abordagem que valorize devidamente o problema do poder e do conflito/dicotomia, por um lado, e a necessidade de integração, por outro. A nossa abordagem teórica tenta limar os exageros de ambos os lados, contribuindo nomeadamente para o que se julga ser um instrumento de análise mais útil para a prática dos gestores de recursos humanos. Os temas apresentados actualmente pela Sociologia da Gestão são: controlo de gestão; trabalho de gestão; conflito; gestão e classe. Naturalmente, as três perspectivas que acabámos de enumerar possuem visões diferentes sobre cada um destes temas. 29 Mike Reed - Sociology of Management4 London: Harvester Wheatsheaf, 1989. 30 G. Burrell; G. Morgan - Sociological Paradigms and Organizational Analysis. London: Heinemann, 1979; S. Deetz - Describing the Differences in Approaches to Organization Science: rethinking Burrell and Morgan and their legacy. Organization Science. Vol. 7, (1996), p.191-207. 27 A análise sociológica sobre os processos de controlo contidos nas tarefas de gestão revela a existência de um tensão entre uma lógica de mercado e de modernização - que exigiu a implementação de uma estratégia de relações laborais, reafirmando o controlo ao nível do posto de trabalho - e uma ideologia tradicionalista, realçando a primazia da ordem interna e da estabilidade. Esta tensão encontra-se equacionada, em termos de valores contrastantes, no pensamento de Quinn31 • A necessidade de relacionar as formas de controlo exercidas pelas estruturas de gestão com a transformação das condições em que são praticadas tem sido um tema recorrente na sociologia da gestão. A sua expressão mais clara situa-se no debate sobre o processo de trabalho avançado por Braverman". Por outro lado, a sociologia tem reflectido sobre a representação das funções de gestão como uma tecnocracia neutra, isto é, uma profissão que controla as organizações complexas no interesse da sociedade como um todo. As teorias actuais, como a sistémica ou a da contingência, veiculam ainda a ideia segundo a qual as funções de gestão consistem numa prática social caracterizada pelo planeamento e controlo racionais, livre de preconceitos ideológicos ou de interesses materiais. A análise sociológica da gestão sugere que a natureza da estrutura de gestão se caracteriza por uma ordem social altamente estratificada. A estrutura formal exige a rígida divisão do trabalho e a separação cultural entre os diferentes níveis de chefias, mas a complexidade das práticas obriga a uma certa cooperação. Assim, parece existir de forma implícita a ideia da ubiquidade do conflito organizacional nas práticas de gestão. Daí a gestão de recursos humanos ter um papel específico na gestão do conflito organizacional. Outra questão pertinente que a sociologia da gestão nos traz relacionase com o papel do próprio gestor de recursos humanos. O debate à volta da separação entre propriedade e controlo na indústria moderna está associado às grandes mudanças económicas, políticas, organizacionais e tecnológicas que ocorreram no século xx. Acontece que, com a proliferação do 31 R. Quinn - Beyond Rational Management: Mastering lhe paradoxes and competing demands or high performance. San Francisco: Jossey-bass, 1988. 32 H. Bravennan - Labour and Monopoly Capital. NY: Monthly Review Press, 1974. 28 capital por pequenos accionistas, o capitalista, o dono do capital e da empresa se encontra pulverizado e deixa de residir numa pessoa ou família fisica. o controlo, ou seja, o indivíduo ou grupo que tem poder real para escolher o conselho de administração, não é influenciado pela propriedade, não depende dela, como aconteceu ao longo do século transacto. Tal poder passou a estar nas mãos de um novo grupo, quiçá membro de um nova classe, o grupo dos gestores que dispõe agora de um poder arbitrário considerável. o argumento é válido não só para uma empresa em concreto, como para o conjunto do sistema empresarial, implicando que a direcção da indústria seja feita por indivíduos que não arriscaram o seu capital. Este novo sistema caracteriza-se pela propriedade do capital sem controlo significativo do mesmo e pelo controlo do capital sem a sua propriedade". Esta nova situação, em que se encontra o gestor de recursos humanos, impele-o a assumir um papel muito mais activo na estratégia da organização e do negócio, abandonando totalmente a posição de controlador de comportamentos, à ordem do patrão. 1.2. Gestão de Recursos Humanos: Definição e Ciclo de Vida 1.2.1.Definição A gestão de recursos humanos diz respeito a todas as decisões e acções de gestão que afectam a relação entre as organizações e os seus empregados. Envolve, por isso mesmo, todas as acções relativas à selecção, formação, desenvolvimento, recompensas e relações com os empregados: Numa perspectiva dinâmica pode dizer-se que a gestão de recursos humanos deve envolver todas as acções destinadas a assegurar a negociação e a gestão dos equilíbrios precários que permanentemente emergem entre actores sociais com interesses opostos, e, por vezes, irredutíveis. É desejável que a gestão de recursos humanos se apresente como abordagem coerente e estratégica para a gestão do activo mais importante da 33 Mike Reed - Sociologia da Gestão. Lisboa: Celta, 1997. 29 1.2.2. Passado e presente da gestão de recursos humanos De todas as funções organizacionais, a função recursos humanos é, talvez, aquela que sofreu a transformação progressivamente mais acentuada, ao longo dos últimos anos. Esta evolução vai continuar, integrando tanto o conteúdo da função, como o perfil técnico dos profissionais desta área. No percurso da função recursos humanos, ao longo do século xx, verifica-se que, por exemplo, entre as seis funções de administração identificadas por Fayol (administrativa, técnica, comercial, financeira, contabilística, segurança) a função pessoal não é mencionada, embora alguns aspectos (segurança do trabalho, higiene) sejam integrados na função segurança. De facto, é a partir de 1945 que, na Europa e, particularmente, em França, a função pessoal começa o seu período de afirmação e crescimento. o período de 1945 a 1975 corresponde a uma fase gloriosa para a função, dado o impacto das teorias das relações humanas, do desenvolvimento organizacional e do sócio-técnico. O foco de atenção é a pessoa, mesmo que o capital continue a ser o recurso mais importante dos factores produtivos. Já ficara para trás o modelo de gestão de pessoal caracterizado pela exclamação do grande proprietário da indústria automóvel norte americana nascente, Henry Ford: "tudo quanto preciso são dois braços. Mas, infelizmente, com eles vem uma cabeça atrás". O trabalhador ideal deveria ser apenas como uma roldana de uma máquina ou um robot dos nossos dias. Não precisava de pensar; era pago para trabalhar; para pensar lá estava um punhado de colarinhos brancos que procediam aos estudos do trabalho, nomeadamente, ao desenho das funções. Ao trabalhador só lhe restava fornecer a sua força de trabalho, em troca de uma remuneração. Estes anos de crescimento são marcados pela evolução do quadro juslaboral, regulamentar e das ideias relativas ao homem no trabalho. Os trabalhos de Elton Mayo são o ponto de partida para numerosas transformações das condições materiais de trabalho. No final dos anos cinquenta do século xx, outros trabalhos dos EUA sobre os estilos de gestão orientados para a produção ou para as pessoas tomaram-se muito conhecidos no 32 mundo ocidental. Estes trabalhos foram retomados e sintetizados por Rensis Likert, Argyris, Douglas McGregor, Maslow e Herzberg34 • Na Europa, a profissionalização da função de técnico e gestor de pessoal tem lugar em França em 1947 (ANDCP) e em Portugal na década de sessenta do século xx, com a criação das respectivas associações profissionais3s • A Associação Portuguesa de Técnicos e Gestores de Recursos Humanos foi fundada em Outubro de 1964, então com o nome de Associação Portuguesa dos Directores e Chefes de Pessoal. A criação destas associações privadas sem fins lucrativos tem por objectivo a troca de informações e experiências e a organização de meios de aperfeiçoamento sobre questões de pessoal. A proliferação, em quase todos os países europeus, de associações de directores e chefes de pessoal é sinal de que, no mundo industrial ocidental, as questões do pessoal tinham assumido um papel central, apelando a novas qualificações técnicas dos seus profissionais. Qual o conteúdo da função durante este período? O conteúdo aponta mais ou menos para os seguintes dez aspectos: gestão administrativa corrente; gestão dos recursos humanos; formação; desenvolvimento; gestão de custos com pessoal; informação e comunicação; envolvente e condições de trabalho; relações sociais; consultoria à hierarquia na gestão das pessoas; relações externas. Entretanto, nos anos setenta, instala-se a primeira grande crise petrolífera e as certezas dos gloriosos anos de prosperidade são postas em causa. Instalam-se a mudança permanente, a incerteza, os novos desafios das tecnologias, a internacionalização e, mais tarde, os mercados globais, novos perfis profissionais e de formação, necessidade de ali$ar a gestão das pessoas com a estratégia de negócio, enfim, a complexidade veio para ficar. Neste contexto, a função pessoal transforma-se em gestão de recursos humanos. A mudança de nome corresponde a uma mudança de perspectiva e de práticas. A concepção tradicional do pessoal como fonte de custos 34 Sobre estes autores consultar: João Bilhim - Teoria Organizacional. 3." ed. rev. Lisboa: ISCSP, 2004. 35 Cf. www.apg.pt 33 cede lugar à visão dos trabalhadores como recursos cuja utilização é necessário optimizar. As pessoas que cooperam nos processos de transformação das organizações são recursos que é necessário mobilizar e desenvolver adequadamente; são activos onde importa investir. Estes recursos transformam-se nos primeiros recursos estratégicos da organização, a própria função e o seu responsável assumem novas responsabilidades e prestígio no contexto organizacional, traduzido, entre outros sinais, no nível de vencimento que subiu relativamente aos restantes directores. Ficou para trás o período do director e chefe de pessoal equivalente a burocrata, isto é, ao perito no jogo dos papeis administrativos. Os desafios do futuro são: tecnológicos, sociais, regulamentares, económicos, de globalização e, em particular, de um novo paradigma organizacional e comportamental marcado pela pós-modernidade. Deste ponto de vista, parece que actualmente há três tendências fundamentais: mudança do nível micro para o macro; tendência para abranger novas dimensões; tendência para produzir uma ciência prática com investigação útil. Com a mudança de enfoque do nível micro para o macro, acentua-se a integração funcional da gestão de recursos humanos e a sua natureza sistémica, de um sistema geral integrado noutro mais vasto. Esta mudança de centro de atenção permite explicar a relação entre as características organizacionais e as práticas de gestão, com recurso a dados qualitativos e quantitativos. Assim, têm surgido diversos estudos acerca do impacto das diversas técnicas de gestão de recursos humanos sobre o desempenho global da organização36 • O alargamento das dimensões associa-se à importância crescente do papel estratégico da gestão de recursos humanos e da cultura organizacional. Com este alargamento, as políticas de gestão de recursos humanos encontram-se integradas na estratégia geral da organização e a gestão de recursos humanos é avaliada pelo contributo que tenha dado para o sucesso da estratégia da organização. 36 Cr. Estevão de Moura - Gestão de Recursos Humanos. Lisboa: ISEG/UTL. Policopiado, Tese de doutoramento, 2000. 34 A terceira tendência baseia-se no pressuposto de que a ciência e a prática da gestão de recursos humanos devem ser analisadas em conjunto, para que haja uma integração efectiva entre teoria, acção e investigação. As três tendências marcam a natureza da gestão de recursos humanos. É que a gestão de recursos humanos situa-se no espaço criado entre a organização, entendida como um processo tendencialmente harmónico e consensual e as relações potencialmente conflituosas entre grupos de actores sociais. Esta contradição pressiona a resolução de conflitos de interesses, percepcionados como disfuncionais pelos actores 37 • Deste ponto de vista, as diversas técnicas de gestão de recursos humanos visam assegurar a conformidade das pessoas aos objectivos considerados legítimos da organização. Todavia, as divergências de perspectiva e de actuação não são meramente um fenómeno passageiro, mas sim uma característica permanente e irredutível dos processos organizacionais; nenhuma das técnicas por si só assegura a estabilização almejada. A estabilidade é sempre provisória, resultando do equilíbrio instável de forças entre os diferentes grupos e do impacto do contexto mais geral na organização, nomeadamente, do contexto cultural, político, social e económico. É, do meu ponto de vista, na manutenção de um equilíbrio instável e precário que a função recursos humanos tem procurado cimentar a sua legitimidade e a demonstração da sua importância organizacional. A gestão de recursos humanos encontra-se, assim, dependente de processos imprevisíveis e impossíveis de estabilizar de forma definitiva, sendo a sua dimensão política tão importante como a sua competência técnica38 • Pelo que fica dito, é legítimo concluir-se que a gestão de recursos humanos não pode ser entregue apenas aos profissionais desta área. Todo o gestor é também gestor de recursos humanos e, em face disto, o que o profissional da área tem a fazer é ser o consultor deste gestor operacional, seu colega. É que a gestão de recursos humanos lida com a intervenção no Edgar Schein. Psicologia na Organização. Lisboa: Clássica Editora, 1968. Michael Armstrong - Handbook or Personnel Management Practices. London: Kogan Page,1995. 37 38 35 Em Portugal, as questões ligadas à competitividade estão a influenciar de forma intensa as práticas de gestão de recursos humanos que vêm progressivamente incluindo nos seus modelos as componentes estratégica e cultural dos recursos humanos. A gestão de recursos humanos, no essencial, ainda hoj e integra as seguintes técnicas: recrutamento e selecção, formação e desenvolvimento, gestão do sistema de recompensas, relações de trabalho, higiene e segurança, análise de funções, gestão do desempenho, planeamento e gestão de carreiras, comunicação interna, e gestão administrativa. A abordagem sistémica/contingencial é a base para o desenvolvimento da gestão de recursos humanos. É, de facto, no contexto da metáfora orgânica que a gestão de recursos humanos ganhou a projecção de que actualmente desfruta. A gestão de recursos humanos é encarada como um sistema global, fazendo parte de um sistema mais amplo, no qual a envolvente, a estratégia e a cultura organizacionais constituem as principais condicionantes ao seu futuro. 1.2.3. Ciclo de vida da gestão de recursos humanos A abordagem contingencial, que estamos a seguir, possui, como um dos seus instrumentos conceptuais, o conceito de ciclo de vida, herdado da metáfora orgânica. De acordo com este conceito, as organizações descrevem percursos de vida semelhantes aos seres vivos e, consequentemente, as suas funções de gestão, nomeadamente a GRH, não se encontram alheias a este movimento. Por isso, parece-nos legítimo encarar o itinerário da GRH na perspectiva de um ser vivo que nasce, desenvolve-se, enfrenta crises de crescimento, de identidade e de maturidade e, por fim, morre. Por outro lado, pode encarar-se a GRH, ao longo do século xx, como estando confrontada permanentemente com duas preocupações: a resolução de problemas internos e de problemas externos, ou seja, voltada para o interior ou, pelo contrário, voltada para o exterior. Por isso mesmo, à luz desta perspectiva, pode afirmar-se que, durante o século xx, a função recursos humanos passou por quatro grandes fases 37 de transformações: administrativa; das relações humanas; da integração/ desenvolvimento; da estratégia. As fases acabadas de descrever não se excluem, mas coexistem e complementam-se: • Até 1945: fase administrativa, contabilística ou pré-história da fimção; • De 1945 a 1973: fase das relações humanas, legal ou fase técnica; • De 1973 até 1985: fase da gestão integrada; • A partir de 1985: fase da gestão estratégica. Etapas do Ciclo de Vida da GRH I N T E R I O R Escola das relações humanas, (1945) Gestão estratégica de RH (1985) Gestão de pessoal (1945-1973) Gestão integrada de RH (1975-1985) A fase administrativa liga-se à imagem mais tradicional. O técnico de pessoal é, normalmente, um ex-militar, pessoa experiente na aplicação da disciplina castrense e no domínio das técnicas de interpretação administrativa e regulamentar. O departamento de pessoal existe para manter e fazer respeitar a ordem estabelecida, funciona como sistema fechado, para si e para os seus processos de controlo. Nesta fase pré-histórica da função recursos humanos, que dura até aos anos trinta do século passado, os trabalhadores são vistos sob o enfoque contabilístico: comprava-se a mão-de -obra e, portanto, as entradas e saídas provenientes dessa conta, como de uma outra matéria-prima qualquer, deveriam ser registadas contabilisticamente. Nesta fase, procuram-se para integrarem o departamento de pessoal ex-militares e juristas. 38 A fase das relações humanas corresponde ao apelo aos estudos de Elton Mayo, na Western Electric (1924-1939)42 que, no final dos anos 40 do século xx, reconhece o papel da pessoa no sistema organizacional. Trata-se de uma postura mais técnica, que procura propor políticas e instaurar processos de trabalho que coloquem o acento na pessoa e no social e que sejam coerentes com a evolução da organização. Parte-se do pressuposto de que trabalhadores satisfeitos serão sempre mais produtivos. Esta fase ainda enferma do pressuposto do one best way, de que há uma receita de gestão melhor e preferível a todas as demais. Neste caso, a receita é: "satisfaçam as necessidades de quem trabalha e de forma linear terão maior produtividade". Nesta fase, os departamentos de recursos humanos recrutam essencialmente técnicos formados em ciências sociais, psicologia e sociologia, designadamente. A fase do desenvolvimentolintegração corresponde à necessidade de conjugar as necessidades individuais e as organizacionais. Alimentou-se, nos anos sessenta do século xx, das teorias do desenvolvimento organizacional, com origem nos EUA e, na Europa, no Tavistock Institute de Londres,43 em particular com o que ficou conhecido por sistema sócio-técnico. Nesta fase, acentua-se o recrutamento de psicólogos para os departamentos de recursos humanos. Os pioneiros da gestão integrada de recursos humanos foram Peter Drucker (1955) e McGregor (1960). Mas, nos anos sessenta do século xx, o movimento comportamentalista, representado por Maslow, Likert, Argyris e Herzberg, deu os fundamentos à modema gestão técnica de recursos humanos. No final desta década e início da década de setenta, o movimento do desenvolvimento organizacional e, em particular, Edgar Schein aprofundaram as raízes teóricas anteriores. Os investigadores da cultura organizacional, em particular, Pettigrew, Athos e Pascale, Peters e Waterman, completaram esta nova moldura teórica. Quanto à fase da gestão estratégica, pode dizer-se que a viragem da gestão de recursos humanos para a estratégia anda associada, por um lado, aos progressos anteriores até agora descritos e, por outro, ao novo pensaJoão Bilhim - Teoria Organizacional. Lisboa: ISCSP, 2004. Sobre o desenvolvimento organizacional e sistema sócio-técnico consultar: João Bilhim Teoria Organizacional. 3." ed. Lisboa: ISCSP, 2004. 42 43 39 mento nascente na gestão e na sociologia da gestão, através de Porter e de Rosabeth Kanter, ambos da HBS. Kanter, em 1984, salientou que a vantagem competitiva só se alcança através das pessoas; são as pessoas que implementam o plano empresarial. Os novos objectivos para a gestão de recursos humanos são: capacitar a gestão para o cumprimento dos objectivos organizacionais, lançando mão da força de trabalho; utilizar as pessoas no máximo das suas capacidades e potencial; impulsionar o compromisso dos empregados no sucesso da organização; integrar as políticas de gestão de recursos humanos com os planos de negócio e reforçar a criação ou renovação de uma cultura voltada para os resultados; criar uma ambiente de trabalho capaz de libertar e pôr ao serviço da organização a criatividade dos trabalhadores; criar condições em que a inovação, o trabalho de equipa, e a qualidade total possam desabrochar; encorajar a vontade de actuar de forma flexível, em prol de uma organização flexível e na busca da excelência. A fase da gestão estratégica corresponde ao desafio actual da gestão de recursos humanos. Traduz a crença nas pessoas como o recurso competitivo estratégico e o reconhecimento de que o capital e a terra deixaram de ocupar o lugar cimeiro dos factores de produção capitalista. A gestão tradicional de pessoal, baseada num modelo de organização rígido e burocrático finda nos anos 70, dando progressivamente lugar a uma função de recursos humanos integrada na estratégia da organização, onde se considera que o sucesso da empresa repousa na capacidade que esta tem de mobilizar os seus recursos humanos. Os profissionais que mais procurados são para integrar os actuais departamentos de recursos humanos são os trabalhadores com formação específica em gestão de recursos humanos. Esta fase, para além de procurar alinhar as pessoas com a estratégia organizacional, valoriza os conhecimentos nas áreas de articulação entre a gestão de recurso humanos, a gestão financeira e o marketing. 1.2.4. Gestão de recursos humanos no último quartel do século xx No segundo quartel do século passado, a nova perspectiva da gestão estratégica de recursos humanos foi impulsionada a partir dos trabalhos de duas grandes escolas de gestão dos EUA: Michigan e Harvard. 40 A abordagem da Michigan Business School (MBS), protagonizada por Tichy, Frombrun e Devana44 , é conhecida pela perspectiva da contingência. Esta perspectiva teórica realça a necessidade de desenvolver sistemas de gestão de pessoas compatíveis com os grandes objectivos da organização, como o aumento da qualidade e a melhoria da produtividade. o pressuposto teórico de onde parte é o seguinte: a eficácia organizacional encontra-se correlacionada com as práticas e políticas de gestão das pessoas e com o seu alinhamento com a estratégia de negócio. A mais importante finalidade da estratégia de recursos humanos é a sua contribuição para o sucesso da estratégia organizacional onde se insere. Para esta abordagem, o ciclo dos recursos humanos corresponde a uma sequência de actividades que são desempenhadas por todos os gestores de recursos humanos em todas as organizações. O ciclo dos recursos humanos, uma vez que está articulado com a gestão e a filosofia de gestão de pessoas, vai condicionar o desenho do sistema de gestão de recursos humanos. As áreas integradas neste ciclo são as seguintes: selecção, avaliação do desempenho, retribuição e desenvolvimento. De entre as quatro actividades, os autores destacam o papel da avaliação de desempenho como a chave para um sistema eficaz de recursos humanos. A obra, publicada em 1984, pela John Wiley &Sons, intitulada Strategic Human Resource Management por Charles Frombrun, Noel Tichy e Mary Devanna, constitui a viragem, na gestão de recursos humanos, para esta nova perspectiva da gestão estratégica. A obra está dividida em quatro grandes partes cujos títulos claramente mostram a novidade desta perspectiva: envolvente, estratégia e organização; papel estratégico do sistema de gestão de recursos humanos; questões estratégicas na gestão de recursos humanos; gestão de recursos humanos: a perspectiva do administrador executivo (CEO). Frombrun, Tichy e Devana criaram um modelo de gestão estratégica de recursos humanos onde as principais técnicas são integradas de forma coerente e estratégica. Eles reconhecem que as novas alterações que ocor44 Tichy; Frombrun; Devanna - Strategic Human Resource Management. Sloan Management Review. VaI. 23, n. o 2, ( 1982), p. 47-61; Frombrun; Tichy; Devana- Strategic Human Resources Management. N.Y.: John Wiley & Sons, 1984. 41 reram na envolvente estiveram na base desta nova evolução da gestão de recursos humanos, em particular por exigirem um repensar permanente da missão, visão e estratégia das organizações com consequências na estrutura e nos processos de trabalho. A missão e a estratégia representam a razão de ser da organização e condicionam fortemente a escolha de meios em matéria de recursos humanos, financeiros e tecnológicos. Para aqueles autores, os sistemas de recursos humanos onde os seus componentes têm uma estreita ligação com a estratégia da organização envolvem quatro elementos: • Selecção, incluindo o planeamento de recursos humanos; • Avaliação de desempenho, de forma a oferecer uma remuneração justa e estimulante, recompensando os desempenhos elevados; • Sistema de recompensas em que o salário é decomposto em parte fixa e variável; • Desenvolvimento que compreende as actividades de formação oferecidas a todas as categorias de trabalhadores com vista a melhorar o desempenho actual. Os componentes do modelo destes três autores e as relações estreitas de interdependência entre eles, num ambiente onde as dimensões culturais, económicas e políticas são importantes são apresentados na Figura seguinte Meio envolvente político. cultural e económico Sistema de Gestão de 14-----1 Estrutura Organizacional Recursos Humanos ~--------42 Os três autores desta obra afinnam: "a gestão em tempo de turbulência exige que as organizações voltem às questões básicas ligadas à sua natureza e à razão de ser da sua existência. Isto exige a inclusão da GRH no processo estratégico de gestão". No mesmo sentido, Rosabeth Moss Kanter afinna a importância estratégica da GRH, acrescentando, na apresentação da obra, "a excelência da estratégia de negócio não significa nada sem as pessoas que desenvolvem isso". Aqui reside o ponto de viragem da nova perspectiva estratégica. Quanto à escola de Harvard, esta é conhecida pelo destaque que dá aos multi-interessados (stakeholders) e foi desenvolvida por Beer, Spector, Lawrence, Mills e Walton45 • No processo de gestão das pessoas, envolvem-se todas as decisões e acções de gestão que afectam a natureza da relação entre a organização e os empregados, os seus recursos humanos. Fiel a um tal princípio, esta filosofia central apenas pode ser implementada pelo dirigente máximo para garantir que as actividades de gestão de recursos humanos não se transfonnam num simples conjunto de actividades desconexas, cada uma conduzida pelo hábito. O papel da gestão de topo é equilibrar e integrar os diversos interessados da empresa: accionistas, empregados, clientes, fornecedores, comunidades de inserção, sindicatos, associações empresariais, governo. Assim, um dos aspectos mais destacados desta abordagem é a existência de um conjunto de diferentes interesses convergentes. As quatro áreas operativas consideradas por Beer para a concretização da estratégia de recursos humanos são: • Influência dos empregados; • Os fluxos de recursos humanos; • Os sistemas retributivos; • Os sistemas de trabalho. O autor considera que há quatro grandes questões que são fundamentais para precisar em que medida a gestão de recursos humanos contribui para aumentar o desempenho da organização, a saber: 45 M. Beer [et al.] - Human Resources Management. NY: The Free Press, 1985; M. Beer [et al.]- Managing Human Assets. NY: The Free Press, 1984. 43 • Compromisso: procura saber em que medida as políticas de gestão de recursos humanos aumentam o compromisso das pessoas com o seu trabalho e com a organização. • Competência: indaga em que medida as políticas de gestão de recursos humanos atraem, conservam e/ou desenvolvem as pessoas com aptidões e conhecimentos necessários à organização, à sociedade, agora e no futuro. • Custos / eficiência: inquire sobre qual é o custo efectivo de uma dada política em termos salariais, de benefícios, rotação, absentismo, greves, etc. • Congruência: visa precisar que níveis de congruência as políticas de gestão de recursos humanos criam ou conservam entre os gestores e os empregados, entre diferentes grupos de empregados, a organização e a comunidade, os empregados e as suas famílias e no próprio indivíduo. A escola de Harvard (HBS) exerceu uma forte influência sobre o pensamento britânico da Warwick Business School (WBS). Os investigadores do Centre for Corporate Strategy, presidido por Pettigrew46 , partindo da perspectiva de Harvard, desenvolveram uma abordagem de formulação da estratégia nas organizações complexas relacionando-a com a capacidade para transformar as práticas de gestão de recursos humanos. A abordagem de Warwick parte do pressuposto de que as práticas de gestão de recursos humanos exercem uma forte influência no desempenho. Por isso, apelam a novas concepções e aptidões destinadas a compreender a importância da gestão de recursos humanos e a gerir melhor o processo de mudança. 46 Charles Hendry; Andrew Pettigrew - The Practice of Strategic Human Resources Management. Personnel Review. Vol. 15, (1986),2-8; Charles Hendry; Andrew Pettigrew - Human Resources Management: an agenda for the 1990's. The lnternational Journal ofHuman Resources Management. Vol. 1, n.o 1, (1990), p. 17-43; Charles Hendry; Andrew Pettigrew; Paul Sparrow - Linking Strategic Change, Competitive Perforrnance and Human Resource Management: Results of a UK empirical study . ln R. Mansfield (ed) - Frontiers of Management Research. London: Routledge, 1989. 44 Para além das quatro áreas de Harvard, Warwick promove a integração da envolvente externa e da estratégia de negócio, considerando necessária a compreensão do papel cultural único da função de recursos humanos em termos de: definição de responsabilidades; competências num leque diverso de actividades e modo como a função se encontra organizada. Uma distinção importante de Warwick, relativamente a Harvard, radica na importância atribuída ao sistema de relações de trabalho. Para a HBS, este sistema não possui uma importância que o diferencie de outras condicionantes contextuais. Para a WBS, ele possui um papel fundamental na configuração dos sistemas internos de recursos humanos. Neste ponto, a diferença cultural entre os EUA e a Europa não deixa de ser marcante quanto ao peso dos trabalhadores no equilíbrio dos poderes dos multi-interessados. Nesta abordagem, há cinco grandes contextos: externo (cultura, estrutura, política liderança, tarefas/tecnologia, resultados do negócio); interno (socio-económico, técnico, político, legal, competitivo); estratégia de negócio (objectivos, produto/mercado, estratégia/táctica); gestão de recursos humanos (papel, definição, organização, saídas de recursos humanos); conteúdo da gestão de recursos humanos (fluxos de recursos humanos, sistema de trabalho, sistema retributivo). 45 CAPÍTULO 2 - GESTÃO ESTRATÉGICA DE RECURSOS HUMANOS 2.1. Gestão Estratégica A estratégia de uma organização corresponde aos padrões de comportamento reconhecidos, num longo período de tempo, como consequência das decisões dos seus gestores. As decisões estratégicas e as respectivas acções de concretização exercem uma fortíssima influência, no longo prazo, sobre a estrutura organizacional, bem como sobre a sua posição relativamente aos clientes, concorrentes, fornecedores e reguladores. A forma e a posição da organização conelicionam decisivamente o seu desempenho. A estratégia transforma-se, deste modo, num padrão de acções e o seu resultado é traduzido através da forma e da posição apresentadas pela organização. A gestão estratégica emerge como o processo de formulação e implantação de planos que orientam a organização. Em bom rigor, a gestão estratégica integra o planeamento estratégico, as decisões operacionais e o funcionamento quotidiano da organização. Recomenda-se, em geral, que o planeamento seja flexível e criativo, e não um exercício burocrático, devendo o processo de planeamento ser contínuo e assumido por todos os gestores, mas com particular incidência pelos gestores de topo. 47 A concorrência, a competitividade constituem os pontos críticos da actuação. O envolvimento de todos os níveis hierárquicos da organização permite a partilha do sistema de valores e o fomento do espírito de corpo necessário à integração interna, sem deixar de realçar os valores da diferenciação externa com a atenção dada à envolvente geral e específica. A gestão estratégica envolve: • A identificação da missão, ou seja, o seu carácter, orientação global e forma de estar; • A definição dos objectivos que concretizam a missão; • A análise da envolvente geral e específica, para identificar ameaças e oportunidades; • O diagnóstico interno para evidenciar os pontos fortes e fracos; • Escolha estratégica que permitirá atingir as metas e os objectivos. Porter'7 identificou cinco forças competitivas que determinam o interesse de qualquer sector de actividade, a saber: • O grau de rivalidade - competição entre os actuais concorrentes. Esta força exerce a sua acção ao nível dos preços, das práticas de inovação e da capacidade instalada; • O poder negocial dos clientes - esta força leva a baixar preços ou ao fornecimento de serviços adicionais, caso seja relativamente elevado. • O P9der negocial dos fornecedores (matérias-primas, máquinas, recursos humanos) - caso seja elevado, gera uma pressão sobre os preços e, consequentemente, reduz a margem de lucro; • A ameaça de novos concorrentes - a existência ou não de barreiras à entrada (tipo lei do condicionamento industrial) afectará a rendibilidade do sector em causa; • A ameaça de produtos substitutos - é o caso da substituição dos produtos metálicos pelos de plástico, que vai limitar a política de preços, entre outras consequências. Em qualquer empresa, as potencialidades de sucesso no longo prazo são função destas cinco forças. 47 48 M.Porter - Competitive Strategy. NY: Free Press, 1980. Como conseguiram certas empresas manter crescimentos anuais de 20 por cento, durante um período de dez anos, como conseguiram outras colocar produtos no mercado mais depressa do que a concorrência, como conseguiram ainda outras evitar a falência? Da leitura da literatura especializada, tanto científica como profissional, fica-se com a ideia que foi colocando as pessoas no coração da organização. Há 15 anos a resposta teria sido a de que o sucesso foi obtido através do capital financeiro que as fez expandir. Após a Segunda Guerra Mundial, a resposta poderia ter sido: devido às vantagens tecnológicas e às patentes que exploram. Actualmente, vive-se um período em que o acesso ao capital depende das boas ideias do promotor e a tecnologia quase pode dizer-se que está como a fruta nas árvores (disponível), pelo que as vantagens do passado perderam significado. As novas fontes de vantagem competitiva sustentável colocam as pessoas no centro, no coração da empresa. São os recurso humanos qualificados, dispondo das competências necessárias à competição organizacional que se encontram na base do sucess048 • Os recursos humanos são, actualmente, o factor estratégico produtivo. Em bom rigor, pode dizer-se que a gestão estratégica de recursos humanos está centrada no pressuposto de que os empregados são activos essenciais da organização e que o seu valor pode ser aumentado e até potenciado através de uma abordagem sistemática e coerente de investimento na sua formação e desenvolvimento. A actual pressão no sentido da redução dos custos e do aumento do valor acrescentado por cada empregado, dada a feroz concorrência dos mercados e a constante procura de vantagens competitivas, conta com o total empenhamento da gestão de recursos humanos, no sentido de se reinventar novos estilos de gestão das pessoas. Tais exigências conduzem a gestão de recursos humanos a uma postura dinâmica, que facilite o envolvimento e a participação dos empregados, ou seja, fomente a implementação de um conjunto de actividades estratégicas de gestão de recursos humanos. A gestão estratégica de recursos humanos envolve a concepção e a implementação de um conjunto de políticas e práticas com coerência 48 Lynda Gratton - Estratégia Viva. Porto: Ambar, 2003. 49 interna, que garantam que as pessoas contribuam para alcançar os objectivos da organização. De acordo com o estudo de terreno conduzido por Jeffrey Pfeffer9, são dezasseis as práticas das empresas que basearam o seu sucesso na gestão dos recursos humanos: Garantia de segurança no emprego Desenvolvimento das capacidades de cada um Selectividade no recrutamento Flexibilidade de funções Salários mais elevados que os da concorrência Eliminação dos simbolos de "status" Incentivos Compressão das diferenças salariais Trabalhador accionista Preenchimento dos lugares por promoção interna Partilha da informação Perspectiva de longo prazo Descentralização de poderes de controlo do Medição de resultados processo de trabalho Filosofia global e mobilizadora ou visão da gestão Funcionamento baseado em equipa (saber onde se quer ir) Por detrás de uma empresa de sucesso, existe sempre uma estratégia, quer a empresa a tenha desenvolvido com recurso à análise formal, quer através da tentativa erro, ou lançando mão da intuição, ou ainda com a ajuda da sorte. Até as estratégias baseadas na sorte possuem uma lógica subjacente - uma espécie de princípios de suporte. Quando os gestores admitem que chegaram a certas estratégias através da intuição ou de um palpite, pode descobrir-se retrospectivamente uma certa lógica subjacente. Todavia, apesar da importância da estratégia universalmente reconhecida e da pesquisa feita durante décadas por académicos, a estratégia continua a encerrar muitos mistérios e não é possível, por enquanto, reunir grande consenso sobre o que é e como se desenvolve uma boa estratégia. Nesta matéria, quer no âmbito académico, quer no profissional, seria milagre reunir dois autores com idêntico ponto de vista. Este será o caso apropriado para dizer que "cada cabeça, cada sentença". Da estratégia como "posição" à estratégia como "visão" muitas variantes se perfilham no horizonte e numerosas definições são possíveis50 • 49 J. Pfeffer, - Competitive Advantage Through People. Boston: HBRP, 1994. so João Bilhim - Teoria Organizacional. Lisboa: ISCSP, 2004. 50 Se a confusão é grande quanto ao que é ou deve ser a estratégia, ela não é menor quanto ao modo como se poderá desenvolver uma boa estratégia. A grande questão dos últimos trinta anos anda à volta do seguinte: será que a empresa escolhe a sua estratégia a partir de um processo racional, formal ou, pelo contrário, a estratégia "emerge" de um processo de experimentação? A crença geral é a de que as empresas podem desenvolver boas estratégias a partir de perguntas inteligentes, explorando as respostas possíveis, experimentando possíveis soluções e, através do questionamento das respostas encontradas no estádio anterior, recomeçando o processo. A concepção de estratégias eficazes é um processo de permanente questionamento e de pensamento criativo sobre as questões. Assim, a formulação das perguntas correctas é mais importante do que as soluções encontradas. Pensar sobre um assunto de diversos pontos de vista é, muitas vezes, mais compensador do que coligir e analisar um número enorme de dados quantitativos; a experimentação de novas ideias é muitas vezes mais importante do que certas análises e discussões. Aliás, é aqui que radica a razão de ser da urgência actual na formação dos gestores e quadros em geral, em matérias ligadas à criatividade. A concepção da estratégia é algo que tem de ser permanente. Não tem um fim ou um ponto de chegada. O que hoje é uma estratégia ganhadora, pode não ser, e provavelmente não será, em breve. É preciso estar atento à lógica subjacente às estratégias de sucesso, aprender com elas e, em especial, se foram concebidas por palpite, por tentativa erro ou por pura sorte. É muito provável que a sorte não venha bater à porta uma segunda vez. A única fonte de vantagem competitiva é aprender mais depressa do que a concorrência. Se queremos chegar ao mercado um minuto mais cedo do que os nossos concorrentes, temos de aprender mais depressa do que eles. 2.2. Desafios da Envolvente 2.2.1. Económica Os principais desafios económicos que influenciam actualmente a gestão de recursos humanos nas empresas são: 51 • Internacionalização; • Diminuição da taxa de crescimento económico; • Diminuição da taxa de inflação. As empresas competem não só com empresas europeias, mas com empresas do mundo inteiro. Para fazer face à concorrência global as empresas deverão manter-se competitivas numa envolvente onde a inovação no processo e no produto e serviço ultrapassa as fronteiras dos estados nacionais. O aumento da concorrência conduziu a uma espécie de guerra económica a que todas as empresas estão sujeitas. Por outro lado, aumentou a incerteza nos negócios. A envolvente económica tomou-se mais turbulenta. As relações com a Europa de Leste e com os países asiáticos suscitam novas interrogações, ao mesmo tempo que se acentua a instabilidade do sistema monetário internacional. As alterações sucedem-se a um ritmo acelerado que leva a empresa a ter de reagir aceleradamente, sob pena de perder contacto com a envolvente e assim desaparecer. As empresas têm de alinhar permanentemente as suas estratégias num clima de turbulência e incerteza, o que obriga a maior flexibilidade e vivacidade. Estas novas circunstâncias levam a empresa a ter de satisfazer novas exigências, entre as quais salientamos: • Comparar a sua produtividade e o custo do trabalho com os dos seus concorrentes; • Analisar os impactos da redução da inflação sobre a sua política de compensações; • Prestação de atenção aos custos ocultos com a gestão de recursos humanos; • Entrosar a estratégia de recursos humanos com a da organização. Como já vimos em outro ponto, com a internacionalização dos mercados, as empresas para sobreviver têm de praticar uma gestão de recursos humanos internacional que deverá abranger as diversas técnicas e práticas. As organizações confrontadas com estes desafios económicos tomam consciência de que os seus recursos humanos representam um trunfo concorrencial importante. São, deste modo, exercidas influências sobre a DRH para que se renove e crie qualificações e competências mais produtivas, flexíveis e inovadoras. 52 2.2.2. Tecnológica A tecnologia, ao influenciar as qualificações e os processos produtivos, acaba por afectar profundamente a GRH. As alterações tecnológicas atingem o sector produtivo vertical e horizontalmente. O eixo vertical corresponde ao lançamento nos mercados de novos produtos e serviços e o horizontal relaciona-se com as melhorias técnicas introduzidas nos processos de trabalho que permitem produzir mais e melhor os produtos já existentes. Acresce a tudo isto o facto das alterações tecnológicas se processarem num ritmo de aceleração contínua. Por outro lado, as novas tecnologias, nomeadamente da informação e comunicação, vêm influenciar a gestão e a gestão de recursos humanos com a autonomização de processos de gestão. As alterações tecnológicas tomam, por um lado, obsoletos certos perfis profissionais e, por outro, fomentam novos perfis profissionais e de formação. Os seus efeitos no emprego são ao mesmo tempo de supressão e de criação. Acresce ainda que certos níveis intermédios de chefias parecem tender a serem eliminados, aproximando mais a coordenação e os colaboradores, contribuindo para a criação do conceito de membro da organização, em vez do anterior conceito de empregado ou funcionário. Há quem seja de opinião que o ritmo com que os anteriores empregos desaparecem não corresponde igualmente ao ritmo com que os novos emergem51 • A evolução tecnológica exige novas qualificações que têm de ser adquiridas antes e durante toda a vida profissional. Os cursos médios e superiores apresentam hoje novas áreas disciplinares ligadas aos sistemas de informação e as organizações desenvolvem um esforço permanente de formação. Um outro efeito da tecnologia na gestão de recursos humanos incide sobre a natureza do próprio trabalho. O trabalho está a ser invadido por tecnologia mais complexa e o esforço tisico a ser substituido pelo mental. Os trabalhadores tendem a ocupar-se com actividades mais abstractas e analíticas, mobilizadoras de esforços mentais, tais como a atenção, a memorização, o relacionamento de informação. 51 Besseyre des Horts - Vers une Gestion Stratégique des Ressources Humaines. Paris: Les Editions d'Organisation, 1989. 53 Assiste-se igualmente a alterações nas condições de trabalho. A difusão de novas tecnologias confere uma nova importância a quem as utiliza, há diferentes papeis e estatutos, e ocorrem alterações nas redes de poder, ao tornarem-se -detentores de informação que não tinham acesso anteriormente. As tecnologias de informação têm acarretado a erosão dos níveis de chefia e a eliminação dos níveis intermédios e alterado as relações hierárquicas tradicionais. A diminuição de níveis hierárquicos tem levado à contracção dos efectivos, predominando a lógica de que ao investimento em novas tecnologias deverá corresponder à redução em recursos humanos. Os ganhos de um lado compensarão com proveito os custos do investimento. Por outro lado, esta redução de chefias acarreta uma gestão mais participada, maior flexibilidade de gestão e, consequentemente, mais célere resposta às exigências da envolvente em geral e dos mercados em particular. O impacto tecnológico na organização obriga a que a gestão de recursos humanos encontre as respostas adequadas para lhe fazer face, nomeadamente, através de: • Formação e reconversão de perfis de formação e profissionais; • Gestão previsional em ambiente de incerteza, com recurso a cenários; • Outplacernent para facilitar a diminuição de efectivos; • Redesenhar das funções. 2.2.3. Demográfica É sabido que as características da população influenciam as qualificações e competências disponíveis no mercado. O nível de escolaridade, a idade, a taxa de actividade, a taxa de emprego feminino são características demográficas que afectam a GRH. Na União Europeia, a taxa de crescimento do emprego feminino era, na década de noventa do século passado, de 2,9 enquanto a taxa de crescimento masculina era de 0,9. Nos países da União Europeia, o número de homens empregados era sempre superior ao das mulheres, mas a taxa de feminização é em geral superior à masculina, em todos os países. Em Portugal, a taxa de emprego feminino é de cerca de 2,5 e a do masculino de 1,8. 54 Há, entretanto, um outro desafio à GRH: a diminuição da população potencialmente activa. A tendência geral no grupo de idades dos 15 aos 64, dá-se no sentido da crescente diminuição do ritmo de expansão. o último desafio colocado à GRH é o desemprego dos jovens e, em particular, dos jovens portadores de habilitações superiores. A maioria da população desempregada na Europa pertence à classe etária dos 15 aos 24 anos, com uma taxa de desemprego de dois dígitos, enquanto que a classe etária superior a 25 anos tem apenas um dígito. Estudos feitos sobre este tema defendem que, se o desemprego de jovens durar cinco ou seis anos, diminuirá a capacidade de estes jovens conservarem um emprego mais tarde, por causa da dificuldade de se adaptarem à disciplina dos empregos regulares e em desenvolverem hábitos de trabalh052 • Para Guérin, o envelhecimento da população activa vai levantar problemas de gestão de carreiras e de adaptação ao trabalho. A concentração de trabalhadores na organização com idades mais velhas pode colocar problemas graves de motivação e de gestão de carreiras, para não falar dos custos do trabalho, dado que um quadro júnior, por norma, custa menos do que um sénior. Para o autor, os postos de responsabilidade não responderão às necessidades de aspiração legítima de carreira destes trabalhadores, suscitando insatisfação. Estes trabalhadores menos móveis, bloquearão as fileiras profissionais e impedirão os empregados mais jovens de progredir e de se desenvolverem. Para além destes, outros problemas se levantarão nomeadamente de recrutamento e selecção, concepção das funções, formação, avaliação de desempenho e de compensaçã0 53 • o crescimento da taxa de feminização obriga as organizações a alterarem os seus pressupostos e estereótipos de homem e de mulher, eliminando a discriminação com base no género. As organizações terão de começar a ponderar as questões da qualidade de vida no trabalho, carreiras S2 William Wether - La Gestion des Ressources Humaines: Québec: McGraw-HilI, 1990. S3 Gilles Guérin - Gestion des Ressources Humaines: du Modele Traditionnel au Modele Renouvelé: Montréa1: Les Presses de la Université de Montréa1, 1992. 55 duplas, procurar a equidade no emprego e as equidades dos sistemas de compensação. Acresce a esta questão da feminização a necessidade de ponderar os novos problemas do contacto de culturas e da diversidade cultural acarretados pela imigração, o que leva à necessidade da gestão da diversidade cultural e multi-étnica que marca a presença dos trópicos na Europa. 2.2.4. Valores Guérin refere que há uma espécie de nova ética relacionada com o trabalho, para caracterizar a alteração de valores de base relacionados com o trabalho. Há uma evolução progressiva das mentalidades, das crenças e hábitos que informam e comandam o pensamento de uma colectividade e se traduzem em alterações nas atitudes e comportamentos. o trabalho que marcava o homo faber parece não ser mais o valor por excelência, a pedra angular sobre a qual repousa a vida. Outras instituições como a família, o lazer, os amigos constituem valores actuais da vida dos trabalhadores. Reclama-se por maior compatibilização entre trabalho e família, pelo aumento dos períodos de lazer, nomeadamente de férias, sabáticas de quadros, etc. Por outro lado, os jovens mais qualificados tendem a admirar líderes e a recusar obedecer a chefes. Os jovens têm tendência a desafiar a autoridade, eles já não estão prontos para se submeter a qualquer ordem, a formação ensinou-lhes a respeitar a autoridade baseada no conhecimento e competência e a desconfiar da autoridade que repousa sobre um título, ou nomeação. Desenvolve-se o conceito de cidadania organizacional em que cada pessoa é portadora de direitos e de deveres, banindo-se a postura tradicional marcada pela máxima: "eu pago-lhe para trabalhar, não é para pensar". Deste modo, novas expectativas surgem, por parte das pessoas, relacionadas com o trabalho, como consequência da emergência destes novos valores. E de entre tais expectativas salientam-se: Maior necessidade de realização pessoal e profissional através do exercício de uma actividade interessante; 56 • Maior necessidade de reconhecimento psicológico, como pessoa de corpo inteiro e não apenas pela qualidade do cérebro ou pela força dos músculos que possua; • Maior desejo de participação na organização e no seu processo de tomada de decisão; • Necessidades de carreiras construídas a partir das necessidades das pessoas e não das características da organização; • Uma maior qualidade de vida no trabalho. Naturalmente, a GRR não pode ser imune à pressão deste punhado de expectativas e novas necessidades. Como resultado desta pressão, as práticas e as técnicas de GRH voltam-se para modelos mais personalizados relativamente à selecção, planeamento de carreiras, compensação e à ajuda específica a cada empregado. Será indispensável reestruturar a organização do trabalho para que os trabalhadores possam encontrar mais possibilidades de desenvolvimento e realização pessoal. A criação de grupos de trabalho semi-autónomos, grupos de progresso, círculos de qualidade entre outras novas formas de organização do trabalho tenderão a proliferar para conferir maior responsabilidade de gestão a todos 54 • 2.2.5. Instituições Por instituições entendem-se aqui as diferentes entidades públicas e privadas com as quais a gestão de recursos humanos tem de interagir, nomeadamente: os sindicatos, as comissões de trabalhadores, o Estado, as associações patronais entre outros. Para Portugal, as instituições que jogam maior papel na GRH são os sindicatos, o Estado e a União Europeia e as associações patronais. o Estado, através do poder legislativo especialmente a Assembleia da República, e através do poder executivo do Governo e também com recurso ao poder judicial na vertente dos tribunais de trabalho. 54 Laurent Bélanger - Les Etfects de I'Environnement Externe et Interne sur les Ressources Humaines. ln AAVV - Gestion Strategique et Operationnelle des Ressources Humaines. Quebec: Morin Editeur, 1993. 57 o ordenamento jus-laboral colectivo e individual exerce uma influência detenninante na GRH, favorecendo o desenvolvimento de detenninadas práticas de gestão de recursos humanos, isto é, as que se encontram em harmonia com os valores sobre os quais as estratégias políticas são construídas. As leis representam instrumentos pelos quais os governos procuram implantar nas organizações as mudanças almejadas. Por vezes, nota-se uma certa falta de coerência entre a necessidade de flexibilidade e a tendência para a regulamentação excessiva. Por outro lado, verifica-se uma tendência na União Europeia para a uniformização do ordenamento jurídico-laboral. Os sindicatos, por sua vez, também jogam um papel crítico na GRH, nomeadamente na contratação colectiva e em particular no momento da negociação salarial. A GRH é claramente a função organizacional onde os sindicatos, através da negociação e convenções colectivas de trabalho, têm maior poder. Na Europa, há quem sustente com fundamento que o sindicalismo se encontra em profunda crise. Devido a diversos factores, tais como: • Evolução da situação económica geral da população; • Aumento da qualificação dos trabalhadores; • Gestão mais participada das organizações; • Maior cidadania no interior das organizações; • Desadaptação dos sindicatos à nova sociedade pós-modema; • Diversidade crescente das expectativas dos trabalhadores; • Crescente individualismo que dificulta a acção sindical colectiva. O sindicalismo parece ter desenvolvido um conjunto de características bem ajustadas à primeira e segunda revoluções tecnológicas, mas desadequadas à nova sociedade. Os seus pontos fortes passados constituem hoje, ao que tudo parece indicar, os seus maiores pontos fracos. Por outro lado, a matriz ideológica, que caracteriza algumas correntes sindicais, também não parece ajudar os sindicatos a renovar-se. Por último, importa salientar o papel da União Europeia nas transformações da GRH em Portugal. Na estrutura jurídica da UE, no que diz respeito ao trabalho, há dois temas fundamentais que são a livre circulação de pessoas e a política social. Quanto ao primeiro, a União Europeia salvaguarda o princípio da não discriminação, através do qual visa a aplicação de um mesmo tratamento por cada Estado-Membro, quer aos seus cidadãos, 58 quer aos nacionais dos restantes países comunitários. Realça-se a liberdade de movimentação dos trabalhadores e a procura de empregos que estes julguem mais convenientes. Quanto à liberdade de circulação de trabalhadores, outros documentos foram publicados, nomeadamente respeitando a: • Discriminação, em razão da nacionalidade, entre trabalhadores dos Estados-membros no que respeita a emprego, remuneração, condições de trabalho, entre outros; • Direito à permanência num Estado-membro depois de aí trabalharem; • Igualdade de acesso aos empregos disponíveis. Neste novo contexto, alguns problemas velhos emergem com maior força, nomeadamente a pressão para remunerar a um ritmo que se aproxime da média da União Europeia. Com a europeização, o problema da equidade externa coloca-se em novos termos. A retribuição é apreciada em função dos diferentes níveis de vida e da variedade dos elementos que a constituem. 2.3. Colocar a Vantagem Competitiva/Comparativa nas Pessoas As alterações na envolvente despoletaram um enorme esforço por parte das organizações, com o objectivo de garantir a sua sobrevivência. Por isso, as organizações iniciaram novas formas de gestão que obrigaram a repensar a actuação de todas as funções organizacionais, nomeadamente, a de recursos humanos. Como consequência, a gestão de recursos humanos passou a tratar a articulação e o ajustamento entre as pessoas que trabalham na organização e as necessidades estratégicas desta, assegurando a total utilização dos recursos humanos disponíveis. Assim, a gestão de recursos humanos não diz respeito apenas às acções destinadas a atrair e seleccionar os futuros empregados na qualidade e quantidade estimável, mas também a todas as acções orientadas para a fidelização dos recursos humanos que melhor se adaptem à cultura organizacional, lançando mão de técnicas, tais como a avaliação do desempenho, a remuneração, a gestão da carreira, etc. 59 A gestão de recursos humanos valoriza muito mais, e dá mais ênfase do que a tradicional gestão de pessoal, ao recrutamento e selecção das pessoas cuja atitude e comportamento sejam mais susceptíveis de melhor contribuírem, dadas as crenças de gestão, para o sucesso organizaciona1. A gestão de recursos humanos dá mais ênfase aos aspectos ligados às atitudes, emoções e características comportamentais dos novos empregados do que a tradicional gestão de pessoa1. A gestão de recursos humanos por oposição à gestão de pessoal, apoia-se numa concepção radicalmente diferente do que representa a pessoa para a organização. Besseyre des Hortsss apresenta duas concepções de pessoal na organização: pessoal/custo relacionada com a gestão de pessoal e pessoal/recurso relacionada com a gestão de recursos humanos, atribuindo-lhes um conjunto de características-chave que as distingue conforme se constata na Figura... Pessoal = Custo Pessoal = Recurso Ameaça Oportunidade Minimizar Optimizar Curto prazo Longo prazo Resultados Meios + Resultados Quantitativo Qualitativo Inadaptável Adaptável Inflexível Flexível Dependente Autónomo Executante Empreendedor Para o autor, a designação "direcção de recursos humanos", em si mesma, é sintomática da vontade de conceber e difundir práticas que correspondem à perspectiva que figura na segunda coluna da tabela apresentada. Para muitos autores não existem diferenças significativas entre gestão de pessoal e a gestão de recursos humanos. As poucas diferenças, por vezes, parecem ser mais ao nível da opinião do que dos factos e as seme55 Charles-Henri Besseyre des Horts - Vers une Gestion Stratégique des Ressources Humaines. Paris: Les Editions D'Organization, 1989. 60 lhanças parecem ser maiores do que as diferenças. Acresce que muitas organizações mudaram o nome, sem que tal mudança tenha correspondido a uma mudança de filosofia e de postura, correspondendo mais a uma questão de evolução do que de revolução. Esta evolução começou nos EUA e só muito paulatinamente atingiu a Europa, revelando o Reino Unido uma persistente resistência à evolução vinda do outro lado do Atlântico. A gestão de recursos humanos está mais centrada na procura (demanddriven) do que na oferta (suply-driven). A gestão de recursos humanos procurou a integração, centrando-se nas necessidades de recursos humanos e uma das preocupações do gestor de recursos humanos é a resolução de problemas com os outros gestores, ao contrário da gestão de pessoal que os resolve directamente com os empregados ou com os seus representantes legais56 • Todavia, o aspecto mais crítico da gestão estratégica de recursos humanos situa-se ao nível da concepção e da implementação de um conjunto de políticas e práticas com coerência interna, que garantam que as pessoas contribuam para alcançar os objectivos da organização. Esta coerência e persistência internas são expressas e apoiadas pela cultura organizacional. Por isso, a gestão estratégica de recursos humanos deve ser uma gestão de e pela cultura, vista esta como um conjunto de normas, valores e crenças partilhadas pelos membros da comunidade organizacional. Por outro lado, as pessoas que integram a organização e a forma como "as coisas são feitas ali" constituem o factor diferenciador em relação à concorrência e constituem a sua vantagem competitiva. A gestão estratégica de recursos humanos situa-se no cruzamento de quatro componentes: a organização (estruturas, procedimentos, funções e alinhamento hierárquico); as pessoas (competências, potencial e gestão das suas capacidades); sistemas de recursos humanos (compensação, recrutamento, formação e comunicação); cultura organizacional (normas, valores e crenças). Como fonte de vantagem competitiva, as pessoas, que integram a organização com os seus saberes, têm de ser: mais-valias; únicas ou raras; 56 Derek Torrington; Laura Hall- Personnel Management. NY: Prentice-Hall, 1991. 61 dificeis de imitação pela concorrência; não substituíveis facilmente. Só, assim, é que, em nosso entender, a gestão de recursos humanos se distinguirá da gestão de pessoal tradicional e caminhará na direcção da verdadeira gestão das pessoas, usando um conjunto integrado de técnicas culturais, pessoais e estruturais S7 • Muitos gestores e organizações reconhecem que o ponto crítico da vantagem competitiva não deriva da concepção engenhosa de um produto, da melhor estratégia de marketing ou do domínio do estado da arte da tecnologia de produção, mas da posse de um sistema eficaz de obtenção, mobilização e gestão dos activos humanos da organização, as pessoas que a integram e formam a comunidade de trabalho. Muitos desenvolvimentos recentes, incluindo mudanças demográficas na força de trabalho, as vertiginosas mudanças tecnológicas, os aumentos da competição global, as experiências de novos modelos organizacionais e a atenção renovada das políticas públicas sobre a força de trabalho tomaram a gestão de recursos humanos indispensáveis para todos os gestores da organização. Os gestores da maior parte das grandes empresas em todo o mundo reconheceram a necessidade de fazer algumas alterações radicais e mesmo transformações nos seus enraizados modelos organizacionais e de gestão. No entanto, muito poucos vão ao ponto de se livrarem dos seus velhos procedimentos habituais e muito poucos fazem algo mais do que limar as arestas. O problema é que eles estão tão dominados pelos modelos estruturais e de engenharia assentes nas suas hierarquias tradicionais que tentam aproximar-se da mudança através da reconfiguração dos bens e da reengenharia dos processos, em vez de se centrarem na forma de mudar as motivações individuais e o relacionamento interpessoal. Aqueles que lideraram as empresas com sucesso, através do processo de transformação, descobriram uma verdade universal: nada muda se as pessoas não mudarem. S71. 62 Pfeffer, - Competitive Advantage Through People. Boston: HBRP, 1994. Mas, como o caso de muitas empresas ilustra, o processo de mudança de urna hierarquia estrutural, mecanicista e altamente burocratizada para urna empresa auto-renovavel 58 é normalmente longo e doloroso. Para que haja mudança sustentavel, é preciso: • Implicaçào, neste processo, da gestào de topo e dos accionistas da organizaçào; • Atençào particular à comunicaçào, nào apenas para informar sobre a mudança, mas também e, sobretudo, para ouvir e agir sobre as reacçòes suscitadas; • Que a remuneraçào encoraje a inovaçào e reconheça o sucesso dos que contribuem para a mudança; • Numa perspectiva de "organizaçào que aprende a aprender", deve ser criada urna atmosfera de trabalho facilitadora e indutora da mudança. Lembramos urna frase da pioneira norte americana da gestào, Mary Parker Follet: "Nào ha maior activo do que o orgulho de um homem no seu trabalho". As pessoas estào no centro do sucesso da actividade. No coraçào de muitas empresas encontram-se as capacidades e comportamentos de grupos de pessoas de talento. Muitas investigaçòes levadas a cabo nos EVA e na Europa reconhecem que o comportamento dos empregados individuais tem impacto no desempenho financeiro. Lynda Granton 59 estabelece a seguinte relaçào entre o comportamento das pessoas e os resultados financeiros da organizaçào Objectivos da actividade f-----. Contexto pessoal Comportamentos ---+ eatitudes dos individuos -.. Desempenho Desempenho da f-----. financeiro organizaçào 58 Ghoshal Sumantra; Bartlet, Christopher - The Individualized. Corporations. London: Heineman, 1998. 59 Lynda Grantton - Estratégia Viva: Colocar as pessoas no coraçiio da empresa. Porto: Àmbar, 2003. As empresas de elevada eficácia são criadas através da concentração num certo número de objectivos empresariais que são traduzidos para um contexto apropriado, no qual as pessoas trabalham. Os empregados comportam-se de uma forma que vai ao encontro dos objectivos empresariais e isso tem impacto no desempenho da empresa e, por fim, no desempenho financeiro. Quando as empresas adoptam determinadas práticas para com as pessoas têm significativos acréscimos nos lucros dos accionistas. Por outro lado, um significativo número de mudanças de produtividade ao longo do tempo pode ser explicado através da cultura organizacional e do empenho individual de cada empregado em relação à actividade. Fica claro que não é a quantidade de pessoas (o efectivo global) que se encontram na organização que constitui o activo mais importante, mas as competências que as pessoas possuem e a cultura organizacional que constitui o seu ambiente de trabalho. No centro, encontrase a noção de que as pessoas são únicas e diferentes do capital e da tecnologia. 2.4. Alinhar Estratégia e Pessoas Importa ter presente a ideia de que a estratégia é um conceito dinâmico. É um padrão sim, mas em mudança contínua ao longo do tempo. É um padrão de acções que provocam outras mudanças na envolvente, da parte dos concorrentes, dos clientes e dos fornecedores. A estratégia transforma-se, em certo sentido, num circuito de retroalimentação sem fim, que relaciona no tempo as acções, as consequências e as reacções. É a partir deste conceito dinâmico de estratégia que surge a necessidade de ligar a estratégia às pessoas, isto é, a urgência do forte alinhamento das pessoas com a visão da organização. São as pessoas (gestores) quem toma decisões estratégicas e são as pessoas (que trabalham na organização) quem vai praticar um conjunto de acções que, enquadradas num determinado período, poderão ou não configurar, através dos traços emergentes, a existência de uma estratégia, isto é, de uma visão/ideia acerca do futuro. 64 Nesta perspectiva, sugere-se que as pessoas que integram as organizações (os seus recursos humanos) sejam envolvidas na definição da estratégia e, em particular, no planeamento (planificação da estratégia), por diversos tipos de razão. Em primeiro lugar, porque hoje planeia-se melhor a partir dos pontos de contacto com os clientes (indagar acerca das suas preferências) do que a partir da fortaleza fechada do departamento de planeamento. Em segundo lugar, a dedicação, motivação e grau de satisfação daqueles que implementarão a estratégia será tanto maior, quanto maior for a sua sensação, real ou psicológica, de que participaram na formulação daquela60 • Não admira, pois, que longe vá o tempo da velha gestão de pessoal - de carácter meramente administrativo - para quem as pessoas não ultrapassavam a categoria de coisas, objectos destinados ao inventário contabilístico. Não se trata de cosmética de nomenclatura, mas antes de verdadeira transformação da postura tradicional. Com tal transformação, as pessoas deixam de ser encaradas como um custo e passam a ser um activo e um activo estratégico61 • A participação dos colaboradores na definição da visão e na fixação das metas e objectivos permite-lhes não apenas conhecê-los, como atrair todos os indivíduos na sua concretização. Tradicionalmente, a expressão gestão de pessoal aplicava-se à função do especialista responsável pela administração de normas, procedimentos e práticas respeitantes à relação entre os empregados e a entidade empregadora. Nesta função especializada, integravam-se as diversas técnicas de administração de pessoal, desde o recrutamento e selecção, passando pelo processamento de salários e terminando nos processos de aposentação. Esta abordagem tradicional levou à valorização exçessiva dos aspectos estandardizados, rotineiros e mecanicistas dos procedimentos administrativos, muitas vezes contra a vontade dos gestores que tinham a seu cargo a gestão das pessoas62 • 60 C. Tuss; L. Gratton - Strategic Human Resource Management: A conceptual approach. The International Journal of Human Resource Management, Vol. 5, n.O 3,663-689. 61 M. Beer [et aI.] - Human Resources Management. NY: The Free Press, 1985; M. Beer [et aI.] - Managing Human Assets. NY: The Free Press, 1984. 62 R. Amit; P. Schoemaker - Strategic Assets and Organizational Rent. Strategic Management Journal, vol. 14, p. 33-46. 65 Se o factor humano é o recurso estratégico e o elemento diferenciador relativamente à concorrência, a questão da motivação e envolvimento das pessoas, que constituem as comunidades de trabalho, transforma-se na pedra angular de toda a construção de uma nova gestão de recursos humanos. A motivação não é mais uma entre muitas, antes é a questão da gestão de recursos humanos no início deste milénio. Gerir, tendo como preocupação central o envolvimento das pessoas que constituem as equipas e a comunidade de trabalho, significa ter abandonado a expressão "gestão de pessoal" para passar a falar, e sobretudo a viver, a nova expressão "gestão de pessoas". As pessoas, para além de atitudes, características pessoais, conhecimentos e experiência, possuem um conjunto de competências pessoais que são conhecidas como habilidades e capacidades. Estes são os atributos que constituem normalmente os melhores indicadores do sucesso de um indivíduo, uma vez que têm tendência para estar directamente ligados às funções chave e às tarefas centrais que caracterizam um determinado trabalho. Por exemplo, para um gestor operacional, uma habilidade chave é muitas vezes a capacidade de reconhecer e aproveitar as oportunidades de alto potencial; numa função de desenvolvimento ao nível sénior, é a capacidade de delegar poderes de forma eficaz naqueles que estão na primeira linha, que é a vital; para os líderes de topo, por outro lado, a capacidade de criar um ambiente de trabalho que seja excitante e exigente ao mesmo tempo é uma habilidade muito importante e que deve ser desenvolvida. Mesmo entre aqueles que parecem ter as qualificações ideais, tanto ao nível das qualidades pessoais, como através da formação e experiência, muitos provam não ter sido a escolha adequada para aquela função. Alguns são simplesmente incapazes de demonstrar as habilidades vitais, mas tão dificeis de reter, que separam os desempenhos meramente satisfatórios dos verdadeiramente brilhantes. A razão para muitos destes fracassos é que as habilidades aplicadas dependem grandemente da compreensão tácita e de capacidades que 66 advêm da interacção entre as atitudes e características próprias, pessoais, intrínsecas dos indivíduos e o conhecimento e experiência acumulados. A habilidade crítica de conseguir reconhecer o potencial das situações de negócio não é uma característica própria nem é facilmente alcançável através de treino. No entanto, parece ser uma habilidade que pode ser alimentada e cultivada nos indivíduos que sejam curiosos e intuitivos por natureza, e que também tenham desenvolvido uma compreensão estrutural rica relativamente à sua área de negócios e contexto organizacional. Linda Gratton63, na sua obra Estratégia Viva, refere seis etapas para a criação de uma estratégia viva destinada a colocar as pessoas no coração da empresa. Tais etapas são: • Criar grupos de orientação - Capacidade para envolver um vasto número de indivíduos representando as diversas funções da organização. Envolver gestores executivos, profissionais de recursos humanos e pessoas ligadas ao sector comercial (contacto com os clientes). Capacidade para continuar a usar estes grupos de orientação, ao longo das etapas do processo. • Imaginar o futuro - Capacidade para fazer participar todas as pessoas da organização no diálogo sobre o futuro. Imaginar a actividade no futuro, qual a sua estrutura, cultura, pessoas, líderes e processos. • Compreender a capacidade actual e identificar a lacuna. Capacidade para criar um quadro preciso do estado actual da organização. Em particular, do contexto em que as pessoas trabalham, do seu comportamento e das medidas-chave de desempenho. Isso construi-se ao longo do tempo, fazendo comparações com equivalentes do sector de actividade e partilhando com os gestores do negócio. • Criar um mapa do sistema. Capacidade para compreender e desenvolver capacidades de pensamento sistémico em toda a organização. Garantir que as decisões são tomadas com base no seu impacto na 63 Linda Gartton - Estratégia Viva. Porto: Ambar, 2003. 67 totalidade do sistema. Construir uma compreensão suficientemente profunda da actividade para começar a compreender a ligação causal. • Criar um modelo da dinâmica. Capacidade para compreender a dinâmica dentro do sistema. Criar uma percepção partilhada das ligações entre as alavancas de processo e os resultados e a forma como estes mudam ao longo do tempo. • Ponte para a acção. Capacidade para interpretar e comunicar a necessidade de mudança, através do envolvimento de uma vasto grupo de pessoas. Criar uma compreensão partilhada das medidas-chave de desempenho que marcam o caminho da viagem. Enraíza-se, progressivamente, a ideia da necessidade de alinhar as pessoas com a estratégia. Todavia, permanece em aberto a tensão entre a motivação intrínseca e a extrínseca. De forma caricatural, pode dizer-se que, em certas épocas (modas passageiras), a imagem que prevalece na gestão de recursos humanos é a do condut,?r de automóvel. O condutor traça o futuro e o trajecto e comanda a máquina, em ordem a que esta atinja a meta previamente definida. Aqui, os recursos humanos são a máquina já que, sem vontade e passivamente, obedecem. Se, eventualmente, alguma peça da máquina revela qualquer disfunção, o condutor procurará rapidamente substituí-la, evitando, deste modo um estorvo à realização as sua estratégia (atingir a meta). Noutros períodos ou no mesmo, mas com outros gestores, a obtenção da meta só tem lugar através da sedução das pessoas para o projecto, isto é, para a estratégia da organização. Por último, salienta-se que a decisão de alinhar as pessoas com a estratégia se encontra ligada a uma outra, que consiste em alinhar a estratégia com as pessoas. Na verdade, quer na metáfora mecânica (as pessoas e os processos são como máquinas), quer na metáfora orgânica (pessoas e processos são serem vivos), o alinhamento a estabelecer tem de ser nos dois sentidos: a estratégia está condicionada pelo tipo de automóvel/pessoas disponíveis. Esta tensão é equacionada através da gestão centrada na realização dos objectivos e nos resultados e na correspondente gestão de compensações. 68 2.5. Gestão Estratégica de ~ecursos Humanos Actualmente, a gestão de recursos humanos trata fundamentalmente da articulação e ajustamento entre as pessoas que trabalham na organização e as necessidades estratégicas desta, assegurando a total utilização dos recursos humanos disponíveis. Assim, a gestão de recursos humanos não diz respeito apenas às acções destinadas a atrair e seleccionar os futuros empregados na qualidade e quantidade estimável, mas também a todas as acções orientadas para a fidelização dos recursos humanos que melhor se adaptem à cultura organizacional, lançando mão de técnicas, tais como a avaliação do desempenho, a remuneração, a gestão da carreira, etc. Os objectivos da gestão de recursos humanos foram expressos por Keep64 da seguinte forma: obtenção do material básico certo, na forma de força de trabalho, dotada das qualidades devidas, capacidades, conhecimentos e potencial para a formação futura, bem como no recrutamento e na selecção dos trabalhadores melhor posicionados para satisfazer as necessidades da organização. A gestão de recursos humanos valoriza muito mais, e dá mais ênfase do que a tradicional gestão de pessoal, ao recrutamento e selecção das pessoas cuja atitude e comportamento sejam mais susceptíveis de melhor contribuírem, dadas as crenças de gestão, para o sucesso organizacional. A gestão de recursos humanos dá mais ênfase aos aspectos ligados às atitudes, emoções e características comportamentais dos novos empregados do que a tradicional gestão de pessoal. Esta tendência não está isenta de riscos. Por um lado, as organizações mais inovadoras precisam de empregados não conformistas que podem, por outro lado, bloquear o sistema. Se os gestores seleccionam pessoas apenas iguais a si mesmos, à sua imagem e semelhança, correm o risco de perpetuarem uma cultura desajustada às novas necessidades da envolvente, que, embora tenha obtido sucesso no passado, corre o risco de fracassar no futuro próximo. 64 E. Keep - Corporate Training Strategies. ln Storey (ed) - New Perspectives on Human Resources Management. Oxford: Blackwell, 1989. 69