Protocolo entre a Direcção Geral de Desenvolvimento Regional e o Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa Formulação de Propostas de Concepção Estratégica das Intervenções Operacionais no Domínio da Inclusão Social Relatório Final Autoria Luís Capucha (coordenação) Maria das Dores Guerreiro Joaquim Bernardo Francisco Madelino Alexandre Calado Sónia Vladimira Correia Ana Raquel Cruz e Silva Julho de 2005 1 ÍNDICE 1 Introdução............................................................................................................ 4 2 Domínios dos Conceitos de Inclusão e Exclusão Social ........................................ 7 3 Principais indicadores de pobreza em Portugal: perspectiva comparada com a situação europeia ........................................................................................................ 13 3.1 Composição da pobreza em Portugal .......................................................... 17 3.2 A Distância às Necessidades Básicas .......................................................... 22 4 Actividade Económica, Emprego e Desemprego ................................................ 28 4.1 Emprego e Índices de Actividade................................................................ 28 4.2 Estrutura Sectorial do Emprego .................................................................. 29 4.3 A segmentação do mercado de trabalho ...................................................... 31 4.4 Disparidades na Distribuição do Rendimento .............................................. 33 4.5 Desemprego e Produtividade ...................................................................... 37 5 Educação e aprendizagem ao longo da vida ........................................................ 43 5.1 As dinâmicas de inclusão/exclusão no sistema de educação e formação em Portugal ................................................................................................................. 44 5.1.1 A massificação do acesso à educação e à formação inicial e a (re)produção da exclusão .................................................................................... 44 5.2 O acesso a oportunidades de educação e formação para adultos .................. 54 5.3 O Acesso à sociedade da informação .......................................................... 65 5.4 Para uma Política de Acção Inclusiva para a Educação ............................... 71 6 Protecção Social e Programas de Luta Contra a Pobreza ..................................... 74 7 Família, Equipamentos e Serviços ...................................................................... 89 7.1 Mudança e diversidade nas relações familiares ........................................... 94 7.2 A evolução das políticas de apoio à família em Portugal ............................. 96 7.3 Serviços e equipamentos de apoio às famílias ........................................... 104 8 Padrões de Territorialização ............................................................................. 108 9 Habitação: breve referência a um problema persistente ..................................... 112 10 Nota para uma abordagem da Saúde no contexto da Inclusão Social ................. 116 11 Categorias Vulneráveis à Pobreza e à Exclusão Social ...................................... 118 11.1 Grupos com “handicap” específico ........................................................... 120 11.1.1 Pessoas com deficiência .................................................................... 120 11.1.2 Imigrantes ......................................................................................... 121 11.2 Grupos “desqualificados” ......................................................................... 123 11.2.1 Desempregados de longa duração ..................................................... 123 11.2.2 Trabalhadores com qualificações baixas ou qualificações obsoletas .. 125 11.2.3 Idosos ............................................................................................... 126 11.2.4 Famílias monoparentais .................................................................... 128 11.3 Grupos à margem ..................................................................................... 129 11.3.1 Pessoas sem-abrigo ........................................................................... 129 2 12 11.3.2 Toxicodependentes e ex-toxicodependentes ...................................... 130 11.3.3 Jovens em risco ................................................................................. 132 11.3.4 Detidos e ex-reclusos ........................................................................ 134 Breve conclusão ............................................................................................... 136 13 Objectivos Estratégicos para a Inclusão no Horizonte 2013 .............................. 137 13.1 Objectivos complementares ...................................................................... 144 13.1.1 Quanto à distribuição dos rendimentos .............................................. 144 13.2 Objectivos de enquadramento ................................................................... 152 13.2.1 No domínio da distribuição dos rendimentos ..................................... 152 13.2.2 No sector da educação ....................................................................... 153 13.2.3 No domínio da demografia ................................................................ 154 13.2.4 No sector do emprego ....................................................................... 154 13.2.5 No domínio da economia .................................................................. 156 13.2.6 Correlação entre factores, domínios de política e indicadores de coesão . 156 13.3 Cenários prospectivos para o horizonte 2013 ............................................ 159 13.3.1 Cenário catastrófico .......................................................................... 159 13.3.2 Cenário de consolidação do modelo social e económico tradicional .. 160 13.3.3 Cenário de Europeização ................................................................... 161 13.4 Factores Críticos ....................................................................................... 162 13.5 Critérios gerais para o sucesso dos objectivos da inclusão ......................... 167 14 Bibliografia ...................................................................................................... 171 15 ÍNDICE DE GRÁFICOS E QUADROS ........................................................... 181 Glossário .................................................................................................................. 185 ANEXOS ................................................................................................................. 193 3 1 Introdução O presente relatório constitui o produto do protocolo estabelecido entre o ISCTE e a Direcção Geral de Desenvolvimento Regional (DG-DR) com vista à realização de um exercício de fixação de objectivos estratégicos para Portugal no horizonte 2013, baseados num diagnóstico da situação e abrindo para a identificação dos factores críticos necessários ao cumprimento desses objectivos. Para a concretização deste plano de trabalho, iniciou-se a abordagem ao presente estudo com um breve enquadramento teórico, em que se procurou introduzir e definir os conceitos de inclusão social, exclusão social e pobreza. O objectivo deste primeiro capítulo não passa por estabelecer um debate conceptual exaustivo destas noções, o que seria desajustado, mas explicitar o modo como são interpretados e tratados no presente estudo. Procurou-se então mostrar como a noção de exclusão social se liga a défices de participação dos cidadãos na vida social e de satisfação dos seus direitos essenciais de cidadania, desde logo o direito a condições materiais de vida dignas, pelo que a pobreza pode ser tomada como um indicador-chave da exclusão social. A exclusão social contraria, pois, a lógica de coesão social sobre a qual estão assentes e se legitimam as democracias ocidentais, e em particular as europeias. A primeira parte do relatório consta de um diagnóstico capaz de evidenciar a situação de Portugal, comparativamente à União Europeia, no que se refere às diversas dimensões e indicadores caracterizadores das situações de pobreza. Para o desenvolvimento deste ponto estruturou-se a exposição a partir de dois planos distintos, um em que se focalizam os factores associados às dinâmicas de exclusão/inclusão social, e outro que se refere às consequências, isto é, às categorias mais afectadas por estas dinâmicas. Assim, após a observação multidimensional do comportamento dos principais indicadores de pobreza, das desigualdades, da privação e de risco analisaram-se em alguma profundidade os principais domínios em que aqueles fenómenos se inscrevem. O terceiro capítulo centrou-se na análise da actividade económica e do mercado de trabalho, um dos eixos fundamentais do processo de inclusão social, na medida em que o trabalho constitui um factor central de integração social e de participação democrática. Naturalmente estão incluídos neste ponto indicadores como as taxas de emprego e desemprego e a distribuição dos rendimentos, entre um conjunto de 4 parâmetros relevantes para a caracterização da qualidade e dos factores de risco de exclusão associados ao nosso mercado de emprego. A educação e a aprendizagem ao longo da vida constitui outro dos eixos fundamentais para a compreensão global e multimensional dos cenários de exclusão social em Portugal. No capítulo quatro aprofundam-se, portanto, as problemáticas associadas aos níveis educacionais e às necessidades de reforma estrutural a promover neste domínio. Esta reforma afirma-se determinante no caminho para a integração em muitos dos outros domínios da inclusão social, sendo assim imperativo pensar numa política de acção inclusiva para a aprendizagem ao longo da vida. O capítulo cinco é dedicado aos programas de luta contra a pobreza e à protecção social, sector essencial para o desenvolvimento do bem-estar e da cidadania, e instrumento fundamental de redistribuição da riqueza e das oportunidades. À família e aos equipamentos sociais dedicamos um capítulo em que começamos por fazer uma breve alusão às mudanças nas relações familiares e à diversificação dos respectivos padrões ocorridas na última década procedendo depois a uma leitura das principais políticas de apoio às famílias, com particular destaque para as taxas de cobertura dos equipamentos e serviços sociais. No capítulo sete, “Padrões de Territorialização”, observou-se a distribuição do fenómeno da pobreza pelo território nacional, através de uma leitura transversal a todas as regiões do continente e arquipélagos autónomos. O objectivo que determina este plano analítico passa por complementar a análise das dimensões da pobreza ao nível nacional com uma análise enfocada no nível territorial, que nos permite perceber as diversidades internas das situações de exclusão, bem como os padrões tendenciais de espacialização da pobreza. Neste mesmo sentido, complementamos a análise com o estudo Tipificação das Situações de Exclusão em Portugal Continental (2005) realizado pelo Instituto de Segurança Social, onde se estabelece uma tipologia dos territórios de exclusão social no nosso país, sendo este dividido em seis territórios tipo, com especificidades no que se refere aos vários domínios da pobreza. Tendo em consideração os factores propiciadores de pobreza acima referidos, evidenciam-se algumas categorias particularmente vulneráveis que foram objecto de caracterização incluindo aspectos que dizem respeito a modalidades de inclusão/exclusão nos quadros societais. 5 Do diagnóstico desenvolvido resulta uma matriz compreensiva dos diversos cenários e situações associados aos conceitos que dirigem este estudo, permitindo-nos situar mais claramente os processos económicos, políticos e sociais em tendências de exclusão ou inclusão social. Ou seja, a análise da bateria de indicadores permite a identificação das principais áreas de carência e de privação em Portugal, tanto em valores absolutos como relativos, bem como a compreensão de dinâmicas sócioeconómicas potenciadores desses fenómenos. Por outro lado, a comparação que promovemos com os índices apresentados pelos parceiros europeus para estas mesmas áreas, possibilita a localização de Portugal no espaço comunitário europeu que se pretende coeso socialmente, e também a definição de metas para políticas a implementar e a continuar referentes às carências ou limitações referidas. É precisamente a partir da informação que recolhemos neste diagnóstico, que se produziu um quadro de objectivos fundamentais, que se definem enquanto bandeiras para a inclusão social, as quais são complementadas com um conjunto de outros objectivos de especificação e com um conjunto de objectivos condicionantes da evolução em direcção às metas propostas. Estes objectivos fundamentais, complementares e condicionantes dirigem-se simultaneamente para as áreas de principal carência ou subdesenvolvimento bem como para áreas consideradas estratégicas para o desenvolvimento social global. A evolução dos objectivos é apresentada tendo em conta dois horizontes possíveis, um primeiro em que se consideram apenas as actuais tendências sócio-económicas, e um segundo em que se definiu, para os mesmos indicadores, as metas políticas que devem constituir referência para uma tendência de europeização da sociedade portuguesa e para a inclusão social. Por fim, procurou-se identificar os factores críticos que deverão orientar as intervenções e o investimento político em Portugal no Horizonte 2013, julgados imprescindíveis para que as metas propostas, relativamente exigentes, possam ser efectrivamente atingidas. 6 2 Domínios dos Conceitos de Inclusão e Exclusão Social A integração social pode ser definida como “…pluralidade vasta, aberta e mutável de estilos de vida, todos partilhando a cidadania. Isto é, todos eles conservando, aprofundando e exprimindo capacidades de escolha. Trata-se não apenas da posse de competências virtuais ligadas à vida social, mas do efectivo uso delas.” (Almeida, 1993: 830-831). Quer essa posse, quer a possibilidade de uso que das capacidades pode ser feito joga-se a dois níveis distintos. De facto, o conceito de integração social tem sido utilizado “…para designar, no plano micro, o modo como os actores são incorporados num espaço social comum, e, no plano macro, o modo como são compatibilizados diferentes subsistemas sociais. O domínio da integração constitui, pois, uma das dimensões do problema da ordem na medida em que envolve os modos de padronização da vida social no âmbito das articulações problemáticas entre as “partes” e o “todo”” (Pires, 1999: 9). Se aceitarmos os termos genéricos em que a questão da integração é aqui colocada, a noção de inclusão social remete para o modo como os actores constroem as relações que os ligam a um espaço comum e participam nele, por um lado, e para o modo como se organizam e compatibilizam estruturalmente subsistemas que a crescente diferenciação social vai tornando cada vez mais complexos. Explícita na ideia está também a de que a ordem social se joga nesse conceito. O que tem implícito que o inverso, isto é, a não compatibilização de subsistemas – o que poderíamos designar por ruptura nos mecanismos de coesão social – ou a não participação dos agentes – pessoas individuais ou actores colectivos – nos espaços sociais comuns, quer dizer, a exclusão social ou a “não cidadania”1, constitui ameaça à ordem social, definida a partir das regras e dos recursos instituídos como direitos de cidadania. Os problemas da inclusão e da exclusão social, entendidas deste modo, são assim domínios políticos absolutamente centrais para os processos de desenvolvimento. Essa centralidade advém de dois conjuntos de razões. Em primeiro lugar, razões de ordem moral. Desde logo, a solidariedade é um valor cultural de fundo nas sociedades democráticas e a persistência de pessoas, famílias 1 Sendo a “não exclusão” o mesmo que a inclusão social (Almeida, 1993: 829). 7 e grupos a viver em condições de indignidade humana choca com esse valor. Também a justiça social é outro valor fundamental e o equilíbrio na vida colectiva depende de se conseguir proporcionar para quem vive em piores condições benefícios que as valorizam primeiro a elas, mas que repercutem depois na qualidade de vida de toda a sociedade (Rawls, 1987). Dois exemplos claros do modo como o combate à exclusão beneficia toda a sociedade podem ser encontrados na economia e na segurança, entendida no sentido lato que a ONU confere hoje à noção. Assim, se numa sociedade se promove a qualificação e o emprego dos mais desfavorecidos, o mercado de emprego alarga-se e qualifica-se no seu conjunto; se os rendimentos do trabalho dos mais pobres subirem, sobem também os de todas as categorias; se forem criados equipamentos de apoio à família que acolham as pessoas dependentes dos agregados mais vulneráveis, todos os outros terão tido também acesso a esses equipamentos e assim se melhora a capacidade de as empresas num território determinado atraírem e fixarem quadros e conciliarem o trabalho com a vida familiar; se os pobres e em particular certas categorias que adoptam comportamentos de risco tiverem acesso a cuidados de saúde reduzem-se os perigos para a saúde pública e todas as famílias terão melhores cuidados de saúde; quando uma cidade consegue integrar todos os seus habitantes reduz-se o sentimento de insegurança social, e assim sucessivamente. O segundo conjunto de razões é de ordem política. Nas democracias ocidentais, e nas europeias em particular, a legitimidade dos sistemas políticos assenta na ideia de “desmercadorização” e universalidade dos direitos sociais (Esping-Anderson, 1990). No fundo, a exclusão social constitui a demonstração de que o estado não foi ainda capaz de cumprir os compromissos em que se funda a legitimidade do exercício do poder e isso enfraquece a governabilidade e a confiança dos cidadãos na democracia. Entre esses direitos típicos do património comum do modelo social europeu pelo qual também no nosso país se deve aferir a qualidade do desenvolvimento económico e social, podemos eleger como mais relevantes2 o direito ao rendimento e ao consumo, ao trabalho, à educação e à aprendizagem, aos equipamentos sociais de apoio à família, à 2 Não se pretende aqui estabelecer uma hierarquia em relação aos direitos de primeira e segunda geração (cívicos e políticos), nem aos direitos de quarta geração à fruição cultural, à identidade e ao ambiente. Referimo-nos apenas aos que costumam ser incluídos na chamada terceira geração de direitos (Marshall, 1973). O direito à saúde é, igualmente, um direito social central, não incluído neste trabalho por razões meramente operacionais, na medida em que apenas se referem aqueles que têm tido implicações directas na luta contra a exclusão, matéria que não tem preocupado o sistema de saúde português a não ser na pequena franja da prevenção da toxicodependência. 8 igualdade de oportunidades entre homens e mulheres em todas as esferas da vida e à habitação e qualidade do território. Se a participação plena na nossa sociedade ou, por outras palavras, estar incluído enquanto cidadão de pleno direito, significa (i) o acesso a níveis de rendimento – originado no trabalho, nos direitos de propriedade ou no sistema de segurança social – que assegure padrões minimamente aceitáveis de consumo, isto é, de acesso a bens e serviços; (ii) a participação no mercado de trabalho com direitos, propiciador de sentimentos de utilidade, satisfação pessoal e a posse de um estatuto socialmente valorizado; (iii) o acesso à educação e à aprendizagem ao longo da vida de forma a poder movimentar-se nos diferentes contextos institucionais e adaptar-se às mudanças que ocorrem nesses contextos; (iv) assegurar a todos os membros dependentes das famílias o acesso aos equipamentos sociais que permitam assegurar simultaneamente a qualidade de vida e a libertação de homens e mulheres em pé de igualdade de oportunidades para o mercado de trabalho, a vida pública e a partilha das responsabilidades domésticas; (v) o usufruto de uma habitação com condições de conforto mínimo e a residência num território dotado de infra-estruturas, de imagem positiva e propiciador da multiplicação dos contactos sociais e do enriquecimento do capital social, então estar em situação de exclusão social é o contrário de tudo isto.3 Estar em situação de exclusão é (i) ser pobre e estar afastado do consumo de bens e serviços considerados normais; (ii) é estar fora do mercado de emprego, possuir o estatuto desvalorizado dessa situação, ou então apenas aceder aos segmentos do mercado de pior qualidade, desprotegidos de direitos, mal remunerados, sem qualidade intrínseca e extrínseca; (iii) é conhecer o insucesso escolar e não participar na sociedade do conhecimento e da informação; (iv) é não ter acesso aos equipamentos sociais; (v) é ser segregada/o por razões de género; (vi) não ter uma habitação condigna (ou não ter habitação de todo), ou consumir na habitação uma parte do rendimento que impede a satisfação de outras necessidades, é viver num território marginalizado material e simbolicamente, é pertencer a uma comunidade onde em vez de se aceder ao enriquecimento da vida social, ou se vive em zonas de quase desertificação social ou se compete por recursos escassos, pela sobrevivência quotidiana, por vezes sob domínio de 3 Dada a natureza sistémica e integrada das diferentes esferas da vida, a falha na integração num destes domínios tende a afectar todos os outros, pelo que não faz sentido, do ponto de vista empírico e olhando percursos de vida prolongados e não meros episódios biográficos pontuais, falar de exclusão social parcial. 9 tiranias oriundas de redes marginais que fazem dos territórios de exclusão o seu ambiente, enfim, onde as malhas sociais são as da pobreza instalada. As raízes da exclusão social estão para ser encontradas, como decorre da natureza dual dos mecanismos de integração, em factores ligados ao modo como operam factores de ordem estrutural e em factores ligados às atitudes e orientações culturais das próprias pessoas.4 São factores de vulnerabilidade as transformações nos sistemas produtivos originados com a “terceira vaga” da revolução industrial ligada à emergência da economia do conhecimento e à segmentação dos mercados de emprego na nova economia globalizada, potenciada pela natureza simultaneamente mais eficiente e mais segregativa das novas formas emergentes da organização do trabalho e das organizações em rede; os critérios de competitividade e de reordenamento da especialização das economias que a nova ordem económica instaura, penalizando as empresas mais fechadas em relação à inovação; a incapacidade em larga medida prevalecente do sistema de ensino para evoluir no sentido de um sistema de aprendizagem e de o sistema de formação penetrar nos sectores mais refractários em relação à formação contínua; as limitações do sistema de protecção social para assegurar níveis de prestações para assegurar níveis de rendimento satisfatórios às pessoas que por razões de idade, saúde ou deficiência dependem desse sistema; transformações demográficas ligadas ao envelhecimento, às estruturas familiares, à mudança das formas da solidariedade social com a crescente diminuição da dimensão das famílias e a crescente individualização das formas de organização social ou a existência de barreiras do mais diverso tipo – económicas, arquitectónicas, culturais, simbólicas – de acesso a serviços e bens essenciais. Não se podem igualmente desprezar factores de ordem cultural, os quais sendo muitas vezes de mais difícil discernimento, não são porém menos poderosos. A representação dos pobres como “classes perigosas”, a estigmatização de certas categorias vulneráveis ou vítimas de integração em grupos problemáticos, a intolerância face aos mais pobres, a culpabilização dos pobres pela sua situação, a discriminação praticada em relação às mulheres ou em relação a grupos vulneráveis, a marginalização 4 Para uma análise em maior pormenor quer dos factores estruturais que se encontram na génese da exclusão social, quer das orientações culturais e dos modos de vida típicos das pessoas atingidas pelo fenómeno em Portugal, ver Capucha (no prelo). 10 e catalogação das categorias e dos territórios mais desfavorecidos, são apenas alguns exemplos de factores culturais ligados à perpetuação dos fenómenos de exclusão. Estes factores culturais têm geralmente um reflexo directo nas disposições dos grupos mais desfavorecidos, na forma de auto-estimas negativas, da incorporação das representações negativas, nas inibições das competências para a assumpção autónoma dos seus próprios interesses, correspondente quase sempre do envolvimento em relações de clientela face aos mais poderosos. Tais factores ganham eficácia operativa na medida em que coincidem com a forma como os factores institucionais se materializam na vida das pessoas, na forma de desemprego, emprego precário ou sem condições, de pensões e benefícios extremamente limitados, de insucesso escolar e de retracção face à aprendizagem, de inibição da capacidade de afirmação da própria vontade, de vitimação face à violência doméstica ou à distribuição das responsabilidades familiares, da opressão social por parte das redes de vizinhança, de estigmatização social, de isolamento, de abandono, entre um conjunto de outros fenómenos. Este conjunto de fenómenos estruturais e relacionais, materiais e simbólicos, tornam particularmente vulneráveis categorias como os trabalhadores de mais baixas qualificações ou inseridos nos segmentos de menor qualidade do mercado de trabalho, os imigrantes, os idosos – em particular os que estão isolados e vivem de baixas pensões –, as pessoas com deficiência, as famílias mono-parentais e as famílias de dimensões alargadas e categorias específicas como os reclusos, os toxicodependentes ou os jovens em risco. A avaliação da carência destas categorias implica verificar em que medida e com que intensidade elas se vêem afastadas da satisfação de necessidades básicas ou, dito de outro modo, do usufruto dos direitos básicos de cidadania. Estamos hoje na posse de conhecimentos metodológicos que nos permitiriam, em teoria, o conhecimento da referida medida de distância à satisfação dos direitos básicos. Tais conhecimentos não estão porém disponíveis nem foram objecto de aplicações extensivas que permitissem conhecer a real situação. Sendo assim, a melhor aproximação empírica extensiva que podemos ter à noção de inclusão e de exclusão social, ainda é a da pobreza, indicador de síntese – e por isso mesmo redutor – da condição de exclusão social. 11 Procuraremos, nos próximos capítulos, verificar os níveis de pobreza em Portugal e, depois, procurar correlações entre esse fenómeno e certos parâmetros básicos que o afectam, como a condição perante o trabalho, a educação, a organização da família, o sexo, a idade e o território. Como esses se configuram como factores relevantes, abordaremos cada um de modo aprofundado nos capítulos seguintes. 12 3 Principais indicadores de pobreza em Portugal: perspectiva comparada com a situação europeia Um dos parâmetros em que Portugal persiste numa situação de desvantagem relativamente à União Europeia, particularmente em relação aos seus parceiros mais antigos, é da vulnerabilidade à pobreza, quer em extensão, quer em intensidade. Esse é um domínio de pouca expressão da “europeização” da nossa sociedade. O fenómeno liga-se à natureza estrutural dos níveis de desigualdade resultantes essencialmente de processos históricos prolongados de subdesenvolvimento. Até à década de 60 Portugal era um país essencialmente agrícola. Quase metade da população activa portuguesa trabalhava no sector primário (43,6%), distribuindo-se a restante pelos sectores secundário (28,9%) e terciário (apenas 27,5%). Perto de um terço da população vivia ainda no interior rural do país. Uma outra característica da população portuguesa de então, que ainda hoje constitui um traço estrutural da sociedade, era o nível baixo de escolaridade. Mais de 30% dos portugueses, principalmente as mulheres, eram analfabetos, e menos de 1% da população da altura atingira o ensino médio ou superior (0,8%) (Machado e Costa, 1998:20). Ocorreram por esta época movimentos populacionais na procura de melhores condições de vida. Por um lado, tais movimentos deslocaram populações para o exterior do país, sendo alguns países da Europa, como a França ou a Alemanha, receptores de largos contingentes de emigrantes portugueses. Por outro lado, fizeram afluir aos centros urbanos e industrializados nacionais – sobretudo na área de Lisboa – grandes fluxos de pessoas, pelo que ocorreram importantes fenómenos de urbanização e, simultaneamente, de litoralização das populações e das actividades. Nas últimas décadas ocorreram porém transformações muito profundas, fazendo com que às debilidades resultantes do subdesenvolvimento histórico se ligassem cada vez mais novas clivagens sociais resultantes de dinâmicas de modernização (arrítmica e contrastada) que têm gerado a melhoria global, mas desigualmente distribuída, das condições de vida no nosso país. Sendo ainda um país relativamente pobre no contexto europeu em termos de capacidade produtiva, Portugal apresenta internamente níveis elevados de pobreza. 13 O problema é tanto mais relevante quanto mais se eleva o grau de exigência de satisfação de antigas e novas necessidades básicas. A situação da pobreza em Portugal constitui assim um problema central. Segundo os indicadores de medição da pobreza mais comummente utilizados quer ao nível da investigação científica quer da política social, Portugal é o país da UE15 com o valor monetário mais baixo do limiar de pobreza oficialmente utilizado no espaço europeu – 60% do rendimento monetário equivalente mediano5. Na União Europeia os valores passaram de 6.305€/ano em 1995, para 8.253€/ano em 2001 (crescimento de 30,9%), enquanto em Portugal a subida foi um pouco maior (32,6%) de 3.745€/ano para 4.967€/ano. Em 1995 e 2001 o limiar português representava respectivamente 59,4% e 60,2% da média europeia (ver Gráfico 1). Embora se verifique esta ligeira aproximação, Portugal continua longe dos padrões europeus. O nosso país está especialmente distante dos valores do conjunto de países como a Bélgica, Dinamarca, Alemanha, Luxemburgo e Áustria, com os limiares mais altos em relação à média europeia da qual se aproximam França, Holanda e Reino Unido. Suécia e Finlândia estão em posição mais abaixo, mas ainda assim próximos da média. Em posições inferiores encontram-se Itália, Grécia e Espanha, países do “sul”, estando Portugal ainda bem distanciado dos restantes. No que se refere ao risco de pobreza após as transferências sociais (ver Gráfico 2) registaram-se melhorias tanto na UE como em Portugal verificando-se uma descida do risco de pobreza respectivamente de 17% para 15% e de 23% para 20%.6 Uma vez mais Portugal aparece neste parâmetro próximo dos países do sul, aos quais se junta a Irlanda. Se olharmos o risco de pobreza antes das transferências sociais (ver Gráfico 3), verificamos que a descida do indicador evidenciada em Portugal foi principalmente o resultado do impacto dessas transferências, já que sem elas a pobreza estaria estabilizada nos 27%. Na UE a diminuição da pobreza foi semelhante à redução total de 2 pontos percentuais, tendo em conta somente os rendimentos primários. De qualquer modo, o mercado produz a mesma percentagem de pobres em Portugal e na Europa, contudo com mais desigualdade e de forma mais persistente no 5 Utilizando a escala de equivalência modificada da OCDE, que atribui ao primeiro adulto o ponderador 1, aos restantes adultos o ponderador 0,5 e às crianças o ponderador 0,3. 6 Também a intensidade – distância entre os pobres e os não pobres – e a severidade – privação relativa entre os pobres – da pobreza são particularmente marcadas (Rodrigues, 1999). 14 nosso país, num contexto em que há uma menor correcção introduzida pelas políticas sociais, cujos impactes são muito mais salientes nos países com níveis mais baixos de pobreza. Na UE a diferença entre o risco de pobreza antes e após as transferências sociais é de 9 pontos percentuais. Quando o número de pobres é mais reduzido, o impacto das transferências é maior, como acontece na França e na Suécia, com uma diferença de 9 e 17 pontos percentuais, enquanto essa redução se situa em valores de 3 a 4 por cento nos países do “sul”, Grécia, Espanha, Itália e Portugal. 15 Gráfico 1: Limiar de pobreza na EU15 (Euros/ano) Gráfico 2: Risco de pobreza após transferências sociais Limiar de Pobreza (60 % do rendimento monetário equivalente mediano) em paridade do poder de compra (%) Risco de Pobreza após transferências sociais 25 16000 14000 12000 10000 8000 6000 4000 2000 0 20 1995 1998 2001 1998 10 2001 5 EU 1 B 5* Di élg na ica m Al arc em a an h G a r Es écia pa n Fr ha an ç Irl a an da Lu xe Itál m ia bu Ho rgo lan d Áu a s Po tria rtu Fi ga nl l ân di a Re Sué in ci o a Un id o EU 1 Bé 5* D i n lgic am a Al arc em a an h G a r Es écia pa nh Fr a an ç Irl a an da Lu x e Itál m ia bu H rgo ol an Áu d a s P o tria rt Fi uga nl ân l di a S Re ué cia in o Un id o 0 Fonte: Eurostat, Painel Europeu de Agregados Domésticos Fonte: Eurostat, Painel Europeu de Agregados Domésticos Gráfico 3: Risco de pobreza antes das transferências sociais (pensões excluídas) Gráfico 4: Risco de Pobreza Persistente (%) Risco de Pobreza Persistente (%) Risco de Pobreza antes de transferências sociais (pensões excluídas) 40 35 30 25 20 15 10 5 0 1995 1998 16 14 12 10 8 6 4 2 0 15 * Di lgic na a m Al arc em a an ha G ré c Es ia pa nh Fr a an ç Irl a an da Lu I xe tália m bu r Ho go lan d Áu a st r Po ia rtu Fi gal nl ân di S a Re ué cia in o Un id o Fonte: Eurostat, Painel Europeu de Agregados Domésticos Gráfico 6: Índice de Gini Medidas de Desigualdade da União Europeia: Relação Interquintis: S80/S20 Índice de Gini 1995 1998 2001 40 35 30 25 20 15 10 5 0 1995 1998 2001 EU 1 Bé 5* Di lgi na ca m Al arc em a an h Gr a é Es cia pa nh Fr a an ç Irla a nd a Lu xe Itáli a m bu Ho rgo lan d Áu a s Po tria rtu Fi ga nlâ l nd ia Re Sué ino cia Un ido EU 1 Bé 5* Di lgi na ca m Al arc em a an h G a ré Es cia pa nh Fr a an ç Irl a an da Lu xe Itáli m a bu Ho rgo lan d Áu a s Po tria rtu Fi ga nl ân l di a S Re ué ino cia Un ido Fonte: Eurostat, Painel Europeu de Agregados Domésticos 2001 Fonte: Eurostat, Painel Europeu de Agregados Domésticos Gráfico 5: Relação Interdecis (S80/20) na EU15 8,0 7,0 6,0 5,0 4,0 3,0 2,0 1,0 0,0 1998 EU 1 Bé 5* Di lgi na ca m Al arc em a an h G a ré c Es ia pa nh Fr a an ç Irla a nd a Lu xe Itália m bu r Ho go lan d Áu a s Po tria rtu Fi gal Re nlân ino dia Un ido 2001 Bé EU 1995 15 Fonte: Eurostat, Painel Europeu de Agregados Domésticos 16 Portugal destaca-se novamente, pela pior posição no contexto europeu, quando falamos de pobreza persistente, o indicador que dá conta da natureza mais ou menos consolidada/episódica da incidência da pobreza. No nosso país o indicador revela que 15% das pessoas se encontram naquela situação, o que representa 6 pontos percentuais acima da média europeia (ver Gráfico 4). Grécia, Itália e Irlanda estão também neste aspecto próximos do caso português. Os indicadores de desigualdade sublinham a gravidade do problema da pobreza em Portugal, onde ela atinge os maiores valores de toda a UE15. Assim, a proporção do rendimento dos 20% mais ricos relativamente aos 20% mais pobres (S80/S20) (ver Gráfico 5), tendo descido ligeiramente entre 1995 e 2001 de 7,4 para 6,5, é muito superior à média europeia, na qual se registou no período em referência uma descida mais ligeira de 5,1 para os 4,4 nos mesmos anos. Os países que também neste aspecto mais se aproximam da nossa situação são a Grécia, Espanha, Itália, Reino Unido e Irlanda. O índice de Gini (ver Gráfico 6) é outro indicador dos mais utilizados para avaliar o nível das desigualdades. O respectivo valor em Portugal em 2001 era de 37 (numa escala de 0 a 100, sendo este valor o limite máximo de desigualdade), o que nos coloca 9 pontos percentuais acima da média da UE15. O cenário mostra-se mais preocupante se verificarmos o facto de ter ocorrido uma descida de 1995 para 1998 e daqui para 2001 na UE15 (respectivamente 31, 29 e 28 em cada um daqueles anos), ao passo que em Portugal houve uma descida de 37 para 36 entre 1995 e 1998, mantendose o valor até 2000 para voltar a subir para 37 em 2001. Uma vez mais a tendência é partilhada com os países do sul europeu e as Ilhas Britânicas. 3.1 Composição da pobreza em Portugal Para termos uma visão mais concreta de alguns dos principais factores explicativos da situação que se vive no nosso país, analisaremos alguns indicadores complementares relacionados com a composição da pobreza. Uma das categorias mais vulneráveis ao risco de pobreza é a dos reformados com o valor daquele indicador situado 5 pontos percentuais acima da média, depois de ter estado 11 pontos acima em 1995 (ver Quadro 1). Também numa situação de 17 vulnerabilidade, mas mais grave, encontram-se os “outros economicamente inactivos” registando um risco de pobreza crescente desde 1995 a 2001, estando nesta data a 8 pontos percentuais acima da média europeia. Quadro 1: Percentagem da população em risco de pobreza por actividade mais frequente e segundo a escolaridade Trabalhadores por conta de outrem Trabalhadores por conta própria Desempregados Reformados Outros economicamente inactivos Em risco de pobreza - por grau de escolaridade Escolaridade < = 9 Escolaridade = 12 Escolaridade > 12 1995 1998 2001 10 9 10 35 30 30 31 32 38 34 30 25 27 23 28 26 10 1 23 7 1 22 8 2 Fonte: Eurostat, Painel Europeu de Agregados Domésticos Podemos assim considerar que um dos principais factores de pobreza em Portugal é o baixo nível das prestações sociais, incluindo as pensões. A pensão mínima (velhice e invalidez) abrange 635.000 pessoas e a pensão social (invalidez, velhice e sobrevivência) outras 104.847. Não devemos deixar de lembrar que estas pessoas podem acumular outros rendimentos ou residir em agregados com rendimentos globais superiores ao limiar de pobreza, pelo que nem todos estes beneficiários de pensões serão necessariamente pobres. Mas é certamente muito elevado o risco de situações de pobreza intensa. De facto, a pensão social registou um crescimento na ordem dos 50% entre 1995 e 2001, mas neste ano não ia além dos 51,1% do limiar de pobreza, que conheceu uma subida mais moderada, de 32,6%. Uma situação um pouco melhor apresentam os valores da pensão mínima de regime geral da segurança social, que representam apenas 70% do limiar de pobreza de em 2001, apesar do acréscimo de 30,5% entre 1995 e 2001. 18 Quadro 2: Pensão social, pensão mínima, salário mínimo e salário médio face ao limiar de pobreza Limiar de Pobreza (60% Mediana) Pensão Social/ Ano Pensão Mínima Regime Geral 1995 2555 1222 1927 1998 2989 1599 2186 2001 3590 1833 2514 Salário Médio Líquido Salário Mínimo (Geral) 8176 3631 8804 4085 10206 [2000] 4679 Fonte: Eurostat, Painel Europeu de Agregados Domésticos; DGEEP – MFCSS. Entre 1995 e 2001 registou-se um crescimento de cerca de 24,8% no valor do salário médio, que é 2,1 vezes superior ao limiar de pobreza. O salário mínimo apresenta um acréscimo superior, na ordem dos 28,9% no período referido. No entanto, a distância que o separa do limiar de pobreza agravou-se. Como se pode ver pela incidência da pobreza entre os activos (ver Quadro 1), as desigualdades salariais são um elemento importante a ter em linha de conta. Entre 1995 e 2001 deu-se um decréscimo no número de trabalhadores com baixos salários (Albuquerque e Bomba, 2001) o que se prendeu com a subida do peso dos ganhos dos 10 por cento de trabalhadores pior remunerados. Porém, as desigualdades salariais evidenciam-se quando olhamos a sua distribuição por decis. Os 10% de trabalhadores melhor remunerados abarcam cerca de 30% da massa salarial. É de salientar ainda que a diferença entre os trabalhadores pior remunerados e aqueles que auferem os salários mais elevados tem vindo a ser atenuada, sem contudo deixar de existir uma disparidade significativa e acentuada. Em Portugal, contrariamente ao conjunto de países desenvolvidos no contexto europeu, trabalhar não tende assegurar a cobertura do risco de pobreza. Entre os trabalhadores por conta de outrem esse risco é metade da média nacional (10%), embora o número de pessoas nesta situação7 seja de cerca de 360.000. Como uma das categorias mais vulneráveis são os trabalhadores por conta própria (incidência da pobreza de 30%, podendo abranger cerca de 380.000 pessoas)8 – mesmo não esquecendo que é nesta categoria que a ocultação de rendimentos é mais frequente, a verdade é que aqui 7 A proporção de trabalhadores de baixos salários (menos de 2/3 da mediana) passou de cerca de 14% em 1995 para perto de 11% em 2000, valor próximo do dos trabalhadores pobres (Albuquerque e Bomba, 2001). 8 Os Trabalhadores por conta própria representavam 23,5% do total da população empregada (INE, Inquérito ao Emprego), sendo que desses 6,0% tinham pessoal a cargo. 19 encontramos trabalhadores em sectores como a construção civil, o comércio ou os serviços pessoais e domésticos – reforça-se a presunção de que trabalhar não é condição suficiente para fugir à pobreza. Como em toda a Europa, também em Portugal um dos principais factores de risco de pobreza é o desemprego. Os desempregados apresentam uma taxa de pobreza crescente entre 1995 e 2001, passando de 31% no primeiro daqueles anos para 32% em 1998, disparando depois em 2001 até aos 38%. Podemos verificar facilmente que o nível das habilitações escolares é um elemento de influência considerável no risco de pobreza. A incidência situa-se nos 22% entre as pessoas com escolaridade inferior ao 9º ano, sendo de 8% naqueles que possuem o 12º ano e apenas de 2% nos que alcançaram um nível de qualificação superior ao 12º ano de escolaridade. Também os factores idade e género interferem na exposição ao risco de pobreza. Assim, apenas em 2001 os valores da respectiva taxa entre homens e mulheres se aproximam, depois de uma maior incidência sobre as mulheres nos anos antecedentes, desiderato que na Europa ainda não foi conseguido. Os idosos representam o grupo etário de maior vulnerabilidade, embora o risco de pobreza tenha conhecido um decréscimo no período de referência, passando de 38% em 1995 para 35% em 1998 e 30% em 2001. Contudo, na UE15 os valores médios não vão além dos 19%. Uma atenção especial deve ser dada ao facto de as crianças terem tido uma evolução contrária, ou seja, o risco de pobreza nesta categoria etária aumentou de 26% para 27% entre 1995 e 2001. Podemos depreender deste fenómeno que persiste o perigo de reprodução do fenómeno em termos geracionais. Quadro 3: Risco de pobreza infantil, dos idosos e das mulheres na UE e em Portugal Risco de Pobreza Infantil Risco de Pobreza > 65 anos Risco de Pobreza Feminino 1995 UE P 21 26 21 38 18 24 1998 UE 19 18 16 2001 P 26 35 22 UE 19 19 17 P 27 30 20 Fonte: Eurostat, Painel Europeu de Agregados Domésticos 20 A vulnerabilidade à pobreza está ainda relacionada com a estrutura das famílias. A família pode desempenhar um importante papel na reprodução de situações de pobreza. Este cenário ocorre se não se constitui como um elemento de suporte de vida dos elementos do agregado e, pelo contrário, existe escassez de recursos, violência, solidão, laços opressivos, ou quando a integração social e a realização pessoal são algo inacessível. Embora com algumas limitações podemos verificar uma associação entre certos padrões de composição familiar e probabilidades diferenciadas de risco de pobreza. Quer isto dizer que apesar de tudo, os indicadores estatísticos não permitem percepcionar a complexidade que rodeia as mudanças das estruturas familiares e as respectivas consequências destas. Gráfico 7: Risco de pobreza segundo a composição dos agregados domésticos Risco de Pobreza segundo o agregado 60 40 Familias com 2 adultos, pelo menos um > de 65 anos 30 Um adulto sozinho 50 % Risco de Pobreza em Familias com 3 ou + adultos e crianças 20 10 0 EU 1995 P EU 1998 P EU 2001 P Um adulto sozinho + de 65 anos Monoparentais Fonte: Eurostat, Painel Europeu de Agregados Domésticos As famílias monoparentais evidenciam-se como o tipo de agregado mais vulnerável ao risco de pobreza, constatação que coincide com a análise de dados administrativos que resultam de políticas sociais tais como o RMG (Capucha et al, 2005). Nestas famílias o risco de pobreza teve um crescimento acentuado de 1995 para 1998, de 34% para 45% respectivamente. 2001 foi um ano mais positivo em geral, registando-se como vimos um decréscimo da pobreza para 20%, mas entre as famílias monoparentais o valor era de 39%. Neste domínio, a situação portuguesa não diverge muito da europeia. 21 É inegável a importância da idade na análise da pobreza, como foi já evidenciado. Quanto mais a idade avança mais probabilidade existe do risco de pobreza ser elevado, principalmente quando estamos em presença de idosos isolados (46% deles eram pobres em Portugal, em 2001, contra 29% na UE15). No entanto, houve uma redução do risco de pobreza de 1995 para 1998, de 57% para 52%, em cerca de 5 pontos percentuais. No que se refere aos adultos com idades entre os 15-64 anos que vivem sozinhos a taxa de pobreza registou um decréscimo de 34% em 1995, para 33% em 1998, chegando aos 28% em 2001. Saliente-se o facto da disparidade relativamente à categoria dos idosos em igual situação ser alarmante. Se num agregado de dois adultos um tiver mais de 65 anos, isso é suficiente para que a taxa de pobreza esteja 12 pontos percentuais acima média (32% neste tipo de agregados, em 2001). A vulnerabilidade das famílias de isolados, e em particular dos idosos, é realçada pelo facto de a taxa de pobreza nos agregados de dois adultos sem crianças ambos com idade inferior a 65 anos ser de apenas 13%, valor que desce para 9% no caso dos agregados com dois adultos e apenas uma criança. Pelo contrário, as famílias mais numerosas, com 3 adultos ou mais e crianças a cargo, apresentam um risco de pobreza de 23%, valor díspar dos 16% da média europeia. Em resumo, podemos concluir que sendo Portugal um país com uma incidência, intensidade, severidade e persistência da pobreza particularmente acentuadas para um país europeu, e também aquele que na UE15 apresenta piores indicadores de desigualdade, a probabilidade de isso traduzir situações graves de exclusão de direitos básicos é elevada. Podemos também concluir que o funcionamento do mercado de emprego, o sistema de protecção social, a educação e a formação e factores ligados à composição e idade dos membros dos agregados domésticos são factores determinantes do comportamento do fenómeno. 3.2 A Distância às Necessidades Básicas As situações de pobreza e exclusão social encontram-se necessariamente interligadas com um conjunto de categorias sociais nas quais o risco aos processos de marginalização e de carência tendem a incidir com maior frequência e maior intensidade. Para além da identificação destas categorias e da explicitação das componentes de risco que lhes estão associadas, em resultado das dinâmicas estruturais 22 e culturais da sociedade portuguesa, importa abordar neste diagnóstico uma avaliação do seu grau de carência, numa aproximação mais directa do conceito de exclusão social. Neste sentido, pretende-se verificar em que medida estas categorias não conseguem atingir níveis de satisfação mínimos das necessidades básicas, ficando impedidas de fazer uso dos seus direitos primários de cidadania. Para este fim utilizaremos aqui basicamente os trabalhos produzidos no âmbito da equipa do DGEEP do MTS coordenada por José Albuquerque. Um primeiro indicador de elevada pertinência nesta avaliação da distância às necessidades básicas é o de pobreza absoluta9. Esta noção refere-se às situações em que os indivíduos e/ou famílias não apresentam capacidade de obter um conjunto de bens essenciais à manutenção da sua “eficiência física” de uma forma continuada temporalmente. A pobreza absoluta, como é comum num estudo desta natureza, é operacionalizada a partir de um cabaz alimentar mínimo que garante aos indivíduos a sua sobrevivência10. A partir da análise dos dados do Inquérito aos Orçamentos Familiares de 2000, verifica-se que no universo da população portuguesa 21,3% das pessoas (o que corresponde a 2,172.836 indivíduos) encontram-se em risco de insuficiência alimentar. Atentando ao perfil dos indivíduos que apresentam uma despesa em alimentação inferior ao considerado necessário para a “eficiência física”, encontramos as seguintes regularidades: − Os indivíduos entre os 16 e os 34 anos são os que apresentam taxas mais elevadas de insuficiência alimentar, com valores acima dos 27%, e as crianças (até aos 16 anos) e os idosos (a partir dos 65 anos) os que apresentam valores mais baixos, respectivamente 14,2% e 17,2%, importando referir que estes grupos são os que menos calorias consomem para a sua “eficiência física”; − No que diz respeito à variável sexo, os homens apresentam uma taxa um pouco superior a 10 pontos percentuais em relação às mulheres, situando-se nos 26,6%; 9 O conceito de pobreza absoluta e sua operacionalização metodológica, bem como os dados que aqui sintetizaremos, encontram-se desenvolvidos no estudo Medidas de Pobreza e Exclusão Social (no prelo) coordenado por José Albuquerque e equipa. 10 Metodologicamente, este cabaz vai estruturar-se em torno das variáveis sexo e idade, respeito a dieta padrão da população portuguesa e ponderando os preços dos vários bens alimentares no mercado. 23 − Em relação à variável tipologia familiar, observamos que as famílias em maior risco são as constituídas por um adulto que vive sozinho com uma idade inferior a 65 anos (30,1%), adultos no mesmo grupo etário vivendo em aglomerados de duas pessoas (26,1%), as famílias monoparentais (24%) e as famílias com três adultos e com três ou mais crianças (26,1%); − Cruzando a insuficiência alimentar com os níveis habilitacionais, identificamos que até aos 9 anos de escolaridade os índices são superiores a 20 pontos percentuais, com especial concentração nos 6 anos de escolaridade, que correspondem a 27,6%; − No que se refere à condição perante o trabalho, não surpreendentemente os indivíduos que se encontram em maior risco são os incapacitados permanentemente para o trabalho (35%) e os desempregados (28,7%); − Finalmente, em relação à distribuição regional, verificamos que a dicotomia urbano e rural afecta os graus de risco, com os indivíduos cuja zona residencial é no contexto rural com um índice de 25,4%, que é 5 pontos percentuais superior ao dos indivíduos que residem em contexto urbano. Ao observarmos estes valores devemos ter também em atenção que as suas variações e o grau de risco de falta de “eficiência física” estão associados com as “opções” de distribuição do rendimento pelas despesas por parte dos indivíduos e famílias. Como afirma José Albuquerque e equipa, “esta análise permite confirmar que os padrões e opções de consumo são a principal causa do maior ou menor risco de insuficiência alimentar dos indivíduos e não tanto a receita que estes auferem” (Albuquerque, 2004: 16). Sem esquecer que as opções de despesa são confrontadas com alternativas balizadas pelos custos de bens essenciais entre os quais há que distribuir recursos igualmente magros. Analisando a distribuição da despesa equivalente dos indivíduos por classes de acordo com a situação perante a insuficiência alimentar, verificamos que os produtos alimentares e associados correspondem apenas a 13,6% face à despesa total dos indivíduos em situação de insuficiência alimentar, contra 24,8% em despesas referentes à habitação e 17,2% em relação aos transportes. Por outro lado, os indivíduos que não estão em situação de risco despendem 22,6% do seu rendimento em produtos alimentares, categoria que representa o maior encargo, seguidas da habitação (18,2%) e dos transportes (15,6%). Refira-se que em termos absolutos (e tendo como referência que a receita total dos dois grupos é respectivamente 418€ e 24 701€), a diferença da despesa em produtos alimentares e associados é de 57€ para o primeiro grupo contra 159€ para o segundo. Note-se que em outras categorias de maior despesa, como é o caso da habitação, a diferença não é tão acentuada, com 104€ gastos pelos indivíduos em risco de insuficiência contra 128€ pelos restantes. Isto é, a despesa em habitação representa um encargo extraordinário nas categorias de mais baixos rendimentos. Assim, os indivíduos que vivem em habitações sem condições são obrigados a despender uma parte significativa da sua receita na habitação, privando-se da satisfação de outras necessidades básicas. Outro conceito fundamental para se proceder a uma avaliação mais aproximada da distância a que os grupos carenciados estão das necessidades básicas é o de pobreza multidimensional11. Esta noção assenta numa análise da pobreza que ultrapasse a leitura unidimensional dos recursos monetários das famílias, de forma a captar os níveis de privação por relação com as condições de vida em geral, nas suas várias dimensões. A noção de pobreza multidimensional deu origem à construção de um índice de privação a partir da agregação ponderada dos indicadores referentes às diversas dimensões contempladas, nomeadamente: as condições internas do alojamento, as condições externas do alojamento, os bens de conforto, as necessidades básicas, a capacidade financeira, as redes de sociabilidade, o mercado de trabalho, a educação e formação. O risco de privação foi determinado a partir da definição de um limiar de privação. Seguindo a metodologia proposta chegou-se a um índice de privação em Portugal de 0,185 (numa escala de 0 a 1) no ano de 2001, o que significa que em cada 10 pessoas perto de duas sentem carências nas diversas dimensões dos seus contextos vivenciais. Ainda que este valor seja preocupante, registe-se que o ano de 2001 representou uma melhoria significativa desse índice, que em 1995 se encontrava nos 0,235. Atentando ao perfil das famílias que se encontram em maior risco de privação encontramos os seguintes dados: − Ao nível da composição familiar os agregados numerosos com crianças (0,2137), os idosos isolados (0,2214) e os agregados com idosos (0,1880) são os que registam níveis de privação superiores ao da população total; 11 O conceito de pobreza multidimensional aqui retirado também foi desenvolvido no estudo Medidas de Pobreza e Exclusão Social de José Albuquerque et al (no prelo). 25 − No que se refere à origem de rendimentos das famílias, aquelas cuja fonte principal de rendimento são pensões apresentam índices mais elevados que o total das famílias portuguesas, situando-se nos 0,2049. Observando as dimensões da privação, as três categorias que mais contribuem para o risco de privação são, respectivamente, as condições de alojamento (0, 055), a posse de bens de conforto (0,025) e as redes de sociabilidade (0,027). Por sua vez, as categorias em que existe um maior número de agregados familiares em privação é a saúde e a habitação. Comparativamente com os dados de 1995, verificamos que as principais alterações se verificam nos índices de necessidades básicas e de capacidade financeira, que passam ambos de 0,030 em 1995 para 0,024 em 2001, sugerindo um progresso positivo. Ainda considerando os contextos de pobreza multidimensional presentes no estudo referenciado, observamos que a percentagem de população em Portugal que se encontra em risco de privação situa-se entre os 26,5% se considerarmos o limiar de privação nos 130%, 15,4%, se considerarmos o limiar nos 160%. Uma conclusão importante a retirar destes dados, é que este último valor aponta para um cenário alarmante em que 15 pessoas em cada 100 se encontram numa situação de extrema privação em todas as dimensões dos seus contextos vivenciais. A partir dos elementos aqui identificados, aos quais adicionamos os indicadores referentes aos níveis de pobreza tendo como referência os rendimentos das famílias, chegamos ao conceito de pobreza consistente. Portanto, estamos perante um contexto de pobreza consistente quando os níveis de pobreza ao nível dos rendimentos convergem com as restantes dimensões, sugerindo uma coerência nas dinâmicas e áreas de exclusão social. Seguindo o estudo “Medidas de Pobreza e Exclusão Social”, e tomando como referência os dados mais actuais de 2001, verificamos que existiam cerca de 305 mil agregados em risco de pobreza consistente, que correspondem a 9% do total de agregados, valor este que representa uma redução de 1,1% em relação a 1995. A distribuição do risco de pobreza consistente por diversas variáveis de base aponta para o seguinte quadro geral: − O risco de pobreza consistente por zona residencial incide essencialmente nas zonas rurais, com um valor superior a 10 pontos percentuais, colocando-se portanto acima da média nacional; 26 − No que diz respeito ao tipo de alojamento, os valores mais elevados e claramente acima da média, verificam-se nas moradias independentes, geminadas ou em banda (14,6%) e nos “outros tipos de alojamentos” (21,4%) não incluídos numa tipologia de apartamentos ou moradias; − Por sua vez, no indicador de risco de pobreza consistente por tipologia familiar identificamos os índices mais elevados entre os idosos isolados (um pouco mais do que 20%) e as famílias numerosas com duas ou mais crianças (perto dos 40%); − Finalmente, no que se refere à principal fonte de rendimento, mais uma vez são as famílias que se suportam essencialmente de pensões que apresentam um maior índice de risco de pobreza consiste (16%). Estes estudos concluem assim que analisando as várias perspectivas a partir das quais podemos captar os níveis de distância a necessidades, as situações de exclusão social e de pobreza em Portugal apontam para que as famílias em contexto de pobreza consistente governem os seus contextos de vida com 1/3 do rendimento médio das famílias portuguesas, apresentando em consequência das várias dimensões de exclusão o dobro da sua privação. 27 4 Actividade Económica, Emprego e Desemprego De acordo com a informação sintetizada anteriormente, parte da pobreza funda as suas raízes no domínio da actividade económica, nomeadamente do emprego e respectivas características. 4.1 Emprego e Índices de Actividade Não é na taxa de emprego que a economia nacional é fonte acrescida de exclusão social, embora se encontre ainda abaixo do objectivo 70% da Estratégia de Lisboa. Os valores nacionais mantêm a tendência positiva verificada nos últimos anos. Portugal apresenta uma taxa total de emprego na ordem dos 67,2%, acima dos resultados médios da União Europeia a 25 (62,9%) e da União Europeia a 15 (64,2%). Esta taxa positiva em relação à UE deve-se, sobretudo, à elevada taxa de emprego entre as mulheres (60,6%), que comparativamente com a União Europeia representa mais 5,6% (UE25) e 4,6% (UE15). No que diz respeito à taxa de emprego entre os homens, os valores também são superiores aos da média europeia, mas com uma diferença menor (74,1% contra 70,8% ao nível da UE25 e 72,5 ao nível da UE15) (ver Quadro 4). Quadro 4 – Taxa de Emprego por Sexo (15-54) em 2003 (UE) Taxa de Emprego por Sexo (15 T H M UE 25 62,9 70,8 55 Irlanda UE 15 64,3 72,5 56 Itália -54) de 2003 (UE) T H M 65,4 75 55,8 56,1 69,6 42,7 T H M Polónia 51,2 56,5 46 Portugal 67,2 74,1 60,6 Bélgica 59,6 67,3 51,8 Chipre 69,2 78,8 60,4 Eslovénia 62,6 67,4 57,6 Repú blica Checa 64,7 73,1 56,3 Letónia 61,8 66,1 57,9 Eslováquia 57,7 63,3 52,2 Dinamarca 75,1 79,6 70,5 Lituânia 61,1 64 58,4 Finlândia 67,7 69,7 65,7 Alemanha 64,8 70,6 58,8 Luxemburgo 63,1 75,3 50,8 Suécia 72,9 74,2 71,5 Estónia 62,9 67,2 59 Hu ngria 57 63,5 50,9 Reino Unido 71,8 78,1 65,3 Grécia 57,9 72,5 43,9 Malta 54,5 75,3 33,6 Bulgária 52,5 56 49 Espanha 59,7 73,2 46 Holanda 73,5 80,9 65,8 Roménia 57,6 63,8 51,5 França 62,8 68,9 56,7 Áustria 69,2 75,8 62,8 Turquia 45,6 65,5 25,5 Fonte: Eurostat, Employment in Europe 2004 Nota: Os dados referentes a Luxemburgo, Malta e Turquia referem -se ao ano de 2002. 28 4.2 Estrutura Sectorial do Emprego Contudo, se Portugal apresenta níveis de emprego bastante positivos, estes vão encontrar correspondência numa estrutura sectorial desse emprego desenquadrada com o que são as tendências económicas da União Europeia, concentrando a maioria desse emprego em modalidades de trabalho intensivo e pouco qualificado. Observamos, então, que Portugal (ver Quadro 5): - Apresenta um peso excessivo do sector da agricultura, pesca e floresta com índices na ordem os 12,9% contra os 4% da UE15 e 5,3% da UE25. - O sector da construção continua a representar um dos sectores com mais peso (11,8%), o que comparativamente com a Europa constitui um valor desajustado, na medida em que ao nível dos 15 os valores estão na ordem dos 8%, e ao nível dos 25 situam-se nos 7,8%. - Se nestes dois últimos sectores o peso é demasiado elevado, ao nível da educação encontramos, relativamente à Europa, um peso escasso, isto é, 5,5%, contra 6,9% na Europa dos 15 e 7,1% na dos 25, o que não deixa de ser um dado preocupante na medida em que o país apresenta taxas de qualificações bastante baixas entre a população activa. Ainda que esta distância não seja muito acentuada, deve ser interpretada à luz do atraso qualificacional referido, que vem incrementar a menor competitividade ao nível da actividade económica do sector empresarial português. - O sector dos serviços apresenta ainda um peso bastante reduzido no conjunto do emprego em Portugal, exibindo valores de 54,2% contra 68,3% na Europa dos 15 e 66,4% na dos 25. A predominância do trabalho intensivo e pouco qualificado em Portugal é confirmada com estes dados, a partir do peso que o sector industrial ainda tem, acima da média europeia, com 32,9% contra 27,6% nos 15 e 28,3% nos 25. 29 Quadro 5 – Estrutura Sectorial do Emprego na UE em 2003 Estrutura (% ) Sectorial do Emprego na UE em 2003 Agricultura, Pescas e Floresta B DK DE EL E F IRL I L NL A P Fin S UK UE 15 UE 25 1,7 3,3 2,4 16,3 6,3 4,5 6,4 4,7 2 2,9 5,5 12,9 5,3 2,5 1,2 4 5,3 Minas e Escavações 0,1 0,2 0,4 0,3 0,9 0,2 0,4 0,3 0,1 0,1 0,2 0,3 0,2 0,2 0,4 0,3 0,4 Manufactura Electricidade, Gás e Suporte de 17,8 15,8 23 12,8 22 17,1 16 22,4 10,3 13,9 19,3 20,1 19 16,2 14,9 18,7 19,1 0,7 0,5 0,8 0,9 1,6 0,8 0,7 0,8 0,7 0,5 1 0,7 0,9 0,6 0,7 0,7 0,9 6,4 6,6 7,2 7,9 6,6 6,7 10,8 8,3 9,1 6,5 8,2 11,8 6,6 5,6 7,6 8 7,8 13,7 15,4 14 17 13,1 13,3 14,2 15,8 12,4 15,8 15,9 14,9 12,1 12,2 15,5 14,7 14,6 3,1 2,4 3,4 7 3 3,1 6,5 4,1 4,3 4 5,7 5,1 3,3 2,8 4,2 4,1 3,9 7,9 7,2 5,6 6,3 10 6,7 6,3 5,3 6,9 6,1 6,5 4,2 7 6,4 7,1 6,2 6,3 3,6 2,8 3,8 2,5 1,5 2,9 4,1 3,1 10,7 3,7 3,5 1,7 2,1 2,1 4,5 3,4 3,2 9,4 9,1 9,1 5,6 8,2 10,2 8,7 8 8,2 12,7 8,4 4,7 11 13 11,2 9,4 9,7 5,7 8 7,4 6,1 9,4 5,1 8,5 11,3 7,6 5,8 6,2 5 5,7 6,9 7,7 7,5 Água Construção Comercio a Grosso e Retalho, Reparações e Veículos a Motor Hoteis e Restaurantes Transportes, Armazenagens e Comunicações Intermediação Financeira Imobiliário e Actividades Comerciais Administração Pública, Defesa e Segurança Social 8,8 Educação 8,5 7,4 5,7 6,4 9,3 7 6,5 7,3 7 6,6 6,2 5,5 6,8 11,1 8,5 6,9 7,1 Saúde e Trabalho Social Outras Actividades Pessoais e 12,9 18,3 10,9 4,3 5,8 11,4 9,5 6 7,9 15 8,6 5,8 14,8 16 11,3 10 9,5 4 5 5,3 3,9 5,4 4,1 4,5 4,5 3,8 4,5 4,6 2,9 5,7 5,4 5,5 4,7 4,6 0,3 0,1 0,3 1,3 0,1 2,7 0,5 0,9 1,5 0,1 0,3 3,2 0,2 0 0,5 1,1 1 Total de Indústria 24,9 23,1 31,4 22 31,3 24,8 27,8 3,8 20,1 21 28,7 32,9 26,7 22,6 23,5 27,6 28,3 Total de Serviços 73,1 73,4 66,1 61,7 62,5 70,7 65,8 63,4 77,9 76,1 65,6 54,2 68 74,8 75,2 68,3 66,4 Sociais Habitações Privadas com Assalariados Fonte: Eurostat, Employment in Europe, 2004 A partir do quadro anterior também confirmamos o menor investimento em factores decisivos para a inovação e a transição para a economia do conhecimento. Este atraso estrutural, de que iremos dar conta a propósito da formação contínua e que também se manifesta na resistência à adopção de formas modernas de organização do trabalho, tornando-o mais compatível com a vida familiar, mais enriquecido do ponto de vista das tarefas, mais democrático do ponto de vista das relações humanas e mais eficiente no que respeita à orientação para objectivos e à participação dos trabalhadores nos processos de decisão e de modernização, explica-se pela infra-qualificação dos empresários – que são globalmente menos escolarizados que os trabalhadores por conta de outrem – e pela reduzida dimensão das empresas. Existiam em Portugal, para além dos números exagerados de trabalhadores por conta própria, questão que iremos desenvolver a seguir, cerca de 284.006 empresas registadas pelos Quadros de Pessoal em 2001, das quais 82,7% com dimensão inferior a 10 pessoas e 92,3% inferior a 20 pessoas. A prática ausência das matérias relativas à qualidade do trabalho e à “flexibilização e segurança” na relação salarial na rarefeita contratação colectiva é um indicador inequívoco das dificuldades de transição de um 30 modelo assente nos baixos salários para um outro assente na inovação empresarial e das organizações em geral. No plano das políticas, este problema encontra-se espelhado no modo como nas versões mais recentes do Plano Nacional de Emprego desapareceram as referências a objectivos relativos à reconversão sectorial e à actuação preventiva, por um lado apoiando a modernização das empresas não apenas no domínio tecnológico mas também nas áreas da organização do trabalho e da qualificação dos recursos humanos e por outro lado construindo programas de apoio à transição de trabalhadores em sectores em risco para outros, como o dos serviços pessoais e domésticos ou o do ambiente, com potencial de crescimento elevado. 4.3 A segmentação do mercado de trabalho Outra dimensão de abordagem fundamental no contexto dos indicadores de emprego é a segmentação do mercado de trabalho, aqui analisada na forma como este se distribui por diferentes regimes contratuais (ver Quadro 6). Tomando como referência dados relativos aos trabalhadores por conta de outrem identificados no terceiro trimestre de 2004, verificamos que estes abrangem 3.784 milhões de pessoas, contra os 1.239 milhões de trabalhadores por conta própria, o que em termos de peso na população com emprego representa respectivamente 73,8% e 24,2%. Estes valores representam um ligeiro aumento nos trabalhadores por conta de outrem em relação ao mesmo período do ano anterior (3.753 milhões/73,2%) e uma ligeira diminuição nos trabalhadores por conta própria no mesmo período (1.275 milhões/24,9%). Na primeira categoria, e no que se refere à duração/tipo de contratos (ver Quadro 7), verificamos que a quase totalidade tem contratos sem termo (3.034 milhões/80,2%), contra 15,1% com contratos com termo (569 mil), e um número mais residual (178 mil/4,7%) com “outro tipo de contrato”. Os dados apontam assim para uma manutenção dos regimes de contrato de longa duração, o que vem dificultar a mobilidade externa dos trabalhadores. Por outro lado, os contratos não permanentes apresentam um peso excessivo, quando comparamos com os dados europeus, que ao nível dos 15 se situavam nos 9,7% em 2002, período em que Portugal atingiu o seu valor máximos de 21,7%. Face a estes valores, uma fatia significativa em termos 31 comparativos por trabalhadores por conta de outrem em Portugal tem uma condição de maior instabilidade em relação ao seu vínculo e carreira profissional. Quadro 6 - Regimes Contratuais de Trabalho Regimes Contratuais de Trabalho 3º Trimestre 2003 % 3º Trimestre 2004 % Trabalhadores por conta de outrem 3,753 73,20% 3,784 73,80% Trabalhadores por conta própria 1,275 24,90% 1,239 24,20% 102 1,90% 102 2% Outros Fonte: INE, Inquérito ao Emprego (valores em milhares). Quadro 7 - Vínculos Contratuais nos Trabalhadores por Conta de Outrem Vínculos Contratuais nos Trabalhadores por Conta de Outrem TCO 3º Trimestre 2003 % 3º Trimestre 2004 % Contrato Sem Termo 2,982 79,50% 3,034 80,20% Contrato Com Termo 582 15,50% 572 15,10% Outros 189 5% 178 4,70% Fonte: INE, Inquérito ao Emprego (valores em milhares). Outro dado importante é o peso muito reduzido que o trabalho a tempo parcial tem em Portugal (ver Quadro 9), representando em 2003 apenas 11,7% da totalidade do trabalho. Este valor tem vindo a sofrer um aumento percentual ao longo dos últimos anos, uma vez que em 2001 se cifrava nos 11%. Os aumentos mais significativos ocorreram entre 1992 e 1997, em que se passou de um cenário na ordem dos 7,2% para outro situado nos 10,8%. No entanto, e comparativamente com o resto da Europa (ver Quadro 8), Portugal apresenta índices baixos, com menos 3,9% em relação à UE25 e menos 6,9 % em relação à UE15. Em relação a este último grupo, apenas a Grécia e a Itália apresentam índices mais baixos, respectivamente 4,3% e 8,5%. 32 Quadro 8 - Taxa de Emprego em Part-Time na União Europeia em 2003 Taxa de Emprego em Part-Time na UE em 2003 UE - 25 15,6% França 16,5% Áustria 20,2% UE - 15 18,6% Irlanda 16,8% Polónia 10,5% Portugal 11,7% Itália 8,5% Eslovénia 6,2% Bélgica 20,5% Chipre n.d. Eslováquia 2,4% República Checa 5,0% Letónia 11,3% Finlândia 13,0% Dinamarca 21,3% Lituânia 9,6% Suécia 22,9% Alemanha 22,4% Luxemburgo 10,3% Reino Unido 25,2% Estónia 8,5% Hungria 4,4% Bulgária 2,3% Grécia 4,3% Malta 8,3% Roménia 11,5% Espanha 15,3% Holanda 45,0% Turquia 20,3% Fonte: Employment in Europe 2004, Eurostat. Nota: Os dados referentes ao Luxemburgo, Malta e Turquia datam de 2002, e os dados referentes à Letónia datam de 2000. Quadro 9 - Taxa de Emprego em Part-Time em Portugal (1992-2003) Taxa de Emprego em Part-Time 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 Portugal 7,2% 7,5% 8,1% 8,1% 9,4% 10,8% 11,0% 11,0% 11,0% 11,0% 11,2% 11,7% Fonte: Employment in Europe 2004, Eurostat. 4.4 Disparidades na Distribuição do Rendimento Associada à segmentação do mercado de trabalho, Portugal caracteriza-se pelas disparidades na distribuição dos rendimentos, com diferenças acentuadas entre os que obtêm salários mais elevados e os que obtêm salários mais baixos, o que coloca questões preocupantes ao nível da exclusão social dos grupos mais desfavorecidos. Tomando como referência a evolução do salário mensal dos trabalhadores por conta de outrem (ver Gráfico 8), entre os anos de 1995 e 200012, identificamos um crescimento positivo dos vários níveis salariais, com particular ênfase no ganho salarial médio, que passa de 584€ em 1995 para 729€ em 2000. 12 Fonte: Medidas de Pobreza e Exclusão Social, INE – Inquérito aos Orçamentos Familiares 2000 33 Gráfico 8 - Evolução da Massa Salarial no Mercado de Trabalho Português (1995-2000) 800 ! Ganho salarial médio Massa salarial (!) 700 ! Ganho salarial mediano 600 ! 500 ! Remuneração base média 400 ! Salário Mínimo Nacional (SMN) 300 ! Limiar de baixo salário: 2/3 do ganho salarial mediano 200 ! 100 ! 0! 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Fonte: MSSFC/DGEEP, Quadros de Pessoal (1995 – 2000). Da mesma forma, o ganho salarial mediano acompanha esta tendência, passando de valores ligeiramente abaixo dos 500€ mensais em 1995 para valores um pouco superiores aos 600€ mensais, o que comparativamente com o ganho salarial médio indicia uma acentuada desigualdade na distribuição dos rendimentos, o que iremos confirmar ao analisarmos a distribuição dos ganhos salariais. No que se refere ao salário mínimo nacional assistimos igualmente a uma tendência de crescimento, ainda que marcado por aumentos mais ligeiros, cifrando-se em 2000 nos 318€. Contudo, este valor apresenta-se como baixo quando o comparamos com a tendência de evolução do limiar de baixo salário (correspondente a 2/3 do ganho salarial mediano), que em 2000 corresponde a 351€, apresentando valores sempre superiores ao salário mínimo, o que indicia dificuldades de sustentabilidade da população cujos rendimentos se baseiam primeiramente nesta fonte salarial. Convém também referir que esta diferença pode justificar-se pelo facto dos dados referentes ao último valor apresentado, ao contrário do salário mínimo nacional, incluírem outros tipos de rendimentos complementares ao salário base, o que ainda assim não anula os argumentos anteriormente apresentados. As desigualdades salariais que indicamos em cima podem ser verificadas, para o mesmo período, através da análise do indicador da distribuição do ganho salarial médio dos trabalhadores por conta de outrem (ver Quadro 10)13. 13 Fonte: Medidas de Pobreza e Exclusão Social, MSSFC/DGEEP, Quadros de Pessoal (1995-2000). 34 Quadro 10 - Distribuição do Ganho Salarial Médio dos Trabalhadores por Conta de Outrem por Decis (1995-2000) 1º decil 2º decil 3º decil 4º decil 5º decil 6º decil 7º decil 8º decil 9º decil 10º decil 1995 4,3% 4,9% 5,5% 6,1% 6,8% 7,7% 9,0% 11,2% 15,2% 29,3% 1996 4,3% 4,9% 5,5% 6,1% 6,8% 7,7% 8,9% 11,1% 15,1% 29,7% 1997 4,3% 4,9% 5,5% 6,1% 6,8% 7,6% 8,9% 11,1% 15,2% 29,4% 1998 4,3% 4,9% 5,5% 6,1% 6,8% 7,6% 8,9% 11,2% 15,3% 29,3% 1999 4,4% 5,0% 5,5% 6,1% 6,8% 7,6% 8,9% 11,1% 15,1% 29,4% 2000 4,4% 5,1% 5,6% 6,2% 6,9% 7,7% 9,0% 11,1% 15,0% 29,1% Fonte: MSSFC/DGEEP, Quadros de Pessoal (1995 – 2000). A partir dos dados recolhidos, e numa leitura mais abrangente, verificamos que se os ganhos salariais médios tenderam para um crescimento nos 5 anos em análise, isso não correspondeu a um maior equilíbrio na distribuição destes ganhos, na medida em que o peso diferencial entre os vários níveis salariais se manteve constante. Ao observarmos os dados de 2000, referentes aos salários mais elevados (10º decil), constatamos que nesta categoria se concentram 29,1% da totalidade dos ganhos, o que corresponde aproximadamente ao conjunto acumulado dos ganhos salariais de 50% dos trabalhadores pior remunerados (do 1º ao 5º decil). De facto, somando as categorias de salários mais elevados (9º e 10º decil), verificamos que estas concentram 4,1% dos ganhos. No que se refere aos trabalhadores pior remunerados (1º e 2º decil), estes apenas recolhem 9,5% dos ganhos totais. Quadro 11 - Distribuição da Massa Salarial nos Trabalhadores por Conta de Outrem por Decis (1995-2000) Relação inter-decis (share) 9º decil/5º decil 9º decil/1º decil 5º decil/1º decil Índices de desigualdade Índice de Gini Índice de Atkinson ! = 0,25 Índice de Atkinson ! = 0,5 Índice de Atkinson ! = 1,0 Índice de Atkinson ! = 1,5 Índice de Atkinson ! = 2,0 Índice de Theil " = 0 Índice de Theil " = 1 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2,23 3,58 1,61 2,23 3,53 1,59 2,23 3,50 1,57 2,24 3,52 1,57 2,22 3,44 1,55 2,19 3,40 1,55 34,4 0,05385 0,09974 0,17297 0,22805 0,27057 0,18992 0,23340 34,7 0,05500 0,10156 0,17519 0,22999 0,27195 0,19260 0,23922 34,4 0,05396 0,09973 0,17229 0,22639 0,26781 0,18909 0,23449 34,3 0,05340 0,09890 0,17141 0,22566 0,26721 0,18803 0,23148 34,2 0,05362 0,09896 0,17071 0,22413 0,26493 0,18719 0,23364 33,8 0,05215 0,09644 0,16681 0,21943 0,25978 0,18249 0,22661 Fonte: MSSFC/DGEEP, Quadros de Pessoal (1995 – 2000). 35 Especificando a análise da desigualdade a partir da relação inter-decis (ver Quadro 11), podemos constatar que esta tem vindo a diminuir entre os valores médios e elevados (5º e 9º decil) em relação aos valores mais baixos (1º decil). Por outro lado, a relação entre os valores médios e os valores elevados tem-se mantido mais ou menos constante, ainda que com uma ligeira diminuição, variando de um share mais elevado em 1998 (2,24) para um share mais baixo em 2000 (2,19). Estes dados quando analisados por referência aos resultados médios da União Europeia14 demonstram que as disparidades em relação a esta afectam principalmente as pessoas com rendimentos baixos e relativamente baixos, que correspondem respectivamente a 15,5% e 18,8% dos rendimentos médios europeus para o mesmo grupo de referência para a UE. Este valor vai contrastar com os rendimentos elevados, que em relação ao mesmo grupo de rendimento, se situam nos 47,3%. Neste sentido, as desigualdades na distribuição dos rendimentos que se verifica em Portugal vai afectar fundamentalmente os grupos mais desfavorecidos, colocando-os num cenário de dupla periferia, a nível nacional e a nível europeu. A disparidade identificada deve ser interpretada relacionalmente com os níveis educacionais da população empregada e sua distribuição pela estrutura de emprego, tanto a um nível estrutural como estruturante. Os défices de qualificação dos trabalhadores portugueses face ao contexto europeu geram uma maior susceptibilidade ao desemprego e dificuldades competitivas na obtenção de um novo emprego, devido às dificuldades apresentadas pelos trabalhadores pouco qualificados de flexibilização e de adaptação a novas lógicas de trabalho. Este processo deve ser lido em associação com os processos de mutação da economia europeia, numa óptica de inovação e reconversão da estrutura de investimento, que tenderá a reduzir o peso das indústrias de trabalho intensivo. Neste sentido, a aposta que se verificou em Portugal nestas indústrias, potencializada pela mão-de-obra desqualificada, e portanto menos dispendiosa, encontra-se actualmente num cenário de crise e com um futuro limitado, face à entrada no mercado mundial de potências como a China ou a Rússia, bem como a Índia, Turquia e Indonésia, que 14 Fonte: Comissão Europeia (2001), As Políticas Sociais e de Emprego na UE, 1999-2001: Trabalho, Coesão, Produtividade. 36 revelam níveis de produtividade bastante mais elevados e custos de produção bastante mais baixos. 4.5 Desemprego e Produtividade Justifica-se, então, uma análise ao conjunto dos indicadores de desemprego, procurando aferir em que medida o cenário actual indicia ou propicia estes cenários delineados. Quadro 12 - Taxa de Desemprego em Portugal, 1998-2004 Taxa de Desemprego em Portugal, 1998-2004 (15 e + anos) 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 (1º Sem.) Total 4,9 4,4 3,9 4 5 6,3 6,4 Homens 3,9 3,9 3,1 3,2 4,1 5,5 5,5 Mulheres 6,2 5 4,9 5 6 7,2 7,3 Fonte: INE, Inquérito ao Emprego. Observando a taxa de desemprego geral, verificamos que esta tem vindo a aumentar nos últimos anos, cifrando-se no primeiro semestre de 2004 nos 6,4%. Após um valor mínimo recorde em 2000 nos 3,9%, esta tem vindo a aumentar passando para os 4% em 2001, que apenas foi um ligeiro indício do que viria a acontecer nos dois anos seguintes, com valores respectivos de 5% e 6,3% (ver Quadro 12). Focando-nos nos dados mais recentes, verificamos que este índice afecta desigualmente os dois sexos, privilegiando as mulheres, com uma taxa de 7,3% no primeiro semestre de 2004, contra 5,5% nos homens. Quadro 13 - Taxa de Desemprego de Longa Duração em Portugal Taxa de Desemprego de Longa Duração em Portugal (15 e + anos) 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 (1º Sem.) Total 2,3 1,8 1,7 1,6 1,9 2,4 2,9 Homens 1,8 1,5 1,4 1,3 1,5 1,9 2,4 Mulheres 2,9 2,2 2,1 2 2,3 2,9 3,4 Fonte: INE, Inquérito ao Emprego. Nota: Total da população em situação de desemprego de lonha de duração (12 ou mais meses), expresso em percentagem total da população activa. A observação deste indicador não pode ser dissociada da análise da taxa de desemprego de longa duração, que se refere à população desempregada que se encontra nessa situação durante 12 ou mais meses. Neste particular, os valores de 2004 apontam 37 para uma taxa total de 2,9%, distribuída por 2,4% nos homens e 3,4% nas mulheres (ver Quadro 13). Tal como no desemprego geral, aqui também identificamos uma tendência negativa de crescimento desta taxa nos últimos anos, que atingiu os seus valores mais baixos em 2001 afectando 1,6% da população total. Se este indicador se refere a uma pequena fatia da população activa, a sua relevância não deve ser descurada na medida em que é esta a população mais afectada pelo desemprego e que se encontra em situações mais extremas de ruptura e de exclusão. Os dados têm apontado no sentido de que quanto maior é o período de desemprego, maiores dificuldades os indivíduos nessa situação têm de conseguir reintegrar-se no mercado de trabalho. Situam-se entre este segmento da população activa aqueles cujas qualificações e competências profissionais são mais escassas, o que não será alheio aos processos de reestruturação da actividade económica e industrial indevidamente acompanhados de programas de formação profissional. A outro nível, as pessoas que se encontram em situação de invalidez ou deficiência constituem um grupo de risco em relação ao desemprego de longa duração. Os dados de desemprego de longa duração apresentam-se ainda como mais preocupantes quando os relacionamos com os dados de desemprego total, averiguando o peso do primeiro no segundo, e verificamos que em relação ao primeiro semestre de 2004, o DLD pesava 45,1% no total de desemprego, valor que constitui um aumento expressivo em relação a 2003, período em que representou 37,8%. Ainda no âmbito deste indicador será pertinente observar os dados propostos pelo IEFP, referentes ao desemprego registado, em que os índices apontam para um valor de 20,4% de desemprego superior a 12 meses e inferior a 24 meses, e mais preocupante, um valor de 18,9% para pessoas em situação de desemprego há pelo menos dois anos. Estes valores enfatizam assim o cenário preocupante que constitui o peso do desemprego de longa duração no total de desempregados, sendo sugerido pelo IEFP estar na ordem dos 39,3% em 2003, o que mantém uma variação aproximada com os anos imediatamente anteriores, com 36% em 2002 e 39,7% em 2001. Outro dado particularmente relevante é a análise das taxas de desemprego jovem (definida estatisticamente entre os 15 e os 24 anos). A análise deste indicador permitenos observar se o mercado de trabalho demonstra capacidades de integração da 38 população jovem no seu sistema, bem como verificar em que medida é que a renovação de gerações se tem demonstrado efectiva. Referindo-nos aos dados do INE, a população jovem apresenta índices de 14,7% de desemprego no final do primeiro semestre de 2004, que já significa um ligeiro aumento em relação a 2003, em que os valores se situavam nos 14,5%, e um aumento mais acentuado em relação a 2002 (11,5%) e a 1998 (10,3%). Neste sentido, podemos questionar os modelos existentes de integração desta população no mercado de trabalho e os riscos associados de exclusão social logo nos primeiros anos de vida activa. Os indicadores do desemprego não possuem uma distribuição uniforme no território nacional. Recorrendo novamente aos dados do IEFP, podemos aperceber-nos da distribuição do desemprego registado por região no continente. Em 2003 a região Norte contribuiu com cerca de 42,4% para o desemprego no país, logo seguida de região de Lisboa e Vale do Tejo, com valores na ordem dos 34,7%. Com valores mais baixos encontramos a região do Algarve (3,5%) e a do Alentejo (5,4%). Contudo estes dados apontam apenas a distribuição no conjunto do desemprego, não medindo o peso que este tem no conjunto da população activa de cada região. Apesar disso, os dados mostram-se reveladores de alguns fenómenos identificados, particularmente em relação à região Norte do país. Esta região concentra grande parte da malha de indústria intensiva em Portugal, que face às suas maiores fragilidades de competitividade no mercado aberto da União Europeia e às dificuldades que encontra e se coloca na reestruturação dos seus processos e estruturas produtivas (que vão implicar menor competitividade), são colocadas em situações de debilidade financeira e de impossibilidade de sustentabilidade. No que se refere à distribuição do desemprego por nível de instrução (ver Quadro 14), seguindo os dados mensais do IEFP para Dezembro de 2004, verificamos que a grande maioria de desempregados inscritos tem apenas o 1º ciclo do ensino básico (156.7 milhares), assinalando-se uma tendência decrescente consoante vai aumentando o nível de instrução das pessoas, com 35.2 milhares com o ensino superior. Os valores referentes a esta última categoria contrastam de forma assinalável com o das restantes categorias, já que mesmo entre as pessoas com o ensino secundário assistimos a valores de desemprego de mais de o dobro, com 74.5 milhares. Quando olhamos não para a contribuição de cada nível de qualificações para o desemprego total, mas sim para as taxas de desemprego, verificamos que em 2004 (segundo trimestre), segundo o Inquérito ao Emprego, essa taxa é menor entre os possuidores de qualificações escolares 39 até ao 3º ciclo do ensino básico (6,2%) do que entre os possuidores do ensino secundário completo e ensino superior (7,0%). Quadro 14 - Desemprego Registado em Portugal por Nível de Escolaridade Desemprego Registado em Portugal por Nível de Escolaridade (em milhares) 2003 (Dezembro) 2004 (Dezembro) Nenhum nível de instrução 27,1 26,5 Básico - 1º ciclo 148,3 156,7 Básico - 2º ciclo 92,6 98,6 Básico - 3º ciclo 72,2 77,4 Secundário 72,6 74,5 Superior 39,8 35,2 Fonte: IEFP, Estatísticas Mensais. A educação revela-se, como fomos podendo observar, uma variável central quer do ponto de vista da afectação dos indicadores de distribuição de rendimentos, quer da qualidade da participação no mercado de trabalho e da vulnerabilidade ao desemprego. Vejamos, pois, como se comporta esse domínio estratégico da integração e desenvolvimento social no nosso país. A degradação do contexto sócio-económico fez-se sentir também de forma particular no mercado de emprego. Em 2001 e em 2002, apesar do desemprego ter começado a crescer, a produtividade só aumentou 0,2% em cada ano. Em 2003 teve mesmo um crescimento negativo de -0,4%. No primeiro trimestre de 2004 o crescimento da produtividade voltou a ser positivo mas apenas 0,1%. Todos os analistas consideram estes valores reveladores de um modelo económico cujas vantagens comparativas – baseadas no baixo custo de trabalho pouco qualificado – se esgotaram. Por fim, em resultado das dinâmicas do próprio mercado de emprego e também de outros factores de ordem social e cultural, um conjunto de categorias sociais são excluídas do mercado de emprego, não se revelando sequer nas estatísticas por estarem à margem dos requisitos mínimos para aceder à actividade profissional. O peso do desemprego de longa duração no desemprego total traduz em parte esta situação, mas está longe de dar conta em toda a extensão e em toda a complexidade dos problemas do desemprego desencorajado ou da ausência de condições mínimas de empregabilidade, a que frequentemente se junta a discriminação, de que algumas categorias são vítimas. As famílias monoparentais femininas encontram-se entre essas categorias, quase sempre quando as mães não possuem qualificações elevadas, não podendo por isso aceder a profissões que remunerem o suficiente para assegurar a guarda das crianças, o 40 que explica a elevada prevalência de exclusão do mercado de emprego. Em 2001 tais famílias representavam 11,5% do total, sendo entre elas a taxa de pobreza de 37% e a taxa de inactividade de 26,9%. As populações migrantes constituem outra categoria desfavorecida, por se integrarem nos sectores mais desprotegidos, mal remunerados e instáveis do mercado de emprego. Possuindo disposições positivas face ao trabalho, e em certos casos – como no dos migrantes de leste – qualificações superiores às que são empregadas, concentram-se nas profissões operárias, em particular na construção civil, na hotelaria e turismo e nos serviços pessoais e domésticos (no caso das mulheres). Estes trabalhadores são vítimas de discriminação nas remunerações, do trabalho clandestino e sujeitos a grande precariedade nas relações laborais. Assim, a pobreza, a intermitência entre emprego e desemprego e a sujeição a condições de trabalho sem direitos nem condições de dignidade, caracterizam a relação de grande parte dos imigrantes com o mercado de emprego. Os números envolvidos estão em crescimento, assumindo o Plano Nacional de Emprego de 2003 que eles podem representar já 5% dos residentes e 9% dos activos em Portugal. As pessoas com deficiência são outro dos grupos em particular situação de desfavorecimento. É certo que o sistema de reabilitação, com o apoio dos Fundos Estruturais e em particular do FSE (Capucha et al, 2004) tem obtido alguns resultados, nomeadamente fazendo com que mais de 70% destas pessoas encontre empregos com qualidade compatível após a formação recebida. Mas também é certo que o desemprego atinge entre os que foram sujeitos de intervenção reabilitadora, níveis próximos dos 20% e que a taxa de actividade neste grupo é de apenas 29% (INE, 2001). Poderemos ainda acrescentar os ex-toxicodependentes, as pessoas sem abrigo, os jovens em risco ou os ex-reclusos às categorias particularmente atingidas pela exclusão profissional em Portugal a qual, como vimos, se combina com a elevada proporção do desemprego de longa duração, os baixos níveis de qualificação e a baixa qualidade média do trabalho, para conferir grande complexidade à análise dos indicadores quantitativos do mercado de emprego, principalmente se tivermos em foco os desafios colocados pelo objectivo da transição para a sociedade da informação. Podemos então concluir que a trajectória de aproximação aos referenciais de maior qualidade do modelo social europeu que se vinha afirmando, com ligeiras oscilações, desde a Revolução de Abril, foi invertida em virtude de uma abordagem 41 neo-liberal às políticas financeiras, económicas e sociais, a partir de 2002. Os progressos que tinham sido alcançados em anos mais recentes – e alguns também em anos mais recuados – nos melhores casos ficaram em suspenso,15 sem que nenhum dos resultados com que o neo-liberalismo se justifica ideologicamente, como o acréscimo da competitividade da economia, se tenha verificado. A nova viragem política verificada nas eleições do ano de 2005 traduz, de certo modo, o descontentamento da maioria da população com a referida trajectória e com as suas consequências. Tal é coerente com a ideia de que os portugueses, como os restantes europeus, não apenas não prescindem dos patamares de qualidade nas políticas sociais e de emprego que alcançaram, como exigem o aprofundamento dessas políticas no sentido de uma melhor política social. Não é, assim, o modelo social europeu que está em crise do ponto de vista dos cidadãos. De acordo com a vaga de 1999/2000 do Eurobarómetro, há uma forte percepção da existência das desigualdades e uma forte adesão ao valor do Estado-Providência.16 A questão que se coloca, portanto, actualmente, na óptica das políticas de emprego e de desenvolvimento social, é a da imaginação política e da negociação de interesses com vista à combinação de estímulos ao crescimento e modernização da economia, com a qualificação do trabalho, a manutenção de valores elevados de emprego e o desenvolvimento de políticas activas de protecção social e combate à pobreza que recoloquem o país numa trajectória de convergência com a Europa quanto aos níveis de coesão e qualidade da sociedade. 15 Tal é o caso do Plano Nacional de Emprego e do Plano Nacional de Acção para a Inclusão, que apesar dos compromissos com metas europeias que envolvem, estiveram sem execução em todos os domínios que implicavam novas iniciativas e que recuaram noutros domínios cobertos por iniciativas antigas entretanto descapitalizadas. 16 A percepção dos níveis de pobreza e da sua natureza herdada, isto é, transmitida de geração em geração, é também muito elevada. 42 5 Educação e aprendizagem ao longo da vida Um dos eixos estruturantes na compreensão dos processos de inclusão/exclusão social é tradicionalmente o da escolarização e qualificação – em sentido lato e não apenas profissional – dos cidadãos. Por esta razão o sistema de educação e formação deve desempenhar, em primeiro lugar, um papel chave na prevenção destes processos, na perspectiva de que uma população mais e melhor escolarizada corre menos riscos de exclusão social, com particular destaque neste âmbito para a importância estratégica da educação e formação das novas gerações (e do sucesso dessa educação) como instrumento vital no rompimento do círculo vicioso da exclusão. Em segundo lugar recai também sobre o sistema de educação e formação uma grande responsabilidade no desenvolvimento de estratégias de intervenção precoce e reparadoras que permitam contribuir para romper as "amarras" da exclusão e da pobreza. Na realidade, pela via do desenvolvimento de competências pessoais e sócioprofissionais é possível dar aos cidadãos em risco de exclusão (intervenção precoce) ou que já estão nessa situação (intervenção reparadora) uma nova oportunidade de integração de pleno direito na vida económica e social do espaço onde residem. Nas actuais circunstâncias, a centralidade da educação e qualificação no combate à exclusão é acrescida devido ao reconhecimento unânime de que, num contexto de uma sociedade globalizada, em permanente e veloz transformação tecnológica, social e cultural, o conhecimento e a informação constituem a "matériaprima" fundamental para o desenvolvimento. É neste quadro que emergiu ao longo dos últimos anos a necessidade de sustentação de uma sociedade que estimule, valorize e reconheça cada vez mais os processos de aprendizagem ao longo da vida, que possibilite a todos os cidadãos acompanhar de forma proactiva a evolução das nossas sociedades. Neste relatório iremos centrar a atenção na delimitação de um diagnóstico síntese da situação actual desta área em Portugal, na perspectiva das grandes tendências de inclusão ou exclusão social que a sociedade portuguesa tem sido capaz de empreender no plano da educação-formação e da sociedade da informação. 43 5.1 As dinâmicas de inclusão/exclusão no sistema de educação e formação em Portugal O desenvolvimento progressivo no nosso país do paradigma da aprendizagem ao longo da vida encontra-se, globalmente, marcado por dois grandes tipos de questões que se colocam na perspectiva das políticas públicas de promoção da inclusão social, uma vez que ambos são uma fonte preocupante de reprodução de desigualdades e de situações de pobreza e exclusão social: i) o abandono escolar precoce do sistema de educação e formação por parte de importantes fatias da nossa população; ii) o acesso a oportunidades de educação e formação ao longo da vida para a população em idade adulta. É precisamente em torno destes dois problemas que organizámos este diagnóstico, uma vez que previsivelmente estes continuarão a ser nucleares na agenda política para o período subsequente, mesmo admitindo-se que se continuarão a registar progressos na resposta pública e da sociedade civil aos mesmos, que se traduzirão por sua vez numa melhoria dos indicadores neste domínio, sobretudo naqueles onde estamos pior posicionados no plano europeu e internacional. 5.1.1 A massificação do acesso à educação e à formação inicial e a (re)produção da exclusão Portugal registou após o 25 de Abril uma forte expansão do sistema educativo e de formação que se traduziu sobretudo num esforço continuado de massificação e alargamento dos anos de escolarização das novas gerações, visível quer nas respectivas taxas, quer consequentemente na melhoria progressiva dos níveis de escolaridade e, de forma mais lenta e com maiores dificuldades, dos níveis de formação profissional. Esse investimento incidiu sobretudo num esforço nacional de um efectivo cumprimento da escolaridade básica obrigatória que, recorde-se, foi alargada para 9 anos já em meados da década de 80, mas também foi visível quer no progressivo aumento dos níveis de escolarização no nível secundário e, em particular, no superior, onde se assistiu a uma verdadeira "explosão" no número de alunos e diplomados. Na perspectiva do acesso generalizado da população jovem à educação, Portugal foi, assim, assegurando global e progressivamente essa obrigação Constitucional, embora, como iremos a seguir constatar, nem sempre com os resultados desejados, designadamente em termos qualitativos. Ou seja, ao nível sobretudo do acesso de todos 44 à actual escolaridade obrigatória, Portugal tem vindo a concretizar cada vez mais esse objectivo, embora mantendo níveis de insucesso escolar, de resultados em termos de aprendizagem e de abandono escolar que nos colocam numa posição muito desfavorável, sendo que são sobretudo as crianças e jovens provenientes de meios desfavorecidos que tendem a engrossar os números mais negativos. Uma área que hoje é reconhecida como de grande importância para o sucesso educativo das crianças, em particular como forma de prevenção de fenómenos de exclusão escolar, mas onde Portugal ainda não atingiu os níveis de participação desejáveis face à maioria dos países da UE, apesar dos progressos registados na última década, prende-se com a participação generalizada das nossas crianças no chamado préescolar. Efectivamente, se tomarmos como exemplo a participação da população com 4 anos nesse nível de ensino, verificamos que o nosso país permanece ainda numa posição abaixo da média da UE, a 25 e a 15. Gráfico 9 – Evolução da taxa de participação da população com 4 anos no préescolar, entre 1995 e 2002 100 80 60 % 40 20 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Fonte: EUROSTAT, Indicadores da Educação, Metadata. 45 Polónia Finlândia Irlanda Lituania Grécia Chipre Letónia Eslováquia Eslovénia Suécia PORTUGAL Austria Estónia UE (25) Rep. Checa Alemanha Hungria Dinamarca Malta UE (15) Luxemb. Holanda Reino Unido Bélgica Espanha Itália França 0 O processo de evolução do sistema de educação e formação inicial reflectiu também a lógica dominante de organização do sistema educativo português nas últimas décadas, que se orientou essencialmente para o prosseguimento de estudos até ao ensino superior e para o que também contribuiu decisivamente uma aposta das próprias famílias na chegada dos seus filhos a esse nível de ensino, enquanto factor de promoção social e económica. Contudo, com esta evolução foram durante vários anos negligenciadas as vias de educação e formação intermédias, em particular aquelas mais vocacionadas para uma inserção profissional mais imediata por parte dos jovens, consideradas nos momentos imediatamente após a revolução como vias de "segunda oportunidade ou escolha", que reproduziam as desigualdades no modo como "ricos" e "pobres" acediam à educação em Portugal (os primeiros às vias que conduziam à universidade, os segundos às que ambicionavam em princípio chegar apenas a uma formação para o trabalho e de "banda estreita"). Este facto, a que se junta o igualmente importante nível baixo do perfil da procura de qualificações por parte do sistema de emprego, reflecte-se ainda hoje no peso que as vias profissionalizantes têm no total de estudantes do ensino secundário, que não atingia em 2002 os 30%, muito inferior à média comunitária, reflectindo assim um sistema de formação inicial pós-escolaridade obrigatória fortemente dependente da via orientada para o prosseguimento de estudos. Para além do mais, a evolução ao longo dos últimos anos neste indicador permite verificar um tímido crescimento na proporção de estudantes que se integraram nas diversas vias profissionalizantes, ao que não é alheio o facto de em regra essa formação ser mais exigente do ponto de vista da intensidade e diversidade de recursos a mobilizar, estando grande parte dos meios humanos (sobretudo ao nível dos professores) e físicos do sistema efectivamente vocacionados para uma formação de natureza mais académica e menos prática. Esta fraca diversificação efectiva das vias de ensino secundário contribuirá também para os nossos elevados níveis de abandono escolar precoce, que iremos a seguir referir, uma vez que em termos de modalidades potenciais de realização do ensino secundário, com uma componente profissionalizante reconhecida, existem efectivamente hoje várias modalidades e, porventura, até em excesso – cursos tecnológicos, cursos das escolas profissionais, cursos de aprendizagem e cursos de educação e formação, só para referir as modalidades de carácter mais transversal e/ou 46 com maior peso. Pressupõe-se que a existência de diferentes modalidades, com características curriculares diferenciadas e mais orientadas para uma componente prática articulada com a vida activa, permite encontrar soluções formativas mais adequadas às características e problemas particulares de uma população estudantil mais diversificada do que no passado, fruto da massificação do acesso à educação. Gráfico 10 – Evolução da percentagem de estudantes do ensino secundário que estão a frequentar vias profissionalizantes 90 80 70 60 50 % 40 30 20 10 1998 1999 2000 2001 2002 Fonte: EUROSTAT, Inquérito às forças de trabalho. Efectivamente, a generalidade dos estudos sobre os sistemas de educação e formação profissional inicial provam que uma diversificação de qualidade das vias pósescolaridade básica e, em particular, a existência de vias profissionalizantes prestigiadas que, para além de também permitirem o prosseguimento de estudos, asseguram uma formação para o emprego, contribuem para uma maior capacidade de integração de um leque mais diversificado de jovens e, desse modo, não tendem a excluir tão precocemente alguns deles. Em Portugal essas vias são, porém, ainda muitas vezes 47 Hungria Chipre Itália Lituania PORTUGAL Estónia Malta Espanha Letónia Grécia Suécia Dinamarca França Finlândia Polónia Alemanha Luxemb. Holanda Bélgica Eslovénia Reino Unido Austria Eslováquia Rép. Checa 0 encaradas como sendo de "segunda escolha", talhadas para aqueles que não têm sucesso na via geral ou que já vêm com um percurso problemático no ensino básico, correndo por isso o risco de funcionar como uma espécie de "escola marginal" para onde são enviados os jovens "em risco" de abandono desqualificado, o que em boa medida é evitado pelo facto destas permitirem progredir no nível de escolaridade e, dessa maneira, possibilitar também o prosseguimento de estudos no nível de ensino seguinte (geralmente o superior). No quadro deste aumento progressivo dos anos de escolarização, embora com uma capacidade ainda insuficiente de diversificação e abertura do sistema aos diversos públicos com que se tem de confrontar, Portugal surge como um dos "recordistas" no contexto da UE relativamente ao abandono escolar precoce, tendo como indicador a população entre os 18 e os 24 anos que já não se encontra a estudar e que tem um nível de ensino que não ultrapassa o ensino básico. Continua, na verdade, a constatar-se que cerca de 40% dos nossos jovens (auto)excluem-se do sistema de educação e formação de modo muito precoce face às necessidades do país e da sua economia, saindo para o mercado de trabalho sem qualquer qualificação profissional e com um nível de escolaridade muito inferior ao desejável para a sua sustentabilidade futura, nomeadamente em termos de quantidade e qualidade do emprego e, consequentemente, dos respectivos rendimentos que auferem. Gráfico 11 – Evolução da percentagem da população dos 18-24 anos que não está em educação ou formação e que tem no máximo o ensino básico, entre 2000 e 2004 60 50 40 % 30 20 10 2000 2001 2002 2003 2004 Fonte: EUROSTAT, Inquérito às forças de trabalho. 48 Eslovénia Eslováquia Rep. Checa Polónia Finlândia Suécia Austria Dinamarca Estónia Hungria Lituania Irlanda Alemanha Bélgica França Holanda Chipre Grécia UE (25) Reino Unido Luxemb. UE (15) Letónia Itália Espanha PORTUGAL Malta 0 De notar que a evolução registada ao longo dos últimos anos permite constatar uma significativa dificuldade em conseguir baixar consistentemente esta proporção de jovens que abandonam precocemente o nosso sistema de educação e formação, demonstrando assim a gravidade do problema estrutural que enfrentamos, designadamente do ponto de vista de assegurar uma efectiva política de inclusão de todos e apesar dos investimentos que têm vindo a ser feitos nesse sentido, nomeadamente no quadro das medidas co-financiadas pelos fundos estruturais da UE, em particular no quadro actualmente do POEFDS e do PRODEP III. Para esta dificuldade têm vindo a desempenhar um papel nuclear dois vectores que, interligados entre si, explicam em grande medida a nossa situação: i) Em primeiro lugar muitos destes jovens têm percursos escolares marcados por elevados índices de insucesso escolar ou de retenção, enfrentando problemas progressivamente maiores de adaptação à escola, problemas esses que tendem a ir aumentando à medida que vamos avançando nos níveis de escolaridade; ii) Em segundo lugar, muitos destes jovens são atraídos precocemente para o mercado de trabalho, quer por pressão da própria família, devido aos escassos rendimentos, quer pela existência de uma oferta de emprego desqualificado e normalmente de fraca qualidade (baixas remunerações e condições de trabalho e segurança), em que ainda se baseia a competitividade de muitos empregadores no nosso país e que acaba por atrair estes jovens, que deste modo também acedem de forma precoce ao seu próprio rendimento. Esta situação é particularmente grave na perspectiva da coesão social, uma vez que muitos dos jovens que abandonam precocemente o sistema educativo e de formação são precisamente aqueles provenientes de grupos já mais desfavorecidos e com histórias de exclusão social consolidadas, acabando assim o sistema por funcionar como uma "máquina" de reprodução da desigualdade e não o inverso. Para além do mais, trata-se de um fenómeno que em Portugal está ainda associado a uma percentagem, cada vez mais reduzida, mas não negligenciável, de jovens que abandonam a escola antes dos 15 anos sem cumprirem a escolaridade obrigatória, fenómeno esse que tem uma territorialização muito diversificada pelo país, pelo que as intervenções devem ser ajustadas às características desses territórios e à intensidade que os níveis de abandono, saída antecipada, precoce e de retenção assume em cada caso. 49 Mapas concelhios do abandono, da saída antecipada e precoce do sistema educativo e das retenções no ensino básico Abandono (%): Total de indivíduos, no momento censitário, com 10-15 anos que não concluíram o 3º ciclo e não se encontram a frequentar a escola, por cada 100 indivíduos do mesmo grupo etário. Saída antecipada (%): Total de indivíduos, no momento censitário, com 18-24 anos que não concluíram o 3º ciclo e não se encontram a frequentar a escola, por cada 100 indivíduos do mesmo grupo etário. Saída Precoce (%): Total de indivíduos, no momento censitário, com 18-24 anos que não concluíram o ensino secundário e não se encontram a frequentar a escola, por cada 100 indivíduos do mesmo grupo etário. Retenção: % dos efectivos escolares que permanecem, por razões de insucesso ou de tentativa voluntária de melhoria de qualificações, no ensino básico (1º, 2º e 3º ciclos), em relação à totalidade de alunos que iniciaram esse mesmo ensino. 50 Note-se ainda que é hoje visível que à medida que diminui a proporção de jovens que nem sequer concluem com sucesso a escolaridade obrigatória actual – o que já por si constitui um progresso assinalável, para o qual contribuíram os investimentos públicos realizados na melhoria do ensino básico – o abandono tem vindo a recair sobretudo nos momentos subsequentes e, em particular, no primeiro ano de frequência do ensino secundário e em particular na via dominante exclusivamente dirigida para o prosseguimento de estudos. Sinal deste facto são os elevados níveis de insucesso escolar que se registam nos actuais 10º e também 11º anos de escolaridade, o que constitui um indicador dos problemas que se têm colocado a muitos jovens na transição do básico para o secundário e que devem ser devidamente ponderados e respondidos, designadamente no quadro previsível do alargamento da escolaridade obrigatória para os 12 anos, como estava previsto na proposta de nova Lei de Bases da Educação que foi aprovada na anterior legislatura na Assembleia da República e que não foi promulgada pelo Presidente da República. Os persistentes problemas de abandono escolar precoce que assinalámos e que continuam a excluir uma fatia importante da nossa população jovem de um percurso adequado face às suas expectativas e às necessidades de desenvolvimento da sociedade portuguesa, estão também de algum modo reflectidos na expectativa do número de anos de escolarização que um cidadão português poderá vir a ter, caso nada seja alterado face à situação de partida em cada ano de referência. A posição de Portugal no contexto da UE, a 25 ou a 15, relativamente a este indicador, revela novamente que estamos abaixo dos valores registados na média europeia, embora em 2002 estejamos numa posição mais favorável do que uma boa parte dos nossos parceiros europeus. Entre 1998 e 2002 em Portugal regista-se ainda uma ligeira melhoria neste indicador, à semelhança aliás de boa parte dos restantes estados-membros, o que não deixa de reflectir quer a manutenção neste período da actual escolaridade obrigatória de 9 anos (ou seja, até aos 15 anos de idade), quer a aposta no reforço e diversificação das ofertas de nível secundário e, em particular, das ofertas profissionalizantes que visam assegurar uma oportunidade para todos os jovens realizarem pelo menos um ano de formação qualificante antes da sua inserção no mercado de trabalho. Esta posição de Portugal no contexto europeu quanto à expectativa de escolarização da sua população vem reforçar ainda mais a importância central da questão do abandono escolar precoce 51 ou, de forma mais global, da qualidade das respostas do nosso sistema de educação e formação. É certo que apesar de não estarmos muito distantes face à média da UE e apresentarmos até uma situação aparentemente mais favorável que muitos outros estados-membros no que diz respeito a este indicador, constata-se também que essa expectativa de número de anos de escolarização traduz-se em resultados menos satisfatórios no plano das aprendizagens e dos graus educacionais atingidos, devido aos elevados níveis de insucesso e abandono. Gráfico 12 – Evolução da expectativa do número de anos de escolarização, entre 1998 e 2002 (School expectancy) 25 20 15 % 10 5 1998 1999 2000 2001 Chipre Malta Luxemb. Eslováquia Austria Grécia Rep. Checa Letónia Itália Irlanda França Hungria Lituania PORTUGAL Polónia Germany Eslovénia Holanda Espanha UE (25) Estónia UE (15) Dinamarca Finlândia Suécia Bélgica Reino Unido 0 2002 Fonte: EUROSTAT, Indicadores da Educação, Metadata. 52 Uma última dimensão de análise que importa ponderar no que diz respeito ao acesso a uma educação e formação de base sólida, prende-se com os apoios financeiros que são disponibilizados a estudantes provenientes de meios desfavorecidos, de modo a permitir a frequência com êxito do sistema. Efectivamente, esses apoios assumem um papel chave na criação das condições mínimas de suporte ao acesso e participação de todos no sistema de educação e formação inicial, na óptica do desenvolvimento das competências básicas e especializadas capazes de estimularem uma maior e melhor inserção de todos os cidadãos na nossa sociedade. Os dados disponíveis em termos de comparação com os nossos parceiros europeus demonstram que Portugal é dos países que menos investe nesse tipo de apoios (por exemplo, bolsas de estudo e outros apoios sociais), face à despesa total com a educação. Na realidade, a informação existente, apesar das suas limitações em termos de comparação entre os diversos países da UE, não deixa de reflectir uma grande diferença entre a percentagem da despesa total com a educação que é dedicada a este tipo de apoios financeiros aos estudantes, situada em torno dos 2%, e a média da UE, uma vez que no conjunto dos 15 e também a 25 esse valor ascende a cerca de 5%, ou seja, mais do dobro. Gráfico 13 – Evolução do apoio financeiro aos estudantes em percentagem da despesa pública total com educação, em todos os níveis de educação 25 20 % 15 10 1999 2000 2001 Fonte: EUROSTAT, Indicadores da Educação, Metadata. 53 Polónia Reino Unido PORTUGAL Grécia Espanha Itália Eslováquia Austria França Bélgica Luxemb. UE (25)* UE (15)* Estónia Rep. Checa Irlanda Lituania Alemanha Letónia Malta Chipre Hungria Holanda Eslovénia Suécia Dinamarca 0 Finlândia 5 De referir ainda que, à semelhança do que se verifica na generalidade dos países europeus, em termos relativos grande parte desta despesa com apoios financeiros a estudantes se situa ao nível do ensino superior, sendo sistematicamente inferior face à média global a proporção da despesa com este tipo de apoios no que concerne aos estudantes do ensino básico e secundário, face aos investimentos totais realizados nesses níveis de educação. Nesta perspectiva os estudantes mais desfavorecidos encontram em Portugal um quadro de apoios financeiros ao seu acesso e participação efectiva no sistema de educação e formação que é manifestamente menos generoso do que na esmagadora maioria dos países da União, o que também se tenderá a reflectir negativamente nos níveis de insucesso e abandono escolar que registamos. 5.2 O acesso a oportunidades de educação e formação para adultos A tardia expansão do sistema de educação e formação português e os elevados níveis de abandono escolar precoce a que já nos referimos, acompanhado ainda por um sistema produtivo excessivamente marcado por um modelo de desenvolvimento e competitividade muito dependente de actividades trabalho-intensivas e dos baixos custos salariais, traduz-se em Portugal numa situação em que mais de 70% da sua população em plena idade activa (entre os 25 e os 64 anos) tem no máximo a actual escolaridade obrigatória de 9 anos e possui níveis de qualificação profissional muito baixos, o que praticamente não tem comparação com a generalidade dos países mais desenvolvidos, em particular com os da UE. Na verdade, em 2002, segundo o Labour Force Survey, a população com o nível de qualificação mais elevado situado até ao nível secundário inferior era 78% em Portugal e 37,8% na UE15 (35,6 na UE25), ao passo que até ao nível secundário superior os valores eram respectivamente de 14,1%, 43% e 46,2% e o nível do ensino superior registava os valores de 8 apenas no nosso país e 19,2% na média da Europa a 15 e 17,9 a 25. Constatamos assim que o objectivo de equiparação dos valores de escolarização nacionais com os da União Europeia afirma-se como um projecto por concretizar e com amplas debilidades. 54 Quadro 15 - População em Idade de Trabalhar na UE por Nível de Instrução População em Idade de Trabalhar (15-64 anos) por Níveis de Educação em 2002 Baixo Médio Superior Baixo Médio Superior B 41,2 34,1 24,7 S 22,5 54,3 23,2 DK 27,8 48,9 23,3 UK 17,6 56,1 26,2 DE 24,1 56,9 18,9 BG 33,5 49 27,4 EL 47 38,1 14,9 CY 36,2 38,1 25,7 E 57,2 20,3 22,5 CZ 18,8 71,4 9,9 F 38,3 40,2 21,5 EE 21,5 54,3 24,1 IRL 40,8 37,2 22 HU 31,6 56,4 12 I 56 35,2 8,8 LT 24 39,7 36,2 L 41,2 42,6 16,2 LV 25,8 57,9 16,3 NL 36 42,6 21,4 PL 25,8 64,3 9,9 A 26,4 58,9 14,7 RO 34,8 57,1 8,1 P 78 14,1 8 SI 27,3 60,8 11,9 SK 20,9 70,5 8,6 FIN 30,1 43 27 UE15 37,8 43 19,2 UE25 35,6 46,2 17,9 Fonte: Eurostat, Employment in Europe 2003. Nota: UE 25 não inclui Malta. Para além da abordagem comparativa dos níveis de instrução ao nível europeu, num país em que a assimetrias regionais são visíveis e estruturantes, importa explorar esta variável cruzando-a com a dimensão regional. Nesse sentido, os dados referentes à distribuição dos vários níveis de escolaridade pelas várias regiões do país, indicam que os níveis de escolaridade mais elevados concentram-se em Lisboa com taxas de 37,6% ao nível do ensino secundário, 42,6% ao nível do ensino médio e 41,2% ao nível do ensino superior. O nível de ensino superior completo encontra-se, por sua vez, pouco representado no Alentejo (3,3%), no Algarve (1,1%), nos Açores (1%) e na Madeira (1,1%). No pólo oposto da escala, verificamos que a região norte do país concentra os valores mais elevados de pessoas sem qualquer escolaridade (34,8%), logo seguida da região centro (2,7%) e de Lisboa (20,5). Em relação às pessoas escolarizadas, verificase que apenas em Lisboa e no Norte as taxas referentes ao ensino básico completo têm um peso favorável em relação ao ensino básico incompleto (39,4% contra 36,3% no Norte, e 21,4% contra 20,8% em Lisboa), no conjunto do país. Refira-se também que excluindo Lisboa (exceptuando o caso do Algarve em relação ao ensino secundário), as restantes regiões apresentam ao nível do ensino básico os valores mais elevados no peso da distribuição da escolaridade no contexto nacional, isto é, consoante os níveis educativos vão sendo mais elevados, menor peso cada uma das regiões apresenta. 55 Quadro 16 – Taxa de Escolaridade por Região em Portugal Taxa de Escolaridade por Região em Portugal Zona Geográfica Total (%) Sem Nível de Ensino (%) Ensino Básico (%) Ensino Secundário (%) Ensino Médio (%) Ensino Superior (%) Completo Incompleto Completo Incompleto Completo Incompleto Completo Incompleto Norte 35,6% 34,8 39,4 36,3 28,7 28 27,8 25,4 28,6 26,3 Centro 22,7% 24,7 23,4 25,6 18,4 19,9 17,6 13,1 18,4 15,9 Lisboa 25,7% 20,5 21,4 20,8 37,8 37,6 42,6 52,9 41,2 47,8 Alentejo 7,5% 10,9 7,4 7,9 6,6 6,8 5 3,9 5,1 4,8 Algarve 3,8% 4,1 3,6 4,1 4,8 4,3 3,8 3,1 3,3 3,1 Madeira 2,4% 2,9 2,2 2,5 2,1 1,8 1,6 0,9 1,7 1,1 Açores 2,3% 2,2 2,4 2,8 1,6 1,6 1,7 0,7 1,5 1 Fonte: INE, Censos 2001 (dados referentes ao peso dos níveis de escolaridade por região por relação ao contexto nacional). As assimetrias regionais amplamente mencionadas, encontram correspondência nos dados, o que nos permite afirmar que o atraso de Portugal no seu conjunto em relação aos padrões europeus é complementado com uma enorme diferenciação interna ao nível dos territórios, com uma concentração das qualificações numa lógica bicéfala, em torno de Lisboa e Porto, e com as restantes áreas em situação de mais ou menos acentuada exclusão. Afigura-se, então, como pertinente o desenvolvimento de políticas de inclusão ao nível das qualificações educativas numa lógica dual, que considere os âmbitos global e regional (ou local). Este défice estrutural da nossa sociedade levou progressivamente a acentuar-se a necessidade de investirmos de modo mais incisivo na educação e formação da nossa população adulta, uma vez que não poderemos aguardar passivamente que este problema se resolva pelo mero efeito de substituição de gerações. Na realidade, o efeito de "substituição" geracional não só se reflecte de modo muito lento na elevação dos níveis escolaridade e qualificação da população em plena idade activa, como se vê ainda limitado por dois outros factores que tendem a atenuar esse impacto das novas gerações na alteração desta situação estrutural: i) Os baixos níveis de natalidade, que se reflectem numa tendência para uma diminuição do número de jovens face à população total, aumentando simultaneamente a proporção de idosos, fruto também do aumento da esperança de vida, levando assim a que o efeito "geracional" seja menor do que o que ocorreria num quadro de maior crescimento natural; ii) E a persistência de níveis elevados de abandono escolar precoce, bem como os resultados insatisfatórios na produção de competências, designadamente em 56 matéria de competências básicas (leitura, matemática, etc.) – ver resultados do PISA 2000 – a qual limita também os efeitos que a aposta numa maior e melhor formação das novas gerações poderá ter na alteração rápida dessa estrutura e de que o país tanto carece para poder competir e desenvolver-se no actual contexto da sociedade da informação e do conhecimento. Portugal confronta-se, assim, com uma necessidade incontornável de investir mais e melhor na educação e formação da sua população adulta (empregada, desempregada e também inactiva), necessidade essa sobretudo acentuada a partir da segunda metade da década de 90 e que de algum modo culmina, por exemplo, com a instauração no novo código do trabalho da obrigação – ainda por cumprir – de todos os trabalhadores receberem um número mínimo anual de horas de formação, fixado até 2006 em 20 horas e 35 horas a partir desse ano, direito esse que tinha sido acordado pelo Governo e todos os parceiros sociais com assento na CPCS. Trata-se de um esforço que terá de passar não só pelo Estado, mas sobretudo pelas empresas e pelos próprios trabalhadores, o que obriga a uma massificação generalizada do acesso à formação contínua ao longo da vida. Efectivamente, os valores de que partimos em termos de acesso da população adulta a acções de educação e formação são dos mais baixos da UE, não chegando aos 5% em 2004, o ano em que apesar de tudo atingimos a percentagem mais elevada de indivíduos entre os 25 e os 64 anos que nas 4 semanas anteriores à realização do inquérito esteve a frequentar uma acção de educação ou formação. Na realidade, em anos anteriores essa percentagem foi variando entre os 3% e os 4% e note-se que, no âmbito da implementação da Estratégia de Lisboa e das suas consequências no plano da coordenação e dos objectivos comuns europeus definidos para os sistemas educativos, o objectivo comum é chegar a 12,5% até 2010. Portugal tem assim não só uma população adulta cujos níveis médios de escolaridade são dos mais baixos da UE, como é ainda simultaneamente dos países onde é depois mais baixa a proporção de adultos que frequenta acções de educação ou formação capazes de virem a contribuir para recuperar esses défices de qualificação. Constata-se aliás que, em regra, é precisamente nos países com maiores níveis de escolaridade média da população que é também maior a participação em acções de formação ao longo da vida, o que reflecte a tendência para serem os indivíduos já mais escolarizados que beneficiam e procuram aprofundar mais as suas competências. 57 Neste contexto, a situação de Portugal tende a agravar o fosso que nos separa da média europeia em termos da estrutura de habilitações escolares e é particularmente grave por conduzir previsivelmente a um aprofundamento da segmentação entre um número ainda reduzido de pessoas com níveis mais elevados de escolaridade e com maior participação em acções de educação e formação contínua e as que estão no pólo oposto e constituem a esmagadora maioria da população. Esta tendência é particularmente grave devido à importância nuclear que a aposta no desenvolvimento permanente de competências desempenha nas actuais sociedades, devido ao veloz ritmo de evolução tecnológica e sócio-cultural, que impõe necessidades acrescidas de actualização contínua das competências detidas. Gráfico 14 – Evolução da percentagem da população em idade activa (25-64 anos) em educação ou formação, nas quatro semanas anteriores à realização do inquérito, entre 2000 e 2004 40 35 30 25 20 15 10 5 2000 2001 2002 2003 Grécia Eslováquia Hungria Itália PORTUGAL Malta Espanha Polónia Alemanha Luxemb. Rep. Checa Lituania Estónia Irlanda França Letónia Chipre UE (25) Bélgica UE (15) Austria Holanda Eslovénia Reino Unido Finlândia Dinamarca 0 Suécia % 2004 Fonte: EUROSTAT, Inquérito às forças de trabalho. 58 As estatísticas e estudos sobre a educação e formação de adultos em Portugal têm vindo a demonstrar que são os segmentos da nossa população já com maiores níveis de escolaridade e qualificação, os mais jovens e também os inactivos que acedem mais a oportunidades de educação e formação contínua, apesar dos esforços das políticas públicas para promoverem uma maior e melhor oferta para outros segmentos onde essa formação é particularmente relevante para assegurar a sua inclusão social e económica. A informação sobre a população entre os 25 e 64 anos que nas últimas quatro semanas participaram em acções de educação ou formação vêm de encontro a esta tese, mostrando que é nos que possuem no máximo 9 anos de escolaridade que é menor a proporção de indivíduos que declararam ter nesse período estado envolvidos em alguma acção desse tipo – apenas cerca de 2% no primeiro trimestre de 2004. Em contrapartida na população com o ensino superior e, em particular, com o ensino secundário, essa percentagem é muito superior – 11,7% e 7,8%, respectivamente. Gráfico 15 – Percentagem da população em idade activa (25-64 anos) em educação ou formação nas quatro semanas anteriores à realização do inquérito, segundo o género, o grupo etário, a situação perante a actividade e o nível mais elevado de escolaridade atingido 20 18 16 14 10 8 6 4 2 GÉNERO 2001 2002 2003 Ens. secundário Até ao ens. básico Ens. superior SITUAÇÃO FACE À ACTIVIDADE GRUPO ETÁRIO 2000 Inactivos Activos 55-64 anos 45-54 anos 35-44 anos 25-34 anos Mulheres 0 Homens % 12 ESCOLARIDADE ATINGIDA 2004* Fonte: INE, Inquérito ao Emprego. *2004, dados do 1.º Trimestre. 59 A proporção de cidadãos portugueses que beneficiaram de acções de educação e formação diminui ainda sistematicamente com o aumento da idade, o que não deixa também de se articular com o comportamento deste indicador de acordo com o nível de escolaridade, uma vez que esse nível tende a subir nas gerações mais novas. A grande diferença que se regista entre a proporção de pessoas entre os 25 e os 35 anos que declara ter estado em educação ou formação nas quatro semanas anteriores à realização do inquérito face aos restantes grupos etários será ainda explicado por nessa faixa etária podermos encontrar um número significativo de casos que se encontram ainda a frequentar o ensino, em particular o ensino superior. Estas tendências são também notórias nos resultados do inquérito à aprendizagem ao longo da vida promovido pelo INE em 2003, embora neste caso os níveis declarados de participação em actividades formativas por parte da população sejam superiores, desde logo porque o período de referência foi os últimos 12 meses, ascendendo a 13,4%, se considerarmos os que declararam ter participado na aprendizagem formal e não formal17 (apenas 4% no primeiro caso, e 8,4% no segundo). Apesar de neste questionário ser mais elevada a percentagem da população que declara ter estado envolvida em actividades de aprendizagem que exigem já um grau de estruturação relevante, como sucede com as de natureza formal e não formal, esta não deixa ainda assim de ser substancialmente reduzida, se pensarmos que se refere aos últimos doze meses. Nas formas de aprendizagem informal seleccionadas no questionário também é sistematicamente minoritária a percentagem dos que declaram ter efectuado esse tipo de actividades, embora chegue a atingir mais de 35% no caso do pedido de ajuda ou esclarecimentos a familiares, amigos ou colegas. No âmbito dessas formas de aprendizagem informal deve-se ainda sublinhar a percentagem relativamente diminuta de pessoas que admitem utilizar alguns dos recursos da sociedade de informação para o desenvolvimento das suas competências, como a Internet (apenas 15,9%) e a utilização de meios como o CD-Rom ou outro material educativo de difusão que carecem de meios da sociedade da informação para essa utilização (rádio, TV, cassetes de áudio e de vídeo) - 24,1%. Esta informação 17 De acordo com os conceitos utilizados pelo INE, a aprendizagem formal é a educação e formação ministrada num sistema de escolas, colégios, universidades e outras instituições de educação e ensino, em que a aprendizagem é organizada, avaliada e certificada sob responsabilidade de profissionais qualificados de educação e formação. Aprendizagem não formal é a formação que decorre normalmente em estruturas institucionais mais ou menos organizadas, podendo conferir certificação, mas sem que este seja normalmente reconhecida pelas autoridades nacionais, não permitindo a progressão de níveis de educação e formação. 60 permite desde já antever os progressos que necessitamos fazer na promoção do acesso da generalidade da nossa população aos benefícios da sociedade da informação, na perspectiva da mobilização desses meios como ferramentas ao serviço do desenvolvimento efectivo da sociedade da aprendizagem ao longo da vida. Gráfico 16 – Percentagem da população idade activa (25-64 anos) que, nos últimos 12 meses, participou na aprendizagem formal, não formal e em diferentes formas de aprendizagem informal FORMAS DE APRENDIZAGEM INFORMAL Participou em act. cívicas e/ou de voluntariado de iniciativa de associações culturais ou desportivas, colectividades, clubes recreativos, paróquias, sindicatos, ONGs, etc.. Participou em act. modelismo, de tempos livres (coleccionismo, fotografia, modalidade desportiva, artística) Fez pesquisas na 10,2 11,6 15,9 Internet Visitou locais destinados à transmissão de conteúdos educativos (bibliotecas, casas de cultura, museus, exposições) Utilizou CD-Rom ou outro material educativo de TV, cassetes de audio e de vídeo) Leu material Pediu difusão impresso como livros técnicos, revistas especializadas (rádio, jornais formal Aprend. e não não Aprend. 24,1 ou intencionalmente ajuda e/ou esclarecimentos familiares, amigos e colegas Aprend. 17,9 33,9 a 13,4 formal 9,4 formal formal 4,0 5 10 15 20 25 30 35 40 % 0 35,8 Fonte: INE, Inquérito à Aprendizagem ao Longo da Vida (2003) - Dados provisórios. Este inquérito confirma ainda de novo que os níveis de participação das pessoas em actividades de aprendizagem ao longo da vida tendem a aumentar em função da elevação dos seus níveis de escolaridade ou de qualificação profissional e a diminuir com a idade. Exemplo deste facto é a percentagem de indivíduos com 15 ou mais anos que declarou ter participado em actividades de aprendizagem não formal segundo os respectivos níveis de escolaridade e os escalões etários, em que é visível que enquanto por exemplo quase 1/3 da população com o ensino superior esteve envolvido nesse tipo de actividades, no caso da população com apenas 6 anos de escolaridade esse valor não 61 45 50 ultrapassa os 3,3%, o que é determinante para a média nacional, situada em 8,7%, uma vez que mesmo nos que possuem apenas o 9º ano de escolaridade ou o ensino secundário essa proporção supera claramente essa média (14% no primeiro caso e 18,1% no segundo). Este facto vem assim confirmar que o mau desempenho global do país em termos de acesso da nossa população em plena idade activa a oportunidades de educação e formação se fica sobretudo a dever à escassa participação dos que têm níveis de escolaridade mais baixos e que, pelo seu peso largamente maioritário na nossa população total, repercutem-se de forma tão significativa nesse desempenho. Gráfico 17 – Percentagem da população com 15 ou mais anos que participou, nos últimos 12 meses, em actividades de aprendizagem não-formal, face ao nível de ensino completo e ao grupo etário da população total com 15 ou mais anos 30 20 25 15 15 28,5 10 18,1 10 % % 20 15,8 13,9 10,3 5 14,0 7,2 5 0 3,3 6 anos de escol. ou m enos 1,9 0 Ens. Básico Ens. (9 anos de Secundário escol.) Ens. superior 15-24 anos 25-34 anos 35-44 anos 45-54 anos Fonte: INE, Inquérito à Aprendizagem ao Longo da Vida (2003) - Dados provisórios. Este questionário confirma ainda a tendência para serem sobretudo os mais idosos que se vêem excluídos do acesso a oportunidades de aprendizagem ao longo da vida, também porque são aqueles que menos procuram activamente essas oportunidades, consequência em parte do preconceito persistente de que "aprender é para os novos" ou de que "burro velho não aprende línguas". Efectivamente, é notória a 62 55 ou mais anos tendência para ir baixando constantemente a percentagem dos que declaram ter estado envolvidos em actividades de aprendizagem não formal à medida que vamos ascendendo nos escalões etários, o que não deixa de ser preocupante, sobretudo no quadro do processo de envelhecimento populacional. No plano do acesso da população adulta a oportunidades de educação ou formação, deve-se ainda mencionar a situação mais específica da formação nas empresas. Neste âmbito os últimos dados disponíveis, relativos ao Inquérito Comunitário à Formação Profissional Contínua, que remontam já a 1999, colocam Portugal uma vez mais numa posição muito desfavorável face à maior parte dos nossos parceiros da União Europeia, uma vez que apenas 5 dos países que actualmente integram este espaço apresentaram nessa data uma percentagem mais reduzida de empregados que participaram em acções de formação nesse ano. Gráfico 18 - Percentagem dos empregados que participaram em cursos de formação contínua, segundo a dimensão das empresas (1999) 80 70 60 50 % 40 30 20 10 10 a 49 trab. 50 a 249 trab. 250 e mais trab. Lituania Hungria Letónia Grécia Polónia PORTUGAL Estónia Espanha Itália Austria Eslovénia Alemanha Luxemb. UE (22) UE (15) Holanda Irlanda Bélgica Rep. Checa França Reino Unido Finlândia Dinamarca Suécia 0 Total Fonte: EUROSTAT, Inquérito Comunitário à Formação Profissional Contínua - 1999. 63 Este valor é atingido essencialmente devido à formação dos trabalhadores das grandes empresas, que chegava aos 35%, dado que nas micro-empresas entre 10 e 49 trabalhadores e nas médias empresas, entre 50 e 249 trabalhadores, a percentagem é sempre inferior à média: apenas 4% no primeiro caso e 12% no segundo. É assim particularmente grave o afastamento potencial da quase totalidade dos trabalhadores das micro-empresas, que representam a esmagadora maioria do nosso tecido empresarial privado (mais de 95%, segundo os dados dos quadros de pessoal da actual DGEEP) e empregam também cerca de metade do emprego estruturado nesse sector (ou seja, excluindo o emprego na administração pública central, regional e local). Deste modo, na perspectiva das políticas públicas de inclusão na sociedade do conhecimento e da inovação, é fundamental promover o acesso dos trabalhadores destas empresas a mais e melhores oportunidades de formação ao longo da vida. O papel do estado neste contexto deve ser particularmente sublinhado, devido aos constrangimentos particulares que as micro-empresas sentem para assegurar essas oportunidades de formação contínua aos seus trabalhadores, constrangimentos esses que se prendem desde logo com a massa crítica, por um lado, e a falta de hábitos de trabalho em cooperação e em rede, por outro. A informação disponível sobre este questionário permite ainda verificar que a percentagem de empresas que declarou que trabalhadores associados a grupos que tradicionalmente tendem a ficar mais marginalizados do acesso a oportunidades de formação contínua (como os mais velhos, os menos escolarizados, os trabalhadores com deficiência etc.) mas que tiveram essa oportunidade no último ano, seja em cursos de carácter geral, seja em cursos de natureza adaptada a esses grupos, é sistematicamente inferior ao número de empresas que declararam ter esse tipo de trabalhadores nos seus quadros de pessoal. 64 Gráfico 19 – Percentagem de empresas com cursos de formação profissional contínua, segundo os grupos específicos de trabalhadores, por tipo de participação em cursos (1999) 100 % 80 60 40 20 0 M ulheres Jovens Trab. m ais velhos Trab. s/ habilitações Trab. a tem po form ais parcial Trab. com deficiência M inorias étnicas Trab. em risco de desem p. Empresas que tinham trabalhadores destas categorias Empresas em que os trabalhadores destas categorias participaram de um modo geral em cursos de formação Empresas que realizaram cursos de formação específicamente para estas categorias Fonte: DGEEP - Inquérito Comunitário à Formação Profissional Contínua – 1999. 5.3 O Acesso à sociedade da informação Para terminar este diagnóstico importa destacar alguns indicadores síntese relativos ao acesso a algumas das ferramentas da sociedade da informação e que se afiguram como essenciais na plena inserção social no actual contexto. Considera-se neste quadro a questão do acesso à Internet, pela importância chave que este meio desempenha hoje na disseminação de informação e também na prestação de serviços cada vez mais diversificados. Portugal apresenta nesta matéria uma posição que é das menos favoráveis no quadro dos países da União Europeia, constatando-se em 2004 que só cerca de 1/4 da nossa população acedia à Internet pelo menos uma vez por semana, quando esse valor na Europa comunitária já rondava os 40%. 65 Gráfico 20 – Percentagem de indivíduos que em 2004 acedem à Internet em média pelo menos 1 vez por semana, segundo a situação face ao emprego 100 80 60 % 40 Empregados Estudantes Reformados Desemp. e outros inactivos Grécia Rep. Checa* Hungria Polónia PORTUGAL Irlanda* Lituania Itália Letónia Chipre Espanha* Eslovénia Austria* UE (25) UE (15) Estónia Reino Unido Alemanha Luxemb. Dinamarca Suécia 0 Finlândia 20 T otal Fonte: EUROSTAT, Information Society Policy Indicators. *Áustria, Espanha, Irlanda e República Checa, dados de 2003. Quando não surgem dados para alguns dos actuais Estados-membros da UE ou algumas das variáveis, tal significa que não estão disponíveis. Olhando em particular para as diferentes situações face ao trabalho, verifica-se que enquanto nos estudantes a percentagem dos utilizadores da Internet supera a média europeia nessa categoria, sendo nela que em todos os países se registam os valores mais elevados, os reformados (ou seja, os mais velhos) e os desempregados e outros inactivos estão em regra abaixo da média nacional e, no caso português, de forma particularmente marcante no caso dos desempregados. Ou seja, no nosso país constata-se um efeito muito acentuado da condição face ao emprego no que diz respeito à proporção de indivíduos que acedem à Internet de modo regular, dando assim de novo um primeiro sinal de segmentação intensa da nossa população face aos desafios e oportunidades da sociedade da aprendizagem ao longo da vida e da informação, o que se reforça quando analisamos esta questão em função do nível de educação formal dos respectivos utilizadores deste meio. 66 Gráfico 21 - Percentagem de indivíduos que em 2004 acedem à Internet em média pelo menos 1 vez por semana, segundo o seu nível de educação formal 100 80 60 % 40 Nível baixo ou sem escolaridade Nível médio de educação Nível superior de educação T otal Grécia Rep. Checa* Hungria Polónia PORTUGAL Irlanda* Lituania Itália Letónia Chipre Espanha* Eslovénia Austria* UE (25) UE (15) Estónia Reino Unido Alemanha Luxemb. Dinamarca Suécia 0 Finlândia 20 Fonte: EUROSTAT, Information Society Policy Indicators. *Áustria, Espanha, Irlanda e República Checa, dados de 2003. Quando não surgem dados para alguns dos actuais Estados-membros da UE ou algumas das variáveis, tal significa que os mesmos não estão disponíveis. A análise por nível educacional permite constatar que também em Portugal se constata que o nível de utilização da Internet sobe substantivamente à medida que ascendemos nos níveis de escolaridade, sendo que no nosso caso a disparidade entre o grau de utilização dos que possuem um nível baixo ou sem qualquer escolaridade (11%) e os restantes níveis educacionais é particularmente acentuada: 65% e para 79% para quem possui respectivamente o nível médio e o nível superior de educação. Portugal apresenta, assim, uma situação em que claramente o problema do acesso regular à Internet se situa de forma quase exclusiva entre a população menos escolarizada. Esta tendência foi ainda largamente confirmada pelos resultados obtidos pelo INE com o Inquérito à Utilização de Tecnologias da Informação e da Comunicação pelas Famílias, realizado em 2004. Efectivamente, verificando-se com esta fonte que cerca de 30% dos inquiridos são utilizadores da Internet atingindo 37,2% utilizam o computador, volta a registar-se que são os indivíduos menos escolarizados os que 67 marcam a tendência geral, uma vez que entre os que atingiram no máximo a actual escolaridade obrigatória de 9 anos, esses valores não chegam no primeiro caso a 15% e no segundo a 22%. Gráfico 22/23 – Utilização de computador e de Internet, por nível de escolaridade e grupo etário 100 80 90 70 80 60 70 50 % 0 Até 3.º ciclo Ens. do ens. secundário básico Computador Ens. superior Total Internet 16-24 anos 25-34 anos 35-44 anos Computador 45-54 anos Internet Fonte: INE, Inquérito à Utilização de Tecnologias da Informação e da Comunicação pelas Famílias, 2004. Universo – Indivíduos com idade entre os 16 e os 74 anos, residentes no território nacional. Nos indivíduos mais escolarizados constatam-se níveis de utilização dos computadores e da Internet que são claramente superiores, ultrapassando no mínimo os 70% no caso dos que possuem o ensino secundário e no que se prende ao acesso à Internet. Em suma, se junto da população mais escolarizada o uso do computador e da Internet se encontrava já em larga medida generalizado, embora com tipos de utilizações que podem ser nem sempre particularmente qualificantes, na população mais sub-escolarizada verifica-se a situação inversa. Esta realidade é também de algum modo visível quando observamos o comportamento dos diferentes grupos etários, uma vez que a utilização quer dos computadores, quer da Internet, vai sendo reduzida à medida que avançamos na idade. Enquanto que, por exemplo, na população entre os 25 e os 34 anos cerca de metade utilizava o computador e a Internet, nos que possuem entre 45 e 54 anos esses valores 68 5,2 8,5 20,3 29,2 10 29,5 38,1 42,5 53,9 20 29,3 14,5 0 21,9 10 30 37,2 20 40 63,7 72,7 30 84,2 40 72,7 83,3 50 91,9 % 60 55 e m ais anos não ultrapassavam, respectivamente, 29,2% e 20,3% e nos que têm 55 e mais anos os valores baixam apenas para 8,5% e 5,2%. De notar ainda que o uso do computador e da Internet tende a ser mais significativo junto da população masculina do que feminina (nos homens cerca de 40% usa o computador e 32% a Internet, enquanto nas mulheres esses valores são, respectivamente, de 34,1% e 26,8%), dos empregados do que dos desempregados e outros inactivos, à excepção dos estudantes, em que na sua quase totalidade utilizam hoje esses meios. A diferença entre empregados e desempregados é particularmente relevante, uma vez que nos empregados 44% fazem uso do computador e 33,6% da Internet, enquanto nos desempregados esses valores baixam, respectivamente, para 22,7% e 15,5%, mostrando assim como o exercício de uma actividade profissional se revela um factor de grande importância no estabelecimento de uma relação mais regular com estes meios. Já no que respeita ao acesso da população portuguesa aos telemóveis, a situação global no âmbito europeu é bastante favorável, surgindo Portugal como um dos países onde no último ano disponível (2002) é maior a subscrição daqueles aparelhos por 1000 habitantes. A adesão a esta tecnologia foi na realidade muito positiva - à semelhança do que, por exemplo, também sucedeu com o uso do sistema Multibanco para o acesso a múltiplos serviços bancários - e parece ter atravessado os mais diversos segmentos da população, mesmo os menos escolarizados, à excepção porventura da população mais idosa. 69 Gráfico 24 – Evolução da subscrição de telemóveis por 1000 habitantes, (1995-2002) 100 80 60 % 40 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Polónia Letónia Lituania Eslováquia Chipre França Estónia Hungria Malta Alemanha Holanda Eslovénia Irlanda UE (15) Bélgica Austria PORTUGAL Espanha Dinamarca Reino Unido Rep. Checa Grécia Luxemb. Suécia Itália 0 Finlândia 20 2002 Fonte: EUROSTAT, Information Society Policy Indicators. Quando não surgem dados para alguns dos actuais Estados-membros da UE, tal significa que os mesmos não estão disponíveis. Na realidade, em regra a população portuguesa tem manifestado uma abertura relativamente elevada face à introdução das novas tecnologias da comunicação e informação, aderindo de modo rápido às mesmas, designadamente sempre que estas vêm facilitar a sua vida quotidiana e desempenham, em alguns casos, um papel simbólico relativo ao seu estatuto social. Apenas os "usos" mais qualificados ou exigentes destes meios que a sociedade da informação coloca hoje ao dispor da generalidade da população tendem a estar mais restringidos aos grupos sociais mais escolarizados. Para este efeito também têm contribuído as políticas públicas, nomeadamente no quadro do Programa Operacional da Sociedade da Informação e também da introdução, por exemplo, de alguns incentivos fiscais para estimular a aquisição de computadores ou a tentativa de introduzir uma maior concorrência no mercado das telecomunicações, de modo a fazer baixar os custos de acesso à Internet. Registou-se também uma aposta no aumento da oferta de serviços públicos e outros on-line, na formação de 70 competências básicas e especializadas na área das TIC e na introdução dos computadores e da informática no sistema de educação – sempre que as escolas se revelam permeáveis – e formação, passando esta área a ser hoje uma componente incontornável de todos os percursos de educação e formação inicial, para além da formação especializada em TIC ser das áreas formativas que tem não só maior procura, como é aquela onde se concentra hoje uma significativa fatia dos diplomados. Os dados disponíveis e que aqui apresentamos de modo sintético, parecem apontar para o facto de que estas políticas têm sido sobretudo "aproveitadas" pelos segmentos populacionais que normalmente já estão mais sensibilizados para a importância desta área, como os jovens, os mais escolarizados, etc. Exemplo deste facto são alguns dos resultados intercalares das medidas no âmbito do POSI que visavam promover o desenvolvimento e certificação de competências básicas para uma grande fatia da nossa população, um vez que os mesmos revelam não só uma reduzida adesão a esta medida, como os que apesar de tudo beneficiaram dela não pertencem em regra aos segmentos mais necessitados. 5.4 Para uma Política de Acção Inclusiva para a Educação Em síntese, no horizonte 2013 o grande desafio que previsivelmente se continuará a colocar às políticas de inclusão dos jovens nas ofertas de educação e formação inicial continuará a passar por procurar aprofundar significativamente as condições de acesso e participação dos grupos mais desfavorecidos da nossa sociedade, o que implica prosseguir sobretudo o combate ao abandono escolar precoce. Esse objectivo irá ainda estar muito marcado pela necessidade de Portugal dar um "grande salto em frente" na percentagem de jovens que concluem com sucesso o ensino secundário, com particular destaque para a necessidade de reforçarmos substantivamente o peso das vias profissionalizantes, o que só será possível caso sejamos capazes de integrar mais e melhor esses grupos no nosso sistema de educação e formação. Mas o desafio para este horizonte temporal não se deverá circunscrever à necessidade de combatermos o abandono escolar precoce e desqualificado que incide sobretudo em jovens provenientes de origens sociais e económicas desfavorecidas. A 71 aposta deve também cada vez mais incidir na inserção de jovens com essas características em processos formativos mais longos e de qualificação superior ou intermédia, de modo a, designadamente, não condenarmos os mesmos ao exercício de actividades profissionais menos exigentes nesse plano e também com fracos níveis remuneratórios e com piores condições de trabalho. Deveremos, então, constatar que as políticas que temos seguido até aqui para responder a estes constrangimentos e que se têm efectivamente traduzido numa atenuação relevante dos sintomas da doença - o abandono e o insucesso escolar - não tem muitas vezes conseguido ainda debelá-la, quer aquelas mais centradas especificamente no subsistema educativo, quer as centradas no subsistema de formação profissional, quer ainda as que procuram articular estes dois subsistemas, como se têm sobretudo verificado na última década. Importa, por isso, na ponderação das políticas públicas para 2013 ponderar as razões desta situação, de modo a se evitarem alguns riscos e se explorarem com maior as oportunidades que as mesmas permitem a todos os actores envolvidos. Em síntese, na óptica da formação dos adultos e da sua relação com as políticas de inclusão para o horizonte de 2013, Portugal irá continuar a necessitar previsivelmente de um grande esforço no sentido de procurar assegurar que sobretudo os segmentos menos escolarizados e qualificados profissionalmente possam beneficiar do apoio do estado para poderem elevar de modo significativo as suas competências. Sem essa aposta pode-se aliás dizer que dificilmente teremos sucesso na massificação indispensável que é necessária no acesso à formação continua, enquanto meio sem o qual excluiremos progressivamente da nossa sociedade importantes fatias da nossa população adulta, com particular destaque para os activos pelos efeitos que essa marginalização inevitavelmente gerará no bloqueamento do nosso desenvolvimento económico e social. Nesta perspectiva deveremos, naturalmente, ponderar bem a avaliação crítica que tem vindo a ser efectuada ao longo dos anos relativamente às diferentes gerações de políticas de educação e formação de adultos que têm procurado romper com os endémicos níveis educacionais e de qualificação da nossa população e que têm vindo a inegavelmente contribuir para procurar reduzir o fosso que nos separa dos países mais desenvolvidos. No entanto, quer porque esses países mais desenvolvidos não ficam naturalmente "paralisados" em termos dos seus investimentos nos respectivos sistemas 72 de educação e formação, quer também pela nossa incapacidade em conseguir níveis de eficácia e eficiência nas medidas que empreendemos, Portugal permanece na situação que descrevemos em matéria de qualificação da sua população em plena idade activa. Importa, por isso, ponderar bem os bloqueios que nos têm impedido de darmos um efectivo "salto em frente" neste domínio e na óptica da promoção de uma sociedade da aprendizagem ao longo da vida para todos, em particular para os grupos mais vulneráveis e face aos quais a intervenção do Estado assume especiais responsabilidades. Não se tratará neste domínio apenas de eventualmente se concentrar ainda mais os investimentos públicos junto precisamente dos que mais precisam de desenvolver as suas competências para se manterem devidamente integrados na sociedade portuguesa no horizonte da próxima década, mas também e sobretudo de reforçar substantivamente a eficácia e eficiência desses investimentos na efectiva elevação dos níveis reconhecidos de escolaridade e formação da nossa população adulta. 73 6 Protecção Social e Programas de Luta Contra a Pobreza A revolução de 25 de Abril de 1974 trazia na base uma vontade manifesta de ruptura com décadas de subdesenvolvimento que marcaram o século XX português e que, entre outras coisas, produziram taxas de pobreza na ordem dos 43% da população (Silva, 1984).18. A inexistência de sistemas de protecção social para a maior parte das pessoas era um dos principais sinais desse sub-desenvolvimento.19 A pobreza era uma condição com que se convivia com normalidade, porque correspondia aos padrões de vida de grande parte da população. A revolução inaugurou o sistema universal de protecção social, principalmente porque, para apenas referir os campos que aqui nos interessam abordar, se estabeleceu um regime não contributivo, incluindo a pensão social, foram duplicados os valores das pensões mínimas e estabelecidos tectos para as pensões maiores, ao mesmo tempo que os fundos de pensões se tornaram acessíveis aos trabalhadores rurais; medidas como o subsídio de desemprego, a assistência médica e medicamentosa e o abono de família tornaram-se extensivos a todos os membros das famílias dos contribuintes. Por isso, em 1975 os diversos regimes já abrangiam como contribuintes 78% dos activos e o número de pensionistas subiu para 861.700 (quando tinham sido 187.300 em 1970). Estas mudanças reflectiram-se na despesa pública com a protecção social, a qual cresceu substancialmente para 8,7% do PIB em 1975. Ao período revolucionário, caracterizado antes do mais pela participação social alargada, mas também pela instabilidade política e pela desorganização da estrutura empresarial e das finanças públicas, sucedeu-se um período de estabilização política e macro-económica que, em traços gerais, permitiu a preparação da adesão à Europa Comunitária. Tratou-se de um período de austeridade (associada às intervenções do FMI 18 Valor calculado a partir do Inquérito Nacional às Despesas Familiares de 1973/74. O limiar de pobreza foi o de 75% do rendimento médio por adulto equivalente. Foram testados outros limiares, mais baixos, mas todos eles colocavam a pobreza absoluta acima da pobreza relativa, o que indicia a gravidade das carências generalizadamente sentidas pela população. 19 Os beneficiários dos principais pilares do sistema, os organismos corporativos de previdência, não ultrapassavam 862.700 e 833.500 familiares em 1959. Ainda em 1970 apenas 60% da população estava coberta por algum esquema, ainda que minimalista. Mais de 30% dos trabalhadores dos diversos sectores de actividade encontravam-se desprotegidos e as receitas da protecção social não ultrapassavam 3,2% do PIB. Apenas 14,9% das despesas eram com pensões (17,8% em 1970), que não abrangiam senão 187.300 pessoas. As pensões mínimas de velhice e invalidez não foram introduzidas senão em 1960 e 1961 e os riscos de desemprego e acidentes de trabalho não estavam cobertos. 74 e do Banco Mundial), e de restrições ou recuos no poder de compra dos trabalhadores e nas condições de vida das famílias. A taxa de pobreza rondava ainda valores próximos de 35% em 1980 (Costa et. al, 1985)20 e pela primeira vez em décadas a sociedade viuse confrontada com uma crise de desemprego. O contexto difícil que se viveu não impediu contudo a adopção de diplomas legais e a criação de institucionais indispensáveis ao objectivo da adesão à CEE. Criouse por essa altura o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, os Centros Distritais de Segurança Social, do Sistema Nacional de Saúde e o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP). Foram adoptadas novas medidas de protecção social, como a extensão da licença parental para 90 dias, a criação de um sistema de protecção para os trabalhadores independentes (cobrindo os riscos de doença e assistência médica e medicamentosa, subsídio de maternidade, subsídio por morte e pensões de invalidez e velhice), a integração dos trabalhadores domésticos no sistema geral de protecção e a elevação das taxas contributivas pagas por trabalhadores e empregadores para o sistema. Data igualmente deste período (1984) a aprovação da Lei de Bases da Segurança Social, a qual estabeleceu a organização do sistema em torno de três sub-sistemas: o Regime Contributivo, o Regime Não-Contributivo e a Acção Social. O primeiro incluía a maior parte das medidas de cobertura dos riscos típicos dos sistemas de segurança social na Europa, como os de doença, maternidade, acidente profissional, deficiência, velhice, morte e benefícios familiares. As famílias, pessoas com deficiência e pessoas idosas não cobertas pelo Regime Contributivo beneficiavam do Regime NãoContributivo, o qual atribuía benefícios como o abono de família, prestações de maternidade, pensão de sobrevivência, pensão para deficientes e pensão social. Por fim, a acção social visava fazer face a situações pontuais e graves de risco social através de pequenos apoios monetários dependentes das dotações orçamentais, para além de incluir a regulação e financiamento de equipamentos sociais para as pessoas com deficiência, as crianças, os idosos e a comunidade, entre outros. O desempenho dos sistemas de segurança social era baixo, sendo particularmente notório o raquitismo das políticas de combate à pobreza, fazendo emergir assim discrepâncias entre os direitos que haviam sido consagrados e o efectivo acesso a eles por grande parte da população. A evolução das políticas de protecção social foi rápida e relevante no período que se seguiu à adesão à Comunidade Económica Europeia. Afluíram a Portugal os 20 O limiar da pobreza obedece aos mesmos critérios do referido em nota anterior. 75 fundos comunitários num ciclo coincidente com uma conjuntura económica internacional favorável e um clima político estável, o que permitiu a execução dos programas e medidas desenhados no período anterior, nomeadamente na área do emprego e da formação – desde a formação contínua nas empresas até à formação para desempregados e à disseminação das respostas e instituições do sistema de reabilitação sócio-profissional de pessoas com deficiência (Capucha et al., 2004) e o crescimento do nível de cobertura e do desempenho geral dos sistemas de segurança social. São disso exemplo a criação do 14º mês nas pensões e a criação de uma rede de equipamentos e serviços, muitas vezes geridos em parceria com os parceiros sociais e com ONG’s. Esta evolução teve repercussões imediatas na estrutura da despesa pública. Em 1980 a despesa social não ultrapassava 12,8% do PIB (contra um valor médio de 24,3% na Europa). Em 1990 tinha subido para 15% e um novo salto para 23% verificou-se em 1997. Esta evolução está também patente na intensidade do esforço social. Assim, em 1980 a despesa social per capita em Portugal era apenas 31,4 % da Europa, passando para 38% em 1986, 47,6% em 1990, 51,6% em 1995, 59,3% em 2000 e 63,69% em 2002. Em 1987 criaram-se as primeiras iniciativas no campo da luta contra a pobreza, através da extensão ao nosso país do II Programa Europeu de Luta Contra a Pobreza (PELCP2). No quadro do PELCP2 desenvolveram-se 10 pequenos e diversificados projectos de investigação-acção, tendo o governo decidido financiar através do Orçamento de Estado outros 10 projectos que não tinham obtido financiamento europeu. Em 1993 a Comissão Europeia lançou o III Programa Europeu de Luta Contra a Pobreza, o qual financiou quatro projectos com acção à escala “natural”, isto é, com carácter menos experimental que os anteriores, os quais deveriam aplicar os princípios das parcerias, do desenvolvimento local e da participação das populações. O Programa Nacional de Luta Contra a Pobreza (PLCP) que havia sido criado no seguimento dos projectos referidos anteriormente, adoptou aqueles princípios e disseminou intervenções por todo o território nacional. Essas intervenções, de base essencialmente concelhia – descendo por vezes a escalas menores, por exemplo até aos bairros problemáticos dos concelhos urbanos de maiores dimensões ou aos locais onde complementou a intervenção de realojamento no âmbito do Programa Especial de Realojamento – tinham uma duração média de 4 anos e uma natureza multidimensional, actuando em domínios como a criação de equipamentos sociais, a formação profissional especial, a educação, 76 as iniciativas de emprego social ou o artesanato, a dinamização de actividades produtivas em decadência, a reconstrução habitacional, a animação cultural, entre outras actividades, em particular no âmbito do mercado social de emprego. A multidimensionalidade e a adicionalidade de meios eram asseguradas por parcerias de base local que incluíam as entidades públicas e privadas responsáveis pelas diversas áreas de actividades dos projectos. Entre 1996 e 2001 foram financiados 339 projectos com uma verba de € 84.134.295 em todo o país (OIT, 2003).21 A estes devem ser adicionadas iniciativas de cariz semelhante, promovidas primeiramente pela Iniciativa Comunitária Horizon I e depois pelo sub-programa operacional “Integrar”. Pode-se assim dizer que as primeiras políticas públicas de luta contra a pobreza em Portugal tinham uma configuração que associava o combate ao fenómeno aos problemas do desenvolvimento local, assente em metodologias de projecto promovido por parcerias actuando num determinado território delimitado e com objectivos delimitados no alcance e no tempo. A pobreza decresceu de forma significativa durante o ciclo de crescimento económico que se seguiu à adesão de Portugal à CEE em 1986. A crise económica de 1993 teve porém alguns efeitos regressivos. O desemprego atingiu níveis elevados nos anos a seguir à crise e as desigualdades aumentaram de forma significativa. Em boa parte como reacção a tais dinâmicas, iniciou-se a partir de 1995 uma nova geração de políticas sociais activas, noção consagrada no Fórum Europeu das Políticas desse ano e que sintetizava a alternativa ao neo-liberalismo, responsabilizado pela degradação das condições sociais na Europa ou, pelo menos, pela incapacidade para dar resposta a problemas como os do envelhecimento, do desemprego e da exclusão social. Neste quadro, o sistema de segurança social e a respectiva reforma foi objecto de um debate aprofundado, tendo-se criado em Portugal uma Comissão para a produção do Livro Branco da Segurança Social, da qual haveriam de emergir não uma, mas duas obras, uma oficial e outra alternativa. A importância do debate liga-se às funções determinantes desempenhadas pelo sistema de segurança social, pilar basilar da organização do estado e da sociedade, que assegura a solidariedade entre as gerações, a confiança das pessoas nos fundamentos políticos do sistema de governação face à 21 Uma das maiores fragilidades do programa consiste na dispersão e pequena dimensão de cada projecto (média de € 248.184, o que resulta em médias de apenas € 62.045 ano/projecto, insuficientes para atacar a fundo os problemas nos territórios em que se localizam). 77 cobertura dos diversos riscos sociais e um instrumento fundamental de redistribuição de recursos, tanto num sentido vertical, através da transferência de meios das gerações activas para as mais idosas, como num sentido horizontal, através da solidariedade nacional para com os mais pobres, através nomeadamente do crescimento “político” dos valores das pensões mais baixas.22 Durante o período 1995-2000 o desempenho do sistema conheceu uma evolução positiva. Assim, a despesa total em protecção social conheceu uma notável aproximação à média europeia, subindo de 22,1% do PIB em 1995 para 23% em 2000 e 25,4% em 2002, como se pode ver no Gráfico 25. Gráfico 25 – Despesa Total em Protecção Social (% GDP), 1994-2002 Despesa Total em Protecção Social (%GDP), 1994-2002 30 25 20 UE 15 UE 25 15 Portugal 10 5 0 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Fonte: European Social Statistics: Social protection, Expenditure and receipts, Data: 1994-2002, European Commission, Eurostat. Apesar da aproximação, Portugal permanece numa das posições do fundo da tabela no quadro europeu. Na UE25 apenas a Hungria e a Eslováquia apresentam piores níveis, como se pode ver no Gráfico 26. Tal como nos indicadores de pobreza, estamos próximos de países como a Espanha - em relação à qual temos tido uma progressão mais rápida (Guillén e Silva, 2001) -, a Irlanda, a Grécia e os novos países aderentes Eslováquia, Hungria e Eslovénia. 22 A “eficiência” das transferências sociais totais na redução da pobreza é de 61,5% na UE15 e de 49,5% em Portugal, ao passo que a eficiência das “outras transferências” para além das pensões, era a nível europeu de 37,0% e em Portugal 16,7%, em 2001 (Ferreira, no prelo). 78 Gráfico 26 – Despesa em Protecção Social em PPS, per capita, 2001 Fonte: Statistics on focus, Population and Living Conditions, Social Protection, 2004 Em termos da intensidade do esforço em protecção social, medida pela despesa social per capita, a evolução foi igualmente positiva, embora permaneça espaço para nos aproximarmos da média europeia. Em 1980 a proporção da despesa social per capita em relação aos países da actual União Europeia, em paridades de poder de compra, era de apenas 31,2%. Essa proporção tinha subido de forma quase imperceptível para 31,4% em 1986, e de modo mais claro para 38,0% em 1990 e para 48,2% em 1995. Em 2000 o esforço era já de 59,3% da UE15, tendo subido para 63,7% em 2002. A despesa per capita em protecção social era em 2001 de €4298 por ano em Portugal e de €6748 na UE15. O Gráfico 27 procura dar nota desta aproximação, ainda insuficiente, mas que não se pode desligar, a par da diminuição do desemprego, do crescimento do emprego e do crescimento relativo dos salários, da redução em três pontos percentuais na taxa de pobreza verificada entre 1995 e 2001. Por sua vez, a estrutura da repartição da despesa pelas diferentes funções é semelhante à da Europa, como mostra o Gráfico 28, no que respeita às pensões de velhice e sobrevivência (respectivamente 46,0% e 45,8% na UE e em Portugal). O risco de doença e os cuidados de saúde têm um valor superior em Portugal do que na UE (31,3% e 28,2%), o mesmo se passando com as pensões de invalidez (12,3% e 8,0%), ao passo que Portugal gasta menos no subsídio de desemprego (6,2% e 3,6%) e incompreensivelmente, dada a taxa de pobreza infantil e a carência de equipamentos de apoio à família, e dado sermos o país com maiores níveis de desigualdades, também gasta menos nas medidas destinadas à família e às crianças (8,0% e 5,6%) e no alojamento e combate à exclusão social (3,6% e 1,3%). 79 Gráfico 27 – Despesa Total em Protecção Social, per capita em PPS, 1994-2001 Despesa Total em Protecção Social (per capita em PPS), 1994-2002 8000 7000 6000 5000 4000 3000 2000 1000 0 UE 15 UE 25 02 20 01 20 00 20 99 19 98 19 97 19 19 96 95 19 19 94 Portugal Fonte: European Social Statistics: Social protection, Expenditure ans receipts, Data: 1994-2002, European Commission, Eurostat. Gráfico 28 – Protecção Social por função, 2002 Protecção Social por função (% da despesa total em benefícios sociais ), 2002 50,0 45,0 40,0 35,0 30,0 25,0 20,0 15,0 10,0 5,0 0,0 UE 15 Portugal Velhice / Sobrevivência Doença / Cuidados de Saúde Invalidez Família / Crianças Desemprego Alojamento/ Exclusão Social Fonte: Statistics on focus, Population and Living Conditions, Social Protection, 2004 Entretanto, o número de beneficiários da pensão de velhice era 1.518.689 em 2000 (60,9% do total dos beneficiários), os de invalidez 373.337 (15%) e os de sobrevivência 602,277 (24,1%). Os pensionistas eram 23,8% da população portuguesa, representando mais de metade (55%) de todos os beneficiários do sistema, sendo os restantes 45% beneficiários do subsídio de doença (33,5%), dos abonos familiares (5,2%) e desemprego (apenas 3,7%), o que parece indiciar a entrada do sistema de Segurança Social numa fase de maturidade. 80 Dada a evolução previsível dos rendimentos do trabalho e da produtividade, do emprego e principalmente das dinâmicas demográficas23, impunha-se e impõe-se ainda a reforma do sistema português de segurança social24. Existem duas perspectivas sobre o modo de conduzir essa reforma, uma acentuando mais a limitação das responsabilidades do sistema público e propondo a criação de incentivos ao crescimento do pilar privado (Campos, 2000) e outra, que prevaleceu na lei de bases de 200025, mais centrada no reforço do sistema público. Foi pois reafirmado o primado da responsabilidade do Estado na provisão das políticas de bem-estar promotoras da solidariedade inter-geracional e na responsabilidade nacional para com os mais desfavorecidos. A Lei reteve ainda um conjunto de outros princípios que foram sendo experimentados em diversas medidas de política, como o da diferenciação positiva26 a favor dos mais desfavorecidos (a que se liga o crescimento do peso das medidas baseadas na condição de recursos, mais eficazes no combate à pobreza do que as de distribuição simples de dinheiro) ou o da eleição do combate à exclusão social como um dos objectivos centrais do sistema. A aproximação do sistema aos cidadãos e aos contribuintes, a melhoria dos fluxos de informação e a introdução de princípios de horizontalização e coordenação interdepartamental no funcionamento de diversos serviços públicos e entidades privadas, foram iniciativas tomadas também no quadro da nova geração das políticas sociais activas com vista à modernização dos serviços. 23 O índice de envelhecimento da população passou de perto de 85% em 1995 para mais de 95% em 1999, indicando os Censos de 2001 que a população idosa pela primeira vez ultrapassou o peso da população de menos de 14 anos. O índice de dependência dos idosos (população com 65 ou mais anos/população entre 15 e 64 anos x 100) passou de 21,5 em 1995 para 22,8 em 1999. 24 O mesmo acontecendo em toda a Europa, razão pela qual se lançou um processo baseado no método de coordenação aberta para a modernização e sustentabilidade dos sistemas de pensões. 25 Um estudo prospectivo realizado em 2001 mostrava que, naquela altura, apesar dos efeitos inevitáveis do envelhecimento e da maturação do sistema – com sistemáticos aumentos dos valores médios das pensões – a fase em que ele poderá vir a conhecer défices se encontra bastante distante, principalmente se as alterações introduzidas na lei forem cumpridas (nomeadamente as que respeitam à criação do fundo de reserva) e desde que o incumprimento verificado no período 2002-2004 seja rectificado. A sustentabilidade ficará melhor assegurada não tanto através da criação de plafonds que estimulem a procura dos esquemas privados, mas principalmente através do aumento da idade efectiva da reforma e do estímulo ao envelhecimento activo e, como condição deste, da melhoria da qualidade e atractividade do trabalho (Santos e Ferreira, 2002). 26 A via para o desempenho desta função é hoje também objecto de debate. Um dos tópicos respeita à lógica a que deve obedecer o crescimento das políticas redistributivas do rendimento. Se o objectivo é o da elevação dos padrões de vida dos pensionistas de pensões mais baixas, privilegiar-se-ão medidas – relativamente mais caras – de carácter universal, como será o caso da elevação do valor da pensão mínima do regime geral até ao valor do salário mínimo nacional. Se, pelo contrário, o objectivo é o da erradicação da pobreza, os aumentos das pensões mais baixas – de todos os regimes – poderá assumir a forma de um suplemento, conferido sob condição de recursos, que assegure a ultrapassagem dos limiares de pobreza com maior economia de meios (Gouveia e Rodrigues, 2003). 81 Mantiveram-se na nova lei de bases da segurança social o regime contributivo, o regime não-contributivo e a acção social, ao mesmo tempo que se introduziram alterações de fundo na fórmula de cálculo das pensões (opcional para quem já tinha direitos formados), de modo a valorizar a contribuição durante toda a carreira profissional, se estabeleceu a obrigação de financiamento da acção social pelo Orçamento de Estado e se reforçaram os Fundos de Capitalização Públicos, medidas que, conjugadas, permitiriam, em condições normais, o crescimento relativo das prestações e a viabilidade financeira do sistema a longo prazo. Em 2002, o governo saído das eleições desse ano e cujos partidos tinham votado desfavoravelmente a nova lei de bases de segurança social, tentaram alterá-la em profundidade, principalmente no sentido de baixar o plafonamento das contribuições, de forma a estimular o mercado privado. A tentativa foi relativamente mal sucedida, devido à conjugação de posições entre os partidos políticos que a tinham aprovado, os parceiros sociais que tinham acordado os princípios que lhe subjaziam e diversos cidadãos. Porém, a modernização das organizações do sistema foi suspensa gerando-se assim alguma ambiguidade, dado que nem a lei mudou como o governo queria, nem se tornou efectiva na prática. No período de 1995 a 2002, como vimos, a despesa pública com habitação e com o combate à exclusão social permaneceu escassa face ao padrão típico na Europa. Tal não impediu o lançamento de um conjunto de medidas de combate à pobreza que representaram num salto em relação ao anterior Programa de Luta Contra a Pobreza. Este programa foi reforçado, introduziram-se critérios políticos ligados ao combate à exclusão no domínio do crescimento do valor das pensões e das prestações familiares, foi criado o programa da Rede Social na lógica da coordenação de actores que se pretendia promover enquanto princípio de acção das instituições, entre uma série de outras medidas cujos exemplos mais relevantes foram o Rendimento Mínimo Garantido e o Mercado Social de Emprego. A Lei 19-A/96 criou o Rendimento Mínimo Garantido (RMG), após um aceso debate sobre a medida, a qual tinha sido objecto de uma recomendação do Conselho Europeu de 1992 no sentido de todos os estados-membros da União criarem políticas de apoio ao rendimento dos grupos mais pobres da população. 82 Do esquema consta, no essencial, uma prestação pecuniária do regime não contributivo da segurança social criada com o duplo objectivo de combater as formas mais extremas de carência económica e assegurar níveis de vida minimamente dignos a todas as pessoas legalmente residentes em Portugal, que provassem não possuir os recursos equivalentes ao mínimo definido na lei, igual ao valor da pensão social por adulto-equivalente. O esquema integrava ainda um princípio de activação, sob a forma de um programa de inserção destinado a resolver as situações que deram origem à necessidade de recorrer à medida. Os programas de inserção deveriam ser desenhados tendo em conta as características e necessidades de cada pessoa ou agregado e se oferecidos pelas instituições com quem os beneficiários assinam um contrato. A disponibilidade para trabalhar de todos os beneficiários que não o fizessem já e possuíssem condições de idade e saúde para o exercício profissional constitui uma condição de acesso à prestação. Os contratos de inserção iam porém muito mais longe do que apenas o domínio do trabalho, envolvendo também áreas como a saúde, a educação, a formação profissional, o acesso a equipamentos sociais, a habitação ou a acção social. Para aceder à prestação, os beneficiários deviam esgotar previamente todos os direitos para que fossem elegíveis. O valor do subsídio a atribuir consistia na diferença entre os rendimentos do agregado doméstico por adulto-equivalente,27 havendo um abatimento de 20% sobre os rendimentos do trabalho e da formação na contabilização dos orçamentos familiares para incentivar a actividade.28 O limite máximo do subsídio era 24 vezes a pensão social e o mínimo 5% dessa pensão. Todos os cidadãos em comprovada situação de necessidade económica e legalmente residentes no país podiam requerer o benefício, com a condição de serem maiores de 18 anos ou então menores com outros a cargo, grávidas, ou jovens com deficiência. O conceito de agregado incluía o requerente, o esposo/a ou pessoa que com ele vivesse em união de facto há mais de um ano, parentes menores ou estudantes, filhos adoptados, crianças colocadas à guarda do requerente e outros parentes sem condições para o trabalho. 27 A escala de equivalência é mais vantajosa para os beneficiários do que a da OCDE, pois em cada agregado dois adultos têm um ponderador igual a 1, outros adultos a partir do terceiro o ponderador de 0,7 e as crianças um ponderador de 0,5 (a escala da OCDE atribui o valor 1 ao primeiro adulto, 0,7 aos restantes e 0,5 às crianças). 28 Não eram igualmente contabilizadas as prestações familiares e as bolsas de estudo. 83 O RMG era uma medida gerida a nível local pelas Comissões Locais de Acompanhamento (CLA), apesar do carácter nacional que possuía. As CLA integravam obrigatoriamente representantes locais da acção social, da educação, do emprego e da saúde e opcionalmente autarquias, IPSS, parceiros sociais e outras organizações sem fins lucrativos. Competia-lhes acompanhar os beneficiários (tarefa de que eram geralmente incumbidos serviços locais de acção social), bem como a definição e o acompanhamento dos Planos de Inserção que deveriam ser assinados pelo representante da CLA e todos os membros do agregado beneficiário envolvidos. O RMG foi uma medida inovadora, não apenas por completar o sistema de protecção com uma peça que estava ausente, instituindo um direito na acção social onde antes prevaleciam pequenas prestações avulsas concedidas como uma espécie de “benesse” concedida apenas no caso de existir dotação orçamental nos serviços locais de acção social, mas também porque instaurou os princípios da gestão descentralizada de uma medida de política nacional e o da contractualização entre o cidadão beneficiário e a sociedade, sublinhando a ideia de que aos direitos se associam deveres tanto da sociedade como dos cidadãos. Alguns especialistas tinham calculado que 5% da população poderia vir a ser beneficiada no RMG (Rodrigues, 2001). Os mesmos especialistas concluíram que a taxa de “take-up” foi de 72%, bem como que o impacto da medida, ultrapassando os seus objectivos que eram apenas os de atacar as formas mais graves de exclusão, se traduziu na redução de 1,6% na taxa de pobreza e de redução da intensidade da mesma, como pretendido, em 17,7% e ainda de 36% de redução da severidade da pobreza (Rodrigues, 2004). Entre Junho de 1996 e Dezembro de 2002 requereram a medida 479.657 agregados. A taxa de rejeição foi de 40,5% (194.099 processos indeferidos, principalmente por rendimentos superiores aos mínimos ou por não apresentação de comprovativo de rendimento), devido ao funcionamento eficaz dos mecanismos de controlo. Em Dezembro de 2002 o valor médio dos subsídios atribuídos era de €51,3 por beneficiário e de €150,1 por agregado. Em 1997, no primeiro ano (após o período experimental entre Julho de 1996 e Julho desse ano), o número de beneficiários não ultrapassou 1,2% da população portuguesa. A proporção passou para valores mais próximos do esperado em 1998 (3,4%) e atingiu o máximo de 4,3% em 1999. Desse ano até 2002 os valores foram 84 decrescendo, para 4,2% em 2000, 3,4% em 2001 e 3,1% em 2002 (320.155 pessoas e 109.579 agregados). Até Dezembro deste ano tinham beneficiado no total 826.974 pessoas. O número dos que tinham abandonado o benefício era de 506.819 (pertencentes a 175.979 agregados), 62,7% dos quais por terem deixado de se encontrar em situação de necessidade económica. Por não terem cumprido ou subscrito o programa de inserção (respectivamente 11,5% e 7,9%), por possuírem título de residência inválido (1,5%) ou outras razões (16,4%), abandonaram o sistema os restantes 37,3%. Grande parte do abandono por melhoria dos rendimentos foi devida aos efeitos dos contratos de inserção, os quais atingiram o número de 75.379, cobrindo 173.257 indivíduos e incluindo 229.853 acções. São de destacar as áreas da educação (14,8%), saúde (23,6%) e emprego (15,7%). Se a área do emprego não revela números superiores, tal se deve em boa parte ao facto de 39,9% dos beneficiários terem menos de 18 anos, 8% mais de 65 anos, e também ao facto de 24,4% serem pessoas empregadas, 9,1% pensionistas, 4,5% incapacitados para o trabalho e 23,8% estudantes. Os desempregados eram um grupo sobre-representado (19,8%), e as pessoas ocupadas com tarefas domésticas eram 14,7%, saindo desses dois grupos o grosso dos contratos nas áreas do emprego e da formação. Verificou-se uma clara sobre-representação das famílias mono-parentais femininas (21%), sendo também relevantes as famílias compostas por mulheres isoladas (15%) e de homens isolados (12%). As famílias alargadas constituíam 4% do total, os casais sem filhos com 14% e os casais com filhos com 33%. Uma leitura objectiva da medida e dos seus resultados poderia salientar mais os resultados alcançados ou os aspectos menos conseguidos. Entre estes salientam-se as dificuldades encontradas na implementação, resultantes da escassez de pessoal técnico qualificado em quantidade suficiente para as tarefas de acompanhamento das famílias, bem como a fraca qualidade de boa parte dos contratos de inserção e das acções oferecidas, que em muitos casos resultou no incumprimento – e respectiva penalização – dos beneficiários, sem a correspondente responsabilização das instituições. Outros aspectos menos conseguidos, que porém não foram objecto de debate, são a “pobreza envergonhada” que pode explicar uma parte da taxa de “non-take-up” e a exiguidade do benefício. Estas críticas não obstam a que, globalmente, o balanço seja amplamente positivo, servindo o caso português de exemplo para os restantes países do sul, que ou 85 não possuem a medida (Grécia), ou apenas a possuem com carácter muito marginal (Espanha), ou, ainda, se mantêm em fase experimental apenas nalgumas regiões (Itália). Ainda assim, não deixaram de se fazer ouvir nos últimos anos, críticas puramente ideológicas à medida, como a do desincentivo ao trabalho, da dependência ou a da fraude, que se verificou ser das menores em todas as medidas de protecção. Estas razões motivaram um ataque forte ao RMG em 2002. Pretendeu o governo recentemente eleito restringir o acesso principalmente aos mais jovens e colocar uma série de outras dificuldades aos beneficiários. O lado positivo foi a aceitação pelos partidos do centro e da direita do sistema português, pela primeira vez, do princípio do direito dos cidadãos a um rendimento mínimo. Grande parte das propostas de reformulação da lei eram inconstitucionais o que limitou o alcance do ataque. Resultaram ainda assim prejuízos da nova lei – que passou a designar a medida como Rendimento Social de Inserção - por um lado simbólicos, dado que os ataques tiveram efeito de anatematizar a medida, e por outro lado materiais, sendo o mais grave a norma de contabilização dos 12 últimos meses de rendimento para efeito de cálculo do benefício, o que coloca em situação de desespero famílias que se vêem confrontadas, por exemplo, com o termo súbito de subsídios como o de desemprego e que se vêem obrigadas a esperar na maior penúria pelo direito ao benefício. Como também se introduziu a norma de obrigar à renovação anual do requerimento, também aumentou a burocracia em prejuízo do acompanhamento social. Talvez por isso os beneficiários inseridos em programas de inserção tenham descido dos 54,1% de Dezembro de 2002 no RMG para apenas 20,2% no RSI em Fevereiro de 2005. Outro indicador da inversão das tendências positivas liga-se ao número de beneficiários, que vinha descendo no RMG e que, no contexto de uma nova crise económica, voltou a subir significativamente. Assim, em Julho de 2003 os beneficiários eram 5.345, em Maio de 2004 o número tinha subido, de forma contínua e sem interrupções, para 18.297, chegando-se em Fevereiro de 2005 aos 91.974 beneficiários. De resto, os dados do novo RSI, embora menos abundantes do que os anteriormente disponíveis, mostram uma estrutura dos beneficiários de características semelhantes aos do RMG. Se nesta medida os que tinham menos de 18 anos eram 40% e os maiores de 65 eram, 8%, no RSI os valores mantiveram-se em 39% para os mais 86 novos e 6% para os mais idosos. São também iguais as taxas de indeferimento, à volta de 40% em ambos os casos, bem como os respectivos motivos entre os quais predomina a posse de rendimentos superiores aos mínimos (causa evocada para 78% dos pedidos indeferidos no RSI e em 79,3% no RMG). São também semelhantes as condições perante o trabalho e valor médio do benefício, que era de € 59,27 por mês e por agregado em Fevereiro de 2005. Outro exemplo paradigmático da nova geração de políticas sociais activas é o Mercado Social de Emprego. Nele converge a orientação básica de cooperação e compatibilização entre a economia e a integração social de categorias e grupos sociais desfavorecidos, nomeadamente porque, sem essa política, não teriam hipóteses de acesso a um emprego, de aquisição de competências (básicas, pessoais, relacionais e profissionais) para a empregabilidade e de participação activa no desenvolvimento social. Tendo começado por se definir como uma solução de transição de grupos excluídos para o mercado aberto, veio progressivamente a tornar-se em solução mais ou menos permanente de acesso e manutenção na actividade económica. O mercado social de emprego consiste num conjunto de actividades apoiadas pelo Estado com o duplo objectivo de satisfação de necessidades não atendidas pelas empresas normais e de integração de pessoas em situação de exclusão. Incluem-se entre essas actividades: - os Programas Ocupacionais para desempregados, nos quais em 2000 participavam 44.631 desempregados de longa duração; - as escolas-oficina, onde estavam inscritos 5.288 jovens naquele mesmo ano; - a formação profissional especial, incluindo muitas vezes percursos de acesso ao emprego, que, entre outros destinatários, abrangeu em 2002 cerca de 12.000 pessoas pertencentes a categorias como os jovens em risco, os sem-abrigo, extoxicodependentes, ex-reclusos, minorias étnicas e outras em situação de desemprego de longa duração; as pessoas com deficiência em acções de formaçãoreabilitação sócio-profissional eram cerca de 7.000; - as empresas de inserção, que ocupavam 3.109 pessoas; - o emprego protegido para 677 pessoas com deficiência no mesmo ano. 87 Dado que em 2001 a percentagem do PIB de despesas em políticas activas do mercado de trabalho era de apenas 0,2, contra 0,7 na UE15,29 é possível ainda exigir a expansão deste tipo de medidas em Portugal. 29 Ao passo que nas medidas passivas nos aproximamos mais da média (1,0% em Portugal, contra 1,3% na Europa Comunitária, sendo que neste indicador nos encontramos acima do Reino Unido (0,4%), do Luxemburgo (0,5%) da Irlanda (0,7%), da Itália (0,6%) e da Grécia (0,4%)) 88 7 Família, Equipamentos e Serviços A sociedade portuguesa tem sido palco nas últimas três décadas de um importante conjunto de mudanças sociais. Tais mudanças têm a ver não apenas com as dinâmicas que atravessam as sociedades em geral, mas também estão muito particularmente relacionadas com dois marcos políticos importantes na história do país – a revolução de 25 de Abril de 1974, por um lado, e, por outro, a integração na União Europeia em 1986 (Guerreiro, 2000). No plano da vida familiar Portugal registava pelos anos 60 uma percentagem de 17,1% de agregados familiares com mais de 5 pessoas, sendo a dimensão média das famílias portuguesas de 3,8%. Os agregados domésticos de famílias complexas atingiam os 15,4%. A taxa de natalidade em 1960 situava-se nos 24,1%, das mais elevadas da Europa, sendo o índice de fecundidade de 3,2. O número de filhos nascidos fora do casamento era de 9,5%. Os casamentos católicos atingiam os 90,7% e o divórcio não estava previsto na lei portuguesa. Era escasso o número de mulheres com actividade profissional, em pouco ultrapassando os 13%. A análise das dinâmicas ocorridas a partir desta década mostra que a sociedade portuguesa se transformou muito rapidamente, pelo menos em alguns aspectos, apresentando actualmente uma diversidade de perfis que nuns casos a aproximam das sociedades mais modernizadas, e noutros lhe mantêm certas particularidades, ou mesmo retardamentos, em termos de modernidade. Um olhar sobre a actualidade mostra, assim, que do ponto de vista demográfico, o volume da população portuguesa estacionou, depois de ter registado um pico de crescimento em meados da década de 70, com o retorno de alguns emigrantes e dos portugueses até então residentes nas ex-colónias portuguesas em África. Ao nível da ocupação do território, a faixa litoral do país, do Norte ao Algarve, acolhe presentemente cerca de 80% da população residente em Portugal e só nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto vivem quase metade dos portugueses (49,3%) (Machado e Costa, 1998: 18-21). A par das movimentações espaciais ocorreram movimentações na estrutura ocupacional. Nestas últimas décadas a população activa portuguesa recompôs-se e redistribuiu-se noutros moldes pelos diferentes sectores de actividade. O sector agrícola 89 diminuiu drasticamente o seu peso. A indústria teve algum crescimento até aos anos 80, quando chegou a ocupar 38,7% da população activa, mas a partir daí tem decrescido o seu contributo na criação de emprego, sendo o sector terciário aquele que ocupa presentemente a maioria da população em Portugal. Os dados do Joint Report on Social Protection and Social Inclusion referentes ao ano de 2003 apontam para um volume de população empregada nos serviços na ordem dos 55%, na indústria na casa dos 32,3% e na agricultura de 12,6% (Comission Européenne, 2005: 91). Estes valores, como vimos pormenorizadamente atrás, colocam Portugal acima da média europeia no que respeita ao volume do emprego na agricultura e na indústria, onde para o conjunto da UE25 se registam, respectivamente, 5,2% e 25,5% de empregados naqueles sectores, enquanto, por outro lado, o país está aquém dos valores médios europeus registados para o sector terciário, que ocupa 69,2% de activos no conjunto dos países da União Europeia (Comission Européenne, 2005: 91). Na opinião de certos autores, terá constituído um impulso de primordial importância para o crescimento do emprego no sector terciário em Portugal, para além do aumento das actividades de serviços prestados aos particulares e às empresas pela iniciativa privada, a implantação a partir do 25 de Abril de 1974 de políticas sociais estatais até então amplamente deficitárias. Afirmam estes mesmos autores, que “embora o chamado estado-providência não tenha nunca alcançado em Portugal a expressão que teve e tem noutros países europeus, as políticas progressivamente postas em prática, à escala nacional, em domínios como a educação, a saúde e a segurança social, traduziram-se na criação de grande número de empregos, como se pode verificar observando a evolução de grupos profissionais como os professores, os médicos ou os trabalhadores sociais, entre vários outros” (Machado e Costa, 1998: 31). Um fenómeno interessante que se começou a verificar nos últimos anos, com óbvia relevância do ponto de vista das estruturas e práticas familiares, é o da maior escolaridade das mulheres, por comparação com o sexo masculino. Embora nos grupos de idades acima dos 50 anos as mulheres tenham taxas de analfabetismo muito superiores às dos homens dos mesmos escalões etários (Guerreiro e Romão, 1995), as mulheres jovens tendem a estar em maior proporção nos níveis mais avançados do ensino secundário e no ensino superior. Aliás, Portugal regista o índice mais elevado de feminização do ensino superior (130) (Eurostat, 1999a) no conjunto dos países da União Europeia, o qual ainda era mais alto em 1991 (151 raparigas para 100 rapazes) (Eurostat, 1995), período em que estava menos disseminada a rede de universidades 90 privadas. Os Censos Populacionais desse ano (1991) registavam na população dos 2024 anos perto de 67% de mulheres para 33% de homens na população diplomada com ensino superior. Nos Censos de 2001, a tendência para a feminização dos níveis de escolarização mais elevados mantém-se, sendo que o diferencial era favorável às mulheres, quer em termos percentuais (4,1% contra 3,4% da população que frequentava licenciaturas, mestrados ou doutoramentos), quer no facto de possuírem mais habilitações nos níveis de ensino básico (19,2% para as mulheres, 17,4% para os homens). A par do aumento do sector terciário assistiu-se a uma participação progressiva das mulheres no mercado de trabalho, a qual em certas décadas, praticamente duplicou (Guerreiro et al, 1998). De uma taxa de actividade feminina de 13% em 1960 passou-se para 43% em 1997, de acordo com os dados constantes no Plano Nacional de Emprego (Ministério do Trabalho e da Solidariedade, 1999: 112). Calculada com base no conjunto da população em idade de trabalhar, modalidade utilizada pelo Observatório do Emprego da Comissão Europeia, a taxa de actividade feminina situava-se, em 1997, nos 63,6%, em 2002 nos 65%, e em 2003 nos 65,6%. No que diz respeito à taxa de emprego, de acordo com os mesmos critérios, em 1997 situava-se nos 58,6% e em 2003 era de 61,4%, o que testemunha a crescente feminização do mercado de trabalho. (Comission Européenne, 1999; 2005). Mais, quando comparadas com as mulheres dos restantes países que constituem a Europa dos 25 observamos que o nosso país apresenta a sétima taxa de actividade feminina mais elevada para o grupo etário dos 15 aos 64 anos (65,6%, em 2003), sendo a Suécia o país que apresenta a percentagem mais elevada (75,4%) e Malta com a percentagem mais baixa (36,8%). Inclusivamente, em 2002, as mulheres portuguesas, a par com as suecas, eram as que trabalhavam até uma idade mais tardia (63,1 anos), mais três anos que a média estimada pelo Eurostat (60,4). Por outro lado, a taxa de actividade masculina, relativamente ao conjunto da população de todas as idades, apresenta um certo decréscimo. De perto de 64% em 1960 desce para os 57% em 1997. Assim, globalmente pode dizer-se que a taxa de actividade em Portugal tem crescido sobretudo com o contributo da participação feminina na vida profissional. Grande parte das mulheres trabalha no sector dos serviços, a exemplo do que acontece noutros países. Segundo o referido Observatório do Emprego, os serviços são o sector de actividade mais feminizado em Portugal. Segundo Guerreiro (2001), os serviços contavam, em 1997, com uma taxa de emprego feminino de 64,6% para uma 91 taxa de emprego masculino de 48,6%. Confirma-se, com estes valores, o que vários estudos têm referido, no que respeita à segregação horizontal do mercado de trabalho, calculada relativamente ao conjunto da população de todas as idades. As mulheres são remetidas para determinados sectores de actividade, e dentro destes para determinadas ocupações muito específicas. De facto, em 1999, a profissão principal que caracterizava a população feminina era do “pessoal dos serviços e vendedores” com 19,2%, correspondendo as mulheres a 63,8% do total afecto a esta profissão. Volvidos 5 anos, observa-se sensivelmente a mesma percentagem (19,1%) para a mesma categoria profissional, seguida das profissões não qualificadas (16,9%). No entanto, quando nos centramos nas profissões mais qualificadas “Quadros Superiores de Administração Pública, Dirigentes e Quadros Superiores de Empresas” e “Profissões Intelectuais e Científicas”, verificamos que os valores das percentagens de participação dos homens e das mulheres nestas profissões são muito próximos (17,6% para os homens, 17,2% para as mulheres). Porém, não obstante esta situação, observa-se igualmente uma maior proporção de homens na primeira categoria de profissões e uma proporção maior de mulheres na segunda, o que é testemunho de que mesmo altamente qualificadas, as mulheres continuam a não aceder a lugares directivos e de maior destaque social e profissional. Ainda no que diz respeito a esta questão, e olhando para os valores apresentados pela Eurostat em 2005, observa-se que Portugal é o quarto país que apresenta a percentagem mais baixa de mulheres a trabalhar no sector dos serviços (55%), precedido pela Eslovénia (52,3%), a Polónia (53%) e a Lituânia (54,1%); e o que se encontra em sexto lugar (com 12,6%) dos países que apresentam percentagens mais elevadas de mulheres que desenvolvem actividades profissionais no sector da agricultura, sector este marcado pela precariedade e rendimentos baixos. Esta última observação conduz-nos a um outro tópico que marca a realidade portuguesa no que diz respeito à desigualdade entre os sexos: as diferenças salariais entre homens e mulheres. Segundo o Plano Nacional de Emprego 2003-2006, o grau de diferenciação dos ganhos médios entre homens e mulheres no sector empresarial passou de 72,6% em 1999 para 73,8% em 2000, em termos brutos, o que mostra que continua a existir uma maior concentração de homens em sectores e profissões com salários mais altos, bem como alguns fenómenos de discriminação indirecta em termos salariais. Entre Abril de 1993 e Outubro de 1998, de acordo com o Inquérito dos Ganhos, mais de metade dos trabalhadores por conta de outrem que recebem o salário mínimo nacional eram mulheres. Do mesmo modo, e segundo os dados do “Painel Europeu dos 92 Agregados Domésticos Privados” (Eurostat), em 2003, a diferença entre os salários brutos auferidos numa hora pelas mulheres e pelos homens era, em média, desfavorável para as primeiras em 9%. As mulheres são igualmente as que apresentam maiores taxas de desemprego de longa duração (2,7% em 2003, contra 1,8% para os homens, no mesmo ano). Considerando as taxas de desemprego por grupos de idade, verificou-se que o desemprego, segundo estatísticas do INE de 2001 referentes a 1999, foi maior nas mulheres entre os 15 e 24 anos, com taxas de desemprego mais elevadas do que os restantes grupos de idade (10,8%). O inquérito ao emprego mostra que o único grupo etário em que as mulheres têm uma taxa de desemprego inferior à dos homens é no dos 54 e mais anos. Cruzando a condição de “desempregada” com o nível de escolaridade damo-nos conta que a maior parte das mulheres desempregadas possuíam o ensino básico (76,6%) e que 17% possuíam o ensino superior. Uma outra particularidade a referir no que respeita à inserção profissional das mulheres portuguesas é a da pequena expressão do trabalho a tempo parcial. Com essa situação não regulamentada até recentemente (Ministério do Trabalho e Solidariedade, 1999), e também devido aos baixos salários médios praticados no país, Portugal é dos parceiros da União Europeia com menor incidência de trabalho em tempo parcial. Embora em crescimento, não ultrapassava os 15% em 1997, sendo de 9,9% a média do trabalho a tempo parcial para ambos os sexos (Comission Européenne, 1999). Em suma, apesar deste cenário de feminização do emprego, do sistema de ensino e formação, persiste uma série de factores relacionados com segregação e discriminação. As recomposições sociais que se observam no nosso país nas últimas décadas têm sido determinadas por um conjunto de factores que se relacionam, por um lado, com o aumento da presença feminina em todos os níveis de ensino e de formação profissional, e por outro, pela entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho e a passagem para um modelo de participação na actividade profissional mais contínuo30, ou seja, menos marcado por interrupções por motivos relacionados com a prestação de cuidados à família. Quando comparamos a situação das mulheres portuguesas com a dos outros países que constituem a UE, damo-nos conta de um conjunto de situações: as mulheres portuguesas são as que têm o horário de trabalho mais longo da UE; são umas 30 Este modelo mais contínuo de participação feminina no mercado de trabalho está em boa parte relacionado com dois factores distintos: a forte adesão das mulheres com filhos pequenos a uma actividade profissional e a quebra das taxas de fecundidade. 93 das que detêm uma taxa de actividade feminina mais elevada, mas as que apresentam os salários mais baixos da UE. 7.1 Mudança e diversidade nas relações familiares As taxas de escolaridade mais elevadas, os percursos escolares mais prolongados, bem como as maiores dificuldades dos jovens na obtenção de um emprego estável, correspondem a uma idade mais tardia para entrada na vida adulta e para constituição da própria família (Lewis, S. et al, 1999). Os indicadores demográficos apresentados pelo INE, para o ano de 2003, apontavam como médias de idade para o 1º casamento dos homens os 28 anos e das mulheres os 27, quando em 1960 estes valores eram, respectivamente, de 26,9 e 24,8 anos. A taxa de nupcialidade em Portugal é das mais elevadas da Europa (6,7% em 1998) (Eurostat, 1999b), mas tem vindo a descer no nosso país passando de 7,3 em 91 para 5,7 em 2001 (INE, Censos 2001). Os casamentos católicos continuam a ser maioritários (66,5% em 1996), embora este último indicador esteja em decréscimo com o aumento da coabitação (que duplicou entre 91 e 2001, passando neste último ano a abranger 6,9% dos núcleos) (Aboim, 2003). As taxas de divórcio por seu lado sobem (indicador que duplicou, passando de 1 em 1991 para 1,8 em 2001). Em 2003, cada mulher teve, em média, 1,4 crianças. O adiamento da maternidade acontece cada vez com mais frequência sendo que, segundo o INE, a idade média da mulher aquando do nascimento do primeiro filho é de cerca de 27 anos (26 em 1995) e a idade média no nascimento de um filho (sem ser o primeiro) é de aproximadamente 29 anos (28 em 1995). Os nascimentos diminuíram drasticamente situando-se a taxa de natalidade em 11,1% no ano de 1996, ainda que pareça estar a inflectir no sentido de uma ligeira subida a partir daquela data (11,4% em 1998) (Eurostat, 1999a); e o índice sintético de fecundidade passou de 1,6, em 1991 para 1,5 em 2001. Os filhos nascidos fora do casamento continuam a aumentar desde os anos 70, situando-se nos 20% em 1998 (Eurostat, 1999a) e passaram para 23,8% em 2001 (INE, Censos 2001). Os agregados domésticos são hoje mais pequenos do que em 1960. Passaram de uma dimensão média de 3,8 indivíduos para 3,1 em 1991, e para 2,8 em 2001 (INE, Censos 1991 e 2001). Por seu turno, a percentagem de agregados domésticos com 5 94 pessoas diminuiu, representando, nos censos 2001, 3,5% dos agregados, metade de 1991 e um quinto do que representava em 1960 (Aboim, 2003). Segundo a mesma autora, as famílias monoparentais não parecem ter tido um grande crescimento, nem tampouco os agregados domésticos de famílias complexas decresceram significativamente, podendo muitos deles albergar no seu seio núcleos monoparentais. A estes indicadores associam-se, como atrás se viu, elevadas percentagens de mulheres a exercerem profissão em regime de tempo completo e sem interromperem a respectiva actividade profissional enquanto têm crianças pequenas. Este parece ser, aliás, um traço distintivo da sociedade portuguesa actual por comparação quer com as muito mais baixas taxas de actividade feminina nos outros países do sul da Europa, quer com as muito mais elevadas percentagens de trabalho a tempo parcial das mulheres com filhos em diversos países europeus situados mais a norte. Note-se ainda que nas famílias portuguesas os cônjuges do sexo masculino realizam muito poucas tarefas domésticas (Knüppel, 1995; Guerreiro e Ávila, 1998). Para algumas famílias portuguesas parece ainda funcionar a rede de entreajudas familiares femininas e outras poderão contar com apoio doméstico profissionalizado. Mas numa grande parte dos casos, se as solidariedades de parentesco não funcionam e não dispõem de recursos financeiros suficientes que lhes permitam adquirir serviços no mercado, recai sobre as mulheres a acumulação do trabalho profissional com o trabalho familiar. Inclusivamente, as mulheres portuguesas, quando comparadas com as dos outros países da UE, são as que dispõem de menos apoios em termos de equipamentos de apoio ao cuidado de crianças, idosos, dependentes ou deficientes dependentes. Por fim, para concluir este conjunto de referências de enquadramento, refira-se também o crescimento da população idosa e dos agregados domésticos de pessoas sós em idade avançada. Esta população é a que tem mais peso (51%) no conjunto das unidades domésticas de um só residente e representa 20% da faixa etária de mais de 65 anos (Guerreiro, 2003), o que levanta a questão da prestação de cuidados, os quais, em muitos casos, já não podem ser assegurados por familiares, por vezes ausentes, outras vezes em fase activa e exigente dos respectivos trajectos profissionais, sem disponibilidade para atender às suas necessidades. Os dados aqui apresentados procuram situar a sociedade portuguesa no contexto europeu e evidenciam que em muitos aspectos seguimos o que se passa noutros países, se bem que com atrasos, e 95 noutros apresentamos especificidades decorrentes de características estruturais, a nível social, económico e cultural. 7.2 A evolução das políticas de apoio à família em Portugal Nos últimos 30 anos as famílias com crianças no nosso país assistiram a muitas mudanças. Quer do ponto de vista demográfico, quer do ponto de vista da relação das mulheres com o mercado de trabalho31, em geral, podemos dizer que tem havido algumas mudanças no apoio à família no seu dia-a-dia familiar e laboral. Mesmo as próprias definições de família e das obrigações entre familiares, tal como se encontram na legislação e nas medidas de política social de apoio à família, têm sofrido várias transformações desde o sistema corporativo de protecção social até aos dias de hoje. A questão da igualdade entre os sexos, introduzida nas políticas de apoio à família depois do 25 de Abril de 74, não apenas sustentou a responsabilidade pública pela importância do trabalho feminino e a protecção das mulheres no mercado de trabalho como também desenvolveu, em particular nos últimos anos, uma forte ligação às questões da conciliação trabalho/família. No âmbito das políticas familiares em Portugal podemos falar de vários elementos importantes. Desde as licenças de maternidade/paternidade até ao desenvolvimento das estruturas de guarda, passando pelo apoio às mães através da flexibilização dos horários ou dos tempos de trabalho, muito se tem feito na tentativa de apoiar as famílias no seu dia-a-dia familiar e laboral. 31 Lígia Amâncio (1994) sistematizou cinco teorias implícitas sobre a situação das mulheres no trabalho: a teoria implícita psicológica que apresenta a discriminação da mulher no trabalho como resultante de um perfil de características psicológicas negativas e inadequadas ao desempenho no mundo do trabalho; a teoria implícita positiva que questiona a discriminação da mulher no trabalho, ao apresentar as características expressivas e a orientação relacional do comportamento feminino como particularmente adequadas ao mundo do trabalho (o que corresponde a uma valorização desta teoria implícita da “personalidade” feminina); a teoria implícita progressiva que apresenta a discriminação da mulher no trabalho como resultante de interesses económicos, da estratificação social entre os sexos e da posição dominante e privilegiada dos homens neste mundo, acentuando uma causalidade externa e sociológica; a teoria implícita individual que apresenta a discriminação da mulher no trabalho como resultante da incompetência, das qualificações e orientação vocacional de algumas mulheres; e a teoria implícita tradicional questiona a discriminação da mulher no mundo do trabalho como consequência do papel tradicional da mulher na família, situando a questão numa vocação “natural” e socialmente valorizada da categoria feminina. 96 Foi depois do 25 de Abril que a abordagem a estas questões foi feita de uma forma mais abrangente e com uma implementação mais eficiente e real. A Legislação começou por tirar da letra da lei, que vigorava no Estado Novo, o dever das mulheres de orientarem a casa e as tarefas domésticas, abolindo o carácter subordinado que lhes era imputado na altura, no que diz respeito à sua relação com o marido e ao estabelecimento de regras no seio familiar; e introduziu os mesmos direitos e deveres para homens e mulheres, mães e pais, impondo a igualdade de direitos em todos os domínios através da proibição de qualquer tipo de discriminação sexual (art. 13), especialmente no emprego (art. 59 e 60) (Wall, no prelo, 2004). Na Constituição de 1976, passou a ser reconhecida ao Estado a obrigação de informar relativamente ao planeamento familiar, e de desenvolver a Rede Nacional de Assistência Infantil cooperando, desta forma, com os pais na educação das crianças (artigo nº 67). Segundo Wall (2000), durante este período, as medidas específicas com impacto significante no quotidiano das famílias com crianças pequenas eram centradas na questão da protecção das mulheres no mercado de trabalho, principalmente, no que diz respeito à provisão de uma variedade de medidas relacionadas com a maternidade. Foi introduzida em 1976 a Licença de Maternidade, paga na totalidade pelo período de 90 dias para todas as mulheres trabalhadoras (Lei nº. 112/76 de 7 de Fevereiro), e em 1979 na Lei nº. 392 estabeleceu-se a igualdade de direitos no trabalho, quer no que diz respeito aos direitos da mulher enquanto trabalhadora, quer no que diz respeito ao seu salário: “pagamento igual para trabalho igual”. Esta lei assinalou igualmente a importância da maternidade através da definição da protecção da mulher grávida no trabalho32. A Comissão para a Igualdade no Emprego e no Trabalho foi fundada no mesmo ano com o objectivo específico de “fiscalizar” a implementação destes novos princípios. As mudanças ao nível de quem poderia requerer tais benefícios ou ser titular tiveram algum impacto nas famílias de então, uma vez que alargou o âmbito de aplicação dos mesmos. Se anteriormente, no Estado Novo, o subsídio de família, criado por Salazar nos anos 40, se baseava no conceito de homem “ganha-pão”, decorrendo daí a atribuição da titularidade do mesmo ao membro masculino do casal33 (casado e 32 A Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego do Ministério do Emprego e da Segurança Social foi fundada ao mesmo tempo com a obrigação de controlar e supervisionar a implementação destes novos princípios. 33 Este era apenas recebido se dissesse respeito a famílias de mulher e filhos “legítimos”, estes até aos 14 anos (Wall, 1995b). Nos anos 60/70, numa tentativa de desenvolver o sistema de segurança social, o regime atribuiu pequenos benefícios adicionais às famílias: subsídios de casamento, de nascimento e de 97 trabalhador do sector da indústria ou do sector dos serviços), na nova Lei nº 197/ 77 de 17 de Maio estabeleceu-se que o pedido de benefícios sociais poderia ser feito por qualquer adulto independentemente do sexo e do estado civil, sendo este considerado como um direito da criança. Desta forma, a universalização dos benefícios trouxe para o sistema de subsídios familiares as famílias que anteriormente eram formalmente excluídas pelo Estado, normalmente os mais pobres, como sejam as mães solteiras com crianças nascidas fora do casamento (Wall, no prelo, 2004). Ao nível dos serviços de apoio às crianças na Constituição de 197634, ao invés da política estabelecida pelo Estado Novo, onde se partia do princípio que as mães e as famílias eram responsáveis pela prestação de cuidados às crianças35, o Estado compromete-se a desenvolver uma rede nacional de assistência materno-infantil e a cooperar com os pais na educação dos filhos promovendo, ao mesmo tempo, a privacidade e autonomia da família36. A resposta às necessidades das crianças pequenas e a educação pré-escolar tinha como principal origem as instituições particulares de solidariedade social ligadas à Igreja, que tinham uma vasta tradição na prestação de serviços, e as instituições privadas lucrativas e cooperativas. O aumento desta rede de prestação de cuidados às crianças e de educação pré-escolar está relacionado, ao mesmo tempo, com a criação de instituições de cuidados às crianças fundados por comunidades, organizações voluntárias, organizações comunitárias, sindicatos, etc. Esta lenta expansão dos jardins-de-infância nos primeiros 10 anos depois da Revolução foi acompanhada por algumas medidas políticas. Por exemplo, foram constituídos dois corpos coordenadores da educação pré-escolar: o Ministério da Educação e o Ministério do Emprego e Segurança Social (actual Ministério do Trabalho e da Solidariedade). A aleitamento (Decreto nº17963 de 23 de Setembro de 1960) e um subsídio de maternidade em 1963 (Wall, 200:54). Estes benefícios, tal como os de apoio à família, continuavam a ignorar os trabalhadores rurais e os que não tinham uma carreira contributiva. Este modelo corporativista de prestação de benefícios sociais tinha um duplo carácter: por um lado tinha um carácter explícito no sentido em que reconhecia a inadequação do sistema salarial às necessidades das famílias; por outro, tinha um carácter implícito uma vez que era uma forma de o Estado promover o casamento e o aumento da natalidade. 34 Artº. 67 da Constituição de 1976. No entanto, é importante relembrar com a emigração masculina, nos anos 60, deu-se uma entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho e como tal o sector privado e o sector voluntário começaram muito timidamente, a prestar cuidados às crianças em idade pré-escolar (Bairrão in Wall, 2001). 35 36 Apesar do reconhecimento formal em 1976 do dever do Estado em desenvolver uma rede nacional de assistência materno infantil, os investimentos públicos encontravam-se mais direccionados para o desenvolvimento de outros sectores do sistema educativo, como a educação básica obrigatória. Nos finais dos anos oitenta apenas 31% das crianças entre os 3 e os 5 anos estavam inseridas em jardins de infância (Bairrão e Tietze, 1995). 98 partir de então, as creches criadas pelos empregadores foram desaparecendo gradualmente, mas as instituições não lucrativas de solidariedade social aumentavam de uma forma estável, apesar de não serem suficientes na satisfação de todas as necessidades das famílias com crianças pequenas. Nas cidades existiam longas listas de espera e baixa qualidade nos serviços prestados devido ao afluir de pessoas às instituições; na maior parte das zonas rurais, creches e ensino pré-escolar eram praticamente inexistentes; nas grandes cidades, embora com maior qualidade do que nas outras cidades, em termos dos serviços prestados e das instalações que ofereciam, não eram suficientes para satisfazer as necessidades das famílias. O cuidado prestado pela família e as amas ilegais eram a alternativa às instituições formais de prestação de cuidados às crianças. Estas tinham a vantagem de serem mais baratas e de oferecerem horários mais flexíveis e extensíveis. As mulheres com ocupações profissionais podiam recorrer sistematicamente a mulheres que, para além de cuidarem dos seus filhos, faziam as lidas da casa. Se nenhuma destas soluções estava ao dispor das famílias, as crianças eram deixadas em casa sozinhas ou sob a alçada de uma criança mais velha, mesmo tendo em consideração que os novos valores da constituição, no que diz respeito à infância, insistiam na protecção e no cuidado das crianças. No entanto, é preciso termos em consideração que os pais nos anos 70 e 80 foram socializados numa sociedade profundamente rural onde o trabalho e a sobrevivência eram as prioridades e a protecção social e a provisão de cuidados, bens e serviços era inexistente37. Em meados dos anos 80 e durante os anos 90 assistiu-se ao que André (1993) denominou de “consolidação” da participação das mulheres no mercado de trabalho onde o padrão de actividade feminina se aproximou do dos homens e onde os casamentos e o nascimento dos filhos deixaram de ser factores determinantes para o abandono da actividade profissional. Acresce ainda dizer que este valor subiu para 65% em 2001. Neste contexto, é igualmente importante apontar que esta participação no mercado de trabalho, ao contrário de alguns países, é, na sua grande maioria, a tempo inteiro. Enquanto que em Portugal a percentagem de mulheres a trabalhar a tempo parcial, no ano de 2000, era de 16%, noutros países da União Europeia esses valores são 37 Nos anos 90 o problema das crianças deixadas sozinhas em casa continuou a ser uma realidade. Almeida et al (1990), num estudo sobre os maus tratos às crianças, afirmam que a falta de cuidados às crianças é um dos três principais tipos de maus tratos numa amostra de 755 crianças mal tratadas e o que é curioso é que este tipo de mau trato é transversal a todas as classes sociais. 99 substancialmente mais altos: 70% na Holanda; 45% no Reino Unido; 41% na Bélgica; 38% na Alemanha; 36% na Suécia e 34% na Dinamarca, entre outros (Eurostat, 2002). No que diz respeito às políticas públicas relacionadas com esta alteração dos valores da família e do trabalho feminino deram-se algumas mudanças. Estas começaram por ter em consideração a vida familiar e a vida profissional, não apenas do ponto de vista dos problemas tradicionais da protecção da maternidade e da igualdade de género, mas também do ponto de vista da conciliação entre ambos. Segundo Karin Wall (2001) isto obrigou à tomada das seguintes medidas: aumento da protecção das mães que trabalham antes e depois do nascimento da criança; aumento das licenças de maternidade e de paternidade; e expansão dos serviços de apoio à criança. Em 1984, a Lei da Protecção da Maternidade e da Paternidade estabeleceu um novo conjunto de novas licenças para os pais. Dirigia-se aos pais que trabalhavam (qualquer um deles) e atribuía-lhes trinta dias, por ano, para faltarem ao emprego para cuidar de uma criança doente até aos 10 anos (ou 15 dias para cuidar de uma criança acima dos 10 anos, um cônjuge ou um parente em linha ascendente)38. Estabeleceu-se igualmente que qualquer dos membros do casal com crianças até aos 12 anos tinha direito a trabalhar em part-time ou num horário flexível e, depois da licença de maternidade, poderia usufruir de uma licença especial (não paga) para cuidar da criança (Wall, 2001: 34-35). Na segunda metade dos anos 90, a legislação aumenta a licença de maternidade primeiro para 98 dias (Lei nº 17/ 95 de 9 Junho) e depois para 120 dias (Lei nº142/99 de 31 de Agosto)39. Introduziu igualmente 5 dias (a partir de Janeiro de 2000) de licença de paternidade e permitiu a opção dos pais partilharem os 120 dias de licença ou de os atribuir ao pai, após as 6 semanas gozadas obrigatoriamente pela mãe. Anteriormente, a atribuição da licença aos pais apenas acontecia no caso do falecimento da mãe ou por doença desta. Finalmente, os pais têm a possibilidade de usar duas semanas de licença 38 As excepções eram as mães solteiras, que tivessem o rendimento per capita inferior a 70% do Ordenado Mínimo Nacional, os funcionários públicos e alguns trabalhadores no sector público e nos serviços. Esta situação modificou-se em 1995, quando as leis 332/95 e 333/95 de 23 de Dezembro afirmavam um benefício igual a 65% da média diária do salário para todos os trabalhadores que pediam licença para cuidar de um filho doente com idade inferior a 6 anos ou, em alternativa, a trabalhar em regime de part-time por 6 meses. Os avós foram igualmente tidos em consideração pela primeira vez: têm o direito a 30 dias de licença paga para ajudar a cuidar de um neto recém-nascido no caso da mãe ser solteira e ter até 16 anos aquando do nascimento da criança, e que viva na mesma casa. 39 Portugal é um dos países da União Europeia que tem a licença de maternidade mais curta (salvo a Alemanha com 14 semanas, a Bélgica com 15, a Áustria, o Luxemburgo, a Holanda e Espanha com 16 semanas). Os países com licenças de maternidade mais longas são a Suécia com 64 semanas (dois meses podem ser usados em exclusivo pela mãe e outros dois meses pelo pai); a Finlândia com 44 semanas; a Dinamarca com 28 semanas e por fim o Reino Unido com 26 semanas (Abril de 2003). 100 parental (depois dos 120 dias) tendo como direito serem parcialmente recompensados monetariamente pelo referido período de tempo. Em 1999, com a Lei nº 142/99 de 31 de Agosto, a licença parental não paga foi alterada para três meses de licença parental para cuidar de criança até aos 6 anos ou, em alternativa, a trabalho part-time por 6 meses ou a combinação dos dois tipos de licença. Os avós foram igualmente tidos em consideração na prestação de cuidados à criança, sendo que têm a possibilidade de usufruir de 30 dias de licença paga. No entanto, esta licença só é atribuída no caso da criança ser filha de uma família monoparental em que a mãe tem idade inferior a 16 anos e reside na mesma casa que a avó. A mulher grávida também é tida em consideração, foi-lhe atribuído o direito de gozo de licença de maternidade anterior ao parto no caso de haver risco de aborto, pelo período de tempo necessário para a prevenção do risco fixado por prescrição médica. Relativamente aos benefícios da Segurança Social, aconteceram duas grandes mudanças: a primeira está relacionada com os benefícios familiares no seu global, a segunda está relacionada com a introdução de um rendimento mínimo de sobrevivência para as famílias mais carenciadas. No que concerne às estratégias de desenvolvimento da prestação de cuidados à criança e à educação da criança pequena, o problema tem sido amplamente discutido na última década. O instrumento de política social no que diz respeito a esta questão, desenvolvido no final dos anos 90, foi a Lei da Educação Pré-escolar que passou no Parlamento em Dezembro de 96, que foi seguida, em 1997, da Lei 147/97, de 11 de Junho, que institui as estratégias para o desenvolvimento da educação pré-escolar40. A lei resultante é um compromisso entre a visão da necessidade de criação de uma rede pública do ensino pré-escolar gratuito e a de que a família, o sector privado, a administração central e as autoridades locais devem estar envolvidas na expansão destes serviços. Esta lei define a educação pré-escolar dos 3 aos 5 anos como o primeiro estádio da educação básica e estabelece os princípios de organização e objectivos principais ao mesmo tempo que indica papéis e obrigações do Estado, da família, das autoridades locais e das instituições privadas. Ao longo desta terceira fase, as estratégias 40 A lei resultante é um compromisso entre a visão da necessidade de criação de uma rede pública de préescolas gratuita e a de que a famílias, o sector privado, a administração central e as autoridades locais devem ser envolvidas na expansão destes serviços. Esta lei define ainda o ensino pré-escolar (dos 3 aos 5 anos) como o primeiro estádio da educação escolar básica, estabelece os objectivos principais ao mesmo tempo que atribui obrigações ao Estado, à família, às autoridades locais e as instituições privadas. A nova lei também estabelece um horário de funcionamento dizendo que este deve ser adaptado por forma a que forneça refeições às crianças e para ter em conta não só as actividades educacionais como também as necessidades das famílias. 101 públicas de desenvolvimento do sector afastaram-se de um modelo baseado no conceito de “rede pública” financiada e gerida pelo Estado e aproximaram-se de um modelo pluralista caracterizado pela diferenciação institucional e pela mistura do público e do privado, levando a que três sectores repartam hoje entre si a gestão e o financiamento dos equipamentos sócio-educativos: o sector público (equipamentos pertencentes ao Estado ou às Câmaras); o sector privado não lucrativo subsidiado pelo Estado; e o sector privado com fins lucrativos (Wall, 2000). No que diz respeito às provisões financeiras às famílias estas ainda se podem considerar limitadas, no entanto tem vindo a aumentar: nos anos 90 incluíram medidas como o já referido Rendimento Mínimo Garantido, actual Rendimento Social de Inserção; o reforço da protecção social à pessoa desempregada a partir dos 45 anos; o aumento da Licença de Maternidade para 120 dias; e a introdução do pagamento de 65% do salário aos pais que fiquem em casa para cuidar de um filho doente com idade inferior a 10 anos. Em 2003 foram introduzidas algumas alterações através do decretolei 176/2003 de 2 de Agosto desse ano. A primeira das mudanças é puramente simbólica, o “subsídio familiar a crianças e jovens” volta a ser chamado de “Abono de família para crianças e jovens”. A segunda mudança é mais significativa. Está relacionada com o titular do subsídio e as condições em que o pode ser. Até ao estabelecimento deste decreto-lei a titularidade desta provisão às famílias estava ligada ao emprego e à segurança social, ao passo que agora a titularidade está relacionada com a residência em Portugal, o que quer dizer que o titular terá de ser cidadão nacional, a residir em Portugal, ou um residente estrangeiro com visto de residência ou trabalho (artigo 7º do decreto acima referido). O terceiro aspecto que caracteriza esta nova forma de atribuição de prestação financeira às famílias é a selectividade. Com o objectivo de melhorar a redistribuição e chegada a famílias mais vulneráveis em termos económicos e sociais, a nova lei enfatiza, por um lado, a necessidade de apoiar as famílias numerosas (famílias com três ou mais crianças), e por outro, criar outros níveis de atribuição de subsídios às famílias. Deste modo foram introduzidos os seguintes objectivos: as famílias com um rendimento superior a 5 vezes o salário mínimo não têm direito a qualquer tipo de apoio financeiro por parte do Estado, o que elimina o princípio da universalidade do direito social de protecção para todos os beneficiários; os níveis de atribuição do abono de família para crianças e jovens passam a estar escalonados de acordo com cinco níveis, em vez de quatro: o primeiro nível (que diz respeito a famílias que ganham acima de 0,4 do salário mínimo nacional) atribui 120 102 euros para as crianças até aos 12 meses de idade ou menos de 30 euros para crianças com mais de um ano de idade; no segundo nível de rendimento (entre 0,5 e um salário mínimo nacional) as famílias recebem 100 euros para crianças com idade inferior a um ano ou menos de 25 euros por criança com idade superior a um ano; o terceiro nível (mais de um salário mínimo nacional e até 1,5 vezes do SMN) atribui 80 euros a crianças até um ano de idade e menos de 23 euros para crianças mais velhas; o quarto nível (rendimento entre 1,5 vezes o SMN e 2,5 vezes) atribui 50 euros a crianças até um ano de idade e menos de 20 euros para crianças acima desta idade; e o quinto nível (mais de 2,5 vezes o SMN até 5 vezes este valor) atribui 30 euros a crianças com idade até um ano e menos de 10 euros para crianças acima desta idade. Foi igualmente introduzido um valor extra para as famílias que estivessem enquadradas no 1º nível de rendimentos com crianças entre os 6 e os 16 anos. Podemos, em forma de síntese global, afirmar que as políticas públicas em Portugal evoluíram no sentido da tomada de consciência da importância da conciliação entre a vida familiar e o trabalho41 e não se restringiram apenas a questões tradicionais como a protecção da maternidade. A aproximação do nosso país às políticas familiares faz-se a partir das seguintes grandes preocupações: encetar uma atitude favorável ao trabalho feminino através da introdução, relativamente cedo, de uma licença de maternidade mais ou menos generosa; promover medidas políticas que visem uma melhor conciliação trabalho/família; proteger os direitos das famílias através da combinação sistema universal/sistema selectivo; e no que diz respeito à prestação de cuidados às crianças, aumentar a taxa de cobertura de serviços. Estas questões implicaram a produção de responsabilidades públicas na protecção das mães que trabalham, antes e depois do nascimento da criança; a construção de um sistema de licenças para os pais e para as mães; e a expansão dos serviços sociais de apoio às crianças, tudo isto tendo como objectivo, voltamos a assinalar, a conciliação trabalho/ vida familiar. 41 De facto, introduziu-se na constituição portuguesa uma alínea que faz referência à questão da conciliação trabalho/ família: Artigo 58º alínea b), revisão de 1997. 103 7.3 Serviços e equipamentos de apoio às famílias Até à revolução de Abril de 1974, as iniciativas de carácter social estavam sobretudo relacionadas com a intervenção da Igreja e das Misericórdias. Estas instituições, em estreita articulação, foram no passado e são ainda no presente agentes fundamentais da acção social em Portugal (Capucha, 1995:59). Segundo Guerreiro (2002:95) a partir de finais dos anos 70, surge a criação de outro tipo de serviços, substitutivos dos cuidados usualmente prestados por aquelas instituições, quando as famílias não reúnem condições para os assegurar aos seus membros. Apesar de criadas através de uma perspectiva sobretudo de carácter assistencialista e de apoio às famílias carenciadas, estas instituições constituíram o primeiro passo para a criação de infraestruturas de apoio a crianças e, numa segunda fase, a idosos. Na legislação regulamentadora da existência destas instituições, não se via ainda, nessa altura, a preocupação de criação de emprego nem da necessidade de conciliação entre a vida profissional e responsabilidades familiares. Por outro lado, e segundo a autora, as primeiras políticas de combate ao desemprego, datadas da década de 80, não evidenciam a necessidade de criação de actividades relacionadas com a prestação de serviços às famílias, mas sim a maior preocupação com a necessidade de criar mais postos de trabalho, de combater o desemprego e a exclusão social daí decorrente. Saliente-se, a este respeito, o DecretoLei nº. 257/86, de 27 de Agosto, visando “o aumento do volume de emprego estável”, bem como um programa de carácter experimental de apoio à contratação de jovens menores de 25 anos e desempregados de longa duração com mais do que aquela idade. Juntamente com o Decreto-Lei nº. 64-C/89, de 27 de Fevereiro, prevêem estes diplomas, através de programa dinamizado pelo IEFP - Instituto de Emprego e Formação Profissional, isentar as entidades empregadoras do pagamento de contribuições para a segurança social até montantes a determinar42. É já nos anos 90, e mais especificamente na segunda metade dessa década, que surge de uma nova perspectiva de articulação entre solidariedade social, criação de emprego e conciliação entre trabalho e vida familiar (Guerreiro, 2002:95). Segundo a Carta Social (2002), a distribuição das entidades proprietárias ou gestoras de equipamentos sociais fazia-se do seguinte modo: mais de ¾ das entidades 42 Veja-se igualmente o Decreto-Lei nº 125/91, de 21 de Março, e o Decreto-Lei nº. 89/95, de 6 de Maio, bem como a Portaria nº. 247/95, de 29 de Março. 104 não têm fins lucrativos, constituindo as IPSS, cerca de 72% deste universo. O número total de entidades proprietárias de equipamentos sociais cresceu 20,4% no período de 1998-2002. Esta tendência crescente foi observada tanto relativamente às entidades não lucrativas (18,9%) - que representam cerca de 80% do total - como também no que concerne às lucrativas que subiram 26,8% desde 1998. No que diz respeito à distinção dos equipamentos sociais, à semelhança do que acontecia com as entidades proprietárias também estas aumentaram (26,5%, de 1998 a 2002). 87,7% dos equipamentos pertencem à rede solidária, o que já acontecia em 98 (Carta Social, 2002). Segundo o mesmo documento, apenas 5,8% detêm menos de 5 equipamentos enquanto que 11,5% possuem mais de 50 equipamentos. A concentração dos equipamentos sociais tem acompanhado o padrão de distribuição da população (no território continental), observando-se uma maior densidade nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto e em toda a faixa litoral a norte da península de Setúbal, bem como nos concelhos sede de distrito. Assim, no que se refere ao equipamento instalado por distrito, Setúbal apresenta a maior percentagem de equipamentos lucrativos em funcionamento (31,7%) e Lisboa e Leiria (com 24,5% e 23,5%, respectivamente) são igualmente os distritos que possuem maior percentagem de equipamentos instalados. A rede solidária tem sido a grande responsável pelo crescimento do número total de equipamentos. Estes, segundo a Carta Social (2002) têm crescido em média 344 equipamentos por ano sendo que, cada seis novos equipamentos da rede social tem correspondido à introdução de um equipamento da rede lucrativa. No que diz respeito às respostas sociais, em 2002, as áreas de intervenção com maior crescimento foram as de “família e comunidade”, com 40,7% e da “população idosa” com 34,7%. Cerca de metade da totalidade das respostas sociais (50,3%), elegem a população idosa como população alvo, o que nos permite afirmar que este tipo de equipamento está a crescer e que o interesse por toda a problemática associada a estas situações está a aumentar consideravelmente. O reforço da Rede Social nos últimos anos traduz-se assim no aumento das respostas sociais e, ao mesmo tempo, reflecte-se de um modo positivo, na capacidade instalada e no número de utentes. Comparando com 1998, em 2002 criaram-se mais 30,9% dos lugares e abrangem-se mais 39,7% dos utentes. Em 2002, 69,9% da população utilizadora de respostas sociais usufrui de acordo de cooperação. A taxa de utilização dos equipamentos de apoio à família que diz respeito às crianças e aos jovens, tendo em consideração o período de referência (1998-2002), tem 105 sido sempre superior a 90%, o que conduz a uma ocupação quase completa dos equipamentos. Centrando-nos agora nos equipamentos de apoio à criança, o desenvolvimento no apoio aos cuidados com crianças pequenas caracterizou-se, ao longo dos últimos quinze anos, por um crescimento lento, mas mais sustentado de equipamentos colectivos. Os principais avanços realizados nos finais dos anos 90 estão relacionados com a expansão das pré-escolas para as crianças entre os 3 e os 5 anos: em 1994/95, 55% das crianças, entre os 3 e os 5 anos, estava em instituições de educação pré-escolar, subindo para 65 % em 1998/99 e para 74,3% em 2000/2001. A taxa de cobertura segundo a população residente e a população escolar passa de 53,2% em 1994/1995, para 74,3% em 2000/ 2001. 43 Estes equipamentos para a infância e juventude, segundo a Carta Social (2002), tendem a instalar-se nas áreas urbanas, em locais próximos da residência ou do local de trabalho dos pais. Analisando os dados por resposta social às famílias com crianças e comparando com 1998, observa-se que o número de Centros de Actividades de Tempos Livres, subiu 28,3%, aumentando também o número de creches (16,1%) e o número de lares de crianças e jovens (12,1%). As respostas sociais que se dirigem a crianças e jovens em situação de risco (Centros de Acolhimento Temporário e unidades de Emergência) são as que registam um aumento percentual mais acentuado. Isto acontece não só porque são respostas de intervenção recentes, como também se encontram em fase de expansão. No que concerne aos horários de funcionamento das creches em 2002, observouse que a maioria (73,2%) inicia a sua actividade entre as 7.30 e as 8 horas da manhã e encerra às 18 horas. Somente 19,9% dos estabelecimentos de apoio às crianças encerram depois das 19 horas, o que se traduz numa maior dificuldade dos pais e educadores em conciliar trabalho e cuidados às crianças pois a maioria sai deste tipo de equipamentos antes do horário de trabalho acabar. A solução “ama” (que diz respeito a crianças entre os 3 meses e os 3 anos) tem uma distribuição desigual no continente, sendo o seu peso relativo pouco uniforme em todos os distritos. O distrito de Bragança é o que detém uma maior percentagem de crianças em amas (desde 1998) com 23,3%, seguido de Santarém (19,5%) e de Setúbal (18,8%). Por seu turno, Beja e Vila Real nem sequer apresentam a opção “ama” no 43 Fonte: Ministério da Educação - Séries Cronológicas das Estatísticas da Educação. 106 conjunto de soluções de cuidados a crianças neste grupo de idades, o que já acontecia em 2001. Considerando agora a população idosa, segundo a Carta Social, todos os concelhos do Continente, em 2002, estavam abrangidos por respostas deste tipo. A maior concentração deste tipo de equipamentos encontra-se na zona metropolitana de Lisboa e Porto e nos concelhos que têm um maior índice de envelhecimento. As valências respeitantes a esta população tiveram desde 1998 uma taxa de crescimento de 34,7%. Analisando agora a evolução por resposta e tendo em consideração o período de 1998 a 2002, podemos constatar que o serviço de apoio Domiciliário é a valência cujo crescimento se destaca (48,2%). As respostas “Centro de Dia” e “Lar e Residência para Idosos” e “Centros de Convívio” também apresentaram uma tendência de crescimento positiva. A taxa média de utilização (1998-2002) para o total das respostas (Centro de Dia e Lar e Residência para Idosos; Centros de Convívio, Serviços de Apoio Domiciliário e CATEI), situa-se em 89,4%. O serviço de apoio domiciliário é a valência que, segundo a Carta Social (2002), apresentou em 2002 uma taxa de utilização mais elevada (97,3%). Esta é igualmente a valência que apresenta o maior crescimento desde 1998. Os distritos que apresentam uma estrutura demográfica mais envelhecida são os que têm uma percentagem mais elevada de cobertura das valência que dizem respeito a esta faixa etária, sendo estes Portalegre, Castelo Branco e Guarda. Os distritos que apresentam uma estrutura etária mais jovem são Braga (11,8%), Porto (12,3%), Aveiro (14,3%), Setúbal (14,9%) e Lisboa (16%) que detêm valores inferiores à média apresentada pelo Continente (16,5%). De qualquer modo, e apesar do esforço feito desde o 25 de Abril, de forma particularmente acentuada entre 1995 e 2000, a cobertura das necessidades dos membros dependentes das famílias é extremamente escassa no nosso país, residindo aí uma das maiores zonas de debilidade do sistema de segurança social e, também, um dos campos com maior potencial de modernização e crescimento com impactes múltiplos na qualidade de vida das pessoas beneficiadas, na conciliação do trabalho com a vida familiar, na aprendizagem ao longo da vida e no emprego, em particular feminino. 107 8 Padrões de Territorialização O fenómeno da pobreza encontra-se disseminado pelo território nacional. Contudo podemos verificar a existência de espaços de maior concentração de grupos pobres, onde se aglomeram as categorias mais vulneráveis: trabalhadores de baixos salários, famílias monoparentais, isolados, idosos pensionistas, pessoas de menores qualificações, grupos com orientações culturais mais ou menos marginais. Desta forma, devido à escassez de recursos e a um sentimento de afinidade das opções tomadas face a oportunidades de residência efectivas, estas populações acabam por ocupar áreas desfavorecidas. Estas áreas são particularmente visíveis quando têm a forma de bairros degradados que contrastam com o meio urbano e semi-urbano, ao contrário do que se passa com as áreas rurais deprimidas do interior mais “diluídas na paisagem”. O meio rural apresenta uma incidência da pobreza de 29,4% (ver Quadro17), estando este valor acima da média nacional em 9 pontos percentuais e significando mais do dobro do mesmo valor para o meio urbano. As zonas semi-urbanas encontram-se mais perto da média, com 18,8% daquela taxa. Contudo, é necessário olhar a importância deste fenómeno nos diferentes territórios, pois nas zonas urbanas residem cerca de 40% das pessoas e famílias pobres, contra 35% em zonas semi-urbanas e 25% em meio rural. Quadro 17: Risco da Pobreza segundo o meio de residência44 Total Meio Urbano Meio Semi-Urbano Meio Rural Incidência do risco de pobreza 45 19,2 13,3 18,8 29,4 Proporção do total de pobres 40% 35% 25% % da População total 100 55% 30% 15% Fonte: INE, Inquérito aos Orçamentos Familiares, 2000 44 Os dados constantes neste quadro não são do Painel Europeu de Agregados Domésticos (PEAD) que temos vindo a utilizar até aqui por razões de comparabilidade a nível europeu, dado que não permitem desagregações a nível territorial. Os dados apresentados resultam assim da última aplicação do Inquérito aos Orçamentos Familiares do INE, em 2000. 45 Esta incidência refere-se apenas ao rendimento monetário. Usamo-la aqui para podermos ficar com uma noção da diferença entre os valores alcançados através do IOF e os do PEAD. Se considerarmos o total dos rendimentos, monetários e não monetários, como o IOF permite fazer, a incidência da pobreza desce para 17,9%. 108 Ao analisar os contornos da pobreza em Portugal devemos ter em atenção o facto de nem sempre as regiões onde se regista uma maior intensidade do fenómeno serem aquelas onde se encontra um maior número absoluto de pessoas nesta situação. O caso das Regiões Autónomas é disso prova evidente. Sendo as mais afectadas pelo risco de pobreza, o peso dessas regiões no conjunto dos pobres em Portugal não ultrapassa os 4%. Em situação semelhante se encontra o Algarve, Alentejo e Centro, com 25%, 22,5% e 24% de risco de pobreza, todos superiores à média. Nos dois primeiros casos a contribuição para o número de pobres nacionais é de apenas 4,8% e 8,8% respectivamente. Já a região Centro abarca um quarto dos pobres em Portugal. Por sua vez, com o maior número de pobres, 36,4% do total do país, está a região Norte, onde a taxa de pobreza monetária se encontra próxima da média. Por fim, Lisboa ocupa a terceira posição relativamente ao número de pobres do total nacional, chegando a mais de 319 mil pessoas pobres, muito embora a taxa de pobreza se situe nos 12%, inferior à média nacional. Quadro 18: Risco de pobreza e população pobre nas regiões em Portugal População Residente TOTAL NORTE CENTRO LISBOA ALENTE. ALGAR. AÇOR. MADEI. 10356117 3687293 2348397 2661850 776585 395218 241763 245011 Risco de Pobreza (IOF) segundo o Rendimento Monetário 19,2 20,5 24 12 22,5 25 34 34 Peso da região no total das pessoas pobres 100 36,4 27,1 15,4 8,8 4,8 4 4.0 1988374 755895 563615 319422 174731 98804 82199 83304 17,9 18 18,5 12,5 22 23,5 35 33 1853745 663712 434453 332731 170849 92876 84617 80854 Nº de pessoas pobres Risco de Pobreza (IOF) segundo o Rendimento Total Nº de pessoas pobres Fonte: INE, Inquérito aos Orçamentos Familiares, 2000 Medindo a pobreza tendo por base o total dos rendimentos e não apenas os rendimentos monetários, mantém-se a estrutura apresentada. O risco de pobreza total desce 1,3 pontos percentuais, o que mostra o impacto dos rendimentos não monetários sobretudo nas regiões Centro, Norte e Algarve. O risco de pobreza apenas é agravado, tendo em conta os rendimentos totais, na região dos Açores. 109 Num estudo recentemente divulgado pelo Instituto de Segurança Social (“Tipificação das Situações e Exclusão em Portugal Continental”, Área de Investigação e Conhecimento e da Rede Social, ISS, IP, com colaboração da Geoideia, Janeiro de 2005) são avançadas conclusões preocupantes no que diz respeito a territórios de exclusão/inclusão social, sendo claramente evidenciada a situação das zonas mais envelhecidas, deprimidas e subdesenvolvidas e o que estas significam para o nosso país. É ainda notória a clivagem acentuada entre as regiões consideradas desenvolvidas e modernas do litoral e aquelas caracterizadas pelo subdesenvolvimento e pela tradição, não sendo esta uma novidade. Contudo, existem conclusões que permitem uma antevisão do futuro de alguns dos territórios nacionais analisados no estudo. Talvez a mais preocupante diga respeito aos territórios caracterizadamente envelhecidos e economicamente deprimidos, o tipo 6 no referido estudo, que ocupando 24,5% do território (68 concelhos), integra concelhos do interior, especialmente os das regiões de Trás-os-Montes, Dão-Lafões e Baixo Alentejo, abarcando apenas 7,8% da população residente. A integração é aí deficiente tanto ao nível da família, como da escola e também do mercado de trabalho. Verifica-se ainda um peso forte do trabalho agrícola e um défice ao nível das infra-estruturas. A percentagem de beneficiários do RMG é elevada e o valor baixo das pensões revela níveis elevados de pobreza. É ainda nestes concelhos que se verifica a taxa mais elevada de desemprego, sendo superior a 10% em 26 destes concelhos, juntamente com uma taxa de analfabetismo de 17,26%. Alguns números revelam situações extremas de exclusão às quais deve ser dada uma resposta imediata. Em Vinhais, distrito de Bragança, existem 2 pensionistas para cada pessoa que trabalha. No nordeste de Viseu, em Penedono, as pensões atingem o valor médio mais baixo de €163 por mês e alarmantes são também os mais de 20% correspondentes à taxa de desemprego em Almodôvar, no Baixo Alentejo. No que se refere ao IRS “per capita” anual, os valores mais baixos registam-se em Ribeira de Pena ou Boticas, do distrito de Vila Real, onde aquele valor é, em média, inferior a €150. Estes concelhos do tipo 6 apresentam uma situação que se aproxima da “morte social” como é alertado na investigação do ISS. O envelhecimento da população é outra realidade dramática que se vive em Portugal e que leva a uma desertificação cada vez mais evidente e assustadora. Os concelhos de tipo 4, também marcados pelo perigo de desertificação, preenchem 20,1% do Continente (56 concelhos), tendo apenas 4,9% da população residente. São 110 concelhos muito envelhecidos, em que a elevada percentagem de pensionistas não é compensada pela população empregada (sendo o rácio de 1,14). Nesses concelhos persiste o analfabetismo, com uma taxa de 18,84%, a mais elevada do país. Em Idanhaa-Nova, distrito de Castelo Branco, cerca de um terço dos habitantes não sabe ler, nem escrever. O caso de idosos a viver sozinhos é também uma situação difícil nestes territórios, onde representam 26,24% na Pampilhosa da Serra, distrito de Coimbra. Agrava-se a situação com um valor médio de IRS “per capita” que não excede os €242 por ano. As regiões do Centro e Alto Alentejo são disto prova evidente. Aqui se concentram também territórios de forte desqualificação e com um sector económico adormecido e fracamente desenvolvido. As taxas de desemprego apresentam valores baixos devido ao equilíbrio entre oferta e procura, conseguido não através do crescimento, mas do abandono da população jovem no território. Os concelhos do Norte Litoral, maioritariamente localizados na zona do Vale do Ave, apresentam a população mais desqualificada e com acentuado défice de integração escolar. Relativamente a rendimentos possuem valores inferiores à média nacional, com valores de IRS “per capita” ao ano de cerca de €230. As famílias numerosas que vivem em condições frágeis devido à escassez de recursos caracterizam estes territórios. Aqui se registam as taxas de abandono escolar mais elevadas entre os 10 e os 15 anos de idade. As taxas de desemprego são preocupantes, sendo 40% a proporção do desemprego de longa duração. Este tipo 5 representa 36 concelhos industriais localizados na bacia do Porto, com 18,6% da população residente e uma elevada percentagem de jovens que apesar de tudo não melhoram os níveis das qualificações. Abrangendo uma larga parcela do território algarvio e Sines e abarcando apenas 3,8% da população, encontram-se territórios de forte integração escolar e emprego que são, no entanto, caracterizados por contrastes acentuados. A sua base económica é o turismo. Aqui regista-se a mais elevada taxa de criminalidade, 5,9%, bem como de pessoas portadoras de HIV. Fracas condições de alojamento e grande número de estrangeiros, (5,8%), são elementos que denunciam situações de exclusão. Por fim, os concelhos do tipo 1, considerados territórios moderadamente inclusivos, apresentam níveis de inclusão positivos em matéria de educação e integração no mercado de trabalho. Situam-se nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e em grande parte da faixa litoral, e também alguns no interior, como é o caso de Monchique ou Évora. São 84 concelhos que representam 30,2% dos concelhos do Continente e 111 28,6% da população residente. Nestes concelhos não são particularmente evidentes riscos de exclusão efectivos ou potenciais. São concelhos caracterizados por baixos níveis de abandono escolar, de desemprego e de beneficiários de Rendimento Mínimo Garantido. Aqui o IRS “per capita” atinge os €394 por ano, um valor médio bastante razoável, que ocupa o terceiro lugar no “ranking” nacional, apenas ultrapassado pelos territórios de tipo 3 e de tipo 2. As zonas mais atractivas e ao mesmo tempo ameaçadoras, as do tipo 3, apresentam situações bastante favoráveis em termos de rendimentos e consumo, integração escolar e de mercado de trabalho. É nestas zonas que a taxa de analfabetismo é menor, 5,49%, e que o valor de IRS “per capita” chega aos €858,6 por ano. O nível médio das pensões nestes territórios atinge o valor mais elevado, €278 por mês. Como factores de vulnerabilidade à exclusão social estão a percentagem elevada de famílias monoparentais e de avós a viver com os netos e também o avultado número de estrangeiros. Este facto alerta para as condições menos favoráveis destas famílias, bem como para situações de menor integração face ao mercado de trabalho relativamente aos estrangeiros. Nestes territórios reside 36% da população portuguesa, distribuída por 21 concelhos. Além disso, as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, às quais se juntam as áreas urbanas de Coimbra, Aveiro e Entroncamento, são também zonas assoladas por taxas de criminalidade elevadas e fracas condições da habitação. A esse facto não é alheia a localização nessas regiões dos bairros degradados mais problemáticos do ponto de vista da concentração de grupos em situação de exclusão. 9 Habitação: breve referência a um problema persistente O estado da habitação fornece um dos sinais mais visíveis da extensão da pobreza e da exclusão social no nosso país, sendo simultaneamente um dos seus factores principais, de forma directa, na medida em que à falta de habitação condigna se ligam diversos mecanismos de vulnerabilidade e de degradação das condições de vida, e de forma indirecta, na medida em que a concentração de habitações degradadas em bairros urbanos ou aldeias do interior tende a criar contextos facilitadores da reprodução de problemáticas diversas sentidas quer no âmbito das comunidades de vizinhança, quer no meio envolvente. 112 Fonte: Instituto da Segurança Social Existindo no conjunto de estudos sobre os bjectivos para 2013 uma temática específica para a habitalção, não aprofundaremos aqui o tópico, tanto mais quanto ele inivetavelmente chamará a atenção para as relações entre a habitação e a pobreza. Tal não obsta a que aqui o refiremos de modo muito sumariado. O problema da habitação em Portugal resulta da ausência de políticas consistentes que respondam eficazmente à urgência de uma requalificação urbana e da integração da população mais desfavorecida. Portugal foi dos países europeus que mais tardiamente introduziu políticas de habitação, da mesma forma que a habitação social só 113 se evidenciou a partir do 25 de Abril (1974). No pós-25 de Abril assume preponderância a política adoptada do Crédito à Aquisição de Habitação Própria e Permanente como linha de política mais duradoura, tendo o estado dispendido, entre 1976 e 1997, cerca de 5.642 milhões de contos através da realização de 1.365.732 contratos de aquisição de habitação, o que evidencia o impacto da medida, colocando Portugal no topo dos países europeus com as mais elevadas taxas de proprietários de casa própria. Com o crédito a ser concedido principalmente a agregados com algum poder monetário em detrimento dos mais carenciados, a proliferação de bairros de barracas, que se tinham começado a constituir com a migração para as zonas urbanas ocorrida a partir dos anos 60, foi instantânea. O direito à habitação consta da Constituição, pelo que o estado deve promover políticas adequadas às necessidades dos cidadãos com mais dificuldades, o que não tem acontecido Assim, nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto emergem 4 tipos de problemas habitacionais: bairros antigos de habitação degradada, bairros de barracas e depois de habitação social, habitação ilegal, sobreocupação das habitações ocupadas por agregados desfavorecidos. Na tentativa de eliminar as dificuldades habitacionais dos grupos mais desfavorecidos só nos anos 90 vão surgindo programas de realojamento que promovem o direito a uma habitação digna que tantos reclamam. Desta forma, surge em meados de 90 o Programa Especial de Realojamento (PER) destinado às Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto criado pelo D.L. 163/93 de 7 de Maio, que tem por objectivo central garantir aos municípios daquelas áreas condições para a erradicação das barracas existentes, conduzindo ao realojamento dos cidadãos em habitações de custos controlados. Embora com programas e iniciativas anteriores se tenha conseguido erradicar, em Portugal, cerca de 35.000 habitações degradadas, entre barracas e similares, num período de 10-12 anos, o PER veio introduzir uma nova dinâmica. No estudo de Diagnóstico sobre a Implementação do Programa PER levado a cabo pelo Instituto Nacional da Habitação (INH), datado de 1999 – na ausência de informação disponível mais actualizada – os dados mostram, através dos recenseamentos realizados à data que, na área metropolitana de Lisboa, a população incluída no programa chegava aos 115.641 residentes de habitações degradadas, correspondendo a 34.498 agregados familiares. Na área metropolitana do Porto, em 114 1993, a população abrangida era de cerca de 39.776 residentes em fracas condições de habitabilidade, integrando 14.269 agregados familiares. O PER (em 1993) abarcava 42.034 barracas que correspondiam a 48.558 fogos contratados. A concentração de barracas teve grande expressão na AML Norte que detinha 58% do total de barracas abrangidas pelo PER. Na AM Porto estavam concentradas 32% das barracas e 10% na península de Setúbal. A taxa de concretização total nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto foi de cerca de 20% (19,74%). Na AMP a mesma taxa chegou aos 24,73%, mais 1,97% que a registada na AML Sul e 8,31% que na AML Norte46. Através do PER o parque habitacional português está a ser melhorado e as situações de exclusão e pobreza são gradualmente minoradas pela supressão de algumas necessidades básicas de habitação. Outros programas exercem uma influência positiva nas condições de habitabilidade em Portugal, embora com menor impacto e visibilidade. É o caso do Recria e do Rehabita, destinados à recuperação de imóveis alugados degradados no centro das cidades, e de vários programas de requalificação de áreas urbanas degradadas nas periferias e nos centros históricos das grandes cidades, entre os quais ganham relevo a IC URBAN o o Programa Requalificação Urbana, que permitiram intervenções em larga escala sobre as referidas áreas degradadas. Estes programas promoveram o desenvolvimento de infra-estruturas destinadas a um público-alvo diversificado (crianças, juventude, idosos, grupos sociais desfavorecidos), a melhoria dos espaços envolventes e ainda o trabalho de desenvolvimento comunitário, de qualificação das pessoas e de criação de emprego. Apesar destas realizações inegavelmente positivas, são vários os problemas que permanecem como resultado da inexistência de uma política de habitação compreensiva, consistente e continuada em Portugal. Um dos principais efeitos deste facto consiste no modo como têm evoluído os bairros sociais, que muitas vezes limitando-se a realojar pessoas sem alterar as suas competências e outras dimensões das condições de vida e de trabalho, além de potenciarem o desordenamento do território, descaracterizam a paisagem dos locais onde se instalam pela sua falta de harmonia no 46 Devemos ter em consideração o facto de na AMP se localizar o maior número de autarquias com uma taxa de concretização inferior à média nacional. Por seu lado, na AML Sul e Norte as autarquias com taxa de concretização inferior à média nacional correspondem a metade do total de acordos existentes, apesar de esta área metropolitana ter uma taxa global inferior à média nacional. 115 contexto urbanístico e pela falta de equipamentos e infra-estruturas básicas, ao mesmo tempo que, não oferecendo aos moradores motivos de identificação positiva com o espaço e a comunidade, pelo contrário fornecem condições de vida urbana degradada. Emergem assim, a par dos bairros de barracas que ainda persistem, como territórios segregação e estigmatizados, quantas vezes funcionando essa segregação – bem como o quadro de dureza de vida que se vive no seu interior – como ambiente para a ancoragem de grupos marginalizados e marginais que reforçam as más condições de vida interna e afectam de forma mais ou menos grave o ambiente urbano circundante. 10 Nota para uma abordagem da Saúde no contexto da Inclusão Social Antes de concluirmos a presente análise dos factores de exclusão deixamos a referência a um tema cujo desenvolvimento fica certamente reservado para os trabalhos produzidos por especialistas na matéria. Importa, contudo, determo-nos um pouco no que diz respeito ao acesso e usufruto aos cuidados de saúde, que constituem um direito social central no modelo social europeu. A relação entre os contextos propiciadores de exclusão social e o direito à saúde têm sido, ao nível operacional, tratados separadamente, não sendo produzidas baterias de indicadores que nos permitam de uma forma sustentada integrar numa análise de diagnóstico aos factores de exclusão. Este tipo de preocupação relaciona-se com o que Maria do Rosário Giraldes47 denomina de “actividades preventivas” do sistema de saúde, em que a acção dos seus serviços também toma em consideração e se direcciona para os sectores fomentadores de doença e exclusão. Como nos diz a autora, “uma doença sofrida em boas condições habitacionais por um membro de uma família de elevados rendimentos terá consequências muito diferentes do que uma doença comparável sofrida por um membro de uma família de baixos rendimentos, numa deficiente situação familiar e a viver em más condições habitacionais” (Giraldes, 1991: 195). Assimilando a relação entre as 47 As referências bibliográficas que aqui citamos de Maria do Rosário Giraldes e também de Carlos Gouveia Pinto são retiradas de artigos dos próprios presentes num dos escassos estudos que associam a desigualdade social e a saúde em Portugal, coordenado por João A. Pereira, Maria do Rosário Giraldes e António de Correia de Campos, com o título de: Desigualdade e Saúde em Portugal. Esta compilação de textos acaba, contudo, por se centrar fundamentalmente na equidade das políticas de saúde em Portugal, explorando perifericamente as desigualdades pela perspectiva das categorias carenciadas. 116 desigualdades sociais e susceptibilidade à doença, defende que os objectivos de melhoria dos níveis de saúde devem também contemplar a necessidade de intervenção em áreas exteriores ao sector saúde em sentido estrito. No que diz respeito à construção de indicadores de análise da relação entre inclusão e saúde, vale a pena referenciar o diagnóstico que Carlos Gouveia Pinto desenvolve acerca da despesa pública em cuidados de saúde. Nesse trabalho, o autor identifica as diversas formas como os diferentes grupos sociais utilizam os rendimentos recebidos por parte dos utentes em cuidados de saúde, com o objectivo de avaliar o impacto redistributivo da provisão pública do Sistema de Saúde. Nos pontos conclusivos, e considerando a contenção no co-financiamento dos custos dos medicamentos sobre os gastos privados do GSE5, afirma que esta medida teve “efeitos gravosos sobre estes gastos, implicando, muito provavelmente, uma restrição acentuada do consumo e, consequentemente, um menor bem-estar dos indivíduos mais carenciados” (Pinto, 1991: 164). Esta análise constitui, assim, um indicador da relação entre a pobreza e a susceptibilidade à doença, apontando que os indivíduos mais carenciados, que tendem a ser envolvidos em contextos de pobreza e exclusão social, são menos capazes de exercerem o seu direito social central de saúde. Encontramos assim algumas pontes potenciais de colaboração avaliativa e interventiva nos cuidados de saúde, área fundamental para a concretização de um modelo social de bem-estar ao nível europeu. 117 11 Categorias Vulneráveis à Pobreza e à Exclusão Social A análise dos factores acima referidos evidencia a existência de categorias particularmente vulneráveis à pobreza. De qualquer modo, o conjunto de factores enunciados não esgota as dinâmicas geradoras de risco de exclusão. Nomeadamente, importa considerar aspectos geralmente não retidos pelas estatísticas e que se ligam à natureza dos processos de integração das redes de sociabilidade, ao acesso a cuidados de saúde, à crescente individualização nas sociedades modernas, à produção de campos anómicos, às tendências demográficas, e à presença de redes ligadas a economias criminosas no terreno. Os factores considerados nesta avaliação tornam, no seu conjunto, particularmente visíveis como vulneráveis categorias como os desempregados e os desempregados de longa duração, os trabalhadores com poucas qualificações escolares e profissionais e baixos salários, os idosos, as famílias monoparentais, os imigrantes, as crianças e os jovens em risco, os toxicodependentes, os reclusos, as pessoas com deficiências e as minorias étnicas. Existem regularidades e semelhanças que permitem a identificação e a classificação de situações típicas que conjugam factores impeditivos da participação social e que confluem na formação de “categorias sociais vulneráveis”. Estas categorias serão aqui distinguidas de acordo com a definição de vulnerabilidade de Capucha (2004) que, segundo o mesmo, não se refere à coincidência entre um conjunto de atributos sociais e a experiência de situações de pobreza ou exclusão social, mas à maior probabilidade de àqueles atributos se associarem determinadas situações. A própria expressão “categorias sociais” será aqui igualmente definida observando a distinção do autor que as constrói a partir da existência de características comuns entre conjuntos de pessoas cuja agregação tende a ser socialmente reconhecível e em relação às quais é possível verificar uma maior probabilidade de viverem situações de pobreza e exclusão social. Por exemplo, as pessoas com deficiência física e mental, as pessoas com doenças crónicas limitativas das suas capacidades e os trabalhadores imigrantes têm em comum o facto de serem afectados pela existência de um “handicap específico” que as impede de participarem social e profissionalmente e que as faz serem alvo de discriminação baseada em preconceitos relacionados com as suas capacidades e 118 potencialidades. Olhando agora para alguns destes casos específicos, o que as pode excluir, no caso dos imigrantes, são factores como o preconceito e a discriminação, por um lado, e a ausência ou necessidade de oportunidades de formação e de reorganização da sua vida pessoal e familiar na sociedade portuguesa, por outro lado; no caso das pessoas com deficiência ou doenças crónicas, os factores de exclusão estão relacionados com o preconceito acerca das suas capacidades e da natureza do próprio handicap que as afecta, as debilidades da oferta de formação específica adaptada ao seu tipo de deficiência ou doença, e com obstáculos e barreiras existentes nas instituições, serviços e equipamentos. Numa segunda situação encontram-se as categorias de pessoas com problemas de participação e inserção social decorrentes de baixos níveis de escolaridade e de qualificação profissional. A relativa “desqualificação” que as atinge define o principal obstáculo que encontram, já que têm, como no caso anterior, desvantagens inscritas nas capacidades funcionais. Esta situação é enfrentada pelos adultos responsáveis por famílias monoparentais que não possuem recursos de formação, de rendimentos, de apoio social que lhes permitam o acesso a oportunidades no mercado de trabalho em condições de qualidade mínima, os trabalhadores com baixas qualificações ou qualificações obsoletas e os desempregados de longa duração. O problema central destas categorias reside nas suas próprias competências. Sucessivas experiências negativas quer de exclusão, quer de inserção de muito má qualidade no mercado de trabalho, acabam igualmente por gerar atitudes de “desencorajamento” na procura de novas oportunidades de formação. O terceiro grupo diz respeito às pessoas e famílias em situação de pobreza persistente nos “círculos de pobreza instalada”. A expressão foi utilizada pela primeira vez para designar as “situações de pobreza duradoura, localizadas territorialmente e que tendem a reproduzir-se geracionalmente” (Capucha e tal, 1998: 47). A noção chama principalmente a atenção para o efeito de contextos territoriais particularmente degradados, onde residem diferentes categoriais vulneráveis num quadro de recursos comunitários, de redes relacionais, de estruturas de dominação na ocupação do espaço que tende a produzir “amarras”, sob a forma de acomodação, adaptação e retenção opressiva, que prendem as pessoas à pobreza. O quarto conjunto inclui os grupos que se caracterizam pela prevalência de modos de vida inadaptados às normas correntemente partilhadas pela sociedade. Neste conjunto de categorias sociais “marginalizadas” incluem-se os sem abrigo, os 119 toxicodependentes e ex-toxicodependentes, os reclusos e ex-reclusos e também uma parte de menores em situação de risco (meninos de rua e membros de bandos juvenis). Assim, e fazendo uma apresentação mais aprofundada das situações que incluem cada um destes grupos, passamos a enunciar alguns dados caracterizadores destas realidades. 11.1 Grupos com “handicap” específico 11.1.1 Pessoas com deficiência No que diz respeito ao caso específico das pessoas com deficiência, estas são particularmente vulneráveis à pobreza dado que acumulam as limitações funcionais (físicas, sensoriais ou mentais), com representações sociais negativas relativas às consequências dessas limitações, e ainda com as barreiras à participação tendo em conta a lógica de funcionamento das instituições e das estruturas sociais. Segundo o último Recenseamento Geral da População, o número de pessoas com alguma incapacidade ou deficiência era de 634.408 (52,63% dos quais eram do sexo masculino), ou seja, 6,12% da população residente. Os valores são mais baixos nos grupos etários mais jovens. Poder-se-á constatar este facto olhando para os valores apresentados pelos Censos 2001. No grupo etário dos 0 aos 15 anos existem 38.877 indivíduos com deficiência, seja ela qual for; no grupo etário dos 16 aos 24 o número aumenta para 47.886; dos 25 aos 54 era de 228.687; no dos 55 aos 64 era de 106.211 e nas idades superiores a 65 anos o valor era de 212.747. Isto verifica-se não só porque parte das incapacidades e deficiências são adquiridas ao longo da vida, como também porque os progressos ao nível da detecção e intervenção precoce tendem a fazer diminuir os nascimentos de crianças com deficiências congénitas. Num inquérito realizado em 2003 pelo Centro de Investigação e Estudos em Sociologia (CIES), o Inquérito Nacional aos Utentes do Sistema de Reabilitação sócioprofissional, no que diz respeito aos níveis de escolaridade atingidos segundo os graus de incapacidade atribuídos mostra que são os indivíduos com graus de incapacidade mais elevados que têm maiores níveis de escolaridade. A escolaridade média é superior entre os inquiridos com deficiências motoras, visuais e auditivas. Em relação à distribuição geográfica dos indivíduos que compunham a amostra deste inquérito os 120 autores constataram que há uma maior concentração populacional na região litoral norte e centro, quer se considere esta a região de naturalidade, quer residencial. Tendo em consideração este cenário é de extrema importância actuar no sentido de permitir às pessoas com deficiência ter uma vida autónoma e participativa. Uma actuação precoce no campo da saúde e da família; na formação profissional e na criação de estruturas nas empresas ou instituições que permitam oferecer postos de trabalho adaptados às necessidades desta população, para aqueles que não podem estar presentes neste tipo de organizações, a criação de estruturas específicas para exercerem a sua actividade profissional; a criação de acessibilidades nos transportes; a adaptação das habitações; e as ajudas técnicas especializadas permitiriam superar o facto de esta população ser mais vulnerável à exclusão social. 11.1.2 Imigrantes Tal como o que foi afirmado para o grupo das pessoas com deficiência, o facto de se ser imigrante não é em si mesmo um indicador de exclusão social. Diversas circunstâncias fazem desta categoria um grupo particularmente vulnerável. Destacam-se as baixas qualificações, ou, quando as pessoas que pertencem a esta categoria possuem qualificações mais elevadas não podem fazer uso destas no mercado de emprego. Como é frequente a imigração ocorrer no quadro de processos controlados por redes clandestinas que encaminham os trabalhadores imigrados para sectores informais e desprotegidos da economia, à falta de qualidade geral do trabalho associa-se uma dificuldade maior de acesso a serviços e direitos diversos, para além de inibições culturais e dos processos de segregação de que são frequentemente vítimas48. Tendo em conta as estatísticas oficiais podemos observar a rapidez do crescimento do fenómeno. No ano de 1980 os estrangeiros com residência legal em Portugal eram 50.750 (cerca de 0,5% da população residente), em 1995, os valores sobem para 168.316, e apenas quatro anos depois, em 1999, existiam 190.896 estrangeiros com residência legalizada no nosso país. Este último valor sobe e, em 31 de Dezembro de 2001, os imigrantes em Portugal são 223.602. Estes números, no entanto, 48 Para uma análise profunda desta questão ver Fernando Luís Machado (2002). Em particular, para a análise das questões relacionadas com “etnização” e “raicização” ver António Teixeira Fernandes (1995). 121 representam apenas uma parte do total. Relativamente à população imigrante clandestina não se pode senão estimar a sua importância. No que diz respeito à origem dos estrangeiros residentes a sua proveniência geográfica é na sua maioria dos PALOP (45,22%), depois encontravam-se os brasileiros com 10,5%, e os que provêm de outros países da Europa que não da UE, 2,4%. Este valor disparou nos anos mais recentes, embora ainda não tenhamos registo dos valores respeitantes aos imigrantes da ex União Soviética e do leste europeu. No que diz respeito ao caso específico da população imigrante africana, este grupo concentra-se nas profissões menos qualificadas (construção civil, serviços de limpeza, pessoais e domésticos) sendo que se pode identificar um traço forte da precariedade de emprego que se traduz no valor percentual dos trabalhadores sem contrato (36%), ou com contrato a prazo (36%), tendo experimentado 22% dos inquiridos situações de desemprego uma vez nos últimos 5 anos e 34% 2 ou mais vezes (Capucha, 2004:210). Segundo um estudo levado a cabo por uma equipa do CIES, do DINÂMIA e do Instituto de Sociologia do Porto (Almeida et. Al, 2001) as condições de vida e de trabalho dos imigrantes são pautadas por condições de flagrante dureza: 36% trabalham mais de 46 horas semanais, 22% durante 41 a 45 horas semanais, 34% não desconta para nenhum sistema de protecção social e 32% já tiveram acidentes de trabalho. Ainda relativamente ao mesmo estudo podemos afirmar, agora no que diz respeito às condições de habitabilidade, que estas famílias não usufruem de um cenário habitacional favorável. É de 66% o peso das pessoas que vivem em barracas/casas abarracadas e 16% o das pessoas que residem em casas pré-fabricadas em bairros que se situam nas zonas limítrofes da cidade de Lisboa (Alfornelos, Venda Nova). Nestes bairros existem situações de grande precariedade e insuficiência de infra-estruturas básicas, como o fornecimento de água ou a existência de instalações sanitárias individuais no interior das habitações. Os problemas estruturais nas habitações, como sejam a humidade/infiltrações, fissuras nas paredes, a sobrelotação e a ilegalidade têm um peso bastante importante no panorama habitacional destes bairros. 122 11.2 Grupos “desqualificados” 11.2.1 Desempregados de longa duração O desemprego de longa duração (DLD)49 é um dos principais factores de exclusão social. Isto deve-se à importância que o trabalho tem na vida de cada um, uma vez que este constitui a principal fonte de rendimentos e meios de subsistência dos indivíduos e das famílias. No entanto, a própria importância do trabalho vai muito para além do rendimento que proporciona. Este é ainda um modo de definição do estatuto social e, inclusivamente, representa quase sempre, uma ausência de estima social. A situação de desempregado de longa duração ou de socialização em situação de exclusão, não só tende a gerar o desgaste das suas aptidões profissionais como também conduz à progressiva diluição de hábitos e de laços sociais da vida do dia-a-dia. Esta situação poderá condicionar o aparecimento de perturbações psicológicas que têm efeito na vida familiar e que se traduzem em situações de desmotivação, desorganização familiar e eventuais problemas associados a alcoolismo e toxicodependência. Estudos conduzidos em vários países europeus, nomeadamente em França (Fougére, 1996), mostram que quanto mais tempo um indivíduo está desempregado, menores são as possibilidades de reverter essa situação de desemprego. Mais, esta situação atinge principalmente os trabalhadores mais velhos e menos qualificados. O que condiciona este tipo de situações é, por um lado, o aumento das exigências na contratação dos sectores competitivos e, por outro lado, o facto dos trabalhadores desempregados sem qualificações ou com qualificações obsoletas não fazerem parte do tipo de perfil requerido pelas empresas. Com isto, diminuem as suas hipóteses de conseguir um emprego estável, fazendo surgir o que alguns autores designam de “desemprego de exclusão”, que se traduz numa situação em que os indivíduos estão condenados ao desemprego ou são empurrados para empregos temporários nos sectores informais e menos competitivos. A principal fonte de DLD é constituída por pessoas que não apresentam condições mínimas de empregabilidade, independentemente da idade, pelo que permanecem durante longos períodos fora do mercado ou apenas a ele acedem de forma 49 Este conceito implica que o indivíduo esteja desempregado há mais de um ano e declare procurar emprego, o que nem sempre acontece com os membros das categorias vulneráveis à exclusão de que aqui se fala. 123 esporádica, irregular e muitas vezes informal. As situações de exclusão profissional tendem, de facto, a verificar-se principalmente junto dos trabalhadores que nunca tiveram uma relação formal com o trabalho organizado, isto é, ou nunca trabalharam ou, pelo menos, nunca possuíram um emprego, às vezes ao longo de gerações, ou conheceram-no em contextos distantes, como se verifica no caso do passado camponês de uma parte dos imigrantes. Deste modo, num mercado de emprego relativamente dinâmico e inclusivo, tendem a permanecer no desemprego por longos períodos de tempo as pessoas cuja empregabilidade se apresenta mais débil. Desde 1995 que o valor dos DLD se mantém perto dos 50% do total dos desempregados, atingindo 112.300 pessoas no segundo trimestre de 2001, correspondendo a 47,3%. Este peso aparentemente alto deve ser confrontado com o declínio evidenciado pelos valores absolutos. Efectivamente, desde 1995 até ao 2º trimestre de 2001, houve uma queda de 69.300 desempregados de longa duração. Depois de 2001 o desemprego “disparou” razão pela qual o peso do DLD decresceu para 35,5% segundo trimestre de 2003, segundo o Plano Nacional de Emprego/2003. Tomando em consideração o tempo de procura de emprego entre o grupo dos desempregados de longa duração, segundo o INE no Inquérito ao Emprego, e relativamente ao 3 º trimestre de 2001, poder-se-á verificar que 46,9% do total se encontrava nessa situação entre 13 e 24 meses e 53% há 25 e mais meses. Em termos da distribuição destas pessoas pelos grupos etários observa-se que os mais jovens são os que estão menos representados. Esta tendência altera-se se analisarmos esta situação tendo em consideração o género, o número de desempregados de muito longa duração vai decrescendo entre os homens à medida que avançamos nos grupos etários, verificando-se o oposto para as mulheres. Como foi acima referido quanto mais se prolonga a situação de desemprego, mais difícil se torna o regresso ao mercado de trabalho. Também aqui são patentes os efeitos positivos de uma melhoria da situação do mercado de emprego. O desemprego desencorajado tem vindo também a decrescer desde 1999 porque as medidas de actuação no sentido da activação para a empregabilidade tendem a anular o efeito de desgaste das capacidades resultantes da exclusão prolongada do mercado de trabalho. No entanto, pesar do nosso país apresentar um pequeno número relativo de desempregados de longa duração face a outros países europeus, este tende a afectar, de um modo particularmente resistente, uma população específica. Regressar ao trabalho 124 está relacionado com factores como as qualificações e os recursos para a empregabilidade que estes indivíduos têm para adaptarem as suas competências às ofertas de trabalho. 11.2.2 Trabalhadores com qualificações baixas ou qualificações obsoletas Quanto menores as qualificações, menores tendem a ser as remunerações, as oportunidades de acesso à aprendizagem, a qualidade do emprego e mais dificuldades se verificam para a readaptação e a reconversão de saberes em caso de exclusão profissional. No entanto, não se conhece os percursos dos indivíduos com qualificações débeis ao desemprego e à exclusão profissional. Embora se encontre entre as gerações mais idosas a maioria das pessoas sem qualquer nível de educação, as gerações mais jovens não deixam igualmente de apresentar problemas a esse nível. 13,2% das pessoas sem nenhum nível de ensino têm entre 15 e 54 anos e o grupo dos 15 aos 24 anos apresenta uma taxa de analfabetismo de cerca de 1,4%. Neste último grupo de idades observou-se que 34,8% não tinha concluído em 1999 o 3º ciclo do ensino básico (Capucha, 2004). Inclusivamente, Portugal tem recebido diversas recomendações no sentido da questão do “drop-out” escolar que é medido através da proporção de jovens entre os 18 e os 24 anos que possuem no máximo o ensino secundário inferior e não estão a estudar nem a trabalhar. Este valor, que em 2000 era de 42,9%, em 2001 era de 44,3%, em 2002 de 45,5%, passou, segundo o relatório da Comissão Europeia ao Conselho da Primavera, para 41,1% em 2004. Níveis baixos de habilitações escolares correspondem a baixos níveis de qualificações profissionais. Apesar dos níveis profissionais não qualificados ou semiqualificados terem vindo a decrescer (de 12,4% passou para 11,4% e de 17,9% passou para 16,8%, entre 1995 e 1998, respectivamente) estes ainda têm um peso importante no nosso emprego. No que diz respeito à distribuição por idades, é nos mais jovens e nos mais idosos que encontramos maior número de pessoas a desempenhar funções menos qualificadas. No entanto, as razões destes desempenhos em actividades profissionais com níveis de qualificação inferiores são bastante diferentes. Ao passo que no grupo 125 dos mais idosos este peso é o reflexo de desqualificação ao nível da estrutura de emprego, no grupo mais jovem este deve-se a entradas precoces na vida activa. Num estudo realizado em Portugal em 1996, observou-se a extensão de uma outra questão que diz respeito aos indivíduos que apesar de terem obtido conhecimentos a nível da educação formal não possuem um determinado nível de competências: o analfabetismo funcional. No âmbito do referido estudo observou-se que 10,3% das pessoas inquiridas não revelavam competência para “…resolver quaisquer tarefas de mobilização de competências de leitura, escrita e cálculo” e cerca de 47,3% apenas possuíam “capacidade para identificar e transcrever literalmente palavras num texto ou realizar um cálculo aritmético elementar a partir da indicação dos valores e da operação”. Tendo em consideração as novas necessidades de adaptabilidade dos trabalhadores à mudança, esta categoria retrata um dos principais desafios ao desenvolvimento do nosso país. Se, por um lado, esta questão está relacionada com as qualificações, por outro lado, depende da concretização de um quadro jurídico e institucional que legisle a prática da aprendizagem ao longo da vida. Trata-se igualmente, de se proceder à inovação do tecido empresarial de modo a que as qualificações obtidas sejam absorvidas de um modo efectivo pelo mercado, podendo, deste modo melhorar a produtividade e assegurar a sustentabilidade das empresas e a qualidade do emprego. Ao mesmo tempo seria importante procede-se à abertura do mercado de emprego sistemas de formação às categorias mais expostas à exclusão. 11.2.3 Idosos Os fenómenos do envelhecimento, da urbanização/litoralização da população e da transformação das actividades económicas têm consequências profundas na vida das pessoas e nos próprios sistemas sociais. A categoria das pessoas idosas e dos grandes idosos apresenta fortes vulnerabilidades, principalmente quando ao envelhecimento se associa a falta de recursos económicos, a perda de autonomia, o isolamento e a não acessibilidade a serviços sociais de apoio. A população portuguesa está a envelhecer. As pessoas com 65 ou mais anos representavam, em 1960, apenas 8% do total da população e passaram para 9,7% dez anos depois, nos censos de 1981, para 11,4%, nos censos de 1991 e atingem a proporção 126 de 16,4% em 2001. Este grupo etário é esmagadoramente constituído por mulheres idosas sós. Estas representam, segundo Guerreiro (2003), 39,5% do total das pessoas sós e 26,5% do total das mulheres destas idades. Desagregado este grupo em idosos dos 65 aos 74 anos e em muito idosos, com 75 anos ou mais, podemos observar que o segundo grupo reúne um maior número de pessoas, consequência da actual longevidade que a população portuguesa apresenta. De facto, segundo Capucha (2004) as pessoas com 75 ou mais anos passaram de 3,9% do total da população nos Censos de 81 para 5,4% dez anos depois e continuou aumentando para 6,8% nos últimos Censos. As pessoas com mais de 80 anos não ultrapassavam a proporção de 1,21% da população total em 1960 e são já 3,4% em 2001. O número de pensionistas beneficiários da pensão social, apesar de estar a diminuir, era ainda em 2002, segundo o Instituto de Informática e Estatística da Solidariedade, de 80.126. A pensão que recebiam era, na altura, de 138.27 euros por mês subindo para 151.84 euros em 2004, o que perfaz um rendimento total de 1.797,51 por ano para estas pessoas. Em situação de pobreza relativa, calculada a partir de 60% da mediana da distribuição do rendimento equivalente segundo o Inquérito aos Orçamentos Familiares de 2000 encontrar-se-ão cerca de 48,6% dos agregados constituídos por um adulto isolado com idade igual ou superior a 65 anos e 35,8% dos agregados compostos por dois adultos em que pelo menos um tem a mesma idade. Estes dados apontam para a necessidade de prestar uma redobrada atenção ao comportamento dos indicadores de isolamento dos idosos, a categoria mais vulnerável à pobreza em Portugal. O peso das pessoas isoladas entre a população com mais de 65 anos era de 18,2% em 1991 e subiu para 19,7% em 2001, enquanto que para as pessoas com mais de 75 anos esse peso era 23,2% em 1991 e subiu para 25,7% em 2001. No caso do escalão etário dos 65 aos 74 anos o valor sobe para 15,4% (7,9% de homens e 21,5% de mulheres), e acima dos 75 anos atinge o valor de 23,9% (16,9% e 30,3% para cada um dos sexos). Segundo Guerreiro (2003) o isolamento das pessoas idosas, e principalmente das muito idosas, decorre principalmente do culminar de um trajecto familiar e conjugal, em que numa fase mais avançada da idade a morte atinge um dos cônjuges. De qualquer modo, após a morte do cônjuge, cada vez mais são os idosos que permanecem sós nos seus lares, o que segundo a autora, é sintoma de que estes, tal como os seus familiares, perspectivam a sua privacidade de um modo mais 127 individualizado e autónomo, sem recurso à integração do idoso nos agregados domésticos dos filhos adultos ou de outros parentes. Em síntese, o prolongamento da esperança média de vida das pessoas colide com o facto de não se assegurarem as condições para uma vida de qualidade das pessoas idosas com mais necessidades e que, por isso, são mais vulneráveis à pobreza. 11.2.4 Famílias monoparentais Anteriormente citadas, as famílias monoparentais são um dos públicos das medidas de luta contra a pobreza mais extrema, como o Rendimento Mínimo Garantido (actual Rendimento Social de Inserção). Em 2001 este tipo familiar representava uma proporção de 11,5% do total de núcleos em Portugal e esse peso quase duplicava os beneficiários do RSI em Agosto de 2001. As mães sós são 86,4% do total das famílias monoparentais e atingem 95,9% do conjunto das mulheres beneficiárias do Rendimento Mínimo Garantido. Grande parte das famílias monoparentais femininas que recorrem a esta medida dizem respeito a famílias com histórias marcadas pelo sofrimento pessoal e carências económicas. A escassez de recursos financeiros que o RMG vem diminuir está associada, segundo o relatório da Avaliação dos Impactes do Rendimento Mínimo Garantido (RMG), ao modo como estas famílias se relacionam com o mercado de trabalho. Esta relação pode ser caracterizada (salvo raras excepções) pela sua precariedade e clandestinidade bem como pela escassez de rendimentos que estas situações potenciam. No entanto, esta situação também está relacionada com o facto de a relação institucional das beneficiárias com o trabalho ser profundamente marcada pela fraca capacidade do Estado proceder à regulação do mercado de trabalho, em áreas profissionais onde este tem um carácter socialmente desqualificado. As habilitações literárias são um factor determinante não apenas das condições de acesso e participação no mercado de trabalho, mas também em muitos outros domínios da vida, nomeadamente os que se relacionam com valores e orientações sociais (Almeida, 1990), que tanto como as condições materiais de vida, se associam aos modelos familiares. Assim como nos Censos de 1991, em 2001 predominam as famílias que possuem graus de ensino que se enquadram no que actualmente se denomina de ensino básico (61,7%). Segundo Wall (2003), comparando com 1991, a 128 diferença é bastante grande sendo que na altura uma família monoparental em cada oito tinha um nível de educação acima do ensino básico; em 2001, uma em cada três famílias tem um nível de educação acima do ensino básico e uma em dez possui uma licenciatura ou mais. Ao centrar a análise na relação entre o nível de instrução e o sexo, observa-se que em 2001, ao contrário do que se passava em 1991, são as mulheres sozinhas que têm qualificações académicas mais elevadas do que os homens. Um tópico bastante importante é a participação das famílias monoparentais no mercado de trabalho. Olhando para os valores apresentados por Wall e Lobo (1999), poder-se-á observar que as mães divorciadas tinham uma forte inserção no mercado de trabalho (81,3% das mães sós divorciadas participavam no mercado de trabalho). Esta percentagem, segundo as autoras, também é bastante elevada nas mães solteiras (66%) e nas mães sós separadas (65,1%), sendo, em contrapartida, muito baixa para as mães sós viúvas (30,3%). No que toca à participação no mercado de trabalho das mães e dos pais sozinhos por grupos de idades, em 1991, a grande maioria das mães e dos pais sozinhos entre os 16 e os 44 anos estão inseridos no mercado de trabalho. No entanto, é entre os 25 e os 44 anos de idade que essa participação se revela mais acentuada. Wall (2003) afirma que, em 2001, as mães sozinhas participavam mais no mercado de trabalho que as mães a viver em casal. Relativamente aos homens acontece o inverso. A autora afirma que os pais sozinhos participam muito menos no mercado de trabalho do que os homens a viver em casal, o que poderá indiciar, em algumas famílias de homens sós com filhos, a existência de situações de vulnerabilidade económica e habitacional. 11.3 Grupos à margem 11.3.1 Pessoas sem-abrigo O estereótipo mais comum da exclusão social, independentemente das causas ou dos factores da sua existência, é as pessoas que vivem sem residência fixa e que vivem na rua ou em locais que não destinados a esse fim. Um estudo levado a cabo pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil em Lisboa revelou que o número dos sem abrigo nesta cidade é de 1.366 indivíduos, 58,1% dos quais são homens, 11,9% mulheres, não se podendo determinar o sexo de 30%. 129 Apesar de a maioria dos sem abrigo (54%) ter apoio de centros de acolhimento em períodos mais difíceis, uma parte importante está sujeita a condições de grande precariedade. Deste modo, 53,9% ficam em paragens de autocarro, 13,5% em entradas e imediações de edifícios residenciais e não residenciais, 8,7% em veículos abandonados, 6,6% em espaços residenciais abandonados, 3,9% em passeios e ruas e 9,4% noutros locais como espaços não residenciais abandonados, jardins, campos de jogos e outros espaços públicos de lazer, baldios ou canaviais, viadutos e pontes. Outros dados obtidos junto de registos feitos por entidades que trabalham no apoio a esta população mostram que o número de mulheres sem abrigo está a aumentar. Quanto à idade desta população, segundo o LNEC existe uma proporção da população com mais de 40 anos de apenas 30,4%, enquanto a população entre os 20 e 40 anos representa 64,5%. Esta observação afasta-nos da concepção do sem abrigo como pedinte idoso. A situação de sem abrigo traduz-se num conjunto de traços característicos: 14% destes encontram-se em situação de total ruptura familiar, isto quando 62% são solteiros ou divorciados, 77% estão desempregados e 21,4%, pelo menos, estão na dependência do álcool ou de drogas ilegais e 5,3% e 4,2%, respectivamente em Lisboa e no Porto, são ex-reclusos. As razões pelas quais estas pessoas se encontram nesta situação são, segundo dados actuais da AMI, os problemas financeiros (66%), situações de desalojamento (33%) e rupturas com a família (27%), existem outros factores tais como a toxicodependência (17%), problemas relacionais (9%), comportamentais (6%), de alcoolismo (4%), para além de circunstâncias como a saída da prisão (4%), e do hospital (3%). 11.3.2 Toxicodependentes e ex-toxicodependentes É hoje ideia comum de que a toxicodependência é um dos principais mecanismos de exclusão social. Segundo os cálculos de Jorge Negreiros (Negreiros in Capucha, 2004), as taxas de prevalência do consumo problemático, em 2002, variavam entre os 6,1 e os 8,6 consumidores por mil habitantes. Isto é, cerca de 41.720 e 58.980 indivíduos entre os 15 e os 64 anos. Segundo o mesmo, a via endovenosa poderá ser utilizada por 26.920 a 130 43.966 indivíduos. Trata-se de consumidores na maioria do sexo masculino, solteiros, com uma média de idades situada entre os 26 e os 35 anos e com níveis de escolaridade baixos. Em 2001 foram divulgados os resultados de um estudo realizado em Portugal de natureza extensiva e genérica com base num inquérito sobre a prevalência da droga junto de uma amostra de 15.000 indivíduos entre os 15 e os 64 anos (Balsa e tal, s.d). Segundo este estudo, o valor da prevalência50 pode atingir 7,8% das pessoas naquele intervalo etário. A substância mais apontada como a utilizada foi a cannabis (7,6%) seguida, a larga distância, pela cocaína (0,9%), pela heroína (0,7%), pelo ecstasy (0,7%), pelas anfetaminas (0,5%) e pelo LSD (0,4%). Os homens apresentam um valor de prevalência três vezes maior que as mulheres. Enquanto que o valor apresentado pelos homens é de 11,7%, as mulheres é de 4,0%. No que diz respeito às idades a prevalência é maior nos segmentos mais jovens, atingindo valores de 12,4% entre os 15 e os 24 anos, 12,9% entre os 25 e os 34 anos e descendo depois para os 7,7% entre os 35 e os 44 anos, 2,2% entre os 45 e os 54 e apenas 0,4% entre os 55 e os 64 anos. A diferença entre homens e mulheres mantém-se estável em todas as idades. Segundo o Instituto de Planeamento e Combate à Droga (2000) o número de presumíveis infractores face à droga tem vindo a crescer desde 1995, atingindo em 2000 um valor 181,1% superior ao primeiro ano. Os homens são 91,1% dos presumíveis infractores, valor que sobe ligeiramente para 91,8% no caso dos consumidores e para 91,9% no caso dos traficantes-consumidores. A variação das mulheres é, porém, mais problemática, na medida em que entre 1991 e 2000 elas cresceram 239,9% contra 212,4% dos homens. O fenómeno existe em todo o país. Com crescimento em todas as regiões, apesar da flutuação no Alentejo, Lisboa e Vale do Tejo concentra perto de metade (47,7%) de todos os novos atendimentos no país (Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência, 2000). Apesar de se tratar de uma população jovem, os níveis de escolaridade são muito baixos. Segundo o Relatório Anual 2003: A Evolução do Fenómeno da Droga na União Europeia e na Noruega, 47% de todos os clientes em tratamento em 2001 nunca frequentaram a escola, apenas concluíram o ensino primário ou abandonaram precocemente a escola. Inclusivamente, poder-se-ão encontrar diferenças de acordo com 50 Proporção dos que já consumiram algum tipo de substância psico-activa proibida pelo menos uma vez na vida. 131 a principal droga consumida. Segundo o mesmo relatório os consumidores de opiáceos (especialmente heroína) são os que apresentam os níveis de escolaridade mais baixos. No que diz respeito à inserção no mercado de trabalho dos consumidores de droga, o mesmo trabalho afirma que devido à precariedade das condições sociais em que vivem, estes também têm problemas relacionados com a situação laboral: as taxas de desemprego são muito elevadas em comparação com a população em geral (47,4 % entre os consumidores de droga para 8,2 % na população em geral); têm dificuldade em encontrar emprego e raramente conseguem conservar um emprego durante muito tempo. 11.3.3 Jovens em risco Para definir esta população adoptamos a definição contida na Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Risco (Lei nº 147/99 de 1 de Setembro), que considera que “a criança ou jovem está em perigo quando se encontra numa das seguintes situações: está abandonada ou vive entregue a si própria; sofre maus-tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais; não recebe cuidados ou afeição adequados à sua idade e situação pessoal; é obrigada a actividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade ou situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento; está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional; assume comportamentos ou se entrega a actividades ou consumos que afectem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação”. O relatório da actividade das Comissões de Protecção de Menores realizado em 2000 regista um aumento significativo do volume de processos instaurados de 1998 para 1999, mas afirma um decréscimo em 2000. As problemáticas que justificam a instauração de processos estão relacionadas com negligência (24,3%), outras situações de perigo não especificadas (19,1%), abandono e absentismo escolar (31,6%) e os maus-tratos físicos e psicológicos (10,3%). Os dados de caracterização que dizem respeito aos pais das crianças revelam situações de vulnerabilidade, pobreza e exclusão social. Assim, e no que diz respeito ao 132 tipo de família, observa-se um elevado número de famílias monoparentais (21,6%) sendo que 18,2% são famílias monoparentais femininas. Este facto não quer dizer necessariamente que as famílias monoparentais femininas são mais vulneráveis económica e socialmente que as famílias monoparentais masculinas, esta maior representatividade das mães sós está associada ao facto de após o rompimento de uma relação (conjugal, ou não) a guarda da criança ser atribuída, na maior parte dos casos, à mulher. Quanto à escolaridade dos pais registava-se, segundo o mesmo relatório, um maior peso percentual na categoria do primeiro ciclo com 52,9%, devendo ainda ser salientado o facto de 12,1% não terem qualquer escolaridade e 18,7% apenas saber ler e escrever. Ou seja, 81,7% dos pais possuem seis ou menos anos de escolaridade, e 94,2% menos de 9 anos, a actual escolaridade mínima obrigatória. Associados aos baixos níveis de escolaridade estão situações de instabilidade profissional. 25% dos responsáveis pelo agregado familiar com quem vivem as crianças e jovens acompanhados por CPM são trabalhadores com situações profissionais precárias e 10,6% são beneficiários do Rendimento Social de Inserção. Um caso específico de jovens em risco diz respeito aos que se referem como vítimas do trabalho infantil. Segundo Capucha (2004) o número de casos detectados passou de 1.434 em 1995 para 1.722 em 1997. No entanto, os casos contabilizados não dizem respeito ao total de crianças nesta situação, uma vez que a detecção destes casos através das famílias não é fácil, pois o entendimento desta situação depende da definição de trabalho infantil das crianças e dos pais. Segundo um estudo realizado em parceria entre o Departamento de Estatísticas sobre o Trabalho, o Emprego e a Formação Profissional do Ministério do Trabalho e da Solidariedade (DETEFP) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) (Fialho, in Capucha, 2004), com base num inquérito representativo da população portuguesa, observaram-se duas realidades respeitantes à mesma questão: quando se inquirem as crianças, a prevalência do trabalho infantil é de 3,2% na situação de trabalhadores familiares não remunerados e de 0,8% na de trabalhadores por conta de outrem. Quando são inquiridos os pais, o primeiro valor desce para 0,8% e o segundo sobe para 0,9%. Observando estas situações tendo em consideração o género, os rapazes (66%) são mais penalizados que as raparigas. Segundo os autores do estudo 79,1% dos casos estão na condição de trabalhadores familiares não remunerados. Os sectores onde se desenvolvem estas 133 actividades são o da agricultura, do comércio e dos restaurantes. No que diz respeito aos trabalhadores por conta de outrem, estes encontram-se mais frequentemente na indústria transformadora e na construção civil. Quando olhamos para o número de dias de trabalho por semana (61,3% entre 5 e 7 dias) podemos constatar que não se trata de situações esporádicas. 11.3.4 Detidos e ex-reclusos No que respeita às situações de reclusão também estamos perante uma grande escassez de informação. No entanto, um estudo, já anteriormente mencionado, realizado por Anália Torres e Maria do Carmo Gomes (2002) vem colmatar parte desta lacuna. Segundo as mesmas, o valor da reincidência prisional é de 62% e à volta de 15,5% dos reclusos conheceram instituições do Instituto de Reinserção Social, o que quer dizer que foram no passado oficialmente considerados “jovens em risco”. As autoras referem igualmente que 68% dos detidos pela primeira vez o estão por crimes relacionados com drogas, nos reincidentes essa percentagem sobe para 80,3%. Aliás, 72,9% das situações que motivaram a detenção tiveram a ver com drogas (50,3% com tráfico e/ou consumo) ou com outros crimes relacionados com a necessidade de obtenção de meios económicos para consumir drogas (22,6%). Trata-se de uma população maioritariamente constituída por jovens do sexo masculino (as mulheres são menos e mais velhas, em 2000 eram uma minoria de 9,4%), que provém principalmente das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. São pessoas que, na maioria dos casos, têm família constituída ou por cônjuges e filhos ou por ascendentes e irmãos, apesar de ser frequente encontrar situações de “conjugalidades não formais”. Apesar da maioria dos reclusos (72,5%) estar a trabalhar antes da detenção, as autoras afirmam que se observa que os níveis de desemprego neste grupo são mais elevados que a média dos níveis de desemprego a nível nacional. As profissões são relativamente pouco qualificadas e os níveis de escolaridade são muito inferiores aos da população em geral. Segundo dados fornecidos pelo Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça, no que diz respeito à idade (homens e mulheres), em 2000, o grupo dos 16-18 anos subiu 98,8%. O grupo dos 19 aos 24 anos representava 15,5%. O contingente mais numeroso (tendo crescido 1,4%) é o dos 25 aos 39 anos (56,9%). O 134 grupo dos 40 aos 59 anos (22,3% do total em 2000) cresceu 33,8% e os mais idosos (60 e mais anos) têm um peso reduzido (2,7%). A avaliar pelas dificuldades que os ex-reclusos revelam para aceder e manter um emprego ou para estabilizar a sua vida, as actuais medidas adoptadas não parecem estar desenhadas para constituir uma efectiva melhoria das condições de inserção. Talvez a solução para estes casos seja, numa fase inicial, o acompanhamento quer após a formação na prisão, quer durante a fase de inserção, após a sua saída. 135 12 Breve conclusão O diagnóstico que se apresenta neste relatório constitui um primeiro elemento para a definição de objectivos estratégicos para a inclusão social em Portugal no horizonte de 2013. Julgamos ser ele suficientemente elucidativo do tipo de problemas com que o nosso país se confronta neste domínio, sublinhando-se nomeadamente a natureza transversal da exclusão social em relação a um vasto conjunto de domínios de política económica e social. O trabalho feito é porém apenas um primeiro passo no sentido do objectivo pretendido. Ele serve de base para, de seguida, se equacionarem os principais instrumentos de política actualmente em vigor, dando um especial destaque àqueles que são co-financiados pelos Fundos Estruturais, dado o que se pode retirar da respectiva experiência para a avaliação das possibilidades de desenvolvimento futuro e das oportunidades que se abrem. Também os instrumentos de planeamento transversais, e nomeadamente os que envolvem coordenação a nível europeu, serão equacionados de forma particular. Segue-se ao levantamento dessas políticas um período de debate alargado com especialistas na matéria, de forma a discutir em profundidade as orientações a seguir e a obter uma visão ajustada dos recursos e dos obstáculos que se podem, vislumbrar prospectivamente no processo de progressão de Portugal para o novo paradigma da sociedade do conhecimento, em condições de parceria plena com as sociedades mais modernas do espaço onde nos inserimos e pelo qual aferimos as nossas referências: a União Europeia. 136 13 Objectivos Estratégicos para a Inclusão no Horizonte 2013 A vinculação das situações de exclusão social – entendida a expressão, como vimos atrás, no sentido inverso da inclusão social, por sua vez definida, de modo resumido, pelo acesso aos direitos de cidadania por parte de todos os cidadãos – ao conjunto das estruturas sócio-económicas, demográficas e políticas características da sociedade portuguesa, implica a adopção de uma perspectiva compreensiva dos factores de exclusão e inclusão, necessariamente considerados como o resultado dos processos que, aos diversos níveis (societais, institucionais, comunitários e pessoais) transformam aquelas estruturas. Neste quadro, e ao contrário de uma metodologia que se poderia adoptar na definição de objectivos estratégicos e de cenários de mudança necessários para os atingir em sectores específicos como a saúde, o território, a educação, a transição dos jovens para a vida activa, a inovação na economia ou a reforma da administração, para apenas referir alguns dos casos com relevância genérica para a modernização do país, estamos neste trabalho a lidar com um objectivo que tem implicações generalistas e globais na economia, na sociedade e no sistema de regulação da sociedade portuguesa. Embora seja possível definir um conjunto de domínios que a pesquisa tem evidenciado como particularmente relevantes, nomeadamente aqueles que tratámos na primeira parte do presente estudo, dada a natureza multidimensional e sistémica do fenómeno da inclusão e da exclusão social não é possível estabelecer hierarquias funcionais entre esses domínios (embora se possam estabelecer nexos causais entre os diferentes factores em equação), pelo que se impõe uma abordagem que ponha em relevo o modo como se articulam e como interferem de forma pluricausal uns sobre os outros. Como poderia ser, então, desejável e simultaneamente verosímil a sociedade portuguesa em 2013?51 Assumindo a hipótese de que uma parte relevante dos processos de modernização de Portugal, nas últimas décadas resultam do processo de “europeização”, isto é, de orientação das principais opções nacionais, em termos de modelo social e económico, para padrões normais nas sociedades europeias mais 51 Assume-se que os níveis de coesão social e de acesso aos direitos são indicadores precisos de caracterização social e que a qualidade desta se pode aferir pelo comportamento daqueles. 137 desenvolvidas, colocamos as balizas deste trabalho não num patamar de referência absoluta, mas antes numa perspectiva relativa à situação de Portugal no contexto da União Europeia. Assim a finalidade para onde se orienta a proposta aqui apresentada, é a de colocar Portugal entre os dez melhores estados-membros da União Europeia em matéria de indicadores de coesão social. Trata-se de um objectivo complexo, como seria de esperar dada a situação de partida do nosso país. Mas permite evitar que se caia no domínio da especulação mais ou menos utópica sem se fique pela mediocridade do facilmente acessível. Dadas as condições relativamente vantajosas com que contamos por comparação com os novos países aderentes, com a Europa do Sul e com os países anglo-saxónicos, como é o caso das taxas de emprego e a existência de políticas específicas de combate à pobreza, a finalidade apontada é perfeitamente alcançável, desde que os compromissos já assumidos pelo governo em matérias como a inovação económica, a transformação da qualidade do trabalho, a aposta na educação e a luta contra a pobreza sejam efectivamente concretizados no decorrer do próximo período de programação dos apoios comunitários, os quais deverão também ser orientados para essa finalidade. Aquela finalidade ou compromisso estratégico (a classificação depende naturalmente do destino da proposta) desdobra-se num conjunto de objectivos específicos de ordem geral passível de explicitação enquanto metas quantificadas, aptas para a adopção de mecanismos de monitorização e acompanhamento. Os objectivos gerais serão depois especificandos a níveis cada vez mais singulares de concretização. Os objectivos de carácter geral foram escolhidos de forma a: 1. dar conta da multidimensionalidade dos processos de inclusão; 2. sendo em pequeno número, concentrarem informação relativa às diversas dinâmicas relevantes, isto é, sintetizarem tanto quanto possível os efeitos dos diferentes factores de exclusão; 3. apresentarem um carácter operacional forte, isto é, serem facilmente definíveis enquanto metas às quais se associem indicadores de acompanhamento; 4. corresponderem, pelo menos numa parte relevante, a objectivos utilizados no processo corrente de decisão política a nível europeu e nacional. 138 Os objectivos específicos que melhor sintetizam, no conjunto, a orientação geral proposta são os seguintes:52 Quadro 19: Metas específicas estratégicas para a inclusão social em 2013 (3) Indicador Ano de partida Situação de partida UE 25 Cenário Evolutivo neutro Meta 2013 a redução do risco de pobreza para metade dos níveis actuais; 2001 20 15 14 10 a redução para um terço do risco de pobreza infantil; 2001 28 20 22 10 a erradicação da pobreza consistente; 2001 9 ----8 0 a redução para metade do abandono escolar 39,4 15,7 31,5 20 precoce 2004 30,6 13,4 27,8 17,6 47,9 18,0 43,6 27,7 - Mulheres - Homens a redução para cerca de um terço das pessoas com baixos níveis educacionais (25-64 anos) 2004 74,4 32,5 66,7 27 a elevação da taxa de emprego para 76,3% com elevação do emprego feminino para 69,7% de forma a não aumentar o “gap” Total 2003 68,1 63,0 75,9 (1) 76,3 75,0 70,9 83,3 83,3 - Homens 61,4 55,1 68,7 69,7 - Mulheres a manutenção do desemprego no valor máximo de 4% 2003 6,3 9,1 (2) 4 a manutenção do desemprego de longa duração num máximo de 1%. Taxa DLD Total 2004 2,2 4,1 1,9 1,0 2,7 4,7 2,3 1,2 - Mulheres 1,8 3,6 1,5 0,8 - Homens o aumento da esperança de vida à nascença - Mulheres 2003 80,5 81,1 82,7 82,7 - Homens 73,8 74,8 75,9 75,9 (1): Valores de crescimento PEC (2): O comportamento recente deste indicador impede que se estimem com precisão os valores de evolução normal, dado ser neste momento indeterminada a natureza cíclica ou a natureza estrutural do crescimento que se observa. (3) Os valores presentes neste quadro e nos seguintes relativos ao “cenário evolutivo neutro” resultam ou da projecção nos anos até 2013 das tendências verificadas nos últimos anos desde 1995, ou da adopção dos valores constantes do PEC. Os valores relativos às “Metas 2013” são estabelecidos tendo em conta o impacto do esforço político a realizar, sendo nuns casos mais visíveis, nomeadamente sempre que se trata de variáveis em que o nosso país se distancia da norma europeia, e noutros casos mais moderado, dado estarmos já próximos dos níveis desejáveis para atingir os objectivos globais de coesão. Este conjunto de metas permite uma aproximação aos níveis de integração social em quatro domínios fundamentais, a começar pelas condições materiais de vida da população no seu conjunto, aferido pelo indicador de pobreza. A meta proposta neste 52 Tanto quanto possível procurou-se fixar metas que, por um lado, possam ser monitorizadas através dos indicadores estratégicos utilizados no âmbito da Estratégia de Lisboa até ao último Conselho da Primavera e, por outro lado, possam focalizar o núcleo central das questões da coesão social. 139 caso é a da redução para metade do último valor conhecido (20% dos portugueses viviam em 2001 abaixo de um limiar de rendimento igual a 60% da mediana do rendimento por adulto equivalente). Um cenário de “evolução neutra” (isto é, a taxa resultante de projecções das dinâmicas correntes) daria um valor de 14%. Mas é preciso notar que a base dos cálculos foi o período de 1995-2001, quando, numa conjuntura favorável, a pobreza desceu de 23 para 20%, situando-se 5 pontos percentuais acima da média europeia. A conjuntura alterou-se e para que o valor de 10% seja alcançado, não basta retomar o ciclo de crescimento simultâneo da economia, da equidade na distribuição dos rendimentos do trabalho (a proporção dos trabalhadores de baixos salários, como vimos, também diminuiu no período), do emprego, das qualificações, dos níveis das prestações mais baixas da segurança social e de políticas específicas contra a pobreza. É necessário, além disso, um esforço suplementar em vários dos domínios referidos. Algumas medidas de política podem ter um impacto directo imediato no risco de pobreza, tornando viável a meta apontada. Tal é o caso, no campo das políticas passivas, da elevação das pensões mínimas e sociais para níveis idênticos ao limiar de pobreza, ou a reforma do sistema fiscal. No campo das medidas activas, a conjugação de objectivos de modernização e inovação na economia, de qualificação inicial e contínua e da retoma do crescimento com base em ganhos de produtividade com impactos na progressão salarial, ou ainda de desenvolvimento e modernização do mercado social de emprego – despindo-o de alguma ganga “assistencialista” que ainda possui – são dois exemplos deste tipo de políticas. No cruzamento entre as medidas passivas e activas, a atribuição de complementos familiares às famílias com crianças pobres, combinada com a oferta de equipamentos para crianças e da activação de mulheres e homens excluídos do mercado por via da expansão da rede desses equipamentos, seria outro contributo para alcançar a meta referida. O acesso a um conjunto de bens e serviços associados à concretização de direitos é traduzido no indicador de pobreza consistente. Este consiste na percentagem de famílias que acumulam um rendimento monetário equivalente inferior à linha de pobreza monetária e um nível de privação superior ao limiar de provação, correspondente a 150% do índice agregado de privação, isto é, da medida de não-acesso a bens e serviços básicos. Não existindo um indicador deste tipo a nível europeu (a pobreza absoluta, ou privação efectiva de direitos básicos, não é oficialmente 140 considerada), em 2001 eram cerca de 9% os agregados a viver nessas situações-limite. Em 2013 tais situações deverão ter desaparecido, o que exige um considerável esforço político – na provisão e na promoção do acesso ao rendimento ou pelo menos aos serviços básicos – dado que a evolução neutra dos factores não levaria o indicador a descer mais do que 1 ponto percentual. A aproximação dos serviços às populações, possível no âmbito de programas como a rede social, permitirá sinalizar os casos de insatisfação de necessidades básicas e a procura de soluções para evitar que permaneçam em Potugal situações de extrema degradação das condições de vida de algumas famílias. A pobreza infantil constitui outro dos indicadores básicos da qualidade da sociedade e dos níveis de integração social, com consequências futuras relevantes e cuja pertinência e centralidade se liga por um lado à natureza multidimensional das dinâmicas necessárias à concretização desse objectivo e, por outro lado, à quebra do círculo de reprodução da pobreza que caracteriza a situação actual no país. Entre 1995 e 2001 esse foi um dos poucos indicadores de pobreza que pioraram em Portugal. Se nada se fizer em especial, e no caso de retoma das condições de contexto que se viviam no referido período, o indicador evoluirá para cerca de 22%, isto é, oito pontos percentuais acima da média. O objectivo proposto fica a meio caminho de uma proposta eventualmente defensável de erradicação total da pobreza infantil, e foi fixado por parecer mais verosímil, uma vez que a prossecução deste desiderato implica actuar não apenas junto das crianças mas também de todos os membros dos agregados. O principal sentido político de intervenção para atingir este objectivo passa pela montagem de um dispositivo que permita a combinação de um reforço do subsídio familiar para as famílias com crianças pobres, com a expansão da oferta de educação pré-escolar e com a promoção do acesso ao emprego por parte dos membros não activos destas famílias, nomeadamente mulheres mães de famílias mono-parentais ou de famílias alargadas, através da expansão da oferta de serviços e equipamentos de apoio à família – o pré-escolar e outros em que as carências são notórias, como é o caso dos equipamentos para idosos ou pessoas com deficiência – e da oferta de programas de formação especial e apoio à integração no mercado de trabalho, quer social quer aberto. Todas as matérias deste bloco são dependentes, quase de forma total, da evolução de políticas específicas, embora o contexto económico e demográfico possa desempenhar um papel condicionante de relevo. 141 O segundo domínio dos objectivos estratégicos remete para aquele que pode ser o mais importante dos factores de modernização do país, o “capital humano” ou, por outras palavras, as qualificações das pessoas. Propõem-se a esse propósito metas ambiciosas na redução do abandono precoce da escola (saídas sem o 12º ano de escolaridade ou qualificação equivalente), o que implica o sucesso da reforma da educação/formação, sem o que se atingirão em 2013 níveis da ordem dos 31,5% (pouco mais baixos do que os actuais 39,4% e muito superiores ao que são já hoje os valores médios europeus). A meta proposta é baixar o abandono para 20%, provocando uma descida acentuada de 11 pontos percentuais em relação à evolução sem actuação política relevante e diminuindo a desigualdade de género. Note-se que a meta de referência fixada para o conjunto da União Europeia (cf. Dossier Interinstitucional 2005/0057 (CNS) no quadro da revisão da Estratégia de Lisboa com a qual o governo se comprometeu, corresponde a uma taxa média de abandono escolar não superior a 10% em toda a União. Dado o atraso português e a conexão entre o abandono escolar e o “background” familiar, julga-se prudente estabelecer uma meta de 20% que, sendo dupla daquele objectivo, representa porém um esforço de convergência assinalável. Um apelo ainda mais forte à acção política do lado da oferta, mas também à responsabilização dos agentes no mercado do lado da procura, está implícito na meta relativa à aquisição de qualificações no mínimo equivalentes ao ensino secundário e ISCED 3, com vista a atingir um valor máximo de 27% de pessoas com baixas qualificações entre a população activa, o que representa menos quase 40 pontos percentuais em relação ao cenário de evolução “neutro”, isto é, mantendo-se o contexto e as políticas que levaram aos actuais valores de 74,4%, mais do que duplos da UE25. Este objectivo é porventura ainda mais exigente do que o do abandono escolar. Mas é essencial. Não pode haver modernização da economia nem participação social sem que a qualificação média dos portugueses sofra uma mudança de fundo. A redução do abandono escolar precoce dará um contributo, mas é preciso atingir a população adulta. A efectiva aplicação do princípio de formação compulsiva anual de toda a população empregada, articulada com o sistema de Reconhecimento, Verificação e Certificação de Conhecimentos e com a revalorização do ensino recorrente conferem, em todo o caso, realismo ao objectivo. 142 Embora se saiba que a qualificação e a educação não são factores suficientes para a modernização – é igualmente importante contar com a utilização dada a essas qualificações, o que implica a mudança da cultura organizacional no mundo do trabalho e da administração, no sentido de promover e dar a melhor utilização à qualificação dos activos – estas variáveis podem ser decisivas. São, no fundamental, dependentes da acção política, embora, como foi dito, o mercado tenha também responsabilidades na estimulação da procura. O terceiro domínio é dependente do cruzamento entre a intervenção política – em domínios como as políticas activas de emprego e do mercado social de emprego, a qualificação da população e as políticas fiscais – e a acção dos agentes do mercado, que apenas indirectamente são afectadas por aquela intervenção, dado que compete às empresas, os agentes por excelência da criação de emprego e da sua qualidade (englobando aqui também a igualdade de género), o respectivo andamento. Neste domínio incluem-se as variáveis “taxa de emprego”, “taxa de emprego feminino”, “taxa de desemprego” e “taxa de desemprego de longa duração”. Não sendo condição suficiente para promover a inclusão social, trata-se porém de um domínio indispensável e de grande preponderância, dadas as muitas implicações do trabalho na vida das pessoas, na organização das sociedades e no desempenho da economia. Em relação ao emprego e ao emprego feminino, as metas constantes do PEC representam um objectivo ambicioso, que se julga capaz de contribuir para atingir os níveis de coesão desejados. É igualmente certo que o impacto do crescimento do emprego será tanto mais propiciador de coesão social quanto se fizer acompanhar de políticas de combate ao desemprego que invertam a tendência actual e o tragam para valores da ordem dos 4%, e ainda de políticas de reintegração social e profissional dos desempregados de longa duração que permitam atingir taxas de 1%, isto é, um pouco abaixo do valor de evolução normal, que é de 1,9%, com uma redução acentuada do actual gap entre homens e mulheres. Por fim, o quarto domínio, o da longevidade, faz a síntese de um conjunto de parâmetros de qualidade da sociedade, implicando áreas de política como a saúde, a educação, a segurança social, a aprendizagem, os rendimentos e a qualidade do mercado de emprego. A esperança média de vida, de facto, não é um indicador que possa ser afectado por uma qualquer política específica que o afecte de maneira directa. Contudo, é talvez o melhor sinal da qualidade de conjunto da sociedade e dos níveis de coesão que apresenta. 143 Tendo Portugal conhecido progressos relevantes neste indicador nas últimas décadas, as progressões serão limitadas. Em 2003 a esperança de vida das mulheres era de 81,1 anos e a dos homens de 74,8 anos na UE25. No nosso país os valores eram um pouco mais baixos, respectivamente 80,5 e 73,8. Se as condições de vida continuarem a melhorar, a expectativa é que os valores se elevem para 82,7 anos para as mulheres e 75,9 para os homens. Neste caso, a garantia de que esta evolução “neutra” seja tomada como meta a atingir em 2013, parece-nos ajustado. 13.1 Objectivos complementares Para sustentar de forma coerente a pertinência do conjunto de objectivos específicos de ordem geral, e com vista a aprofundar alguns dos domínios mais relevantes do ponto de vista dos objectivos de inclusão, abordaremos agora um conjunto de “objectivos complementares”, isto é, que ajudem a focalizar aspectos específicos relevantes do ponto de vista da coesão social, bem como “objectivos de enquadramento”, isto é, objectivos que, não reflectindo directamente vectores de inclusão ou exclusão, estão com eles fortemente correlacionados, na medida em que condicionam a respectiva evolução. Qualquer dos dois tipos de objectivos é operacionalizado na forma de metas associadas a indicadores agrupados por áreas temáticas, procedendo-se no final a uma leitura mais integrada do conjunto. A nota que deixámos expressa a respeito dos cálculos efectuados para a construção do cenário evolutivo “neutro” coloca-se também a respeito dos indicadores complementares de pobreza e desigualdade na distribuição dos rendimentos que a seguir se apresentam. Trata-se do facto de se estar a trabalhar com projecções de valores respeitantes a um ciclo de decréscimo da pobreza e de crescimento económico continuado no período 1995-2001, cuja projecção gera “previsões” provavelmente erradas dada a recente evolução do contexto, fortemente marcada por dinâmicas que tendem a gerar maiores desigualdades e níveis de pobreza. 13.1.1 Quanto à distribuição dos rendimentos 144 Quadro 20: Indicadores de Distribuição dos Rendimentos Indicador Ano partida Situação partida UE 25 Cenário Evolutivo neutro Meta 2013 2001 37 29 29 26 Proporção dos rendimentos dos 20% mais ricos sobre os 20% mais pobres 2001 6,5 4,4 5,5 4 Risco de pobreza antes das transferências sociais (pensões excluídas) 2001 24 24 18 18 2001 51% 59% 100% 2001 70% 78% 120% 2001 130% 148% 150% 2001 15 9 2001 30 17 16 10 2001 20 17 12 10 Índice de Gini Pensão social/limiar de pobreza Pensão mínima do regime geral/limiar de pobreza Salário mínimo (geral)/limiar de pobreza Risco de pobreza persistente Risco de pobreza de maiores de 65 anos Risco de pobreza feminino Risco de pobreza socioprofissional segundo o 7 estatuto - Trabalhadores- sem ser por conta própria - Trabalhador por conta própria - Desempregados - Reformados - Outros economicamente inactivos 2001 7 6 5 3 28 18 14 10 38 42 22 20 16 25 10 10 28 24 26 20 23 16 23 15 32 15 31 15 19 22 21 18 46 26 44 20 39 32 38 0 Risco de pobreza segundo a composição dos agregados domésticos - Famílias com 3 ou mais adultos e crianças - Famílias com 2 adultos, sendo pelo menos 1 maior de 65 anos - Famílias de um adulto isolado - Famílias de um adulto isolado com mais de 65 anos - Famílias monoparentais 2001 Um primeiro elemento a reter para a determinação dos níveis de coesão social, para além dos objectivos de referência, são os indicadores de desigualdade na distribuição dos rendimentos. A esse respeito, o índice de Gini, no qual Portugal é o 145 país da UE15 pior colocado, deverá ter uma evolução positiva. No entanto, se um conjunto de medidas positivas forem desenvolvidas, a meta pode melhorar ainda relativamente à sua evolução esperada, situando-se perto de 26%, valor para o qual poderá evoluir também a média europeia, dados que em toda a União se têm verificado progressos. A proporção do rendimento dos 20% mais ricos sobre o dos 20% mais pobres também melhorou em Portugal, mas o comportamento foi mais acentuadamente positivo na Europa. Um país moderno não é compatível com os níveis de desigualdade na distribuição do rendimento existente em Portugal, pelo que se propõe a fixação, no horizonte de 2013, de uma meta próxima dos actuais valores europeus, bastante abaixo daquela que se verificará na ausência de uma acção voluntarista nesse sentido. Todos estes indicadores podem melhorar com o desenvolvimento das políticas de redistribuição (quer pela via fiscal, quer pela via da protecção social que, como veremos, ainda apresenta margem para crescer) quer, ainda, pela via de políticas activas de estímulo aos ganhos salariais resultantes dos ganhos de produtividade gerados pelo efeitos conjugado da qualificação da população, da modernização da organização do trabalho e da inovação na economia). Para além das metas relativas à pobreza em geral e à pobreza infantil, é igualmente necessário dar especial atenção a uma matéria na qual Portugal também apresenta o pior registo: a pobreza persistente. A esse respeito propõe-se uma redução do valor para menos de metade, numa lógica de ruptura com as dinâmicas de reprodução continuada do fenómeno nos mesmos agregados sistematicamente vulneráveis, por vezes ao longo de gerações. A pobreza persistente resulta em boa parte da concentração das categorias vulneráveis instaladas em círculos de pobreza que funcionam como amarras – simbólicas, sociais e económicas – a condições de vida cujos referenciais cristalizam nas pessoas, nas famílias e nas comunidades, tornando-as duradouras, espessas e inibidoras de projectos de ruptura com a pobreza. A intervenção junto das comunidades que formam esses círculos de pobreza instalada requer a elevação do patamar de exigência dos programas de luta contra a pobreza, que cumpriram um papel de relevo, mas que nas actuais condições são de reduzida eficácia, dada a dispersão de recursos. Requer nomeadamente a criação de programas que permitam (i) identificar, ao mais alto nível do poder do estado e das autarquias, as comunidades mais problemáticas e estabelecer prioridades claras de intervenção; (ii) 146 diagnosticar com profundidade o conjunto dos problemas aí vividos; (iii) negociar, entre os ministários pertinentes em função do diagnóstico (desde o trabalho e solidariedade até à administração interna, passando pela habitação, educação e saúde), as autarquias, os parceiros civis, os parceiros sociais e as próprias populações, um plano de intervenção reduzido a contrato ou protocolo que torne explícito o contributo de cada um para a erradicação dos problemas identificados; (iv) promovendo assim a concentração de recursos e uma actuação cirúrgica, multidimensional, sistémica e em profunhdidade, de modo a romper com os quadros de vida que geram a reprodução da pobreza no seio das famílias e comunidades onde ela está mais sedimentada e incorporada nas maneiras de ser, de pensar e de fazer. A meta para a pobreza em geral tem repercussões nos diferentes parâmetros de decomposição do fenómeno. Particular atenção, nesse domínio, colocando maior distância entre a evolução neutra e a fixação de objectivos políticos mais exigentes, é dada à situação de categorias específicas, pelo que se sugere a fixação de metas para os idosos, as famílias numerosas ou monoparentais, os trabalhadores independentes, desempregados, reformados ou outros economicamente inactivos. Uma vez mais, também aqui políticas de redistribuição de recursos e políticas activas de qualificação das pessoas e das actividades são chamadas a desempenhar um papel determinante. Nomeadamente, realce-se que qualquer dos objectivos relativos à pobreza implica a evolução dos valores das pensões sociais para níveis iguais aos do limiar de pobreza, colocando-se assim a pensão mínima do regime geral acima desse valor e fazendo da fixação do salário mínimo nacional em níveis que impulsionem uma distribuição dos rendimentos do trabalho mais equitativa, em qualquer dos casos fixando metas acima da evolução positiva prevista. 13.1.1.1 No sector da educação Quadro 21: Indicadores de baixos níveis educacionais, por sexo e idade Indicador Ano partida Situação partida UE 25 Meta 2013 147 Pessoas com baixos níveis educacionais segundo a idade e o sexo 59,8 23,3 10 Mulheres 54,3 22,2 9 Homens 65,2 24,3 11 35-44 anos 73,8 28,6 25 Mulheres 71,8 29,5 23 Homens 75,8 27,8 37 82,2 35,3 30 82 38,9 30 Homens 82,5 31,6 30 55-64 anos 88,4 46,1 32 Mulheres 89,4 52,2 32 Homens 87,2 39,9 32 94,4 67,5 33 Mulheres 95,6 74,3 33 Homens 92,3 58,0 33 25-64 anos 74,7 32,5 26 Mulheres 73 34,7 25 Homens 76,5 30,3 26 25-34 anos 45-54 anos Mulheres 64 e mais anos 2004 No domínio da educação, tendo sido fixados dois objectivos de ordem geral, o indicador complementar mostra a forma como, para se atingir um desses objectivos, o esforço terá de se distribuir pelos diferentes grupos etários, embora de forma diferenciada. Embora mantendo uma diferença significativa entre as gerações mais jovens e as mais idosas, a perspectiva que se adopta é a de que o esforço terá de ser dirigido a todos os grupos etários, de modo a diminuir os valores actuais em perto de 50 pontos percentuais nos grupos entre os 25 e os 54 anos, subindo para 56 pontos no grupo dos 55-64 anos e para 61,4 nos maiores de 64 anos. Trata-se de um objectivo complexo, que exige grande imaginação política e forte compromisso de todos os actores relevantes. Estando claro que a mudança que aqui se projecta é uma das mais profundas de todos os objectivos e metas, relembramos o que dissemos acima sobre a impossibilidade de modernização da economia sem que a qualificação média dos portugueses sofra uma mudança de fundo, resultando essa mudança por um lado da redução do abandono escolar precoce, mas principalmente da efectiva aplicação do princípio de formação compulsiva anual de toda a população empregada, articulada com o sistema de 148 Reconhecimento, Verificação e Certificação de Conhecimentos e com a revalorização do ensino recorrente. 13.1.1.2 No sector do emprego Os indicadores quantitativos relativos ao mercado de emprego são dos mais positivos na Europa, pese embora a degradação recente dos níveis de desemprego. Tal não impede que, de um ponto de vista da inclusão, certos domínios sejam determinantes. De facto, apesar daqueles bons indicadores gerais, como vimos no diagnóstico, o mercado de emprego português apresenta também níveis graves de segregação de certos segmentos da população. Por isso se destacam no âmbito dos indicadores complementares, as metas propostas para a redução do desemprego juvenil e para o emprego das pessoas com deficiência, este último o melhor sinal do grau de abertura e de capacidade de inclusão do mercado de trabalho. Quadro 22: Indicadores relativos ao Mercado de Trabalho Indicador Taxa de desemprego de muito longa duração por sexo Total - Mulheres - Homens “Share” do desemprego de longa duração (% DLD/desemprego total) Pessoas a viver em agregados sem qualquer pessoa empregada - Crianças (0-17) - Jovens e adultos (18-59) - Mulheres - Homens Dispersão regional das taxas de desemprego Total - Mulheres - Homens Taxa de desemprego da população jovem (percentagem da força de trabalho dos 15 aos 24 anos), por sexo Total - Mulheres Ano partida Situação partida UE 25 Cenário Evolutivo neutro Meta 2013 2003 1 1,2 0,8 2,3 2,6 0,6 0,6 1,3 0,9 0,6 1,3 0,9 2003 34,6 44,4 37,9 25,0 4,3 5,3 5,7 5 9,8 10,4 11,4 9,3 5,3 4,3 5,6 5,0 1 0,82 1,07 0,95 3,9 6,3 3,2 13,0 18,8 10,4 4,3 6,9 3,5 3,9 6,3 3,2 14,4 12,4 18,4 18,4 2004 2003 2003 7 7 149 - 17,0 Homens Taxa de actividade das Pessoas com Deficiência Taxa de emprego das Pessoas com Deficiência Taxa de emprego dos trabalhadores idosos (percentagem da população empregada entre os 55 e os 64 anos), por sexo Total - Homens - Mulheres Idade média de saída da força de trabalho (20032013), por sexo total - Homens - Mulheres 18,5 7 2001 29,0 40 2001 26,2 50 2003 2003 51,6 62,1 42,46 40,2 50,3 30,7 62,1 63,7 60,6 61,0 61,5 60,5 64,9 77,5 54,0 66,9 77,5 59,5 65 65 65 Propõe-se além disso reduções dos valores actuais do desemprego de muito longa duração, da proporção dos desempregados de longa duração no total de desempregados, da taxa de desemprego de muito longa duração e da proporção de pessoas a viver em agregados sem qualquer pessoa empregada e a elevação da taxa de emprego dos trabalhadores mais idosos, porém para valores assumidos no quadro do PEC. Propõe-se ainda uma ligeira subida da idade média da saída da força de trabalho (factor determinante para a sustentação dos sistemas de pensões e, por isso, de um dos principais instrumentos de redistribuição da riqueza e de promoção da igualdade). À excepção da fixação da idade média de saída da força de trabalho, mais directamente regulável pela acção do estado, os níveis de desemprego são, segundo a tradição da teoria económica, depdendentes basicamente do andamento da economia e da estratégia das empresas. É verdade que delas depende, no fundamental, a evolução dos parâmetros aqui em causa. Também é verdade que o comntexto macro-económico é decisivo quanto à capacidade para desempenharem a função empregadora que delas se espera. Mas não é menos verdade que a Responsabilidade Social das Empresas podem dar um contributo voluntarista relevante. E também que o estado pode influenciar o combate ao DLD e ao desemprego não apenas através da regulação macro-económica, mas também através de políticas de emprego activas. Destacam-se aqui práticas como a intervenção precoce sobre os desempregados, o estabelecimento de planos individuais para o regresso ao mercado de trabalho envolvendo com frequência programas de qualificação especial de pessoas que perderam competências para a empregabilidade ou a expansão e distribuição equilibrada dos equipamentos sociais que permitam o acesso 150 ao trabalho por parte das mulheres que dele se vêm arredadas devido aos cuidados com os membros dependentes da família. Aliás, no âmbito da avaliação do PNE realizada em 2001, ficou claramente demonstrado, por via da aplicação de um modelo econométrico, que não apenas a intervenção política produz empregos para além dos resultantes do ciclo económico, mas também que a contribuição dessas políticas é tanto mais relevante quanto menos favorável é o ciclo económico. 13.1.1.3 No domínio das redes de inserção e do sinal (positivo ou negativo) da carga do capital social Um último conjunto de metas complementares é relativo à situação de algumas categorias em situação de risco especial. Em qualquer dos grupos referidos os indicadores disponíveis são de qualidade limitada. Tal não impede, porém, que em resultado de uma melhoria geral das condições de vida, de trabalho e de protecção das pessoas, diminua o número de pessoas sem abrigo, de toxicodependentes e de reclusos. Quadro 23: Indicadores de evolução de algumas categorias vulneráveis Indicador Evolução do número de pessoas sem abrigo (Lisboa) Evolução da percentagem da população com comportamentos aditivos problemáticos Evolução do número de reclusos Ano partida Situação partida UE 25 Cenário Evolutivo neutro Meta 2013 2001 1.366 -------- --------- 500 2002 0,61 a 0,86% 12.944 -------- --------- 0,4 -------- --------- 8.000 2000 Chama-se a este propósito a atenção para o facto de a experiência demonstrar que (i) os comportamentos problemáticos variam na relação directa da pobreza e da exclusão; (ii) que as políticas repressivas têm pouca eficácia, sendo muito mais eficientes as políticas preventivas e reparadoras; (iii) que existe experiência suficiente acerca dessas políticas (casos dos Centros de Abrigo e Motivação de sem-abrigo, Estratégia Nacional de Luta Contra a Droga, Sistema de Reabilitação, etc.) para sustentar a expansão de programas específicos dirigidos a estes segmentos particulares da população. 151 13.2 Objectivos de enquadramento Se com os indicadores complementares podemos aprofundar aspectos específicos relevantes dos objectivos de inclusão, associamos aos indicadores de enquadramento factores de contexto determinantes das possibilidades de se atingirem as metas traçadas. Um primeiro grupo desses objectivos respeita a matérias que afectam a distribuição de rendimentos. 13.2.1 No domínio da distribuição dos rendimentos Quadro 24: Indicadores relativos a gastos em Protecção Social Indicador Total de gastos em Protecção Social (em percentagem do PIB per capita), 2002-2013 Total de gastos em Protecção Social (em ppc per capita) em proporção da UE25 Ano partida Situação partida UE 25 Cenário Evolutivo neutro Meta 2013 2002 25,4 27,5 --------- 27,0 2002 63,7 100 65,5 80,0 Como se evidenciou atrás, o alcance dos objectivos substantivos na área da inclusão implica a elevação dos níveis de distribuição de rendimentos através da segurança social, não apenas no domínio das pensões mais baixas, mas também nas medidas de acção social. As metas propostas não são excessivas, como tende hoje a defender certa ortodoxia economicista, deixando-nos ainda distantes dos níveis médios europeus. Assim, num país com forte incidência e intensidade da pobreza e com carências tão marcantes em matérias como a dos equipamentos sociais, uma sociedade mais coesa só pode ser conseguida com um maior esforço de solidariedade nacional, aproximando os níveis de despesa em protecção social dos valores médios nas sociedades europeias mais modernizadas. A questão dos equipamentos sociais merece aqui uma referência específica, dado que o seu papel tem uma visibilidade menos imediata do que os benefícios da segurança social. Portugal está a envelhecer, como toda a Europa, e os grandes idosos 152 constituem já um grupo carenciado de cuidados especiais. A educação tem de começar o mais precemente possível e os equipamentos para crianças e jovens escasseiam. A rede de serviços de reabilitação apresenta lacunas na distribuição territorial. As mulheres portuguesas participam largamente no mercado de emprego, assumindo uma dupla carga de trabalho doméstico e familiar. Não se lhes pode pedir, portanto, que assumam com qualidade o cuidado dos membros dependentes da família (aliás, a família nunca foi boa prestadora dos serviços que hoje em todos os países desenvolvidos são prestados de forma organizada pela colectividade). O esforço de expansão da rede de equipamentos sociais para estas categorias é, assim, uma prioridade absoluta. Essa expansão, embora crie riqueza e emprego, requer meios, que neste momento, em função dos objectivos de equilíbrio macro-económico, são escassos. Gera-se neste domínio, portanto, um dos principais campos de utilidade do apoio comunitário ao nosso país, do mesmo modo como se gera uma campo de inovação no que respeita ao financiamento do funcionamento, por um lado procurando soluções que combinem melhor o mercado com o apoio público e, por outro lado, passando-se de uma lógica de financiamento da oferta (leia-se, das instituições prestadoras de serviços), para uma lógica de apoio à procura, em particular por parte das categorias e das famílias mais pobres. 13.2.2 No sector da educação Já nos referimos atrás à incontornável necessidade de promover os níveis de qualificação da população, em particular implicando as populações idosas, e ao que tal implica ao nível da taxa de participação de adultos em acções de qualificação e educação, incluindo as de reconhecimento, verificação e validação de conhecimentos. Trata-se de uma variável que deve conhecer uma evolução dramática para níveis superiores às actuais metas europeias (12% de trabalhadores a participar nesse tipo de acções no mês anterior à realização do inquérito), de forma a iniciar a recuperação do atraso português. Quadro 25: Taxa de participação em actividades de ALV 153 Indicador Taxa de participação em aprendizagem ao longo da vida Ano partida actividades de 2002 2004 Situação partida 2,9 4,9 UE 25 8,5 9,8 Cenário Evolutivo neutro 6,0 Meta 2013 15 13.2.3 No domínio da demografia Como acontece com a esperança de vida em geral, também a esperança de vida nos extremos (no primeiro ano de vida e aos 60 anos) constitui o indicador de síntese que melhor traduz a qualidade de vida e o funcionamento dos serviços e instituições prestadores dos diversos serviços sociais. Estando Portugal com níveis já próximos da Europa nesta matéria, os pequenos ganhos que se alcançarem, resultantes da redução da pobreza, do melhor funcionamento do sistema de saúde, dos níveis de protecção social, da qualidade do trabalho e do acesso a habitação condigna, serão indicadores ainda mais consistentes dos progressos nas políticas de inclusão. Quadro 26: Indicadores relativos à esperança de vida Indicador Esperança de vida no primeiro ano de vida - Mulheres - Homens Esperança de vida aos 60 anos - Mulheres - Homens Ano partida 2003 2003 Situação partida UE 25 Cenário Evolutivo neutro Meta 2013 79,9 73,2 80,4 74,5 82,1 75,3 82,1 75,3 23,3 19,4 23,8 19,6 23,9 20,0 23,9 20,0 13.2.4 No sector do emprego Para que as metas relativas ao emprego e ao desemprego possam ser alcançadas o contexto deve ser favorável em primeiro lugar à retoma do crescimento continuado do emprego – orientado sobretudo para o acesso dos grupos desfavorecidos e para o crescimento do terceiro sector, dado que as taxas elevadas que o nosso país já conhece só podem ser alcançadas com a reinserção dos excluídos do mercado – com a 154 manutenção das dinâmicas de crescimento da taxa de actividade e com a expansão do sector dos serviços, aquele que apresenta no nosso país maior potencial de crescimento. Quadro 27: Indicadores relativos ao emprego e ao desemprego Indicador Crescimento do emprego (percentagem da variação anual da população empregada 20032013) por sexo Total - Homens - Mulheres Taxa de actividade (percentagem da população dos 15 aos 64 anos, segundo o sexo (ano de partida, 2003) Total - Homens - Mulheres Estrutura do emprego por sector de actividade - Serviços - Indústria - Agricultura Ano partida Situação partida UE 25 -0,4 0,4 -1,1 0,2 0,7 -0,2 72,1 78,8 65,6 69,3 77,4 61,2 Cenário Evolutivo neutro Meta 2013 2003 2003 2003 69,2 25,5 5,2 1,5 1,5 1,5 79,0 86,7 71,6 80,0 86,7 73,6 73 23 4 Esse crescimento do peso dos serviços na economia associar-se-á, num quadro de evolução favorável da economia, à retoma do crescimento económico e à sua recolocação a níveis superiores aos da média europeia, ao crescimento da produtividade no contexto do aumento da capacidade de inovar, devendo passar a ser a produtividade, e não apenas o crescimento do emprego, a contribuir para o aumento do produto, e ainda num quadro de estabilidade macro-económica. A transição para uma economia com maior peso dos serviços e mais adaptada ao novo contexto competitivo na sociedade da informação e do conhecimento implica a reestruturação empresarial. Esta pode ser conduzida com elevados custos sociais ou, pelo contrário, procurando reduzi-los através da preparação das suas consequências. O tema ganhou aliás um lugar central na agenda da Estratégia Europeia para o Emprego. Questões de política micro-económica envolvendo a identificação precoce de sectores e empresas em risco de competitividade, que permitam o envolvimento dos parceiros sociais, dos trabalhadores e dos empregadores na procura de soluções colectivas, recorrendo a apoios existentes quer a nível local, como a nível nacional e comunitário, a promoção da mobilidade profissional e geográfica, estão hoje a ser objecto de 155 discussão, assumindo um carácter de grande urgência para Portugal. Por outro lado, ao nível macro-económico, a procura dos equilíbrios necessários ao desenvolvimento sustentável passa pela adopção de estratégias de crescimento amigas do emprego e capazes de simultaneamente tornar as empresas e os trabalhadores mais flexíveis e mais seguros. 13.2.5 No domínio da economia Os objectivos de política económica não são condição suficiente para a produção de uma sociedade mais coesa, e podem mesmo verificar-se com a degradação das condições sociais de vida e de trabalho – ou até à custa dessas condições – mas são uma condição necessária. O que é relevante é que se consiga produzir mais riqueza, mas também que ela seja melhor distribuída e, ainda, que ao processo de produção se associem mecanismos mais fortes de participação económica e social. Quadro 28: Indicadores Económicos, PIB e Défice da Administração Pública Indicador Crescimento do PIB per capita a preços constantes de 1995 (variação em % em relação ao ano anterior) – indicador de base, previsões para 2004 Produtividade por pessoa empregada (PIB per capita em ppc por pessoas empregada)/UE25 Défice global da Administração Pública Ano partida Situação partida UE 25 Cenário Evolutivo PEC Meta 2013 2004 1,0 2,4 4,0 4,0 2003 2004 66,7 6,2 100 2,8 67,1 1,0 80 1,0 13.2.6 Correlação entre factores, domínios de política e indicadores de coesão Em síntese, poderemos dizer que se apresentam, face aos objectivos enunciados, dois cenários de base. Um terceiro cenário (poder-lhe-íamos chamar “catastrófico”), não foi considerado nos cálculos, por ser do nosso ponto de vista o mais improvável, embora possível. 156 Para qualquer deles seguimos o roteiro de correlações representado na figura que se apresenta de seguida. Figura 1: Modelo de Correlação entre factores Políticas macroeconómicas e fiscais Evolução do emprego e do desemprego Equilíbrio das contas públicas Evolução da qualidade do emprego e da equidade salarial Modernização do mercado de bens e serviços e do mercado de emprego Evolução das despesas em políticas sociais (pensões, benefícios familiares, acção social) Estratégias familiares e mecanismos de integração comunitária Evolução dos níveis de educação e de qualificação Evolução de políticas específicas para grupos de risco Evolução dos indicadores de desigualdade Evolução das taxas de pobreza Evolução da esperança de vida Dinâmicas de integração social de grupos de risco e de prevenção do risco Existem factores que podemos, provisoriamente, tomar como factores causais da evolução dos domínios que afectam a pobreza e a exclusão. Entre esses factores encontra-se o contexto macro-económico, fortemente dependente por um lado da acção do estado e por outro lado da acção dos agentes económicos. Esse contexto constitui, como se disse, o quadro básico definidor do potencial de desenvolvimento da coesão social. Repetimos assim a ideia de que se pode verificar um bom ambiente económico sem que isso corresponda a melhoria sensível na qualidade do padrão social, podendo mesmo coexistir com a degradação desse padrão. No entanto, a elevação dos níveis de coesão implica um ambiente macro-económico saudável, com equilíbrio nas contas 157 públicas e com um funcionamento do mercado (quer de bens e serviços, quer de trabalho), e dos seus agentes organizado, regulado, moderno e com sentido de iniciativa, de risco, de inovação e de responsabilidade social. Igualmente podendo ser afectado pelas políticas públicas, mas assumindo os agentes económicos o papel preponderante, constitui factor igualmente determinante a modernização do mercado de bens e serviços e o mercado de emprego. Outro elemento de contexto fundamental tem a ver com as estratégias que as famílias e as comunidades adoptam, enquanto actores colectivos dotados de capacidade reflexiva e de agência, particularmente em termos da natureza dos laços de solidariedade que tecem e dos recursos que tornam acessíveis aos seus membros mais vulneráveis. Este conjunto de factores repercute-se, por um lado, na evolução dos indicadores quantitativos e qualitativos do mercado de emprego e, por outro lado, na disponibilidade de meios para a modernização das políticas sociais, em particular as de trabalho e de emprego, as de protecção e assistência social, as de educação e formação numa lógica de aprendizagem ao longo da vida e as de reinserção de grupos desfavorecidos, como as pessoas com deficiência, os imigrantes, os sem-abrigo, os toxicodependentes, as crianças em risco ou os reclusos e ex-reclusos. Note-se que quando olhamos estes domínios, percebemos porque só provisoriamente os factores referidos acima podem ser considerados causais. Por exemplo, a qualidade do emprego e da equidade salarial, o sentimento de protecção das pessoas e os níveis de qualificação retroagem fortemente sobre a modernização do mercado de bens e serviços e sobre o mercado de emprego A evolução das referidas políticas e das dinâmicas do mercado de emprego tem repercussão directa na distribuição de rendimentos, nos níveis de pobreza, na extensão da presença de grupos em situação de marginalidade e na própria esperança de vida, que reflecte a qualidade do trabalho, da saúde, da alimentação e do conforto, do conhecimento e da qualidade de vida em geral. Naturalmente não nos podemos esquecer que as políticas sociais têm um efeito de retorno sobre as variáveis económicas, nomeadamente no que diz respeito aos efeitos das políticas de trabalho, de emprego e de aprendizagem ao longo da vida para o desempenho da economia. 158 Um efeito de retorno sobre o ambiente económico têm também as situações de pobreza e exclusão social. Quanto menor for a presença de tais fenómenos, maior o campo de recrutamento de mão-de-obra, melhor a capacidade de atracção de quadros, maior o número de pessoas a participar no processo de produção de riqueza, entre outros efeitos a considerar. 13.3 Cenários prospectivos para o horizonte 2013 13.3.1 Cenário catastrófico Um cenário de tipo catastrófico seria aquele em que em vez de um processo de modernização, inovação e ganhos de produtividade na economia se verificasse a consolidação de um padrão económico semelhante ao que actualmente caracteriza o nosso país, embora num contexto de maior degradação das condições de vida e trabalho nos sectores mais expostos à competição externa. Nesse quadro a manutenção dos valores da dívida pública e do défice do Estado tenderiam a agravar-se, devido à diminuição das receitas e a um aumento dos encargos. As famílias com mais recursos tenderiam a desenvolver estratégias de carácter mais individualista dada a incerteza económica e a falta de confiança na capacidade do Estado para lhes prestar serviços públicos de qualidade, enquanto as mais desfavorecidas veriam degradar-se ainda mais a capacidade de prestar qualquer apoio aos seus membros mais desfavorecidos. Assim, o emprego teria uma evolução negativa quer do ponto de vista quantitativo, quer qualitativo (aprofundando-se o contraste entre o sector moderno e o sector conservador da economia), o desemprego continuaria a subir e o desemprego de longa duração tenderia a tornar-se largamente maioritário, dado que a estagnação económica impediria maior rotatividade e a economia paralela tenderia a crescer. Por seu lado, as políticas públicas de saúde, protecção social, luta contra a pobreza e educação veriam reduzidos os seus recursos e os indicadores nestes domínios degradar-se-iam. A consequência geral seria um aumento da pobreza, o crescimento das situações de anomia e de comportamentos de risco, a degradação da coesão social e eventualmente até um recuo na esperança de vida. 159 13.3.2 Cenário de consolidação do modelo social e económico tradicional O segundo cenário, ao contrário do anterior, é bastante plausível. Basta para tanto que não se consiga mobilizar a energia política e o contributo dos diversos actores responsáveis (do Estado, do mercado, da sociedade civil) para operar uma viragem equilibrada e coordenada nos diversos domínios de acção, privilegiando-se apenas objectivos de ordem económica. Neste cenário, os objectivos de estabilidade macroeconómica e de equilíbrio das contas públicas constantes do PEC concretizam-se, mas à custa da redução das despesas públicas, da privatização de serviços. Toca-se assim o numerador das contas do Estado, mas não o denominador, dado que não se conseguem reunir meios para enfrentar os interesses instalados e não se promove uma reforma fiscal equitativa. A economia mantém o padrão de especialização actual, apesar de algumas nuances resultantes da transferência entre sectores – por exemplo, do têxtil, vestuário e calçado para o turismo e a restauração, mas sem grandes ganhos de produtividade. A taxa de emprego pode estagnar ou crescer como o previsto, mas sem modernização da economia, mantendo a baixa qualidade, a má remuneração, a atitude refractária em relação à formação e à inovação organizacional e nos produtos, a desregulação e a precarização das relações de trabalho. E crescerá igualmente o desemprego resultante da expulsão dos trabalhadores empregados em sectores particularmente expostos à concorrência. A manutenção dos objectivos macroeconómicos sem aumento da receita do Estado associar-se-á ao desinvestimento na protecção social, nas políticas de trabalho, de protecção social, de luta contra a pobreza, de educação e formação. Poderão registar-se pequenos ganhos nas qualificações e nalguns dos esquemas de protecção social (como os registados na evolução “neutra” dos indicadores, mas sem alcance quer para influir na modernização da economia, quer na redução significativa da pobreza. As estratégias familiares e comunitárias tenderão a seguir dinâmicas idênticas ao cenário anterior, pelo que, mesmo com ligeira diminuição da pobreza, podem aumentar as situações de marginalidade e de pobreza consistente. A esperança de vida média poderá não ser muito afectada. No conjunto, o nosso país manter-se-ia muito longe dos patamares médios da União Europeia, numa situação de forte prevalência da exclusão social. 160 13.3.3 Cenário de Europeização Ao cenário que tomaremos por referência para a definição do elenco das políticas que poderão produzir modificações significativas na coesão social poderemos chamar-lhe “de europeização”. O equilíbrio das contas do Estado e das políticas macro-económicas é assegurado, mas sem recurso prolongado a cortes nas políticas públicas, e em particular nas políticas de estímulo ao crescimento económico, à modernização da economia e do sistema fiscal, à qualificação dos recursos humanos e à implementação de mecanismos de apoio à inovação nas empresas e no Estado, à produtividade, à responsabilidade social e à reinserção social dos grupos desfavorecidos. O esforço para cumprir as metas de qualificação dos recursos humanos joga aqui um papel determinante, do mesmo modo que o joga o investimento em serviços e equipamentos sociais e em políticas de luta conta a pobreza que promovam um mercado mais aberto, qualificado e alargado, bem como a igualdade entre homens e mulheres. O conjunto destes factores produz melhor funcionamento do mercado, melhor remuneração do trabalho, maior equidade na distribuição dos rendimentos do trabalho. Por outro lado, o crescimento mais rápido das pensões mais baixas do que o rendimento médio e o prosseguimento de outras políticas redistributivas, quer por via das prestações familiares quer por via de esquemas de assistência sujeitos a condições de recurso, permitirá reforçar essa tendência para uma maior equidade. Neste contexto, sendo certo que qualquer melhoria nos domínios em referência que afectem as categorias mais pobres acabará também por beneficiar, ainda que, com base num princípio de justiça, de forma menos acentuada, todo o conjunto da população, e sendo certo que as famílias mais desfavorecidas poderão estruturar as suas relações internas em bases diferentes, podendo passar a fornecer outro tipo de suporte estratégico aos seus membros mais vulneráveis (uma vez que os cuidados básicos possam ser assegurados pela rede de equipamentos e serviços de apoio à família e à conciliação do trabalho com a vida familiar), será então possível contar com maior qualidade no capital social acessível a grupos que respondem actualmente à dureza das condições de existência com a incorporação de disposições muitas vezes perturbadoras da ordem social. Assim se poderá criar um contexto social de maior qualidade, por isso mais favorável ao desempenho das empresas e dos restantes agentes económicos e institucionais, sustentando no longo prazo ganhos continuados nos mecanismos de inclusão social. 161 13.4 Factores Críticos O enunciado dos cenários e das metas em que nos temos vindo a basear assenta na teoria implícita de que a qualidade dos níveis de inclusão pode ser aferido através da evolução para metas exigentes num conjunto limitado de factores ou variáveis passíveis de acompanhamento. Essas variáveis podem ser complementadas por outros objectivos ligados a factores igualmente relevantes, uns directamente influenciáveis pela acção política do estado, outros apenas indirectamente influenciáveis por essa acção. Por fim, existem metas cuja evolução depende de contingências não controláveis pelos agentes institucionais, umas vezes por dependerem de dinâmicas auto-geridas, outras, como é o caso, porque resultam de uma multiplicidade de factores de tal forma complexa que se torna impossível sequer isolar conjuntos determinados de factores. A Figura 2 dá conta desta “teoria implícita”. Figura 2: Relação entre as variáveis associadas às metas da inclusão Objectivos Complementares Variáveis dependentes de acção política Objectivos Complementares Objectivos Específicos de Síntese Variáveis influenciáveis indirectamente pela acção política Objectivos Complementares po Variáveis de contexto condicionantes Podemos dar conteúdo a este esquema e associar-lhe as principais políticas que se relacionam com cada um dos objectivos53. Por comodidade de compreensão conservaremos a ordem inscrita no esquema apresentado na Figura 1. Como se pode facilmente verificar, são muito diversos os factores (a verde no quadro seguinte) passíveis de constituir objecto de intervenção co-financiada pelos Fundos Estruturais. 53 Agruparemos os objectivos gerais e os complementares segundo os sectores a que se referem, de modo a facilitar a visibilidade da respectiva associação com as políticas de referência. 162 Quadro29: Principais Objectivos e Factores na óptica da Inclusão Social54 Principais Objectivos Principais Factores (na óptica da inclusão) Crescimento do PIB per capita a preços constantes de 1995 (variação em % em relação ao ano anterior) – indicador de base, previsões para 2004 Promoção do crescimento económico de modo a convergir com a média europeia, estimulando a transição para a economia do conhecimento; Qualificação da função empresarial e da capacidade de participação dos trabalhadores de forma a modernizar a organização do trabalho, com vista a aumentar a produtividade, compatibilizar o trabalho com a vida familiar, criar organizações mais inovadoras, mais flexíveis e mais competitivas, mais seguras e integradoras, mais capazes de aprender, de adoptar formas de cooperação e trabalho em rede e de tirar partido das novas tecnologias e dos avanços do conhecimento científico; Concretizar no quotidiano de trabalho e da vida familiar das mulheres e dos homens portugueses uma crescente igualdade real entre os géneros; Criação de um sistema de capital de risco; Promover a cooperação mais estreita entre o sistema de I&D e as empresas; Estímulo à aprendizagem ao longo da vida e à utilização dos recursos humanos nas organizações; Estímulo à adopção de atitudes favoráveis à inovação nas empresas e promover a incorporação de novas competências; Promoção da emersão dos sectores informais da economia, através de incentivos fiscais, apoios à organização de empresas ou iniciativas de formalização e qualificação do próprio emprego; Promoção de uma reforma fiscal justa e assente na melhoria da fiscalização e na inversão da relação entre impostos directos e indirectos, condição de uma distribuição mais equitativa dos rendimentos e de uma melhor focalização das políticas assentes em princípios de diferenciação positiva; Promoção da adopção de formas modernas de organização da administração, de modo a utilizar mais eficientemente os recursos do orçamento do Estado Promoção da exploração das potencialidades de crescimento do sector dos serviços; Preparação numa lógica preventiva da reconversão sectorial e profissional dos sectores e empresas em risco de colapso competitivo Promoção de um sistema de emprego aberto a todos, acessível, qualificante e capaz de promover a activação dos grupos desfavorecidos ou em risco de exclusão prolongada do mercado. Aproveitamento de todas as oportunidades do desenvolvimento dos serviços – por um lado às empresas, por outro lado às pessoas – e do Produtividade por pessoa empregada (PIB per capita em ppc por pessoas empregada)/UE25 Défice global da Administração Pública Reconversão serviços) sectorial (com crescimento dos a elevação dos níveis de emprego para valores da ordem dos 75,9% (1) com elevação do emprego feminino para 69,7% a manutenção do desemprego no valor máximo de 4% a manutenção do desemprego de longa duração 54 A este respeito encontra-se em anexo um exercício de combinação entre medidas de políticas concretas e os objectivos fundamentais estabelecidos na promoção da inclusão social no horizonte 2013. 163 num máximo de 1%. Taxa de desemprego de muito longa duração “Share” do desemprego de longa duração Pessoas a viver em agregados sem qualquer pessoa empregada Dispersão regional das taxas de desemprego Taxa de desemprego da população jovem Taxa de actividade das Pessoas com Deficiência Taxa de emprego das Pessoas com Deficiência ambiente para promover o crescimento do emprego, incluindo o emprego social e ambiental; Promoção da intervenção precoce junto dos desempregados de forma a evitar a acomodação à situação de desemprego e a negociar com eles planos capazes de eliminar os riscos que conduziram à situação de DLD; Promoção da criação de uma rede nacional profissionalizada e qualificada de promoção da formação profissional especial e de apoio à reinserção no mercado de emprego; Desenvolvimento dos Planos Regionais de Emprego, de forma a ajustar as estratégias nacionais às especificidades das áreas que se apresentem particularmente discrepantes em relação à média nacional Melhoria dos mecanismos de transição dos jovens para a vida activa e actuar numa lógica dupla de reparação e de prevenção do desemprego juvenil, nomeadamente por via: - Da melhoria da formação inicial quer no sistema de ensino, quer no sistema de formação, reforçando a diversificação de vias de ensino/formação e a permeabilidade entre elas e, particularmente, valorizando as vias profissionalizantes, as experiências de dupla formação teórica e em contexto de trabalho, o ensino recorrente; - Da promoção de incentivos à formação certificada escolar e profissionalmente em contexto de trabalho e da generalização dos estágios profissionais; - Dos incentivos à contratação de jovens; - Da promoção de programas de apoio à formação especial, à mediação e ao acesso ao emprego por parte de jovens com dificuldades especiais, como os ex-toxicodependentes, os ex-reclusos ou os jovens em risco; - Do reforço das medidas de intervenção precoce sobre os jovens desempregados com vista à activação; - Do cumprimento do normativo relativo à contratação de jovens sem qualificações mínimas e da promoção da responsabilidade social das empresas no apoio ao regresso à escola ou à formação por parte dos jovens empregados menos escolarizados; - Da revalorização de profissões e actividades com potencial de emprego mas actualmente desvalorizadas no plano simbólico. Sensibilização da opinião pública, dos pais e dos empregadores para o potencial de empregabilidade das pessoas com deficiência; Melhoria das condições gerais de acesso a bens, equipamentos e serviços (transportes, habitação, formação, emprego, etc.) Estruturação – em termos de cobertura, estabilidade e capacidade técnica - da rede de Centros de Recursos e de Centros Especializados na área da Reabilitação soci-profissional das 164 Taxa de emprego dos trabalhadores idosos (percentagem da população empregada entre os 55 e os 64 anos) Idade média de saída da força de trabalho (20032013) Total de gastos em Protecção Social (em ppc per capita) em proporção da UE25 a redução para cerca de um terço das pessoas com baixos níveis educacionais (25-64 anos) a redução para metade dos níveis de abandono escolar percoce Aumento da taxa de participação em actividades de aprendizagem ao longo da vida Índice de Gini Proporção dos rendimentos dos 20% mais ricos sobre os 20% mais pobres Redução do risco de pobreza pessoas com deficiência; Promoção da qualidade e quantidade de pessoas envolvidas nas acções de orientação - formação especial – acesso a emprego de pessoas com deficiência; Desenvolvimento de campanhas para a mudança de atitudes dos empregadores e do sistema de reabilitação face à integração das pessoas com deficiência no mercado aberto de trabalho; Desenvolvimento de estruturas especializadas – residuais – para a ocupação da pequena parte de pessoas com deficiência sem capacidades mínimas de empregabilidade em mercado aberto. Promoção da qualidade geral do emprego, em termos do conteúdo das tarefas e das condições intrínsecas e extrínsecas; Existência de mecanismos justos e atractivos de transição faseada para a reforma Combate ao encerramento não preparado de empresas Sustentação e melhoria do desempenho dos sistemas de protecção social, com especial destaque para as medidas dirigidas aos segmentos mais desfavorecidos da população, como os idosos de pensões mais baixas, as famílias pobres com crianças e as pessoas vivendo abaixo de limiares mínimos aceitáveis de sobrevivência (evolução das pensões mais baixas, dos esquemas de assistência sob condição de recursos e das prestações familiares) Implementação de forma consistente e efectiva de uma estratégia compreensiva para a aprendizagem ao longo da vida que permita simultaneamente combater o abandono escolar precoce (implementando com sucesso a reforma em curso no ensino secundário e reforçando os mecanismos de cooperação entre o sistema de ensino e o sistema de formação), facilitar a transição qualificada dos jovens para a vida activa (nomeadamente valorizando as vias profissionalizantes as experiências de aprendizagem em contexto de trabalho) e generalizar a utilização dos meios existentes para a qualificação dos recursos humanos entre a população activa, promovendo o ensino recorrente, a utilização do sistema de Reconhecimento, Verificação e Certificação de Conhecimentos e a participação compulsiva anual dos trabalhadores em acções de formação certificada qualificante. Diminuição dos níveis das desigualdades salariais Elevação da eficácia redistributiva da Segurança Social Promoção de uma reforma do sistema fiscal de modo a reforçar a componente redistributiva Condução dos processos políticos e da mobilização dos actores no sentido da coordenação de políticas multidimensionais convergentes para uma maior equidade social e uma distribuição mais justa dos 165 redução do risco de pobreza infantil erradicação da pobreza consistente Risco de pobreza antes das transferências sociais (pensões excluídas) Risco de pobreza persistente Risco de pobreza de maiores de 65 anos Risco de pobreza feminino Risco de pobreza segundo o estatuto socioprofissional Risco de pobreza segundo a composição dos agregados domésticos Pensão social/limiar de pobreza Pensão mínima do regime geral/limiar de pobreza Salário mínimo (geral)/limiar de pobreza aumento da esperança de vida à nascença recursos e das oportunidades Crescimento acelerado da rede de equipamentos e serviços de apoio à família, de modo a responder às reais necessidades das famílias portuguesas e em particular aos seus membros dependentes e a facilitar a conciliação do trabalho com a vida familiar; Aumento das prestações familiares segundo condições de recursos Alargar as medidas de Rendimento Mínimo e assegurar o acesso das pessoas aos bens e aos serviços (saúde, habitação, educação, transportes, etc). Melhorar a proximidade entre os sistemas de saúde e as populações mais desfavorecidas; Promover uma política de habitação e de cidade capaz de modificar as estruturas da oferta e combater a segregação territorial; Melhorar a eficácia redistributiva da Segurança Social e diminuir as disparidades salariais, num quadro de aumento global da produtividade e dos salários Desenvolvimento de programas de base territorial, carácter multidimensional, desenhados com base em diagnósticos precisos e sustentados por compromissos assumidos entre os sectores do estado que o diagnóstico revele serem relevantes, as autarquias, os parceiros sociais, as empresas, os parceiros civis, organizações de solidariedade e desenvolvimento e as próprias comunidades, que promovam a concentração de recursos e permitam uma intervenção de fundo sobre as mais pesadas estruturas sociais e pessoais reprodutoras da pobreza e da exclusão Elevação das pensões mais baixas para limiares no mínimo iguais aos limiares de pobreza relativa Promoção de políticas – nomeadamente de desenvolvimento da rede de equipamentos e serviços de apoio à família, de formação e de emprego – para a igualdade de género. Promoção das qualificações dos trabalhadores menos qualificados; Promoção da função empresarial dos trabalhadores independentes; Melhoria dos sistemas de protecção social Activação dos desempregados Crescimento acelerado da rede de equipamentos e serviços de apoio à família, de modo a responder às reais necessidades das famílias portuguesas e em particular aos seus membros dependentes e a facilitar a conciliação do trabalho com a vida familiar; Aumento das prestações familiares segundo condições de recursos Elevação do valor da pensão social Elevação do valor da pensão mínima do Regime Geral Fixação do salário mínimo em valores superiores à inflacção, tendo eventualmente em conta os ganhos de produtividade Combinação dos factores globais de 166 Esperança de vida no primeiro ano de vida Esperança de vida aos 60 anos Evolução do número de pessoas sem abrigo desenvolvimento e melhoria das condições de vida das pessoas Desenvolvimento de serviços e equipamentos capazes de promoção de uma política especializada em linha, que começa com níveis de abordagem primária aos indivíduos e prossiga segundo Evolução da percentagem da população com patamares escalonados de capacitação pessoal, comportamentos aditivos problemáticos transformação de referências valorativas, recomposição de redes de relações, aquisição de competências, acesso ao emprego e a outros recursos, como a habitação Evolução do número de reclusos Combate à droga e prevenção da toxicodependência; Melhoria das condições de vida nas comunidades teritoriais mais desfavorecidas (ver acima o dito acerca da pobreza persistente) Legenda: Matérias passíveis de apoio no âmbito dos Fundos Estruturais Matérias directamente dependentes da acção política Matérias indirectamente influenciáveis pela acção política, mas carecidas da intervenção de outros actores (nomeadamente dos agentes do mercado) 13.5 Critérios gerais para o sucesso dos objectivos da inclusão Embora sem sugerir receitas gerais e de aplicação universal, não se pode deixar de equacionar neste momento um conjunto de critérios determinantes para o sucesso dos objectivos da inclusão, por assim dizer transversais em relação aos factores acima enunciados. Entre esses critérios contam-se os dois seguintes: ¬ A necessidade de modernizar os mecanismos de governância, nomeadamente através: - da aproximação entre os sistemas públicos responsáveis pelo acesso universal aos direitos e os cidadãos; - da promoção de políticas visando o desenvolvimento da consciência de cidadania e o correspondente cumprimento de deveres, nomeadamente os deveres relativos ao pagamento de impostos por todos e ao combate à fraude no acesso aos direitos; - do desenvolvimento de formas de organização dos serviços em rede e da criação de organismos de coordenação das políticas ao nível nacional e ao nível local; 167 - da mobilização dos actores, implicando de forma responsável os parceiros sociais, os parceiros civis e as próprias populações nos processos de decisão, execução e avaliação das políticas e das medidas para a coesão social; - do combate quer a resistências várias ao trabalho cooperativo entre entidades com interesses diferentes ou até contraditórios, promovendo a ideia de que a expressão do conflito de interesses constitui um elemento estrutural das sociedades democráticas e que a negociação é a via da superação desse conflito, quer à aceitação de lógicas tutelares, da assimetria de estatutos e de mecanismos clientelares na relação entre as instituições e entre estas e os cidadãos. ¬ A necessidade de actuar sobre o conjunto dos factores. Como se disse já, os problemas da pobreza e da exclusão têm implicações em todos os sectores e em todos os níveis das estruturas sociais, económicas, políticas e culturais. Não se trata, de facto, de um sector específico para o qual se possa pensar um conjunto uniforme de políticas ou de objectivos hierarquizáveis (o que conta é a coordenação de políticas), sendo preciso pelo contrário desenvolver uma perspectiva multidimensional e integrada. Tal não obsta a que se possam encontrar “constelações” ou “fileiras” de intervenções com relativa autonomia entre si. Tal é o caso, para citar apenas alguns exemplos: − Da actuação na lógica da prevenção do desemprego através da preparação das reconversões sectoriais, mobilizando para esse fim estratégias de promoção da inovação, da qualificação dos recursos humanos, da modernização da organização do trabalho e das medidas aplicáveis de protecção social, da identificação precoce do risco, da criação de parcerias para a reconversão num quadro de diálogo social e de participação de todos os interessados e de todos os agentes capazes de apoiar a mobilidade profissional, sectorial e regional e de encontrar soluções alternativas para os trabalhadores afectados por choques concorrenciais graves; − Da melhoria da produtividade e do desempenho das empresas, por via da modernização tecnológica, da organização do trabalho e do perfil de qualificação dos recursos humanos, promovida num quadro negociado de flexibilização do trabalho e de promoção da qualidade do emprego – incluindo a elevação dos salários mais baixos e a redução das disparidades 168 salariais - e da segurança por via do investimento na capacidade de aprendizagem e adaptação dos trabalhadores, num quadro geral de promoção da Responsabilidade Social Empresarial; − Da promoção do acesso ao emprego por parte dos desempregados e dos DLD, bem como de grupos com especiais dificuldades de integração no mercado de trabalho, adoptando estratégicas duplas de desenvolvimento comunitário - jogando o mercado social de emprego um papel relevante nesse campo – e de estruturação de redes especializadas para a qualificação, a formação especial e o apoio no acesso e manutenção do emprego; − Da promoção de medidas passivas de redistribuição de rendimentos por via do sistema de pensões, das prestações familiares, das medidas de combate à pobreza e da reforma fiscal; − Da combinação das medidas passivas com o desenvolvimento da rede de serviços e equipamentos de apoio às pessoas dependentes, inovando no modo de promover e sustentar tal rede (como referido acima) e incluindo a introdução de medidas activas de formação e de emprego para os trabalhadores a empregar nesses serviços; − Do combate à pobreza infantil, combinando medidas na área das prestações familiares, do acesso precoce das crianças aos serviços de acção social e de educação e do concomitante aumento da oferta de equipamentos e respectivos empregos, simultaneamente libertando mão-de-obra maioritariamente feminina para a qualificação e o emprego; − Da promoção de intervenções territoriais de fundo baseadas na contractualização ao mais alto nível da responsabilidade política e económica nacional e local de programas de concentração de meios nos territórios urbanos e rurais mais desfavorecidos, de forma a erradicar duradouramente os principais problemas que afectam esses territórios. Tais intervenções devem ser bem focalizadas por via da produção de diagnósticos precisos e bem sustentados, dos quais resulte a implicação das populações e da totalidade dos agentes institucionais relevantes; − Sem prejuízo da lógica de “mainstreaming” da coesão social nas políticas correntes, da estabilização e desenvolvimento de sistemas de intervenção 169 reparadora e integradora especializados, dirigidos a segmentos específicos da população, como as pessoas com deficiência, os imigrantes, os toxicodependentes, os reclusos, as crianças em risco e as pessoas semabrigo. Um critério que não vale a pena lembrar, por constituir um implícito que quem está minimamente a lidar com os problemas da inclusão social bem conhece, é o da persistência. Aqueles problemas sedimentaram-se durante longos períodos, sendo por isso resistentes e, além disso, capazes de reemergir a qualquer momento em sítios onde se pensava estarem afastados de vez. Aliás, é com uma visibilidade acrescida desse facto que as sociedades modernas estão confrontadas. O que implica que se procurem novas vias, mais eficazes, de promoção da coesão social e se reforce a mobilização e a responsabilidade em torno da criação de uma sociedade mais justa, mais equitativa, mais coesa, numa palavra, melhor para viver. 170 14 Bibliografia Albuquerque, José Luís e Teresa Bomba (2001), “Pobreza e condições de vida em Portugal”, in CISEP, Como está a economia portuguesa? IV Conferência Sobre Economia Portuguesa – Actas, Lisboa, CISEP. Almeida, A.N., M.D. Guerreiro, C. Lobo, A. Torres e K. Wall, (1998) “Relações Familiares: Mudança e Diversidade”, in J.M.L. Viegas e A.F. Costa (orgs.), Portugal, Que Modernidade? Oeiras, Celta Editora. Almeida, João Ferreira de (1990), Valores e Representações Sociais, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian. Almeida, João Ferreira de (1993), “Integração social e exclusão social: algumas questões”, Análise Social, 123-124, pp.829-834. 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Torres, Anália, e Maria do Carmo Gomes (2002), Drogas e Prisões em Portugal, Lisboa, CIES/ISCTE. 180 Vilaça, Eduardo, “O “Estado da Habitação”: Medidas sem Política num País Adiado” in Cidades 3 - Comunidades e Territórios, CET, Dezembro de 2001, pp 83-92. Wall, Karin (2003), “Famílias Monoparentais” in Sociologia Problemas e Práticas, 43, pp.51-55 Wall, Karin e Lobo, Cristina (1999), “Famílias monoparentais em Portugal” in Análise Social, nº150, Vol. XXXIV, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, pp. 123-146. 15 ÍNDICE DE GRÁFICOS E QUADROS GRÁFICOS Gráfico 1 Limiar de Pobreza na UE ........................................................................................ 16 Gráfico 2 Risco de Pobreza após as transferências sociais ........................................................... 16 Gráfico 3 Risco de pobreza antes das transferências sociais (pensões excluídas) ............................. 16 Gráfico 4 Risco de Pobreza Persistente .................................................................................... 16 Gráfico 5 Relação Interdecis (S80/S20) na UE .......................................................................... 16 Gráfico 6 Índice de Gini ....................................................................................................... 16 Gráfico 7 Risco de Pobreza 2º a composição dos agregados domésticos ......................................... 21 Gráfico 8 Evol. da Massa Salarial no Mercado de Trabalho Português (1995-2000) ........................ 34 Gráfico 9 Evol. da Taxa de participação da população com 4 anos no pré-escolar, entre 1995 e 2002 ..................................................................................................................................... 45 181 Gráfico 10 Evol. da percentagem de estudantes do ensino secundário que estão a frequentar vias profiussionalizantes ................................................................................................................ 47 Gráfico 11 Evol. Da taxa de população dos 18 aos 24 anos que não está em educação ou formação e que tem no máximo o ensino básico, entre 2000 e 2004 ............................................................... 48 Gráfico 12 Evol. Da expectativa do nº de anos de escolaridade, entre 1998 e 2002 (school expectancy) ........................................................................................................................... 52 Gráfico 13 Evol. Da apoio fginanceiro aos estudantes em percentagem da despesa pública total com educação em todos os níveis de educação ............................................................................. 53 Gráfico 14 Evol. da percentagem de população em idade activa (25-64) em educação ou formação, nas 4 semanas anteriores à realização do inquérito, entre 2000 e 2004 ............................... 58 Gráfico 15 Evol. da percentagem de população em idade activa (25-64) em educação ou formação, nas 4 semanas anteriores à realização do inquérito, entre 2000 e 2004, 2º o género, grupo etário, situação perante actividade e nível de escolariodade mais elevado atingido ............................. 59 Gráfico 16 Percentagem da população activa (25-64) que nos últimos 12 meses participou na aprendizagem formal, não formal, em diferentes formas de aprendizagem informal .......................... 61 Gráfico 17 Percentagem da população com 15 ou mais anos que participou, nos últimos 12 meses, em actividades de aprendizagem não-formal, face ao nível de ensino completo e ao grupo etário da população total com 15 ou mais anos ......................................................................................... 62 Gráfico 18 Percentagem dos empregados que participaram em cursos de formação contínua, segundo a dimensão das empresas (1999) ................................................................................... 63 Gráfico 19 Percentagem de empresas com cursos de formação profissional contínua, segundo os grupos específicos de trabalhadores, por tipo de participação em cursos (1999) ................................ 65 Gráfico 20 Percentagem de indivíduos que em 2004 acedem à Internet em média pelo menos 1 vez por semana, segundo a situação face ao emprego .................................................................... 66 Gráfico 21 Percentagem de indivíduos que em 2004 acedem à Internet em média pelo menos 1 vez por semana, segundo o seu nível de educação formal ............................................................... 67 Gráfico 22/23 Utilização de computador e de Internet, por nível de escolaridade e grupo etário ....... 68 Gráfico 24 Evol. da subscrição de telemóveis por 1000 habitantes (1995-2002) ............................... 70 Gráfico 25 Despesa Total em Protecção Social (% GDP), 1994-2002 ............................................ 78 Gráfico 26 Despesa em Protecção Social em PPS, per capita, 2001 ............................................... 79 Gráfico 27 Despesa Total em Protecção Social, per capita em PPS, 1994-2001 ............................... 80 Gráfico 28 Protecção Social por função, 2002 ........................................................................... 80 QUADROS 182 Quadro 1 Percentagem da popualçaõ em risco de pobreza por actividade mais frequente e 2º a escolaridade ......................................................................................................................... 18 Quadro 2 Pensão Social, Pensão Mínima, Salário Mínimo e Salário Médio face ao limiar de pobreza ................................................................................................................................ 19 Quadro 3 Risco de Pobreza Infantil, dos idosos e das mulheres na UE e em Portugal ...................... 20 Quadro 4 Taxa de Emprego por sexo (15-64) em 2003 (UE) ........................................................ 28 Quadro 5 Estrutura Sectorial do Emprego na UE em 2003 ........................................................ 30 Quadro 6 Regimes Contratuais de Trabalho ............................................................................ 32 Quadro 7 Vínculos Contratuais nos trabalhadores por conta de outrem ....................................... 32 Quadro 8 Taxa de Emprego em Part-time na UE 2003 ............................................................... 33 Quadro 9 Taxa de Emprego em Part-time em Portugal (1992-2003) ............................................. 33 Quadro 10 Distribuição do Ganho Salarial Médio dos trabalhadores por conta de outrem por decis (1995-2000) .................................................................................................................... 35 Quadro 11 Distribuição da Massa Salarial nos trabalhadores por conta de outrem por decis (1995-2000) ........................................................................................................................... 35 Quadro 12 Taxa de Desemprego em Portugal de 1998 a 2004 ...................................................... 37 Quadro 13 Taxa de Desemprego de Longa Duração em Portugal ................................................ 37 Quadro 14 Desemprego registado em Portugal por Nível de Escolaridade ..................................... 40 Quadro 15 População em idade de trabalhar na UE por Nível de Instrução .................................. 55 Quadro 16 Taxa de Escolaridade por região em Portugal........................................................... 56 Quadro 17 Risco de Pobreza 2º o meio de residência ............................................................... 108 Quadro 18 Risco de Pobreza e população pobre nas regiões em Portugal .................................... 109 Quadro 19 Metas específicas estratégicas para a inclusão social em 2013 .................................... 136 Quadro 20 Indicadores de distribuição de rendimentos ........................................................... 141 Quadro 21 Indicadores de baixos níveis educacionais por sexo e idade ....................................... 143 Quadro 22 Indicadores relativos ao mercado de trabalho ......................................................... 144 Quadro 23 Indicadores de evolução de algumas categorias sociais vulneráveis ............................. 146 Quadro 24 Indicadores relativos aos gastos em Protecção Social ............................................... 146 Quadro 25 Taxa de participação em actividades de ALV ......................................................... 147 Quadro 26 Indicadores relativos à esperança de vida .............................................................. 148 Quadro 27 Indicadores relativos ao emprego e ao desemprego .................................................. 148 Quadro 28 Indicadores económicos, PIB e Défice da Administração Pública ............................... 149 Quadro 29 Principais objectivos e factores na óptica da inclusão social ...................................... 155 183 MAPAS Mapas Concelhios do Abandono Escolar .................................................................................... 50 Mapas de Tipificação das Situações de Exclusão em Portugal Continental ..................................... 113 FIGURAS Figura 1 Modelo de Correlação entre factores ........................................................................ 150 Figura 2 Relação entre as variáveis associadas às metas de inclusão ........................................... 155 184 Glossário 1. Abandono escolar precoce: O abandono escolar precoce refere-se a pessoas entre os 18 e os 24 anos cujo nível educacional mais elevado que atingiram foi o ISCED 0, 1 ou 2 não tendo recebido nem estejam a receber qualquer acção de educação/formação posterior. 2. Crescimento do emprego: Variação anual no número total da população empregada. 3. Crescimento do PIB: Variação anual do valor do PIB. 4. Défice global da Administração Pública: Saldo de todas as operações da receita e da despesa efectuadas pelos vários subsectores da Administração Pública (engloba Administração Central, fundos e serviços, Segurança Social, Administração Regional, onde estão englobadas as autarquias e o Governo das Regiões Autónomas). 5. Dispersão regional das taxas de desemprego: Coeficiente de variação das taxas de desemprego (grupo etário dos 15-64 anos) nas regiões. A variação normal* do desemprego (emprego) é dividida pela média nacional ponderada. A dispersão regional das taxas de desemprego fornece a dimensão da extensão regional do desemprego. * A variação normal mede, o modo como a situação das regiões difere da média nacional. 6. Esperança de vida à nascença: Número médio de anos que um recém-nascido pode esperar viver. Este valor está submetido, durante a sua vida, às condições de mortalidade (probabilidades de morte específicas da idade). 185 7. Esperança de vida no 1º ano de vida: Número médio de anos que uma criança com um ano pode esperar viver. Este valor está submetido, durante a sua vida, às condições de mortalidade (probabilidades de morte específicas da idade). 8. Esperança de vida aos 60 anos: Número médio de anos ainda por viver por uma pessoa com 60 anos. Este valor está submetido, durante o resto da sua vida, às condições de mortalidade (probabilidades de morte específicas da idade). 9. Estrutura de emprego por sector Distribuição percentual da população empregada pelos diferentes sectores de actividades 10. Evolução da percentagem de população com comportamentos aditivos problemáticos: Evolução anual, em termos percentuais, de pessoas que utilizam drogas proibidas de cujo consumo, geralmente por via endovenosa, se tornam totalmente dependentes. 11. Evolução do número de reclusos: Comparação anual do número de reclusos. 12. Evolução do número de sem-abrigo: Comparação anual do número de pessoas que não têm acesso a uma habitação convencional. 13. Idade média de saída da força de trabalho: Este indicador dá-nos a idade média de retirada do mercado de trabalho. É baseado num modelo de probabilidade considerando as variações nas taxas de actividade de um ano para o outro numa idade específica. 186 14. Índice de Gini: Medida de desigualdade na distribuição dos rendimentos associada à Curva de Lorenz, revelando particular sensibilidade aos valores próximos da moda e menor sensibilidade aos valores extremos. O índice varia entre o valor 1, se todo o rendimento se concentrasse num só indivíduo, e o valor 0, se todos os indivíduos possuissem rendimentos iguais. 15. Nível de qualificação mais elevado: “Nível educacional mais elevado atingido” é definido pela percentagem de pessoas que atingiram, no máximo, um de três níveis: superior (ISCED 4/5); Médio (ISCED 3); inferior (ISCED inferior a 3). 16. Pensão mínima do regime geral face ao limiar de pobreza: Relação entre o valor da pensão mínima do regime geral e o limiar de pobreza monetária. 17. Pensão social face ao limiar de pobreza: Relação entre o valor da pensão social e o limiar de pobreza monetária. 18. Percentagem da população em risco de pobreza por actividade mais frequente: Percentagem de pessoas segundo a actividade profissional com um rendimento monetário equivalente abaixo do limiar de risco de pobreza, estando este definido como os 60% do rendimento monetário equivalente mediano (após transferências sociais), em relação ao total das pessoas com a mesma actividade profissional. 19. Pessoas a viver em agregados sem qualquer pessoa empregada: Este indicador é calculado da seguinte forma: - para as crianças, percentagem das pessoas entre os 0-7 anos que vivem em agregados onde ninguém está empregado; - para adultos, percentagem das pessoas entre os 18-59 anos que vivem em agregados onde que ninguém está empregado; 187 - estudantes entre os 18-24 anos que vivem em agregados somente compostos por estudantes da mesma classe etária não são tidos em conta nem no numerador, nem no denominador. 20. Pessoas com baixos níveis educacionais: Percentagem de pessoas entre os 25-64 anos com um nível educacional ISCED (International Standard Classification of Education) 2 ou menos, ou seja, um nível de instrução que não ultrapassa o secundário inferior. 21. Pobreza Consistente: Percentagem de famílias que acumulam um rendimento monetário equivalente inferior à linha de pobreza monetária e um nível de privação superior ao limiar de provação, correspondente a 150% do índice agregado de privação, isto é, da medida de não-acesso a bens e serviços básicos. 22. Produtividade por pessoa empregada: O Produto Interno Bruto (PIB) é uma medida usada na actividade económica. É definido como o valor de todos os bens e serviços produzidos, excepto o valor de qualquer bem ou serviço utilizado na sua criação. O PIB por pessoa empregada resulta da divisão do PIB pelo número de pessoas empregadas e pretende dar uma impressão global da produtividade das economias nacionais expressas em relação à média da União Europeia (UE25). Se o índice de um país é superior a 100, o nível do PIB por pessoa empregada deste país é superior à média europeia e vice-versa. Os dados são expressos em PPC (Padrões de Poder de Compra), isto é, uma unidade monetária comum que elimina as diferenças entre países permitindo um volume significativo de comparações do PIB entre países. É de ter em consideração o facto de “pessoa empregada” não fazer a distinção entre o emprego em full-time e em part-time. Por isso muitas vezes se utiliza o indicador PIB por hora trabalhada, que mede melhor a produtividade do trabalho. 188 23. Proporção dos rendimentos dos 20% mais ricos sobre os 20% mais pobres (S80/S20): Proporção de rendimento monetário recebido pelos 20 por cento mais ricos da população (quintil superior) em relação à recebida pelos 20 por cento mais pobres (quintil inferior). 24. Risco de pobreza: Percentagem de pessoas com um rendimento monetário equivalente abaixo do limiar do risco de pobreza – 60 % do rendimento monetário equivalente mediano – (após as transferências sociais). Esta percentagem é calculada antes das transferências sociais (rendimento original inclui pensões, mas exclui todas as outras transferências sociais) e após as transferências sociais (rendimento total). 25. Risco de pobreza antes das transferências sociais: Percentagem de pessoas com um rendimento monetário equivalente, antes das transferências sociais, abaixo do limiar do risco de pobreza - 60 % do rendimento monetário equivalente mediano. A pensão de reforma, de invalidez de sobrevivência são contadas como rendimento antes de transferências e não como transferências sociais. 26. Risco de pobreza de maiores de 65 anos: Percentagem de pessoas maiores de 65 anos com um rendimento monetário equivalente, antes das transferências sociais, abaixo do limiar de risco de pobreza – 60% do rendimento monetário equivalente mediano (após as transferências sociais), em relação ao total das pessoas do mesmo grupo etário. A reforma e a pensão de sobrevivência são consideradas como rendimento antes das transferências sociais e não como transferências sociais. 27. Risco de pobreza feminino: Percentagem de pessoas do sexo feminino com um rendimento monetário equivalente, antes das transferências sociais, abaixo do limiar de risco de pobreza – 60% do rendimento monetário equivalente mediano (após as transferências sociais), em relação ao total das pessoas do mesmo género. A 189 reforma e a pensão de sobrevivência são consideradas como rendimento antes das transferências sociais e não como transferências sociais. 28. Risco de pobreza infantil: Percentagem de crianças (0-14 anos) que vivem em situação de pobreza, ou seja, cuja família vive no limiar de risco de pobreza. 29. Risco de pobreza persistente: Percentagem da população considerada pobre, ou seja, cujo rendimento monetário equivalente está abaixo do limiar de pobreza, no ano civil corrente e em pelo menos dois dos três anos anteriores. Permite percepcionar os indivíduos que permanecem em risco de pobreza ao longo do tempo. 30. Risco de pobreza segundo a composição dos agregados domésticos: Percentagem de pessoas segundo a com osição do respectivo grupo doméstico com um rendimento monetário equivalente abaixo do limiar de risco de pobreza, estando este definido como os 60% do rendimento monetário equivalente mediano (após transferências sociais), em relação ao total das pessoas vivendo em agregados com a mesma composição. 31. Salário mínimo face ao limiar de pobreza: Relação entre o valor do salário mínimo nacional (regime geral) e o limiar de pobreza monetária. 32. Share do desemprego de longa duração: Percentagem do desemprego de longa duração sobre o desemprego total. 33. Taxa de actividade: Percentagem dos empregados e desempregados (mão-de-obra) no total da população com idade para trabalhar (15-64). 34. Taxa de actividade das pessoas com deficiência: Percentagem dos empregados e desempregados portadores de deficiência no total da população com deficiência em idade para trabalhar. 190 35. Taxa de crescimento média anual de emprego: Relação entre o valor do crescimento do emprego no ano n e a população empregada no ano n-1. 36. Taxa de crescimento média anual de emprego no sector dos serviços: Relação entre o valor do crescimento do emprego nos serviços no ano n e a população empregada nesse sector no ano n-1. 37. Taxa de desemprego: Percentagem das pessoas desempregadas no total da população activa. Pessoas activas são aquelas que estão empregadas ou desempregadas. Estas são consideradas como tal se não tiverem exercido qualquer actividade remunerada nas quatro semanas anteriores à entrevista e se declararem procurar emprego. 38. Taxa de desemprego de longa duração: Percentagem das pessoas desempregadas há mais de 1 ano em relação ao total da população activa. 39. Taxa de desemprego de muito longa duração: As taxas de desemprego de muito longa duração representam a percentagem de pessoas desempregadas de muito longa duração no total da força de trabalho. As pessoas desempregadas de muito longa duração (24 meses ou mais) são aquelas com pelo menos 15 anos que não vivem em agregados com as seguintes condições: agregados colectivos sem emprego nas próximas duas semanas; agregados colectivos disponíveis para trabalhar nas próximas duas semanas; agregados colectivos que estão à procura de emprego (que procuraram emprego activamente durante algum tempo nas quatro semanas prévias ou não procuram trabalho porque irão começar a trabalhar em breve). A duração do desemprego é definida pela duração da procura de trabalho ou pela extensão do período desde a saída do último emprego (se este período foi mais curto do que a duração da procura de emprego). O total da população activa (força de trabalho) é o número total da população de empregados e desempregados. 191 40. Taxa de desemprego jovem: Percentagem da população desempregada dos 15-24 anos no total da população activa do mesmo grupo etário. 41. Taxa de emprego: Percentagem de população empregada no total da população activa. 42. Taxa de emprego de pessoas com deficiência: Percentagem de pessoas empregadas portadoras de deficiência no total da população activa portadora de deficiência. 43. Taxa de emprego de trabalhadores idosos: Percentagem de população empregada entre os 55 e os 64 anos em relação ao total da população activa na mesma faixa etária. 44. Taxa de participação em actividades de aprendizagem ao longo da vida: Percentagem da população adulta entre os 25-64 anos que participou em acções de educação ou formação nos 3 meses anteriores ao inquérito. 45. Total de gastos em protecção social: Os gastos em Protecção Social incluem: benefícios sociais, englobando estes as transferências, em dinheiro ou géneros, para agregados ou indivíduos prevenindo-os de certos riscos e necessidades; custos administrativos, sendo estes referentes a custos do sistema para a sua manutenção e administração; outras despesas, que consistem num conjunto de despesas dos sistemas de protecção social. Estes gastos podem ser medidos em percentagem do PIB per capita ou em Paridades do Poder de Compra per capita. 192 ANEXOS 193 Redução do Risco de Pobreza desenvolvimento pessoal e cívico de cada um, coesão da sociedade, produtividade e competitividade da economia Reforço da protecção social. Diferenciação positiva Lançar e concretizar uma rede de Cuidados Continuados Integrados Gerir activamente a reconversão profissional para novos empregos Alargar o acesso à aprendizagem ao longo da vida Generalizar programas de preparação para a reforma Criar programa de apoio social ao emprego Reforçar o papel da economia social e das suas instituições combate ao desemprego/Políticas de qualificação o Superar o atraso face aos padrões europeus Combater a precariedade do emprego jovem/ Apoiar o empreendorismo jovem Estender a educação fundamental para todos até aos 18 anos (estejam ou não a trabalhar) para o nível do 12º ano Promover a cidadania laboral: Prevenir o desemprego e desenvolver as políticas reparadoras; Igualdade de oportunidades entre homens e mulheres Acabar progressivamente com a pobreza associada ao trabalho (salário mínimo a cumprir função de imunidade contra a pobreza) Redução do Risco de Pobreza Sistema de Segurança Social Sustentável: Limitação dos montantes das pensões mais altas (por referência o vencimento líquido do Presidente da República) Prestação extraordinária de combate à pobreza dos idosos, para que nenhum fique abaixo de ! 300. São 300.000 pensionistas Incentivos às empresas e instituições que facilitem a conc. Trab/fam. flexibilizando horários Associar empresas e instituições de ensino, formação, investigação e de apoio institucional e financeiro Implantar a Rede Social em todo o país Aproximação de Portugal da média comunitária de investimento em políticas públicas de emprego Contratos de Desenvolvimento Social Imigração: Mecanismos de Integração/Protecção Social Rendimento Social de Inserção Responsabili dade Partilhada Rede de Apoios à família e conciliação trabalho/vida familiar Imigração: renovação demográfica e crescimento económico - mão-de-obra qualifficada 194 Erradicação da Pobreza Infantil Desinstitucionalizar 25% dos jovens actualmente acolhidos Rede de apartamentos de autonomização para jovens em risco/jovens com deficiência Consideração da condição da monoparentalidade (majorações das prestações familiares) Combater trabalho ilegal Alargamento do escolar Sistema de prevenção em meio escolar pré- aumento de 50% de lugares em creches e amas (trabalho/vida familiar) Aperfeiçoar modos de aprendizagem adequada a cada grupo-alvo, nomeadamente para pessoas menos qualificadas reforço de protecção socialdiferenciação positiva Erradicação da Pobreza Infantil Dar prioridade aos modos e tempos de funcionamento das famílias "Cláusula de Formação para Jovens" e "Mínimo Anual de Formação" Reconhecimento de um estatuto de cidadania para filhos de imigrantes ou imigrantes prolongados políticas de qualificação/combate ao desemprego Criação e expansão da rede nacional de apoio às famílias nas zonas de maior risco de exclusão social modelo de financiamento contra discriminação negativa no acesso a creches e amas por parte de crianças dos grupos mais débeis Apoio ao empreendorismo jovem (através da escola e da formação escolar) Prioridade no combate à pobreza Tornar obrigatória a frequência de ensino ou formação profissional para todos os jovens até aos 18 anos Reforçar mecanismos de integração/conjunto mínimo de mecanismos de protecção social (política de imigração inclusiva): acesso a creches/escolas; cidadania aos filhos; progs. Específicos de integração; material de ens. básico/sec. promover o sucesso escolar 195 Erradicação da Pobreza Consistente Formação de imigrantes: aprendizagem de português; formação profissional, equivalência de qualificações e diplomas, material didáctico para sucesso escolar Tornar obrigatória a frequência do ensino ou formação profissional até aos 18 anos Aproximação entre ensino secundário e sistema de formação profissional Reconhecimento de cidadania para filhos de imigrantes ou imigrantes prolongados Assegurar um ensino recorrente diversificado - educação de adultos Empreendorismo como matéria de ensino Reforço da protecção social diferenciação positiva Alargar acesso à ALV Pré-escolar + básico prioridade aos modos e tempos das famílias Adopção de lógica adaptada às diferenças regionais: implantar rede social em todo o país; contratos de desenvolvimento social Prevenir desemprego e desenvolver políticas reparadoras Erradicação da Pobreza Consistente Novo apoio a agregados monoparentais Combater precareidade de emprego jovem Reactivar cuidados no domicílio/ Articulação entre hospitais, centros de saúde, cuidados continuados e apoio social Qualificar as pessoas e promover o emprego (20 h. anuais de qualificação profissional certificadas) Promoção de ampla rede social de apoios e estratégia para a consolidação do trabalho com a vida familiar Aproximação de Portugal da média comunitária em políticas públicas de emprego Prestação Regulação do emprego e assegurar os direitos: concertação social, cidadania laboral, redução de desigualdades, conciliação família/trabalho Acabar progressivamente com a pobreza associada ao trabalho (salário mínimo como imunidade contra pobreza) extraordinária de combate à pobreza dos idosos, para que Revisão de: RSI/ Apoio à Deficiência/ Apoio à Invalidez/ Apoio à Dependência nenhum fique abaixo de 300! Criação e expansão de rede nacional de apoio às famílias, especialmente nas zonas de maior risco de exclusão social Criar programa de apoio social a emprego: desempregados de baixas qualificações e 2ª metade da vida activa; desempregados entre 19-24 com qualificações mais elevadas; estágios profissionalizantes para jovens (25 mil/ano); apoio a criação de microempresas por licenciados 196 Redução para metade do abandono escolar Combater trabalho ilegal Sistema de prevenção em meio escolar Alargamento do préescolar Apoio ao empreendorismo jovem (através da escola e da formação escolar) Aperfeiçoar modos de aprendizagem adequada a cada grupo-alvo Alargar oferta de cursos tecnológicos, artísticos e profissionais Responsabilidade partilhada reforço de protecção social-diferenciação positiva Redução para metade do abandono escolar Prioridade no combate à pobreza Dar prioridade aos modos e tempos de funcionamento das famílias Assegurar ensino recorrente diversificado. Programas póslaborais/TIC/tutorias Consolidação da universabilidade do ensino básico de 9 anos Renovar o sistema de validação e de reconhecimento de competências Criação e expansão da rede nacional de apoio às famílias nas zonas de maior risco de exclusão social Difundir novos modelos de partilha de custos de aprendizagem entre trabalhadores, empresas e poderes públicos 197 Quintuplicação da População com Ensino Secundário Promover o acesso às formações tecnológicas Renovar o sistema de validação e de reconhecimento Aproximação entre ensino secundário e o sistema de formação profissional Aumentar a qualidade e a qualificação do trabalho e do emprego Apoio ao empreendorismo jovem (através da escola e da formação escolar) Escolas ao serviço da educação de adultos Reforço da protecção social. Diferenciação positiva Cursos de educaçãoformação Políticas de qualificação Definir novas compensações para o investimento em aprendizagem ao longo da vida, pelas empresas e pelos trabalhadores Alargar oferta de cursos tecnológicos, artísticos e profissionais Quintuplicação da população com ensino secundário Transformar as escolas e os centros de formação m centros abertos de aprendizagem Assegurar ensino recorrente diversificado. Programas póslaborais/TIC/tutorias Aperfeiçoar modos de aprendizagem adaptada a cada grupo alvo Melhorar as condições para a aprendizagem, como a organização do tempo de trabalho e os serviços à família Incentivos às empresas e instituições que facilitem a conc. Trab/fam. flexibilizando horários Desenvolver um sistema de orientação profissional ao longo da vida Difundir novos modelos de partilha de custos de aprendizagem entre trabalhadores, empresas e poderes públicos 198