Navegações e meditações sobre
tempestades em um copo de mar
Travessias e transversais entre 29ª Bienal de São Paulo –
Parque – Museu Afro-Brasileiro
Luiz Guilherme Vergara,
São Paulo, 08 de outubro de 2010
Petrobrás
Obs.: Notas e citações foram coletadas da 29ª Bienal SP
A partir de um instigante convite da Petrobrás para registrar minha visita à
29ª Bienal de SP, dividi esta coleta de impressões entre as caminhadas pelo
Parque Ibirapuera e os encontros com Almir Mavignier na sua exposição
“Docugrafias”, no Museu Afro-Brasileiro, que também expõe no Espaço de
Exposições Temporárias da Petrobrás.
• Logo no primeiro texto de apresentação da proposta de experiência dessa
Bienal eram celebrados os terreiros, largos, praças, templos e quintais –
todos os lugares abertos ou fechados – onde se compartilham crenças,
diversidades e infâncias. Do outro lado da paredes de vidro estava o
parque. Para um estrangeiro, como eu em São Paulo, o caminho pela
marquise entre o Museu Afro-Brasileiro e a Bienal já realizava a utopia
poética da bienal cruzando playgrounds de diversas tribos de jovens e
ainda o seleto público da bienal, tudo com a mais natural simbiose. Este é
o cenário de mares e muitos copos de homens navegando que alimentou
o decorrer desses dias. Como concluir este texto, como voltar para
“Ithaca”? A potência política da Bienal talvez esteja na crença no
transbordamento poético que começa com um copo de mar – trocam-se
as margens entre o lado de fora e o de dentro; confirma a regra da arte –
querer ser exceção ou estado de vigília na negação da negatividade
acomodada do mundo!
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• “A alma nunca pensa sem imagem. … mas, para
que o amor e a política funcionem é preciso ser
valente.”
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Da inutilidade da utilidade
Da Política da Arte
Artur Barrio
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Roberto Jacoby
“A pedra, o mar, a vontade própria, o estar,
O extra – quotidiano
Um certo nada
Diferente de um certo….
Vazio…
A inércia, o não entusiasmo…” Artur Barrio
Parte I – Primeiro Mergulho – existe um
copo de mar só para aqueles que sabem
navegar
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Advertências
“Experiência Nº 2.” Flávio de Carvalho.
Para pesquisas – Psicologia das Massas.
“Todas as idéias expostas. Todas as conclusões
são tentativas para atingir uma suposta verdade.
Algumas das exposições se apresentam de uma
maneira aparentemente exagerada – é uma
ampliação da vida normal, uma espécie de visão
microscópica da vida anímica, fenômeno ilusório
e imperceptível a olho nu”. Flávio de Carvalho
Territórios de passagens entre o Parque e a
Bienal
Obra de Beatrice Saendal - “pedido pelos artistas”
Picnic Arte e
Árvore:deslocamentos
A vida como lugar da arte
A arte como lugar da vida
Deslocamentos mútuos
Ou retornos aos rituais da vida
Como arte.
Roteiros, Meditações e Modelos
• Nesta peregrinação revela-se uma curiosa cartografia de lugares, quem
sabe laboratórios, de antecipação do futuro (lembro a Função Utópica da
arte de Ernst Bloch) tudo se move pelo princípio esperança mesmo que
haja tanto desencanto. Invocam-se terreiros, ainda sim, encontros,
paradoxos e celebrações: “A pele do invisível”; “Dito, não dito, interdito”;
“Eu sou a rua”; “O outro, o mesmo”; “Lembrança e esquecimento”;
“Longe daqui, aqui mesmo.” Caminhar na Bienal é percorrer uma grande
poesia imaginária do infinito, compostas também por instalações
ambientais de artistas que realmente concretizam visões daquilo que não
é ainda completamente sabido. Albano Afonso: “O jardim, faço nele a
volta ao infinito; Tatiana Trouvé: “350 pontos rumo ao infinito”; Claudio
Iglesias: “um lugar para viver quando formos velhos”; Palle Nielsen: “ö
modelo – um modelo para uma sociedade qualitativa”; David Claerbout:
“Momento feliz em Argel”; Jimmie Durham: “Centro de Pesquisa da
normalidade brasileira”; ou ainda a proposição ou meditações especiais
de Milton Machado para uma “História do Futuro- Mundo Mais-quePerfeito, ciclos de destruição, construção e vida”...
O Modelo – Palle Nielsen
“o modelo – um modelo para uma sociedade qualitativa”
• Entrar na Bienal é ser recebido com um copo de mar essencial
para transfigurações de uma mente com sede de estados
poéticos e políticos. Esta mente líquida de olhar flutuante
navega entre estruturas fixas e diferentes fluxos visionários.
Logo em seus primeiros passos na Bienal encontra os registros
das aventuras de Palle Nielsen nos anos 1960 no Moderna
Museet – Modelo – com as imagens de um playground
proposto pelo artista-curador, como modelo qualitativo de
subversão e diversão dentro de uma instituição da memória.
Nas imagens de alegria, Palle profeticamente, de Estocolmo
para São Paulo, em 50 anos, prenuncia estruturas de ação
lúdica coletiva como uma dimensão utópica da arte, ao
mesmo tempo, como antecipações do futuro. Assim, a alegria
nesta bienal é presente de forma inusitada, intermediada por
ilhas de respiração onde o tempo lúdico, participativo, rompe
com a esfera histórica dos registros e memórias do futuro da
arte nas aventuras das vanguardas do século XX.
Ernesto Neto – modelos para um
mundo feliz / reflexos do parque
Ernesto Neto – MAM-SP
• Enquanto o grande pavilhão da 29ª Bienal clamava pela
inseparabilidade poética entre arte e política, arte e vida, marginal e
herói, razão e utopia, compartilhamento e solidão, museus e
playground, a multidão de leitores pedestres percorriam as rampas
de Niemeyer entrando e saindo dos labirintos das vozes artísticas
contemporâneas. Ali coabitavam, celebravam, registravam ou
denunciavam os paradoxos e encruzilhadas da condição humana nos
últimos 50 anos. Ao mesmo tempo, ao atravessar a grande marquise
do Ibirapuera, podia-se prolongar os ecos das vanguardas artísticas –
por um lugar genuíno de polifonias, de cruzamento de diversas tribos
– sejam skatistas, tribos urbanas de múltiplos códigos, ou mesmo
famílias compartilhando o fim de semana no parque.
• Será que eles já haviam experimentado navegar nas tempestades e
“tornados” (obra de Francis Alÿs) em copos de mar da Bienal? Ou os
habitantes do parque já eram parte da “história do futuro” de Milton
Machado ou das previsões de CreLazer de Oiticica, livres de todas
formas de molduras entre play e ground ou jogo e chão, como tão
bem explora Ernesto Neto no MAM-SP?
David Claerbout – Momento feliz em
Argel / terraço em Argel
• Nesta navegação pedestre são apreciados vários
transbordamentos entre existência, arte e
política: confundem-se vida que imita a arte e
arte que empresta da vida visões fugazes entre
sonho e trauma. Sejam as cenas relâmpagos da
realidade, no inesquecível mergulho na paz da
instalação de David Claerbout – cenas de um
momento feliz em um pequeno terraço em Argel
ou no drama da guerra de Sarajevo de Jean-Luc
Godard (Je vous salue, Saravejo).
Mira Schendel – Sim ao Mundo
Raqs Media Collective - Escape
• “O sim ao mundo” de Mira Schendel é
acompanhado dos relógios da alma
concebidos pelo Raqs Media Collective que
marcam o passar do tempo em todas as
grandes cidades do mundo pelas flutuações
emocionais .
• Estas obras alinham o mais íntimo estado de
vontade e anima com um mundo globalizado!
Truncamentos
Imaginários entre Bienal
e Museu Afro-Brasileiro
O Abajur
Cildo Meireles
• Truncamentos Imaginários entre Bienal e Museu AfroBrasileiro
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Para quem navega nas ondas da arte, basta um copo para inventar o mar! Assim,
da exceção, se reinventam regras que podem inaugurar oceanos. Também com um
copo de mar os transbordamentos poéticos e políticos da Bienal começaram a
alimentar um horizonte imaginário de proposições para uma migração de obras
críticas que apontam para os territórios de processos do Museu Afro-Brasileiro,
como pertencentes às raízes abertas do Brasil.
Novas subversões imaginárias se inspiram pelo “rapto do grande “Abajur “ de Cildo
Meireles para o Museu Afro-Brasileiro. Um moinho – gira mundo – movido por
escravos brancos. A travessia desta obra para o outro extremo das marquises do
Ibirapuera, também subversiva, lançaria novas luzes sobre tantas memórias
inquietas dentro das histórias contadas no Museu Afro-Brasileiro. Uma vez que
quebrar regras é a regra da arte. Este deslocamento da luminária de Cildo
radicalmente e contundentemente, encabeçaria uma curadoria de exceções às
regras de um museu etnográfico, tornando ainda mais mestiças a redenção das
memórias africanas no paraíso brasileiro.
Ronald Duarte – Guerra é Guerra
• Sim, continua repleta de perplexidades e paradoxos a travessia de
Ulisses em copos de mar, entre Bienal e parque, arte e vida. Ao
navegante pedestre fica o reconhecimento de estar cruzando
correntes adversas entre esperança e desencantamento, realidade
e ficção!!! Na condição de transbordamento tanto estético como
existencial, não existiriam mais as relações de fora e dentro,
fronteiras ou continentes. O imaginário poético contemporâneo
elimina todos os sentidos truncados de arte x anti- arte, regra e
exceção. Como responder a Godard diante de Sarajevo, e nós
diante das fatalidades e confrontos sociais brasileiros? Em que lado
da margem está a tribo dos que sabem viver?!!! E os que visitam a
Bienal, buscam na arte uma escola pública da vida??? Paulo
Bruscky, ali mesmo de plantão indaga: “O que é arte? Para que
serve?” Uma das resposta viria de Artur Barrio: ...”da inutilidade da
utilidade da política da arte”...
Odisséia dentro de um copo de mar
Almir Mavignier
Docugrafias – Museu AfroBrasileiro
• Mas, o que realmente emergiu como força fenomenal além da arte
e arquitetura, era também o reencontro de Mavignier com suas
raízes imemoriais. Como surpreendentemente, sua longa trajetória
do inconsciente de Engenho de Dentro para a arte concreta da
Escola de Ulm, se inscrevia dentro de um conjunto de textos e
relicários da memória afro-brasileira. Ali se formava um outro
cenário de palimpsestos que impactou sensivelmente este artista
que já mora há quase 50 anos na Europa. Autor ou catalisador de
uma produção artística revolucionária junto aos pacientes do
Hospital Pedro II em Engenho de Dentro, que tornou
internacionalmente visível e artístico os estudos da Nise da Silveira.
Assim, pude testemunhar ou compartilhar este renascimento de
Mavignier, agora da sua arte concreta ao seu inconsciente
monádico.
• Esta sinergia e contraponto entre um copo e outro de
diferentes mares para navegar, entre Mavignier e a
Bienal; entre ambos e as visões das tribos e polifonias
do Parque Ibirapuera formam o tecido poético e
político deste texto. Daí os relatos e registros reunidos
nesta ödisséia são como notas de navegações
transculturais, travessias trans-temporais,
entrelaçamentos de visões de microgeografias de
encontros, eclosões de momentos de esperança e
desencantos, construídos a partir de alternantes
meditações pedestres, entre três ou infinitos mundos
aparentemente isolados – o Pavilhão da Bienal e o
Museu Afro-Brasileiro, unidos por uma parque.
• Mavignier, compartilhava também uma outra emoção, o criador de
pontos e sistemas de luzes, testemunhava o impacto de suas
constelações sobre um diferente mundo de visitantes do Museu
Afro-Brasileiro. O estranhamento e perplexidade eram
compartilhados pelo criador e as criaturas. Ali realizava-se um
renascimento, ou despertar de uma consciência do esquecimento
de suas próprias matrizes afro, tão abafadas depois de 60 anos de
Europa. Não por acaso suas obras habitavam, como estranha
presença de fenômenos luminosos, o útero da arquitetura de
Niemeyer, cercado pela história da resistência e transformações de
uma cultura dentro de outra, escritas cruzadas das diásporas entre
África – Brasil. Mavignier lançava um outro copo de luz para
navegar os transbordamentos e travessias de gerações
transculturais.
• Quando a alma pensa gera imagens! Se nutre do
que ao outro é invisível e inútil!! Ali, deste
fenômeno incomunicável, e ao mesmo tempo,
compartilhado, o mundo em suas múltiplas
vozes e imagens passa a colorir a alma para uma
iniciação coletiva!!! Ser e pertencer!
• Não seria esta utopia da arte emprestada pelo
“Divisor” de Lygia Pape – une almas em imagem –
experiência coletiva.
O Divisor – Lygia Pape
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apresentação completa - Petrobras – Fatos e Dados