Universidade do Sul de Santa Catarina Linguagem e Infância I Disciplina na modalidade a distância Palhoça UnisulVirtual 2007 linguagem_e_infancia_I.indb 1 18/1/2007 09:58:11 linguagem_e_infancia_I.indb 2 18/1/2007 09:58:30 Apresentação Este livro didático corresponde à disciplina de Linguagem e Infância I O material foi elaborado visando uma aprendizagem autônoma, abordando conteúdos especialmente selecionados e adotando uma linguagem que facilite seu estudo a distância. Por falar em distância, isso não significa que você estará sozinho. Não esqueça que sua caminhada nesta disciplina também será acompanhada constantemente pelo Sistema Tutorial da UnisulVirtual. Entre em contato sempre que sentir necessidade, seja por correio postal, fax, telefone, e-mail ou Espaço UnisulVirtual de Aprendizagem - EVA. Nossa equipe terá o maior prazer em atendê-lo, pois sua aprendizagem é nosso principal objetivo. Bom estudo e sucesso! Equipe UnisulVirtual. linguagem_e_infancia_I.indb 3 18/1/2007 09:58:30 linguagem_e_infancia_I.indb 4 18/1/2007 09:58:30 Raquel Stela de Sá Linguagem e Infância I Livro didático Design instrucional Viviani Poyer Palhoça UnisulVirtual 2007 linguagem_e_infancia_I.indb 5 18/1/2007 09:58:30 Copyright © UnisulVirtual 2007 N enhum a parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer m eio sem a prévia autorização desta instituição. 306.446 S11 Sá, Raquel Stela de Linguagem e infância I : livro didático / Raquel Stela de Sá ; design instrucional Viviani Poyer. – Palhoça : UnisulVirtual, 2007. 196 p. : il. ; 28 cm. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-60694-65-5 1. Multilinguismo. 2. Linguagem e línguas. 3. Crianças – Linguagem. I. Poyer, Viviani. II. Título. Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul Créditos Unisul- Universidade do Sulde Santa Catarina UnisulVirtual- Educação Superior a Distância Cam pus UnisulVirtual Rua João Pereira dos Santos, 303 Palhoça - SC- 88130-475 Fone/fax:(48)3279-1541 e 3279-1542 E-mail:[email protected] Site:www.virtual.unisul.br Reitor Unisul Gerson LuizJoner da Silveira Vice-Reitor e Pró-Reitor Acadêm ico Sebastião Salésio Heerdt Chefe de gabinete da Reitoria Fabian Martins de Castro Pró-Reitor Adm inistrativo Marcus Vinícius Anátoles da Silva Ferreira Cam pus Sul Diretor:Valter Alves SchmitzNeto Diretora adjunta:Alexandra Orsoni Cam pus Norte Diretor:Ailton Nazareno Soares Diretora adjunta:Cibele Schuelter Cam pus UnisulVirtual Diretor:João Vianney Diretora adjunta:Jucimara Roesler Ana Paula Reusing Pacheco Cátia Melissa S.Rodrigues (Auxiliar) Charles Cesconetto Diva Marília Flemming Itamar Pedro Bevilaqua Janete Elza Felisbino Jucimara Roesler Lilian Cristina Pettres (Auxiliar) Lauro JoséBallock LuizGuilherme Buchmann Figueiredo LuizOtávio Botelho Lento Marcelo Cavalcanti Mauri LuizHeerdt Mauro Faccioni Filho Michelle Denise DurieuxLopes Destri Moacir Heerdt Nélio Herzmann Onei Tadeu Dutra Patrícia Alberton Patrícia Pozza Raulino Jacó Brüning Rose Clér E.Beche Design Gráfico Cristiano Neri Gonçalves Ribeiro (coordenador) Adriana Ferreira dos Santos AlexSandro Xavier Evandro Guedes Machado Fernando Roberto Dias Zimmermann Higor Ghisi Luciano Pedro Paulo Alves Teixeira RafaelPessi Vilson Martins Filho Equipe UnisulVirtual Adm inistração Renato AndréLuz Valmir Venício Inácio Bibliotecária Soraya Arruda W altrick Cerim onialde Form atura Jackson Schuelter W iggers Coordenação dos Cursos Adriano Sérgio da Cunha Aloísio JoséRodrigues Ana Luisa Mülbert Equipe Didático-Pedagógica Angelita M arçalFlores Carmen Maria Cipriani Pandini Caroline Batista Carolina Hoeller da Silva Boeing Cristina Klipp de Oliveira Daniela Erani Monteiro W ill Dênia Falcão de Bittencourt Enzo de Oliveira Moreira Flávia Lumi Matuzawa Karla Leonora Dahse Nunes Leandro Kingeski Pacheco Ligia Maria Soufen Tumolo Márcia Loch Patrícia M eneghel Silvana Denise Guimarães Tade-Ane de Amorim Vanessa de Andrade Manuel Vanessa Francine Corrêa Viviane Bastos Viviani Poyer Gerência de Relacionam ento com o M ercado W alter FélixCardoso Júnior Logística de Encontros Presenciais Marcia Luzde Oliveira (Coordenadora) Aracelli Araldi Graciele Marinês Lindenmayr Guilherme M.B.Pereira JoséCarlos Teixeira Letícia Cristina Barbosa Kênia Alexandra Costa Hermann Priscila Santos Alves Logística de M ateriais Jeferson Cassiano Almeida da Costa (coordenador) Eduardo Kraus M onitoria e Suporte Rafaelda Cunha Lara (coordenador) Adriana Silveira Caroline Mendonça Dyego Rachadel Edison Rodrigo Valim Francielle Arruda Gabriela Malinverni Barbieri Josiane Conceição Leal Maria Eugênia Ferreira Celeghin RachelLopes C.Pinto Simone Andréa de Castilho Tatiane Silva Vinícius Maycot Serafim Produção Industriale Suporte Arthur EmmanuelF.Silveira (coordenador) Francisco Asp Projetos Corporativos Diane DalMago Vanderlei Brasil Secretaria de Ensino a Distância Karine Augusta Zanoni (secretária de ensino) Ana Luísa Mittelztatt Ana Paula Pereira Djeime Sammer Bortolotti Carla Cristina Sbardella Franciele da Silva Bruchado Grasiela Martins James MarcelSilva Ribeiro LamuniêSouza Liana Pamplona Marcelo Pereira Marcos Alcides Medeiros Junior Maria IsabelAragon Olavo Lajús Priscilla Geovana Pagani Silvana Henrique Silva Vilmar Isaurino Vidal Secretária Executiva Viviane Schalata Martins Tecnologia Osmar de Oliveira BrazJúnior (coordenador) Ricardo Alexandre Bianchini Rodrigo de Barcelos Martins Edição – Livro Didático Professor Conteudista RaquelStela de Sá Design Instrucional Viviani Poyer Projeto Gráfi co e Capa Equipe UnisulVirtual Diagram ação Vilson Martins Filho Revisão Ortográfi ca B2B Sumário Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 03 Palavras da professora . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 09 Plano de estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 UNIDADE UNIDADE UNIDADE UNIDADE 1 2 3 4 – – – – O discurso sobre a infância moderna . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A infância e a diversidade cultural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A infância e as diferentes linguagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . As linguagens e o jogo do imaginário infantil . . . . . . . . . . 19 39 57 99 UNIDADE 5 – A Educação Infantil e a formação do pedagogo: novas cartografias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117 UNIDADE 6 – Pedagogia e projetos de prática de ensino na Educação Infantil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 Para concluir o estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183 Sobre a professora conteudista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185 Respostas e comentários das atividades de auto-avaliação . . . . . . . . . . . . 191 linguagem_e_infancia_I.indb 7 18/1/2007 09:58:31 linguagem_e_infancia_I.indb 8 18/1/2007 09:58:31 Palavras da professora Caro estudante, bem-vindo à disciplina Linguagem e Infância I. O que pretendemos com esta disciplina é criar espaços de reflexão-ação que possibilitem repensar um tipo de educação que priorize a ampliação de repertórios culturais, apreciação e criação em diferentes linguagens artístico-culturais das crianças, criando estratégias, como desafio para um tipo de prática pedagógica que contribua para a sua melhor formação. A partir disto, você está sendo chamado a participar de um espaço virtual de aprendizagem que o leve a perceber que tanto educadores, como alunos, podem transformar-se em autores de suas próprias idéias, buscando consolidar autonomia pessoal e profissional. Sendo assim, é necessário que desde o início seja estabelecido um “elo” da linguagem e Educação Infantil, com aquilo que caracteriza a prática profissional do professor, o que acontece através da pesquisa, mudando-se a mentalidade e o olhar, com o propósito de criar na instituição escolar um novo ambiente de ensino e aprendizagem. Neste processo, talvez o maior desafio seja “provocá-lo” a cruzar fronteiras, antes intransponíveis, reconfigurar saberes e poderes, possibilitar espaços de aprendizagem nas múltiplas arenas do cotidiano acadêmico, ambiente mais indicado para a formação de professores. Mas ao longo desta obra, procuro fornecer pistas sobre como não apenas ler, mas “sentir” os discursos sobre a infância. Muitas são as oportunidades de encontro com esse jeito de pensar. A questão não está em repetir os autores, mas em pensar com eles. Como ensina Foucault, o papel do intelectual não é dar conselhos. É fornecer os instrumentos de análise, linguagem_e_infancia_I.indb 9 18/1/2007 09:58:31 jamais dizer o que deve ser feito. E intencionalmente é isso que esta obra procura fazer. Neste esforço, aparece um espaço onde existe lugar para o indivíduo curioso que, independentemente de seguir discursos proferidos pelos professores, decide ocupar este espaço com suas próprias perguntas e respostas. Na construção desse modo de ver, é necessário ainda, apreender a imagem da infância, não como a imagem que olhamos, mas como a imagem que nos olha e nos interpela. É por via desse olhar diferenciado, que a cultura e a educação revelam as múltiplas linguagens sociais. Linguagens essas que podem tornar-se muitas vezes “invisíveis aos olhos” dos profissionais que trabalham com elas. Essa perspectiva nos coloca frente a um saber da infância, o qual devemos sempre nos colocar em posição de escuta. Um saber sobre a criança heterogêneo, que diz respeito também a nós e ao nosso mundo, quando utiliza o lado simbólico da linguagem. A partir daí, você poderá alcançar resultados bastante positivos: linguagem_e_infancia_I.indb 10 identificando como se constitui as linguagens no ser humano; analisando as múltiplas linguagens das crianças; refletindo sobre a relação entre as múltiplas linguagens, subjetividade e os repertórios artístico-culturais; criando espaços de reflexão-ação que contribuam para repensar as múltiplas linguagens na Educação Infantil e Séries Iniciais; repensando um tipo de prática pedagógica baseada nas múltiplas linguagens que contribua para uma formação de professores e alunos criativos e autônomos; pensando um projeto de prática de ensino coerente com um ensino e aprendizagem dos diversos tipos de linguagens. 18/1/2007 09:58:31 A cada unidade da disciplina, você poderá refletir sobre os diversos tipos de saberes referentes às múltiplas linguagens e a infância. Vamos começar nossa trajetória então? Espero que juntos possamos ao final desta disciplina, estarmos pensando diferentemente do que pensávamos no início. Que tenhamos criatividade cada qual em seu lugar, para buscar novas possibilidades para a formação do professor e para um tipo de prática pedagógica com crianças, que privilegie as múltiplas linguagens infantis. Convido você então para essa caminhada! Professora Raquel Stela de Sá linguagem_e_infancia_I.indb 11 18/1/2007 09:58:31 linguagem_e_infancia_I.indb 12 18/1/2007 09:58:31 Plano de estudo O plano de estudos visa orientá-lo/la no desenvolvimento da Disciplina. Nele, você encontrará elementos que esclarecerão o contexto da Disciplina e sugerirão formas de organizar o seu tempo de estudos. O processo de ensino e aprendizagem na UnisulVirtual leva em conta instrumentos que se articulam e se complementam. Assim, a construção de competências se dá sobre a articulação de metodologias e por meio das diversas formas de ação/ mediação. São elementos desse processo: O Livro didático. O EVA (Ambiente virtual de Aprendizagem). Atividades de avaliação (complementares, a distância e presenciais). . Ementa As múltiplas linguagens humanas. Constituição e desenvolvimento das linguagens no ser humano. A relação entre as múltiplas linguagens, identidade e cultura. As múltiplas linguagens e a formação do pedagogo. Ampliação de repertórios culturais, a apreciação e criação em diferentes linguagens artístico-culturais. Projeto de prática de ensino. Carga Horária 60 horas-aula = 4 créditos. linguagem_e_infancia_I.indb 13 18/1/2007 09:58:32 Objetivos Geral: Esta disciplina se propõe a criar espaços de reflexão-ação que contribuam para repensar um tipo de educação que prioriza a ampliação de repertórios culturais, apreciação e criação em diferentes linguagens artístico-culturais das crianças, criando estratégias, como desafio de um tipo de prática pedagógica que contribua para uma melhor formação de professores e alunos. Específicos: Identificar como se constituem as linguagens no ser humano; Analisar as múltiplas linguagens (oral, escrita, virtual, corporal, lúdica, ética e estética) das crianças; Refletir sobre a relação entre as múltiplas linguagens, identidade e os repertórios artístico-culturais; Criar espaços de reflexão-ação que contribuam para repensar as múltiplas linguagens na Educação Infantil e as Séries Iniciais; Repensar um tipo de prática pedagógica baseada nas múltiplas linguagens que contribua para uma formação de professores e alunos criativos e autônomos; Pensar um projeto de prática de ensino coerente com um ensino e aprendizagem dos diversos tipos de linguagens. Conteúdo programático/objetivos Veja, a seguir, as unidades que compõem o Livro Didático desta Disciplina e os seus respectivos objetivos. Estes se referem aos resultados que você deverá alcançar ao final de uma etapa de estudo. Os objetivos de cada unidade definem o conjunto de 14 linguagem_e_infancia_I.indb 14 18/1/2007 09:58:32 Linguagem e Infância I conhecimentos que você deverá possuir para o desenvolvimento de habilidades e competências necessárias a sua formação. Unidades de estudo: 6 Unidade 1 - O discurso sobre a infância moderna Nesta unidade, você irá conhecer alguns aspectos referentes aos discursos de verdade sobre a infância moderna, que darão subsídios para você compreender melhor a criança a partir do processo de problematização, de sua presença enigmática e de sua singularidade. Unidade 2 – A infância e a diversidade cultural Nesta unidade, você irá estudar questões relativas à infância, aos aspectos culturais e aos diversos tipos de linguagens da criança, assim como a importância da convivência grupal, da imagem do Outro e da liberdade de expressão na infância. Unidade 3 – A infância e as diferentes linguagens Nesta unidade, você verá aspectos referentes à infância e suas diferentes linguagens e experiências. Para isto, abordará a importância dos estudos da Teoria das Inteligências Múltiplas, juntamente com os tipos de Inteligência para a Educação Infantil. Unidade 4 – As linguagens e o jogo do imaginário infantil Nesta unidade, nos preocupamos em problematizar questões que tivessem relação com os tipos de linguagens da criança, seus sentidos e significados, sobre o imaginário infantil, a educação estética e o processo de criação. 15 linguagem_e_infancia_I.indb 15 18/1/2007 09:58:32 Universidade do Sul de Santa Catarina Unidade 5 – A Educação Infantil e a formação do pedagogo: novas cartografias Nesta unidade, você terá acesso a um conteúdo reflexivo referente ao processo de formação do Pedagogo, às instituições escolares e seus instrumentos pedagógicos, à Pedagogia Cultural e, finalmente, ao processo de ensino e aprendizagem na Educação Infantil. Unidade 6 – Pedagogia e projetos de prática de ensino na Educação Infantil Nesta unidade, você poderá refletir sobre a Pedagogia e a Prática de Ensino na Educação Infantil, assim como sobre algumas experiências diferenciadas desenvolvidas na Educação Infantil e os projetos de oficinas como ferramenta educativa. Agenda de atividades/ Cronograma Verifique com atenção o EVA, organize-se para acessar periodicamente o espaço da Disciplina. O sucesso nos seus estudos depende da priorização do tempo para a leitura; da realização de análises e sínteses do conteúdo; e da interação com os seus colegas e tutor. Não perca os prazos das atividades. Registre no espaço a seguir as datas, com base no cronograma da disciplina disponibilizado no EVA. Use o quadro para agendar e programar as atividades relativas ao desenvolvimento da Disciplina. 16 linguagem_e_infancia_I.indb 16 18/1/2007 09:58:32 Linguagem e Infância I Atividades Avaliação a Distância Avaliação Presencial Avaliação Final Demais atividades (registro pessoal) 17 linguagem_e_infancia_I.indb 17 18/1/2007 09:58:32 linguagem_e_infancia_I.indb 18 18/1/2007 09:58:32 UNIDADE 1 O discurso sobre a infância moderna 1 Objetivos de aprendizagem Identificar os discursos de verdade sobre a infância moderna. Perceber a origem da Infância e sua presença nas diferentes culturas. Analisar como ocorre o processo de problematização na Educação Infantil. Seções de estudo Seção 1 O discurso de verdade sobre a infância moderna Seção 2 A infância e sua presença enigmática Seção 3 A infância e o processo de problematização linguagem_e_infancia_I.indb 19 18/1/2007 09:58:32 Universidade do Sul de Santa Catarina Para início de conversa Nesta primeira unidade você irá conhecer alguns aspectos referentes à Educação Infantil que darão subsídios para você compreender a criança a partir do seu olhar. Podemos dizer que vivenciamos um momento de transformações, de mudanças e revisões quanto às teorias e ações em relação à Educação Infantil. Temos urgência em refletir sobre nossas atitudes, discutindo principalmente sobre o que move nossa prática pedagógica. Atualmente, há um discurso latente de que tal prática deva ser movida e centrada na criança. Nós, educadores, não pretendemos descartar o que já se conhece nesta área de conhecimento, mas respeitar a maneira de ser da criança, o seu pensar e ver o mundo, ou seja, a percepção do mundo a partir do seu olhar. A criança tem suas concepções, as quais são construídas e reconstruídas conforme os discursos de verdade que se dão por intermédio das práticas sociais que acontecem através das experiências e interações relacionais. Ao longo de nossas vidas como educadores, estamos constantemente assumindo novas concepções e revendo os conceitos relacionados à criança, procurando compreender suas potencialidades, que vão além do cuidado, abrangendo todo o processo de conhecimento. Precisamos, portanto, estar prontos para arriscar e considerar alternativas para educá-la, abrangendo as múltiplas linguagens, sem deixar de lado funções como o “cuidar” e o “atender”, percebendo que todas as nossas ações junto a ela são de cunho pedagógico, como mostra o poema de Loris Malaguzzi (1999) a seguir: AO CONTRÁRIO, AS CEM EXISTEM ”A criança”. É feita de cem. A criança tem Cem mãos Cem pensamentos Cem modos de pensar De jogar e de falar. Cem sempre cem Modos de escutar 20 linguagem_e_infancia_I.indb 20 18/1/2007 09:58:32 Linguagem e infância I As maravilhas de amar. Cem alegrias Para cantar e compreender. Cem mundos para descobrir. Cem mundos para inventar. Cem mundos para sonhar. A criança tem cem linguagens (e depois cem cem cem) mas roubaram-lhe noventa e nove. A escola e a cultura lhe separam a cabeça do corpo. Dizem-lhe: de pensar sem as mãos de fazer sem a cabeça de escutar e de não falar de compreender sem alegrias de amar e maravilhar-se só na Páscoa e no Natal. Dizem-lhe: de descobrir o mundo que já existe e de cem roubaram-lhe noventa e nove. Dizem-lhe: que o jogo e o trabalho a realidade e a fantasia a ciência e a imaginação o céu e a terra a razão e o sonho são coisas que não estão juntas. Dizem-lhe: que as cem não existem A criança diz: ao contrário, as cem existem.” Unidade 1 linguagem_e_infancia_I.indb 21 21 18/1/2007 09:58:32 Universidade do Sul de Santa Catarina Seção 1 - O discurso de verdade sobre a infância moderna A inspiração para as idéias que vou aqui apresentar a você, caro acadêmico, veio-me de autores como Michel Foucault, Phillipe Áries, Gilles Deleuze, Júlia Varela, Jorge Larrosa, Sueli Rolnik, Rosa Fischer, Sandra Corazza, Maria Isabel E. Bujes, Walter Omar Kohan e outros mais, ainda que não explicitamente citados, mas por certo, já interiorizados no discurso que será aqui trabalhado. Discursos que se entrecruzam com o nosso, que já circularam pelos temas - referentes à educação de uma forma geral e à educação infantil de forma específica - que agora nos arriscamos a abordar. Temas que cada um capturou a sua maneira e procurou multiplicar. Figura: A árvore. Fonte: <http://www. marianamassarani.blogge.com.br> De início, procuro examinar como a constituição da infância moderna está associada à continuada elaboração de um discurso sobre o que significa “ser criança”, ou seja, como se criam saberes sobre a infância e dispositivos que acabaram por constituir um significado, a compreensão do que é a infância. A infância como uma construção cultural, uma imagem que os adultos necessitam para sustentar suas próprias identidades. Os significados atribuídos à infância são resultado de um processo de construção social, dependendo de um conjunto de possibilidades que se conjugam em determinado momento da história. Sendo assim, são organizados socialmente e sustentados por discursos nem sempre homogêneos e em constante transformação. Não resultam, portanto, de um processo de evolução, nem estão acima e à parte das divisões sociais, sexuais, raciais, étnicas. É preciso que se atente para o fato de que, a cada época histórica, correspondem certas práticas sociais e certos discursos de verdade que orientam o que se pode ou não dizer sobre certos objetos. 22 linguagem_e_infancia_I.indb 22 18/1/2007 09:58:33 Linguagem e infância I Ariès explica que não existe “a infância”, isto é, que ela não esteve desde sempre aí, de um mesmo modo. Na verdade, o que o autor quer dizer é que precisamos cada vez mais investigar esse conceito, tentando vê-lo nas suas inúmeras faces, com o objetivo de dar conta da enorme complexidade que ele envolve. De acordo com Bujes, a infância que conhecemos não é um dado atemporal, é uma invenção da Modernidade. Foi somente a partir do século XVI que as crianças começaram a se tornar objetos de relevância social e política. Portanto, apenas muito recentemente elas passaram a fazer parte da história. Áries (1986), ao discutir as chamadas “idades da vida”, mostra que a consolidação de um significado moderno para o termo infância vai ocorrer apenas em meados do século XVIII. Este pensamento aparece na modernidade através dos discursos de verdade formulados por meio de teorias que fizeram com que entendêssemos o fenômeno da infância da forma como a entendemos hoje. Ou seja, uma tradição teórica pode modelar o nosso pensamento, tanto em relação ao que pode ser dito, quanto ao modo pelo qual se pode falar sobre um objeto. Para aprofundar seus estudos a esse respeito consulte a belíssima obra de: ARIÈS, Philipe. História Social da Criança e da Família. 2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. Sobre este autor e sua obra consulte: BUJES, Maria Isabel. Que Infância é esta? em: <http://www.anped. org.br/26/outrostextos/ mc07mariaisabelbujes. doc> A criança tem sido alguém cujos modos de ser e estar no mundo foram controlados e revelados através de estudos dos métodos científicos de experimentação e observação. Os estudos sobre as crianças passam a ser uma preocupação social: objeto de interesse, pontos focais de discursos, construções históricas modeladas por condições sociais concretas. Neste contexto, elas não têm uma fala considerada como legítima na ordem discursiva. As idéias que elas expressam são quase sempre ignoradas e desqualificadas pelos adultos, como se estas falas fossem algo menor, infantil, e destituídas de razão. Sendo assim, a infância de que tanto ouvimos falar é um efeito dos discursos que se constituíram/ constituem sobre ela. Por isso, é mais apropriado falarmos em invenção da infância moderna. O discurso era de que as crianças possuíam certas características essenciais – que sempre estiveram nelas presentes – que serviriam de fundamento para os processos naturais (e também universais) que caracterizavam sua infância. Unidade 1 linguagem_e_infancia_I.indb 23 23 18/1/2007 09:58:33 Universidade do Sul de Santa Catarina ROCHA, Eloisa A. Candal. A Pedagogia e a educação infantil. em: <http://www.rieoei.org/ rie22a03.htm> Uma das tarefas que a Filosofia e as Ciências Humanas modernas empreenderam foi teorizar e veicular as suas reflexões e “descobertas” que tinham por objeto as crianças e a infância. Tais “descobertas” nos trouxeram um amplo corpo de teorizações que, por meio da linguagem da ciência, mais especialmente – pretendeu constituir-se como verdade para explicar quem e como eram (ou deveriam ser) os sujeitos infantis. Rocha diz que uma investigação sobre as crianças e os fenômenos que a elas se associam deve centrar-se não no que elas são, mas como se constituíram de tal maneira. Em outras palavras, é preciso compreender que a infância é construída, mas, acima de tudo, que se problematize os seus modos de existência. É importante, portanto, que se discuta a produção da infância como dispositivos de afirmação da sociedade disciplinar e de controle, tendo como parâmetro a lógica de valorização da vida presente no mundo moderno. As crianças são colocadas na mira de equipamentos sociais e instituições por serem entendidas como seres em processo de formação e, portanto, ordenadores da nova arquitetura política e social. Em educação, estamos acostumados a associar infância à primeira idade. A psicologia do desenvolvimento tem muito a ver com este costume, ou seja, pensamos os seres humanos atravessando estágios, etapas, fases. Esta travessia costuma ter o nome de evolução ou de progresso. A infância seria o primeiro degrau que é associado a uma marca do ser em potência (do que virá a ser no futuro) – e não em ato (do que pode ser no presente). O que ocorre é que absorvemos teorias num grau tal que elas governam nossas idéias e ações, chegando-se mesmo ao limite de confundir teoria com verdade. A construção da verdade, tão bem discutida por Michel Foucault, aparece de diferentes formas nesta relação com a infância. Desta forma, as teorias vão se tornando inquestionáveis e sendo vistas como a única maneira correta de pensar e agir, ao invés de serem entendidas como um dos modos possíveis de se proceder. 24 linguagem_e_infancia_I.indb 24 18/1/2007 09:58:34 Linguagem e infância I Geralmente estamos acostumados a pensar em uma infância “ideal”. Isso porque a concebemos numa perspectiva moderna, pensando-a como um dado universal e atemporal, um período marcado por uma progressão linear e previsível, uma idade de ouro em que se manifestariam da forma mais original a pureza, a inocência e as melhores promessas do gênero humano. Os sentidos da infância, assim constituídos, condenam a criança ao signo homogeneização, que retrata em seu reverso a anormalidade. A criança representa o projeto da normalidade pensante do ser humano. Esse modelo, por sua vez, é difundido pela Psicologia que estabelece o sentido para o curso da vida humana. Isto significa afirmar que essa área, na tentativa de iluminar o desconhecido trajeto da vida humana, termina por estruturar e classificar a experiência da criança. Esta definição da infância, ou a necessidade de explicar o que é tipicamente infantil, vendo as crianças com certos atributos e características, como sujeitos de interesses e tendências naturais que se manifestam dadas as condições propícias ao seu aparecimento, é um dos inventos da Pedagogia (que será reforçado posteriormente pelo saber psicológico). Bujes explica que, quando o Ocidente inventa a infância, cria mecanismos para copiar o modelo do adulto. Para isso, cria mecanismos disciplinares, técnicas de governo e de regulação médicas, morais, religiosas e pedagógicas, novas instituições e novas ciências, como a família, a escola, a pedagogia para corrigir, reparar, endireitar, consertar a criança. A partir desta constatação, torna-se mais fácil perceber que as crianças têm sido produzidas pelos discursos de verdade que se enunciam sobre elas: discursos médicos, biológicos, antropológicos, psicológicos, pedagógicos. Tais discursos, constroem uma posição de sujeito ideal, um sujeito universal, sem cor, sem sexo, sem filiação, sem amarras temporais ou espaciais. Unidade 1 linguagem_e_infancia_I.indb 25 BUJES, Maria Isabel Edelweiss. Alguns apontamentos sobre as relações infância/poder numa perspectiva foucaultiana. Em: <http://www. anped.org.br/26/ outrostextos/ mc07mariaisabelbujes. doc> 25 18/1/2007 09:58:34 Universidade do Sul de Santa Catarina Corremos o risco de nos deixar falar pelas teorias que, em última instância, não apenas falam por nós, mas também por aqueles que consideramos sem voz, as crianças, que são mais facilmente colocadas à margem de um movimento “natural e espontâneo” de desenvolvimento da sociedade, em que devem triunfar os mais capazes, em função de suas potencialidades. A constituição da infância moderna tem a idéia de “criança natural”. Se o sujeito moderno não constitui uma essência universal e atemporal, ele é aquilo que foi feito dele, isto é, resulta de aparatos discursivos e lingüísticos. Para você conhecer mais sobre essa discussão consulte: CORAZZA, Sandra. O que faremos com o que fizemos na infância. En: <http:// www.grupalfa.com.br/arquivos/ eventos_trabalhos/TEXTOS> Sobre essa questão pesquise: DELEUSE, apud Kohan, Pensando a prática da Filosofia na Escola. En: <http://www.unb.br/fe/tef/ filoesco/fundamentos.html> Segundo Ariès (1986), a idéia de naturalização e de inocência leva a dois tipos de atitude e comportamento em relação à criança: protegê-la dos problemas e da sexualidade do mundo adulto e fortalecer o seu caráter pelo uso da razão, num movimento contraditório: para preservá-la é preciso ao mesmo tempo torná-la mais velha. Na perspectiva apresentada por Ariès estão fortemente imbricadas as duas condições: a da inocência e a da cognição. De acordo com Corazza foi a partir da necessidade de tornar as crianças cada vez mais adultas, que a compreensão da infância foi matando o mundo infantil, colocando-o cada vez mais nos moldes do mundo adulto. Para Deleuze, a infância apresenta características singulares que necessitam de um trabalho múltiplo que, ao mesmo tempo, é um exercício imanente de forças. Não é possível que sejam capturadas por nenhum estado de adulto, elas se capacitam sempre por expressões longe de um equilíbrio. Isto acontece por intermédio de novos e incessantes mapeamentos, encontros reais com o imaginário da criança. A criança em sua ação se constitui de multiplicidades em processo, diferença, enquanto o eu experimenta a vida. A infância acontece, portanto, num processo de desequilíbrio e busca de novos territórios; novos encontros; novas multiplicidades em processo, diferenças múltiplas e experiências de vida constantes. Vida que é experimentada e em movimento. 26 linguagem_e_infancia_I.indb 26 18/1/2007 09:58:34 Linguagem e infância I Bujes em seu texto, apóia-se no problema da vontade de saber e da vontade de poder, tal como foram formulados por Michel Foucault, para analisar discursos recentes do Ministério da Educação, que tratam da questão curricular na educação infantil. A autora mostra de que modo se constroem os discursos institucionais e científicos sobre a infância, chamando a atenção para as “tramas” de uma linguagem feita de enunciados sobre desenvolvimento integral, direito à cidadania, atendimento de qualidade, melhoria do atendimento educacional, e mostra como se passa, historicamente, de um discurso da eqüidade para um discurso fortemente marcado pela busca da eficácia, da produtividade e da eficiência da educação. Sobre esse aspecto leia: O Fio e a Trama: as crianças na malhas do poder, <http://www.ced.ufsc. br/~nee0a6/BUJES.pdf > Seção 2 - A infância e sua presença enigmática Iniciando esta seção, gostaria que você observasse como os discursos sobre a infância contribuem para compor novos conceitos que permitem não só problematizar a concepção de infância “natural”, como também identificar as descontinuidades presentes em seus próprios pressupostos. Pensar em crianças é, pois, aventurar-se nas suas histórias que nem sempre são contadas da mesma maneira, que possuem diferentes personagens, mas que as possibilitam escolher rumos a partir da perspectiva de diferentes linguagens e olhares. Perceber as múltiplas linguagens que constituem as crianças como pertencentes a diversas culturas é uma tarefa de todos que convivem com elas. Observe, assim, que é preciso olhá-las como muitas, e não como “a criança”, aquela idealizada por todos nós. Desta forma, teremos a possibilidade de percebermo-nos também como infantes, não o que fomos, mas o que seremos sempre, latentes de uma energia que nos acompanha em busca de uma utopia possível. Larrosa diz que enquanto seres sociais, históricos e culturais, teremos que percorrer um longo processo de socialização; mas Unidade 1 linguagem_e_infancia_I.indb 27 Sobre esses aspectos consulte: LARROSA, J. Pedagogia Profana: Danças, piruetas e mascaradas. 4 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. 27 18/1/2007 09:58:34 Universidade do Sul de Santa Catarina também carregamos algo de novo, de enigmático que rompe com as supostas certezas que temos de nós mesmos, do mundo, das crianças, da infância. Neste contexto, podemos perguntar: Por que não nos permitirmos ser tocados pela criança, deixando que ela nos leve ao desconhecido? Como vê-la como alguém do presente e não como alguém que preparamos para o futuro? Por que não aprendermos com ela sobre a vida? Este autor salienta que as crianças são seres dos quais quase nada se sabe, seres que normalmente não entendem a língua do adulto. No entanto, procura-se o tempo todo justificar as nossas ações através da investigação de suas satisfações, seus medos, suas necessidades, suas maneiras de sentir e de pensar. Historicamente, sabemos de seu desamparo, da violência que se exerce sobre elas, de seu abandono, de sua miséria. A infância é algo que nossos saberes, nossas práticas e nossas instituições procuram o tempo todo capturar: algo que se quer explicar e nomear, algo sobre o que se quer intervir, algo que se deseja acolher. Ela não é outra coisa senão objeto de estudo de um conjunto de saberes mais ou menos científicos. Pensar a infância como alguma coisa diferente é, justamente, pensar essa inquietude, esse questionamento e esse vazio que ela traz. Na verdade o que se percebe é que todos trabalham para reduzir o que ainda há de desconhecido nas crianças e para submeter o que nelas ainda há de diferente. No entanto, a infância sempre escapa a qualquer objetivação e se desvia de tudo o que é controlável. Larrosa (1998) salienta que precisamos devolver à infância sua presença enigmática, e encontrar a medida de nossa responsabilidade na resposta diante da exigência que esse enigma traz consigo. De acordo com este autor, podemos projetar na criança os nossos desejos, nossos projetos, nossas expectativas, nossas dúvidas ou nossos fantasmas. Inclusive, sua fragilidade e suas necessidades se abrem com absoluta transparência ao 28 linguagem_e_infancia_I.indb 28 18/1/2007 09:58:34 Linguagem e infância I que nós lhe podemos oferecer. Ela é sempre diferente daquilo que podemos antecipar, porque sempre está muito além do que sabemos ou do que queremos ou do que esperamos. A partir deste ponto de vista, uma criança é sempre algo absolutamente novo que dissolve aquilo que temos como sólido na sociedade e que suspende a certeza que temos de nós mesmos. Uma outra questão importante apresentada por Larrosa (1998), e indispensável para que possamos compreender o pensamento da criança, é tratada quando deixa claro que num trabalho pedagógico com ela, talvez o correto não seja se ter uma imagem da infância, mas uma imagem a partir do encontro com a infância. Um encontro que não é nem apropriação, nem reconhecimento do que já se sabe, mas o desenvolvimento de uma experiência, um encontro com o desconhecido que não pode ser reconhecido nem apropriado. Prado, diz que as crianças nos surpreendem, propondo o inusitado, o imprevisto num espaço previsto, planejado e organizado pelos adultos. O enigma da infância se apresenta na capacidade de as crianças pequenas construírem ordens próprias, estruturarem grupos de pares heterogêneos e se apropriarem de formas diferenciadas do espaço-tempo institucional pesquisado através das brincadeiras. Sendo assim, não se pode como educador aceitar o cerceamento de sua criatividade e liberdade. É preciso que se denuncie a relação adulto-criança pautada numa cultura escolar que valoriza o corpo racional, dócil, passivo, disciplinado e submisso em detrimento ao corpo curioso, lúdico e expressivo. Unidade 1 linguagem_e_infancia_I.indb 29 Você pode encontrar uma discussão mais aprofundada no texto de Patrícia Prado: a gente gosta é de brincar com os outros meninos! Relações sociais entre crianças num Jardim de Infância. Em: <http://www.scielo.br/ scielo.php?pid=S0101-733 02005000200019&script= sci_arttext&tlng=em> 29 18/1/2007 09:58:35 Universidade do Sul de Santa Catarina Seção 3 - A infância e o processo de problematização Como você pode perceber hoje em dia, num universo científico nunca antes tão discutido, os diferentes saberes emergem de quase todas as áreas de investigação, levando-nos à observação das práticas e/ou linguagens sociais. Os saberes não se constituem em uma cópia da realidade, mas são frutos de um trabalho do pensamento e de criação, de diferenciação, ou seja, de uma busca constante que se dá através da problematização do mundo. Vimos, portanto, que as crianças precisam pôr em jogo tudo o que sabem e pensam sobre a situação em torno do qual foi organizada a ação educativa. Precisam ter problemas a resolver e decisões a tomar em função do que se propõem produzir. Sendo assim, o conteúdo a ser trabalhado e as formas de expressão (linguagens oral, escrita, corporal, estética, ética e lúdica) a serem consideradas pelo educador na sua prática pedagógica necessitam manter as características de objeto sócio-cultural. A grande lição que tiramos é que as crianças possuem uma natureza singular que as caracteriza como seres que pensam o mundo de um jeito muito próprio. Nas interações que estabelecem desde cedo com as pessoas que lhes são próximas e com o meio ambiente, elas revelam seu esforço para compreender a sociedade em que vivem, as relações que presenciam e, por meio do seu corpo e de seus movimentos, explicitam as condições de vida a que estão submetidas e seus desejos. No processo de construção e apropriação dos diversos tipos de saberes, elas utilizam as mais diferentes linguagens e exercem a capacidade que possuem de pensarem diferentemente por meio de sua imaginação sobre aquilo que buscam descobrir. Através desta perspectiva, constroem saberes, estabelecendo com as outras pessoas e com o meio em que vivem uma relação sempre criativa. Assim como acontece com as crianças, os educadores também estão constantemente envolvidos na construção de saberes e por isso mesmo necessitam compreender as diferentes linguagens, para que possam proporcionar aos educandos uma maior interação, troca e interlocução no processo de ensino e 30 linguagem_e_infancia_I.indb 30 18/1/2007 09:58:35 Linguagem e infância I aprendizagem. Neste sentido, a oportunidade de reflexão sobre a própria ação e as diferentes formas de atuação junto às crianças se fazem muito importantes, possibilitando grandes avanços em sua prática pedagógica. Uma das grandes contribuições que se pode dar para a formação dos educadores da educação infantil e dos anos iniciais da educação fundamental é uma fundamentação teórica adequada e um bom preparo ético para pensar, investigar, socializar e propor questões que privilegiem o fenômeno educativo em sua diversidade através das múltiplas linguagens. A base dessa concepção está em conceber as diferentes linguagens artístico-culturais e o próprio conceito de educação como processo de desenvolvimento do ser humano, no sentido da conquista da autonomia, do auto-poder, de pensar diferente do que se pensa. Como você pode ver, a utilização das múltiplas linguagens enquanto forma de expressão, comunicação e criação desde os primeiros anos de vida, constitui-se como essencial fator educativo, uma vez que poderão exercer uma grande influência no modo de ver e agir da criança no mundo. O modo como a criança reage aos objetos que vai criando, se ligando às experiências, seleções e escolhas previamente apreendidas no contato e no uso destas diferentes linguagens, levam-na ao poder de decisão sobre novas escolhas e objetos. Como construção social, as múltiplas linguagens são atravessadas pelo ensino e aprendizagem, a um só tempo, contando também a história cultural da humanidade e dela participando diretamente. Sendo algo aprendido, não é uma disposição inata do ser humano. Não basta poder expressar o que se sente e se pensa, mas também ter oportunidade de fazer com prazer o que se deseja, que é próprio do sentido lúdico. Veja bem, esta diferença entre o que se quer expressar e o modo como se faz vai depender também da Unidade 1 linguagem_e_infancia_I.indb 31 31 18/1/2007 09:58:35 Universidade do Sul de Santa Catarina possibilidade de escolher vários meios de expressão, que usam diferentes linguagens, consoante a forma de educação escolhida. A criança já nasce inserida no mundo de múltiplas linguagens e cabe ao educador viabilizar esse acesso de forma expressiva, articulando reflexão, pensamento, sentimentos, sensações e desejos aí envolvidos. No entanto, não existe uma única abordagem pedagógica para o trabalho com as múltiplas linguagens em sala de aula, ou seja, não existem “receitas” definitivas sobre como estimulá-las. Por isto, seria correto dizer que desenvolver um trabalho pedagógico com múltiplas linguagens não deve se configurar como um método de ensino.Ao contrário, deve-se pensar em estimular, através de atitudes e estratégias, os diferentes pensamentos e linguagens das crianças, que podem ser desenvolvidos em qualquer faixa etária e nível de escolaridade e em qualquer disciplina do currículo escolar. Você como futuro educador de Educação Infantil necessita, portanto, abrir espaços para que as crianças possam experimentar as diferentes formas de expressão e assim serem sensibilizadas a perceber e ampliar os processos de manifestações das múltiplas linguagens. Precisa integrar a expressividade, o movimento, a flexibilidade, que acontecem através das diferentes linguagens, dando vida à sua prática pedagógica com as crianças. Para isto, é necessário que possa superar a individualidade inicial de espectador, permitindo o surgimento de novas formas de olhar, compreender e interpretar o atual universo educativo, a fim de orientar seu caminhar por formas alternativas de linguagem e educação. Por fim, como educador, precisa desenvolver nas crianças a capacidade de auto-aprendizagem, autonomia para a resolução dos problemas. 32 linguagem_e_infancia_I.indb 32 18/1/2007 09:58:35 Linguagem e infância I O aprendizado da fala, da comunicação, por exemplo, não se restringe a um tempo cronologicamente determinado. De acordo com Kohan (2003), somos seres de comunicação. Nossa vocação ontológica é a de “ser mais” e fazer história através da experiência vivida. Nós seres humanos estamos sempre aprendendo, uma vez que, como “[...] infantes, estaremos sempre aprendendo a falar e a ser falados, já que não falamos tudo, não pensamos tudo, não sabemos tudo” (Kohan, 2003, p. 246). Neste contexto, infância e inacabamento se encontram. Sendo assim, talvez elas estejam em maior sintonia com esta forma de inacabamento que aqui estamos nos referindo, já que estão muito mais abertas ao mundo de experiência do que os adultos. Experiência essa compreendida por Larrosa (2002) como aquela na qual somos tocados pelas coisas do mundo e “afetados” por elas, de onde saímos transformados. Uma experiência aberta à novidade, ao imprevisível, à diversidade, à busca de novas aprendizagens. Fonte: <http://www.procon. go.gov.br> É preciso desacelerar, suspender o automatismo de nossas ações com a criança, atendo-nos aos detalhes, estando abertos ao que se passa conosco enquanto educadores, esvaziando-nos de tantas certezas para então poder escutá-las, recebê-las: “[...] receber é criar um lugar: abrir um espaço em que aquele que vem possa habitar; pôr-se à disposição daquele que vem, sem pretender reduzi-lo à lógica que impera em nossa casa”. (Larrosa, 2003, p. 188). Receber para o autor é estar aberto ao diálogo. Diálogo entendido como encontro entre as pessoas para “serem mais”, na perspectiva de sua humanização. Este mesmo autor (Larrosa, 2003), nos instiga também como educadores a “escutar mais devagar”, o que significa uma ruptura, uma transgressão em nossa sociedade. Para ele, uma pessoa que não é capaz de se pôr à escuta, cancelou seu potencial de formação e de transformação. Escutar é um aprendizado que nos convida a ter menos certezas; que implica em amor ao outro e a si próprio; em abertura ao desconhecido, ao imprevisível, a Unidade 1 linguagem_e_infancia_I.indb 33 33 18/1/2007 09:58:35 Universidade do Sul de Santa Catarina termos uma relação mais infantil com o outro e conosco mesmo. Consiste em despir-se de conceitos, valores, hábitos que sufocam, que impedem o vôo, que aprisionam, que roubam do humano o seu direito de ser dono do seu destino. Despir-se de discursos de verdade que nos imobilizam, abrindo espaços de possibilidades àquilo que nos é verdadeiramente significativo, para que aprender seja, então, buscar a vontade de acordar o nosso lado adormecido. Encerrando esta seção, gostaria de sugerir que quando pensássemos nas crianças, pudéssemos nos aventurar a entrar no jogo das suas histórias que nem sempre são contadas da mesma maneira, que possuem diferentes personagens, mas que possibilitam escolher rumos a partir da perspectiva de diferentes linguagens e olhares. Termino esta unidade com um poema de Fernando Pessoa sobre a infância: “Fui ficando só, sem cuidados. Todos os que nos cuidavam, tomaram outros rumos e, com eles, foi-se o carinho de que eu vivia. De novo voltam a preocupar-se comigo não por cuidado, mas por medo. Porque me tornei um incômodo. A criança que eu fui chora na estrada. Deixei-a ali quando vim ser quem sou... Quero ir buscar quem fui onde ficou. Quero poder imaginar a vida como ela nunca foi, e assim, vivê-la vívida e perdida, num sonho que nem dói”. 34 linguagem_e_infancia_I.indb 34 18/1/2007 09:58:36 Linguagem e infância I Atividades de auto-avaliação Após a leitura criteriosa da Unidade 1, efetue as atividades de autoavaliação e, a seguir, acompanhe as respostas e comentários a respeito. Para melhor aproveitamento do seu estudo, realize a conferência de suas respostas somente depois de fazer as atividades propostas. 1) Assinale os parênteses que contêm a seção que mais lhe chamou a atenção e contribuiu teoricamente para o seu aprendizado. Justifique a sua resposta nas linhas a seguir: a) O discurso de verdade sobre a infância moderna ( ) b) A infância e sua presença enigmática ( ) c) A infância e o processo de problematização ( ) Unidade 1 linguagem_e_infancia_I.indb 35 35 18/1/2007 09:58:36 Universidade do Sul de Santa Catarina 2) Que tarefa a Filosofia e as Ciências Humanas modernas empreenderam na constituição dos sujeitos infantis? 3) Segundo Ariès, a idéia de inocência e cognição leva a atitudes e comportamentos em relação à criança. Quais são eles? 36 linguagem_e_infancia_I.indb 36 18/1/2007 09:58:36 Linguagem e infância I 4) Explique, com suas palavras a citação de Larrosa: “receber é criar um lugar: abrir um espaço em que aquele que vem possa habitar; pôr-se à disposição daquele que vem...” Síntese Vimos na Unidade I que os significados atribuídos à infância são resultados de um processo de construção social, dependendo de um conjunto de possibilidades que acontecem em determinado momento da história. São organizados socialmente e sustentados por discursos de verdade que estão em constante transformação. A infância de que tanto ouvimos falar é um efeito destes discursos que foram construídos sobre ela. Por isso, é mais apropriado falarmos em invenção da infância moderna. As crianças foram/são colocadas constantemente na mira dos mecanismos sociais e institucionais por serem entendidas como seres em processo de formação, apostando-se nelas como uma grande possibilidade política e social do futuro. Por isso, inventase a infância copiando o modelo do adulto. Esta invenção traz Unidade 1 linguagem_e_infancia_I.indb 37 37 18/1/2007 09:58:36 Universidade do Sul de Santa Catarina consigo um discurso disciplinador sobre a “criança natural”, supondo por um lado a sua infantilização e, por outro, uma prática que sempre escapa a qualquer objetivação e se desvia de tudo o que é controlável. O que se observa é que as crianças possuem uma singularidade que as caracteriza como seres que pensam o mundo de um jeito próprio. É preciso, pois, entrar nas aventuras das crianças, nas suas histórias, escolhendo os rumos de caminhada através da perspectiva de diferentes linguagens e olhares. Saiba mais Se você ficou interessado em conhecer mais detalhes sobre a Educação Infantil, recomendamos que consulte: ABRAMOWICZ, A. O direito das crianças a educação infantil. In: Pro-posições, v. 14, nº 3. Dossiê: Educação Infantil e Gênero. Campinas: UNICAMP, 2003. CORAZZA, S. M. História da infância sem fim. Ijuí: Unijuí, 2000. FOUCAULT, M. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: NAU Editora, 2002. KOHAN, Walter O. Infância: entre educação e filosofia. Belo Horizonte: Autêntica,2003. KRAMER, Sonia. Por entre as pedras: arma e sonho na escola. 3. ed. São Paulo: Ática,2003. LARROSA, Jorge; LARA, Pérez Nuria (orgs). Imagens do Outro. Petrópolis: Vozes 1998. NARODOWSKI, Mariano. Infância e poder: conformação da Pedagogia Moderna. Bragança Paulista: Editora da Universidade São Francisco, 2001. 38 linguagem_e_infancia_I.indb 38 18/1/2007 09:58:36 UNIDADE 2 A infância e a diversidade cultural 2 Objetivos de aprendizagem Analisar a cultura e linguagens da Infância. Perceber a criança como criadora de história e cultura. Identificar como ocorre a convivência grupal e a liberdade de expressão na Infância. Repensar a dimensão ética que existe na relação com o Outro – a criança. Seções de estudo Seção 1 Infância, cultura e linguagens Seção 2 A convivência grupal e a liberdade de expressão na infância Seção 3 Infância e a imagem do Outro linguagem_e_infancia_I.indb 39 18/1/2007 09:58:36 Universidade do Sul de Santa Catarina Para início de conversa Diferentes especialistas abordam os aspectos fundamentais de uma Educação Infantil, traçando as características concretas que essa escola precisa ter: desde a cultura da infância, os valores e as crenças, até a programação dos conteúdos e a organização dos espaços e tempos, sem esquecer o mais importante que é a formação dos educadores. Uma escola que precisa repensar, desconstruir conceitos conformadores de crianças enquanto seres de outra espécie, enquanto entidades isoladas do mundo material, físico, afetivo, histórico, cultural e social dos adultos, mas que não é por isso mesmo, um adulto em miniatura. Sendo assim, você pode perceber que infância, cultura, linguagem e experiência se identificam. É por intermédio delas que o ser humano se constrói na história. Pela experiência a infância se abre ao mundo e modifica-se a cada dia. É também o caminho pelo qual ela, no momento que assume sua fala a partir do mundo e sobre o mundo, também pode modificá-lo. É também a condição de inacabamento que nos torna abertos ao mundo e atores da história. Assim, a infância é uma das manifestações do inacabamento do homem e, portanto, uma das expressões de esperança. Talvez aí esteja a verdadeira raiz lúdica da infância: o inacabamento. Raiz que as torna abertas ao mundo, curiosas, inquietas, criativas, capazes de pensar diferentemente do que se pensam, de construir uma outra história como sujeitos da experiência. Experiência compreendida aqui como aquela na qual as crianças são tocadas pelas coisas do mundo, afetadas por elas, e de onde saem sempre transformadas. Uma criança enquanto Outro, enquanto sujeito singular completo em si mesmo, que se expressa através de seus desenhos, gestos, movimentos, histórias fantásticas, danças, imaginação, falas, brincadeiras, sorrisos, caretas, choros, apegos. 40 linguagem_e_infancia_I.indb 40 18/1/2007 09:58:36 Linguagem e infância I Seção 1- Infância, cultura e linguagens As análises culturais têm estado cada vez mais freqüentes nos debates sobre educação, já que no cerne desta questão está a relação entre cultura e poder. Quanto mais importante se torna a cultura, tanto mais significativas são as relações de forças que a governam e regulam. Tudo que tenha a capacidade de influenciar a configuração geral da cultura, de controlar ou determinar o modo como funcionam as instituições culturais ou de regular as práticas culturais, exerce um tipo de poder explícito sobre a vida das pessoas. Sendo assim, a cultura é vista não como um reflexo de processos econômicos ou políticos, mas como constitutiva de dispositivos, práticas sociais e de discursos de verdade. De acordo com Larrosa, um dispositivo pedagógico age em qualquer lugar, transformando relações entre as pessoas, no meio onde interage, bem como nas relações que se estabelecem consigo mesmo. Os efeitos dessas conexões e sintonias com os novos dispositivos tecnológicos produzem cultura. Para você conhecer um pouco mais sobre essa discussão, consulte o livro: HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte, MG: UFMG; Brasília, DF: UNESCO, 2003. LARROSA, Jorge e LARA, Nuria Pérez (orgs.), Imagens do outro. Rio de Janeiro: Vozes, 1998. Neste sentido, o conceito de cultura precisa ser entendido enquanto ato de criação, uma teia de significados estabelecida entre os homens constituída de fios intermináveis que expressam uma forma de ver, sentir e se relacionar com a vida, tornando as coisas do mundo inteligíveis. Para Chauí (1989, p.51) cultura é [...] entendida como produção e criação da linguagem [...] dos instrumentos de trabalho, das formas de lazer, da música, da dança, dos sistemas de relações sociais, a cultura é o campo no qual a sociedade inteira participa elaborando seus símbolos e seus signos, suas práticas e seus valores, definindo para si o possível e o impossível, a linha do tempo (passado, presente, futuro), as distinções do interior do espaço, os valores, como o verdadeiro e o falso, o belo e o feio, o justo e o injusto, a noção de lei, e, portanto, do permitido e do proibido, a relação com o visível e o invisível, com o sagrado e com o profano, tudo isso passa a constituir a cultura no seu todo. Unidade 2 linguagem_e_infancia_I.indb 41 41 18/1/2007 09:58:36 Universidade do Sul de Santa Catarina Para ver a respeito dessa questão consulte: GUSMÃO, Neusa M. M. de. Linguagem, cultura e alteridade: imagens do outro. In: Cadernos de Pesquisa. n. 107, julho, 1999. É neste sentido que a cultura revela muitas linguagens presentes na vida social, mas que se fazem invisíveis aos nossos olhos, já que nossa subjetividade foi produzida por princípios e valores universais considerados verdadeiros, legítimos e únicos. Na medida em que o ser humano tem a percepção de que o aspecto social se prende a estes princípios e precisa ser relativizado, ele passa a atentar para o fato de que a cultura se expressa por linguagens que nem sempre são visíveis e explícitas e que exigem um olhar bastante atento e aprofundado no que se refere às muitas realidades do campo social, seu cotidiano e seus significados. É através de um olhar interpelador, portanto, que a cultura e a alteridade desvelam as múltiplas linguagens da convivência social. A cultura é um campo em torno da formulação e da fixação de significados sobre a formação das subjetividades. Sempre aberta ao conflito, a cultura é uma atividade incessante de “produção de verdades” que necessita ser compreendida no seu processo de fabricação. Desta forma, ela torna-se, ao mesmo tempo, um objeto de pesquisa de educadores, bem como a condição de possibilidade nas suas intervenções pedagógicas e políticas. Os estudos culturais propiciam, portanto, a compreensão da correspondência existente entre discursos de verdade, instituições, e lutas de poder pelo controle. Esta perspectiva nos leva a perceber que os significados estão sendo constantemente negociados e conectados a políticas dos discursos de verdade que acontecem na sociedade. Fonte: <http://www. marianamassarani.blogger.com.br> De acordo com Corazza (2001) a cultura infantil é uma forma social e histórica de existência, constituída por discursos de verdade sustentados por idéias, atitudes, sentimentos, linguagens, proposições morais, relações e desejos. Tal forma de vida também é produzida por textos, arquiteturas, mercadorias, organizações, regulamentos, enunciados científicos e instituições. Para a autora, a cultura é, assim, o solo no qual se realizam a educação, a pedagogia e o currículo. 42 linguagem_e_infancia_I.indb 42 18/1/2007 09:58:37 Linguagem e infância I No entanto, para Redin quando se fala em educação, existe aí uma cultura que não pode ser descolada de aspectos econômicos, políticos, culturais, religiosos, educacionais, sociais, morais, éticos, estéticos e históricos. Em tempos de transição ou de mudanças aceleradas, faz-se necessário que a educação passe por novas concepções do que representa um ser educado. E é nesta nova cartografia do ser no mundo, e da própria sociedade como campo de múltiplas relações, que autores como Félix Guattari, por exemplo, têm feito análises muito interessantes para a compreensão da complexidade das relações. REDIN, Marita M. UNISINOS. GT: Educação de Crianças de 0 a 6 anos. n.07. <http://www.anped. org.br/28/textos/gt07/ gt071088int.rtf> As idéias deste autor são relevantes para compreender essa nova ética-estética na sociedade atual, ajudando-nos a buscar novos paradigmas culturais e educacionais para a compreensão da Educação Infantil e sua especificidade no que se refere ao espaço de vida para as crianças, que está ficando cada vez mais padronizado e distanciado da estética da existência. Talvez possamos visualizar essa dimensão éticaestética como possibilidade de permear as partes negadas ou esquecidas da criança. É necessário que, quando se fale em Educação Infantil, se congregue um conceito de cultura que, além de encorajar os significados locais, considere igualmente como seus constitutivos, os sentimentos e as interpretações pessoais, sendo estes fundamentais para as crianças. Para Elzirik o que está em jogo neste contexto, é a ruptura com o conceito estático de infância, de conhecimento; é a necessidade de cruzar experiências, de compartilhar caminhos, de compreender a complexidade e a diversidade através da abertura de canais para o diferente. Um diferente que propicia a possibilidade da descoberta de coisas, pessoas, situações que não se imagina que sejam possíveis e que podem ser muito importantes para repensar a educação na infância. No entanto, este é um caminho que provoca insegurança, pela quebra das certezas, de normas aceitas universalmente e estáveis. Unidade 2 linguagem_e_infancia_I.indb 43 EIZIRIK, Marisa F. Por que a diferença incomoda tanto? <http://www. educacaoonline.pro. br/art_por_que_a_ diferenca.asp> 43 18/1/2007 09:58:37 Universidade do Sul de Santa Catarina A autora pergunta: quantas oportunidades se perdem de ampliar o conhecimento pelo apego ao já sabido? Quantas possibilidades de imaginação são desvalorizadas por conta da censura prévia do que é proibido? Quantos mecanismos disciplinares são utilizados na Educação Infantil que interferem naquilo que é esperado, nos limites inscritos nas regras que tiveram origem em outros tempos? A autora diz, ainda, que deveríamos aproveitar as artes da cultura infantil, perseguindo um determinado objetivo, apostando naquilo que se acredita e, com isso, conseguir abrir espaços possíveis, ou seja, ir onde ninguém está esperando, penetrar em lugares desconhecidos, surpreender e ao mesmo tempo surpreender-se com essas novas transformações. Trabalhar com a criança é estar também neste lugar incerto, reconstruindo-se a todo o momento, isto é, utilizando-se do desafio da dificuldade como potência para a construção de novas realidades do ensino e de aprendizagem infantil. As crianças se expressam pelo olhar, pelo toque, pelas múltiplas linguagens, pelo corpo, até mesmo pela não expressividade. Sendo a cultura infantil plural, e estando a ela atrelado contextos sócio-culturais diferenciados, não basta que se diga que sendo criança se produz cultura infantil. Há que se relativizar a criação das culturas infantis em detrimento de serem próprias de infâncias e contextos diversificados. Para você conhecer mais a esse respeito acesse: COUTINHO, Ângela M. S. Infância e diversidade: as culturas infantis.htpp:/ced.ufsc. br/nee0a6/.pangela.PDF. Sendo assim, a partir do momento que se pensa a Educação Infantil pelos saberes próprios da criança, necessita-se buscar produzir esforços de aproximar nossas percepções às suas múltiplas expressões, produzindo conhecimentos que legitimem uma Pedagogia mais coerente com essa faixa etária, ou seja, que respeite seu direito de viver a sua infância plenamente. Neste sentido, a cultura da infância nos obriga a rever os discursos de verdade apresentados pelo pensamento racional, a intolerância das práticas pedagógicas discriminatórias, a considerar as possibilidades de transitar entre as singularidades e a coletividade de forma menos desigual. 44 linguagem_e_infancia_I.indb 44 18/1/2007 09:58:37 Linguagem e infância I Seção 2 - A convivência grupal e a liberdade de expressão na infância A subjetividade da criança é constituída na convivência com determinadas condições e possibilidades de uma série de discursos institucionais: a família, a escola, a mídia em suas diferentes formas. Essa captura gera imagens, sensações, pensamentos, produzidos pelas conexões com as instâncias afetivas, cognitivas, sensitivas, perceptivas que se tornam visíveis através das diversas maneiras através das quais as crianças se expressam. Neste contexto, a relação da criança é, pois, sempre ligada a determinados contextos sócio-culturais. Implica num vínculo com a realidade que é construída através de uma dimensão ao mesmo tempo pessoal e social. Estimular tal relação implica em problematizar as suas ações, procurando transmitir significados que possam suscitar uma comunicação mais expressiva através das experiências de convivência grupal. De acordo com Guattari, cada indivíduo, cada grupo social, veicula seu próprio sistema de modelização da subjetividade, quer dizer, uma certa cartografia feita de demarcações cognitivas, mas também míticas, atuais, sintomatológicas, a partir da qual se posiciona em relação a seus afetos. PERUZZO, Rosária S. Subjetivação na infância: multiplicidades de percursos? de trajetos e devires? Peruzzo <http://168.96.200.17/ar/ libros/anped/2005T.PDF> A participação da criança como membro de um grupo social é importante, portanto, para explorar a sua imaginação, memória e experiências. Dentro do princípio de interação social na formação da criança, destacamse os aspectos de troca, de cooperação, de participação e ajuda mútua, pois desenvolvem o seu pensamento e linguagem, assim como as suas relações afetivo-emocionais. Conforme Deleuze (1988), as crianças estão em constante busca e exploração dos meios que a cercam. Elas demonstram sua aceitação ou rejeição do que lhes é apresentado ao se expressarem, deslizando entre falas, fantasias e afetos. Estão sempre em movimento e a experimentar Unidade 2 linguagem_e_infancia_I.indb 45 Fonte: <http://www. marianamassarani. blogger.com.br> 45 18/1/2007 09:58:38 Universidade do Sul de Santa Catarina novos jeitos e formas de relações. Estes tipos de experiências são essenciais ao desenvolvimento das crianças como possibilidade de expressão de seus desejos. As crianças não só recordam ou imitam o mundo dos adultos, mas dele se apropriam criativamente, dando-lhe outro sentido, outra lógica para os relacionamentos que vivem. A imaginação, o brinquedo, a fantasia do real, por exemplo, são formas próprias do modo de ser da criança que não podem ser deixados de ser desenvolvidos. Para Benjamin (1984), as crianças estão ligadas ao mundo muito mais do que pensamos, ou seja, captam sua essência, se sentem atraídas pelas atividades dos adultos, sem deixar de criar um mundo simbólico que alimenta seu imaginário. Elas pensam muito mais com o sentimento, seguem seus desejos; já os adultos, procuram sempre a racionalidade do pensamento e do comportamento. A máscara do adulto impede e desencoraja a ousadia das novas experiências, enquanto que as crianças, em seus processos de vivenciar a vida, estão sempre dispostas a novas tentativas. Elas vivenciam as coisas em grupo com o espírito repleto de sensibilidade, sonhos e desejos de conquista que afloram em seus pensamentos. O desenvolvimento da criança, portanto, se dá a partir das suas constantes interações com o meio social em que vive. Assim, o seu desenvolvimento depende em grande parte do aprendizado que ela realiza num determinado grupo social, a partir das interações com os outros indivíduos. Precisamos dar relevo particular à forma como a criança entra em relação com as outras, definindose um conjunto de atitudes que podem facilitar o processo de comunicação. A qualidade de relação que se estabelece do educador para com a criança, influencia não só o nível de qualidade da aprendizagem, como também o seu próprio desenvolvimento. 46 linguagem_e_infancia_I.indb 46 18/1/2007 09:58:38 Linguagem e infância I A criança que for impedida de fazer suas experiências e que não tiver qualquer oportunidade de cometer seus próprios erros não estará vivendo plenamente. Trata-se de uma forma que a levará a ter a possibilidade de criar, de explorar formas de relações consigo e com os outros, trocas de experiências, interrelações sociais e individuais facilitando novas aprendizagens. As aprendizagens que as crianças adquirem estabelecem conexões com múltiplos meios e contêm o que acontece com cada um e entre os componentes do grupo. Isso oportuniza o surgimento do novo, do criativo, do impensável. A convivência grupal facilita, portanto, o trânsito daquilo que se encontra bloqueado na criança e cria maneiras e liberdades de expressão diferenciadas. Além disso, as relações grupais podem provocar movimentos e modificações de valores, proporcionando o afetar e ser afetado, aproximando-a de novas situações. Conforme Rolnik, a palavra “afetar” não significa afeto/ afetivo e sim vibração/potência, que se refere ao afetar como potencialização do interesse e do esforço para aprender. A autora diz, ainda, que este afeto é “vibrátil”, ou seja, uma vibração que é uma força, uma potência que se abre para todos os tipos de relações. Uma nova realidade sensível, manifestação da plenitude da vida em sua potência de diferenciação. Aquilo que nos afeta atinge não apenas os “territórios visíveis”, mas também o “corpo vibrátil”, primeira instância propulsora de desejos, força incontrolável em que a passagem destes “afetos” acontecem. Se o adulto souber observar e intervir junto à criança a partir da lógica do afetar e ser afetado por meio da atividade lúdica, descobrirá explorações possíveis e terá mais facilidade para perceber que a descoberta e o desafio de criar e pensar o novo pode permitir que a ela se desenvolva de forma prazerosa. O desafio que se coloca é, pois, um convite para conhecermos melhor a criança, sua subjetividade, seu modo de subjetivação, suas habilidades, seus hábitos e potencialidades. Mas talvez, para isto, necessitemos desenvolver novos modos de olhar a infância, de aprendermos aquele que nos olha e nos interpela, tal qual se refere Guattari (1992), não priorizando as Unidade 2 linguagem_e_infancia_I.indb 47 SÁ, Raquel Stela de. Do Corpo disciplinar ao Corpo Vibrátil, Rio de Janeiro: achiamé, 2003. Fonte: <http://www. medicina.ufmg.br/down> 47 18/1/2007 09:58:38 Universidade do Sul de Santa Catarina causas, mas sim como se compõem os trajetos, os movimentos, o devir daquilo que estamos observando. Trata-se de analisarmos como acontecem as ações, as invenções, as criações das mesmas para que, desta forma, possamos propor uma intervenção que se aproxime das suas necessidades e realidade. Seção 3 - Infância e a imagem do Outro No livro Imagens do Outro, de Larrosa e Lara (1998), apresenta-se a infância e seus sujeitos enquanto “o Outro de nossos saberes” perante o qual devemos nos colocar em posição de escuta; as crianças enquanto aquelas que apresentam seus sentimentos, idéias, desejos e expectativas, sendo capazes de expressá-los desde que haja quem os queira escutar. Existem realidades sociais que só sob o ponto de vista das crianças e de seus universos específicos podem ser compreendidas e analisadas. Para ser convidado por elas para entrar em seus universos específicos e sobre eles conversar sem medo ou angústias, faz-se necessária uma cumplicidade, um certo jogo de olhares e significados comuns. Tomando as crianças enquanto o Outro, instaura-se o desafio de redirecionar o olhar, rompendo com as perspectivas pelas quais culturalmente aprendemos a enxergá-las: incompletas, sem fala, naturais e inocentes. A percepção da criança enquanto “Outro” é o reconhecimento desta enquanto singularidade que é completa em si mesmo, pertencente a um tempoespaço geográfico, social, cultural que consolida uma sociedade específica, onde são criadoras de história e cultura. Larrosa e Lara (1998) explicam que, na construção desse outro modo de ver a criança, é necessário apreender a imagem do Outro não como a imagem que olhamos, mas como a imagem que nos olha e nos interpela. Salientam que na educação como 48 linguagem_e_infancia_I.indb 48 18/1/2007 09:58:39 Linguagem e infância I fabricação, como realização do possível, somos nós que definimos a infância, que decidimos como ela é, o que falta para ela, de que ela necessita, quais são as suas carências e suas aspirações. A intenção destes autores é a de minar essa perspectiva através do procedimento de inverter a direção do olhar: a infância não como aquilo que olhamos, senão como aquilo que “nos olha” e “nos interpela”. A infância entendida como o Outro que nasce e que é aquilo que, ao olharmos, nos coloca em questão, tanto em relação àquilo que somos, quanto em relação a todas essas imagens que construímos para classificá-la, excluí-la, para nos protegermos de sua presença incômoda, para melhor controlá-la em nossas instituições, para educá-la como fomos educados. A atenção ao desenvolvimento da infância talvez permita a emergência de outra forma de pensamento na educação e outro tipo de prática educativa mais condizente com esta etapa de vida. Os adultos precisam olhar para as crianças com outra visibilidade. Elas são um Outro, mas nós os adultos não as reconhecemos como tais. Procuramos muitas vezes estudá-las para apropriar-nos da sua diferença, cooptar suas idéias para sistematizá-las. Ao olhá-las, normalmente aceitamos nelas o que aceitamos em nós mesmos e odiamos nelas o que odiamos em nós mesmos. Ao produzirmos as suas subjetividades, pretendemos que elas sejam como nós somos, ou no melhor dos casos, como desejamos que sejam. Normalmente não sabemos o que olhar e como olhar a infância. Segundo Souza e Pereira (1998), a questão do olhar torna-se fundamental para retomarmos o tema da alteridade: o olhar convoca nossa dimensão ética na relação com o Outro. De acordo com estas autoras, ao reconhecer a diferença no “Outro”, recuperamos a dignidade de nos reconhecermos nos nossos limites, nas nossas faltas, na nossa incompletude permanente. Reavivar ou até mesmo construir a dimensão ética na relação com o Outro de pouca idade e tê-la Unidade 2 linguagem_e_infancia_I.indb 49 49 18/1/2007 09:58:39 Universidade do Sul de Santa Catarina como um pressuposto de estudo pode ser entendido também como cuidado em não as colocar em situação em que seus valores de vida sejam desqualificados, valorizando seus universos culturais. Na verdade, os adultos se preocupam em conhecê-la, adequála, moldá-la e, desse modo, não conseguem compreendê-la. Contudo, apesar de nossa presença direcionando a vida da criança, a infância segue sendo um Outro, aquilo que “[...] inquieta a segurança de nossos saberes, questiona o poder de nossas práticas e abre um vazio em que se abisma o edifício bem construído de nossas instituições de acolhimento” das crianças.(LARROSA e LARA (orgs.), 1998, p.230). Quer o adulto reconheça ou não, a infância é diferente, ela nos mostra isso na sua linguagem, ela é radical, absoluta e irredutivelmente diferente do mundo adulto. Essa perspectiva que procura fazer com que os educadores reflitam sobre a criança que extrapola os limites do já previsto pelas ciências que dela se ocupa, que a percebe enquanto Outro, é sem dúvida algo em construção. A interação solicita dos educadores o aprendizado da escuta, o que só é possível fazer quando se reconhece o Outro como sujeito de aprendizagem, quando não se discrimina, quando se está aberto a aprender com ele. Somente escutando é que aprendemos a falar com o Outro, e não para o Outro. Larrosa instiga-nos ainda a “escutar mais devagar”, o que significa uma ruptura, uma transgressão em nossa sociedade com a velocidade de informação. Para o autor, “uma pessoa que não é capaz de se pôr à escuta cancelou seu potencial de formação e de transformação”. Escutar é um aprendizado que nos convida a ter menos certezas; que implica em amor ao outro e a si próprio; em abertura ao desconhecido, ao imprevisível, a termos uma relação mais lúdica conosco e com o Outro. A atenção ao jeito de olhar do Outro pode permitir a construção de uma nova forma de pensamento e de outro tipo de prática social. 50 linguagem_e_infancia_I.indb 50 18/1/2007 09:58:39 Linguagem e infância I Na concepção deste autor, a aparição da novidade radical relaciona-se ao inesperado que interrompe toda a expectativa; o acontecimento imprevisto que não pode ser tomado como conseqüência de nenhuma causa e que não pode ser deduzido de nenhuma situação anterior; o que, longe de se inserir nos esquemas de percepção que funcionam em nosso mundo, colocaos radicalmente em questionamento. É preciso olhar a criança enquanto Outro de nossos saberes, enquanto seres que se expressam criativamente, que reproduzem e criam cultura, que interpretam as coisas do mundo de maneira própria e que se movimentam com maestria entre a realidade e a fantasia, percebendo isto como algo positivo do e no seu viver, desconstruindo as práticas pedagógicas que consideram a infância como um tempo de preparação para o futuro. E para isto, talvez possamos começar por inverter a direção do olhar dos educadores, problematizando suas certezas para então poder escutar e receber as crianças, abrindo um espaço em que aquele que vem possa habitar; pôr-se à disposição sem pretender reduzi-lo a nossa lógica. (LARROSA, 2003). Unidade 2 linguagem_e_infancia_I.indb 51 OLIVEIRA, Alessandra M. R. de. Entender o outro (...) exige mais, quando o outro é uma criança: reflexões em torno da alteridade da infância no contexto da educação infantil. <http:// www.anped.org.br/25/ alessandrarottaoliveirat07. rtf > 51 18/1/2007 09:58:40 Universidade do Sul de Santa Catarina Atividades de auto-avaliação Efetue as atividades de auto-avaliação e, a seguir, acompanhe as respostas e comentários a respeito. Para melhor aproveitamento do seu estudo, realize a conferência de suas respostas somente depois de fazer as atividades propostas. 1) Analise como a criança pode tornar-se criadora de história e cultura. 52 linguagem_e_infancia_I.indb 52 18/1/2007 09:58:40 Linguagem e infância I 2) Explique o que Elzirik quer dizer quando se pergunta: quantas oportunidades se perdem de ampliar o conhecimento pelo apego ao já sabido? Quantas possibilidades de imaginação são desvalorizadas por conta da censura prévia do que é proibido? Quantos mecanismos disciplinares são utilizados na Educação Infantil que interferem naquilo que é esperado, nos limites inscritos nas regras que tiveram origem em outros tempos. Unidade 2 linguagem_e_infancia_I.indb 53 53 18/1/2007 09:58:40 Universidade do Sul de Santa Catarina 3) Identifique como se dá a convivência grupal e a liberdade de expressão na Infância. 4) Organize uma relação de argumentos favoráveis para reavivar a dimensão ética na relação com o Outro – a criança, agrupando-os em ordem de prioridade. 1. 2. 3; 4. 5. 54 linguagem_e_infancia_I.indb 54 18/1/2007 09:58:40 Linguagem e infância I Síntese Nesta unidade você teve a oportunidade de estudar o conceito de cultura enquanto ato de criação, enquanto um conjunto de significados estabelecidos entre os homens, utilizando-se de relações intermináveis que expressam uma forma de ver, sentir e relacionar-se com a vida. Em especial, você viu que a cultura é um campo em torno da formulação e da fi xação de significados sobre a formação das subjetividades É uma forma social e histórica de existência, constituída por discursos de verdade sustentados por idéias, atitudes, sentimentos, linguagens, proposições morais, relações e desejos. Viu também que trabalhar com a criança é estar inserido nesta cultura, neste lugar incerto, reconstruindo-se a todo o momento. Para isto, o educador precisa enfrentar os desafios de construir novas realidades de ensino e de aprendizagem, onde as crianças estejam em constante busca e exploração dos meios que as cercam, expressando suas falas, fantasias e afetos. Então, veja bem: a importância da participação da criança como membro de um grupo social possibilita a exploração da sua imaginação, memória e experiências. Ocorre a partir das suas constantes interações com o meio social em que vive. Se ela for impedida de fazer suas experiências e se não tiver oportunidade de cometer seus próprios erros, não estará vivendo plenamente. O desafio que se coloca então neste tipo de trabalho é conhecermos melhor a criança, sua subjetividade, seu modo de subjetivação, suas habilidades, seus hábitos e potencialidades, desenvolvendo novos modos de olhá-la com outra visibilidade, convocando a dimensão ética na relação com o Outro. No entanto, a interação exige por parte dos educadores o aprendizado da escuta, o que só é possível fazer quando se reconhece o Outro como verdadeiro sujeito de aprendizagem. Unidade 2 linguagem_e_infancia_I.indb 55 55 18/1/2007 09:58:40 Universidade do Sul de Santa Catarina Saiba mais Se você quiser saber mais sobre a infância e a diversidade cultural, sugiro que consulte: ALVES, L. R. A escola: centro de memória e produção de comunicação/cultura. São Paulo: FAPESP, 1999. CASTRO, Lucia Rabello de (org.). Crianças e jovens na construção da cultura. Rio de Janeiro: RJ-NAU editora/ FAPERJ, 2001. COUTINHO, Ângela Maria Scalabrin. Infância e diversidade: as culturas infantis. http://www.ced.ufsc.br/~nee0a6/pangela. PDF. DANTAS, H. A Infância da razão. São Paulo: Manole, 1990. PERROTTI, E. Infância, Cultura e Leitura. In: Confinamento Cultural, Infância e Leitura. São Paulo: Summus, 1990. SOUZA, Solange Jobim (org.). Subjetividade em questão. A infância como crítica da cultura. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2000. 56 linguagem_e_infancia_I.indb 56 18/1/2007 09:58:40 UNIDADE 3 A infância e as diferentes linguagens 3 Objetivos de aprendizagem Compreender as linguagens e experiências das crianças na Educação Infantil. Analisar as teorias das Inteligências Múltiplas proposta por Gardner. Estudar os diversos tipos de inteligência e sua contribuição para o desenvolvimento da criança. Perceber a importância das múltiplas linguagens para a Educação Infantil. Seções de estudo Seção 1 Infância: suas linguagens e experiências Seção 2 A Teoria das Inteligências Múltiplas Seção 3 Os tipos de Inteligência Seção 4 A Teoria das Inteligências Múltiplas e a Educação linguagem_e_infancia_I.indb 57 18/1/2007 09:58:40 Universidade do Sul de Santa Catarina Para início de conversa Como você já viu na unidade anterior, a primeira infância é, sem dúvida, um período de grande importância para o desenvolvimento e formação do ser humano. É onde as relações afetivas e cognitivas propiciam amadurecimento emocional e vão, pouco a pouco, construindo a personalidade das crianças. Uma vivência negativa neste período poderá resultar em danos irreparáveis no desenvolvimento da sua personalidade. Portanto, a vivência de problematização, durante este período, deve ser variada e mais completa possível. O que se pode perceber é que a criança, através de suas múltiplas linguagens, pode exercitar a manipulação e exploração dos objetos, compondo e decompondo-os, designando-lhes um espaço e uma função, dramatizando suas próprias relações, exprimindo, desta forma, suas necessidades e expectativas de aprendizagem. Estas linguagens propiciam uma forma de desenvolver a capacidade de engajar-se, de manter-se ativo e participante em todo o processo educativo. É se comunicando de várias maneiras que ela vai aprendendo a ser um indivíduo capaz de participar da vida em sociedade. A utilização dos diversos tipos de linguagens propicia à criança o “aprender-fazendo,” que pode se dar através de atividades lúdicas desafiadoras que exijam a sua participação ativa. Uma das funções do educador, portanto, se traduz em problematizar, lançar desafios para que as crianças tenham a oportunidade de pensar, analisar, formar conceitos e buscar novos caminhos, desenvolvendo, assim, novas cadeias de aprendizagem. E, para desenvolver essas habilidades, é necessário que desde a Educação Infantil as crianças sejam desafiadas a resolver problemas em situações planejadas e orientadas pelo educador, cuja postura de envolvimento é necessária para que se facilite o processo de ensino e aprendizagem infantil. 58 linguagem_e_infancia_I.indb 58 18/1/2007 09:58:40 Linguagem e infância I Seção 1 – Infância: suas linguagens e experiências Nesta seção você vai participar de uma discussão sobre a questão da infância em relação às linguagens e experiências, remetendo umas às outras, ou seja, na infância o ser humano se constitui como indivíduo na linguagem, através da experiência. Agamben (2001) salienta que a infância é ausência e busca de linguagem, já que é na infância que se dá essa descontinuidade humana, onde se produz a passagem da língua à palavra, do sistema de sinais ao discurso. Para o autor, é na infância que cada ser humano se apropria da linguagem e faz do sistema de sinais adquirido um discurso com sentido. Sendo assim, a infância, carente de linguagem, é também sua condição de emergência. E não há universalidade da linguagem, mas sim um concurso de dialetos, de patoás, de gírias, de línguas especiais. [...] A língua é, segundo uma fórmula de Weinreich, uma realidade essencialmente heterogênea. Portanto, é impossível pensar em uma língua-mãe, mas somente em uma tomada de poder por uma língua dominante dentro de uma multiplicidade política. (DELEUZE & GUATTARI, 2004, p.16). De modo que a unidade de uma língua é sempre inseparável da construção de uma cultura, de uma questão política. A língua se forma e se estabiliza em torno de uma cultura, de uma coletividade. Deleuze e Guattari (2004) acreditam que a linguagem se cria e cria mundos, aponta perigosamente para a contingência dogmática do ser no mundo. Isso quer dizer que a linguagem dos textos pode corromper seus significados tradicionais, criar novos contextos e permitir novas leituras, em um processo contínuo. Você vai perceber então que sempre que falamos em infância nos remetemos também à experiência. A experiência é a diferença entre o aspecto lingüístico e o humano, entre aquilo que é dado e o que é aprendido, entre o que temos e o que não temos ao nascer. Unidade 3 linguagem_e_infancia_I.indb 59 59 18/1/2007 09:58:41 Universidade do Sul de Santa Catarina Deste modo, o ser humano não está determinando de antemão, ele é o que constitui a experiência, o que a torna possível. É na experiência, na infância como experiência, que o ser humano inicia a sua constituição como ser histórico. Neste momento, vou me servir das análises de Larrosa (2001) para que você compreenda e possa problematizar melhor o conceito de experiência. Segundo este autor, a experiência é aquilo que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece ou o que toca. Sendo assim, a experiência é aquilo que invoca travessia e perigo ao sujeito que a vive, ficando exposto aos riscos de suas incertezas. A experiência é, neste sentido, aquilo que padecemos ligado a nossa existência contingente e pessoal. É algo a que damos sentido e que é irrepetível. É uma ética e uma estética, um estilo, uma atitude, onde ninguém pode aprender da experiência do outro. Não serve para gerar no outro qualquer experiência, posto que se trata apenas da descrição de algum experimento. Como nos ensina Larossa (2001), em educação estamos quase sempre acelerados e nada nos acontece. Superar esta realidade, requer um ato de desprendimento, ousadia e coragem daqueles que estão envolvidos com a educação para fazer diferentemente do que fazem. Isto requer estar disposto a colocar em dúvida discursos de verdade e passar pelo incômodo de se ver num espaço de caos, se ver perdido, mas ao mesmo tempo com os sentidos renovados, tornando-se mais ousados, enfrentando os perigos daquilo que se apresenta. Então, veja bem: quem vive a experiência se define não por sua atividade, mas por sua disponibilidade, por sua abertura ao mundo. É essa possibilidade de se abrir ou se expor que a criança enfrenta quando se coloca como sujeito da experiência. A reflexão exige um espaço onde possa haver trocas de experiências e de críticas sobre os sentidos que damos ao que nos aconteceu. Larossa (2001) diz que a experiência é o que nos passa, o relato é um dos modos privilegiados de dar um sentido narrativo a isso 60 linguagem_e_infancia_I.indb 60 18/1/2007 09:58:41 Linguagem e infância I que nos passa, e o sujeito da experiência, convertido em sujeito do relato, é o autor, o narrador é o personagem principal desta trama de sentido ou de sem-sentido que construímos com nossa vida e que, ao mesmo tempo, nos constrói. Para este autor, o relato da experiência é uma forma que o sujeito da experiência, transformado em sujeito do relato, encontra para expressar seus sentidos para o que lhe ocorreu. Narrar um acontecimento privilegia, assim, a possibilidade de significar e dar sentido a uma experiência vivida. Uma experiência que não pode ser antecipada, não tem a ver com o tempo linear, esse tempo em que nada nos passa, senão com o acontecimento do que não se pode prever, nem predizer, nem prescrever, diz respeito a um espaço intersticial. Larrosa (1999) diz que o espaço intersticial é o lugar das práticas não tuteladas pela segurança da verdade estabelecida e por aquilo que é pré-determinado. Afirma que é o lugar do perigo, “[ ] porque fora do mundo seguro da sala de aula, não valem as seguranças da verdade, da cultura, do saber, do sentido. Um lugar do perigo, do risco, do imprevisto, porque é um lugar marginal e habitado pela diversidade onde não é possível padronizar”. Perceba, então, que os espaços intersticiais onde acontecem as mudanças são espaços para a realização de projetos e de inovações no modo de fazer, no modo de agir, no modo de pensar. É nesse espaço que as crianças podem divagar. Unidade 3 linguagem_e_infancia_I.indb 61 61 18/1/2007 09:58:41 Universidade do Sul de Santa Catarina Seção 2 - A teoria das inteligências múltiplas As inteligências dormem. Inúteis são todas as tentativas de acordá-las por meio da força e das ameaças. As inteligências só entendem os argumentos do desejo: elas são ferramentas e brinquedos do desejo. Rubens Alves, em Cenas da Vida Você já conheceu pessoas que conseguem aprender com extrema facilidade coisas que outros consideram muito difíceis? O que acorre normalmente é que consideramos estas pessoas inteligentes, porque elas seguem os modelos de referência trazidos pelos discursos de verdade, julgando-as pelo que nos ensinaram. No entanto, não são poucas as vezes que nos deparamos com pessoas que têm certa deficiência em determinada área, tal como cálculo, memória ou execução musical e facilidade em outras, aumentando ainda mais as incertezas que temos sobre como deveríamos encarar o que é ser uma pessoa inteligente. Para que possamos compreender este processo, vamos nos reportar a um grupo de pesquisa que procurou estudar a questão em análise. Nos anos oitenta, Howard Gardner participou de um grupo, apresentando uma teoria que revolucionou os conceitos sobre a inteligência humana. Essa equipe de pesquisadores da Harvard Graduate School of Education realizou uma investigação sobre “A Natureza e Realização do Potencial Humano”. Esse grupo foi treinado principalmente em psicologia do desenvolvimento, assumindo um empreendimento de escrever um trabalho sobre aquilo que fora estabelecido nas ciências humanas a respeito da natureza da cognição humana. Neste contexto, foram investigadas várias populações, incluindo crianças que apresentavam perfis cognitivos irregulares – perfis difíceis de explicar nos termos de uma visão unitária de inteligência. A partir desta pesquisa, Gardner apresenta em seu livro “Estruturas da Mente” a Teoria das Inteligências Múltiplas, como uma forma de analisar as capacidades cognitivas de um ser humano. Ele descreve o desenvolvimento cognitivo como uma capacidade cada vez maior de entender e expressar significado em vários sistemas simbólicos utilizados num contexto cultural, 62 linguagem_e_infancia_I.indb 62 18/1/2007 09:58:41 Linguagem e infância I sugerindo que não há uma ligação necessária entre a capacidade ou estágio de desenvolvimento em uma área de desempenho e capacidades ou estágios em outras áreas ou domínios. Para ele, num plano de análise psicológico, cada área ou domínio tem seu sistema simbólico próprio; num plano sociológico de estudo, cada domínio se caracteriza pelo desenvolvimento de competências valorizadas em culturas específicas. A partir da visão do autor, todos os indivíduos considerados “normais” são capazes de uma atuação em diferentes tipos de inteligência, até certo ponto independentes. Ele sugere que não existem habilidades gerais, duvida da possibilidade de se medir a inteligência através de testes e dá grande importância a diferentes atuações valorizadas em culturas diversas. Demonstra que as demais faculdades também são produtos de processos mentais, e que não há motivo para diferenciá-las das questões lógicas. Desta forma, amplia o conceito de inteligência que, em sua opinião, pode ser definida como a capacidade de resolver problemas ou elaborar produtos valorizados em um ambiente cultural ou comunitário. A Teoria das Inteligências Múltiplas, proposta por Gardner é, pois, uma alternativa para o conceito de inteligência que permite aos indivíduos uma performance maior ou menor em qualquer área de atuação, através da avaliação das atuações de diferentes profissionais em diversas culturas, e do repertório de habilidades destes na busca de soluções, culturalmente apropriadas para os seus problemas. Nas suas pesquisas, este autor estudou também o desenvolvimento de diferentes habilidades em crianças normais e crianças superdotadas; adultos com lesões cerebrais que não perdem a intensidade de sua produção intelectual, mas sim uma ou algumas habilidades, sem que outras sejam sequer atingidas. Uma criança pode ter um desempenho precoce em uma área e estar na média ou mesmo abaixo da média em outra. Levando em conta as idéias de Gardner (1994), surgiram inúmeras metodologias educacionais que procuram trabalhar com a pluralidade das inteligências presentes no indivíduo. Unidade 3 linguagem_e_infancia_I.indb 63 63 18/1/2007 09:58:41 Universidade do Sul de Santa Catarina Algumas dessas metodologias trazem consigo versões diferentes de como as inteligências devem ser educadas. Segundo o autor, as inteligências funcionam juntas para resolver problemas, para produzir vários tipos de estados finais culturais, passatempos; e o propósito das instituições escolares deveria ser o de desenvolver as várias inteligências, ajudando as pessoas a atingirem objetivos de conhecimentos adequados ao seu tipo de inteligência. As pessoas que são ajudadas a fazer isso se sentem mais engajadas e competentes, e, portanto, mais inclinadas a se desenvolverem socialmente. Sendo assim, você que vai trabalhar com a Educação Infantil deve considerar um passo importante para a prática pedagógica que é reconhecer a pluralidade das inteligências e as muitas maneiras pelas quais as crianças podem desenvolvê-las, influenciando de maneira significativa a forma de trabalhar, de se relacionar, de ensinar e aprender. Veja sobre esta questão em: CABRAL, Marcelo. A Teoria das Inteligências Múltiplas. <http:// www.rehagro.com.br/siterehagro/ publicacao.do?cdnoticia=344> Veja bem, se aceitarmos as idéias do autor, podemos concluir que todos os indivíduos, em princípio, têm a habilidade de questionar e procurar respostas, já que possuem certas habilidades básicas em todos os tipos de inteligência. A linha de desenvolvimento de cada inteligência, no entanto, pode ser influenciada, tanto por fatores genéticos e neurobiológicos, quanto por condições sócioculturais. De acordo com Cabral cada uma destas inteligências tem sua forma própria de linguagem, além de seu sistema simbólico. Estes sistemas estabelecem o contato entre os aspectos básicos da cognição e a variedade de papéis e funções culturais que o indivíduo desempenha na sociedade. Sendo assim, a noção de cultura é básica para a Teoria das Inteligências Múltiplas. Esta renega, pois, a possibilidade de medir a inteligência pelos métodos convencionais, principalmente com os famosos testes de Q.I. (quociente de inteligência). Os métodos convencionais medem as manifestações das competências lógico-matemático e lingüística, não dando conta de avaliar todos os outros aspectos. Gardner (1995) esclarece que um aspecto importante da avaliação das inteligências deve incluir a capacidade do indivíduo de resolver problemas ou criar produtos, utilizando os materiais do meio intelectual. No entanto, é igualmente importante 64 linguagem_e_infancia_I.indb 64 18/1/2007 09:58:42 Linguagem e infância I determinar qual inteligência é favorecida quando o indivíduo pode escolher. Este autor diz, ainda, que uma técnica para chegar a esta inclinação consiste em expor a pessoa a uma situação suficientemente complexa, capaz de estimular várias inteligências, ou oferecer um conjunto de materiais de diferentes inteligências, verificando qual deles o indivíduo escolhe e quão profundamente o explora. A Educação Infantil, neste contexto, deverá preocuparse menos em medir os conhecimentos e focalizar mais a aprendizagem, enfatizando o lado criativo da criança, dinamizando e enfocando os eventos em equipe, promovendo talentos individuais, incentivando e estimulando o seu desenvolvimento segundo seus ritmos, dando ênfase a sua capacidade de pensar e se expressar. Utilizar eventos em grupos, em que se compartilhe responsabilidades e respeito, usando elogios sinceros, atribuindo tarefas motivadoras de acordo com as habilidades e os talentos das crianças, são algumas formas de atividades que podem ser utilizadas na Educação Infantil. Gardner (1995) identificou as inteligências classificando-as de acordo com os seguintes tipos: lingüística, lógico-matemática, espacial, musical, corporal-cinestésica, interpessoal e intrapessoal. Ele identificou inicialmente sete inteligências, mas não considera este número definitivo, incluindo posteriormente mais três que chamou de Inteligência Pictográfica, Inteligência Naturalista e Inteligência Existencial ou Espiritual. Seção 3 - Os tipos de inteligência Para uma melhor compreensão, você verá nesta seção o quadro com os tipos de inteligências, seus conceitos e aplicações. Veja a seguir: Unidade 3 linguagem_e_infancia_I.indb 65 65 18/1/2007 09:58:42 Universidade do Sul de Santa Catarina Figura 1 – Inteligências Múltiplas, como definidas por Howard Gardner. 66 linguagem_e_infancia_I.indb 66 18/1/2007 09:58:42 Linguagem e infância I Agora que você já conheceu o quadro e tem uma idéia acerca dos diferentes tipos de inteligência apresentadas pelo autor, acompanhe a seguir seus conceitos e saiba um pouco mais sobre cada uma delas. 1 – Inteligência lingüística A linguagem é considerada um instrumento de mediação simbólica que caracteriza a espécie humana e é fundamental tanto nas trocas interpessoais, como na internalização dos processos constituídos nessas trocas. A língua materna é transversal a todo o currículo. Ela está presente em todas as disciplinas e, por conseguinte, as atividades sugeridas são pertinentes em qualquer disciplina. A língua materna está também presente em qualquer contexto da vida quotidiana. É na família que a criança começa a ter contacto com ela. De acordo com Gardner (2005) o conhecimento das características da fala materna e da criança em etapas iniciais do desenvolvimento e a identificação dos aspectos que podem colaborar para o desenvolvimento da linguagem infantil são de especial relevância para a Educação. A linguagem é entendida, nesta perspectiva, como comunicação e, portanto, é anterior ao surgimento da palavra. A linguagem oral se constitui no meio mais importante para o desenvolvimento da criança, pois é através da palavra que se manifesta a sua subjetividade, além de ser o meio que a criança encontra para expressar o seu pensamento. A linguagem é, pois, um processo histórico-cultural que se define nas relações sociais. Sendo assim, a interação comunicativa é fundamental para a formação do Eu, assim como também para que a criança construa saberes. A inteligência lingüística é a habilidade para usar a linguagem para convencer, agradar, estimular ou transmitir idéias. Os componentes centrais da inteligência lingüística são uma sensibilidade para os sons, ritmos e significados das palavras. Unidade 3 linguagem_e_infancia_I.indb 67 67 18/1/2007 09:58:42 Universidade do Sul de Santa Catarina O autor explica que essa é uma habilidade mais exibida pelos poetas. Salienta, também, que em crianças, esta habilidade se manifesta através da capacidade de relatar com precisão experiências vividas e para contar histórias originais. As pessoas com este tipo de inteligência mais desenvolvida têm muita sensibilidade para os sentidos das palavras e para a sua manipulação. Manifestam gosto pela leitura e pela escrita e comunicam-se bem oralmente, fazendo uma boa ligação das idéias, tendo ainda facilidade na sua transmissão. Veja bem, todo tema escolar deve se prestar a animados debates com a segura intervenção do educador, visando a locução e interlocução, sugerindo maior clareza nas idéias e ajudando as crianças a organizarem o seu pensamento através de expressão verbal. Qualquer tema pode abrigar desafios que podem ser trabalhados para o desenvolvimento deste tipo de inteligência. A partir destas explicações, pergunto: como você pode ajudar as crianças no desenvolvimento deste tipo de inteligência? Antunes (2002) propõe várias atividades que podem desenvolver este tipo de inteligência para adultos e crianças de diferentes idades: Contar histórias; Possibilitar jogos de palavras; Utilizar uma linguagem correta; Usar debates com intervenção do educador; Interpretar textos (analogias, trovas; manchetes contextualizadas) Motivar as pessoas a falar apoiando o seu trabalho; Demonstrar formas melhores de comunicação; Utilizar atividades como o painel aberto que convida o grupo a expor idéias; Ler alto para os alunos, com freqüência; 68 linguagem_e_infancia_I.indb 68 18/1/2007 09:58:42 Linguagem e infância I Incentivar as apresentações teatrais; Criar/desenvolver o gosto pela leitura; Propor a criação de fantasias que contextualizem temas; Estimular a criação de poemas e construção de paródias; Promover debates sobre temas de interesse dos alunos; Favorecer entrevistas, colhendo impressões, idéias, críticas e sugestões; Utilizar e criar dicionários; Favorecer a confecção de diário de campo, relatórios de observações e experiências; Incentivar a escrita de cartas, manifestos e folders; Promover correspondência com alunos de outras escolas. 2 – Inteligência lógico-matemática Números e raciocínio lógico são algo que agrada particularmente a quem possui uma inteligência lógico-matemática bem desenvolvida. Estas pessoas possuem o gosto pela interpretação e categorização dos fatos e da informação, através do cálculo, do raciocínio lógico e da busca de explicação para tudo. Sentem-se desafiadas perante problemas que envolvem raciocínio e procuram resolvêlos de forma metódica e persistente. Divertem-se resolvendo “quebra-cabeças” das revistas e dos jornais. Observe que os componentes centrais deste tipo de inteligência são descritos por Gardner (2005) como uma sensibilidade para padrões, ordem e sistematização. É a habilidade para explorar relações e categorias, através da manipulação de objetos ou símbolos. E a habilidade para lidar com séries de raciocínios, reconhecendo problemas para resolvê-los. É a inteligência característica de matemáticos e cientistas. Embora o talento científico e o talento matemático possam estar presentes num mesmo indivíduo, os motivos que movem as ações dos cientistas e dos matemáticos não são os mesmos. Unidade 3 linguagem_e_infancia_I.indb 69 69 18/1/2007 09:58:42 Universidade do Sul de Santa Catarina Enquanto os matemáticos desejam criar um mundo abstrato consistente, os cientistas pretendem explicar a natureza. A criança que possui aptidão para esse tipo de inteligência demonstra facilidades para trabalhar bem com resolução de problemas e para contar e fazer cálculos matemáticos. No entanto, é preciso que você perceba que os alunos entenderão melhor os números, as operações matemáticas e os fundamentos da geometria se puder torná-los palpáveis. Assim, é importante no trabalho com crianças a utilização de materiais concretos como moedas, pedrinhas, tampinhas, conchas, blocos, caixas de fósforos, fitas e cordões que estimulem o raciocínio abstrato das crianças. É importante também que ela aprenda a observar na natureza e nos temas descritos a presença de padrões de simetria e de formas geométricas. Para qualquer tema, o educador poderá inventar problemas que envolvam probabilidades ou mesmo uma interpretação de dados. A partir do que expomos anteriormente, questiono: Como você pode, a partir de sua formação de educador, ajudar as crianças no desenvolvimento deste tipo de inteligência? Antunes (2002) diz que há vários recursos e atividades que estimulam a inteligência lógico-matemática nas diversas faixas etárias, quais sejam: Invente problemas nos temas estudados; Desenvolva fórmulas diversas, explorando-as; Experimente propor diversas linhas do tempo, que envolvam a vida dos alunos; Use estratégias dos cochichos; Utilize mapas conceituais; Transforme textos em gráficos; 70 linguagem_e_infancia_I.indb 70 18/1/2007 09:58:43 Linguagem e infância I Faça com que as crianças observem o padrão de simetria e formas geométricas; Invente problemas que envolvam probabilidade e interpretação de dados. Use quebra-cabeças; Favoreça a utilização de jogos manipuláveis e on-line; Utilize diversos materiais manipulativos; Trabalhe com a categorização de fatos e de informação; Use analogias e pesquisas; Proporcione experiências de oficinas e laboratórios; Utilize mapas de idéias e mnemônicas. Os jogos, por exemplo, são formas lúdicas de desenvolver a inteligência lógico-matemática. Tarefas que envolvem abstração são do agrado de quem tem a inteligência lógico-matemática mais desenvolvida. As mnemônicas são palavras ou frases criadas com o objetivo de servirem de auxiliares de memória e que podem ser criadas pela própria criança. Os mapas de idéias são uma das várias formas possíveis de organizar graficamente a informação, articulando-a de forma lógica, constituindo-se em auxiliar na compreensão das matérias que se estuda e em revisões. 3 – Inteligência espacial Gardner (2005) descreve a inteligência espacial como a capacidade para perceber o mundo visual e espacial de forma precisa. É a habilidade para manipular formas ou objetos mentalmente e, a partir destas percepções, criar equilíbrio e composição. Explica que esta é a inteligência dos artistas plásticos, dos engenheiros e dos arquitetos. Em crianças da Educação Infantil, o potencial especial nesse tipo de inteligência Unidade 3 linguagem_e_infancia_I.indb 71 71 18/1/2007 09:58:43 Universidade do Sul de Santa Catarina é percebido através da habilidade, por exemplo, de manusear bem quebra-cabeças e jogos espaciais, com a especial atenção a detalhes visuais. A inteligência espacial refere-se à capacidade de perceber informações visuais ou espaciais, de transformar e modificar essas informações, e de recriar imagens visuais mesmo sem referência a um estímulo físico original. Nesse tipo de inteligência, inclui-se a capacidade de construir imagens. Tal inteligência também é usada por deficientes visuais, para encontrarem o caminho para casa, por exemplo, pois a inteligência espacial não depende da sensação visual propriamente dita. Gardner (2005) afirma que as populações cegas ilustram a distinção entre a inteligência espacial e a percepção visual, pois uma pessoa cega pode reconhecer formas ao passar a mão ao longo do objeto – tal método traduz a duração do movimento, que por sua vez é percebida no formato do objeto. Portanto, para a pessoa cega, o sistema perceptivo da modalidade tátil equivale à modalidade visual na pessoa que enxerga. O autor anteriormente citado diz, ainda, que além do desenvolvimento deste tipo de inteligência nas artes visuais, ela também é utilizada entre os geógrafos, cirurgiões e navegadores. Veja bem, a solução de problemas espaciais é necessária, por exemplo, na navegação e no uso do sistema de mapas. Outros tipos de solução de problemas espaciais são também convocados quando visualizamos um objeto de um ângulo diferente. As artes visuais também utilizam este tipo de inteligência no uso do espaço. Gráficos, imagens, diagramas, mapas de idéias, mapas de conceitos são bons auxiliares para a aprendizagem deste tipo de inteligência. As pessoas que têm mais desenvolvida esta inteligência gostam de desenhar, de elaborar esquemas, de fazer trabalhar com quebra cabeças, ler livros ilustrados, optando em usar com mais freqüência as cores. Os seres humanos mais visuais têm um senso artístico que faz com que tudo que criam pareça agradável aos olhos de quem observa. As atividades que podem ser mais proveitosas para estes tipos de inteligência, incluem a escultura e a criação de artes gráficas, associando-se a inteligência 72 linguagem_e_infancia_I.indb 72 18/1/2007 09:58:44 Linguagem e infância I verbal, descrevendo com detalhes ínfimos uma imagem – uma fotografia, por exemplo – inferindo com criatividade e provocando surpresas. O educador, para contribuir com este tipo de inteligência, pode propor para as crianças maiores qualquer ilustração e sua recriação em novos tamanhos e formas. A cartografia também pode ser usada, já que traz uma série muito expressiva de sinais convencionais. É interessante também a utilização de mapas conceituais para a exposição e síntese de idéias, e estes precisam ser criados alternando-se suas cores e até mesmo suas formas. Podemos citar como exemplo de atividades para este grupo de crianças maiores: fazer um mapa aéreo detalhado da sala, com a perspectiva de quem a vê de cima. Todos os objetos que se encontram na sala deverão ser listados, seja no próprio desenho ou num sistema onde se numeram os objetos e depois se faz a correspondência numa lista ao lado do desenho. O mesmo objeto não precisa ser “etiquetado” mais de uma vez. Antunes (2002) apresenta algumas propostas de atividades para este tipo de inteligência, e que deve ter seu início na educação infantil: Fazer com que a criança descubra a existência de linguagens novas; Construir textos ou equações numéricas em desenhos arquitetônicos (várias letras, formas, cores); Usar a recriação de textos e ilustrações (novas formas e tamanhos); Utilizar a cartografia com sinais convencionais, criando outros; Favorecer a descoberta dos sistemas gráficos e numéricos e seus usos em diferentes situações; Usar mensagens cifradas (artísticas e científicas); Proporcionar a pesquisa e descoberta em linguagens diferentes (cochichos vísio-espaciais); Utilizar mapas conceituais, alternando cores e formas; Unidade 3 linguagem_e_infancia_I.indb 73 73 18/1/2007 09:58:44 Universidade do Sul de Santa Catarina Desenvolver gincanas: associação do tema estudado com pinturas, desenhos, gráficos, esculturas; Construir carimbos. 4 – Inteligência musical Esta inteligência se manifesta através da habilidade para apreciar, compor ou reproduzir, por exemplo, uma peça musical. Relaciona-se com a discriminação de sons, habilidade para perceber temas musicais, sensibilidade de ouvir e reproduzir ritmos, texturas e timbre, e habilidade para produzir vários tipos de músicas. Note que a criança pequena com habilidade musical, por exemplo, percebe desde cedo diferentes sons no seu ambiente. Gardner et. al. (1998) dizem que a inteligência musical permite às pessoas criar, comunicar e compreender significados compostos por sons, componentes esses cruciais para a aprendizagem, incluindo o tom, ritmo e timbre (qualidade do som). Estes indivíduos apresentam alto grau de desenvolvimento da inteligência musical tais como os compositores, maestros e instrumentistas, assim como peritos em acústica e engenheiros de áudio. Gostam de cantar, ouvir, marcar ritmos e criar melodias. As pessoas com inteligência musical gostam de cantarolar, de entoar algum som. Mesmo com a boca fechada, elas procuram emitir sons criativos, diferentes, e apreendem com facilidade canções novas. Na verdade, o que se pode notar é que elas possuem um “ouvido musical”, ou seja, vêem e sentem sons em tudo. Podem não ser os melhores cantores ou músicos, mas possuem uma habilidade para interagir e entender os sons que as outras pessoas não possuem. Sua relação com o mundo ocorre através dos sons e ritmos sonoros. Essas pessoas se beneficiarão mais escrevendo letras e canções para músicas, tocando instrumentos para acompanhar seus trabalhos ou de outros, ou desenvolvendo projetos de multimídia. Enfim, são pessoas musicalmente inteligentes. Uma atividade interessante para este grupo é estimulá-lo a transformar textos, mensagens ou idéias em paródias, adaptandose os conteúdos com os quais se trabalha às músicas populares 74 linguagem_e_infancia_I.indb 74 18/1/2007 09:58:44 Linguagem e infância I com letras alteradas. Um concurso de trovas ou mesmo de textos em forma de rap pode animar pesquisas e desenvolver projetos que explorem linguagens diferentes para um mesmo tema. Os sons da natureza gravados podem abrigar cenários para excelentes fundos musicais extremamente válidos para ilustrar conteúdos de diferentes áreas. Tomando por base o trabalho de Antunes (2002), apresentamos algumas atividades para o desenvolvimento deste tipo de inteligência nas diversas faixas etárias: Estimular a transformação dos textos, mensagens ou idéias em paródias; Utilizar temas, eventos, descrição, abrigando formas diversificadas de apresentações sonoras; Propor a criação de músicas contextualizadas ao tema trabalhado; Incentivar a organização de apresentações com “fundo” musical para relatos de temas; Fazer um concurso de trovas envolvendo linguagens diferentes; Organizar um arquivo de fitas/CDs com efeitos sonoros para serem exploradas; Fazer a análise das linguagens dos instrumentos, inventando diálogos; Estimular as crianças nas relações entre a música e os fatos; Utilizar sucatas na confecção de instrumentos musicais; Organizar concursos, gincanas, coleções de “colagens” musicais; Favorecer redações que associem o áudio e o visual. Unidade 3 linguagem_e_infancia_I.indb 75 75 18/1/2007 09:58:44 Universidade do Sul de Santa Catarina 5 – Inteligência corporal-cinestésica Conforme Gardner (2005), este tipo de inteligência se refere à habilidade que as pessoas possuem para resolver problemas através da linguagem corporal. É a forma que utilizam para usar os movimentos corporais como as danças, os jogos, os esportes, as artes cênicas e a manipulação de objetos com destreza. A criança dotada da inteligência cinestésica se move com graça e expressão a partir de estímulos musicais, demonstrando uma grande habilidade motora. A inteligência corporal-cinestésica envolve o uso de todo o corpo ou de partes dele para resolver problemas ou criar produtos. Operações centrais associadas a essa inteligência consistem no controle sobre as ações motoras e a capacidade de manipular objetos externos. A cinestesia toma consciência da realidade através do movimento do corpo. A melhor forma de ter sucesso neste tipo de inteligência na educação infantil é aprender o que é ensinado com o seu próprio corpo, tais como: gestos, dramatizações, movimento, mímicas, exercícios físicos. Essa inteligência nos pontua pessoas inquietas, que não conseguem ficar sossegadas em seu lugar, não conseguem ficar sentadas por muito tempo. Simplesmente raciocinam melhor quando seus corpos estão em movimento, isto é, elas interagem melhor com o mundo através do contato manual e corporal. As pessoas que têm este tipo de inteligência desenvolvida adoram esportes, inventar, construir e dançar. São curiosas e procuram, na maioria das vezes, desmontar equipamentos e brinquedos para saber como funcionam. Eis alguns exemplos de profissionais com estas características: dançarinos, atletas profissionais, cirurgiões, mecânicos, construtores, e todos os tipos de artífices em todas as áreas. O que o educador pode fazer para trabalhar melhor com este grupo e combinar o uso de alguns signos gestuais como mensagens, informações e recados. 76 linguagem_e_infancia_I.indb 76 18/1/2007 09:58:45 Linguagem e infância I De acordo com Antunes (2002), o que vem acontecendo geralmente nas instituições de ensino é que se separa mente de corpo. O corpo que a escola nos faz ver é um corpo didático, rígido, como que um subproduto de aulas de anatomia. Se é o corpo o lugar em que as forças massificadoras forjam uma subjetividade de massa, é dele também que depende a criação de modos de vida até agora nunca experimentados, já que o corpo que obedece é o mesmo que conspira e que cria. Resistir passa pela luta contra uma subjetividade submetida, acostumada a repetir anos a fio. Apresentamos, a partir das idéias de Antunes (2002), alguns exercícios que podem contribuir para o desenvolvimento deste tipo de inteligência: Procurar envolver as crianças em simulações através da linguagem corporal; Usar atividades mímicas para desenvolver conteúdos tradicionais (signos gestuais, mensagens, informações); Motivar as crianças para utilização de teatralização ou representações gestuais, através de seqüências de movimentos; Proporcionar espaço para experiências com danças contextualizadas a temas curriculares diversos; Estimular gincanas, caça ao tesouro com objetivo de vencer etapas; Propor espaço para o estudo e confecção de mapas, projetos e jogos; Usar o alfabeto vivo com o corpo; Associar saberes a lances esportivos 6 – Inteligência interpessoal Esta inteligência pode ser descrita como uma habilidade para entender e responder a atitudes relativas a humores e desejos de outras pessoas. Ela é mais apreciada por psicoterapeutas, professores, políticos e vendedores bem sucedidos por meio Unidade 3 linguagem_e_infancia_I.indb 77 77 18/1/2007 09:58:45 Universidade do Sul de Santa Catarina da observação. A inteligência interpessoal se manifesta em crianças pequenas através da habilidade para distinguir pessoas. Demonstram muito cedo uma habilidade para liderar, uma vez que são extremamente sensíveis às necessidades e sentimentos de outros. Gardner (2005) diz que a inteligência interpessoal emprega capacidades centrais para reconhecer e fazer distinções entre os sentimentos, as crenças e as intenções dos outros. No início do desenvolvimento, essa inteligência é vista como a capacidade das crianças pequenas de discriminar entre os indivíduos de seu meio ambiente e perceber o humor dos outros. Em suas formas mais desenvolvidas, a inteligência interpessoal se manifesta na capacidade de compreender os sentimentos e atitudes dos outros, agir em função deles e moldá-los, para o bem ou para o mal. Em outras palavras, essa inteligência é a habilidade de relacionar-se com outros, dialogar com as pessoas próximas para um objetivo determinado, entender os sentimentos e as características pessoais dos outros. Na inteligência interpessoal, vamos detectar a criança que gosta de pensar através da troca de idéias com outras pessoas. Gosta de organizar, liderar, trabalhar em grupo, participar de acontecimentos sociais. São as pessoas conhecidas como os ajudantes “de plantão”. Gostam de dirigir grupos, de assistir a pessoas doentes e articular modos de ajuda. Gostam de “dirigir” tudo, mesmo que haja pressão ao contrário. São falantes, e apesar de às vezes cansar o ouvinte, falam bem, com lógica e muita criatividade. Se desconfiarem que estão cansando o ouvinte, inventam casos, histórias, piadas, dramas, psicodramas e até mentem saborosamente para provocar interesse pelo que falam – e depois enunciam que falaram mentira só para chamar a atenção da platéia, ou deixam a mentira correr se a meta foi alcançada, ou se o boato lhe traz “fama”. Assim, o inteligente interpessoal associa em si mesmo a inteligência verbal. Mas há casos de pessoas sem inteligência 78 linguagem_e_infancia_I.indb 78 18/1/2007 09:58:45 Linguagem e infância I verbal acentuada, que se desenvolvem através do aspecto interpessoal – uma capacidade de lidar com o outro, de ensinar-lhe, de obter benefícios através dos contatos humanos etc. Conseguem o melhor de si quando podem defender suas idéias. Utilizam suas idéias para ajudar os amigos a resolverem problemas. Relacionam-se melhor com o mundo através de suas interações com os outros e um entendimento de como as pessoas trabalham em grupo. As atividades onde têm melhores resultados são aquelas em equipes esportivas, grupos de discussões e organização de eventos. A contextualização de notícias da televisão ou dos jornais para assuntos do cotidiano pode abrir interessantes explanações sobre sentimentos e emoções. Os alunos podem ser estimulados a criar seus diários emocionais e, ainda que os mantenham “secretos”, sua validade como meio de autoconhecimento é indiscutível. Sugerimos, a partir das idéias de Antunes (2002), estratégias e sugestões para utilização do desenvolvimento deste tipo de inteligência: Utilizar as discussões onde ora professor, ora os alunos sejam expositores e observadores; O professor deve dispor de casos para seu estudo e discussão; O professor precisa estabelecer novas perspectivas para temas (alunos sejam criadores); Utilizar a contextualização de notícias da TV ou jornais para assuntos cotidianos; Envolver os alunos em campanhas filantrópicas e projetos ambientais; Valorizar bons exemplos, envolvendo pesquisas sobre pessoas conhecidas na comunidade; Organizar debates sobre problemas comunitários. Unidade 3 linguagem_e_infancia_I.indb 79 79 18/1/2007 09:58:45 Universidade do Sul de Santa Catarina 7 – Inteligência intrapessoal Este tipo de inteligência é a habilidade para ter acesso aos próprios sentimentos, sonhos e idéias, lançando mão deles na solução de problemas pessoais. É o reconhecimento de habilidades, necessidades, desejos e inteligências próprias; capacidade para formular uma imagem precisa de si e a habilidade para usá-la. Como esta inteligência é a mais pessoal de todas, ela só é observável através dos sistemas simbólicos das outras inteligências, ou seja, através de manifestações lingüísticas, musicais ou cinestésicas, entre outras. A Inteligência intrapessoal relaciona-se com a noção que o indivíduo tem dos próprios sentimentos, referindo-se à capacidade de auto-conhecimento que ele possui. Gardner (2005) vê essa inteligência como se desenvolvendo a partir de uma capacidade de distinguir o prazer da dor e de agir em função dessa discriminação. Segundo este autor, em seu nível mais avançado, a inteligência intrapessoal consolida uma discriminação dos próprios sentimentos, intenções e motivações, que traz um elevado nível de autoconhecimento semelhante àquele utilizado pelas pessoas mais velhas quando tomam uma decisão importante, ou ao aconselharem outros indivíduos de sua comunidade. O autor também enfatiza o papel desempenhado por essa inteligência para permitir que os indivíduos construam um modelo acurado de si mesmos e utilizem esse modelo para tomar boas decisões em suas vidas. Assim, de acordo com o autor, essa inteligência pode agir como uma “agência central de inteligências”, permitindo que os indivíduos conheçam as próprias capacidades e percebam a melhor maneira de usá-las. A inteligência intrapessoal mostra-nos uma pessoa que precisa de um tempo e de um espaço individual introspectivo para amadurecer as sua idéias. Relaciona as novas aprendizagens com os interesses pessoais e seus valores. Gosta de estabelecer metas pessoais e de marcar o ritmo de execução dos projetos em que se envolve, de fazer as suas próprias opções. São as pessoas que gostam ou não de ficar só – e se não gostam, obtêm lucro com essa vivência, aprendendo com ela. Elas possuem um ritmo próprio característico do seu desejo. São descritas pelos outros como tímidas – mas podem ser introvertidas. 80 linguagem_e_infancia_I.indb 80 18/1/2007 09:58:45 Linguagem e infância I Estas pessoas não são anti-sociais, elas apenas pensam melhor quando são deixadas à vontade para ditarem seu próprio ritmo, no seu interior – no seu Eu. Elas se relacionam melhor com o mundo sob uma ótica independente e através da auto-reflexão se perguntando o tempo todo: Qual o sentido das coisas? Qual o meu sentido de estar aqui agora pensando, sentindo, agindo? Elas gostam de escrever, pesquisar e explorar assuntos na Internet. Os Intrapessoais, portanto, obterão melhores resultados com atividades onde possam trabalhar sozinhos, projetos independentes, e trabalhos de pesquisa. Alguns exemplos de profissões para pessoas com este perfil são Psicólogos, Escritores, Filósofos, Programadores de Computador, etc. Atividades do tipo berlinda são interessantes quando o grupo revela maturidade para a auto e heterocrítica. Um educador estimulador das inteligências pessoais necessita sempre dispor de “casos” para seu estudo e discussão em sala de aula. Sugerimos, a partir das idéias de Antunes (2002), estratégias e sugestões para utilização do desenvolvimento deste tipo de inteligência: Estimular temas em círculos de debates; Usar estudos de caso e dramatizações sobre o mesmo; Propor a criação de painéis e colagens sobre emoções vivenciadas; Estimular a criação de diários emocionais como meio de auto-conhecimento; Proporcionar debate sobre valores e virtudes; Fazer o auto-retrato emocional, ampliando a auto-estima. Gostaríamos de explicitar neste momento, que Gardner inicialmente destacou sete tipos de inteligências, mas que jamais fechou esse paradigma e, ele próprio, algum tempo depois, destacou outras inteligências tais como a “naturalista” que é a capacidade do ser humano relacionar-se com a natureza. Mostrou também que seria possível falar em uma inteligência Unidade 3 linguagem_e_infancia_I.indb 81 81 18/1/2007 09:58:46 Universidade do Sul de Santa Catarina “pictográfica,” que trata da habilidade para desenhar e da inteligência “existencial ou espiritual” que trata tanto das questões afetivas quanto cognitivas sobre o transcendente e o divino, a qual vamos nos reportar a seguir. 8 – Inteligência Naturalista É a capacidade de uma pessoa de sentir-se um componente natural, ter sensibilidade à natureza e ao meio ambiente. Capacidade para entender o meio natural e identificar como as coisas acontecem, compreender, por exemplo, como as plantas crescem e se desenvolvem. Exemplos de profissões: paisagistas, biólogos e ecologistas. O britânico Charles Darwin, que desenvolveu uma teoria sobre a evolução dos seres vivos, é um exemplo de quem tem aptidão naturalista. Gardner sugere que os jovens usem sua inteligência naturalística, para reconhecer, classificar e organizar figuras relacionadas a natureza. É necessário começar a procurar essa inteligência nas crianças, pois a razão de trazer a teoria das inteligências múltiplas para as salas de aula, é fornecer a elas a maior opção de caminhos para serem bem sucedidas. A inteligência naturalística oferece um meio a mais para ajudar as crianças a compreender e aprender sobre o mundo. O Meio Ambiente constitui um dos temas transversais propostos nos Parâmetros Curriculares Nacionais e introduz nas salas de aula um tema cada vez mais atual. Para o educador, o meio ambiente não se restringe ao ambiente físico e biológico, mas inclui também as relações sociais, econômicas e culturais. O objetivo é trazer reflexões que levem o aluno ao enriquecimento cultural, à qualidade de vida e à preocupação com o equilíbrio ambiental. 82 linguagem_e_infancia_I.indb 82 18/1/2007 09:58:46 Linguagem e infância I A partir do exposto lhe perguntamos: como podemos conhecer melhor o meio ambiente para que possamos adotar práticas que auxiliem o planeta em sua luta pela sobrevivência? Melhor ainda, de que forma podemos estimular as crianças a se interessarem pelo tema, buscar informações, participar ativamente de procedimentos e ações em defesa do meio ambiente? O que podemos lhe sugerir para desenvolver melhor este tipo de inteligência é que leve suas crianças para um parque ou para o jardim e plante árvores com elas, refletindo sobre este tema, promovendo ações efetivas de defesa do meio ambiente em seu município. A partir das idéias de Pavani, sugerimos algumas estratégias para utilização do desenvolvimento deste tipo de inteligência nas diversas faixas etárias: Observar e recriar a paisagem; Organizar passeios com pesquisa sobre a descoberta de pistas relevantes; Coletar objetos do mundo natural; Classificar espécies naturais e registrar em diário de campo; Organizar grupos; Observar a natureza e fazer um diário do observador; Perceber as mudanças no meio ambiente; Caracterizar objetos; Coleta de sons ambientais através do gravador; Aprender características do mundo natural; Usar lentes de aumento, telescópios ou microscópios para estudar a natureza; Desenhar ou fotografar objetos naturais; Caminhar junto à natureza ou viajar em ambiente natural; Unidade 3 linguagem_e_infancia_I.indb 83 83 18/1/2007 09:58:46 Universidade do Sul de Santa Catarina Jardinagem; Cuidar de animais de estimação; Proteger a vida natural; Visitar zoológicos e jardins botânicos; Visitar museus de história natural; Secar flores; Consultar livros sobre a natureza; Pesquisar sobre o trabalho de naturalistas famosos, tais como Darwin. 9 – Inteligência Pictográfica É a habilidade que a pessoa possui de transmitir uma mensagem pelo desenho que faz, figuras e imagens, memorização de cenas e lugares. É a faculdade de reproduzir, pelo desenho, pintura, que se dão através de objetivos e situações reais ou mentais. Exemplos de profissões: desenhistas, escultores, designers e publicitários. Pintores como Leonardo da Vinci e Pablo Picasso são bons exemplos deste tipo de inteligência. Sobre esses aspectos veja mais em: Crofoot, Irene B. Desenho, Pintura e Modelagem http://www. portaldafamilia.org/artigos/ artigo255.shtml De acordo com Crofoot, muitas pessoas consideram a arte algo inteiramente à parte da vida diária. Olham-na como matéria muito especializada, que só pode ser criada e apreciada pelos que foram especialmente preparados para isto, ou pelos muito bem dotados. Alguns educadores modernos adotaram a atitude de encorajar toda criança a se exprimir através de algum material de criação. Eles encontram mérito verdadeiro nas expressões artísticas naturais das crianças. Os adultos, antes de tentar avaliar uma experiência artística de uma criança, devem procurar compreendê-la, pois aquilo que ela cria é uma expressão do que pensa ou do que sente. 84 linguagem_e_infancia_I.indb 84 18/1/2007 09:58:46 Linguagem e infância I Normalmente, os adultos costumam julgar as expressões artísticas infantis de acordo com os padrões de arte dos adultos. No entanto, ela possui a sua maneira pessoal de exprimir idéias. Eles devem olhar mais de perto para a natureza da criança, para melhor compreender a arte infantil. Se os adultos pudessem compreender o que as crianças sentem a respeito do mundo, iriam entendê-las melhor. Cada dia traz alguma coisa nova e interessante para sua vida. Seu ponto de vista e sua reação são inteiramente diferentes daqueles do adulto. Conforme Crofoot, a criança forma novas idéias a respeito do mundo através dos sentidos da audição, da visão, do gosto, do olfato e do tato. É preciso ajudá-la a perceber melhor a beleza que existe à sua volta. No entanto, o adulto não deve fazer isto à força através de sua visão ou concepção de beleza. Deve compreender que a criança, a fim de aumentar seu patrimônio de informações, precisa fazer explorações e experimentações. Normalmente, ela é mais sensível que o adulto e vê muito do que a ele passa despercebido, porque o mesmo está absorvido demais nos seus pensamentos para ver as coisas simples ao seu redor. Ela gosta de pegar objetos e se delicia ao sentir o tato das superfícies macias ou ásperas. De acordo com a autora, a criança pode ser comparada a um artista, porque um artista verdadeiramente criador tem essas mesmas qualidades de percepção. A criança dramatiza a vida que vê: é um cavalo que galopa, um aeroplano que passa roncando por sobre as nuvens, uma locomotiva resfolegante. Pode passar rapidamente do riso às lágrimas. Suas emoções são mais naturais e menos reprimidas que as dos adultos. No entanto, muitas vezes a sociedade a obriga a adotar certas convenções, roubando-lhe sua naturalidade. Sugerimos as seguintes estratégias para utilização do desenvolvimento deste tipo de inteligência: Unidade 3 linguagem_e_infancia_I.indb 85 85 18/1/2007 09:58:46 Universidade do Sul de Santa Catarina utilização de técnicas e atividades artísticas: desenho, pintura, colagem, modelagem; utilização de técnicas e atividades perceptivas: bonecos e teatro de fantoche, facilitando a comunicação; utilização de técnicas e atividades construtivas: sucata e atividades artesanais; desenhos de personagens e jogos interativos compondo cenários, alegres e coloridos, que retratam a realidade vivenciada pela criança; criação de espaços de interação da criança com o meio escolar, os desenhos de cenas, equipamentos e materiais personificados que tomem vida, ganhem cores tornando o ambiente mais alegre; Desenvolver a leitura da expressão plástica e estética, através da experiência de apreciação dos trabalhos realizados pelo grupo e de obras de arte; Desenvolver a prática da observação, do registro e da reflexão sobre esses recursos, sua importância para a expressão pessoal e cultural do homem. 10 – Inteligência Existencial ou Espiritual De acordo com Silva (2001) a formação espiritual, consistiria fundamentalmente na construção de uma base de conhecimentos e informações relacionados ao sagrado. Ela seria uma fonte privilegiada de informações, tanto afetivas quanto cognitivas sobre o “transcendente” e o “divino”. É por essa via que o ser humano aprende como seus interesses e aptidões espirituais podem ser processados no sentido de um conhecimento que transcende e confere significado. A autora esclarece que a pessoa espiritualmente inteligente tem adequado senso de auto-aceitação; compreende e aceita suas próprias limitações e imperfeições e está mais livre da arrogância e de seu inverso, a baixa auto-estima. Tal pessoa se mostra flexível na busca de um equilíbrio harmonioso entre autoconceito, 86 linguagem_e_infancia_I.indb 86 18/1/2007 09:58:46 Linguagem e infância I auto-integração e auto-regulação, logrando com suas práticas de meditação e contemplação, ver-se mais facilmente como um todo. A investigação sobre o processo de maturação espiritual traz uma contribuição original para o estudo dos processos e o funcionamento do conhecimento humano, proporcionando, além disto, uma grande oportunidade para o diálogo entre espiritualidade e saúde integral. O uso inteligente da informação espiritual pode contribuir positivamente para o bem-estar emocional e social das comunidades, gerando melhor qualidade de vida para as pessoas. Para justificar essa sua posição, Gardner (2000) acrescenta: A inteligência existencial se qualifica bem como uma inteligência à luz do oitavo critério, pois jovens de todo o mundo levantam as questões fundamentais sobre a existência - Quem somos? De onde viemos? Do que somos feitos? Porque morremos? E estas questões são capturadas em sistemas simbólicos tais como o mito, a arte, a poesia, a filosofia e a religião. Alguns indivíduos parecem precoces em suas capacidades de colocar tais questões cósmicas onde outros se prendem às coisas mais mundanas. Quanto aos tipos de vida espiritual, Gardner reconhece três deles: o espiritual enquanto preocupação com questões cósmicas ou existenciais; o espiritual como a conquista de um estado; o espiritual enquanto efeito nos outros. Gardner vê como a qualidade essencial dessa inteligência: A capacidade de se situar em relação aos limites mais extremos do cosmos o infinito e o infinitesimal - a capacidade afim que é a de se situar em relação a elementos da condição humana como o significado da vida, o sentido da morte, o destino final dos mundos físicos e psicológicos e experiências profundas como o amor de outra pessoa ou a total imersão numa obra de arte [...] (que aqui se valoriza) [...] é o potencial de uma espécie para se envolver com preocupações transcendentais, uma capacidade que pode ser despertada e desenvolvida sob determinadas circunstâncias. (GARDNER, 2000, p.80) Unidade 3 linguagem_e_infancia_I.indb 87 87 18/1/2007 09:58:47 Universidade do Sul de Santa Catarina Entretanto, por sermos únicos entre as espécies, somos dotados também de um senso de temporalidade: almejamos transcender nossa existência e viajar para antes do nascimento e para depois da morte, levados pela consciência e pela vontade. Estas estão presentes nas manifestações mais precoces do comportamento humano. Nossa busca do passado e do futuro levou-nos aos cultos e à espiritualidade — sob a forma de tradições e religiões — e às profecias, manifestadas nas artes e ciências. Sugerimos algumas estratégias para utilização do desenvolvimento deste tipo de inteligência nas diversas faixas etárias: Estimular debates sobre espiritualidade e fé; Usar estudos de caso e dramatizações sobre o tema existência e transcendência; Propor a criação de painéis e colagens sobre emoções vivenciadas; Estimular a criação de diários como meio de autoconhecimento existencial; Proporcionar debate sobre existência e sobrevivência; Fazer o auto-retrato existencial, ampliando a autoestima. Com essas descobertas, Gardner quebrou paradigmas, como mostra Antunes (2002): esses paradigmas, ainda que não modifiquem totalmente os tradicionais conceitos usados para definir “Inteligência”, nos dá a compreensão sobre como aprendemos ou não e, principalmente, substitui a concepção de que possuímos “apenas uma inteligência”. Desta forma, derruba-se o mito de que a transmissão de informações pode tornar pessoas receptoras mais inteligentes e descobre-se que, na realidade, abrigamos um elenco extremamente diversificado de “diferentes” inteligências, sensíveis a estímulos que, se desenvolvidos corretamente por meio de 88 linguagem_e_infancia_I.indb 88 18/1/2007 09:58:47 Linguagem e infância I projetos, altera profundamente a concepção que o ser humano faz de si mesmo e os limites de suas potencialidades. Todos nascem com o potencial das várias inteligências. A partir das relações com o ambiente e de aspectos culturais, algumas inteligências são mais desenvolvidas, ao passo que deixamos de aprimorar outras. Seção 4 - A Teoria das Inteligências Múltiplas e a Educação A importância da teoria de Gardner para a educação fica evidente quando se analisa as diversas formas de pensamento, as relações entre os estágios de desenvolvimento das várias inteligências e a aquisição de conhecimento e a cultura. Apresentam alternativas para algumas práticas educacionais, oferecendo base para: o desenvolvimento de atividades que sejam adequadas às diversas habilidades humanas; uma educação centrada no aluno com currículos específicos para cada área do saber; um ambiente educacional mais amplo e variado, e que depende menos do desenvolvimento exclusivo da lógica. De acordo com Gardner (1995), é importante que se tire o maior proveito das habilidades individuais das crianças, auxiliando-as a desenvolver suas capacidades intelectuais e, para tanto, ao invés de usar a avaliação apenas como uma maneira de classificar, aprovar ou reprovar, esta deve ser usada para fazer o aluno pensar sobre as suas capacidades nos diversos tipos de inteligência. No que se refere à educação infantil, Gardner (1995) sugere a necessidade de uma atenção muito especial à singularidade da criança, que diz respeito ao fato de que, se os indivíduos têm perfis cognitivos diferentes uns dos outros, as escolas deveriam, Unidade 3 linguagem_e_infancia_I.indb 89 89 18/1/2007 09:58:47 Universidade do Sul de Santa Catarina ao invés de oferecer uma educação padronizada, tentar garantir que cada um recebesse a educação que favorecesse o seu potencial. Assim, se há a necessidade de se limitar a ênfase e a variedade de conteúdos, que essa limitação seja da escolha de cada um, favorecendo o desenvolvimento dos diversos tipos de inteligência. Quanto ao ambiente educacional, o autor chama a atenção para o fato de que, embora as escolas declarem que estão preparando seus alunos para a vida, a vida certamente não se limita apenas aos aspectos lógicos. Ele propõe que as escolas favoreçam o acesso aos diversos tipos de saberes; que encorajem seus alunos a utilizarem esses saberes para resolver problemas que estejam relacionados com a vida comunitária a que pertençam, favorecendo o desenvolvimento das múltiplas linguagens. Nossa cultura valoriza por demais a inteligência lógico-matemática, e ser inteligente geralmente está associado a um desempenho em áreas ligadas a este tipo de inteligência. Porém, o fato de não termos habilidades desenvolvidas em uma determinada área, não significa que sejamos menos inteligentes. Para você saber sobre essa questão pesquise: MELLO Rosangela M. As Inteligências Múltiplas e seus Estímulos <http://www.gilian.escolabr. com/crte/webquest/edutic/textos/ gardner.doc> Para a Pedagogia, essa teoria é muito atrativa, especialmente porque Gardner comanda um projeto de escola experimental na Universidade de Harvard (Projeto Zero), por meio do qual procura verificar através da pesquisa as conseqüências de suas idéias para a Educação de uma forma geral. Em sua escola, a música, a dança, a dramatização, o desenho não são considerados atividades extra-classe, mas ao contrário, vêm enriquecer e equilibrar o currículo e as estratégias didáticas para o ensino, respeitando os diferentes modos de aprender. Outras características do projeto são os trabalhos em equipe e a realização de projetos de criação, apreciação e crítica de obras de arte. Para MELLO, certos aspectos são de fundamental importância, devendo ser observados pelo educador quando pensar em desenvolver estes tipos de inteligência: 90 linguagem_e_infancia_I.indb 90 18/1/2007 09:58:47 Linguagem e infância I Meios ou veículos A estimulação das inteligências inclui desde sistemas simbólicos articulados, como as disciplinas curriculares, até a diversidade crescente de meios, como manuais, livros didáticos, mapas, revistas e jornais, vídeos, computadores e até “salas ambientes”. Localizações específicas É importante uma reflexão sobre o local onde a educação ocorre e os momentos em que esse local está sendo utilizado para esse processo. Essa identificação de “local” e “momento” é bem mais importante do que, à primeira vista, possa parecer. Agentes Tradicionalmente esses agentes são professores, pais, avós, instrutores, irmãos mais velhos e todos os outros que, de uma certa forma, assumem como sua tarefa de se colocar como estimuladores das inteligências múltiplas. Tão importantes como o papel desses agentes, é a reflexão das qualidades que devem construir em si mesmos. A autora esclarece que estas pessoas necessitam analisar alguns elementos básicos essenciais a essa ação estimuladora, tais como: Mentalidade aberta para aceitar com humildade, entusiasmo e ousadia suas potencialidades de educadoras; Sensibilidade e prazer autêntico em se relacionar com outras pessoas e em se acreditar disposto a ajudá-las a crescer em sua trajetória de vida; Postura investigativa e estudiosa e a certeza de que não existem limites para o aprender; Elevado senso crítico associado à segurança para aceitar limitações, rever procedimentos e reformular com base em novas descobertas; Desprendimento intelectual, tornando públicas suas descobertas e as estratégias dos bons resultados que colhem em seu trabalho; Unidade 3 linguagem_e_infancia_I.indb 91 91 18/1/2007 09:58:47 Universidade do Sul de Santa Catarina Organicidade científica que o leve a anotar criteriosamente seus progressos e manter vivos e atualizados seus “diários de pesquisa” em sala de aula; Serenidade para aceitar as limitações materiais e até de credibilidade do ambiente. Papéis dos educadores segundo Gardner: Agente do currículo para o aluno: ajudar a combinar os perfis, objetivos e interesses dos alunos a determinados currículos e determinados estilos de aprendizagem através das tecnologias interativas; Agente da escola-comunidade: mostrar aos educandos as oportunidades de aprendizagem que podem ter na comunidade mais ampla. Encontrar situações na comunidade, determinadas opções não disponíveis na escola, proporcionando às crianças com dificuldades colocações que lhes dariam uma chance de brilhar. O professor-mestre. Sua tarefa seria bastante exigente, envolvendo supervisionar e orientar os professores inexperientes, assegurando que a complexa equação aluno-avaliação-currículo-comunidade estivesse adequadamente equilibrada. Especialistas em avaliação: tentar compreender, tão sensível e completamente quanto possível, as capacidades e interesses dos alunos, utilizando instrumentos justos para com o seu tipo de inteligência. Programas A estimulação dos diversos tipos de inteligência necessita de um programa no qual sejam definidos objetivos gerais, específicos e imediatos, e em que se relacionem recursos disponíveis, pessoal envolvido, cronogramas, fontes de pesquisa e orientação bibliográfica, estratégias, políticas de interação com os pais e a comunidade, e outros pressupostos em direção às metas programadas. O planejamento na escola precisa ter como base as seguintes suposições: 92 linguagem_e_infancia_I.indb 92 18/1/2007 09:58:47 Linguagem e infância I nem todas as pessoas têm os mesmos interesses e habilidades, nem todos aprendem da mesma maneira e ninguém pode aprender tudo o que há para ser aprendido. Sistema de avaliação A adoção de um sistema de avaliação em que sejam mais importantes os progressos que o aluno apresenta, e não os resultados que alcança. Para isto, talvez pudéssemos substituir os boletins por “portifólios” pessoais, verdadeiras pastas individuais que contenham ampla e diversificada relação de “produções” do aluno, enfatizando bem mais sua evolução no domínio das habilidades e na capacidade de fazer delas “ferramentas” para a solução de problemas, do que a eventual e muitas vezes desnecessária retenção de informações. Unidade 3 linguagem_e_infancia_I.indb 93 93 18/1/2007 09:58:47 Universidade do Sul de Santa Catarina Atividades de auto-avaliação Após a leitura desta unidade, efetue as atividades de auto-avaliação e, a seguir, acompanhe as respostas e comentários a respeito. Para melhor aproveitamento do seu estudo, realize a conferência de suas respostas somente depois de fazer as atividades propostas. 1) Quais os tipos de inteligência definidos por Gardner a partir de suas pesquisas? 2) Explique de forma resumida o que você entendeu por cada uma deles. 94 linguagem_e_infancia_I.indb 94 18/1/2007 09:58:48 Linguagem e infância I 3) Que nova visão da educação você acha que a teoria das Inteligências Múltiplas pode lhe proporcionar? 4) Considerando a teoria das Inteligências Múltiplas, qual seria o maior desafio para a educação? E qual seria o papel do professor? 5) Pesquise nas obras de Gardner como é proposta a avaliação pedagógica. Unidade 3 linguagem_e_infancia_I.indb 95 95 18/1/2007 09:58:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Síntese Nesta unidade você se familiarizou com a compreensão das linguagens e experiências das crianças na Educação Infantil, analisou as teorias das Inteligências Múltiplas proposta por Gardner, estudou os diversos tipos de inteligência e sua contribuição para o desenvolvimento da criança, e percebeu a importância das múltiplas linguagens para a Educação Infantil. Você viu: Que uma das funções do educador se traduz em problematizar, lançar desafios para que as crianças tenham a oportunidade de pensar, analisar, formar conceitos e buscar novos caminhos, desenvolvendo, assim, novas cadeias de aprendizagem. Que a experiência é aquilo que invoca travessia e perigo ao sujeito que a vive, ficando exposto aos riscos das incertezas. É aquilo que padecemos ligado a nossa existência contingente e pessoal. Que uma experiência que não pode ser antecipada não tem a ver com o tempo linear, esse tempo em que nada nos passa, senão com o acontecimento do que não se pode prever, nem predizer, nem prescrever. Que todos os indivíduos, em princípio, têm a habilidade de questionar e procurar respostas, já que possuem certas habilidades básicas em todos os tipos de inteligência. Que a linha de desenvolvimento de cada inteligência pode ser influenciada tanto por fatores genéticos e neurobiológicos, quanto por condições sócio-culturais. Que uma técnica para uma boa aprendizagem é expor a pessoa a uma situação suficientemente complexa, capaz de estimular várias inteligências, ou oferecer um conjunto de materiais de diferentes inteligências, verificando qual deles o indivíduo escolhe e quão profundamente o explora. Que todos nascem com o potencial das várias inteligências e que a partir das relações com o ambiente e de aspectos culturais, algumas inteligências são mais desenvolvidas, ao passo que deixamos de aprimorar outras. 96 linguagem_e_infancia_I.indb 96 18/1/2007 09:58:48 Linguagem e infância I Saiba mais Se você ficou interessado em conhecer mais detalhes sobre a Teoria das Múltiplas Inteligências, recomendo que recorra aos seguintes livros: ARFOUILOUX, J.C. A entrevista com a criança: a abordagem da criança através do diálogo, do brinquedo e do desenho. Rio de Janeiro: Zahar, 1995. WIDLOCHER, D. Interpretação dos desenhos infantis. Petrópolis: Vozes, 1971. E aos seguintes sites: http://www.homemdemello.com.br/psicologia/intelmult.html http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_das_m%C3%BAltiplas_ intelig%C3%Aancias http://www.oestrangeiro.net/index.php?option=com_content&ta sk=view&id=27&Itemid=55 http://www.cerebromente.org.br/n12/opiniao/criatividade2.html http://www.abrae.com.br/entrevistas/entr_gar.htm http://www.arsconsult.com.br/antecipa/mai97/pagina3. htm#quadro http://vello.sites.uol.com.br/ubi.htm Unidade 3 linguagem_e_infancia_I.indb 97 97 18/1/2007 09:58:48 linguagem_e_infancia_I.indb 98 18/1/2007 09:58:48 UNIDADE 4 As linguagens e o jogo do imaginário infantil 4 Objetivos de aprendizagem Analisar os sentidos e significados das linguagens da criança. Perceber como ocorre na infância as diferentes linguagens, o faz-de-conta e o processo de criação. Refletir sobre o processo do imaginário infantil e sua relação com a estética. Seções de estudo Seção 1 Linguagens: sentidos e significados Seção 2 A infância e sua relação com o faz-de-conta, a criação e as linguagens Seção 3 O imaginário infantil e a educação estética linguagem_e_infancia_I.indb 99 18/1/2007 09:58:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Para início de conversa Bem, este é um tema bastante importante porque envolve as linguagens e o jogo do imaginário infantil. Você vai ver como o domínio dos diversos tipos de linguagens, desde os primeiros meses de idade, é importante e fundamental para o desenvolvimento do ser humano. Essas linguagens possuem um papel fundamental na instituição dos sentidos que damos às coisas do mundo. Sendo assim, elas não fazem a mediação entre o que vemos e o que pensamos, elas constituem o próprio pensamento. As linguagens que utilizamos estão profundamente implicadas na instituição de práticas e na constituição de subjetividades sociais, oferecendo os meios pelos quais as crianças podem estruturar o mundo. São fatores importantes também na construção das experiências e da imaginação das crianças. O faz-de-conta, anunciado pela imaginação e pelas linguagens da criança, permite elaborar uma imagem sobre os outros e sobre si, repercutindo sobre a sua formação como membro da cultura e como indivíduo singular. A imitação, a invenção de papéis, representados pela criança são utilizados como mediadores do desenvolvimento das brincadeiras. Examinando a encenação do jogo imaginário, vemos que as crianças vão compondo os diálogos nos encontros dinâmicos de locutores-interlocutores ativos, que se alternam nas enunciações e fazem parte de um fluxo de imaginação contínuo. 100 linguagem_e_infancia_I.indb 100 18/1/2007 09:58:48 Linguagem e infância I Seção 1 – Linguagens: sentidos e significados “A criança que brinca e o poeta que faz poemas – estão na mesma idade mágica!” Mário Quintana Poema: “Da mesma idade.” Como já nos referimos anteriormente, as teorizações põem em questão a particular concepção dos sujeitos infantis que nos foi legada pela Modernidade, apontando para a inexistência de uma infância referência, deixando em seu lugar a convicção de que isso não passa de um ideal de infância que foi datado e socialmente construído. Então, se as verdades são sempre provisórias e problemáticas, precisam ser constantemente questionadas, submetidas a uma dúvida constante. Os significados de criança e de infância que guiam os nossos atos cotidianos são constituídos nos jogos de linguagem, e os vocabulários que utilizamos para expressá-los não têm a capacidade de descrevê-las fielmente. Foucault (1992) afirma que “se a linguagem exprime, não o faz na medida em que imite e reduplique as coisas, mas na medida em que manifesta e traduz o querer fundamental daqueles que falam”. Assim, as idéias que temos de criança e de infância não correspondem a uma verdade última que caracterizaria estas entidades; as palavras que usamos para descrevê-las, para atribuir-lhes um sentido, não passam de modos contingentes, arbitrários e históricos de nos referirmos a elas. O que é preciso, então, é pôr em questão os raciocínios amplamente aceitos, os modos de falar corriqueiros, tornando os tipos de linguagens alvos de problematização. Podemos dizer que a aquisição de linguagens é um fenômeno que se repete em cada ser e, de certo modo, é tema de todas as culturas. Nas diversas culturas existem, portanto, várias formas de comunicação. Quando o ser humano usa a palavra, a Unidade 4 linguagem_e_infancia_I.indb 101 101 18/1/2007 09:58:48 Universidade do Sul de Santa Catarina linguagem oral ou escrita, se diz que é uma linguagem verbal, já que o código utilizado é a palavra. Este código está presente quando falamos, quando lemos e quando escrevemos. Desta forma, expomos aos outros as nossas idéias e pensamentos. As linguagens desempenham um papel fundamental na instituição dos sentidos e significados que damos às coisas do mundo. No entanto, os sentidos e os significados não estão dados para sempre, eles são sempre transitórios, passageiros, superáveis porque são constituídos nos discursos, na trama cotidiana da história. Os discursos não fazem a mediação entre o que vemos e o pensamento, eles constituem o próprio pensamento. Assim, “quando alguém ou algo é descrito, explicado, em uma narrativa ou discurso, temos a linguagem produzindo uma ‘realidade’, instituindo algo como existente de tal ou qual forma”(COSTA, 2000, p.241). De acordo com Bujes (2005), por essa razão, podemos dizer que as linguagens estão profundamente implicadas na instituição de práticas e na constituição de subjetividades sociais. É por isso que o regime de visibilidade a que foi submetida a infância, nos tempos modernos, esteve associado à proliferação dos discursos, à intensificação da produção de narrativas sobre este novo objeto, fazendo com que os fenômenos relacionados com a população infantil passem a ser descritos, ordenados, medidos, calculados, categorizados, tornando a infância alvo de determinadas instituições e foco de tecnologias de poder. Os discursos não constituem, portanto, projetos deliberados de falantes que seriam autônomos a partir de uma intenção comunicativa. Como declara Diaz (1998), eles são assumidos a partir de uma ordem, a partir de um sistema de produção, a partir de princípios de controle, seleção e exclusão que atuam sobre (re) produções de significados e sobre práticas específicas. 102 linguagem_e_infancia_I.indb 102 18/1/2007 09:58:49 Linguagem e infância I Meira (1999), esclarece que não se prepara o professor para desempenhos comunicativos e expressivos ao nível do desafio do ensino e das crianças atuais, não se prepara o professor, sobretudo, para dialogar com o mundo através de um universo imaginário Segundo Gomes (2001), o problema maior surge na medida em que, ao invés de promover o diálogo, a educação apenas reproduz o discurso dos meios de comunicação, reforçando um modo de saber as coisas em que a informação compacta e a fórmula de fácil reconhecimento são privilegiadas em relação à reflexão crítica e à criação de saberes singulares. Certamente que este modo de olhar, baseado nas representações da cultura de massas, acaba por intricar em complexa rede de visões locais e históricas que constituem um modo de ver e, conseqüentemente, de produzir de forma fragmentária. Assim como as linguagens oferecem os meios pelos quais as crianças podem estruturar o mundo, elas também são fatores importantes na construção da experiência e da subjetividade nas escolas. Ao se trabalhar as múltiplas linguagens, as possibilidades de aprendizagem são muito amplas em termos de tempo, espaço e trocas interpessoais, oferecendo maior oportunidade aos alunos para desenvolverem produções singulares e coletivas. No entanto, parece que a preocupação, quando se trata de escolaridade, é sempre com a padronização, a universalização, a homogeneização dos alunos. Então, podemos perguntar: como valorizar os diversos tipos de linguagens na educação Infantil quando há uma forte tendência à homogeneização das subjetividades e uma grande tentativa de abolir as diferenças, como se isto fosse possível acontecer? O que é importante para quem trabalha na educação infantil é rejeitar a idéia de homogeneidade, porque o ser humano necessita biológica e ontologicamente de auto-construção e de produção da diferença. De acordo com Silva (2000), a diferença e, portanto, a subjetividade, não é um produto da natureza: ela Unidade 4 linguagem_e_infancia_I.indb 103 103 18/1/2007 09:58:49 Universidade do Sul de Santa Catarina é produzida no interior de práticas de significação, em que os significados são contestados, negociados, transformados. O importante é respeitar e tratar a todos não como iguais, mas como diferentes que somos, com produções diversas, histórias, memórias e experiências, tanto individuais quanto coletivas, que são carregadas de um saber que tem sido muito desvalorizado e desprezado pela sociedade. Seção 2 - A infância e sua relação com o faz-de-conta, a criação e as linguagens “Toda a arte é criação” Fernando Pessoa Este item busca estabelecer uma relação entre as múltiplas linguagens que a criança usa para se expressar e para se comunicar com o mundo, em uma tentativa de compreendê-la através das linguagens, do faz-de-conta e da criação. Para isto, é fundamental estabelecer relações entre o fazer da criança e as suas produções artísticas, tendo sempre em mente o desafio de oferecer instrumentos à criança para poder olhar o mundo das artes e do jogo de faz-de-conta e com ele poder interagir. O jogo de faz-de-conta é caracterizado pela dimensão imaginária, mas esta tem um vínculo com o real que a ajuda a compreender o mundo. No espaço das ações lúdicas, a criança reelabora suas vivências cotidianas, contribuindo muito para o seu processo do pensamento. O que constitui a situação imaginária origina-se daquilo que é diretamente vivenciado, observado ou conhecido. 104 linguagem_e_infancia_I.indb 104 18/1/2007 09:58:49 Linguagem e infância I Bontempo (1996) acredita que a capacidade de imaginar, que a criança vai construindo na brincadeira, envolve uma mistura de realidade e fantasia, em que o cotidiano toma outra aparência, adquirindo um novo significado e, conseqüentemente, um novo aprendizado. Assim, um aspecto instigante do funcionamento lúdicoimaginário está justamente nas instâncias em que a criança, ao re-criar suas vivências, pode ultrapassar a “lógica do real” e, com a complexidade das suas brincadeiras, imaginar um plano de ocorrências imaginárias que transgridam aquela lógica. Outro aspecto importante apontado por Oliveira (1988) refere-se ao papel das linguagens no faz-de-conta, que é o fato de que as falas das crianças permitem a orientação das ações e a regulação do intercâmbio de parceiros. Explorando as relações entre os diversos tipos de linguagens, os objetos e a ação no brinquedo de faz-de-conta, Rocha (1994) sugere que, aos poucos, as linguagens passem a sustentar a criação imaginária, permitindo que a criança prescinda de apoios concretos (ação lúdica e objeto pivô) para compor partes da cena lúdica. Esta autora salienta, ainda, que esse papel das linguagens na libertação do perceptual e do sensível-imediato nos desdobramentos do brincar permite que a criança passe a configurar cenas imaginárias, dispensando o apoio no objeto pivô, ou dando existência a personagens, sem que seja necessária a presença de participantes. Assim sendo, de acordo com a autora, as linguagens podem possibilitar à criança criar e agir com objetos ausentes, sem nenhum suporte material, compor personagens que, na verdade, estão ausentes do jogo, e relacionar-se com eles, coordenando ações que podem ser apenas indicadas. A brincadeira, a arte e a literatura mediadas pelo corpo que se move por meio da fantasia, que comunica o que não é dito com palavras, são linguagens diferenciadas que a criança usa para internalizar o mundo a que ela pertence, exteriorizando a sua percepção do real. São formas de experimentação, de vivências, de sensações que alicerçam a maneira singular de estar no mundo, viabilizando também o contato com as emoções pessoais e do outro, vivenciando relações sociais e compartilhando a vida em grupo. Unidade 4 linguagem_e_infancia_I.indb 105 105 18/1/2007 09:58:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Sendo assim, é fundamental que o educador que trabalha com a educação infantil estabeleça relações entre o fazer da criança, com as atividades relacionadas a todos os tipos de linguagens, tendo sempre em mente o desafio de oferecer instrumentos à criança para “ler” o mundo e, com ele, poder interagir, expressando-se através de seu corpo como veículo de brincadeiras, enriquecendo o olhar sensível, a educação estética e o auto-conhecimento. Corazza (2000) explica que, com esse espaço de expressão e de nutrição do imaginário infantil em conexão com a realidade, a subjetividade da criança pode ser fortalecida, dando-lhe a possibilidade de construir melhores projetos de vida através das relações que estabelece com o outro e com a cultura. Kishimoto propõe que a educação infantil aconteça por intermédio do brincar e de uma concepção de criança inserida em contexto educativo, integrando várias áreas curriculares tais como: saúde, relações humanas, ambiente, linguagem e expressão. A autora explica que tais áreas não visam à estruturação de atividades, à semelhança da escolarização, mas indicam que a criança, ao brincar, possa desenvolver, ao mesmo tempo, a saúde, socialize-se por meio de interações com os pares, explore o ambiente que a rodeia, expresse seus pensamentos e crie formas próprias de expressão. Considera que a criança deve desenvolver habilidades para interagir positivamente com seu meio natural e social e incorporá-lo em sua vida diária, com os objetivos de ter prazer em experimentar fenômenos e eventos da natureza por meio de brincadeiras; brincar pela experimentação e criar com coisas que a cercam; desenvolver interesse por brinquedos e coisas feitas pelo homem. Na área da linguagem, a criança precisa relatar experiências e se expressar por palavras do cotidiano, aprendendo a ouvir os outros e desenvolver a compreensão dos diversos tipos de linguagens. As situações que favorecem o uso de símbolos como o faz-de-conta são facilitadoras para o aparecimento de linguagens, relacionando-se com a expressão do imaginário infantil: expressar a imaginação por meio da linguagem, movimentos corporais e faz-de-conta. 106 linguagem_e_infancia_I.indb 106 18/1/2007 09:58:49 Linguagem e infância I A proposta, ao enfatizar valores como o desenvolvimento integral, a auto-responsabilidade, a cooperação, a inserção da criança no mundo natural e social, o desenvolvimento da linguagem, a criatividade, o senso estético e a expressão de sentimentos, aproxima-se de objetivos sugeridos por sistemas infantis de muitos países. Seção 3 - O imaginário infantil e a educação estética A infância é a grande fonte da nossa vitalidade imaginária. É bem verdade que a imaginação é uma faculdade que se desenvolve continuamente, ao longo de toda a nossa vida. Mas é também verdade que a imaginação na infância tem uma sensibilidade especial, que as crianças tendem a se entregar mais livremente à fantasia, e que da plenitude da experiência imaginária na infância depende em boa parte a saúde psicológica na idade adulta. O poder específico da imaginação da criança tem muitas razões: uma delas é o fato de a imaginação se nutrir de imagens novas, e para a criança o mundo está cheio de imagens novas. Aurélio Buarque de Holanda assim define as palavras imaginar, imaginação e imaginário em seu Novo Dicionário da Língua: Imaginar é construir ou conceber na imaginação; fantasiar, idear, inventar; é o ilusório; o fantástico. Imaginação: é a faculdade que tem o espírito de representar imagens. Imaginário: é o que só existe na imaginação. Meira (1999) faz referência aos desvios estéticos praticados na sociedade, deturpações que ocorrem quando as manifestações artísticas possuem fins meramente utilitários, ou seja, servem apenas ao consumo. Então, o excesso de reprodução precisa ser pensado como um problema quando começa a envolver ausência de significado, quando não nos afeta mais, quando o que nos diz é muito superficial. Unidade 4 linguagem_e_infancia_I.indb 107 107 18/1/2007 09:58:50 Universidade do Sul de Santa Catarina Quando nos referimos a afetar, estamos falando de “sentido”, estamos falando da capacidade das coisas, sejam quais forem suas formas de nos fazer sentir, de produzir intensidades. Aquilo que nos afeta, atinge não apenas aquilo que é visível, mas também o que Rolnik (1889) chama de “corpo vibrátil”, primeira instância propulsora de desejos, força incontrolável em que a passagem destes afetos é o que parece gerar brilho. De acordo com a autora, as imagens que afetam nosso “corpo vibrátil” não são apenas imagens, mas também símbolos, figuras plenas de significados. Contudo, as formas e seus significados se modificam no transcorrer da história, se transformam no sabor de diferentes contextos. Sendo assim, o caráter simbólico de uma imagem é inconstante, mutável e instável, tanto pode nos atingir e nos fazer vibrar, quanto pode parecer sem sentido algum, não nos afetando, apenas imprimindo uma informação vazia. Aurélio Buarque de Holanda assim define as palavras imaginar, imaginação e imaginário em seu Novo Dicionário da Língua: Imaginar é construir ou conceber na imaginação; fantasiar, idear, inventar; é o ilusório; o fantástico. Imaginação: é a faculdade que tem o espírito de representar imagens. Imaginário: é o que só existe na imaginação. Meira (1999) defende que a educação desde a infância deve priorizar a estética e o mundo imaginário, do qual fazem parte os mitos, os ritos e todas as formas de arte. Propõe, também, a ampliação do poder estratégico da imaginação por meio de um fazer criador com autoria. Para a autora, a arte não pretende explicar o mundo, mas transformar sua imagem e aprofundar seu enigma. Ela tem como tema a essência dos diversos tipos de linguagens cercadas de incertezas. Esta autora salienta, ainda, que esse fazer está intricado com a qualificação da experiência estética, com o fazerse presente, com a intensidade emocional das crianças que fazem essa experiência. Todavia, conforme Gomes é muito importante o incentivo à produção das crianças, não ignorando as referências, mas reorganizando-as de modo singular. 108 linguagem_e_infancia_I.indb 108 18/1/2007 09:58:50 Linguagem e infância I Quando o ato de produzir uma imagem estiver impregnado de sentido, esta produção estará proporcionando singularidades. Desta forma, a criança torna-se autora do que produziu, mesmo que através de uma fórmula referendada, a sua marca. Não mais a marca que as coisas deixaram nela, mas a marca que ela imprimiu em alguma coisa que produziu. A autora diz, ainda, que essa marca subjetiva é que ressignifica o que poderia estar destituído de sentido, pois a produção envolve presença, o estar ali, o fazerse inteiro dentro de uma ação. A incapacidade de alcançar um modelo estabelecido pela sociedade muitas vezes gera humilhação e perda de sensibilidade que, por sua vez, leva ao enfraquecimento da potência de criação, até que o próprio gesto criador fique soterrado e não possa mais se lançar. De acordo com Guattari (1999), é preciso lutar pela singularização, produzindo a ruptura com os processos que provocam os modelos ideais, criando novas formas de subjetividade diferenciadas. De acordo com este autor, a singularização acontece não apenas contra os meios de comunicação, mas aproveitando seu conteúdo no contexto da aprendizagem para fazer a crítica a estes modelos idealizados, buscando a diferença, a criatividade, a estética. A Estética pergunta pelo ser da arte, pela criação como expressão sensível, ou seja, é expressão material de alguma coisa. A arte apresenta semelhança com o conhecimento, quer da sensação, quer do pensamento. Tal como a sensação, a percepção e o pensamento são expressão de algo, também a arte o é. A criação é um momento especial de percepção. Percepção como campo de partida, campo de experiências e de exploração do mundo. Percepção em que a meta que conduz o artista faz com que o mundo pareça estar à disposição da criação e é, na verdade, o artista que canaliza todo o mundo à sua volta para a criação de uma forma lúdica e poética da vida. Unidade 4 linguagem_e_infancia_I.indb 109 109 18/1/2007 09:58:50 Universidade do Sul de Santa Catarina Só essa visão lúdica e poética da vida permite equilíbrio, permite poder imaginar e criar, ter saídas para os muitos problemas que a vida oferece, ter um pensamento crítico e valorizar a cultura e os bens comunitários. Held (1980), autora voltada para estudos do imaginário infantil, reforça a necessidade de pais e educadores darem às crianças a oportunidade de muitas leituras prazerosas, proporcionando a reflexão e a crítica. O papel do fantástico não é, de maneira alguma, dar à criança receitas de saber e de ação, por mais exatas que sejam. A literatura fantástica e poética é, antes de tudo e indissociavelmente, fonte de encantamento e de reflexão pessoal, fonte de espírito crítico, porque toda descoberta de beleza nos torna exigentes e mais críticos diante do mundo. Isto porque quebra clichês e estereótipos que desbloqueia e fertiliza o imaginário pessoal, indispensável para a construção de um tipo de subjetividade que, amanhã, saiba inventar a própria humanidade. Neste contexto, podemos nos perguntar: É possível educar a imaginação infantil? É possível cultivá-la como se faz com a inteligência ou a sensibilidade? Quais são as condições favoráveis ao florescimento da imaginação infantil? Girardello diz que é possível educar a imaginação infantil e cultivá-la como se faz com a inteligência ou a sensibilidade. Há quem diga que a tarefa mais importante da educação é a educação da imaginação. A autora salienta que esta educação pode se dar através: do envolvimento freqüente da criança com a arte, com a experiência estética; da experiência da arte, tendo claro que ela exige tempo, que é outra condição benéfica para a vivência imaginativa da criança; do trabalho da imaginação que é sutil: ele se dá bem com a calma, a concentração, o isolamento, e mesmo com um certo tédio. A imaginação é a capacidade de olhar através das janelas do real, e essa forma de contemplação 110 linguagem_e_infancia_I.indb 110 18/1/2007 09:58:50 Linguagem e infância I exige um certo ócio, momentos sem pressa, em que a imaginação possa atuar plenamente, nos interstícios da percepção. de uma dimensão da contemplação estética que é o contato com a natureza, outro fator positivo para a imaginação da criança ( fogo, o ar, a água e a terra). do estímulo imaginativo que não surge só no contato físico, mas também no encontro com o incomensurável: a multidão de estrelas no céu, o tamanho do mar, o poder das tempestades. Esse encantamento diante da infinita multiplicidade da natureza, com a sua profundidade, faz parte da emoção estética fundamental para a imaginação definida como “o sublime”. da compreensão de que a atitude dos adultos no ambiente em que a criança vive faz uma enorme diferença: a qualidade da vida imaginativa das crianças se beneficia de um ambiente favorável ao seu faz-de-conta, e onde os adultos estejam também em contato com a sua própria vida de fantasia, e consigam apontar o mundo para as crianças, de modo sugestivo e inspirador. do incentivo por meio de histórias que permitam o exercício constante da imaginação, o vôo para o mundo paralelo onde através do prazer poético as crianças estarão “trabalhando”, ou seja, cumprindo sua tarefa fundamental de conhecer o mundo e de construírem a si mesmas. A narrativa é uma ponte entre a imaginação e a cultura. Unidade 4 linguagem_e_infancia_I.indb 111 111 18/1/2007 09:58:50 Universidade do Sul de Santa Catarina Atividades de auto-avaliação Após a leitura desta unidade, efetue as atividades de auto-avaliação e, a seguir, acompanhe as respostas e comentários a respeito. Para melhor aproveitamento do seu estudo, realize a conferência de suas respostas somente depois de fazer as atividades propostas. 1) Bujes explica que as linguagens estão profundamente implicadas na instituição de práticas e na constituição de subjetividades sociais. Explique o que a autora quis dizer com isso. 2) Você acredita que o professor é preparado nos seus cursos de formação para desempenhos comunicativos e expressivos ao nível do desafio do ensino e das crianças, e sobretudo para dialogar com o mundo através de um universo imaginário? 112 linguagem_e_infancia_I.indb 112 18/1/2007 09:58:50 Linguagem e infância I 3) Como valorizar os diversos tipos de linguagens da criança, quando há uma forte tendência à homogeneização das subjetividades e uma grande tentativa de abolir as diferenças? 4) Kishimoto propõe que ao trabalharmos o brincar com a criança, se integrem varias áreas curriculares. Que exemplos ela sugere? Unidade 4 linguagem_e_infancia_I.indb 113 113 18/1/2007 09:58:51 Universidade do Sul de Santa Catarina Síntese Nesta unidade, você se familiarizou com a compreensão de que a aquisição de linguagens é um fenômeno que se repete em cada ser e, de certo modo, é tema de todas as culturas. Nas diversas culturas existem várias formas de linguagens. As linguagens, portanto, desempenham um papel fundamental na instituição dos sentidos e significados que damos às coisas do mundo, por isso é muito importante que possamos trabalhá-la com as crianças da educação infantil. Assim como as linguagens oferecem os meios pelos quais as crianças podem estruturar o mundo, elas também são fatores importantes na construção da experiência e da produção de subjetividade das crianças nas escolas. Com o aumento dos espaços de expressão e de nutrição do imaginário infantil em conexão com a realidade, a subjetividade da criança pode ser fortalecida, dando-lhe a possibilidade de construir melhores projetos de vida através das relações que estabelece com o outro e com a cultura. Você viu então que é fundamental estabelecer relações entre o fazer da criança e as suas produções artísticas, tendo sempre em mente o desafio de oferecer a ela instrumentos para que possa olhar o mundo das artes e do jogo de faz-de-conta e com ele poder interagir. A imaginação na infância tem uma sensibilidade especial já que as crianças tendem a se entregar mais livremente à fantasia, e que da plenitude da experiência imaginária na infância depende em boa parte a saúde psicológica na idade adulta. Você observou também como o caráter simbólico de uma imagem é inconstante, mutável e instável e, com isto, tanto pode nos atingir e nos fazer vibrar, quanto pode parecer sem sentido algum, não nos afetando, apenas imprimindo uma informação vazia. 114 linguagem_e_infancia_I.indb 114 18/1/2007 09:58:51 Linguagem e infância I Saiba mais Se você ficou interessado em conhecer mais detalhes sobre a Teoria das Múltiplas Inteligências, recomendamos que desenvolva pesquisas nos seguintes livros: ALMEIDA, Elvira. Arte lúdica. São Paulo: Edusp/FAPESP, 1997. BECCHI, Egli. Retórica da infância. PIACENTINI, Telma (org) A modernidade, a infância e o brincar.. Florianópolis: Perspectiva /UFSC-NUP/CED, ano 12, n.22, p. 63-95, agosto/ dez.1994. FARIA, Ana Lúcia Goulart de. Educação pré-escolar e cultura: para uma pedagogia da educação infantil. Campinas: Editora da Unicamp; São Paulo: Cortez, 1999 (Coleção Teses). FAZOLO, Eliane; CARVALHO, Maria Cristina; LEITE, Maria Isabel; KRAMER, Sônia (organizadoras) et al. Educação Infantil em curso. Rio de Janeiro: Ravil, 1997. NOGUEIRA, Manuela. O melhor do mundo são as crianças: antologia de poemas e textos de Fernando Pessoa para a infância. Lisboa: Assírio & Alvim, 1998. ROCHA, Eloisa Acires Candal. A pesquisa em educação infantil no Brasil: trajetória recente e perspectiva de consolidação de uma pedagogia. Florianópolis: UFSC, Centro de Ciências da Educação, Núcleo de Publicações, 1999. ROSSETTI-FERREIRA, Maria Clotilde, MELLO, Ana Maria et.al (orgs). Os fazeres na Educação Infantil. São Paulo: Cortez, 1998. TONUCCI, Francesco. Com olhos de criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. Unidade 4 linguagem_e_infancia_I.indb 115 115 18/1/2007 09:58:51 linguagem_e_infancia_I.indb 116 18/1/2007 09:58:51 UNIDADE 5 A Educação Infantil e a formação do pedagogo: novas cartografias 5 Objetivos de aprendizagem Identificar como se dá o discurso pedagógico em relação à formação do pedagogo da Educação Infantil. Analisar a gênese da instituição escolar e seus instrumentos pedagógicos. Repensar a Educação Infantil e a Pedagogia Cultural. Compreender como acontece o ensino e a aprendizagem na Educação Infantil. Seções de estudo Seção 1 O processo de formação do pedagogo de Educação Infantil Seção 2 A instituição escolar e seus instrumentos pedagógicos Seção 3 Educação Infantil e Pedagogia Cultural Seção 4 O ensino e a aprendizagem na Educação Infantil linguagem_e_infancia_I.indb 117 18/1/2007 09:58:51 Universidade do Sul de Santa Catarina Para início de conversa Nesta quinta unidade você irá conhecer alguns aspectos referentes ao processo de formação do educador da Educação Infantil, apresentado como uma viagem cujo destino não nos é claro, pois não sabemos ao certo aonde vamos chegar. Este termo “viajar” é usado aqui com o significado de sair do território conhecido, o que implica abrir brechas para apreender o desconhecido, resistindo ao controle da sociedade contemporânea. Assim pensada, toda “viagem” apresenta algo novo, traz temores ao mesmo tempo em que traz esperanças e mudanças. A formação neste contexto pode ser entendida como um encontro marcado pelo diálogo, pela criação, pela aventura. Encontro que necessita manter a paixão pela vida e que possibilita a produção de um tipo de subjetividade não submissa, desvelando as coisas do mundo e procurando reinventá-lo. Sendo assim, a formação do educador da Educação Infantil precisa ser vista como um espaço de encontro, repensando constantemente a rotina, propiciando um planejamento que contemple as múltiplas linguagens expressivas da criança, preservando momentos de aprendizagens individuais e coletivas, de socialização de decisões, de descobertas, de discussão de opiniões divergentes. Para isto, propõe-se, a partir do pensamento de Corazza, uma pedagogia que priorize a “prática cultural” que só poderá ser exercida por meio de análises sobre as questões ligadas ao poder, à linguagem, à diferença e à multiplicidade. Neste contexto, os educadores deveriam atuar como “pedagogos culturais”, comprometidos e implicados nas relações de poder, formas de saber e modos de subjetivação produzidos pela dinâmica social. 118 linguagem_e_infancia_I.indb 118 18/1/2007 09:58:51 Linguagem e infância I Seção 1 - O processo de formação do pedagogo de Educação Infantil “O professor é produto acabado da disciplina escolar, cortaram-lhe magnificamente as asas, agora é sua vez de cortar as dos outros!” Max Stirner A formação do profissional da Educação Infantil, em sua grande maioria, é bastante marcada por um tipo de conhecimento superficial, pelo fazer; por programas pautados em metodologias de ensino em detrimento da ênfase em dimensões socioculturais. Formação essa que trata a vida de forma mecanizada, por uma rotina na qual muitas coisas passam sem sequer serem problematizadas. Segundo Larrosa (2003), o discurso pedagógico que se traduz pela disciplina parece que esteve por muito tempo respaldado por uma proposta racional, perdendo o sabor educativo. O nosso interesse é descobrir novas vias de acesso a esse discurso que possui sabor, cheiro, gosto do fazer educativo, propondo outro caminho não tão linear e previsível quanto este que se estuda na maioria dos cursos de formação. O autor explica que, por um lado, nosso olhar é menos livre do que imaginamos, e está fortemente influenciado por determinados mecanismos que nos fazem ver a educação de uma determinada forma e, por outro, não está definitivamente aprisionado, talvez sendo possível ver de outro modo a maneira de educar. As provocações de Larrosa no livro “Pedagogia Profana” sugerem principalmente, esta mudança de olhar por parte dos educadores. O autor tem como uma das preocupações básicas a questão da formação, abrindo possibilidades para a discussão que estou propondo no momento. Unidade 5 linguagem_e_infancia_I.indb 119 119 18/1/2007 09:58:51 Universidade do Sul de Santa Catarina Como já me referi anteriormente, o lugar de educação para Larrosa (2003) deveria aproximar-se da idéia de um labirinto, que não teria um ponto central onde todos devessem chegar. Sobre essa questão consulte o trabalho de: SILVA, Marta Regina. Infância como condição da existência humana...um outro olhar para formação docente. http:// www.paulofreire.org/Biblioteca/ Artigos_em_PDF/Texto_Revista_ COGEIME.pdf. Silva entende que o processo de formação é uma viagem, uma aventura. Uma viagem cujo destino não nos é claro, não sabemos ao certo onde vamos chegar. Uma viagem que possibilita nos conhecer melhor, onde possamos encontrar sentidos para o nosso trabalho e para a própria vida. Uma viagem aberta a muitas possibilidades, a muitos caminhos, marcada por nossas histórias e memórias. Memórias, que já não são mais apenas do passado, mas que se reescrevem no presente ao atualizarem-se no momento da fala. Memórias que atravessam os limites de um tempo linear onde passado-presente-futuro se entrecruzam. Memórias que somadas a tantas outras histórias, nossas, das crianças e todas aquelas construídas nas diferentes culturas, nos permitem mergulhar em seus enredos, reinventando-as, possibilitando a abertura para a vida. Um precioso trecho de Kastrup (2001, p. 207-208) pode nos servir de guia para pensar o que é o processo de formação como uma viagem : Quando alguém viaja a um país estrangeiro, as atividades mais cotidianas como abrir uma torneira para lavar as mãos, tomar um café ou chegar a um destino desejado, tornam-se problemáticas. Ao ser bruscamente transportado para um novo ambiente os hábitos anteriores não servem e o viajante vive sucessivas experiências de problematização. Não se trata de mera ignorância, mas de estranhamento e tensão entre o saber anterior e a experiência presente. Quando viajamos somos forçados a conviver com uma certa errância, a perder tempo, a explorar o meio com olhos atentos aos signos e a penetrar em semióticas novas. Somos forçados a pensar, a aprender e a construir um novo domínio cognitivo e uma outra maneira de realizar atividades que eram tão simples e corriqueiras, que havíamos esquecido seu caráter inventado. A viagem surge então como ocasião de uma 120 linguagem_e_infancia_I.indb 120 18/1/2007 09:58:52 Linguagem e infância I aprendizagem, pois o viajante não se dava conta de que as relações que tomava como óbvias e garantidas eram, a rigor, construídas e inventadas. (...) tal aprendizagem não se esgota na solução dos problemas imediatos, mas prolonga seus efeitos e sua potência de problematização. (...) quando o viajante retorna à sua cidade, é tomado muitas vezes por uma sensação de estranhamento, tornando-se sensível a aspectos da paisagem que normalmente lhe passavam despercebidos. O afastamento da cidade, gerado pela viagem, prolonga-se então num afastamento da percepção banal e recognitiva. A abertura da sensibilidade provocada pela viagem para a cidade estrangeira invade, então, a experiência de sua própria cidade. A experiência de recognição cede lugar à problematização. Os dados da sensibilidade não fazem síntese com os da memória, gerando reconhecimento. Memória e sensibilidade não convergem, mas divergem, gerando uma expectativa de estranhamento potencializada pelo frescor da sensibilidade do viajante. Podemos dizer então, com Deleuze, que a viagem envolveu um aprendizado porque elevou as faculdades ao seu exercício disjunto, ultrapassando os limites do funcionamento recognitivo. Pois a aprendizagem começa quando não reconhecemos mas, ao contrário, estranhamos, problematizamos. O exemplo do viajante serve também para indicar o que deve ser considerado como o ponto nodal do problema da aprendizagem inventiva, a saber, a circularidade que caracteriza o aprender a aprender. Para Deleuze (1992), viajar é sair do território conhecido, o que implica abrir brechas para apreender o desconhecido “escapando”, resistindo ao controle da sociedade contemporânea. Assim pensada, toda viagem apresenta algo novo, traz temores, estranhamentos, e ao mesmo tempo esperanças, alegrias e mudanças. Porque mudar evidentemente implica correr riscos, deixar de ser o mesmo para ser um outro. Este autor explica que se trata de “duplicar” a relação de força consigo, permitindo resistir, fazendo a vida voltar contra o poder, por meio de regras facultativas que produzem existência como obra de arte, regras ao mesmo tempo éticas e estéticas que constituem estilos de vida. Unidade 5 linguagem_e_infancia_I.indb 121 121 18/1/2007 09:58:52 Universidade do Sul de Santa Catarina A educação é por natureza ética e estética, uma vez que lida com a formação permanente, geradora de esperanças e alegrias. Formação que passa pelo saber da experiência, de sonho, de paixão, de alegria, de dor, angústia, dúvida, enfim, de vida. Guattari (1992), diz que a vida de cada um é única. O nascimento, a morte, o desejo, o amor, a relação com o tempo, com os elementos, com as formas vivas e com as formas inanimadas são, para um olhar depurado, novos e inesperados. Para este autor, o que caracteriza a vida, portanto, é a ação. Ela é deflagrada a partir de informações fornecidas pelos discursos de verdade e pelas relações de força que, uma vez interiorizadas, definem estratégias para a ação. Toda ação no ser humano é inteligente, amparada por estratégias, tem objetivo e obedece à vontade. O aspecto mais importante para o ser humano é, portanto, um crescimento em direção da oportunidade de criação, do controle de suas ações. A formação deve ser vista, portanto, como encontro marcado pelo diálogo, pela criação, pela diferença, pelo imprevisível, pela aventura. Encontro que necessita manter a paixão pela vida, que possibilita a produção de um tipo de subjetividade não submissa, a descoberta dos sentidos, desvelando as coisas do mundo, para poder reinventá-lo. O processo de formação se assemelha a portas e janelas que se abrem a outros lugares, a outros mundos, de onde podemos retornar transformados. É um processo que nos permite olhar com outros olhos, conhecer lugares inventados, possibilitando abertura para a pluralidade e criatividade, colocando em questão os padrões a que somos submetidos. Nesta medida, a criatividade, a existência como obra de arte é também resistência. A formação aqui é entendida como a capacidade de criar, de desvelar as coisas do mundo, transformando-o. Sendo assim, podemos dizer que criar não é apenas comunicar, mas também resistir. Diz respeito à dimensão estética, à forma dos relacionamentos com o mundo, de como o apreendemos. O desejo é que os educadores sintam-se instigados a conhecer e ser livres no ato de estudar, caminhando por perspectivas desconhecidas, gerando, assim, possibilidades diferenciadas para si e para os outros. Como afirma Foucault (1999), ninguém 122 linguagem_e_infancia_I.indb 122 18/1/2007 09:58:52 Linguagem e infância I transforma nada, nem a si mesmo, se não consegue ver as coisas de forma diferente, se não consegue ter abertura para o mundo. E para isto ele precisa do rigor de estudar, ler e buscar perguntas que possam esclarecer as suas angústias e preocupações. O estudo é imprescindível como criação, como experimentação, implica rigor e exigência para o educador. Para Larrosa (2003), estudar é ler buscando perguntas. Essa perspectiva motiva o educador a estudar, propiciando que as perguntas sejam cada vez mais complexas e inesperadas. [...] o estudo é o movimento das perguntas, sua extensão, seu aprofundamento. Tens que levar tuas perguntas cada vez mais longe. Tens que dar-lhes densidade, espessura. Tens que fazê-las cada vez mais inocentes, mais elementares. E também mais complexas, com mais matizes, com mais feições. E mais ousadas. Sobretudo, mais ousadas. Por isso, o perguntar, no estudo, é a conservação das perguntas e seu deslocamento. Também seu desejo. E sua esperança. Por isso, as perguntas do estudo não são interrompidas por nenhuma resposta na qual não resida, por sua vez, a espera de outras perguntas, o desejo de seguir perguntando. De seguir lendo e escrevendo. De seguir estudando. De seguir questionando-se... (LARROSA, 2003, p.19). Larrosa (2003), pensa a leitura como relação de produção de sentido, na qual mais importante do que o texto é a relação que se trava com ele. Se o leitor estabelece o que ele chama de uma relação de apropriação com o texto, seu objetivo é apenas dominar o que leu. Quando, ao contrário, a leitura é uma experiência, é porque o leitor foi afetado pelo texto. O autor esclarece que a leitura tem a potência de afetar, de mover, de transformar as pessoas. Esse movimento não depende da vontade, de boas intenções, nem da memória. É um bloco de sensações que age diretamente sobre a subjetividade. Desta forma, o texto pode afetar os leitores e lhes dizer algo. E se um texto afeta o leitor, é capaz de colocá-lo em movimento e Unidade 5 linguagem_e_infancia_I.indb 123 123 18/1/2007 09:58:52 Universidade do Sul de Santa Catarina produzir subjetividade. De fato, a rigor, a leitura implica abrigar as repercussões que ela vai provocar. O que foi lido fica em nós, provoca efeitos, mesmo quando não prestamos atenção. Para Larrosa (2003), se alguém lê ou escuta ou olha com o coração aberto, aquilo ressoa nele; ressoa no silêncio que é ele, e assim o silêncio penetrado pela forma se faz fecundo. O mergulho na leitura e na escrita permite que, ao retornar, o leitor estabeleça uma nova relação consigo, com o mundo e com os outros. A partir dos encontros consigo que advêm da leitura e da escrita, pode-se chegar a ser o que se é. Mas no entendimento do autor, isso não significa, de forma alguma, a crença na existência de algo como um eu definido, escondido em algum lugar, esperando para ser descoberto. Ou seja, é no viver, no fazer, que vamos nos construindo. Não há descoberta de si mesmo, mas invenção de si. E o caminho sinuoso que percorremos nessa invenção pode ter muitas bifurcações. Segundo Larrosa (2003, p.40): Ler e escrever é colocar-se em movimento, é sair sempre para além de si mesmo, é manter sempre aberta a interrogação acerca do que se é. Na leitura e na escrita, o eu não deixa de se fazer, de se desfazer e de se refazer. Ao final, já não existe um eu substancial a ser descoberto e ao qual ser fiel, mas apenas um conjunto de palavras para compor e decompor e recompor. 124 linguagem_e_infancia_I.indb 124 18/1/2007 09:58:52 Linguagem e infância I Seção 2 - A instituição escolar e seus instrumentos pedagógicos De acordo com Sá (2003), o problema central do ensino parece estar nos próprios pilares da instituição escolar e dos seus instrumentos pedagógicos. É a partir dos discursos pedagógicos e das normas disciplinares institucionais que se vão inscrevendo na mentalidade dos alunos as verdades, isto é, os saberes corretivos, de normalização, os quais vão produzindo as subjetividades submissas. Estas verdades, os saberes corretivos, rotulam e dão sentido aos comportamentos, às atitudes, aos atos, às relações, fabricando o “aluno desejado”, de modo que ele corresponda com fidelidade ao padrão de indivíduo de que a sociedade necessita. Tais transformações baseiam-se em mudar o querer das crianças, em desejar o que lhes é oferecido. Um corpo social e uma interioridade, um eu que quer, são os objetivos e efeitos dessa pedagogização. Aqueles que têm autonomia, por exemplo, são sufocados por um discurso do disciplinamento que passa pelos corpos, pelas formas de manifestação da inteligência, pelas formas de representação do mundo e pelos modos de agir. Isto acontece por intermédio de mecanismos disciplinares, tais como o castigo, o exame, a confissão, o julgamento, a competição, a classificação, entre outros. Em sua tese, Corrêa (2004) explica que a pedagogia visa conduzir o outro rumo ao mesmo, adequar a uma realidade social, harmonizar o socius pela pacificação de cada um, pelo ajustamento à moral e pelo controle da potência de diferir. Em outras palavras, novos discursos de verdade justificam a continuidade do exercício de imobilização de cada um desde a mais tenra idade. Cidadania, interdisciplinaridade, direitos humanos, satisfação das necessidades básicas de educação, sociedade global, são as palavras da vez para o exercício do saber-poder que continua a encontrar abrigo e força nas estratégias educacionais de caráter uniformizador, produzindo a subjetividade desejada. Unidade 5 linguagem_e_infancia_I.indb 125 125 18/1/2007 09:58:53 Universidade do Sul de Santa Catarina Uma das coisas mais valorizadas pelas instituições escolares é o processo classificatório. É muito difícil para as instituições educacionais lidarem com a “desestruturação das modalidades de controle pedagógico”. Se não funcionar, a instituição não sobrevive. Por isso mesmo, a instituição procura corrigir aqueles – tanto os professores, quanto os alunos – que saem “fora dos trilhos”, tentando o tempo todo reduzi-los ao silêncio. A ação pedagógica é exercida sobre cada um, principalmente sobre aqueles que são mais tímidos. A partir destas evidências, levantamos os seguintes questionamentos: há espaço de liberdade para se ocupar nas instituições escolares que conhecemos? Quais? Onde? Como? É possível pensar em uma Educação Infantil diferente? É importante que os educadores possam traçar um diagnóstico da instituição escolar, dissecando cada um dos elementos da sua prática pedagógica, lançando a dúvida fundamental: por que a escola tem que ter o monopólio da educação? Por que não podem existir alternativas de ensino que se dêem fora da escola? Em um mundo que vive em sucessivas transformações e mudanças, o acesso às novas tecnologias não requisitariam ações que vão além das fronteiras da educação formal? Como lidar com a Educação infantil sem que se copiem os modelos da escola formal? Sem que se escolarizem as crianças desde a mais tenra idade? Neste contexto, é preciso que fique bem claro o que é escolarização e o que é educação. A escolarização refere-se a um processo institucional de transmissão de um certo conteúdo curricular disciplinar que limita as práticas educativas de estudar, ensinar-aprender, conhecer, enquanto processo de preparação de pessoas para a liberdade, criatividade e solidariedade. Sendo assim, é possível que se eduque sem que se escolarize. Na escola, o conhecimento autorizado, antes de constituirse como conteúdo escolar curricular, passa pela seleção dos interesses político-estatais e econômicos, expulsando qualquer 126 linguagem_e_infancia_I.indb 126 18/1/2007 09:58:53 Linguagem e infância I tipo de iniciativa instituinte, empobrecendo desta maneira o ato educativo e bloqueando pulsões de liberdade, autoconfiança e autodeterminação. Neste contexto, pensar, sentir e agir é “reconhecer-se” no modelo dado. A intenção, portanto, é refletir sobre os próprios pilares da instituição escolar e seus instrumentos pedagógicos, alertando sobre a “redução” dos saberes quando se tem como objetivo repassar idéias “universais”. Conforme Corrêa (2004), à instituição escolar cabe normalmente o papel de preparadora dos corpos, de máquina de condicionamento, adequada à produção de pessoas treináveis. Os treináveis são os que têm liberdade de escolha e vontade própria adequadas para o controle. Podemos escolher qualquer profissão, qualquer candidato, qualquer produto nas prateleiras, qualquer estilo de vida, desde que seja dentre aqueles que nos são indicados. A escola, portanto, continua passando por reformas. Reformas que conservam o princípio de seqüestro e imobilização do corpo e o exercício do conhecer sem vontade. De acordo com Stirner (2001), o ensino precisaria ter como força propulsora: o conhecer com vontade. Este autor explica que quem conhece com vontade, não reconhece, por exemplo, a liberdade, libera-se. Conforme este autor, para que se aprenda, é preciso que o ensino se caracterize como uma produção interessada de relações, uma investigação interessada de problemas. O que se pretende, fundamentalmente, é contribuir para a reflexão sobre a possibilidade de uma Educação Infantil não disciplinar que possa contribuir para a constituição de indivíduos que venham a pensar e fazer diferentemente do que pensam e fazem, modificando a sua própria maneira de olhar as coisas. No entanto, a perspectiva não disciplinar não descarta o conhecimento disciplinar, mas se insurge contra os efeitos de poder produzidos por ele. E para que isto aconteça, precisamos pensar outros lugares de educação que desafiem a ortodoxia dos saberes, percebendo Unidade 5 linguagem_e_infancia_I.indb 127 127 18/1/2007 09:58:53 Universidade do Sul de Santa Catarina muito bem como se dá a lógica interna de funcionamento das instituições, as funções implícitas que elas cumprem. Portanto, o desprezo pelas hierarquias não investe na negação do que existe, mas na invenção de liberdades onde se quer que elas aconteçam. Neste contexto, não interessa perguntar apenas o porquê ou para que as coisas, não interessa apenas saber as origens ou finalidades, mas “um como”, ou seja, uma problematização, uma estratégia, uma tática para fazer diferente os lugares da Educação Infantil. Lugares de educação que poderiam ser mais ou menos assim: abertos para as diferenças, para a desorganização e reorganização, para a constituição permanentemente de grupos de convívio, onde todos tivessem canais para dizer a sua palavra, tivessem lugar não rígido para existir; um lugar de vida própria, de criatividade, de solidariedade, de não discriminação, de tolerância, demonstrando-se, assim, a relatividade da verdade, da moralidade, do certo. Um lugar onde se pudesse inventar outros modos inusitados de pensar, de perceber, de sentir e de agir. Um lugar onde sempre pudesse existir a fantasia e a criação. Um lugar que não é contra a noção de sistema, nem contra a comunicação, nem contra a informatização, nem contra a escola, mas contra a imobilização dos corpos. Um lugar que é contra a proibição do inédito de vida de cada um que se investe, abrindo espaço para as forças abafadas pelo nosso presente que não podem ser universais, devem ser inventadas in loco. Como nos lembra Deleuze (1995), precisamos estar atentos ao desconhecido que bate à porta. Para Foucault (1999), a mutação consiste nisto: as forças do homem entram em relação com novas forças de finitude. Para ele, não existe diagrama que não comporte, ao lado dos pontos que ele conecta, pontos relativamente livres, pontos de criatividade, de mutação, de resistência, colocando em questão os poderes estabelecidos. São as forças componentes que entram em relação com outras forças que são as estratégias utilizadas na educação de maneira a tornar possível a mudança. 128 linguagem_e_infancia_I.indb 128 18/1/2007 09:58:53 Linguagem e infância I Seção 3 - Educação Infantil e Pedagogia Cultural De acordo com Escher à escola, em parceria com a família e a sociedade, é reservado o papel de desenvolver a formação da criança, envolvendo conhecimentos, atitudes, habilidades, valores, formas de pensar e agir contextualizando as questões sociais. Sabe-se que os pais são os primeiros agentes socializadores e os educadores mais importantes para seus filhos, mas apesar dessa assertiva, na maioria das vezes não assumem a maior parte da responsabilidade sobre eles. Sobre essa questão consulte: ESCHER, Ana Maria Macedo Lopes, In: http://www.utp. br/mestradoemeducacao/ pubonline/ana1art.htm De acordo com esta autora, a escola, como um espaço de encontros, deve repensar constantemente a sua rotina, propiciando um planejamento que contemple as múltiplas linguagens expressivas da criança, preservando momentos de aprendizagens individuais e coletivas, de socialização de decisões, de descobertas, de discussão de opiniões divergentes e enfrentamento de conflitos, assumindose, portanto, como um espaço de produção de subjetividades de sujeitos-aprendizes. O ponto de partida para o trabalho com a conexão das múltiplas linguagens é a formação dos educadores para que resgatem as memórias de suas infâncias e de suas histórias de vida, como as lembranças das brincadeiras de quintais e das ruas onde brincavam, além de ampliar seus repertórios nas trocas de práticas pedagógicas com os demais educadores. A nutrição do olhar do educador que trabalha com a Educação Infantil e a recuperação de seu percurso como aluno pode favorecer a crença no brincar, no movimento e no trabalho corporal como caminho de aprendizagem específica da criança, além da percepção de que as múltiplas linguagens unem as áreas, possibilitando a construção de conhecimentos significativos e a apropriação da subjetividade cultural. É muito importante, portanto, que se invista em trabalhos com projetos na Educação Infantil, procurando operacionalizar temas de cunho transversais, onde o eu possa conviver com muitos outros, em diálogos constituintes de novos saberes. Unidade 5 linguagem_e_infancia_I.indb 129 129 18/1/2007 09:58:53 Universidade do Sul de Santa Catarina Sobre essa questão consulte: PROENÇA, Maria Alice. Brincando com arte: espaço de identidade. http://www.aliancapelainfancia. org.br/biblioteca/textos Proença esclarece que os projetos precisam ser definidos como algo em construção coletiva, feito no dia-a-dia, que exigirá do educador ser sempre um investigador e autor da sua trajetória com as crianças. Cabe a ele organizar os espaços disponíveis, planejar cada passo de seu trabalho com as crianças, observar o seu meio e registrar suas percepções, propor desafios a partir do que constata, avaliar e replanejar o andamento do processo, possibilitando ao grupo desenvolver o sentimento de pertencimento e identificação com o trabalho realizado. Normalmente, incentivam-se as crianças a se expressarem só da maneira que se idealiza para elas. Fala-se constantemente sobre o respeito ao ritmo de desenvolvimento, interesses, possibilidades, características e espaço infantil, mas, em contrapartida, limita-se a vida das crianças a longos períodos de imobilidade em carteiras, realizando atividades que muitas vezes não têm significado algum para elas. De acordo com Prevê e Corrêa (2000), crianças que freqüentam a Educação Infantil passam importante parte do seu dia na instituição organizacional. Lá, outras práticas vão ocupar seus corpos, preencher seus tempos. Aqueles que passavam o dia correndo de bicicleta, jogando bola, ajudando os pais em alguns afazeres domésticos, indo com uma enxada nos ombros para as plantações, ou até mesmo os que ficavam no vai-e-vem dos carros, pedindo esmola ou cuidando de irmãos menores, enquanto suas mães trabalhavam fora de casa, os que ficavam à frente da televisão, esses e todos os outros que vivem, se movimentam a partir de sua entrada na escola, vão progressivamente mais e mais tendo um corpo que mostra alguém que recebe, que passivamente espera explicações, que, sentado, espera adquirir capacidades. Estes autores explicam ainda que sentados numa carteira de escola, por quatro horas diárias ou mais, olhando a parte de trás da cabeça do colega, o corpo destes alunos normalmente precisa ficar imóvel. Apenas algumas partes de seus corpos podem ser ativas, ou seja, o ouvido, para captar a mensagem emitida pelo professor; o braço, desajeitado, que custa a fazer o movimento de pedir licença para falar; a mão, para escrever as mensagens do dia 130 linguagem_e_infancia_I.indb 130 18/1/2007 09:58:54 Linguagem e infância I e virar as páginas do caderno; a boca, para alguma tentativa de conversa ou um pedido de explicação, de ida ao banheiro, mas que logo é silenciada. Essas crianças levam muito tempo para apreender esse ritual diário de comportamento em que partes do corpo são acionadas para o aprendizado. Quanto mais ela avança na escolarização, menos o corpo inteiro é solicitado, como acontecia nas brincadeiras de rua. Assim, imóvel por quatro horas diárias durante mais ou menos dez anos - isso se completar o ensino médio sem reprovação -, o corpo vai transformando-se num receptáculo, num vazio a ser preenchido. Pode-se dizer que foi assim que a maioria de nós passou seu tempo na escola. E ainda hoje vemos a criança delimitada e prisioneira de um tempo que não lhe pertence mais. Será que elas têm espaço para falar, cantar, criar histórias, trocar fatos e afetos do seu cotidiano com seus amigos e com seus professores? Creio que não. Parece que na instituição escolar não há mais tempo para a linguagem e o prazer. Onde permitimos que as crianças exercitem o movimento, a fala, a criatividade? Onde as mesmas podem colocar os seus desejos? Onde está a festa espontânea como celebração da liberdade e felicidade nesta instituição? Onde elas descobrem o vigor de suas bocas e suas mãos criando e não repetindo falas e gestos forçados que nada lhes dizem? A Pedagogia, como discurso científico, normalmente abriga e justifica as práticas disciplinares da escola, ajustando cada um ao controle. Normalmente, na instituição escolar não há lugar para um tipo de concepção de educação que trabalhe em função da produção de um outro tipo de subjetividade marcada pela singularidade, pela diferença. Na maioria das vezes, o tipo de relação formal utilizada nestas instituições dificulta a interlocução, revelando-se incapaz de estimular iniciativas de caráter criativo, expressivo, coletivo. No plano das idéias, esta instituição possui também uma grande dificuldade em romper com estereótipos, derrubando as barreiras ao livre exercício do pensamento, preparando os alunos para a nova sociedade da informação. Unidade 5 linguagem_e_infancia_I.indb 131 131 18/1/2007 09:58:54 Universidade do Sul de Santa Catarina Na verdade o discurso é que, por um lado, as crianças precisam desvendar o mundo e, por outro, fecha-se a porta da descoberta, da curiosidade e da experiência com encaminhamentos definidos e impostos pelo adulto. No entanto, as crianças precisam ser educadas para a liberdade. A sociedade está a exigir não mais a submissão, a heteronomia, a reprodução, mas outros tipos de habilidades, tais como, liderança, capacidade de inovação, de decisão, de sensibilização, de enfrentar desafios, de buscar o novo. Um desafio se coloca, portanto, ao professor de Educação Infantil: que tipo de pedagogia pode propiciar uma reflexão sobre um novo olhar sensível e reflexivo sobre a criança, procurando compreender e aceitar os sinais que manifesta e que comunica a respeito do que é e espera do adulto. Corazza (2001), propõe que se trabalhe com uma Pedagogia Cultural priorizando a “prática cultural” que só pode ser exercida por meio de análises sobre as questões ligadas ao poder, à linguagem, à diferença e à multiplicidade. Neste contexto, o educador se preocuparia menos com questões metodológicas de transmissão e processos de avaliação, e mais com os modos como os saberes e os produtos culturais foram/são fabricados, divulgados e consumidos. Esse tipo de pedagogia se caracteriza como sendo uma prática que questiona os discursos de verdade que moldam as experiências, as relações, os gestos e os gostos cotidianos. Neste sentido, privilegia a análise do “mundo da cultura”, procurando compreender de que modo o funcionamento do poder, o estabelecimento de privilégios e a constituição de determinadas subjetividades movimentam a vida de uma sociedade e de seus membros em uma dada direção e não em outras. Corazza (2001), explica ainda que a Pedagogia Cultural procura tornar os currículos escolares mais atentos ao poder do discurso cultural e ao heteromorfismo de seus jogos de linguagem. Um tipo de pedagogia que procura diagnosticar como a linguagem funciona, sob o primado de um suposto “consenso” que garante e marginaliza atitudes diferenciadas: fortalece e enfraquece modos de existência; estimula e impede certos prazeres e desejos; reabsorve a diversidade cultural em 132 linguagem_e_infancia_I.indb 132 18/1/2007 09:58:54 Linguagem e infância I falsas unidades, sistemas estáveis e sínteses doutrinais. Para realizar essas tarefas, a autora diz que a Pedagogia Cultural atua de maneira radicalmente não-disciplinar. Defende que só se conseguirá educar se não operarmos mais dentro das “camisas-de-força” das rotinas preestabelecidas, como já vem acontecendo desde a mais tenra idade. Ela sugere uma “alquimia” de todos os saberes sem distinção por séries, ciclos, idades ou áreas de conhecimento que sejam necessários e úteis para refletir sobre os movimentos sociais. Corazza (2001), diz que os educadores deveriam ser na realidade “pedagogos culturais”, comprometidos e implicados nas relações de poder, formas de saber e modos de subjetivação produzidos pela dinâmica social. Por isto mesmo, precisam considerar a sala de aula, o pátio, o ginásio de esportes, as ruas, as praças, os shopping centers, os cinemas, o rádio, a televisão, a publicidade, a discoteca, as organizações como espaços pedagogicamente culturais, onde sempre é possível “desconstruir”e “reconstruir” as relações entre cultura, conhecimento e poder. A Pedagogia Cultural, de acordo com esta autora, demanda que nos tornemos muito menos “escolares” e muito mais “culturais”, menos “professores” e “pedagogos” e mais “artista-culturais”, engajados na reconceitualização e mudanças das questões sociopolíticas. Ela explica o que significa ser um intelectual artista, ou seja, aquele que já tem condições de pensar, dizer e fazer algo diferente com a sua docência, ou seja, que, ao problematizar, possa proporcionar criatividade e invenção. Um intelectual artista que saiba desenvolver práticas pedagógicas ainda inimagináveis e, talvez, nem mesmo possíveis de serem pensadas e realizadas. Práticas essas que estimulam outros modos de ver e ser visto, dizer e ser dito. Diz, ainda, Corazza (2001) que é através do impedimento da ação infantil promovida pelo adulto que tem início a moral pedagógica, começando por negar a infantilidade; desenvolvendo-se pelo enfraquecimento da infância; e concluindo pelo desaparecimento radical do infantil. Unidade 5 linguagem_e_infancia_I.indb 133 133 18/1/2007 09:58:54 Universidade do Sul de Santa Catarina Explica também que a experiência infantil a ser apreendida na relação constitutiva criança-escola requer uma análise que leve em conta os sentidos que os discursos imprimem ao reeditar a ordem natural do desenvolvimento humano, bem como seus efeitos de dominação sobre as práticas pedagógicas e sobre os modos de subjetivação que promovem. Segundo Larrosa (2003), poderíamos pensar a criança e a educação a partir do par “experiência” e “sentido”, apostando na necessidade não somente de “raciocinar”, “calcular”, “argumentar”, mas, sobretudo, de pensar no modo como damos sentido ao que somos e ao que nos acontece. Ele acredita que é preciso que se faça da pedagogia e da aprendizagem novos territórios, nos quais seja possível discutir os processos de significação de nós mesmos e de nossas relações com os outros e com o meio ambiente. Uma docência que ponha em jogo inusitadas maneiras de ensinar a produção e as trocas de todos os saberes, as recepções e as disputas de todos os poderes. De acordo com Corazza (2001), é preciso pensar uma docência que nos convoca a lutar pela criação de espaços para todas as culturas diferenciadas que habitam o mundo e cada um de nós; que busca instituir novas significações para que os discriminados possam ter voz e vez; que procura recuperar e reformular os saberes submetidos; que dialoga e trabalha com as diferenças para superar as desigualdades, pois são estas que inferiorizam os diferentes, que assume o risco de educar “na diferença” para que o consenso nunca mais feche os horizontes sociais, empurre-nos para o conservadorismo ou violente a heterogeneidade da cultura. Seção 4 - O ensino e a aprendizagem na Educação Infantil De acordo com Stirner (2001), para que se aprenda, é preciso que o ensino se caracterize como uma produção interessada de relações, uma investigação interessada de problemas. Para esse autor, a aprendizagem acontece na invenção de liberdades onde quer que elas aconteçam. 134 linguagem_e_infancia_I.indb 134 18/1/2007 09:58:54 Linguagem e infância I Conforme Deleuze (2003), para que haja a aprendizagem é preciso que se abra passagem para as forças criativas, isto é, que se crie um plano de consistência, materializando as sensações de modo a perceber e fazer perceber as forças, ver e fazer ver o invisível na manifestação do paradoxo. O paradoxo quebra o exercício comum, levando cada faculdade diante de seu próprio limite. De acordo com este autor, a aprendizagem é algo que possibilita a invenção e a constituição de outros estilos de vida. O contato do educador infantil com a aprendizagem criativa pode provocar quebras na recognição, forçando a pensar e a construir novas formas de ser e de agir. Por este motivo, Deleuze (2003), considera como fundamentais os encontros. No entanto, para ele, os encontros acontecem com signos e não com pessoas ou objetos. São os encontros com os signos que nos afetam e que nos trazem maior diferença. No contato com eles, não cabe representação, reprodução, transmissão de informação, apenas a circulação de afetos, que desencadeiam transformações. Sendo assim, os signos têm caráter de força e potência de problematização. Este autor salienta, ainda, que o sentido desses signos é uma essência que se afirma em toda sua potência. Quando somos afetados pelos signos, sentimo-nos contagiados e tendemos a nos transformar. Mas para sermos afetados, é preciso que algo nos desperte. Pela atração dos signos é que se pode pensar e aprender algo. Para Larrosa (2003), o professor que nos atinge é aquele que não oferece uma verdade, mas uma exigência, uma tensão, um desejo, conduzindo o aprendiz a uma viagem aberta que possibilita tanto o desprendimento das regras convencionais, quanto um voltar-se a si mesmo. Deleuze (2003), esclarece que somente os signos são capazes de provocar o pensamento, o aprendizado, a leitura, a criação. Explica, também, que nunca se sabe como uma pessoa aprende; mas, de qualquer forma que aprenda, é sempre por intermédio de signos, e não pela assimilação de conteúdos objetivos. O autor pergunta: quem sabe como um estudante pode tornar-se repentinamente “bom em latim”? Que signos Unidade 5 linguagem_e_infancia_I.indb 135 135 18/1/2007 09:58:55 Universidade do Sul de Santa Catarina lhe serviriam de aprendizado? O signo implica em si a heterogeneidade como relação. Nunca se aprende fazendo como alguém, mas fazendo com alguém, que não tem relação de semelhança com o que se aprende. Como existe essa especificidade em relação aos signos, cada pessoa será mais ou menos sensível a diferentes tipos de signos. E essa sensibilidade em relação aos signos pode decorrer de um aprendizado. Segundo Deleuze (2003), para alguém ser marceneiro, por exemplo, tem que se tornar sensível aos signos da madeira por meio do aprendizado e da prática, assim como um médico deve buscar se tornar sensível aos signos da doença. E só nos tornamos leitores, sendo sensíveis aos signos do livro. A aprendizagem possui signos que forçam a pensar. Os signos têm a potência de gerar experiências, de sair da padronização e de produzir novas subjetividades. Impulsionados pelos signos é que podemos pensar. Pensar é, pois, alojar-se no estado presente que serve de limite, tornando o passado ativo e o presente aberto para que surja algo novo. O essencial para o pensamento criador é, portanto, aquilo que está fora da epistémê da época, aquilo que força a pensar diferentemente do que se pensa. A epistémê para Foucault constitui-se na ordem intrínseca do saber, como assinala Machado: Epistémê não é sinônimo de saber; significa a existência necessária de uma ordem, de um princípio de ordenação histórica dos saberes anterior à ordenação do discurso estabelecida pelos critérios de cientificidade e dela independente. A Epistémê é a ordem específica do saber; é a configuração, a disposição que o saber assume em determinada época e que lhe confere uma positividade enquanto saber. (MACHADO, 1982. p.148-149). De acordo com Guattari e Negri (1987), pensar é ter liberdade quanto àquilo que se faz. O ato de pensar não decorre de uma simples possibilidade natural; é, ao contrário, a única criação verdadeira. A criação é a gênese do ato de pensar no próprio pensamento. 136 linguagem_e_infancia_I.indb 136 18/1/2007 09:58:55 Linguagem e infância I Para os autores, essa gênese implica algo que tira o pensamento do seu natural, de suas possibilidades apenas abstratas, para tornar-se aprendizagem. A criação, como gênese do ato de pensar, mobiliza a inteligência, memória ou imaginação, pondo o pensamento em movimento. Sendo assim, criar é sempre produzir linhas e figuras de diferenciação. O pensamento diferenciado é, pois, um pensamento de resistência, um pensamento da vida, visto que a vida é potência. Só há aprendizagem, então, quando há um estado de paixão, uma vontade de saber. Para Foucault, a aprendizagem deve se dar a partir da ética que não é universal. Ela é local, pois depende das relações sociais, fruto de singularidades. A ética implica o estabelecimento de relações que, em vez de serem pautadas por dominação, são exercidas em forma de composição entre os seres. Onde os seres envolvidos se mantêm singulares do começo ao fim, não isentos de tensões e de potencial criativo, se aproximando, cada vez mais, da vida como uma obra de arte. A ética que o autor propõe é, sobretudo, um convite à prática da liberdade, à luta para abrir possibilidades de novas relações para si e para os acontecimentos do mundo. Só há aprendizagem, portanto, quando há uma ética do respeito, da solidariedade e da cooperação para com os seres humanos. De acordo com Gagnebin (1994), a primeira regra para que haja uma verdadeira aprendizagem é não temer os desvios, não temer a errância. Explica a autora que os programas utilizados nas escolas devem somente servir de esboços para o percurso de uma temática. Salienta também que quando algo acontece na sala de aula, este algo pode se constituir numa verdadeira questão a ser tematizada. Neste momento, vale a pena demorar, parar, dar um tempo, descrever o impasse, para poder perceber que algo está começando a ser vislumbrado, algo novo que ainda não havia sido pensado antes. Unidade 5 linguagem_e_infancia_I.indb 137 137 18/1/2007 09:58:55 Universidade do Sul de Santa Catarina Esta autora propõe ainda uma segunda regra, que é não ter medo de “perder tempo”, reaprendendo a paciência. Para ela, a paciência pedagógica é uma virtude do pensar e, igualmente, uma tática modesta, mas efetiva de resistência. Uma terceira regra de uma aprendizagem desviante apontada pela autora é a não preocupação em ser “atual”, estar na moda, mas em assumir uma não-conformidade ao tempo, percebendo o surgimento do devir no passado ou no presente, ainda indefinido. Diz que é preciso resistir à tentação de ser um “intelectual” que quer sempre encontrar uma saída, uma solução, uma lei, uma verdade para resolver os problemas. Explica ainda que é preciso não confundir “taxinomia”, arranjo de diferentes disciplinas em várias gavetas, com pensamento, pois pensar é, antes de tudo, duvidar, criar caminhos, perder-se nas trilhas e inventar atalhos. A autora propõe ainda uma quarta regra para uma aprendizagem desviante: ter humildade, não levando tão a sério as “opiniões” alheias. Se há algo em que a reflexão pode realmente ajudar a pensar, é a necessidade de ultrapassar, de ir além, isto é, de “transcender” aos modelos estabelecidos, através de problematizações e dos processos criativos. E a autora conclui: podemos exercer, treinar, mesmo numa sala de aula, pequenas táticas de solapamento, exercícios de invenção séria e alegre, exercícios de paciência, de lentidão, de gratuidade, de atenção, de angústia assumida, de dúvida, enfim, exercícios de solidariedade e de resistência que nos darão subsídios para que sejamos verdadeiros educadores. 138 linguagem_e_infancia_I.indb 138 18/1/2007 09:58:55 Linguagem e infância I Atividades de auto-avaliação Após a leitura criteriosa da Unidade V, efetue as atividades de autoavaliação e, a seguir, acompanhe as respostas e comentários a respeito. Para melhor aproveitamento do seu estudo, realize a conferência de suas respostas somente depois de fazer as atividades propostas. 1) De que forma as colocações de Kastrup, expostas na seção 1, podem nos servir de guia para pensar sobre o processo de formação do educador da Educação Infantil? Unidade 5 linguagem_e_infancia_I.indb 139 139 18/1/2007 09:58:55 Universidade do Sul de Santa Catarina 2) Qual a importância do estudo para a formação do educador na concepção de Larrosa? 3) Corazza propõe que se trabalhe na Educação Infantil através de uma Pedagogia Cultural. Explique como a autora entende essa proposta. 140 linguagem_e_infancia_I.indb 140 18/1/2007 09:58:55 Linguagem e infância I 4) Identifique qual a diferença entre educação e escolarização. Unidade 5 linguagem_e_infancia_I.indb 141 141 18/1/2007 09:58:56 Universidade do Sul de Santa Catarina Síntese Vimos na Unidade V aspectos relevantes sobre a Educação Infantil e a formação do pedagogo, tais como: a formação dos profissionais, em sua maioria, é bastante marcada por um tipo de conhecimento superficial, pelo fazer; por programas pautados em metodologias de ensino em detrimento da ênfase em dimensões socioculturais; o processo de formação pode se comparar a uma viagem na qual a ênfase é sair do território conhecido, abrindo brechas para apreender o desconhecido, “escapando”, resistindo ao controle da sociedade contemporânea; a formação deve ser vista como um encontro marcado pelo diálogo, pela criação, mantendo sempre a paixão pela vida; o estudo, na formação do educador, implica rigor e exigência constante; a leitura tem a potência de afetar, de mover, de transformar. um desafio se coloca para o professor de Educação Infantil: refletir sobre um novo olhar sensível e reflexivo sobre a criança, procurando compreender e aceitar os sinais que manifesta e que comunica a respeito do que é e espera do adulto. a nutrição do olhar do educador que trabalha com Educação Infantil e a recuperação de seu percurso como aluno pode favorecer a crença no brincar, no movimento da criança como caminho de aprendizagem; os educadores deveriam ser, na realidade, "pedagogos culturais", comprometidos e implicados nas relações de poder, formas de saber e modos de subjetivação produzidos pela dinâmica social; 142 linguagem_e_infancia_I.indb 142 18/1/2007 09:58:56 Linguagem e infância I precisamos pensar a criança e a educação a partir da “experiência” e do “sentido”, apostando na necessidade não somente de raciocinar, calcular, argumentar, mas, sobretudo, de pensar no modo como damos sentido ao que somos e ao que nos acontece; o professor que nos atinge é aquele que não oferece uma verdade, mas uma exigência, uma tensão, um desejo, conduzindo-nos a uma viagem aberta que possibilita tanto o desprendimento das regras convencionais, quanto um voltar-se a si mesmo. Unidade 5 linguagem_e_infancia_I.indb 143 143 18/1/2007 09:58:56 Universidade do Sul de Santa Catarina Saiba mais Se você ficou interessado em conhecer mais detalhes sobre a Formação do Pedagogo, pesquise em: DELEUZE, G. Crítica e clínica. Tradução de Peter Pal Pelbart. São Paulo: Editora 34, 1997. ___________. Conversações, 1972 – 1990. Tradução Peter Pál Pelbart. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992. GALLO, S. Deleuze e a filosofia da educação. Enciclopédia de Filosofia da Educação, 2000. Disponível em: http://www.humanas.unisinos.br/info/ laercio/Projeto/Deleuze %20e%20Educar.htm. Acesso em: nov. 2005. LARROSA, J. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. 4. ed. Tradução Alfredo Veiga-Neto. Belo Horizonte: Antêntica, 2003. ____________. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Tradução João Wanderley Geraldi. Revista Brasileira de Educação, Campinas, n 19, p. 20-28, jan./fev./ mar./abr. 2002. 144 linguagem_e_infancia_I.indb 144 18/1/2007 09:58:56 UNIDADE 6 Pedagogia e projetos de prática de ensino na Educação Infantil 6 Objetivos de aprendizagem Analisar a prática pedagógica utilizada na Pedagogia e suas conexões. Compreender como ocorre o olhar sobre a infância na prática de ensino da Educação Infantil. Apresentar algumas experiências diferenciadas na Educação Infantil. Propor projetos de oficinas como ferramenta educativa para a Educação Infantil. Seções de estudo Seção 1 Pedagogia e Prática de Ensino: transitar pelo território do saber fazendo conexões Seção 2 Prática de Ensino na Educação Infantil: um olhar de compreensão sobre a infância Seção 3 Algumas experiências diferenciadas desenvolvidas na Educação Infantil Seção 4 Os projetos de oficinas como ferramenta educativa linguagem_e_infancia_I.indb 145 18/1/2007 09:58:56 Universidade do Sul de Santa Catarina Para início de conversa A Pedagogia, como um conjunto de técnicas e métodos de ação e intervenção sobre o comportamento humano, revela-se, cada vez mais, uma disciplina com um objeto científico e um objeto de observação autônoma e específica. Isto leva os pedagogos e especialistas afins a transformarem a Pedagogia num objeto de compra e venda, com conceitos e metodologias próprias. Embora mantenha laços de indissolubilidade com o ser humano e a sociedade, tende a funcionar como instrumento de adaptação racional dos seres humanos aos desígnios das instituições escolares, do Estado e do mercado. Contemporaneamente, persiste uma grande dificuldade em compreender o sentido e a lógica de uma Pedagogia criativa e livre, quando, em muitos casos, ela não é mais do que um fenômeno de castração do ser humano a serviço da racionalidade instrumental do mercado e do Estado. Uma Pedagogia criativa que se esforça para que cada criança adquira um tipo de conhecimento mais completo de si próprio e da vida em geral, habilita-a a procurar os meios indispensáveis à conservação da existência, despertando os sentimentos de independência e liberdade; desenvolvendo entre elas o princípio do auxílio mútuo, base de toda a solidariedade, e não tendo a pretensão de formar sábios. Esta pedagogia se preocupa em perceber que as crianças assim como caminham, cantam, falam e jogam, possuem diversos tipos de linguagens que precisam ser desenvolvidas. Nosso erro é presumir que essas múltiplas linguagens infantis, cuja existência é impossível negar, é apenas uma tentativa ingênua e desajeitada de imitar as atividades dos adultos. Em toda a atividade infantil há sempre um elemento de imitação, mas o que a criança deseja não é imitar e sim comunicar alguma coisa, utilizando as diversas linguagens. O impulso sempre presente em todos os trabalhos infantis é uma necessidade subjetiva interna e desta compreensão dependerá a escolha entre ensinar as crianças a imitar os padrões adultos ou reconhecer que elas têm padrões próprios, compatíveis com suas idades e suas necessidades de expressão. 146 linguagem_e_infancia_I.indb 146 18/1/2007 09:58:56 Linguagem e Infância I O que ensinamos às crianças por meio de projetos é uma determinada maneira de se expressar através dos sons, palavras, linhas, cores, ou seja, tudo é matéria-prima com a qual a criança pode aprender a se comunicar com o mundo exterior. Sendo assim, se nós pudermos contribuir para eliminar o medo da criança, teremos libertado o seu potencial de desenvolvimento emocional, assim como poderemos levá-la para o mundo mais positivo da autonomia e cooperação. Essas mesmas qualidades devem ser usadas para estabelecer laços humanos e sociais até que a criança seja capaz de realizar-se no mundo adulto. Seção 1 – Pedagogia e Prática de Ensino: transitar pelo território do saber fazendo conexões O ensino contemporâneo sofre excessiva compartimentalização dos saberes. Podemos compreender essa fragmentação como uma questão epistemológica, já que praticamente todo o saber da humanidade é legitimado num determinado momento da história, por intermédio da busca dos seus fundamentos à interpretação da realidade e à noção de verdade. A organização curricular do ensino segue este padrão, colocando as disciplinas como realidades estanques. Muitas das discussões em torno da busca de alternativas de superação da fragmentação dos saberes apontam para a interdisciplinaridade como uma forma de integração das disciplinas. No entanto, o modelo interdisciplinar, de acordo com Gallo (2003), continua a ser arbóreo, ou seja, possui o modelo de uma árvore, onde cada galho significa uma disciplina que não se cruza, não se encontra espontaneamente. Este é o modelo curricular das políticas públicas e funciona por meio do modelo oficial, que corresponde a uma educação instituída, produzida nos gabinetes, nos documentos legais que se pretende universalizar e que funciona como máquina de controle, produzindo indivíduos em séries, fragmentando saberes, tempos e espaços. Unidade 6 linguagem_e_infancia_I.indb 147 147 18/1/2007 09:58:56 Universidade do Sul de Santa Catarina Este autor diz ainda que para contrapor-se a esse modelo oficial, é preciso que se remeta ao conceito de educação como resistência. Educação como resistência, segundo este autor, é educar questionando-se, por intermédio de um ato de revolta contra os fluxos instituídos e resistência às políticas impostas. Uma educação que, conforme Deleuze e Guattari (1995), não se presta à hierarquização, mas é a proliferação de pensamentos, como se fosse um rizoma que pode ser conectado a qualquer outro, em qualquer momento que seja necessário. Numa perspectiva rizomática, o princípio da educação passa a ser a transversalidade, ou seja, transita-se pelo território do saber construindo sentidos, fazendo diversas conexões. Para uma melhor compreensão, trazemos, a seguir, um desenho de um rizoma: Portanto, não interessa a esse tipo de educação criar modelos, propor caminhos, impor soluções, isto é, não se trata de buscar a integração dos saberes, mas de fazer conexões sempre novas e criadoras. Para isto, os campos dos saberes necessitam estar abertos, são como horizontes sem fronteiras com trânsitos livres e inéditos. Gallo (2003) diz que este tipo de educação não está preocupada com a universalização dos saberes, ocorre nos espaços micropolíticos, no âmbito das salas de aula, nas ações cotidianas, opondo resistências e produzindo diferenças. 148 linguagem_e_infancia_I.indb 148 18/1/2007 09:58:57 Linguagem e Infância I O processo educativo rizomático, de acordo com este autor, é necessariamente singular, diferente daquele resultante do processo de subjetivação das massas. A aprendizagem, nessa perspectiva, é um processo sobre o qual não se pode ter absoluto controle, ou seja, está para além de qualquer máquina de controle. A educação rizomática procura observar, agir nos intervalos, no meio do saber e do não-saber, deslocando-se entre um e outro, produzindo saberes, intensidades e experimentações. Kanitz diz que o primeiro passo para aprender a pensar é aprender a observar. Só que isto, normalmente, não é ensinado na escola. Sobre esse aspecto consulte: KANITZ, Stephen. Observar e Pensar. http://www.kanitz.com. br/veja/observar.asp Hoje os alunos são proibidos de observar o mundo porque ficam trancafiados numa sala de aula, estrategicamente colocada bem longe do dia-a-dia e da realidade. Salienta o autor que ensinar a observar deveria ser a primeira preocupação da educação, pois quase metade das grandes descobertas científicas surgiu não da lógica, do raciocínio ou do uso de teoria, mas da simples observação, auxiliada por novos instrumentos, como o telescópio, o microscópio, o tomógrafo, ou pelo uso de novos algoritmos matemáticos. Ensinar a observar, portanto, não é tarefa fácil. Para isto, precisamos eliminar os preconceitos ou pré-conceitos, que são a carga de atitudes e discursos de verdade que interiorizamos e nos impedem de enxergar o verdadeiro mundo. Diz ainda o autor que se desejamos ter uma visão independente, precisamos observar primeiro a nós mesmos. Unidade 6 linguagem_e_infancia_I.indb 149 149 18/1/2007 09:58:57 Universidade do Sul de Santa Catarina Seção 2 - Prática de Ensino na Educação Infantil: um olhar de compreensão sobre a infância De acordo com Silva (2004), o educador precisa ter um olhar sobre a criança que respeite o seu direito de ser criança, de “ser mais”, de ser recebida como um ser original. Um olhar que não a subordine ao adulto, mas que possibilite entre eles um encontro, sendo o mesmo marcado pelo diálogo que implica em respeito e amor por si e pelo outro. Um olhar que possibilite uma outra compreensão sobre a infância, deixando de vê-la como um tempo de imaturidade, incapacidade, inferioridade, de dependência, passando a pensá-la como novidade, encontro, imprevisibilidade e criação. Um olhar que rompa com a idéia de uma temporalidade cronológica que define a existência humana em etapas evolutivas. Kohan (2003), a partir das idéias de Agamben, fala-nos de uma infância que vai além de sua etapa cronológica, ampliando-a, no sentido de pensá-la como condição de possibilidade da existência humana. Nesta compreensão, ela nos acompanha por toda a vida, independente da idade, não estando, portanto, necessariamente relacionada apenas às crianças. Considerando a fala de Kohan (2003), inicia-se um processo de reflexão sobre a dimensão que os conhecimentos assumem na educação das crianças da Educação Infantil, assim como sobre a construção de procedimentos teórico-metodológicos que possam viabilizar não somente a investigação nesta faixa etária, mas também um encontro com o outro (as crianças), com a alteridade da infância como nos lembra Larrosa (1998). Oliveira (2001), diz que é preciso captar as vozes, os sentimentos, os sentidos, os gestos, os olhares, os silêncios, as contradições do universo infantil, enfim, as diferentes linguagens das crianças e, simultaneamente, ter as crianças como outros. As crianças possuem inúmeras formas de expressão, de comunicação, de ser e existir no mundo, as quais precisam ser consideradas. 150 linguagem_e_infancia_I.indb 150 18/1/2007 09:58:57 Linguagem e Infância I Esta dimensão coloca-se numa relação extremamente vinculada aos processos gerais de constituição da criança: a expressão, o afeto, a sexualidade, a socialização, o brincar, a linguagem, o movimento, a fantasia, o imaginário, ou seja, as suas múltiplas linguagens. Rocha (1999), esclarece que este conjunto de relações pode ser identificado como o objeto de estudo de uma Pedagogia da Educação Infantil que se preocupa com a educação da própria criança, isto é, com seus processos de constituição como seres humanos em diferentes contextos sociais, sua cultura, suas capacidades intelectuais, criativas, estéticas, expressivas e emocionais. Não é por acaso que a autora prefere o termo educar no contexto da Educação Infantil. Ela esclarece que este termo parece dar um caráter mais amplo que o termo ensinar que, em geral, refere-se mais diretamente ao processo de ensino e aprendizagem no contexto escolar. Esta autora salienta ainda que a função das instituições de Educação Infantil não deveria limitar-se ao domínio do conhecimento, assumindo também funções de complementaridade e socialização, relativas tanto à educação como ao cuidado, tendo como objeto as relações educativas estabelecidas entre e com as crianças pequenas. A multiplicidade de fatores que estão presentes nestas relações, sobretudo, nas instituições responsáveis pela infância, exige do educador um olhar transversal que favoreça a constituição de uma educação que tenha como objeto a própria relação expressa nas ações intencionais que, diferentemente da escola de Ensino Fundamental, envolvem, além da dimensão cognitiva, as dimensões expressivas, lúdicas, criativas, afetivas, nutricionais, etc. Unidade 6 linguagem_e_infancia_I.indb 151 151 18/1/2007 09:58:58 Universidade do Sul de Santa Catarina Seção 3 - Algumas experiências diferenciadas desenvolvidas na Educação Infantil 3.1 - A Escola da Ponte em Portugal Especialista em Música e em Leitura e Escrita, José Pacheco, de 52 anos, coordena, desde 1976, a Escola da Ponte em Portugal, uma instituição pública que se notabilizou pelo projeto educativo inovador que tem como base à autonomia das crianças e adolescentes. Este educador diz que quem quer inovar deve sempre ter mais interrogações que certezas. De acordo com Marangon (2004), ele não é o primeiro — e nem será o último — a desejar uma escola que fuja do modelo tradicional. Ao contrário de muitos, este educador pode se orgulhar por ter transformado seu sonho em realidade. Há 28 anos coordena a Escola da Ponte, uma escola da rede pública portuguesa de ensino básico, localizada a 30 quilômetros da cidade do Porto, que em nada se parece com aquelas que conhecemos. Conforme Pacheco (apud Maragon, 2004), até 1976, a escola era igual a qualquer outra. Cada professor ficava em sua sala, isolado com sua turma e seus métodos. Não havia comunicação ou projeto comum. O trabalho escolar era baseado na repetição de lições. Explica o educador que, nesta época, havia três professores e apenas noventa alunos. Ao longo do tempo, em vez de cada docente lecionar para uma turma de trinta alunos, passou-se a juntar todos. O objetivo destes professores era promover a autonomia e a solidariedade entre os alunos. Antes disso, porém, foram chamados os pais para explicar o projeto e discutir o que pensavam sobre o assunto. Eles apoiaram o modelo que fora projetado e até hoje funciona mais ou menos neste esquema, onde participam de todas as decisões. Maragon (2004), diz que na Escola da Ponte, a cada ano, as crianças criam as regras de convivência que serão seguidas inclusive por educadores e familiares. No entanto, há também problemas de adaptação a essa realidade, ou seja, há professores 152 linguagem_e_infancia_I.indb 152 18/1/2007 09:58:58 Linguagem e Infância I que vão embora e alunos que estranham tanta liberdade. No entanto, este tipo de escola tem se mostrado viável por, pelo menos, dois motivos: primeiro, porque os educadores estão abertos a mudanças; segundo, porque as famílias dos alunos apóiam e defendem a escola idealizada por Pacheco. Rubem Alves visitou essa escola e ficou maravilhado com o seu funcionamento, produzindo um livro chamado: “A escola que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. São Paulo: Papirus, 2001.” Ele diz que muitos professores interiorizaram um modelo tradicional de escola que ainda hoje influencia o olhar, a memória e as experiências dos mesmos, não sendo capazes, portanto, de reconhecer a novidade no que existe, quanto mais sonhar e desejar o que não existe. O que se vê normalmente é que os conhecimentos dos programas escolares não produzem vida, são respostas dadas às perguntas que as crianças não fazem, por isso mesmo não entendem porque precisam aprender determinadas coisas. Os programas geralmente são uma violência que se faz com o jeito como o corpo da criança tem de aprender. A Escola da Ponte não segue um sistema baseado em seriação ou ciclos e seus professores não são responsáveis por uma disciplina ou por uma turma específica. As crianças definem quais são suas áreas de interesse e desenvolvem projetos de pesquisa, tanto em grupo como individuais. O autor, anteriormente citado, explica que a ponte é uma passagem e a escola é uma ponte, um lugar de encontro. Para o autor, o caminho dissociado da experiência de quem o percorre é apenas uma proposta de trajeto, não um projeto de vida. Para ele, o caminho verdadeiramente só existe quando o percorremos – mas só o percorremos quando o percebemos dentro de nós, ou seja, o caminho se faz ao caminhar. É o rastro que nele projetamos. São os caminhos que fazem os caminhantes e não o contrário. Alves (2001), diz que os professores que trabalham nesta escola têm a mesma formação que os de outras instituições, o diferencial é que sentem uma inquietação quanto à educação e admitem Unidade 6 linguagem_e_infancia_I.indb 153 153 18/1/2007 09:58:58 Universidade do Sul de Santa Catarina existir outras lógicas. Esta escola é a única no país que pode escolher o corpo docente. Hoje, são vinte e sete professores cada um com suas especializações. De acordo com Pacheco (apud Maragon, 2004), muitos alunos que estudam nesta escola e que têm entre 5 e 17 anos, chegam extremamente violentos, com diagnósticos psiquiátricos e psicológicos e vão modificando o seu modo de ser com o tempo. Este professor esclarece também que há crianças e jovens que chegam e não sabem o que é trabalhar em grupo, não conhecem a liberdade, apenas a permissividade, assim como não sabem o que é solidariedade, somente a competitividade. Nesta escola, as crianças não são educadas para a competição, mas para a ajuda mútua. A inveja, a agressividade, a rivalidade estão quase que ausentes. Quando se deparam com a possibilidade de definir as regras de convivência que serão seguidas por todos, ou não decidem nada ou o fazem de forma pouco ponderada. Seus membros concorrem para a formação de uma vontade e de um tipo de saber coletivo, onde as normas orientam as relações societárias que decorrem das necessidades sentidas por todos, de acordo com o coletivo. Pacheco (apud Maragon, 2004), diz ainda que há uma grande resistência em aceitar este modelo de escola, que é baseado em três grandes valores: a liberdade, a responsabilidade e a solidariedade. Algumas pessoas consideram que todos precisam ser iguais e que ninguém tem direito a pensamentos divergentes. Na Escola da Ponte, todos reconhecem os objetivos comuns e se conhecem na intimidade, como em uma família. É nesse ponto que o projeto se distingue daqueles realizados pelas outras escolas. Alves (2001) afirma que o que mais lhe impressionou na intervenção pedagógica dos profissionais da Escola da Ponte, foi a seriedade no olhar, nos gestos, nas palavras de adultos e crianças. As crianças pesquisam e aprendem com o grupo. As que sabem mais responsabilizam-se pelo acompanhamento e apoio à aprendizagem das que sabem menos. 154 linguagem_e_infancia_I.indb 154 18/1/2007 09:58:58 Linguagem e Infância I Todas as sextas-feiras são realizadas assembléias onde os integrantes da escola refletem sobre projetos e problemas da escola. De acordo com este autor, tudo obedece a uma outra lógica. Não há aulas, não há turmas, não há testes para avaliar, não há manuais para todos, os professores se confundem com os alunos. Há uma lógica singular de organização. A educação, mais do que um caminho é um percurso que, feito à medida de cada aluno, é partilhado por todos. As crianças, juntamente com os professores, elaboram quinzenalmente os seus planos de trabalho, seus roteiros, discutem e aprovam as atas das assembléias, identificam e verbalizam suas dificuldades, disponibilizam-se a ajudar os colegas. Ao final deste tempo, fazem uma reunião e uma avaliação do que foi aprendido. A partir disso, o grupo se dissolve e forma outro para aprender outro assunto. Mais do que adquirir conhecimentos, as crianças aprendem, nesta escola, atitudes éticas. A ética perpassa silenciosamente, sem explicações, as relações em sala de aula. Alves (2001) cita que um belo exemplo sobre isto é o seguinte: Um homem primitivo permanece muito tempo na chuva e o seu o corpo sofre. O sofrimento o faz pensar a partir do problema que precisa resolver. Neste momento a sua inteligência entra em ação, pensa o que fazer para deixar de sofrer. Instruído pela inteligência, ele toma uma decisão. Surge outro problema, o corpo volta a sofrer, o sofrimento acorda a inteligência e faz com que trabalhe novamente. A solução original já não serve mais e a inteligência passa a inventar ferramentas, técnicas diferenciadas à medida que o corpo se defronta com as necessidades práticas. Sendo assim, a inteligência é essencialmente prática e está a serviço da vida. O autor diz ainda que foi muito importante ver funcionar uma escola diferente, que compreende como os saberes são gerados e nascem; uma escola em que o saber vai nascendo das perguntas que o corpo faz; uma escola em que o ponto de referência não é o programa oficial a ser cumprido, mas o corpo da criança que vive, Unidade 6 linguagem_e_infancia_I.indb 155 155 18/1/2007 09:58:59 Universidade do Sul de Santa Catarina admira, encanta-se, pergunta, brinca; que é iluminada pelo brilho dos inícios. Barthes (apud Alves, 2001) afirma que seu ideal de escola é aquele em que há a criação de um espaço parecido com aquele que existe quando uma criança brinca ao redor da mãe. Ele diz ainda que o importante não é o objeto feito, mas o espaço lúdico que se ensina sem que se fale sobre ele. Espaço onde crianças e adultos são companheiros numa mesma aventura, isto é, onde todos se ajudam. O espaço da aula é como o espaço do jogo: o jogo, para ser divertido e fazer sentido, tem regras de convivência combinadas pelo grupo. Na escola da Ponte, como em outros lugares, é indispensável alterar a organização e interrogar práticas educativas dominantes, questionar convicções, incomodar os acomodados. Os alunos são educados não apenas para a autonomia, mas através dela, nas margens de uma liberdade matizada pela responsabilidade. Há uma cadeia de solidariedade entre eles. A disciplina é a liberdade que, conscientemente exercida, conduz a uma ordem que não é imposta. Conforme Read (apud Alves, 2001), a educação pode assegurar que a vida seja vivida em toda a sua criatividade e em sua plenitude sensorial, emocional e intelectual. Educar é assim mais do que preparar alunos para fazer exames, é ajudar as crianças a entenderem o mundo e realizarem-se como pessoas para além do tempo de escolarização. É sempre uma aventura coletiva de partilha: de afetos e sensibilidades, de conhecimentos e saberes, de expectativas e experiências, de atitudes e valores, de sentidos de vida. 3.2 - As Lições de Reggio Emília GENTILE, Paola. Pedagogia dos sentidos. http://novaescola.abril. uol.com.br/ed/153_jun02/html/ ed_infantil.htm De acordo com Gentile, após o término da Segunda Guerra, as mulheres de Villa Cella, próxima a Reggio Emilia, cidade no norte da Itália, decidiram construir e gerir uma escola para os filhos, pois todas as da região haviam sido destruídas. O terreno foi doado; o material de construção tirado das casas bombardeadas; e o restante dos recursos veio da venda de um tanque de guerra, cavalos e caminhões deixados pelos soldados. 156 linguagem_e_infancia_I.indb 156 18/1/2007 09:58:59 Linguagem e Infância I O professor Loris Malaguzzi, também jornalista na época, foi checar a história, empolgou-se com a iniciativa e abandonou o emprego para sistematizar o tipo de ensino que estava nascendo. As escolas são gerenciadas pelos Comitês Escola-Cidade, formados por membros de toda a sociedade. Eles se reúnem a cada três meses para debater os projetos educativos. Hoje são 76 unidades, que recebem 16% do orçamento da cidade, cerca de 19 milhões de dólares por ano, o que corresponde a 75% da necessidade das escolas. O restante é coberto por mensalidades proporcionais à renda da família. Loris Malaguzzi , o idealizador da abordagem Reggio Emilia, pensa a escola como uma construção em contínuo ajuste que deve, de tempos em tempos, rever seu sistema sem interromper seu curso natural. Considera fundamental que o sistema de escolarização expanda-se para o mundo da família, integrandoa e respeitando seu direito de conhecer e participar do trabalho desenvolvido pela escola. Sobre este assunto, pesquisar em: CURY, Maria Cecília. A abordagem inovadora do Reggio Emilia http:// www.educacional. com.br/entrevistas/ interativa_adultos/ entrevista002.asp Pondera ser essencial que o foco de seu sistema seja a criança, mas não só ela. Em Reggio Emilia, o sentido de “escola” confunde-se com o sentido de “comunidade” e essa confusão é proposital por parte dos fundadores da escola. Não existe um espaço físico limitado ao qual chamamos de escola - e um outro espaço que atribuímos o nome de “comunidade”. Toda a comunidade educa e assim os limites da escola, apenas fisicamente, são restritos aos muros da entidade, uma vez que todos seus membros estão aptos para desenvolverem uma ação educativa. As escolas atuam como eixo centralizador de diferentes processos educacionais que estão presentes nas ruas, praças, nos lares e nos templos e, sobretudo, na consciência de todos os moradores. Em Reggio Emília, existe uma “comunidade de aprendizagem” e nada disso parece ser semelhante ao conceito de escola que conhecemos. Unidade 6 linguagem_e_infancia_I.indb 157 157 18/1/2007 09:58:59 Universidade do Sul de Santa Catarina As escolas em Reggio Emilia surpreendem por sua beleza e estética, isto é, em cada canto há um detalhe, existe uma ordem estética no ambiente. Fica evidenciado, nestas escolas, que, por meio da documentação e do trabalho em grupo, é possível preparar ambientes estéticos e atividades que conduzem as crianças a perceberem e a representarem o mundo natural e cultural em que vivem. O trabalho com as crianças, apesar de se nutrirem da arte e da estética, vai além. A arte é uma ferramenta para o pensamento. Nestas escolas, o currículo é aberto e trabalha-se com projetos - chamados de projetos de estudos em profundidade - que começam com base em uma idéia e germinam por um longo período, envolvendo desde a observação de idéias interessantes da criança até o desenvolvimento dessas idéias em experiências vivenciadas. As reflexões resultantes dessas experiências geram novas aprendizagens que, por sua vez, vão constituir desafios para outras atividades. Assim, um projeto pode durar meses. Um bom projeto é aquele que permite a contribuição de cada criança, de modo que ela possa interagir com os grupos, resolvendo conflitos, estabelecendo metas, utilizando as suas múltiplas linguagens. Toda escola em Réggio Emilia tem um ateliê e um atelierista, que é um profissional que entende de arte e estética. Malaguzzi (apud Cury) fala que, se pudesse, teria criado uma escola composta inteiramente por laboratórios similares a ateliês. Uma escola feita de espaços, nos quais as mãos das crianças pudessem sempre estar em processo de criação. Nestas escolas, há um cuidado em registrar e documentar todo o trabalho e eventos que acontecem por meio da escrita, de fotos e de filmagens. Essa documentação é, posteriormente, compartilhada com as crianças, com a família, com os outros membros da escola, com o público. Neste contexto, tanto os professores, como os alunos, assumem a perspectiva de pesquisadores. 158 linguagem_e_infancia_I.indb 158 18/1/2007 09:59:00 Linguagem e Infância I A alfabetização não é o foco em Reggio Emilia, já que a compreensão dos professores é que a criança pode aprender a ler ou a escrever como resultado dos desdobramentos dos projetos desenvolvidos. Se isso não ocorrer, acontecerá depois no outro nível de escolaridade, ou seja, não há pressa para alfabetizar. O importante é que ela adquira as ferramentas fundamentais para pensar, ficando aberta a qualquer forma de aprendizagem. A autora diz ainda que nos projetos utilizam-se estratégias que facilitam o contato da criança com situações desafiadoras. Como todo o percurso é registrado, documentado e exibido, a criança tem permanente contato com a escrita. Cada grupo de, no máximo cinco crianças, tem duas professoras, enquanto uma atua diretamente, a outra registra tudo o que acontece nos encontros. A literatura também é constante, o que facilita o gosto pela aprendizagem da leitura. A abordagem Reggio Emilia só trabalha com a Educação Infantil. Nos projetos, não há limitação de tempo, observando o seguinte caminho: organização, discussão e exploração do tema, representação e experiência conclusiva. O projeto é introduzido por meio da problematização e envolve experiências de exploração e discussão em grupo, seguidas de representação e expressão, através do uso de meios simbólicos, tais como o desenho, o movimento, os jogos, a construção com blocos, os jogos. Conforme esta autora, a criança inicia a aprendizagem pela convivência. Na escola infantil, ela convive com outras crianças, passando a ter um grupo para brincar e viver experiências de trocas. No grupo, ela aprende as regras da convivência, isto é: dividir, partilhar, fazer valer seus direitos, respeitar o espaço e o direito do outro. Nestas escolas, cada um sabe seu papel educativo. O currículo é feito para atender os desafios que a vida comunitária propõe, portanto, não existem programações rígidas, fi xas, que se repetem de um ano para outro, mas sim o pulsar de uma vida que se modela diante de cada desafio. Os pais quando matriculam seus Unidade 6 linguagem_e_infancia_I.indb 159 159 18/1/2007 09:59:00 Universidade do Sul de Santa Catarina filhos nestas escolas, matriculam-se juntos e descobrem o papel imprescindível que devem desempenhar, pois lhes são passadas muitas funções, surgindo um forte envolvimento dos mesmos no trabalho e desenvolvimento dos filhos. Para saber mais sobre esses aspectos, consulte: ANTUNES, Celso. As lições de Reggio Emília http://www.educacional. com.br/articulistas/celso_ bd.asp?codtexto=171 Antunes (1998) procura mostrar quais “lições” podemos extrair de um modelo de educação, adaptado a nossa realidade e às circunstâncias das escolas de Educação Infantil que temos. A primeira lição que o autor coloca, e talvez a mais significativa, é aceitar que as crianças possuem saberes, sentimentos e imaginação, trabalhando as múltiplas linguagens, e que, entre elas, nenhuma deve destacar-se. O autor esclarece que podemos aprender falando, interpretando, desenhando, musicando, dançando, enfim, expressando-nos de diferentes maneiras. Diz, ainda, que é essencial que as crianças conheçam, experimentem e respeitem todas essas maneiras, descobrindo-se em sua relação com o mundo. As representações visuais são vistas como recursos para um aprofundamento sobre os saberes que se constroem. Outra lição importante deixada pelo autor, é que precisamos substituir a visão de um mundo de conhecimentos organizados em disciplinas por um outro, em que os saberes de todas as áreas aconteçam por meio de projetos nos quais um tema de interesse dos alunos é colocado para estudo. A terceira lição envolve a questão do relacionamento entre os professores e crianças, onde não ocorre a hierarquia dos saberes. Ela é substituída por um relacionamento centrado em torno de um projeto visando à conquista de diversos tipos de saberes. Não existem, portanto, lições preestabelecidas para todas as crianças; professores e pais podem criar múltiplas atividades, que contribuam para a compreensão do que está sendo estudado. 160 linguagem_e_infancia_I.indb 160 18/1/2007 09:59:00 Linguagem e Infância I 3.3 - A Escola Livre Paideia A escola livre Paideia funciona de forma autogestionária; quer dizer, não segue as formas padronizadas de ensino oficial, seja estatal ou privado, tanto individualmente como de forma coletiva. Tem formada uma cooperativa e um coletivo. Para você conhecer a escola, acesse: http:// www.escolapaideia. com.br O coletivo compõe-se de pessoas que realizam seu trabalho na escola, em tempo integral, com outras pessoas que têm outros trabalhos fora da escola e que, quando os terminam, incorporamse à dinâmica da escola. Quem convive com a experiência da escola libertária Paideia, em Mérida, na Espanha, é privilegiado por ter tido a oportunidade de ser contaminado pela paixão de conhecer os projetos da escola, a organização do seu coletivo e a Pedagogia que experimentam. Esta escola busca, por meio da ação das crianças que a freqüentam, criar espaços de liberdade, transformando-os em “espaços de convivência”, condição fundamental para a autogestão educativa, na compreensão dos seus fundadores. De acordo com Rebouças, a escola da Anarquia existe há 24 anos, lutando no dia-a-dia pela felicidade e liberdade das crianças que a freqüentam. Uma escola onde trabalham pessoas que estão convencidas de que a história pessoal tem início já na sua infância e que, por isso mesmo, acreditam em uma utopia para o futuro através de uma infância feliz, solidária, igualitária, autogestionária e coletivamente livre. Para ter mais informações sobre esse assunto, acesse: REBOUÇAS, Moésio. Paideia, Escola Livre http://www.ainfos.ca/02/ jun/ainfos00175.html De acordo com Rebouças, o Centro Educativo Paideia foi e continua sendo uma experiência riquíssima. Para aqueles que se interessam por uma prática pedagógica “desalinhada” em relação às capitalísticas, para aqueles que apostam que uma outra educação e uma outra escola são possíveis, ela segue sendo uma referência fundamental. A principal característica desta escola é educar para a singularidade. Esta é a principal lição da Paideia para os educadores socialmente comprometidos com a liberdade e a transformação. Na página: http://www.paideiaescuelalibre.org é possível encontrar a origem da escola, seu funcionamento, suas idéias Unidade 6 linguagem_e_infancia_I.indb 161 161 18/1/2007 09:59:00 Universidade do Sul de Santa Catarina sobre pedagogia libertária e uma extensa bibliografia sobre ela, um álbum de fotos da escola e de algumas atividades que são desenvolvidas, uma cyber-livraria para poder comprar livros e vídeos, um boletim que os alunos e alunas da escola fazem, informações do grupo de Mulheres pela Anarquia e muito mais. Vale a pena conferir este site e conhecer uma das experiências libertárias mais contagiantes da atualidade. O ponto de partida da escola para o trabalho é a formação dos educadores no sentido de que resgatem as memórias de suas infâncias e de suas histórias de vida, como as lembranças dos quintais mágicos e das ruas onde brincavam, além de ampliar seus repertórios nas trocas de práticas pedagógicas com os demais educadores e a coordenação. A Escola Paideia expressa sua didática em arte, cultura e lazer com seus professores especializados em artes visuais, música, teatro, acervo de brinquedos e fantasias. A nutrição do olhar do educador e a recuperação de seu percurso como aluno favorecem a crença dos mesmos no brincar, no movimento, no trabalho corporal, além da percepção da arte, literatura e música como caminhos de conexão com as múltiplas linguagens, propiciando um verdadeiro pensar e, conseqüentemente, uma melhor educação. De acordo com o site http://www.escolapaideia.com.br/, os princípios didáticos mais utilizados pela escola são: Enfoque no desenvolvimento das múltiplas inteligências, nas competências e habilidades e não no acúmulo de conhecimentos e informações; O aluno é considerado sujeito do processo de construção do conhecimento; O conhecimento é construído em interação com os pares; Há integração dos tipos de conteúdos: conceituais (saber), procedimentais (saber fazer) e atitudinais (saber ser); Existe a preocupação em trabalhar de forma interdisciplinar e transdisciplinar; 162 linguagem_e_infancia_I.indb 162 18/1/2007 09:59:01 Linguagem e Infância I Existe a construção coletiva dos valores morais e éticos, com o conseqüente fortalecimento da vivência democrática na instituição e fora dela (compromisso com o entorno social, econômico, político e cultural da comunidade onde estão inseridos); Os educandos responsabilizam-se pelo cumprimento das regras e princípios morais e éticos; Comunicação constante entre família e escola através de reuniões com pais, eventos culturais e entrevistas individuais; Garantia de que o Plano Curricular seja contínuo e integrado, respeitando-se as especificidades das etapas educacionais dos diferentes cursos: Educação Infantil, Ensino Fundamental 1 (1ª a 4ª série) e Ensino Fundamental 2 (5ª a 8ª série); Avaliação contínua, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos, em relação a todos os tipos de conteúdos. A Proposta Pedagógica apresentada para Educação Infantil da Escola Paideia é a seguinte: Na primeira etapa da educação básica, a finalidade é o desenvolvimento integral da criança até os 6 anos de idade. Este desenvolvimento processa-se em diversos âmbitos de experiência. Formação pessoal e social Refere-se às experiências que favorecem a construção do indivíduo. São questões que envolvem o desenvolvimento de capacidades de natureza global e afetiva da criança, em esquema simbólico de interação com o outro, com o meio e consigo mesma. Oferecem-se condições para que a criança aprenda a conviver, a ser e a estar com o outro e consigo mesma, em atitude de aceitação, respeito e confiança. Unidade 6 linguagem_e_infancia_I.indb 163 163 18/1/2007 09:59:01 Universidade do Sul de Santa Catarina Conhecimento de mundo Refere-se à construção das diferentes linguagens pela criança e as relações das diferentes linguagens que ela estabelece com os vários objetos de conhecimento: aspectos da cultura, linguagens que favorecem a expressão e comunicação de sentimentos, emoções e idéias. Princípios Didáticos Desenvolvimento de uma imagem positiva de si, atuando de forma cada vez mais independente, com confiança em suas capacidades, com percepção de suas limitações; Desenvolvimento e conhecimento progressivo de seu próprio corpo, suas potencialidades e limites, desenvolvendo e valorizando hábitos de cuidado com a própria saúde e bem-estar; Estabelecimento de vínculos afetivos e de troca com adultos e crianças, fortalecendo sua auto-estima e ampliando gradativamente suas possibilidades de comunicação e interação social; Estabelecimento e ampliação das relações sociais, aprendendo aos poucos a articular seus interesses e pontos de vista com os demais, respeitando a diversidade e desenvolvendo atitudes de ajuda e colaboração; Observação e exploração do ambiente com atitudes de curiosidade, percebendo-se como integrante e agente transformador e preservador do meio ambiente. Utilização da brincadeira como expressão de emoção, sentimentos, pensamentos, desejos e necessidades; Utilização de diferentes linguagens (corporal, musical, plástica, oral e escrita) de forma a expressar-se, a compreender e ser compreendido, avançando no seu processo de construção de significados; Conhecimento de algumas manifestações culturais com o objetivo de interessá-la e levá-la a respeitar, participar e valorizar a diversidade; 164 linguagem_e_infancia_I.indb 164 18/1/2007 09:59:01 Linguagem e Infância I Aquisição progressiva de regras básicas de convivência e princípios morais e éticos, aprendendo a distinguir os comportamentos adequados e os não-adequados na convivência em grupo; Comunicação constante com a família, através de reuniões de pais, eventos culturais e entrevistas individuais; Garantia de que o trabalho pedagógico da Educação Infantil seja contínuo e integrando-se às próprias especificidades e às do Ensino Fundamental; Avaliação contínua do processo de desenvolvimento integral da criança, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos. Seção 4 - Projetos de oficinas como ferramenta educativa 4.1 - A Estratégia de ação nos projetos com Oficinas Utilizamos a palavra oficina para dar fundamento teórico às práticas educativas, para designar um espaço físico/temporal não disciplinar, onde e quando se podem construir movimentos, relações, objetos, transformar materiais, recriando-os em novas formas e significados, com o objetivo de fazer pensar, de propiciar a aprendizagem de um determinado tema de interesse do grupo. A natureza não disciplinar e, conseqüentemente, o pensamento sobre educação que se propõem produzir com os projetos de oficinas, normalmente, vão-nos “empurrando” para algumas pessoas que compartilham conosco esse tipo de pensamento, tornando-nos fundadores de um espaço educativo com “... amplas possibilidades de vivermos a auto-organização e autoformação em contato com grupos escolarizados ou não, mas interessados em saber mais, em aprender”. Unidade 6 linguagem_e_infancia_I.indb 165 165 18/1/2007 09:59:01 Universidade do Sul de Santa Catarina Além disso, os projetos que trabalham com oficinas são os resultados do modo como os “oficineiros-pesquisadores” vêem-se capazes de experimentar, decidir, propor em termos de linhas de ação, de crítica e de teorização. (PEY, 1995, p.101). Por que a proposta de projetos que trabalham com oficinas? Porque a prática da oficina, desenvolvida ao longo do tempo, foi-nos demonstrando cada vez mais que nela não se pode ficar restrito às informações racionais, que é preciso ir além, criar características próprias, diferenciadas daquelas que ocorrem nas atividades formais de ensino, quebrando as amarras e a rigidez dos conteúdos escolares, determinados como sendo propriedade das disciplinas. A história dos projetos de oficinas, como modalidade educativa no desdobramento do nosso trabalho, surgiu a partir de uma vontade de desenvolver uma perspectiva não burocrática na educação; é fruto do “metabolismo” entre um trabalho de pesquisa, uma prática sendo desenvolvida e um referencial com o qual se possa estabelecer um diálogo. O próprio ato de construir algo criativo faz com que as pessoas lidem com vários tipos de saberes, técnicas e percepções, possibilitando a interação entre discurso e ação. Na oficina, as pessoas reúnem-se voluntariamente em torno de um tema-ação de interesse comum. Com isto, procurase assegurar três eixos de pesquisa: a não-hierarquização de saberes, a não-hierarquia de funções e a manutenção de relações interpessoais horizontais. Conforme Pey (1995), esses eixos têm, em comum, a negação do autoritarismo centrado em quaisquer tipos de hierarquia, ou seja, a não disciplinaridade, que se constitui na produção de saberes de resistência, carregados de potência, de força; a auto-organização constitui-se na destruição das estruturas organizacionais heterônomas que mantêm as relações de subordinação e infantilização no espaço coletivo; e a dialogicidade constitui-se na “quebra” das relações hierárquicas ao nível das interações 166 linguagem_e_infancia_I.indb 166 18/1/2007 09:59:01 Linguagem e Infância I interpessoais. Resumindo, quanto ao conteúdo, ela sai do âmbito disciplinar para o não disciplinar; no âmbito da organização, ela sai da heterogestão hierárquica para a autogestão e, no âmbito das relações, ela procura trabalhar relações dialógicas e convivenciais. O projeto de desenvolvimento de oficinas aborda vários temas e deve partir do desejo do educador-oficineiro, que vem com a oficina de certa forma “pensada” e, quando as crianças começam a desenvolver as atividades, acontecem os “desdobramentos”. Ou seja, a oficina parte do oficineiro e se “desdobra” para os desejos das crianças. Sendo assim, é preciso encontrar a melhor maneira de fazer isto, não existe um método correto, mas sim uma longa preparação. O que faz o projeto com oficinas ser diferente é a sua modalidade, a maneira como o educador-oficineiro a faz funcionar em termos de postura, de um jeito diferente de trabalhar. É este jeito diferente, é a atitude, é a ética do educador-oficineiro perante o que faz, que o torna diferente. O projeto de investigação que acontece por meio desta modalidade educativa é, portanto, um trabalho possível como atitude que procura permitir aos indivíduos compreender como foram constituídos, libertando-se das cadeias das disciplinas e do disciplinamento. Uma atitude, que não se caracteriza por enfrentar frontalmente os poderes, mas por usar todas as formas que, de uma maneira ou de outra, contrapõem-se à normalização e à domesticação que resultam das ordens impostas. Ela não tem a pretensão de investigar os saberes das crianças para sistematizá-las, mas, ao contrário, pretende trabalhar com um tema de interesse e, a partir daí, ir se “desdobrando”, tomando um rumo não definido, não esperado. Sendo assim, a oficina, como modalidade educativa, possui apenas um objetivo inicial, o seu final é quase sempre totalmente imprevisível. Unidade 6 linguagem_e_infancia_I.indb 167 167 18/1/2007 09:59:02 Universidade do Sul de Santa Catarina Sendo assim, os projetos que trabalham com oficinas procuram rejeitar o esquadrinhamento do tempo, do espaço, dos corpos e dos saberes, partindo de curiosidades, indagações, explorações, vivências daqueles que participam. Convida as crianças a se afastarem do modelo de organização hierárquica, da classificação, dos discursos hegemônicos. Encarada desse modo, o fazer da oficina vai tornando as pessoas mais sensíveis para uma série de expressões que estão normalmente guardadas dentro de si. Expressões tais como: criatividade, autogestão, liberdade, autonomia, apoio mútuo, estão sempre ligadas à ética e à estética. A partir destes princípios, o projeto desenvolvido com oficinas preocupa-se em trabalhar com a experiência pessoal, abrindo para possibilidades de não generalização, valorizando a história e a memória, que exigem trocas de experiências com grupos de reciprocidade, de interesses e respeito ao mundo cultural do outro. Dirigir o olhar para projetos de prática de oficinas, tendo como prisma os aspectos éticos e estéticos, faz-nos vêlos como um campo aberto de oportunidades para ações educativas distintas e mais amplas do que aquelas que normalmente encontramos na escola regular. O que se pode perceber é que estes projetos podem produzir um novo tipo de subjetividade porque, ao invés de trabalhar de forma repetitiva, vazia, disciplinada, as crianças se esforçam em reorientar sua finalidade, sua organização no sentido da diferença, da potência, da re-criação interna permanente. As crianças vão criando laços, o que também significa que a capacidade de afetar e ser afetadas uns pelos outros aumenta, aumentando também a confiança no grupo. Como afirma Rolnik (1989), o que importa nas relações é “... fazer passar os afetos: é isso que parece gerar brilho”. Esta autora diz ainda que é preciso ter o desejo de se deixar afetar pelo outro, pelo devir e pela incerteza criadora. O desejo, portanto, é fundamental nessa produção. 168 linguagem_e_infancia_I.indb 168 18/1/2007 09:59:02 Linguagem e Infância I Os projetos de oficinas sempre procuraram trabalhar com relações não-hierárquicas, nas quais é possível viver “atospoderes”, ou seja, revestir de poder o ato de quem age, resgatando o sentido da poesia, procurando alargar os estreitos caminhos por onde a educação tem-se movido, oportunizando a capacidade de errar, de arriscar, de ensaiar, de experimentar, de produzir, de lançar conhecimentos não “acabados”, de avançar por meio de saberes não “estabelecidos”; de produzir algo que não existe, produzir uma singularidade na própria existência das coisas, dos pensamentos e das sensibilidades. Os projetos vivenciais com oficinas devem priorizar, portanto, a dialogicidade como tema essencial na relação entre as pessoas. É desse tipo de relação dialógica, dessa prática convivencial que se obtém uma força coletiva de produção de saber superior à soma das forças individuais; que se produz saberes em autorias e obras. De acordo com Illich (1973), a prática convivencial refere-se a “... uma ferramenta moderna que está a serviço da pessoa integrada na coletividade e não a serviço de um corpo de especialistas”. Neste ponto, é importante ver a crítica à escolarização e ao especialista, empreendida por este autor em várias de suas obras. Compreender os diversos tipos de saberes sob o prisma das relações convivenciais na infância é permitir-se a produção e a invenção de existências, de possibilidades e limites, de energia, onde cada criança é modelo de si mesma; é passar da troca de produtos para a “troca de energia”, que acontece através da potência, da força, do afetar e ser afetado, e que caracterizam a prática da convivencialidade. Conviver é exercitar a capacidade de cada um de constituir-se como pessoa livre, solidária e autônoma; uma capacidade de instituir os desejos, rompendo com a institucionalização das necessidades, produto de uma sociedade consumista, que utiliza o corpo como dispositivo de consumo, levando-o a perder seu valor como prática corporal, que faz parte de um modo singular de expressão e, portanto, da própria cultura. Unidade 6 linguagem_e_infancia_I.indb 169 169 18/1/2007 09:59:02 Universidade do Sul de Santa Catarina Por que pensamos os projetos de oficina como uma ferramenta de convivencialidade? Porque na definição de Illich (1973), ferramenta convivencial é aquela que está disponível para o usuário em função dos seus interesses. Quando uma coisa é uma ferramenta convivencial? Quando a pessoa utiliza esta ferramenta quando quiser, à medida que desejar sem que jamais ela seja compulsória. Então, pensamos que o projeto de oficinas funcione como ferramenta de convivencialidade, tem de ser buscada pelas pessoas, desejada pelas pessoas e não colocada compulsoriamente para as pessoas viverem. O educador-oficineiro deve oferecer um leque de oportunidades para que as pessoas que ele trabalha possam escolher o que mais lhes interessa e, assim, torne-se minimamente uma ferramenta convivencial. A oficina, neste contexto, é um jeito de caracterizar uma prática social na qual as pessoas, juntas, independentemente de qualquer rótulo que as associe a uma função ou a uma qualificação, possam pensar, desenvolver e produzir saberes, ao mesmo tempo em que são produzidas pelos saberes que produzem. 4.2 - O educador-oficineiro: seus princípios e suas preocupações Descobrimos em Rolnik (1989) e na sua cartografia sentimental, uma “aliada” da melhor qualidade para que pudéssemos dar fundamentação aos projetos com oficinas em forma de cartografia, fortalecendo nossa vontade de afirmar a singularidade de nossa experiência nesta área. Chamamos de “educadores-oficineiros” as pessoas que organizam as oficinas, com o mesmo sentido que a autora utiliza para referir-se ao “cartógrafo”, baseando-se na antropofagia. 170 linguagem_e_infancia_I.indb 170 18/1/2007 09:59:03 Linguagem e Infância I É preciso que fique claro que o termo Antropofagia foi inspirado no Manifesto Antropofágico do Movimento Modernista Brasileiro. Este grupo de modernistas radicais propunha devorar a cultura e as técnicas importadas e suas reelaborações, com o intuito de transformar o produto importado em exportável. Altamente xenófobo, esse movimento propunha o desenvolvimento de uma cultura brasileira, o retorno ao primitivismo em estado puro, sem compromissos sociais, políticos, econômicos ou religiosos. Quando se propõe inicialmente projetos com oficinas, as estratégias são mais concentradas na ação do educador-oficineiro, ou seja, no que ele propõe. No entanto, à medida que a oficina vai acontecendo com grupos diferenciados, ela vai se modificando, abrindo-se cada vez mais à intervenção dos outros, como salienta Corrêa (2000, p.51): Deixa de ser um programa, uma seqüência de atividades que tão bem funcionam com grupos escolarizados, e passa a ser um campo aberto, uma terra de quem dela queira servir-se, cultivá-la e fazê-la avançar até uma espécie de ‘ecossistema’ de saberes. A oficina passa a constituir-se numa busca de modos de conhecer que não provoquem a negação total do que um indivíduo sabe, daquilo que vive, daquilo que os que amam sabem, do saber que o rodeia, constituindo-se em práticas que tenham a ver com alegria de viver, e não com a sujeição a tecnologias pedagógicas que o querem outro, um outro que ele não quer ser. Não importa o quanto este outro possa vir a ser útil e bom, é um outro, não ele mesmo. Este outro é o resultado da sua submissão. O educador-oficineiro organiza possibilidades de convivência com grupos que desejam explicitar o que sabem sobre temas de interesse existencial coletivo, procurando saber sempre mais a partir da relação educativa que se estabelece com os outros. Ele organiza, portanto, a interlocução entre os conhecimentos diferenciados, sobre os temas em estudo, visando obter e compartilhar os diversos tipos de saberes, produzindo obras e autorias. Unidade 6 linguagem_e_infancia_I.indb 171 171 18/1/2007 09:59:03 Universidade do Sul de Santa Catarina As oficinas são, portanto, expressões que se constroem coletivamente, através de fluxos de saberes dos modos de ser, sentir, saber, fazer e pensar. Ela pode ser caracterizada como algo que coloca o construtor em construção. Não há roteiro definido, nem conclusões prontas, mas um espaço onde a contribuição de cada um abre trilhas para múltiplas realizações possíveis, nas quais podem se reconhecer como autores naquilo que fazem. Sendo assim, nas oficinas as trocas são mais importantes que sua origem. Nesta modalidade educativa, o “educador-oficineiro” procurará oportunizar mais e mais a coragem das pessoas de exteriorizarem as suas falas, as suas expressões, os seus afetos, a experimentação, fazendo com que elas passem a agir e a falar em nome próprio, ou seja, no singular. Conforme Corrêa (2000), estas falas que se estabelecem em torno do tema-eixo de cada oficina são suscitadas à medida que se propicia ativação da expressão dos participantes, que é resultado da quebra de hierarquia. De acordo com este autor, a possibilidade que o educadoroficineiro tem de eleger livremente seus temas de estudo, suas fontes de pesquisa, de poder reunir à sua volta pessoas que se interessem pelo tema que propõe, de reunir-se num local que julgue ser mais adequado para o que quer realizar e, finalmente, de pôr-se à disposição para ensinar o que sabe e, também, aprender o que os outros sabem, vai ao encontro do exercício da autonomia e da auto-educação, valores importantes para uma educação mais livre. Para um trabalho de oficina é essencial, portanto, que o educador-oficineiro tenha claro que perspectiva vai nortear o seu trabalho, por conhecêla profundamente e/ou nela acreditar, para que, em conseqüência disso, possa utilizá-la. Se isto não ocorrer, haverá falta de sentido, impossibilitando que aponte para uma direção. É importante também salientar que, à medida que ele acredita nesta perspectiva, provoca um maior envolvimento dos participantes, não com a preocupação de que as pessoas acreditem no que ele crê e façam o que ele quer, mas para que criem outras 172 linguagem_e_infancia_I.indb 172 18/1/2007 09:59:03 Linguagem e Infância I formas de participação. Se o educador-oficineiro não parte de algum lugar, deixando tudo solto, o desafio deixa de existir; o “convite” perde o realce da necessidade de atendê-lo. Tanto para os educadores-oficineiros quanto para as crianças participantes da oficina, a necessidade para criar é essencial, pois isto propicia o transitar pelos saberes (autorizados ou não) sem que haja os limites impostos pelas disciplinas, refletindo, pensando e sentindo as harmonias possíveis. Para Rolnik (1989), o importante é que a teoria se faça juntamente com os participantes, absorvendo matérias de qualquer procedência. Tudo o que servir para cunhar matéria de expressão e criar sentido para o oficineiro é bem-vindo. Todas as entradas são boas, desde que as saídas sejam através de múltiplas linguagens. Neste sentido, ele deve servir-se de fontes as mais variadas, tanto em termos de ação, como de discursos de verdade. Este deve ser o critério de sua escolha: descobrir que matérias de expressão, que composições de linguagem favorecem a passagem das intensidades que percorrem seu corpo no encontro com os corpos que pretende entender. Entender, para o oficineiro, não tem nada a ver com explicar e muito menos com interpretar, revelar. Para ele, não há nada que esteja nas entrelinhas, o que há são intensidades buscando expressão. Sendo assim, é quase que impossível seguir uma espécie de protocolo normalizado nos projetos que trabalham com oficinas. Os procedimentos a serem utilizados não são tão importantes, porque o educador sabe que deve inventá-los em função daquilo que pede o contexto em que se encontra. O seu critério de avaliação é o do grau de intimidade que cada um se permite, a cada momento, com o caráter que o desejo imprime na condição humana. É claro que esse tipo de avaliação nada tem a ver com padrões ou medidas, mas com aquilo que o “corpo vibrátil ” - termo utilizado por Rolnick (1989) para definir o corpo como potência de criação - capta no ar, uma espécie de “ feeling” que varia inteiramente em função da singularidade de cada situação, inclusive do limite de tolerância do próprio corpo que está avaliando, em relação à situação que está sendo avaliada. Unidade 6 linguagem_e_infancia_I.indb 173 173 18/1/2007 09:59:03 Universidade do Sul de Santa Catarina É o valor que se dá a cada um dos movimentos do desejo, ou seja, o grau de abertura para a vida que cada um se permite a cada momento. Como afirma Rolnik (1989), o que lhe interessa é a expansão da vida, é o quanto esta encontra canais de efetuação. O que define o perfil do educador-oficineiro, portanto, é a sensibilidade que prevalece, à medida do possível nas suas oficinas. Já que não é possível definir seu método, mas apenas sua sensibilidade, ele leva consigo princípios e um breve roteiro de preocupações, que necessitam ser definidos e redefinidos para si constantemente. Com efeito, o que ele precisa trabalhar é a potência de criação permanente do sentido e das pessoas que participam das oficinas: é essa potência que precisa ser reativada, tratando o pensamento como criação. Para Foucault (1984), isto significa pensar numa forma de conceber a vida como uma “obra de arte”, vinculada à produção de singularidades e diferenças, bem como liberar acontecimentos criativos, com o objetivo de dissolver o pensamento reduzido às convenções autoritárias para a busca do conhecimento. O trabalho do educador-oficineiro consiste, então, em reorientar as novas produções do desejo das criancas no sentido da “expansão da vida” - critério do cartógrafo, como se refere Rolnik -, ou, ainda, como propõe Guattari (1992, p.33) : “A única finalidade aceitável das atividades humanas é a produção de uma subjetividade que enriqueça de modo contínuo sua relação com o mundo.” Embora se tenha um eixo temático explicitado pelo próprio título, cada oficina é suporte para um sem-número de possibilidades e de resultados. Isto se deve ao entrelaçamento entre o que se propõe, que diz respeito a uma escolha do educador-oficineiro, e as experiências de cada criança. É importante, portanto, que o educador-oficineiro decida sobre um tema de interesse que virará um tema de estudo, procurando reunir o máximo possível de material nas bibliotecas, nas redes de computadores, em outras pesquisas que tratam do tema, 174 linguagem_e_infancia_I.indb 174 18/1/2007 09:59:03 Linguagem e Infância I pesquisas de campo, para que, juntamente com isto, possa desenvolver uma experiência de oficina, procurando levar o material que dispõe às pessoas interessadas. É quando começa a buscar os meios para falar sobre o seu tema, que a ação do oficineiro tem a ver com a atitude de um verdadeiro educador. Atividades de auto-avaliação Após a leitura criteriosa da Unidade VI, efetue as atividades de autoavaliação e, a seguir, acompanhe as respostas e comentários a respeito. Para melhor aproveitamento do seu estudo, realize a conferência de suas respostas somente depois de fazer as atividades propostas. 1) Hoje existem muitas discussões acerca da superação da fragmentação dos saberes apontando para a interdisciplinaridade como uma forma de integração das disciplinas. No entanto, Gallo propõe um outro modelo diferenciado que chama de transversal. Qual a diferença entre estes dois modelos para a educação? Unidade 6 linguagem_e_infancia_I.indb 175 175 18/1/2007 09:59:04 Universidade do Sul de Santa Catarina 2) De acordo com Silva o educador, para exercer um trabalho com a Educação Infantil, precisa ter um olhar transversal que respeite o direito da criança. Que tipo de olhar é esse, que ele estabelece como importante para o sucesso da prática pedagógica do educador? 3) Os projetos com oficinas procuram assegurar-se em três eixos de pesquisa. Explique quais são eles e o que significa cada um. 176 linguagem_e_infancia_I.indb 176 18/1/2007 09:59:04 Linguagem e Infância I Síntese Você viu, nesta Unidade, aspectos relevantes à Pedagogia e Prática de Ensino na Educação Infantil, com o objetivo de melhor compreensão da infância, algumas experiências pedagógicas diferenciadas na Educação Infantil, além da apresentação de projetos de oficinas como ferramenta educativa. Em especial, que a organização curricular do ensino formal segue o padrão de currículo, que coloca as disciplinas como realidades estanques. Este é o modelo curricular utilizado pelas políticas públicas e funciona por meio do modelo oficial que corresponde a uma educação instituída produzida nos gabinetes. Para contrapor-se a esse modelo oficial, vamos remeter para o conceito de educação como resistência, ou seja, uma educação que não se presta à hierarquização, mas à proliferação de pensamentos. O primeiro passo para chegarse a essa educação é aprender a pensar, a observar. Ensinar a pensar e observar deveria ser a primeira preocupação da educação escolarizada. Uma educação que possibilite refletir sobre a dimensão que os conhecimentos assumem na educação das crianças da Educação Infantil. Viu também que para uma educação funcionar desta maneira, nós podemos propor, como uma das estratégias possíveis para a Educação Infantil, projetos de oficinas tomadas como ação educativa em si, abrindo-se como campo de pesquisa em educação autônoma; projetos que são o resultado do modo como os educadores-pesquisadores vêem-se capazes de experimentar, decidir, propor linhas de ação, de crítica e de teorização; projetos que trabalham com oficinas que se preocupam em trabalhar com a experiência das crianças, abrindo-se para possibilidades de desenvolvimento das múltiplas linguagens, o que exige trocas de experiências com grupos de reciprocidade, de interesses e respeito ao mundo cultural do outro. Apresentamos também algumas experiências diferenciadas na Educação Infantil, entre elas, a da Escola da Ponte, em Portugal, que não segue um sistema baseado em disciplina e nem em seriação ou ciclos. As crianças definem quais são suas áreas de Unidade 6 linguagem_e_infancia_I.indb 177 177 18/1/2007 09:59:04 Universidade do Sul de Santa Catarina interesse e desenvolvem projetos de pesquisa, tanto em grupo como individuais. Referimo-nos a outros tipos de escolas de Educação Infantil, que se localizam em Reggio Emilia, na Itália, e que surpreendem pela beleza, ambientes estéticos e atividades que conduzem a criança a perceber e a representar o mundo cultural em que vive. Nestas escolas, o currículo é aberto e trabalha-se com projetos, que começam com base em uma idéia e germinam por longo período, envolvendo a observação de idéias. Outra escola referida é a escola libertária Paideia, em Mérida, na Espanha. O desafio que se coloca então, nesta escola, é buscar, por intermédio da ação das crianças que a freqüentam, criar espaços de liberdade, transformando-os em espaços de convivência, condição fundamental para a autogestão educativa. Saiba mais Para obter mais detalhes sobre a prática pedagógica na Educação Infantil e projetos de oficinas, recomendamos que pesquise em: EDWARDS, C.; GANDINI, L.; FORMAN, G. As Cem linguagens da criança. Porto Alegre: ArtMed, 1999. D`AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática. [on-line] http:// sites.uol.com.br/vello/ubi.htm QUINN, Daniel. Meu Ismael: o fenômeno continua. São Paulo: Petrópolis, 1999. COLECTIVO PAIDEIA. Intento de educación antiautoritária y psicomotriz en preescolar. Mérida: Editorial Josefa Martin Luengo, 1978-79. ___________ PAIDEIA: una escuela libre. Madrid: Ziggurat, 1985. 178 linguagem_e_infancia_I.indb 178 18/1/2007 09:59:04 Linguagem e Infância I GALLO, Sílvio. Pedagogia do risco: experiências anarquistas em educação. Campinas: Papirus, 1995. ILLICH, Ivan. Educação e desenvolvimento. in: A IDÉIA, Lisboa, verão/outono de 1985, nº 38-39. ____________ Uma Sociedade sem escolas. Petrópolis: Vozes, 1988, 8ª ed. ________ et alii. Educação e liberdade. SP: Imaginário, 1990. 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Agora, acreditamos que você já tenha claro, que a educação é um campo de produção de subjetividades e de exercício de relações de saber-poder, onde é fundamental o ato de questionar para a formação de alunos e professores. No entanto, para que este questionamento aconteça é preciso que haja, por parte dos alunos, uma radicalidade do ato de perguntar. Ao final do estudo, portanto, espero que você tenha tido a oportunidade de entender a complexidade das questões relativas às múltiplas linguagens da criança e da importância de uma formação ética do educador da Educação Infantil. Ao adentrar no campo de estudos das múltiplas linguagens da criança, espero ter possibilitado a você a compreensão sobre a complexidade e dinamicidade deste campo de estudo, tomando como ponto de partida as vozes das crianças, suas linguagem_e_infancia_I.indb 181 18/1/2007 09:59:04 linguagens e manifestações, considerando, sobretudo, as transgressões e os gestos de resistência dos pequenos. Essas múltiplas linguagens das crianças necessitam ser permanentemente colocadas como objeto de reflexão. Espero que você tenha aproveitado bem todas as alternativas apresentadas pela disciplina, proporcionando-lhe um olhar diferenciado sobre a infância. Ser um educador-pesquisador é buscar sempre fazer e pensar diferentemente do que se faz e do que se pensa por meio de atitudes éticas e estéticas, como você viu na disciplina. Atitudes que proporcionam o novo, o criativo, o repensar constante da prática pedagógica e da própria vida. É preciso que você encontre paisagens específicas no ensino e na aprendizagem, que lhe encaminhem para o encontro de portas entreabertas, que vão lhe proporcionar espaço para movimentos que se colocam na contramão de uma prática pedagógica tradicional. Trata-se, portanto, da procura por espaços possíveis de mudança, onde seja possível transitar pelo intransitável, quebrando a solidez dos discursos de verdade e contestando o imperativo do curso da rotina institucional padronizada. Espero que você possa ter, a partir desta obra, uma experiência tão intensa quanto a nossa ao escrevê-la. Um grande abraço! Raquel linguagem_e_infancia_I.indb 182 18/1/2007 09:59:05 Referências ABRAMOWICZ, A. O direito das crianças a educação infantil. In: Pro-posições, v. 14, 2003. AGAMBEN, Giorgo. Infância e história. Buenos Aires: Adriana Hidalgo, 2001. ALMEIDA, Elvira. Arte lúdica. São Paulo: Edusp/FAPESP, 1997. ALVES, Rubem. A escola: centro de memória e produção de comunicação/cultura. São Paulo: FAPESP, 1999. ______. A escola que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. São Paulo: Papirus, 2001. ANTUNES, Celso. Jogos para a estimulação das múltiplas inteligências. 7 ed., Petrópolis: Vozes, 1998. ______. 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Completou o curso de Especialização em Educação Física na UFSC em 1978. Fez Mestrado em Educação no CED/UFSC em 1992. Encerrou o curso de doutorado em Engenharia de Produção pela UFSC 2002. É professora aposentada pela UFSC, onde trabalhou no Curso de Graduação em Educação Física durante 25 anos com várias a disciplinas, entre elas recreação infantil. Atua recentemente no Mestrado em Psicopedagogia da UNISUL, como professora contratada, onde já ministrou disciplinas tais como: Psicopedagogia, Transdisciplinaridade e Novas Tecnologia, Educação, Sociedade e Gestão Escolar e Educação e Linguagens Múltiplas. Tem como linha de pesquisa os seguintes temas: Educação Infantil, Linguagem e Múltiplas Inteligências, Ludicidade e Corporeidade, Formação do Educador, Prática Pedagógica e Oficinas como Modalidade Educativa. Possui doze artigos completos publicados em periódicos, quatro capítulos de livros publicados, dois livros escritos com outros autores e um escrito individualmente. Orientou treze trabalhos de Mestrado, trinta e oito de Especialização e vinte e quatro de Graduação. Participou de quinze bancas examinadoras de dissertação de Mestrado, treze de Especialização e dez de Graduação. linguagem_e_infancia_I.indb 191 18/1/2007 09:59:06 linguagem_e_infancia_I.indb 192 18/1/2007 09:59:06 Respostas e comentários das atividades de auto-avaliação A seguir acompanhe as respostas e comentários sobre as atividades de auto-avaliação apresentadas durante as unidades da disciplina Linguagem e Infância I. Para um melhor aproveitamento do seu estudo, realize a conferência de suas respostas somente depois de realizar as atividades propostas. Unidade 1 1) Estas respostas só visam garantir e facilitar a compreensão do conteúdo estudado. Portanto, apenas diga qual a seção lhe chamou mais atenção e justifique-a. 2) Quando nos referimos à tarefa que a Filosofia e as Ciências Humanas modernas empreenderam na constituição dos sujeitos infantis, estamos nos preocupando com a compreensão de como esta área de conhecimento ao longo do tempo foi constituindo a mentalidade dos seres humanos. Analise esta questão a luz dos autores estudados. A idéia é ir conhecendo a complexidade e aprofundando estes conceitos. 3) Aqui você deve abordar segundo Ariès a idéia de inocência e cognição e no que estas idéias podem levar a utilização de certas atitudes e comportamentos na educação da infância. Na perspectiva apresentada por este autor você deve dizer como estas duas condições estão imbricadas. 4) A idéia, nesta atividade, é que você aprofunde as questões apontadas por Larrosa no que se refere a seguinte citação: “receber é criar um lugar: abrir um espaço em que aquele que vem possa habitar; pôr-se à disposição daquele que vem...” linguagem_e_infancia_I.indb 193 18/1/2007 09:59:06 Universidade do Sul de Santa Catarina Unidade 2 1) Solicitamos que você faça a análise do item 1 da unidade 2, referindo-se a como a criança pode tornar-se não só aquela que copia e imita, mas também como criadora de história e cultura. 2) A idéia desta atividade é fazer com que você analise a multiplicidade de questões levantadas por Elzirik quando ele faz as seguintes perguntas: quantas oportunidades se perdem de ampliar o conhecimento pelo apego ao já sabido? Quantas possibilidades de imaginação são desvalorizadas por conta da censura prévia do que é proibido? Quantos mecanismos disciplinares são utilizados na Educação Infantil que interferem naquilo que é esperado, nos limites inscritos nas regras que tiveram origem em outros tempos? 3) Espero que, com base nos estudos realizados, seus conceitos tenham se aprofundado. É importante identificar o caráter relacional e a dinamicidade deles no que se refere à identificação de como se dá a convivência grupal e a liberdade de expressão na Infância abordada pelos autores selecionados. 4) Nesta questão espero que você organize uma relação de argumentos favoráveis para reavivar a dimensão ética na relação com o Outro – a criança, agrupando-os em ordem de prioridade, o que confirmará a sua compreensão deste aspecto essencial aos seus estudos. Unidade 3 1) A partir dos estudos realizados por Gardner, gostaria que você dissesse quais os tipos de inteligência definidas por ele em suas obras. Ou seja, que explicite a classificação organizada por este autor nas suas pesquisas sobre inteligências múltiplas. 2) Explique de forma resumida o que você entendeu por cada uma delas. Espero que, com base nos estudos realizados nesta unidade, seus conceitos tenham se aprofundado proporcionando uma maior amplitude de conhecimentos. 3) Aqui você deve abordar que nova visão da educação você acha que a teoria das Inteligências Múltiplas pode lhe proporcionar nos estudos da Educação Infantil. Você deve ter identificado que o conceito de 194 linguagem_e_infancia_I.indb 194 18/1/2007 09:59:07 Linguagem e infância I inteligência abordada por este autor não é relacionado apenas a um tipo de inteligência, mas estamos diante do estudo de várias áreas que envolvem reflexão e saberes teórico-práticos. 4) Muito bem. Você que estuda linguagem e infância e considerando o estudo que realizou sobre a teoria das Inteligências Múltiplas, diga qual seria o maior desafio para a educação e o papel do professor neste processo. 5) Não abordamos aqui a proposta a avaliação pedagógica apresentada Gardner. Gostaríamos que você refletisse e pesquisasse na internet este assunto. Unidade 4 1) Bujes explica que as linguagens estão profundamente implicadas na instituição de práticas e na constituição de subjetividades sociais. Gostaríamos que você explicasse o que a autora quer dizer com isto. A sua análise constitui um exercício em que não há resposta certa ou errada, mas o produto da interação entre sua percepção de atitudes e valores ali propostos e os que norteiam o seu cotidiano. 2) Procure refletir a partir do que você estudou neste item sobre o educador, sobre a preparação do professor nos cursos de formação em termos de desempenhos comunicativos e expressivos ao nível do desafio do ensino na Educação Infantil, relacionando este conhecimento a sua vivência cotidiana. 3) Espero que a leitura desta unidade tenha possibilitado a você um aprofundamento das discussões presentes na área específica da Educação Infantil, dando-lhe subsídios para refletir sobre como valorizar os diversos tipos de linguagens da criança, quando hoje há uma forte tendência à homogeneização das subjetividades e uma grande tentativa de abolir as diferenças nas instituições educacionais. 4) A partir dos estudos realizados por Kishimoto, procure refletir sobre como integrar as várias áreas curriculares, abordando o brincar na infância e que exemplos a autora sugere para o desenvolvimento deste trabalho. 195 linguagem_e_infancia_I.indb 195 18/1/2007 09:59:07 Universidade do Sul de Santa Catarina Unidade 5 1) A formação docente se caracteriza pelo pensar como forma de fazer diferentemente do que e faz, enfrentando o novo, o diferente. Traga outras características e aprofunde as relações apresentadas por Kastrup sobre educação e viagem, vista na seção 1 desta unidade, que podem nos servir de guia para pensar o que é o processo de formação do educador da Educação Infantil. 2) Um dos aspectos mais importantes para o processo de formação docente é o fato dos cursos priorizarem o estudo e a pesquisa. Analise tais pontos levantados por Larrosa nesta unidade, fazendo relação com a Educação Infantil. 3) Corazza propõe que se trabalhe na Educação Infantil com uma Pedagogia Cultural. Gostaríamos que aqui você explicasse como a autora entende essa proposta de Pedagogia e no que ela se difere de uma Pedagogia tradicional. 4) Educar é uma coisa, escolarizar é outra. Solicitamos aqui que você reflita sobre essa questão e identifique qual a diferença entre educação e escolarização? Unidade 6 1) Atualmente existem muitas discussões acerca da superação da fragmentação dos saberes apontando para a interdisciplinaridade como uma forma de integração das disciplinas. Faça uma distinção entre interdisciplinaridade e transversalidade apresentada pelo autor Gallo para a melhoria do processo educativo. 2) A idéia desta atividade é fazer com que você reflita sobre como Silva entende o trabalho do educador na Educação Infantil através de um olhar transversal que respeite o direito da criança. Analise que olhar é esse que ele estabelece como importante para o sucesso da pratica pedagógica do educador e a melhoria do ensino e aprendizagem nesta etapa. 3) Ao final da disciplina, você deve ter identificado que os projetos com oficinas que propomos se asseguram em três eixos de pesquisa. Procure explicar quais são eles e o que significa cada um para o processo educativo. 196 linguagem_e_infancia_I.indb 196 18/1/2007 09:59:07 linguagem_e_infancia_I.indb 197 18/1/2007 09:59:07 linguagem_e_infancia_I.indb 198 18/1/2007 09:59:07