A entoação de atos de fala diretivos no PB
João Antônio de Moraes UFRJ/CNPQ
Na taxionomia proposta por Searle (1969, 1975), os atos diretivos correspondem a uma
das cinco classes de atos de fala possíveis, caracterizada pragmaticamente como sendo
uma tentativa por parte do falante de fazer com que o ouvinte venha a realizar uma
ação. A ordem e o pedido são atos diretivos prototípicos. A entoação é mencionada,
ainda que superficialmente, já em Searle (1969), e posteriormente em Vanderveken
(1990) como um dos mecanismos usados para distinguir diferentes tipos de atos.
Nem todos os atos diretivos serão, naturalmente, “entonacionais” (Moraes 2010). Ao
prosodista interessa estabelecer quantos contornos melódicos singulares (“dedicados”)
existem para ilocuções diretivas, isto é, quantos perfis entonacionais, na ausência de
outros índices (como a presença de verbo performativo explícito, a sintaxe da frase, a
própria situação comunicativa) caracterizam atos diretivos e, mais ainda, especificar que
atos e que contornos melódicos são esses. Cresti (2000) considera explicitamente a
entoação como marca característica no italiano de atos diretivos de proibição, instrução,
ordem e convite.
No presente estudo, após breve caracterização pragmática de seis atos diretivos
hipoteticamente entonacionais, quais sejam, ordem, desafio, pedido, súplica, sugestão e
conselho (cf. tabela 1), procedeu-se à descrição de sua entoação.
Ato
Ordenar
Desafiar
Pedir
Suplicar
Sugerir
Conselho
ação futura
ação futura
ação futura
ação futura
ação futura
ação futura
preparatória
L pensa que O
pode fazer
[autoridade]
L acha que a
ação lhe é
prejudicial
L pensa que
O pode
fazer
L pensa que O
pode fazer
L acha que
será bom
para O
L acha que E
será ruim para
O
sinceridade
L deseja a ação
L não deseja a
ação
L deseja a
ação
L deseja
muito a ação
L quer
ajudar O
L quer ajudar O
Regra
Conteúdo
Proposicional
Tabela 1: condições de conteúdo proposicional, preparatória e de sinceridade de seis atos
diretivos; L representa o locutor, O , o ouvinte.
A interrogação, também tradicionalmente classificada como um ato diretivo, foi deixada
de lado deliberadamente pelo fato de (i) se distanciar semanticamente dos demais, no
sentido de se pedir ao ouvinte uma ação verbal, (ii) apresentar grande variedade de
padrões distintos, e (iii) ter sido com frequência descrita na literatura (Moraes, 2006;
Antunes 2007).
Para o desenvolvimento do presente estudo, cinco frases distintas foram produzidas por
dois informantes, segundo 6 intenções diferentes (os atos diretivos já mencionados),
perfazendo 60 enunciados (5 frases x 6 atos x 2 Inf)
As frases variaram de extensão (1 a 6 sílabas) e de pauta acentual do último vocábulo.
Os 60 enunciados foram gravados em sala insonorizada e submetidos à análise acústica
(PRAAT). As características melódicas mais evidentes das curvas de F0 referentes a
esses atos podem ser assim descritas:
1. O contorno melódico da ordem se caracteriza por (a) um ataque melódico (definido
aqui como a primeira sílaba tônica do enunciado, que integra a posição prenuclear)
situado em um nível médio, seguido de (b) uma queda contínua da F0 ao longo do
enunciado que vai até a pré-tônica final, manifestando o fenômeno da declinação de F0,
e por fim (c) uma tônica final (posição nuclear) localizada em um nível baixo, como se
pode observar na fig. 1.
Joã o__o rd em _VT S_ 05_1
18 .0312
4 00
19.81 44
a
b
c
)z
H
(
h
c
it
P
30
18 .0312
19.81 44
T im e (s)
Fig. 1 Enunciado Destranca a gaveta, dito como ordem.
2. O contorno melódico do desafio apresenta (a) um ataque melódico situado em um
nível foneticamente extra-alto, seguido também de (b) uma queda da F0 ao longo do
enunciado, com taxa de queda (semitons por segundo) muito acentuada, devido ao
ataque extra-alto, e por fim (c) de uma tônica final (posição nuclear) localizada também
em um nível baixo, como se pode observar na figura 2. A oposição entre os dois
padrões reside basicamente na altura do ataque.
J oã o_ des afio2
0
4 00
a
b
c
)
z
(H
h
c
it
P
30
2.200 58
0
T im e (s)
Fig. 2 Enunciado Destranca a gaveta, dito como desafio.
3. O contorno melódico do pedido apresenta (a) um ataque melódico situado em um
nível alto, seguido também de (b) uma queda da F0 ao longo do enunciado, e por fim de
(c) uma tônica final (posição nuclear) localizada em um nível médio, com a
peculiaridade de apresentar uma forma intrassilábica descendente como se pode
observar na figura 3, fundamental para opor o padrão ao da questão total (incluir
referência).
Jo ã o _pe dido 2
0 .4 2 152 1
4 00
a
b
c
)
z
(H
h
itc
P
30
0 .4 2 152 1
2.4 81 98
T im e (s)
Fig. 3 Enunciado Destranca a gaveta, dito como pedido.
4. O contorno melódico da súplica apresenta uma configuração melódica geral similar à
do pedido, com um ataque, entretanto, situado em nível melódico claramente mais
1
0
.1
7
7
7
48
0 .5
01
4
7
7
jo
ã
o
_
_
sú
p
lic
a
_
w
a
v
elevado (extra-alto):
b
c
3
0
Pitch (Hz)
a
8.51477
10.1777
Time (s)
Fig. 4 Enunciado Destranca a gaveta, dito como súplica.
5. O contorno melódico da sugestão apresenta (a) um ataque melódico situado em um
nível médio, seguido também de (b) uma subida da F0 até atingir seu pico sobre a sílaba
pretônica final, caracterizando um fenômeno que poderíamos nomear de antideclinação, e por fim de (c) uma tônica final (posição nuclear) situada em um nível
médio do ponto de vista fonético, ainda que mais baixo que o do seu ataque.
J oão_ s ug e stã o3
0 .4 1 759 9
4 00
2.0 93 02
a
b
c
)
z
(H
h
c
it
P
30
0 .4 1 759 9
2.0 93 02
T im e (s)
Fig. 5 Enunciado Destranca a gaveta, dito como sugestão.
6. O contorno melódico do conselho apresenta um comportamento sui generis, uma vez
que conta com uma participação decisiva da duração em sua manifestação; ele apresenta
(a) um ataque melódico situado em um nível médio-baixo, seguido também de (b) uma
subida da F0 até a pretônica final, e por fim de (c) uma tônica final (posição nuclear)
localizada em um nível médio-baixo, com a peculiaridade de apresentar um
alongamento importante da sílaba tônica final, crucial para o reconhecimento do padrão.
J oão_ c on selh o3
0
4 00
a
b
c
)
z
(H
h
c
it
P
50
2.3 64 53
0
T im e (s)
Fig. 6 Enunciado Destranca a gaveta, dito como conselho.
Essas observações podem ser resumidas na seguinte tabela abaixo:
ATO
POSIÇÃO PRENUCLEAR
PORÇÃO INTERACENTUAL
POSIÇÃO
NUCLEAR
Ordem
Nível médio
declinação
Nível baixo
Desafio
Nível extra-alto
declinação
Nível baixo
Pedido
Nível alto
declinação
Nível médio
Súplica
Nível extra-alto
declinação
Nível médio
Sugestão
Nível médio
antideclinação
Nível médio
Conselho
Nível médio-baixo
antideclinação
Nível médio-baixo
alongado
Ao contrário do que ocorre na oposição entre asserção e questão total, para a qual basta
o comportamento do acento melódico em posição nuclear, precisa-se idealmente de
duas posições, pré-nuclear e nuclear para a caracterização melódica de um ato diretivo.
Discutem-se ainda brevemente no trabalho algumas questões ligadas à análise
fonológica a ser proposta para esses padrões, notadamente a pertinência de uma notação
autossegmental no estilo ToBI.
Referências bibliográficas:
Antunes, L. (2007) O papel da prosódia na expressão de atitudes do locutor em questões. Tese
de Doutorado em Estudos Lingüísticos do Programa de Pós-Graduação em Letras, UFMG.
Cresti, E. (2000) Per una nuova classificazzione dell’illocuzione. LABLITA, preprint 1.
Moraes, J. (2006) Melodic contours of yes/no questions in Brazilian Portuguese”, Botinis,
Antonis (ed.) Proceedings of ISCA Tutorial and Research Workshop on Experimental
Linguistics, Athens: University of Athens, Grécia [28-30 August 2006], pp. 117-120.
Moraes, J. (2010) Entoação e atos ilocutórios. Curso ministrado na Primeira Escola de Prosódia.
PUC-SP, São Paulo, 13 a 16 de outubro de 2010.
Searle, J. (1969) Speech Acts. An Essay in the Philosofy of Language. Cambridge: Cambridge
University Press.
Vanderveken, D. Meaning and Speech Acts. vol. 1 Principles of Language Use. Cambridge:
Cambridge University Press.
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