O estudo da Língua Portuguesa no curso de Comunicação Social: da conscientização à prática.1 Edson Roberto Bogas Garcia 2 Centro Universitário de Votuporanga - Unifev Resumo: o artigo aqui apresentado é o resultado da aplicação de algumas teorias lingüísticas e metodológicas para o ensino de Língua Portuguesa no curso de Comunicação Social de Votuporanga, Estado de São Paulo, Brasil. Com elas, pudemos estabelecer alguns critérios básicos para a relação aluno-professor-disciplina, desenvolvendo o sentido da crítica, da pesquisa e de como ensinar e aprender o nosso idioma. Palavras-chave: ensino; crítica; pesquisa; leitura; socialização. A fronte do sacerdote se verga para o cálice sagrado. A do lavrador, para a terra. A do que espalha o grão da verdade, para o sulco soaberto nas consciências novas. E todos receberam três ordens sacras. Todos concorreram para a fecundação divina do Universo. A história, o arado, a palavra correspondem aos três sacerdócios do Senhor. Mas a suprema santificação da linguagem humana, abaixo da prece, está no ensino da mocidade. O lavrador deste chão deve amanhá-lo de joelhos. 3 O curso de Comunicação Social no Centro Universitário de Votuporanga, Estado de São Paulo, tem a duração de quatro anos. Nos dois primeiros, os alunos têm disciplinas básicas que pretendem inseri-los num contexto mais específico que será desenvolvido nos dois anos seguintes. Optam, então, por uma das áreas específicas: Jornalismo, Propaganda e Publicidade e Rádio e TV. Vamos nos deter, neste trabalho, nos dois primeiros anos e, mais especificamente, no estudo de Língua Portuguesa (disciplina em que os alunos se dedicam à interpretação e produção textual – oral e escrita). Na medida em que aplicamos, no primeiro ano, nosso conteúdo programático, notamos um certo pavor por parte dos alunos quando falamos em coesão e coerência e 1 Trabalho apresentado à Sessão de Temas Livres. Mestre em Letras pela USP (Universidade de São Paulo) e professor dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da UNIFEV – Centro Universitário de Votuporanga – e-mail [email protected] 3 Trecho do discurso no colégio Anchieta. Palavras à juventude. In: FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA. Obras completas de Rui Barbosa. Rio de Janeiro, 1903, v.30, l.1, p.356. 2 gramática normativa aplicada ao texto. É como se esses conceitos nunca tivessem sido vistos ou, se considerássemos a questão de uma forma mais irônica, um “bicho-papão”, abstrato e temeroso. Temos uma confirmação dessa “ironia” quando realmente notamos que os universitários têm acentuadas dificuldades de expressão oral e escrita, poucos têm o hábito da leitura e muitos consideram sua própria língua difícil e complicada. No entanto, a luz que vemos no fim do túnel é reconfortante: a grande maioria que elege Comunicação Social confessa seu interesse por uma adequada expressão lingüística, para que, conseqüentemente, torne-se um bom profissional dentro da área. Se por um lado nos apegamos a essa luz, por outro ficamos receosos, em virtude da quantidade de alunos nas salas de aula: não menos de sessenta ingressam no primeiro ano. Indivíduos que apresentam valores culturais e psicológicos diferentes. (...)os estudantes já têm seus próprios conhecimentos aos quais teremos que ligar os novos conhecimentos que a instituição nos recomenda. Esses alunos são sujeitos que têm, cada um, sua própria história psico-afetiva, a qual pode bloquear ou motivar o processo de aprendizagem (WACHOWICZ, 200, p.105). As perguntas que nos fazemos são as seguintes: como influenciar a realidade de cada indivíduo, possibilitando que cada um possa descobrir seu potencial e suas falhas lingüísticas e, principalmente, como saná-las? Trata-se de uma discussão complexa, que exige, além de um trabalho de interação aluno-professor, um exercício de reflexão sobre como aplicar conceitos na realidade de uma determinada clientela. Essa prática deve ser dinâmica, pois depende, ano após ano, da evolução (ou não!) dos campos sócio-psicológicos de cada indivíduo participante do processo de aprendizagem. Ensinar, portanto, ultrapassa as barreiras físicas da sala de aula e alcança o sistema como um todo e sua cadeia de relações humanas. Não é o momento, de acordo com nosso ponto de vista, de culpar algo ou alguém. Seria fácil atribuir a falta de interesse do aluno ao seu aprendizado anterior. Sabemos que o ensino público passa por uma constante e interminável crise e que o processo de seleção das universidades privadas precisa ser melhorado (felizmente, algumas já estão adotando a famosa e velha redação). O importante, assim, é olhar para frente e termos consciência e segurança do que podemos chegar a transmitir aos alunos. Como primeiro objetivo, promovemos uma conversa sincera entre aluno-professor (os parênteses que abrimos aqui, talvez redundantes, são para insistir, especificamente, em nossa clientela. Trabalhamos com alunos de Comunicação Social. Seria antagônico se impuséssemos o ritmo das aulas e não os escutássemos. Além do mais, como poderíamos aplicar o conteúdo programático se não sabemos nem mesmo o que pensam a respeito da disciplina?). O próximo passo é estabelecer os argumentos e a maneira como serão tratados. Elencamos alguns passos que sempre norteiam nosso trabalho em sala de aula: 1) O desenvolvimento do sentido crítico. Temos obrigação de desenvolver em nossos estudantes o sentido crítico do que estão aprendendo. Hoje já é inconcebível criar a imagem de um ensino autoritário em que o discente é um agente passivo do desenvolvimento de seu próprio destino. A todo momento devemos estar atentos às suas opiniões e dar-lhes a oportunidade de interagir no processo de ensino-aprendizagem e na própria realidade em que estão envolvidos. Não queremos, no entanto, confundir “liberdade” com “algazarra”: a maioria de nossos alunos tem objetivos específicos e sabem distinguir o que lhes é importante para seu futuro. Observamos, durante nossa trajetória na docência, que os estudantes que têm uma consciência ativa do mundo que os cerca, conseguem, com maior facilidade, reconhecer os problemas de sua produção lingüística (coerência, coesão e os típicos lugares-comuns). 2) O interesse pela pesquisa Quando expandimos nosso conceito sobre o saber e deixamos de lado a concepção do conhecimento limitado aos tubos de ensaio (característica das pesquisas das áreas de exatas e biológicas), começamos a nos perguntar sobre os porquês das diferentes concepções de teorias humanísticas. A idéia do homem como ser dotado de raciocínio e sua atuação no universo se transformam numa busca de estreitamento dos laços entre os aspectos formais e intuitivos (para não dizer psico-sociais das relações humanas). Dizemos, então, que pesquisar é abrir túneis e, se eles já estão abertos, devemos enxergar a beleza da escavação. E, se quisermos continuar a expandi-los, temos de fazê-lo com a ânsia de que outras pessoas serão instigadas a entender a beleza com novos olhos e, dessa maneira, levadas a abrir novos caminhos. A graduação, nesse caso, é um período ideal para o início dessa procura. Ainda engatinhando por caminhos nunca percorridos, nossos alunos podem entender que, além das disciplinas de seu curso, existem outras fontes para desenvolver seus conhecimentos. E, para isso, tanto o aluno quando seu professor têm de estar abertos às descobertas que, naturalmente, irão aparecer no decorrer do processo educativo. O professor, por um lado, deve estar preparado à orientação e à condução dos passos iniciais do aluno. Este, por sua vez, afoito a desbravar o mundo, deve ser e querer estar preparado a encarar o mundo com diferentes olhares (retomamos aqui a importância do sentido crítico do passo 1.). Caso não se estabeleça esse pacto, o processo educacional se quebra. A relação aluno-professor será negativa e os vilões superarão os mocinhos na trama (e o final feliz demorará um pouco mais do que o esperado). Outra vez, este não é o momento de culpar e ser culpado. Às vezes, o vínculo entre o educando e o educador é muito mais complexo e deve ser estudado individualmente. O que consideramos importante é a iniciativa que se deve sempre estar pronto a tomar. Se o pacto se realiza, teremos grandes perspectivas para que se crie um espaço para o fortalecimento do processo educativo e, conseqüentemente, todos serão levados à conscientização de sua condição: do que buscam, do que são e do que estão prontos a conquistar. Afirma Ilari (1992, p. 21) que “(...) num ensino em que se favorece a observação, a reflexão, a criatividade e a crítica, os papéis do docente, do aluno, da burocracia resultam modificados”. Resumindo, aluno e professor devem: a) assimilar constantemente os avanços científicos (não somente de sua área específica, mas do todo); b) predispor-se às experiências inovadoras; c) comprometer-se com o plano social (a realidade que os circunda); d) ter o hábito da leitura. 3) A função do professor. Muito se discute a respeito da função do educador em sala de aula. Existem, para tanto, inúmeras teorias que abordam o papel que se deve estabelecer no momento da transmissão de informações necessárias ao desenvolvimento de cada disciplina. Compartilhamos a obrigatoriedade da busca constante da auto-avaliação do professor e sua relação com o ensino. Admitir os erros e procurar corrigi-los é uma atitude de reflexão importante na profissão. Para os universitários, acreditar no professor é um passo importante na relação que se pode estabelecer entre eles. Os educadores, por sua vez, devem compreender o limite entre o respeito e o poder, entendido não como “saber pedagógica, mas do domínio de um campo científico, tecnológico ou humanístico determinado” (LUCARELLI, 2000, p. 67). Assim como cada aluno, o professor é um universo à parte. Acreditamos que todo docente que escolhe o magistério como contribuição da formação de uma sociedade justa e igualitária, tenha suficientes méritos para analisar os grupos de alunos com os quais irá trabalhar durante o ano letivo ou, quem sabe, alguns anos sucessivos. É ele quem, inicialmente, irá perceber qual a melhor maneira de poder trabalhar seu conteúdo em sala de aula. Embora as teorias sempre ajudem, a sensibilidade também tem lugar respeitável no planejamento do trabalho. Não existirá, portanto, a figura do professor como autoridade máxima, mas de um mediador entre o novo e a realidade já vivenciada. Há outro aspecto a ser considerado: a importância do diálogo e das reuniões entre todos os interessados no desenvolvimento educacional, a fim de trocar informações e experiências: A inovação educativa ocorre sempre com a presença de equipes de trabalho; professores que, embora trabalhem individualmente, compartilham com outros colegas seus êxitos e duas dificuldades, adaptando e melhorando continuamente, nessa comunicação, os métodos, objetivos e conteúdos. Para modificar a prática do magistério, é muito importante tomar contato com outros professores que já estão inovando e comprovar por si mesmo que a renovação pedagógica existe e produz material pedagógico e novas relações entre professor e aluno (ESTEVE, 1999, p. 142/43). 4) O ensino da Língua Portuguesa É certo que os alunos de Comunicação Social não têm as mesmas necessidades teóricas que os alunos do curso de Letras, mas devem dominar a língua como arma para informar (por que não dizer “manipular”!) eficazmente uma notícia ou uma propaganda, por exemplo. A língua é o maior instrumento para convencer as pessoas que estão à nossa volta. Dominá-la significa, nesse caso, influenciar opiniões. A partir desse pressuposto, cabe ao professor apresentar condições para o desenvolvimento das habilidades do uso da língua falada e escrita. Imbuído da importância da criticidade e da pesquisa, o aluno passa a ser o centro das suas próprias indagações, buscando respostas a partir de sua própria realidade. Sua produção oral e escrita visa a refletir sobre o mundo em que vive. E onde entra a gramática? Todos sabemos que estudar a Língua Portuguesa não é simplesmente limitar-se à gramática normativa e suas nomenclaturas. A palavra gramática, segundo os lingüistas, tomou dimensões maiores em relação à gramática tradicional (basta pensarmos, por exemplo, na gramática descritiva, prescritiva...). Válido também será, no curso de Comunicação Social, pesquisar e analisar, de maneira efetiva, as variações lingüísticas. O aluno deve conhecer os diferentes falares brasileiros e a riqueza de cada um, dependendo do contexto em que são apresentados. Nem por isso deixamos de lado o ensino da gramática tradicional, que servirá como elemento de grande importância no contexto que estamos definindo. Para um jornalista, radialista e publicitário, o domínio de certas estruturas gramaticais pode ser decisivo para a criação de um bom texto. Será, enfim, referência para análise e consultas permanentes. O que se deve priorizar é o ensino da língua e as várias possibilidades dentro de um contexto e o processo em que se constitui o texto. Insistimos também na leitura, não aquela impositiva, mas a que parte do próprio interesse do aluno. Sentindo prazer pelo hábito da leitura, nossos estudantes terão condições de analisar a importância dos elementos coesivos e da coerência textual para poder persuadir um público e expressar suas vontades e ideologias. Temos utilizado, com freqüência, textos jornalísticos e publicitários, de âmbito nacional e regional, analisando todas essas questões e os alunos, após terem recebido algumas informações básicas, descobrem diferenças lingüísticas e culturais importantes. Sentimo-nos gratificados com observações e perguntas do tipo: “esse elemento de coesão está mal empregado”, “aqui falta um acento” ou então, “acho que o autor do artigo pisou na bola”. Contudo, devemos admitir que se trata de um processo lento e não homogêneo, já que uns encontram a maneira adequada de atuar no texto e outros menos. O importante é que todos acabam percebendo fatos que antes consideravam confusos e abstratos. Adaptar a realidade às teorias de ensino-aprendizagem é um dos caminhos que adotamos para o desenvolvimento de nossas aulas, pois nossa experiência se centraliza na tentativa de instrumentalizar os estudantes para que consigam um lugar melhor nesse mundo globalizado e com tão poucas oportunidades. Referências bibliográficas ARAUJO. P. R. M. Elementos para a reflexão do educador. Revista Renascença de ensino e pesquisa, São Paulo, n.4, p.45-49, jan/jul. 2001. CIPRIANO L. et al. Fazer universidade: uma proposta metodológica. 12. ed. São Paulo: Cortez, 2001. 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