OS SENTIDOS DE GRAMÁTICA E LINGUAGEM PARA EGRESSOS DO CURSO
DE LETRAS
Liza Buttchevitz ( Mestranda em Educação, FURB, [email protected]);
Dra. Otília Lizete de Oliveira Martins Heinig (Orientadora, FURB).
[email protected]
RESUMO: Este estudo delineia os sentidos de gramática e linguagem que se apresentam
nos trabalhos realizados com os gêneros textuais. Tem como objetivo desvelar os sentidos
atribuídos à gramática e à linguagem que perpassa o relatório de estágio de alunos de Letras
de uma Universidade particular de Santa Catarina, relacionando-os com a Proposta
Pedagógica da Instituição. O viés teórico-metodológico é o do círculo de Bakhtin que
possibilita analisar a linguagem e o contexto social. Outro autor é Geraldi, que auxilia na
compreensão das concepções de linguagem e gramática. Para a realização deste trabalho,
observou-se a banca de alguns alunos de Letras, da referida instituição, e fez-se uso,
inicialmente, de um diário de campo. Escolheram-se para esta pesquisa, as observações das
bancas de dois alunos, cujo conteúdo contemplava um gênero textual. Buscou-se
compreender os sentidos presentes nessas observações, nos relatórios de estágio dos
sujeitos e na Proposta Pedagógica da Instituição mencionada.
PALAVRAS-CHAVE: Linguagem. Gramática. Sentido.
ABSTRACT: This study outlines the meanings of grammar and language that is present in
the work done with the textual genres. Aims to uncover the meanings attributed to the
grammar and language that permeates the report stage of pupils from Lyrics of a particular
University of Santa Catarina, relating them to the Project of Educational Institution. The
theoretical and methodological bias is the Bakhtin circle, which allows to analyze the
language and social context. Another author is Geraldi, which helps in understanding the
concepts of language and grammar. For this work, there was a bank of some students of
Arts, the said institution, and it was used, initially, a journal in the field. Chosen for this
study, the observations of the bunkers of two students, whose contents include a textual
genre. We tried to understand the meanings of those comments, the reports of subjects and
training in the Project of Educational Institution mentioned.
KEYWORDS: Language. Grammar. Signification.
1 INTRODUÇÃO
Pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
Mário de Andrade
Optamos por iniciar esse artigo com o poema de Mário de Andrade para compreender o
tema que se deseja desenvolver neste artigo: os sentidos de gramática e linguagem. O poeta
desenrola uma situação em que as regras gramaticais parecem tomar lugar na fala do
“professor e do aluno” e enuncia que a linguagem é uma forma de interação, pois se
esquece das regras e volta-se o olhar para o sujeito, para a comunicação.
O que pretendemos é analisar os relatórios de estágio de dois sujeitos egressos do
curso de Letras e também a Proposta Político Pedagógica da Instituição em que esse curso
está inserido, para compreender os sentidos de linguagem e gramática que ali se
apresentam.
A pesquisa está ancorada no viés enunciativo, nos estudos de Bakhtin. A análise, na
perspectiva enunciativa, compreende que a linguagem é de caráter social. Essa perspectiva
não trabalha com um método científico, pois está interessada na significação e, por
conseqüência, na compreensão que dela é feita. O viés enunciativo, na visão de Bakhtin
(2006), não foca o texto na sua materialidade lingüística, pois não está preocupado com a
sintaxe, com os aspectos estruturais e formais da língua e sim, leva em conta o contexto do
sujeito para que, a interpretação, a partir do não dito, ocorra.
Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo-interpretativo Justifica-se esta
pesquisa como uma investigação qualitativa em educação, pois
A abordagem da investigação qualitativa exige que o mundo seja examinado com a
idéia de que nada é trivial, que tudo tem potencial para constituir uma pista que nos
permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do nosso objecto de
estudo. (BOGDAN & BIKLEN, p.49).
Nesta pesquisa, dirigiremos nosso olhar para os sentidos encontrados nos relatórios
de estágio e na Proposta Político Pedagógica, assim como nas anotações realizadas no
diário de campo.
Os sujeitos desta pesquisas são duas mulheres, egressas de um curso de Letras de
uma Instituição de Ensino Superior (IES) de Santa Catarina. Optamos por esses sujeitos,
pois as duas trabalharam com algum gênero textual no projeto de Língua Portuguesa que
desenvolveram. Para preservar a identidade dos sujeitos, criamos nomes fictícios para cada
uma delas. Lara tem 20 anos. O projeto apresentado intitulava-se: Gramática
contextualizada: o ensino de verbos por meio de diferentes gêneros textuais. Já Tamires, 22
anos, apresentou o projeto: Vícios de linguagem e figuras de linguagem na produção
textual. Os dois sujeitos formaram-se no ano de 2008.
Para esta pesquisa, fizemos uso do diário de campo como instrumento de coleta de
dados. O relatório de estágio e a Proposta Político Pedagógica da IES são considerados
documentos e também nos auxiliaram na compreensão dos dados.
O diário de campo foi usado durante a realização da banca dos dois sujeitos desta
pesquisa. “[...] todos os dados são considerados notas de campo; este termo refere-se
coletivamente a todos os dados recolhidos durante o estudo, incluindo as notas de campo,
transcrição das entrevistas[...]”. (BOGDAN & BIKLEN, 1994, p. 150). Portanto, anotou-se
neste instrumento, o título de trabalho, o objetivo e as considerações finais proferidas pelos
sujeitos durante a apresentação do trabalho.
Os relatórios de estágio dos sujeitos egressos de Letras são um dos documentos que
fazem parte do corpus desta análise. Acredita-se que em seu conteúdo há pistas lingüísticas,
representadas pela escrita dos egressos. Além disso, revelam as concepções de linguagem e
gramática através dos autores utilizados e do material formulado.
Por último, temos a Proposta Político Pedagógica do curso de Letras. Esse
documento nos permite analisar a concepção de linguagem e gramática que fundamenta o
currículo do curso de Letras. O que encontramos nesse projeto, não são palavras neutras e
sim, carregadas de sentidos, pois estão inseridas em um contexto específico.
2 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS REGISTROS
Como essa discussão trata das concepções de linguagem e gramática presente nos
documentos já citados anteriormente, é necessário compreender o que é a linguagem, suas
concepções, bem como as concepções de gramática.
Bakhtin (2003) concebe a linguagem como um processo de interação, uma prática
social. Ela acontece e se desenvolve nas relações, por isso o seu caráter dialógico. “O
diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das formas é verdade
que das mais importantes, da interação verbal.” (BAKHTIN, 2006, p. 127). O dialogismo é
produto da interação que por sua vez realiza-se através da enunciação.
A linguagem, nos estudos de Bakhtin, é interação, de natureza social. Para o autor, a
linguagem é vista “não como um sistema de categorias gramaticais abstratas, mas como
uma realidade axiologicamente saturada; não como um ente gramatical homogêneo, mas
como um fenômeno sempre estratificado.” (FARACO, 2006, p. 55). A realidade axiológica,
presente na citação de Faraco, diz respeito a uma teorização sobre valores. Constituímosnos sempre num universo de valores. Bakhtin concebe a linguagem não como um conjunto
de regras imutáveis, mas sim levando em conta que a linguagem é sempre heterogênea. A
fim de aprofundar essa concepção, seguem dois trechos do Proposta Político Pedagógica do
curso de Letras:
[...] percebe-se que a prática em sala de aula deve ter como ponto de partida e de chegada
o uso da linguagem [...] (2003, p.51)
[...] é preciso haver diálogo, para entender o pensamento do outro, para construir um
território comum onde o aluno possa perceber que não existem variedades lingüísticas
boas ou ruins em si, nenhuma palavra ou construção em si é perfeita ou autêntica [...]
(2003, p. 51)
A partir desses discursos, compreendemos que a linguagem tem um caráter
dialógico, social. No primeiro dizer é significativa a presença do modalizador deve ter. Ele
imprime quase que uma obrigação, sinaliza que a prática precisa ter a linguagem como
produto principal. A prática em sala de aula teria na linguagem seu ponto de partida, ou
seja, o texto como objeto de estudo e discussão. Isso pressupõe uma prática focada,
contextualizada, em que o texto não é usado como pretexto. O texto como pretexto
pressupõe a utilização deste para estudar um conceito gramatical, circular palavras,
esquecendo do emaranhado de sentidos que fazem parte de um texto. Outro modalizador
presente no excerto da proposta acima é a expressão é preciso haver. Isso aponta que o
termo diálogo, proferido logo após, é essencial para o processo de interação, para que a
linguagem se manifeste também nas palavras do outro. Analisamos nesse dizer, que o
diálogo é concebido como uma troca que acontece face a face. Segundo Bakhtin, “[...]
pode-se compreender a palavra “diálogo” num sentido amplo, isto é, não apenas como a
comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda a comunicação
verbal, de qualquer tipo que seja.” (BAKHTIN, 2006, p. 127). O diálogo pode ocorrer do
sujeito para ele mesmo e nessa troca também há interação, compreensão.
Podemos perceber a partir desses excertos da Proposta Político Pedagógica, que a
linguagem é compreendida como forma de interação, o que Geraldi (2001) chama de
terceira concepção de linguagem. Aqui, a linguagem é compreendida dentro da perspectiva
da interação (GERALDI, 2001). Os sujeitos fazem uso da linguagem com a finalidade de
interagirem e não apenas para a comunicação ou para a aprendizagem de regras
gramaticais. Essa concepção, “situa a linguagem como o lugar de constituição de relações
sociais, onde os falantes se tornam sujeitos.” (GERALDI, 2001, p. 41). É através da
linguagem que os sujeitos se constituem, pois a linguagem é dialógica e permite esse
diálogo, essa troca entre os pares.
Ainda no segundo dizer da Proposta Político Pedagógica, é sinalizada a questão das
variações lingüísticas que segundo Bagno (2002) são as variações, os modos de falar
diferentes de cada região, existente no lugar onde o sujeito nasceu. Além dessas variações,
o tempo em que o sujeito nasceu e viveu e a situação social em que estava inserido, também
são fatores importantes com relação às variedades lingüísticas. Todos esses fatores
constituem a identidade do sujeito usuário de uma língua. Segundo Silva (2007), nós
fabricamos nossa identidade em decorrência do lugar em que vivemos, das relações sociais
que assumimos. “Tal como a linguagem, a tendência da identidade é para a fixação.
Entretanto, tal como ocorre com a linguagem, a identidade está sempre escapando.”
(SILVA, 2007, p. 84). É justamente pelo fato de a linguagem escapar, ser líquida, que há as
variações lingüísticas. Isso possibilita uma variação em determinado espaço, situação em
que o sujeito se encontra.
Retomando o trecho da Proposta Político Pedagógica, isso sinaliza que a IES leva
em consideração a bagagem lingüística adquirida pelos estudantes antes do ingresso em um
curso superior. É a partir desses conhecimentos e concepções trazidas pelos sujeitos que as
aulas de língua portuguesa são construídas.
A linguagem e a gramática, na perspectiva da Proposta Político Pedagógica da IES,
são interacionistas, levando o sujeito á construção do conhecimento. Sendo assim, vejamos
o que diz um trecho do relatório de estágio de Lara, egressa dessa IES:
Lara: Numa sociedade letrada como a nossa é preciso que os alunos consigam inserção no
mundo da escrita e que manifestem proficiência na interpretação e produção dessa escrita
[...]
No dizer desse sujeito é possível compreender, através dos termos letrada e
inserção, o objetivo da terceira concepção de linguagem. O termo letrar ainda parece, para
muitos, sinônimo de alfabetizar. Porém, nesse dizer, essa dicotomia fica clara: letrar,
segundo o que concebe o sujeito, é inserir-se no mundo da escrita e da leitura. É interpretar
os sentidos dos textos que nos são apresentados. Para Soares (2003) a alfabetização está
preocupada com a aprendizagem do sistema de escrita, enquanto que o letramento ocupa-se
das relações entre as práticas sociais de leitura e de escrita. O letramento pressupõe muito
mais do que o simples fato de saber escrever, ler. Pensa na relação que essa escrita tem com
o indivíduo e com o meio social. O enunciado de Lara vai ao encontro da Proposta Político
Pedagógica, pois esse sujeito fala do uso social da linguagem, o que pressupõe, assim como
a Proposta Político Pedagógica, um sujeito social, em constante aprendizado e construção.
Analisando um trecho da Proposta Político Pedagógica a respeito da gramática,
encontramos:
O ensino da norma culta, da categorização das formas lingüísticas é essencial ao aluno,
mas não pode ocorrer de forma descontextualizada (2003, p. 51)
O excerto acima sinaliza a concepção de norma culta do curso de Letras da IES aqui
estudada: gramática interacionista, ou ainda, reflexiva. O estudo da gramática é essencial
para o desenvolvimento das competências lingüísticas de quem a estuda. Conhecer a
gramática de uma língua implica usar de forma adequada, nos contextos excepcionais, a
variedade padrão ou as suas variações. O termo descontextualizada sinaliza que a gramática
precisa ocorrer em um contexto que faça sentido. É preciso estudá-la no texto, buscando a
compreensão e os sentidos dos termos explorados. E isso é possível quando se tem como
ponto de partida os conhecimentos prévios dos sujeitos. Dessa forma, a gramática passa a
fazer sentido e é compreendida através das práticas lingüísticas realizadas pelos sujeitos.
A segunda concepção de linguagem apontada por Geraldi (2001) diz relação à
linguagem como instrumento de comunicação. Aqui, o importante é se comunicar com os
outros para que a linguagem se desenvolva. Porém, o sujeito ainda não tem vez e voz no
meio em que está inserido.
O aluno, na primeira e segunda concepção, passa a ser receptor da própria língua,
deixando de lado a construção do conhecimento. Além do mais, passa a conceber a língua
como um processo fechado, sem brechas para a interação. Essa língua morta é representada
pelas idéias do objetivismo-abstrato. A essa corrente interessa os signos, o sistema, a
lógica. Ao sujeito, cabe aceitar passivamente um sistema pronto e acabado, pois os sentidos
já estão prontos. Porém, se concebermos o sujeito como um ser social e em constante
processo, podemos pensar que o sujeito constrói conhecimento, pois é interpelado pelas
diferentes vozes sociais que se agregam a ele: a família, os amigos, o auditório social em
que está inserido. Dessa forma, teria voz e vez para que pudesse romper com esse sistema
fechado.
Analisando ainda a concepção de gramáticas, vejamos o que diz um trecho do
relatório de estágio de Tamires:
Tamires: [...] os alunos produziram um texto simples de linhas e logo depois eles tinham
como objetivo identificar os vícios e as figuras que eles utilizaram no texto sem perceber,
tendo como tarefa maior arrumar o texto sem a utilização dos vícios e das figuras [...]
Nesse excerto, está sinalizada a preocupação com os erros gramaticais e não com os
sentidos obtidos através dos vícios e figuras de linguagem. O sujeito sinaliza que é
necessário identificar e logo após cita arrumar. Esse dois verbos sinalizam o caráter
imutável da linguagem e da gramática. Esses verbos não levam a identificar sentidos e sim
a sinalizar palavras e erros no texto, concebendo a linguagem e a gramática como sistemas
fechados, imunes de mudanças e deslocamentos. A gramática, nesse enunciado, é
concebida como normativa. No ensino da gramática normativa, interessa o certo e o errado.
Não há variações, apenas regras impostas. As palavras identificar e arrumar apontam para
uma ação mecânica, onde não há construção de sentidos e de significados.
Já a segunda concepção de linguagem. Geraldi (2001) vê a linguagem como
expressão do pensamento. Ou seja, o que é produzido pelo sujeito é conseqüência do que
ele raciocina. A linguagem é ensinada com o objetivo de se aprender as normas da língua,
as regras gramaticais. Essa é uma visão que os estudantes têm diante das aulas de Língua
Portuguesa, aulas estas que valorizam apenas a apreensão de regras gramaticais, domínio da
norma culta.
Fazendo uso do diário de campo, encontramos que o objetivo do projeto de Tamires
era o de mostrar que os vícios de linguagem estão presentes no dia-a-dia de forma
inadequada. Já no relatório de estágio, Tamires fala das figuras de linguagem:
Tamires: Figuras de linguagem estão presentes no dia-a-dia, como evitá-las.
Os enunciados do sujeito sinalizam que a linguagem é compreendida através do
certo e do errado e não da interação. Quando o sujeito diz que os vícios de linguagem
estão presentes no nosso dia-a-dia, chega a levar em conta que a linguagem é móvel, está
presente no cotidiano. Porém, quando diz que está presente de forma inadequada deixa de
lado o caráter social da língua e passa a ver a língua como um sistema de regras fechados
e imutáveis. O verbo evitá-las remove qualquer possibilidade de se usar e de compreender
o sentido dessas expressões. Podemos pensar que o sujeito que as usa não faz uso correto
da sua língua; e o que as elimina da fala, tem domínio sobre as regras gramaticais que
regem uma língua. O verbo mostrar também sinaliza a ausência da construção do
conhecimento, pois pretende apenas apontar e não refletir sobre. Percebemos que a
gramática é caracterizada como gramática normativa. A reflexão feita por esse tipo de
gramática evidencia o certo e o errado. Trabalha com a classificação, com a identificação,
com a memorização de regras. Travaglia (2003) diz que essas regras são estabelecidas a
partir de critérios políticos, esperando que o sujeito se adeqüe a elas para inserir-se na
comunidade.
No diário de campo, temos a fala de Tamires que diz que os livros didáticos trazem
muita leitura e interpretação, esquecendo da gramática normativa. O sujeito menciona os
livros didáticos, tipo de material utilizado por boa parte das escolas. Fala que esse
instrumento de ensino traz muita leitura e interpretação e pouca gramática. Percebemos,
neste dizer, que o sujeito preocupa-se com o prestígio da língua, com as normas sociais
impostas pela sociedade como sendo “corretas” e “próprias” para a comunicação. A
leitura e a interpretação fazem parte dos estudos da gramática. As habilidades não são
estudadas e dadas de forma solitárias. Não se estuda leitura separada da interpretação e da
gramática. Todas essas habilidades (leitura, escrita) se relacionam com a finalidade de se
compreender o caráter mutável da linguagem e suas variações. Ler não é apenas decifrar
palavras, frases, mas é uma apropriação, invenção, produção de significados
(CHARTIER, 1999). Já a interpretação é ímpar, varia de sujeito para sujeito, pois cada um
faz uma leitura diferente do texto que se apresenta.
Em contraposição a essa concepção de gramática, Larissa sinaliza,através do diário
de campo que todo o trabalho [de estágio] foi feito através dos textos, mostrando uma
concepção interacionista do ensino de gramática.
O sujeito sinaliza, neste dizer, o texto. Segundo Bakhtin (2003) o texto é a
materialidade lingüística. A linguagem se manifesta dessa forma, de texto, organizado
através de uma gramática, portanto “não há como trabalhar com textos sem trabalhar a
gramática e vice-versa, já que a gramática da língua só funciona em textos.”
(TRAVAGLIA, 2003, P. 11). O estudo das regras gramaticais não acontece entre palavras,
mas entre enunciados, que se constituem a partir dos elementos lingüísticos. A concepção
interacionista, citada pelo sujeito, leva o sujeito a compreender os mecanismos de uma
língua e a construir significados. Concebe a linguagem como forma de interação e parte do
pressuposto de que o sujeito possui conhecimentos e os constrói através do meio em que
vive.
No dizer abaixo, Lara, em seu relatório de estágio, sinaliza novamente a importância
do texto para se trabalhar a análise lingüística.
Lara: Na proposta de produção de texto escrito é de maior valia priorizar a finalidade e a
especificidade dos gêneros à medida que são trabalhados, fazendo também uma análise
lingüística com base nos textos, além de um estudos de recursos lingüísticos mais cabíveis
ao texto [...]
A análise lingüística é um processo de reflexão sobre a linguagem. Essa reflexão
ocorre nas interações, em função dos interlocutores e do que o sujeito espera da interação.
Pode acontecer na produção (oral ou escrita) e leitura de textos. A análise lingüística,
segundo Geraldi, é um:
[...] conjunto de atividades que tomam uma das características da
linguagem como seu objeto: o fato de ela poder remeter a si própria, ou
seja, com a linguagem não só falamos sobre o mundo ou sobre nossa
relação com as coisas, mas também falamos sobre como falamos.
(GERALDI, 2003, p. 189).
Essas atividades citadas por Geraldi, dizem respeito a atividades que refletem sobre
a linguagem, seus recursos expressivos (atividades epilinguísticas). Esse tipo de atividade
produz uma linguagem que permite ao sujeito estudar sobre ela própria, que seriam as
atividades metalingüísticas.
Diante das aulas de análise lingüística, os alunos, segundo Geraldi (2003), se dizem
poucos conhecedores da língua por não saberes explicar ou usar a metalinguagem na
análise da própria língua.
Quando o sujeito acima (Lara) fala sobre o texto e a análise lingüística, está
pensando em uma prática contextualizada, em que o texto passa a ser objeto da análise
feita. Percebemos isso também, quando ela fala dos recursos lingüísticos. Esses recursos
são as atividades epilinguísticas. O sujeito trabalha e estuda uma linguagem em que o
contexto forma, percebendo as variações lingüísticas existentes. Lara cita ainda, que esses
recursos são estudados visando o texto. Compreendemos que o sujeito, em sua prática, leva
o sujeito a perceber o texto como uma unidade de sentidos, em que os recursos usados
levam o sujeito a interagir, através das expressões e termos que usa, com seus
interlocutores.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tema base deste artigo foram os sentidos atribuídos à gramática e á linguagem.
Analisamos esses sentidos através dos dados encontrados no diário de campo, no relatório
de prática de ensino de egressos de Letras e na Proposta Político Pedagógica de uma IES.
Partindo do objetivo deste texto que era o de compreender os sentidos atribuídos à
gramática e à linguagem, foi possível analisar que a Proposta Político Pedagógica leva em
consideração seus sujeitos, pois os consideradas sujeitos sociais, seres em construção.
Pudemos compreender isso quando é citado o uso social da linguagem, a preocupação em
construir com o sujeito uma prática contextualizada.
Olhando para os nossos sujeitos, analisamos que a linguagem, em alguns momentos,
é compreendida como forma de comunicação, o que descarta a construção social do
sujeito, não dando vez para que ele se constitua.
Além disso, observamos que, embora ainda haja uma preocupação com as regras
gramaticais, com a norma culta, em alguns momentos os sujeitos já compreenderam a
linguagem como forma de interação, pois falam das práticas sociais, de se construir os
sentidos presentes nas produções escritas e nas análises lingüísticas.
Olhando para a Proposta Político Pedagógica e para os enunciados proferidos pelos
sujeitos nos relatórios e no diário de campo, percebemos que em alguns momentos a
concepção de linguagem e gramática trazida pela IES não condiz com a dos sujeitos. Os
sujeitos não foram formados apenas pela universidade, mas trouxeram com eles o ensino
que tiveram no ensino fundamental e médio, no tempo de escola. Os professores que os
constituíram, o outro (BAKHTIN, 2006) fazem parte do repertório social desses sujeitos.
Por isso a dificuldade de se adaptarem a uma concepção interacionista de gramática e
linguagem.
Os sujeitos, por vezes, se aproximam do que diz Andrade, no início desta pesquisa,
pois por ora se voltam para as regras gramaticais, ditadas, muitas vezes, pelos professores
de língua portuguesa. Em outros momentos, esquecem esse emaranhado de normas e
pensam a linguagem como interação e compreendem que a linguagem e a gramática
fazem parte do cotidiano e da vida social das pessoas.
REFERÊNCIAS
BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. 13.ed. São Paulo: Edições
Loyola, 1999.
BIKLEN, SARI Knoop; BOGDAN, Robert C. Investigação qualitativa em educação:
uma introdução a teoria e aos métodos. [Trad. Maria João Alvarez]. Porto: Porto Editora,
1994.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. [Trad. Paulo Bezerra]. 4. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
CHARTIER, Roger. Práticas de leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1999.
FARACO, C.F. As idéias lingüísticas do círculo de Bakhtin. Curitiba: Criar, 2003.
GERALDI, João Wanderley. (org.). O texto na sala de aula. 3.ed. São Paulo: Ática, 2001.
__________. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
SILVA, Tomaz Tadeu da. (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos Estudos
Culturais. 7.ed. Petrópolis: Vozes, 2007.
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