OS SENTIDOS DE GRAMÁTICA E LINGUAGEM PARA EGRESSOS DO CURSO DE LETRAS Liza Buttchevitz ( Mestranda em Educação, FURB, [email protected]); Dra. Otília Lizete de Oliveira Martins Heinig (Orientadora, FURB). [email protected] RESUMO: Este estudo delineia os sentidos de gramática e linguagem que se apresentam nos trabalhos realizados com os gêneros textuais. Tem como objetivo desvelar os sentidos atribuídos à gramática e à linguagem que perpassa o relatório de estágio de alunos de Letras de uma Universidade particular de Santa Catarina, relacionando-os com a Proposta Pedagógica da Instituição. O viés teórico-metodológico é o do círculo de Bakhtin que possibilita analisar a linguagem e o contexto social. Outro autor é Geraldi, que auxilia na compreensão das concepções de linguagem e gramática. Para a realização deste trabalho, observou-se a banca de alguns alunos de Letras, da referida instituição, e fez-se uso, inicialmente, de um diário de campo. Escolheram-se para esta pesquisa, as observações das bancas de dois alunos, cujo conteúdo contemplava um gênero textual. Buscou-se compreender os sentidos presentes nessas observações, nos relatórios de estágio dos sujeitos e na Proposta Pedagógica da Instituição mencionada. PALAVRAS-CHAVE: Linguagem. Gramática. Sentido. ABSTRACT: This study outlines the meanings of grammar and language that is present in the work done with the textual genres. Aims to uncover the meanings attributed to the grammar and language that permeates the report stage of pupils from Lyrics of a particular University of Santa Catarina, relating them to the Project of Educational Institution. The theoretical and methodological bias is the Bakhtin circle, which allows to analyze the language and social context. Another author is Geraldi, which helps in understanding the concepts of language and grammar. For this work, there was a bank of some students of Arts, the said institution, and it was used, initially, a journal in the field. Chosen for this study, the observations of the bunkers of two students, whose contents include a textual genre. We tried to understand the meanings of those comments, the reports of subjects and training in the Project of Educational Institution mentioned. KEYWORDS: Language. Grammar. Signification. 1 INTRODUÇÃO Pronominais Dê-me um cigarro Diz a gramática Do professor e do aluno E do mulato sabido Mas o bom negro e o bom branco Da Nação Brasileira Dizem todos os dias Deixa disso camarada Me dá um cigarro Mário de Andrade Optamos por iniciar esse artigo com o poema de Mário de Andrade para compreender o tema que se deseja desenvolver neste artigo: os sentidos de gramática e linguagem. O poeta desenrola uma situação em que as regras gramaticais parecem tomar lugar na fala do “professor e do aluno” e enuncia que a linguagem é uma forma de interação, pois se esquece das regras e volta-se o olhar para o sujeito, para a comunicação. O que pretendemos é analisar os relatórios de estágio de dois sujeitos egressos do curso de Letras e também a Proposta Político Pedagógica da Instituição em que esse curso está inserido, para compreender os sentidos de linguagem e gramática que ali se apresentam. A pesquisa está ancorada no viés enunciativo, nos estudos de Bakhtin. A análise, na perspectiva enunciativa, compreende que a linguagem é de caráter social. Essa perspectiva não trabalha com um método científico, pois está interessada na significação e, por conseqüência, na compreensão que dela é feita. O viés enunciativo, na visão de Bakhtin (2006), não foca o texto na sua materialidade lingüística, pois não está preocupado com a sintaxe, com os aspectos estruturais e formais da língua e sim, leva em conta o contexto do sujeito para que, a interpretação, a partir do não dito, ocorra. Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo-interpretativo Justifica-se esta pesquisa como uma investigação qualitativa em educação, pois A abordagem da investigação qualitativa exige que o mundo seja examinado com a idéia de que nada é trivial, que tudo tem potencial para constituir uma pista que nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do nosso objecto de estudo. (BOGDAN & BIKLEN, p.49). Nesta pesquisa, dirigiremos nosso olhar para os sentidos encontrados nos relatórios de estágio e na Proposta Político Pedagógica, assim como nas anotações realizadas no diário de campo. Os sujeitos desta pesquisas são duas mulheres, egressas de um curso de Letras de uma Instituição de Ensino Superior (IES) de Santa Catarina. Optamos por esses sujeitos, pois as duas trabalharam com algum gênero textual no projeto de Língua Portuguesa que desenvolveram. Para preservar a identidade dos sujeitos, criamos nomes fictícios para cada uma delas. Lara tem 20 anos. O projeto apresentado intitulava-se: Gramática contextualizada: o ensino de verbos por meio de diferentes gêneros textuais. Já Tamires, 22 anos, apresentou o projeto: Vícios de linguagem e figuras de linguagem na produção textual. Os dois sujeitos formaram-se no ano de 2008. Para esta pesquisa, fizemos uso do diário de campo como instrumento de coleta de dados. O relatório de estágio e a Proposta Político Pedagógica da IES são considerados documentos e também nos auxiliaram na compreensão dos dados. O diário de campo foi usado durante a realização da banca dos dois sujeitos desta pesquisa. “[...] todos os dados são considerados notas de campo; este termo refere-se coletivamente a todos os dados recolhidos durante o estudo, incluindo as notas de campo, transcrição das entrevistas[...]”. (BOGDAN & BIKLEN, 1994, p. 150). Portanto, anotou-se neste instrumento, o título de trabalho, o objetivo e as considerações finais proferidas pelos sujeitos durante a apresentação do trabalho. Os relatórios de estágio dos sujeitos egressos de Letras são um dos documentos que fazem parte do corpus desta análise. Acredita-se que em seu conteúdo há pistas lingüísticas, representadas pela escrita dos egressos. Além disso, revelam as concepções de linguagem e gramática através dos autores utilizados e do material formulado. Por último, temos a Proposta Político Pedagógica do curso de Letras. Esse documento nos permite analisar a concepção de linguagem e gramática que fundamenta o currículo do curso de Letras. O que encontramos nesse projeto, não são palavras neutras e sim, carregadas de sentidos, pois estão inseridas em um contexto específico. 2 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS REGISTROS Como essa discussão trata das concepções de linguagem e gramática presente nos documentos já citados anteriormente, é necessário compreender o que é a linguagem, suas concepções, bem como as concepções de gramática. Bakhtin (2003) concebe a linguagem como um processo de interação, uma prática social. Ela acontece e se desenvolve nas relações, por isso o seu caráter dialógico. “O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das formas é verdade que das mais importantes, da interação verbal.” (BAKHTIN, 2006, p. 127). O dialogismo é produto da interação que por sua vez realiza-se através da enunciação. A linguagem, nos estudos de Bakhtin, é interação, de natureza social. Para o autor, a linguagem é vista “não como um sistema de categorias gramaticais abstratas, mas como uma realidade axiologicamente saturada; não como um ente gramatical homogêneo, mas como um fenômeno sempre estratificado.” (FARACO, 2006, p. 55). A realidade axiológica, presente na citação de Faraco, diz respeito a uma teorização sobre valores. Constituímosnos sempre num universo de valores. Bakhtin concebe a linguagem não como um conjunto de regras imutáveis, mas sim levando em conta que a linguagem é sempre heterogênea. A fim de aprofundar essa concepção, seguem dois trechos do Proposta Político Pedagógica do curso de Letras: [...] percebe-se que a prática em sala de aula deve ter como ponto de partida e de chegada o uso da linguagem [...] (2003, p.51) [...] é preciso haver diálogo, para entender o pensamento do outro, para construir um território comum onde o aluno possa perceber que não existem variedades lingüísticas boas ou ruins em si, nenhuma palavra ou construção em si é perfeita ou autêntica [...] (2003, p. 51) A partir desses discursos, compreendemos que a linguagem tem um caráter dialógico, social. No primeiro dizer é significativa a presença do modalizador deve ter. Ele imprime quase que uma obrigação, sinaliza que a prática precisa ter a linguagem como produto principal. A prática em sala de aula teria na linguagem seu ponto de partida, ou seja, o texto como objeto de estudo e discussão. Isso pressupõe uma prática focada, contextualizada, em que o texto não é usado como pretexto. O texto como pretexto pressupõe a utilização deste para estudar um conceito gramatical, circular palavras, esquecendo do emaranhado de sentidos que fazem parte de um texto. Outro modalizador presente no excerto da proposta acima é a expressão é preciso haver. Isso aponta que o termo diálogo, proferido logo após, é essencial para o processo de interação, para que a linguagem se manifeste também nas palavras do outro. Analisamos nesse dizer, que o diálogo é concebido como uma troca que acontece face a face. Segundo Bakhtin, “[...] pode-se compreender a palavra “diálogo” num sentido amplo, isto é, não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda a comunicação verbal, de qualquer tipo que seja.” (BAKHTIN, 2006, p. 127). O diálogo pode ocorrer do sujeito para ele mesmo e nessa troca também há interação, compreensão. Podemos perceber a partir desses excertos da Proposta Político Pedagógica, que a linguagem é compreendida como forma de interação, o que Geraldi (2001) chama de terceira concepção de linguagem. Aqui, a linguagem é compreendida dentro da perspectiva da interação (GERALDI, 2001). Os sujeitos fazem uso da linguagem com a finalidade de interagirem e não apenas para a comunicação ou para a aprendizagem de regras gramaticais. Essa concepção, “situa a linguagem como o lugar de constituição de relações sociais, onde os falantes se tornam sujeitos.” (GERALDI, 2001, p. 41). É através da linguagem que os sujeitos se constituem, pois a linguagem é dialógica e permite esse diálogo, essa troca entre os pares. Ainda no segundo dizer da Proposta Político Pedagógica, é sinalizada a questão das variações lingüísticas que segundo Bagno (2002) são as variações, os modos de falar diferentes de cada região, existente no lugar onde o sujeito nasceu. Além dessas variações, o tempo em que o sujeito nasceu e viveu e a situação social em que estava inserido, também são fatores importantes com relação às variedades lingüísticas. Todos esses fatores constituem a identidade do sujeito usuário de uma língua. Segundo Silva (2007), nós fabricamos nossa identidade em decorrência do lugar em que vivemos, das relações sociais que assumimos. “Tal como a linguagem, a tendência da identidade é para a fixação. Entretanto, tal como ocorre com a linguagem, a identidade está sempre escapando.” (SILVA, 2007, p. 84). É justamente pelo fato de a linguagem escapar, ser líquida, que há as variações lingüísticas. Isso possibilita uma variação em determinado espaço, situação em que o sujeito se encontra. Retomando o trecho da Proposta Político Pedagógica, isso sinaliza que a IES leva em consideração a bagagem lingüística adquirida pelos estudantes antes do ingresso em um curso superior. É a partir desses conhecimentos e concepções trazidas pelos sujeitos que as aulas de língua portuguesa são construídas. A linguagem e a gramática, na perspectiva da Proposta Político Pedagógica da IES, são interacionistas, levando o sujeito á construção do conhecimento. Sendo assim, vejamos o que diz um trecho do relatório de estágio de Lara, egressa dessa IES: Lara: Numa sociedade letrada como a nossa é preciso que os alunos consigam inserção no mundo da escrita e que manifestem proficiência na interpretação e produção dessa escrita [...] No dizer desse sujeito é possível compreender, através dos termos letrada e inserção, o objetivo da terceira concepção de linguagem. O termo letrar ainda parece, para muitos, sinônimo de alfabetizar. Porém, nesse dizer, essa dicotomia fica clara: letrar, segundo o que concebe o sujeito, é inserir-se no mundo da escrita e da leitura. É interpretar os sentidos dos textos que nos são apresentados. Para Soares (2003) a alfabetização está preocupada com a aprendizagem do sistema de escrita, enquanto que o letramento ocupa-se das relações entre as práticas sociais de leitura e de escrita. O letramento pressupõe muito mais do que o simples fato de saber escrever, ler. Pensa na relação que essa escrita tem com o indivíduo e com o meio social. O enunciado de Lara vai ao encontro da Proposta Político Pedagógica, pois esse sujeito fala do uso social da linguagem, o que pressupõe, assim como a Proposta Político Pedagógica, um sujeito social, em constante aprendizado e construção. Analisando um trecho da Proposta Político Pedagógica a respeito da gramática, encontramos: O ensino da norma culta, da categorização das formas lingüísticas é essencial ao aluno, mas não pode ocorrer de forma descontextualizada (2003, p. 51) O excerto acima sinaliza a concepção de norma culta do curso de Letras da IES aqui estudada: gramática interacionista, ou ainda, reflexiva. O estudo da gramática é essencial para o desenvolvimento das competências lingüísticas de quem a estuda. Conhecer a gramática de uma língua implica usar de forma adequada, nos contextos excepcionais, a variedade padrão ou as suas variações. O termo descontextualizada sinaliza que a gramática precisa ocorrer em um contexto que faça sentido. É preciso estudá-la no texto, buscando a compreensão e os sentidos dos termos explorados. E isso é possível quando se tem como ponto de partida os conhecimentos prévios dos sujeitos. Dessa forma, a gramática passa a fazer sentido e é compreendida através das práticas lingüísticas realizadas pelos sujeitos. A segunda concepção de linguagem apontada por Geraldi (2001) diz relação à linguagem como instrumento de comunicação. Aqui, o importante é se comunicar com os outros para que a linguagem se desenvolva. Porém, o sujeito ainda não tem vez e voz no meio em que está inserido. O aluno, na primeira e segunda concepção, passa a ser receptor da própria língua, deixando de lado a construção do conhecimento. Além do mais, passa a conceber a língua como um processo fechado, sem brechas para a interação. Essa língua morta é representada pelas idéias do objetivismo-abstrato. A essa corrente interessa os signos, o sistema, a lógica. Ao sujeito, cabe aceitar passivamente um sistema pronto e acabado, pois os sentidos já estão prontos. Porém, se concebermos o sujeito como um ser social e em constante processo, podemos pensar que o sujeito constrói conhecimento, pois é interpelado pelas diferentes vozes sociais que se agregam a ele: a família, os amigos, o auditório social em que está inserido. Dessa forma, teria voz e vez para que pudesse romper com esse sistema fechado. Analisando ainda a concepção de gramáticas, vejamos o que diz um trecho do relatório de estágio de Tamires: Tamires: [...] os alunos produziram um texto simples de linhas e logo depois eles tinham como objetivo identificar os vícios e as figuras que eles utilizaram no texto sem perceber, tendo como tarefa maior arrumar o texto sem a utilização dos vícios e das figuras [...] Nesse excerto, está sinalizada a preocupação com os erros gramaticais e não com os sentidos obtidos através dos vícios e figuras de linguagem. O sujeito sinaliza que é necessário identificar e logo após cita arrumar. Esse dois verbos sinalizam o caráter imutável da linguagem e da gramática. Esses verbos não levam a identificar sentidos e sim a sinalizar palavras e erros no texto, concebendo a linguagem e a gramática como sistemas fechados, imunes de mudanças e deslocamentos. A gramática, nesse enunciado, é concebida como normativa. No ensino da gramática normativa, interessa o certo e o errado. Não há variações, apenas regras impostas. As palavras identificar e arrumar apontam para uma ação mecânica, onde não há construção de sentidos e de significados. Já a segunda concepção de linguagem. Geraldi (2001) vê a linguagem como expressão do pensamento. Ou seja, o que é produzido pelo sujeito é conseqüência do que ele raciocina. A linguagem é ensinada com o objetivo de se aprender as normas da língua, as regras gramaticais. Essa é uma visão que os estudantes têm diante das aulas de Língua Portuguesa, aulas estas que valorizam apenas a apreensão de regras gramaticais, domínio da norma culta. Fazendo uso do diário de campo, encontramos que o objetivo do projeto de Tamires era o de mostrar que os vícios de linguagem estão presentes no dia-a-dia de forma inadequada. Já no relatório de estágio, Tamires fala das figuras de linguagem: Tamires: Figuras de linguagem estão presentes no dia-a-dia, como evitá-las. Os enunciados do sujeito sinalizam que a linguagem é compreendida através do certo e do errado e não da interação. Quando o sujeito diz que os vícios de linguagem estão presentes no nosso dia-a-dia, chega a levar em conta que a linguagem é móvel, está presente no cotidiano. Porém, quando diz que está presente de forma inadequada deixa de lado o caráter social da língua e passa a ver a língua como um sistema de regras fechados e imutáveis. O verbo evitá-las remove qualquer possibilidade de se usar e de compreender o sentido dessas expressões. Podemos pensar que o sujeito que as usa não faz uso correto da sua língua; e o que as elimina da fala, tem domínio sobre as regras gramaticais que regem uma língua. O verbo mostrar também sinaliza a ausência da construção do conhecimento, pois pretende apenas apontar e não refletir sobre. Percebemos que a gramática é caracterizada como gramática normativa. A reflexão feita por esse tipo de gramática evidencia o certo e o errado. Trabalha com a classificação, com a identificação, com a memorização de regras. Travaglia (2003) diz que essas regras são estabelecidas a partir de critérios políticos, esperando que o sujeito se adeqüe a elas para inserir-se na comunidade. No diário de campo, temos a fala de Tamires que diz que os livros didáticos trazem muita leitura e interpretação, esquecendo da gramática normativa. O sujeito menciona os livros didáticos, tipo de material utilizado por boa parte das escolas. Fala que esse instrumento de ensino traz muita leitura e interpretação e pouca gramática. Percebemos, neste dizer, que o sujeito preocupa-se com o prestígio da língua, com as normas sociais impostas pela sociedade como sendo “corretas” e “próprias” para a comunicação. A leitura e a interpretação fazem parte dos estudos da gramática. As habilidades não são estudadas e dadas de forma solitárias. Não se estuda leitura separada da interpretação e da gramática. Todas essas habilidades (leitura, escrita) se relacionam com a finalidade de se compreender o caráter mutável da linguagem e suas variações. Ler não é apenas decifrar palavras, frases, mas é uma apropriação, invenção, produção de significados (CHARTIER, 1999). Já a interpretação é ímpar, varia de sujeito para sujeito, pois cada um faz uma leitura diferente do texto que se apresenta. Em contraposição a essa concepção de gramática, Larissa sinaliza,através do diário de campo que todo o trabalho [de estágio] foi feito através dos textos, mostrando uma concepção interacionista do ensino de gramática. O sujeito sinaliza, neste dizer, o texto. Segundo Bakhtin (2003) o texto é a materialidade lingüística. A linguagem se manifesta dessa forma, de texto, organizado através de uma gramática, portanto “não há como trabalhar com textos sem trabalhar a gramática e vice-versa, já que a gramática da língua só funciona em textos.” (TRAVAGLIA, 2003, P. 11). O estudo das regras gramaticais não acontece entre palavras, mas entre enunciados, que se constituem a partir dos elementos lingüísticos. A concepção interacionista, citada pelo sujeito, leva o sujeito a compreender os mecanismos de uma língua e a construir significados. Concebe a linguagem como forma de interação e parte do pressuposto de que o sujeito possui conhecimentos e os constrói através do meio em que vive. No dizer abaixo, Lara, em seu relatório de estágio, sinaliza novamente a importância do texto para se trabalhar a análise lingüística. Lara: Na proposta de produção de texto escrito é de maior valia priorizar a finalidade e a especificidade dos gêneros à medida que são trabalhados, fazendo também uma análise lingüística com base nos textos, além de um estudos de recursos lingüísticos mais cabíveis ao texto [...] A análise lingüística é um processo de reflexão sobre a linguagem. Essa reflexão ocorre nas interações, em função dos interlocutores e do que o sujeito espera da interação. Pode acontecer na produção (oral ou escrita) e leitura de textos. A análise lingüística, segundo Geraldi, é um: [...] conjunto de atividades que tomam uma das características da linguagem como seu objeto: o fato de ela poder remeter a si própria, ou seja, com a linguagem não só falamos sobre o mundo ou sobre nossa relação com as coisas, mas também falamos sobre como falamos. (GERALDI, 2003, p. 189). Essas atividades citadas por Geraldi, dizem respeito a atividades que refletem sobre a linguagem, seus recursos expressivos (atividades epilinguísticas). Esse tipo de atividade produz uma linguagem que permite ao sujeito estudar sobre ela própria, que seriam as atividades metalingüísticas. Diante das aulas de análise lingüística, os alunos, segundo Geraldi (2003), se dizem poucos conhecedores da língua por não saberes explicar ou usar a metalinguagem na análise da própria língua. Quando o sujeito acima (Lara) fala sobre o texto e a análise lingüística, está pensando em uma prática contextualizada, em que o texto passa a ser objeto da análise feita. Percebemos isso também, quando ela fala dos recursos lingüísticos. Esses recursos são as atividades epilinguísticas. O sujeito trabalha e estuda uma linguagem em que o contexto forma, percebendo as variações lingüísticas existentes. Lara cita ainda, que esses recursos são estudados visando o texto. Compreendemos que o sujeito, em sua prática, leva o sujeito a perceber o texto como uma unidade de sentidos, em que os recursos usados levam o sujeito a interagir, através das expressões e termos que usa, com seus interlocutores. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS O tema base deste artigo foram os sentidos atribuídos à gramática e á linguagem. Analisamos esses sentidos através dos dados encontrados no diário de campo, no relatório de prática de ensino de egressos de Letras e na Proposta Político Pedagógica de uma IES. Partindo do objetivo deste texto que era o de compreender os sentidos atribuídos à gramática e à linguagem, foi possível analisar que a Proposta Político Pedagógica leva em consideração seus sujeitos, pois os consideradas sujeitos sociais, seres em construção. Pudemos compreender isso quando é citado o uso social da linguagem, a preocupação em construir com o sujeito uma prática contextualizada. Olhando para os nossos sujeitos, analisamos que a linguagem, em alguns momentos, é compreendida como forma de comunicação, o que descarta a construção social do sujeito, não dando vez para que ele se constitua. Além disso, observamos que, embora ainda haja uma preocupação com as regras gramaticais, com a norma culta, em alguns momentos os sujeitos já compreenderam a linguagem como forma de interação, pois falam das práticas sociais, de se construir os sentidos presentes nas produções escritas e nas análises lingüísticas. Olhando para a Proposta Político Pedagógica e para os enunciados proferidos pelos sujeitos nos relatórios e no diário de campo, percebemos que em alguns momentos a concepção de linguagem e gramática trazida pela IES não condiz com a dos sujeitos. Os sujeitos não foram formados apenas pela universidade, mas trouxeram com eles o ensino que tiveram no ensino fundamental e médio, no tempo de escola. Os professores que os constituíram, o outro (BAKHTIN, 2006) fazem parte do repertório social desses sujeitos. Por isso a dificuldade de se adaptarem a uma concepção interacionista de gramática e linguagem. Os sujeitos, por vezes, se aproximam do que diz Andrade, no início desta pesquisa, pois por ora se voltam para as regras gramaticais, ditadas, muitas vezes, pelos professores de língua portuguesa. Em outros momentos, esquecem esse emaranhado de normas e pensam a linguagem como interação e compreendem que a linguagem e a gramática fazem parte do cotidiano e da vida social das pessoas. REFERÊNCIAS BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. 13.ed. São Paulo: Edições Loyola, 1999. BIKLEN, SARI Knoop; BOGDAN, Robert C. Investigação qualitativa em educação: uma introdução a teoria e aos métodos. [Trad. Maria João Alvarez]. Porto: Porto Editora, 1994. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. [Trad. Paulo Bezerra]. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. CHARTIER, Roger. Práticas de leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1999. FARACO, C.F. As idéias lingüísticas do círculo de Bakhtin. Curitiba: Criar, 2003. GERALDI, João Wanderley. (org.). O texto na sala de aula. 3.ed. São Paulo: Ática, 2001. __________. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 2003. SILVA, Tomaz Tadeu da. (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. 7.ed. Petrópolis: Vozes, 2007.