ESCOLA DE COMANDO E ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO Maj Inf MARCELO BASTOS DE SOUZA Análise Histórica da Evolução da Guerra Irregular e sua aplicação no Combate de Resistência Rio de Janeiro 2014 Maj Inf MARCELO BASTOS DE SOUZA Análise Histórica da Evolução da Guerra Irregular e sua aplicação no Combate de Resistência Projeto de Pesquisa apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como pré-requisito para matrícula no Programa de Pós-graduação stricto sensu em Ciências Militares. Orientador: Professor Doutor Francisco Carlos Teixeira da Silva Rio de Janeiro 2014 S729g SOUZA, Marcelo Bastos de. Guerra Irregular no contexto da Estratégia Resistência. / Marcelo Bastos de Souza. 2014. 25 f.; 30 cm. da Trabalho de Conclusão de Curso – Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2014. Bibliografia: f. 24-25. 1. Guerra Irregular. 2. Estratégia da Resistência. 3. Securitização da Amazônia. I. Título. CDD 355.4 LISTA DE FIGURAS Figura 01 – A Trindade Clausewitziana expandida ................................................... 14 LISTA DE TABELAS Tabela 01 – Cronograma .......................................................................................... 23 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ELP EUA FLN URSS Exército de Libertação Popular Estados Unidos da América Frente de Libertação Nacional União das Repúblicas Socialistas Soviéticas SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................8 1.1 O PROBLEMA.......................................................................................................9 1.1.1 Antecedentes do problema..............................................................................9 1.1.2 Formulação do problema.................................................................................9 1.2 OBJETIVOS.........................................................................................................10 1.2.1 Objetivo geral....................................................................................................10 1.2.2 Objetivos específicos........................................................................................10 1.3 SUPOSIÇÃO........................................................................................................10 1.4 QUESTÕES DE ESTUDO...................................................................................11 1.5 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO..............................................................................11 1.6 RELEVÂNCIA DO ESTUDO................................................................................11 2 REFERENCIAL TEÓRICO.................................................................................….13 2.1 CONCEITUAÇÃO DE GUERRA IRREGULAR....................................................13 2.2 HISTÓRICO DA GUERRA IRREGULAR.............................................................14 2.3 HISTÓRICO DAS PRESSÕES INTERNACIONAIS SOBRE A AMAZÔNIA.......17 2.4 A DOUTRINA DA ESTRATÉGIA DA RESISTÊNCIA..........................................18 3 METODOLOGIA.....................................................................................................21 3.1 TIPO DE PESQUISA...........................................................................................21 3.2 COLETA DE DADOS...........................................................................................21 3.3 TRATAMENTO DOS DADOS..............................................................................22 3.4 LIMITAÇÕES DO MÉTODO................................................................................22 4 CRONOGRAMA.....................................................................................................23 REFERÊNCIAS.........................................................................................................24 8 1 INTRODUÇÃO Este projeto de dissertação tem por finalidade apresentar, em linhas gerais, a pesquisa científica intitulada “Análise histórica da evolução da Guerra Irregular e sua aplicação no Combate de Resistência”. O estudo segue a linha de pesquisa “Estudos da Paz e da Guerra”, estando inserido no assunto “História Organizacional e Militar”. Segundo a definição de Visacro (2009), Guerra Irregular “é todo conflito conduzido por uma força que não dispõe de organização militar formal e, sobretudo, de legitimidade jurídica e institucional”. Ao longo da História, a Guerra Irregular foi a forma mais comum de enfrentamento empregada pelos povos de menor poderio bélico contra as maiores potências que buscavam subjugá-los. Com o aperfeiçoamento da Arte da Guerra, esta forma de combate também evoluiu, obtendo alguns êxitos e estabelecendo algumas técnicas de atuação que se tornaram consagradas e são empregadas até os dias de hoje. Atualmente, a Guerra Irregular cresce de importância, à medida em que é sistematicamente aplicada pelos povos de menor poder econômico e, consequentemente, militar, tanto por militares profissionais, como milicianos e até pela população civil. Empregada na atualidade de forma melhor definida doutrinariamente, a Guerra Irregular associou-se a determinados conceitos, como a comunicação social e o aproveitamento da mídia eletrônica, para potencializar seus efeitos e obter o resultado esperado, que é a perda da vontade de lutar do invasor, seja pelo desgaste de seus combatentes, seja pela pressão de sua opinião pública. A intenção da dissertação de mestrado é analisar os mais relevantes casos históricos de emprego da chamada Guerra Irregular, colhendo ensinamentos de aplicação tática e estratégica, que possam ser úteis para a doutrina da Estratégia da Resistência, particularmente no ambiente operacional amazônico, tendo em vista contribuir para o debate acerca da referida doutrina. A originalidade do tema, a importância militar da área, as lacunas e contradições observadas, bem como a maciça aplicação da Guerra Irregular na atualidade, descritas no bojo deste projeto, justificam e conferem importância à investigação. 9 Os resultados significantes serão descritos no relatório final, trazendo inferências que poderão contribuir para aprimorar a doutrina da Estratégia da Resistência ora empregada pelo Exército Brasileiro, à luz do estudo histórico das diversas experiências de combate no campo da Guerra Irregular. 1.1 O PROBLEMA 1.1.1 Antecedentes do problema Ao longo da História Militar, os povos de menor poderio militar, quando subjugados, buscaram reverter sua situação de inferioridade com técnicas e táticas que buscavam atingir os pontos fracos de seus inimigos. Desta maneira, surgiu a chamada Guerra Irregular, onde o inimigo nem sempre é bem caracterizado, e utiliza técnicas inovadoras, até então desconhecidas dos combatentes convencionais. Em diversos ambientes operacionais, das selvas vietnamitas às montanhas do Afeganistão, combatentes sem rosto buscavam desgastar física e moralmente o invasor de poderio bélico incontestavelmente superior, com a intenção de que, à longo prazo, sua situação se tornasse insustentável perante a opinião pública interna e externa, fazendo com que se retirasse do território ocupado. Mas será que tal modalidade de combate representou sempre uma vantagem para os mais fracos? Em que casos históricos os objetivos de expulsão do invasor foram atingidos? Esta forma de combater é viável para os dias de hoje? Em que situações? Esta pesquisa busca responder essas perguntas, a partir da análise histórica, tendo como “farol” o possível emprego de aspectos táticos e estratégicos da Guerra Irregular no contexto da Estratégia da Resistência em defesa da Amazônia brasileira. 1.1.2 Formulação do problema Frente à motivação dos casos históricos de Guerra Irregular, quais as suas contribuições para a reflexão sobre a Estratégia da Resistência brasileira nos campos político, estratégico e cultural? 10 1.2 OBJETIVOS A pesquisa buscará atingir o objetivo geral a partir da consecução de objetivos específicos, a serem identificados a seguir. 1.2.1 Objetivo geral Analisar, mediante o conhecimento de casos históricos, o emprego da Guerra Irregular na atualidade, nos campos político, estratégico e cultural, contribuindo para a reflexão sobre a Estratégia da Resistência empregada no Exército Brasileiro. 1.2.2 Objetivos específicos Analisar o caso histórico de emprego da Guerra Irregular na Guerra SinoJaponesa e suas consequências para a doutrina militar da Força Terrestre. Analisar o caso histórico de emprego da Guerra Irregular na Guerra da Argélia e suas consequências para a doutrina militar da Força Terrestre. Analisar o caso histórico de emprego da Guerra Irregular na Guerra do Vietnã e suas consequências para a doutrina militar da Força Terrestre. Compreender o processo de securitização da Amazônia, baseado no histórico das pressões internacionais sobre a região. Conhecer como está estruturada a Estratégia da Resistência brasileira. Conhecer quais são as principais críticas à Estratégia da Resistência brasileira. 1.3 SUPOSIÇÃO Diversos aspectos encontrados nos principais eventos de Guerra Irregular como estratégia de resistência no mundo contribuem para o aprimoramento operacional da doutrina da Estratégia da Resistência no Brasil. 11 1.4 QUESTÕES DE ESTUDO a) Quais são os principais enfoques referentes à conceituação de Guerra Irregular? b) Quais as lições aprendidas sobre a condução da Guerra Irregular na Guerra Sino – Japonesa? c) Quais as lições aprendidas sobre a condução da Guerra Irregular na Guerra da Argélia? Brasil? d) Quais as lições aprendidas sobre a condução da Guerra Irregular na Guerra do Vietnã? e) Como ocorreu o processo de securitização da Amazônia? f) Como está estruturada a doutrina da Estratégia da Resistência no Brasil? g) Quais são as principais críticas à Estratégia da Resistência? 1.5 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO A pesquisa em questão irá ater-se à análise dos casos históricos mais relevantes de emprego da Guerra Irregular como estratégia bem sucedida de resistência, quais sejam: Guerra Sino-Japonesa, Guerra da Argélia e Guerra do Vietnã. Tais casos serão abordados por apresentarem, em maior ou menor grau de incidência, aspectos positivos e negativos, cuja análise acarretará contribuições substanciais à doutrina militar da Força Terrestre. Será feita, ainda, a apresentação da doutrina da Estratégia da Resistência, ora em vigor no Exército Brasileiro, bem como dos ensinamentos colhidos em exercícios realizados no ambiente operacional de selva. Finalmente, a pesquisa concluirá sobre os aspectos da Guerra Irregular aplicáveis no contexto da Estratégia da Resistência, levando-se em consideração os aspectos políticos, estratégicos e culturais. 1.6 RELEVÂNCIA DO ESTUDO Grande parte dos conflitos ocorridos após a Segunda Guerra Mundial se deu mediante o embate entre exércitos regulares (normalmente associados aos países de maior poder econômico e militar) e tropas irregulares (associadas aos países 12 periféricos ou de poder militar nitidamente inferior). Os exemplos são vários: Guerra da Indochina, Guerra do Vietnã, Guerra do Afeganistão (1979 – 1989), Guerra do Golfo I e II, entre outros. Destarte, cresce de importância no contexto militar atual, o estudo da Guerra Irregular como modalidade de combate, tendo em vista a grande incidência de seu emprego nos conflitos contemporâneos. O aprofundamento da análise histórica da Guerra Irregular seguramente proporcionará que sejam aprendidas lições valiosas que muito auxiliarão no preparo da Força Terrestre para os conflitos do futuro. Ressalta-se, ainda, a grande possibilidade do emprego de determinados aspectos da Guerra Irregular pelos Exércitos modernos, particularmente no que tange aos conflitos contra potências com poder militar incontestavelmente superior, o que pode ser observado na atual doutrina da Estratégia da Resistência, hipótese de emprego para a defesa da Amazônia brasileira. O presente trabalho se diferencia das demais obras que já abordaram o assunto, na medida em que correlaciona os principais casos históricos de emprego da Guerra Irregular com a doutrina atual de emprego da Força Terrestre do Brasil, particularmente em relação ao ambiente operacional de selva. Finalmente, a relevância do trabalho é consolidada pela prioridade dada pelo Estado brasileiro à defesa da região amazônica, consubstanciada nos principais documentos norteadores da política de defesa, como a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional. 13 2 REFERENCIAL TEÓRICO Os pressupostos teóricos estão contextualizados com a problemática e a importância da pesquisa, sendo descritos resumidamente a seguir, a partir da publicação ou autor, dentro de uma previsão das seções do trabalho. 2.1 CONCEITUAÇÃO DE GUERRA IRREGULAR A pesquisa estará basicamente referenciada em duas obras literárias, “Guerra Irregular”, de Alessandro Visacro e “Teoria e prática da contra-rebelião”, de David Galula. A primeira obra apresenta aspectos conceituais relevantes e elucidativos acerca da Guerra Irregular em suas principais variantes, explorando vários casos históricos, que auxiliam na contextualização do tema. Este autor enfatiza, ainda, a necessidade do entendimento de que “transformações na conduta da guerra são, antes de mais nada, decorrentes de transformações sociais” (VISACRO, 2009). Esta assertiva norteia a abordagem da pesquisa, particularmente na análise dos aspectos culturais na condução da Guerra Irregular como instrumento de resistência. A segunda obra estabeleceu um marco no estudo do fenômeno da Guerra Irregular de forma sistemática. David Galula estabeleceu de forma inédita o entendimento dos principais objetivos do que ele chamou de “guerra revolucionária”: Na guerra revolucionária, a situação é outra. Sendo o objetivo a própria população, as operações destinadas a conquistá-la (para o rebelde) ou a mantê-la ao menos passiva (para o contra-rebelde) são de natureza essencialmente política. (p. 20.) Tal definição de Galula é convergente com o conceito clausewitziano de que “a guerra é a política por outros meios” (CLAUSEWITZ, 1979), desmistificando a ideia da inservibilidade da teoria estratégica de Clausewitz para se entender o fenômeno da Guerra Irregular. Essa forma de condução do combate está plenamente inserida na chamada “Teoria da Guerra” se diferenciando apenas pela mudança do centro de gravidade, que passa a ser o apoio da população, e as técnicas de combate. A notável trindade clausewitziana seria, então, expandida, conforme a figura a seguir: 14 Quadro 1 – A Trindade Clausewitziana expandida. Fonte: Força Aérea Australiana. 2.2 HISTÓRICO DA GUERRA IRREGULAR Com relação aos casos históricos, a pesquisa abordará a Guerra SinoJaponesa, a Guerra da Argélia e a Guerra do Vietnã, três exemplos bem sucedidos de condução da resistência contra um invasor estrangeiro, sob a forma de Guerra Irregular. O primeiro caso é o da Guerra Sino-Japonesa: sob a liderança de Mao Tsétung, os comunistas organizaram as forças de guerrilha no interior chinês, embrião do que viria a ser futuramente o Exército de Libertação Popular (ELP). Antes, porém, de lutar pelo poder, os guerrilheiros testaram suas forças contra o Japão, que havia invadido a China em 1931; a luta se estendeu até 1945, com a derrota japonesa na Segunda Guerra Mundial. A partir de 1947, as forças de Mao, passaram à luta pela tomada do poder, contando com o apoio maciço da população rural, fato este até então desprezado pelos movimentos guerrilheiros ao longo da História. A guerra revolucionária se estabeleceu em três fases: a primeira, com o treinamento da guerrilha, constituição de suas bases em cidades estratégicas e intensa doutrinação ideológica da população; a segunda, com a realização de pequenas incursões, empregando pequenos efetivos e sem se engajar em combates decisivos, no intuito de obter armamentos e suprimentos, além de desmoralizar as tropas regulares; a terceira, com a transformação das tropas guerrilheiras em unidades regulares, o isolamento geográfico do inimigo e a derrota final deste por meio do combate decisivo. 15 Este caso será estudado por meio da concepção estratégica da resistência de Mao-Tsé-Tung, consubstanciada nas obras On Guerrilla Warfare (1989), Sobre la guerra prolongada (1963), Problemas estratégicos de la guerra de guerrillas antijaponesa (1961), Obras escogidas (1959). O conflito de independência da Argélia, colônia francesa desde o século XIX, caracterizou-se por sete anos (1954-1961) de sangrentos confrontos, posto que a França, que já havia sido derrotada na Indochina, não queria abrir mão de suas colônias africanas. O principal movimento de resistência argelino era a Frente de Libertação Nacional (FLN), que, a partir de 1954, iniciou uma série de ações terroristas contra as tropas francesas, gerando uma violenta repressão que atingiu também a população civil, o que fez com que a FLN, com seu discurso nacionalista, angariasse o apoio popular e da comunidade internacional. As principais táticas da Guerra Irregular argelina foram a guerrilha, o terrorismo urbano, o apoio popular, a destruição da administração colonial, o ataque à influência cultural francesa e o controle da população. Tais procedimentos levaram ao desgaste político da França no cenário internacional e à consequente retirada do invasor da Argélia. Para analisar o caso argelino serão utilizadas as obras Modern Warfare (1985), de Roger Trinquier, e “A Revolução Argelina” (2008), de Mustafa Yazbek, de forma a entender a concepção estratégica argelina, tanto a partir da visão do colonizador francês, como do guerrilheiro argelino. No período compreendido entre 1964 e 1975, no auge da Guerra Fria, os Estados Unidos da América (EUA) travaram no Vietnã uma guerra onde estava em jogo seu poder de influência no Oriente, em oposição à rápida expansão comunista na região. Porém, este conflito lhe rendeu muitos dividendos negativos, com relação à sua opinião pública. O Vietnã, localizado na península da Indochina, sempre foi uma região visada pelo Ocidente e, por isso mesmo, seu povo se aperfeiçoou na guerra de resistência. Foi assim com relação ao domínio colonial francês (1946-1954), onde o invasor foi expulso de maneira humilhante no famoso combate de Dien Bien Phu. Com a divisão do Vietnã em duas áreas de influência, a guerra civil se tornou inevitável, mas, enquanto a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas 16 (URSS) manteve o apoio à distância, os EUA enviou tropas para o combate, de modo a garantir que o país não fosse unificado sob a égide comunista. Iniciado o conflito, as tropas norte-americanas logo perceberam que o seu inimigo mais mortal eram os denominados vietcongues, ou seja, guerrilheiros comunistas sul-vietnamitas, que passaram a realizar ações militares de caráter irregular, além de apoio às tropas regulares do Vietnã do Norte. Aproveitando-se do conhecimento do terreno (particularmente da hostilidade da floresta tropical), do apoio da população, de seus criativos e eficientes métodos logísticos, e, principalmente, do aproveitamento da mídia internacional, de modo a “demonizar” os EUA, os guerrilheiros vietcongues contribuíram de forma fundamental para o êxito dos norte-vietnamitas, que, embora não obtivessem uma vitória militar expressiva, conquistaram o objetivo estratégico-político final, ou seja, a retirada das tropas norte-americanas e a posterior reunificação do país. Ressalta-se, além da participação dos vietcongues, a atuação do Exército norte-vietnamita, que, embora fosse uma tropa de constituição regular, empregou muitos dos princípios da Guerra Irregular. Sob a liderança do general Vo Nguyen Giap, empreendeu uma guerra de resistência, onde o principal objetivo era, pelo desgaste, físico, psicológico, moral e político, eliminar a vontade de combater do invasor. Tudo isso, aliado à criatividade no emprego de inéditas táticas, como a utilização de vias de locomoção subterrâneas, foi fundamental para o sucesso final do Vietnã do Norte. Este conflito será analisado a partir da concepção estratégica do comandante do Exército do Povo do Vietnã, Vo Nguyen Giap, nas guerras de resistência empreendidas contra a França (1946-1954) e contra os Estados Unidos da América (EUA) (1965-1975), por meio das obras “O Vietnam segundo Giap” (1968) e “Manual de Estratégia Subversiva” (2005). A fim de analisar a importância da cultura estratégica na concepção da doutrina de resistência nos casos históricos abordados e como colher ensinamentos adaptáveis à cultura estratégica brasileira, será abordada a obra Modern Strategy (1999), de Colin Gray. Ressalta-se, ainda, a importância do entendimento de como surge um novo conceito operacional, dentro de um contexto estratégico, o que será analisado na obra On Infantry (1994), de John A. English e Bruce I. Gudmundssun. 17 2.3 HISTÓRICO DAS PRESSÕES INTERNACIONAIS SOBRE A AMAZÔNIA Desde a conquista do território brasileiro pelos portugueses no século XVI, a Amazônia tem sido alvo da cobiça internacional, não só por sua posição estratégica, devido à presença da maior bacia hidrográfica do mundo, mas também por suas riquezas vegetais e minerais, além da diversidade biológica. Bento (2003), em sua obra “Amazônia Brasileira”, relata as diversas tentativas estrangeiras de se apossar do território amazônico: desde a chamada União Ibérica (1580 a 1640), o rei Felipe IV determinou o povoamento da região do Pará, a fim de prevenir as investidas de ingleses, franceses e holandeses, o que foi conseguido graças à notável atuação de Pedro Teixeira. O General Leônidas Pires Gonçalves, ex- Ministro do Exército, em discurso proferido no Superior de Justiça, no ano de 1989, destacou a constante preocupação portuguesa com a defesa daquela região, ao estabelecer “cerca de 37 fortificações (...) na área amazônica”, ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX. Em sua obra “Uma geopolítica pan-amazônica”, Mattos (1980) discorre de maneira bastante elucidativa sobre o surgimento da utilização da borracha para fins industriais, a demanda internacional pelo látex (sua matéria-prima) retirado das seringueiras da Amazônia e a campanha levada a cabo pelos Estados Unidos no século XIX pela abertura do rio Amazonas à navegação internacional. As pressões internacionais sobre a Amazônia na atualidade são muito bem abordadas por Evangelho (1992), que elenca dois objetivos que serviriam como mote ao pleito das potências mundiais em internacionalizar a Amazônia: convencer o mundo de que aquela região é um “Patrimônio da Humanidade”, devido à necessidade de preservação ecológica, da cultura indígena e do manancial genético; e preservar a Floresta Equatorial Amazônica, mesmo com a “flexibilização” do conceito de soberania. A partir das ameaças à soberania brasileira sobre o território amazônico, iniciou-se um processo de securitização da região que será estudado à luz da obra “A evolução dos estudos de segurança internacional” (2012), de Barry Buzan e Lene Hansen. 18 2.4 A DOUTRINA DA ESTRATÉGIA DA RESISTÊNCIA Vários autores já abordaram o tema da Estratégia da Resistência sob enfoques distintos. Paula (2008), analisa sob o ponto de vista psicossocial, com ênfase para a identidade nacional como fator essencial de motivação para o desenvolvimento desta modalidade de combate. Na visão de Almeida (2012), a ausência do Estado Nacional dificulta o poder de dissuasão do país em relação à cobiça internacional sobre a Amazônia, o que pode gerar o confronto bélico e o consequente emprego da Estratégia da Resistência. Serão utilizados, ainda, como fonte de pesquisa bibliográfica, alguns manuais de campanha do Exército Brasileiro, no intuito de analisar a doutrina de emprego da Força Terrestre no que tange às principais ameaças externas e verificar a aplicabilidade de alguns aspectos da Guerra Irregular à Estratégia da Resistência. Nota-se, no caso dos exemplos históricos e recentes, a óbvia ligação que será feita com os capítulos anteriores, ou seja, nos exemplos históricos de sucesso ou fracasso da Guerra Irregular, seja no Brasil ou no mundo. Dentre as doutrinas relativas à defesa territorial empregadas pelo Exército Brasileiro para a defesa territorial, destaca-se, particularmente se tratando da região amazônica, a Estratégia da Resistência, que se refere à hipótese da violação da integridade territorial por país, ou coligação de países, de incontestável superioridade militar. De acordo com esta doutrina, a vitória final não será conseguida mediante a destruição da força invasora, mas sim pela anulação da vontade do invasor de prosseguir combatendo num conflito prolongado e desgastante. De maneira semelhante aos casos históricos anteriormente mencionados, a finalidade das ações da tropa irregular é causar impacto psicológico negativo e abater o moral do invasor; impedir ou prejudicar o controle das áreas e da população; diminuir a liberdade de ação e de movimento da tropa invasora; e produzir matéria de comunicação social que sirva para divulgar, no exterior, o insucesso da ação inimiga e a consequente perda do apoio da opinião pública em seu próprio país. Estes conceitos são abundantemente corroborados com os exemplos mais recentes dos conflitos atuais, como a Segunda Guerra do Golfo, por exemplo, onde 19 as milícias iraquianas se aproveitam intensamente da comunicação social para divulgar suas ações vitoriosas, bem como os abusos de alguns militares norteamericanos, fazendo com que a opinião pública internacional se volte contra os invasores. A concepção geral da Estratégia da Resistência está voltada para a adoção de táticas de combate de pequenas frações, atuando de maneira descentralizada, aproveitando-se das características naturais da Amazônia, tais como clima hostil, vastidão territorial, infra-estrutura incipiente, vazios demográficos e densa cobertura vegetal. É previsto, ainda, o emprego de forças regulares em ações semelhantes às da Guerra Irregular, tendo em vista que o combate em condições normais colocaria nossas tropas em desvantagem, tendo em vista a superioridade militar e tecnológica da força invasora. Em resumo: a vantagem seria se aproveitar das condições fisiográficas da Amazônia e do conhecimento que o habitante local tem das mesmas para empreender um combate de longa duração, com apoio da população e utilizando-se de técnicas de combate e logísticas consagradas pela Guerra Irregular. Tendo em vista todas as obras citadas, a presente pesquisa buscará condensar as informações históricas e doutrinárias nelas contidas e utilizá-las como argumentação, no sentido de tentar extrair alguns aspectos históricos da Guerra Irregular e analisar a viabilidade de sua aplicação no contexto da vigente doutrina da Força Terrestre brasileira, particularmente no que tange à defesa da Amazônia contra uma potência incontestavelmente superior, consubstanciada na Estratégia da Resistência. A intenção é contribuir para o aperfeiçoamento da doutrina militar do Exército Brasileiro, mediante a aplicação dos conhecimentos obtidos pela História Militar, posto que esta é a finalidade desta ciência social: aprender com os erros e acertos do passado e deles extrair conhecimentos que possam ser aplicáveis por parte de todos os campos do conhecimento. O que há de inédito na pesquisa em questão é justamente a associação mencionada no parágrafo anterior. Enquanto que as obras até hoje escritas sobre o tema apresentam um caráter expositivo da Guerra Irregular ao longo da História, a presente pesquisa objetiva colher lições valiosas e úteis para a modernização da doutrina militar brasileira, levando em consideração a sua condição de país em desenvolvimento, ou seja, carente de grandes recursos financeiros, porém com um 20 grande potencial em termos de recursos naturais, da grandeza, diversidade e peculiaridade de seu território, bem como da criatividade e capacidade de adaptação de sua gente, herdeira dos patriotas que, unidos, expulsaram o invasor holandês no século XVII, nos primórdios do Brasil-nação. 21 3 METODOLOGIA 3.1 TIPO DE PESQUISA Com o intuito de atingir os objetivos anteriormente elencados, a pesquisa, no que se refere à forma de abordagem, será qualitativa, posto que dará ênfase à análise bibliográfica e documental, com a participação direta do pesquisador, buscando extrair dos casos históricos analisados as características mais relevantes e que sejam aplicáveis à doutrina brasileira da Estratégia da Resistência. Em relação ao objetivo geral, a pesquisa será, em um primeiro momento, descritiva, pois buscará relatar as características da Guerra Irregular presentes nos casos históricos abordados. Em um segundo momento, será exploratória, pois analisará as características que melhor se aplicam à doutrina da Estratégia da Resistência, levando-se em consideração as peculiaridades brasileiras, propondo, de maneira inédita, a inserção de modificações na referida doutrina. O paradigma de pesquisa adotado foi o construtivista social, que preconiza, segundo o pressuposto da ontologia relativista, que as realidades existem sob forma de múltiplas construções mentais, locais e específicas, fundadas na experiência social de quem as formula (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 1998). Por este motivo, foram analisadas as concepções de diversos autores e, por meio da técnica da triangulação – ou seja, o uso de diferentes maneiras para investigar um mesmo ponto – procurou-se entender a problemática abordada. Foi empregada, ainda, a metodologia hermenêutico-dialética, que afirma, segundo os citados autores, que as construções individuais são provocadas e refinadas através da hermenêutica e confrontadas dialeticamente, com o objetivo de gerar uma ou mais construções sobre as quais haja um significativo consenso entre os respondentes. 3.2 COLETA DE DADOS A pesquisa, com relação à coleta de dados, será bibliográfica e documental, pois a análise histórica será feita utilizando as diversas publicações sobre os casos históricos de Guerra Irregular, além de manuais de campanha, no que diz respeito à doutrina da Estratégia da Resistência. O pesquisador analisará, ainda, relatórios de exercícios realizados no âmbito do Comando Militar da Amazônia, com a finalidade 22 de colher dados sobre a atual situação do adestramento da Força Terrestre no que tange à Estratégia da Resistência. 3.3 TRATAMENTO DOS DADOS Com relação à técnica de análise dos dados, a pesquisa será de história comparada, buscando sistematizar as características particulares de cada conflito de Guerra Irregular verificado, objetivando analisar tais características e sua aplicabilidade à Estratégia da Resistência, categorizando-as quanto ao aspecto (político, estratégico e cultural). 3.4 LIMITAÇÕES DO MÉTODO Com relação às suas limitações a pesquisa em questão, devido a seu enfoque histórico, se torna extremamente dependente de fontes bibliográficas e documentais para análise, limitando a realização de pesquisas de campo. Outra limitação é o pouco tempo de implantação da doutrina da Estratégia da Resistência, tornando a mesma incipiente e carente de fontes documentais, como relatórios de exercícios, entre outras. Finalmente, constata-se o envolvimento do pesquisador com o tema, por ter trabalhado no contexto da Estratégia da Resistência como aluno do Curso de Operações na Selva e Oficial de Operações do 50° Batalhão de Infantaria de Selva, o que necessitará de um maior cuidado quanto ao distanciamento na análise dos dados. 23 4 CRONOGRAMA Quadro 1 – Cronograma Atividades 1. Aprovação do projeto de pesquisa 2. Qualificação 3. Coleta de dados 4. Análise e consolidação dos dados 5. Incorporação dos dados obtidos à dissertação 6. Entrega de 50% da pesquisa 7. Elaboração final e revisão da dissertação 8. Depósito da dissertação 9. Preparação da apresentação 10. Apresentação da dissertação Fonte: o Autor J X 2014 F M A M J J A S O N X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X 24 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Roberval de. Ausência do Estado Nacional na Amazônia: fator impeditivo no Combate de Resistência?. 2012. Monografia (Curso de Comando e Estado-Maior) – ECEME, Rio de Janeiro. ALVES-MAZZOTTI, A. J.; GEWANDSZNAJDER, F. O método nas ciências naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira, 1998. BENTO, Cláudio Moreira. Amazônia brasileira: conquista, consolidação e manutenção. 1. ed. Porto Alegre: Gênesis, 2003. BRASIL. Ministério da Defesa. Estratégia Nacional de Defesa. Brasília, DF, 2013. ________. Política de Defesa Nacional. Brasília, DF, 2013. ________. Livro Branco de Defesa Nacional. Brasília, DF, 2012. BUZAN, B.; HANSEN, L. A evolução dos Estudos de Segurança Internacional. São Paulo: Unesp, 2012. CLAUSEWITZ, Carl Von. Da guerra. São Paulo: Martins Fontes, 1979. ENGLISH, J. A.; GUDMUNDSSON, B. I. 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