MINISTÉRIO DA DEFESA
Assessoria de Planejamento Institucional
Concurso de Artigos sobre o Livro Branco de Defesa Nacional
O texto a seguir, assim como as idéias, informações e dados nele
contidos, expressam o pensamento de seu autor, sendo de sua inteira
responsabilidade, e não representam, necessariamente, a opinião do
Ministério da Defesa.
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PARÂMETROS CURRICULARES MILITARES COMO CONSTRUTOR DE NOVOS
PARADIGMAS E INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS
JOSÉ CARLOS DE ARAUJO NETO
RESUMO
A integração de recursos humanos tem sido pouco considerada na literatura acadêmica
militar, por isso, a iniciativa de propor os Parâmetros Curriculares Militares resulta da
preocupação sobre a capacidade dos indivíduos militares brasileiros em enfrentar os desafios que
as incertezas do sistema internacional contemporâneo podem apresentar ao nosso país. A
necessidade do estudo sistemático sobre o currículo de formação do militar brasileiro se baseia
no pressuposto de que a noção de currículo está implicada em uma intencionalidade de
transmissão de conhecimentos e valores exigidos pela sociedade civil, distribuídos pelas
habilitações bélica, administrativa e profissional. A articulação entre as diferentes profissões dos
recursos humanos militares e a integração entre as três Forças Singulares devem ser consideradas
metas prioritárias para que o MD possa alcançar as expectativas de desempenho estabelecidas na
Estratégia Nacional de Defesa. As ações de planejamento e execução das operações militares são
atividades conjuntas, integradas, não são atividades unilaterais, seqüenciais, seriais. Esse erro de
interpretação quando se refere ao aparelho militar produz danos irreparáveis. Por isso, identificar
as interseções dos currículos militares das escolas de formação e de aperfeiçoamento militares
possibilitaria a redução de redundâncias, e conseqüentemente, a redução de custos operacionais.
Palavras-chaves: Defesa Nacional – Ensino Militar – Formação Profissional
1
Desde 1946, com a criação do Estado-Maior Geral, que depois passou a chamar-se EstadoMaior das Forças Armadas (EMFA), o Estado brasileiro tenta desenvolver e implementar uma
unidade doutrinária nas Forças Armadas, porém, como a própria história demonstra, muitas
foram as dificuldades enfrentadas. Esse quadro só mostrou seus primeiros sinais de alteração
quando, em 1999, a extinção do EMFA deu lugar ao Ministério da Defesa (MD), permitindo que
o governo federal daquele momento pudesse implementar as bases necessárias à reestruturação
da Defesa do país, adequando-a às expectativas da nação dentro do sistema internacional. Apesar
da idéia de integração das Forças Armadas voltada para a efetiva Defesa Nacional, curiosamente,
não ser uma questão inédita no cenário intelectual brasileiro, somente, em 1996, com a Política
de Defesa Nacional (PDN)1, foram estabelecidos as primeiras orientações estratégicas para um
modelo de integração das Forças, conforme estabeleceu o inciso 4.7: “Para tanto, é essencial
manter o contínuo aprimoramento da integração das Forças Armadas, em seu preparo e
emprego, bem como na racionalização das atividades afins.” A partir de então, muitas
iniciativas foram surgindo vislumbrando-se a integração entre as Forças Armadas. E na PDN
revisada de 2005, a diretriz estratégica IV determina “incrementar a interoperabilidade entre as
Forças Armadas, ampliando o emprego combinado.”
Orientação estratégica definida, em 28 de junho de 2010, o Ministro da Defesa assinou a
Portaria Normativa de no 1.065, na qual estabeleceu várias diretrizes para coordenação de
projetos comuns às Forças Armadas, visando à integração de sistemas similares, economia de
recursos e racionalidade administrativa. Contudo, muito além da integração dos meios, também
está a integração dos recursos humanos que operam e conduzem esses recursos materiais.
Segundo a própria Estratégia Nacional de Defesa (END)2, “Para dissuadir, é preciso estar
preparado para combater. A tecnologia, por mais avançada que seja, jamais será alternativa ao
combate. Será sempre instrumento combate.”
Assim, ainda, conforme a END, “Os recursos demandados pela defesa exigem uma
transformação de consciências para que se constitua uma estratégia de defesa para o Brasil”, e
a base inicial dessa “transformação” deve ocorrer nos estágios iniciais da formação da
mentalidade militar, pois “[...] a utilidade e a própria sobrevivência das instituições exige que
elas admitam mudanças, acompanhando as do universo que as afetam e que elas afetam. É
preferível que isso seja feito com as Forças Armadas, e não a sua revelia [...]”3. Dessa forma, a
organização e o funcionamento do aparato militar não devem ser um mundo invisível para o
1
o
A atual Política de Defesa Nacional foi aprovada pelo Decreto n 5.484, de 30 de junho de 2005.
o
BRASIL, Decreto n 6.703, de 18 de dezembro de 2008. Aprova a Estratégia Nacional de Defesa, e dá outras
providências.
3
FLORES, 1992, p. 16.
2
2
cidadão civil. A compreensão do mundo militar é requisito para a visibilidade da sociedade e
conseqüentemente a participação desta no estabelecimento do papel das Forças Armadas na
estrutura de Defesa do país.
Primeiramente, é necessário conhecer que atualmente o art. 83 da Lei no 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, também conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB),
estabeleceu que o ensino militar pode possuir regulamentação própria através de lei específica.
Assim, com a base legal da LDB, somando-se ao tradicional argumento de que a profissão
militar possui singularidades que somente os próprios militares conhecem, permitiu que cada
uma delas fosse contemplada com a sua própria legislação de ensino militar. Ou seja, apesar do
Ministério da Educação (MEC) ser a autoridade pública federal em matéria de educação no país,
conforme o art. 6o da LDB, os sistemas militares de ensino são autônomos e submetem-se a
legislações diferentes daquelas que regem o sistema civil. A partir dessa conjugação de fatores,
estabeleceu-se o Decreto no 3.182, de 23 de setembro de 1999, regulamentando o ensino militar
no Exército Brasileiro, o de no 6.883, de 25 de junho de 2009, regulamentando o ensino militar
na Marinha do Brasil, e, por enquanto, o de no 1.838, de 20 de março de 1996, que ainda
regulamenta o ensino militar na Força Aérea Brasileira, visto que já existe o Projeto de Lei da
Câmara no 10 de 2011, que está em trâmite no Congresso Nacional, propondo novas diretrizes de
ensino no âmbito da Aeronáutica.
Os Estados-Maiores e as respectivas Diretorias e Departamentos de Ensino das três Forças
planejam e fiscalizam o cumprimento dos seus objetivos educacionais sem qualquer consulta ao
MEC. O poder civil não participa nem direta nem indiretamente, nem da formulação, nem do
controle, dos aspectos fundamentais do ensino militar. O Poder Legislativo restringe-se a
acompanhar o processo de organização, preparo e emprego das Forças Armadas, além de votar o
seu orçamento, mas sem interferir no ensino militar. O sistema educativo das Forças Armadas é,
talvez, o mais importante, aspecto de controle dos recursos humanos militares, até por ser o
nicho onde se estabelecem os princípios, os valores e as doutrinas que formam a visão do mundo
militar e que serão seguidos pelos jovens postulantes a carreira militar.
A condição ideal que proporcionaria uma maior integração das três Forças singulares seria
a formação, capacitação e especialização em conjunto de seus recursos humanos, principalmente
dos oficiais, que é a categoria responsável pelos processos decisórios em nível micro e macro do
universo militar. Esse ensino em conjunto promoveria, ainda, por meio da atuação técnicopedagógica, uma “transformação de consciências” e a possibilidade de se identificarem como
cidadãos brasileiros pertencentes a uma categoria especial de servidores do Estado, como os
diplomatas ou os policiais federais. No entanto, diante da abrangência física e intelectual de
3
atuação dos oficiais militares, os óbices logísticos a serem superados se tornariam tão onerosos
que se mostraria inviável executar essa formação militar-profissional conjunta.
Durante sua formação, o militar passa por um processo de socialização que pode ser
considerado constante, e que o leva a diferenciar-se dos outros membros da sociedade. Este
processo não cessa no momento de sua saída das academias militares, embora tenha nelas seu
período de maior intensidade, onde atividades físicas e mentais são exigidas dos jovens
candidatos a oficiais.
Por meio dessas atividades o aluno assimila os valores de obediência, submissão
dependência,
paternalismo,
assiduidade,
pontualidade,
racionalidade
e
meritocracia. Adquirem também a concepção de mundo e de vida em sociedade
eminentemente estável e harmoniosa, isto é, uma cosmovisão deterministafuncionalista.4
As principais escolas de formação de oficiais das Forças Armadas são: Escola Naval (EN),
Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), Academia da Força Aérea (AFA), Centro de
Instrução Almirante Wandenkolk (CIAW), Escola de Formação Complementar do Exército
(EsFCEx)5, e Centro de Instrução e Adaptação da Aeronáutica (CIAAR). Enquanto que as de
aperfeiçoamento são: Escola de Guerra Naval (EGN), Escola de Comando e Estado-Maior do
Exército (ECEME) e Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica (ECEMAR), além da
Escola Superior de Guerra (ESG). Ainda existem outros centros de ensino militares freqüentados
por oficiais, mas que em função de seus propósitos voltados para habilidades bélico-profissionais
específicas, como guerra na selva, operações especiais, comandos anfíbios, entre outras, não
serão considerados para o propósito desta análise. A organização estrutural desse universo
acadêmico-militar caracteriza-se pela histórica autonomia que as três Forças Singulares sempre
tiveram na construção de seus organogramas, e conseqüentemente, na capacidade de
desuniformizar conceitos e doutrinas militares, que não raramente, variavam conforme a Força.
O desenvolvimento de uma melhor formação do oficial militar brasileiro tende a ser um
dos aspectos mais importante na modernização das Forças Armadas do país. Novos
equipamentos, reestruturação organizacional e elaboração de uma doutrina de defesa não
afetarão os rumos da defesa no país se não houver um desenvolvimento adequado dos seus
recursos humanos. Também é preciso admitir que os militares ainda são, ao mesmo tempo,
4
LUDWIG. 1998, p. 22.
Anteriormente conhecida como Escola de Administração do Exército (EsAEx), passou a ter essa denominação a
o
partir de 1 de janeiro de 2011.
5
4
membros das Forças Armadas e membros da sociedade, na condição de anseios, valores e
expectativas profissionais, por isso, eles não se permitem ignorar o MEC como a autoridade
educacional do país. Tanto que, as recentes Portarias Interministeriais, a MD/MEC no 830, de 23
de maio de 2008, e a MEC/MD no 18, de 13 de novembro de 2008, reconheceram,
respectivamente, os cursos da EN, da AFA e da AMAN como de graduação superior, e os cursos
de pós-graduação lato sensu oferecidos no âmbito militar, que estejam em conformidade com a
Resolução no 007/2001 da Câmara de Ensino Superior do Conselho Nacional de Educação.
A existência de leis que permitem uma aparente autonomia do sistema de ensino militar
parece injustificada quando esses tipos de portarias necessitam ser elaboradas. Esse conjunto
legislativo que propicia essa conjuntura autônoma também gera uma prejudicial dicotomia entre
o sistema de ensino civil e ensino militar. Dicotomia que se reflete cada vez mais nos processos
que chegam ao Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão de assessoria e normativo do
MEC, solicitando a compatibilidade e equivalência de cursos de nível de mestrado e doutorado,
de áreas de conhecimento estritamente militar com áreas de conhecimento do âmbito civil. Esses
mestrados e doutorados militares ocorrem nas escolas de aperfeiçoamento, as quais são
responsáveis
pela
formação
dos
oficiais
que
exercerão
cargos
predominantemente
administrativos. Face ao estabelecido na LDB, o MEC não tem competência para normatizar
estudos militares, assim o grau scricto-sensu conferido pelo sistema de ensino militar independe
de reconhecimento ou revalidação. Contudo, alguns militares demonstram o desejo de equiparar
seus estudos no âmbito civil, cujos cursos são regulamentados pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), ou reconhecidos por similaridade
curricular atestada pelo CNE ou por universidade que o Conselho indique. Assim, apesar do
reconhecimento do grau de mestre ou doutor militar conferido pela respectiva Lei de Ensino
Militar, a equivalência dos estudos do formando dessas Escolas de Estado-Maior em Áreas do
Conhecimento próprias do âmbito civil não ocorre pela falta de iniciativa dos seus departamentos
de ensino em submeterem seus currículos aos requisitos estabelecidos pelo MEC, talvez, numa
tentativa incoerente de manter a autonomia e diferenciação curricular, buscando de uma
identidade própria do ensino militar.
Em função do que foi apresentado até o momento, é possível perceber como a autonomia
do ensino militar não agregou valor ao processo de integração entre as três Forças e nem entre
elas e a sociedade. Assim, não é exagero afirmar que a sociedade brasileira não conhece os
militares, pois eles mesmos não se conhecem. A história apresenta exemplos claros de
divergências entre as Forças em questões nacionais, reforçando a idéia da falta de integração
5
como resultado da perceptível autonomia política que as três Forças Singulares possuíam e que
foi diminuída pelo aparecimento do MD.
O problema não estava somente no fato dos militares entrarem nas discussões da
política do Estado, [...] mas na falta de percepção quão ao seu próprio papel
enquanto soldado, bem como o papel de sua instituição no processo.6
A exigência de mudança no paradigma curricular dos militares não se vincula somente com
a necessidade de renovar os conteúdos ou os processos de transmissão de conhecimento. Mas,
também associar, com as devidas adequações, os valores advindos da democratização e da
pluralização de pensamentos que o país vem vivenciando nas últimas décadas. Recentemente, as
reformas curriculares brasileiras, tendo como principal a implementação dos Parâmetros
Curriculares Nacionais, foram acompanhadas pela criação e desenvolvimento de sistemas
nacionais de avaliação de rendimento educativo. Os sistemas de ensino militares também
possuem suas ferramentas de avaliação, porém seus resultados se restringem ao seu próprio
âmbito, deixando o MD fora do processo de reavaliação dos currículos militares. O processo
histórico de subordinação castrense ao poder civil brasileiro foi profundamente marcado pela
criação do MD, atendendo às exigências da evolução organizacional do Estado, diante das
transformações conjunturais externas e internas sofridas pelo país. Esse processo deve ter
inserido em seu corpo de ações as eventuais transformações doutrinária, orgânica e funcional que
as Forças Armadas necessitam para incorporar os anseios da sociedade civil brasileira para a
política de defesa do país. Ou seja, o MD deve de colocar como o órgão público controlador e
fiscalizador do conjunto curricular dos principais centros de formação militares, certificando-se
que os valores que norteiam o caminho político de um Estado democrático sejam bem
esclarecidos nos primeiros instantes de vivência na caserna. O ensino institucionalizado
representa uma condensação do social daquele ambiente, onde os militares refletem e projetam
suas visões e expectativas, sendo o currículo o instrumento de maior expressão das formas como
certas questões são interpretadas por eles, ou ainda, como não são expostas, mantidas a parte dos
debates.
“Noberto Bobbio, o grande pensador político da atualidade, ao defender o processo
de alargamento da democracia na sociedade contemporânea, propõe que ela deve
alcançar as relações entre o oficial e o soldado.”7
6
AVILA & RANGEL, 2009, p. 6.
6
E para isso, o MD precisa se consolidar como um mecanismo institucional capaz de
ampliar as possibilidades de participação democrática na definição do papel e atribuições dos
militares como indivíduos a serviço da Nação. Pois, embora já venha ocorrendo um aumento
considerável de civis atuando em várias esferas da política militar, é necessário que algumas
dimensões da organização da defesa brasileira não se perpetuem como monopólio do aparelho
militar, como por exemplo, a sua própria formação acadêmica e profissional. Segundo Saul, o
essencial na definição de currículo é “decidir-se por uma determinada concepção que inclua
compromissos sociais e políticos”8. Para tanto, o trabalho curricular efetuado nas escolas
militares de formação de oficiais deve considerar a tomada de posição a respeito de valores da
sociedade e do militar que se quer formar.
O conceito de militar e a atividade específica de segurança e defesa da nação distinguem os
militares de qualquer outra categoria profissional que utiliza a coação física para preencher suas
tarefas. Por enquanto, a Lei no 6.880, de 9 de dezembro de 1980, também conhecida como
Estatuto dos Militares, tem sido o principal referencial regulador da situação, obrigações,
deveres, direitos e prerrogativas dos militares. Nessa lei, em seus art. 27 e 28, estão estabelecidos
valores relativos ao valor e à ética militar, respectivamente, criando um conjunto de
“compromissos sociais e políticos” componentes do perfil militar.
A concepção de Althusser relativa aos aparelhos de Estado, do mesmo modo que a
anterior, pode ser usada para o entendimento da educação bélica. Aliás, a proposta
desse filósofo é a que mais se aproxima do ensino militar, uma vez que dois de seus
componentes – a idéia de que a escola é uma instituição destinada a preparar os
indivíduos de acordo com os papéis que devem desempenhar na sociedade, sendo
um deles o de agente da repressão e o processo de inculcação da ideologia
dominante – aplicam-se muito bem à pedagogia castrense.9
Dessa forma, é possível acreditar que um instrumento visível e de participação democrática
que poderia contribuir diretamente para o equacionamento dos problemas de integração entre
Forças seriam os currículos básicos comuns nas diferentes escolas de formação e
aperfeiçoamento das Forças Armadas. Acredita-se que no campo externo, esse tipo de
instrumento poderia facilitar a definição de linhas de formação mais homogêneas, permitindo a
7
LUDWIG, 1998, p. 42.
SAUL, 2000, p. 22.
9
LUDWIG. 1998, p. 33.
8
7
transparência e a democracia no debate do tema e maior articulação entre civis e militares.
Enquanto, que no campo interno, poderia melhorar a comunicação entre militares, quaisquer que
fossem suas carreiras profissionais ou origens sociais, visto que a heterogeneidade social das
escolas de formação de oficiais é uma diretriz da END:
Devem as escolas de formação de oficiais das três Forças continuar a atrair
candidatos de todas as classes sociais. É ótimo que número cada vez maior deles
provenha da classe trabalhadora. É necessário, porém, que os efetivos das Forças
Armadas sejam formados por cidadãos oriundos do todas as classes sociais. Essa é
uma das razões pelas quais a valorização da carreira, inclusive em termos
remuneratórios, representa exigência de segurança nacional.10
A heterogenia social dos candidatos às fileiras militares gera um grande desafio para as
escolas de formação, que é a dificuldade de ensinar, em poucos meses, os valores militares, que
muitas vezes, choca-se com a educação familiar liberal, construída em paralelo às mudanças
culturais que ocorrem na dinâmica da sociedade civil. Considera-se, portanto, que o intenso
processo de socialização militar visa romper com a identidade anterior do aluno, mas não
somente isso, objetiva também mudar a concepção que ele tem sobre si mesmo e o identificar
com uma nova função, um novo papel, considerado mais digno e moralmente superior. É
importante que se perceba que certos processos identificatórios produzidos pelo trabalho de
determinadas categorias profissionais são tão marcantes que constituem “um modo de ser” que
se expressa num etos próprio, personificado na mesma maneira de vestir, no modo de falar e na
qualificação de pares como iguais.
A destinação constitucional da atuação do militar brasileiro é no constante prepara para as
operações militares de defesa nacional. Então é importante conceituar que “operação militar de
defesa nacional” não se resume a um soldado atirar no inimigo. Existe toda uma estrutura em
torno dessa simples ação, que envolve o preparo técnico desse soldado, sua saúde física e mental,
a aquisição do seu equipamento, assim como sua manutenção, entre outras tantas ações que
devem transcorrer para que aconteça a tal “operação militar de defesa nacional”. Assim, são puro
devaneio e ingenuidade analítica, acreditar que possa ser construído um único perfil profissional
do oficial militar. Em uma rápida avaliação, é possível classificar e organizar a atuação do
militar brasileiro em três grandes campos de capacidades necessários à concretização das
10
o
BRASIL, Decreto n 6.703, de 18 de dezembro de 2008. Aprova a Estratégia Nacional de Defesa, e dá outras
providências.
8
operações militares. O primeiro é referente à sua habilitação bélica, ou seja, a capacidade de
utilizar armamento leve, o uso uniforme, a postura nos cerimoniais, condução de Inquéritos,
entre outras peculiaridades próprias do âmbito militar. Seria possível afirmar que esta habilitação
é a mais básica, sendo justamente o conjunto de conhecimentos necessários a adjetivação de um
indivíduo como militar, diferenciando-o do cidadão civil, e capacitando-o a cumprir os deveres
estipulados a qualquer militar pela legislação em vigor. Assim, teoricamente, todos os centros de
ensino militares podem e devem estar capacitados a manter e atualizar esse conhecimento
específico da habilitação bélica do militar brasileiro. A regulamentação e a construção dos
currículos correspondente, não necessariamente, devem ser responsabilidade de cada Força,
talvez, pelo contrário, deva ser estabelecido em um nível superior visando a padronização.
Já o segundo grande campo de atuação do profissional militar brasileiro é referente à sua
habilitação administrativa, cujas competências, em sua maioria, não são estabelecidas por
normas castrenses, mas sim, conseqüência das exigências legais em torno de alguns ramos do
Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário. Quanto mais o militar vai
alcançando postos superiores na hierarquia da carreira, maiores serão suas responsabilidades
junto à administração pública federal, pois suas tarefas diárias estarão ligadas diretamente ao
funcionamento da Organização Militar, que é, em sua grande maioria, uma Pessoa Jurídica. E
conforme o art. 21 do Estatuto dos Militares, o provimento dos cargos militares deve ocorrer
com pessoal que possua, além de grau hierárquico compatível, também qualificações exigidas
para o seu desempenho. Já é bem considerável a quantidade de cargos militares, cujas atribuições
exigem mais capacidade administrativa do que propriamente bélica, principalmente nos altos
escalões da administração militar, inclusive na estrutura do próprio Ministério da Defesa.
Partindo da premissa de que muitas das capacidades necessárias à execução das atribuições
desses cargos administrativos são de amplo conhecimento da sociedade civil, principalmente do
meio acadêmico, é razoável que parte do currículo dos cursos preparatórios para tais funções
sejam fundamentados a partir de currículos similares do âmbito civil.
O terceiro, e talvez o mais importante, campo de atuação do militar é justamente a sua
habilitação profissional. Navegadores, aviadores, mergulhadores, submarinistas, engenheiros,
médicos, economistas, bibliotecários, capelães, contadores, pedagogos, entre outras muitas
profissões, formados em universidades ou na própria Força, compõem o universo complexo dos
recursos humanos militares, extremamente necessários ao funcionamento da estrutura de defesa
do país. São essas profissões que servem, basicamente, de referência para distribuir esses
recursos humanos em quadros de carreira e organizar a estrutura de lotação dos cargos nas
diversas Organizações Militares. Assim, as peculiaridades de cada Força irão emergir através das
9
habilitações profissionais, das quais algumas serão inerentes a profissões singulares, exclusivas
do âmbito militar, e cuja regulamentação do sistema de ensino virá de normas oriundas da
própria Força Singular.
Dessa forma, é inglório e improfícuo o debate se a formação do oficial deve ser mais
burocrático ou mais combatente, pois os dois perfis, entre outros, são necessários para
composição da força de defesa do Brasil. A tendência que vem tomando força de aumentar a
carga de oficiais da área bélica com conhecimentos de outras habilitações profissionais pode
acarretar na má formação nas duas áreas, além de desmotivar o pretenso oficial que tenha
vocação operacional. Atualmente, alguns programas curriculares, principalmente o das escolas
de formação dos oficiais combatentes, apresentam uma carga de disciplinas abrangente e
diversificada, perpassando por várias áreas de conhecimento, do bélico ao sociológico, o que
concorre para uma abordagem de diversos assuntos de maneira superficial, geralmente
restringindo ao discente o acesso ao conhecimento mais especializado. Beneficiado, ainda, pela
autonomia que a lei permite, o Comando da Aeronáutica vem realizando uma série de mudanças
curriculares nos cursos de formação de oficiais na AFA, com o propósito de alcançar o
reconhecimento do diploma de bacharel em administração junto ao MEC, em detrimento de
algumas horas a menos na formação bélica. Além disso, essas iniciativas autônomas continuam
demonstrando a falta de sintonia entre as decisões do Comando da Aeronáutica e o MD,
atrasando o processo de integração entre as Forças Armadas justamente pelo fato de que a
mudança implementada pela Aeronáutica ocorreu após a criação da Comissão Permanente de
Interação de Estudos Militares no âmbito do MD, visando à padronização do ensino militar das
três Forças.
Parece que apesar de gama de procedimentos para elaborar políticas públicas, de forma
democrática, na área de segurança e defesa, buscando uma aproximação entre o meio civil com
os assuntos de defesa nacional, ainda existem ações autônomas dentro das instituições militares
que ainda não estão conjugadas com as diretrizes da Política de Defesa Nacional. Assim, o foco
dos debates deve ser justamente no aumento da qualificação das habilitações profissionais e na
articulação entre as diferentes profissões dos recursos humanos militares, sendo assim, a
integração entre as três Forças Singulares deve ser considerada meta prioritárias para que o MD
possa alcançar as expectativas de desempenho estabelecidas na Estratégia Nacional de Defesa.
As ações de planejamento e execução são atividades conjuntas, integradas, não são atividades
unilaterais, seqüência, seriais. Esse erro de interpretação quando se refere ao aparelho militar
produz danos irreparáveis. Por isso, identificar as interseções dos currículos militares das escolas
10
de formação militares possibilitaria a redução de redundâncias, ou seja, redução de custos
operacionais.
O mundo contemporâneo é marcado pela competição e pela busca da excelência, em que
progressos científicos e avanços tecnológicos definem exigências paradoxais de profunda
especialização versus a ampliação de conhecimentos em áreas diversificadas. Esse dilema
também atinge as Forças Armadas, cujo ensino militar sempre buscou a formação uniforme e
padronizada do profissional militar, capaz de aperfeiçoar as habilitações bélica, administrativa e
profissional. Contudo, de acordo com pesquisas acumuladas no ambiente acadêmico, não se
sustenta mais manter um critério curricular universal, devendo-se, então, considerar a extrema
dificuldade de alcançar êxito na meta da uniformidade militar, diante da complexidade e
quantidade de especializações exigidas pelo sistema de defesa do país. Deve-se vislumbrar a
construção de um novo modelo de militar profissional que tenha capacidade metodológica para
dialogar na mesma linguagem com a massa acadêmica das universidades e centros de pesquisa.
É notório que o oposto de um militar grosseiro não é um militar imbuído das virtudes cívicas e
possuidor de um modo polido. De forma contrária, é um profissional informado, decidido, e
tecnicamente eficiente, que sabe como deve operar nos limites estabelecidos pela moral e pela
confiança na legalidade.
Dessa forma, os Parâmetros Curriculares Militares (PCM) seriam um instrumento
ministerial para a construção de uma base comum nacional para o ensino militar, iniciando-se
pelo nível superior, e paulatinamente, o nível técnico e o auxiliar. Além disso, poderia se
caracterizar como uma orientação para que as escolas militares formulassem seus currículos
complementares, levando em conta suas próprias singularidades, indo mais além do que o
MD35-G-01 – Glossário das Forças Armadas, que é um documento que representa a necessidade
do MD em integrar as Forças Armadas brasileiras, por meio da disseminação de conceitos, nem
sempre inteligíveis, de modo que a comunicação entre os militares ocorra sem desentendimentos.
Não é raro, que na falta de uma doutrina comum, principalmente entre os oficiais, restem
somente as diferenças individuais para influenciar na tomada das decisões. Tais influências
podem ter sua origem regional e sócio-econômica, nos setores em que cada um prestou serviço
militar, nas experiências de carreira, e até mesmo, nas relações pessoais. Pois, ainda que o mérito
seja um elemento de grande importância na corporação militar, é possível perceber que o sistema
é dotado de instâncias locais de decisão, permitindo que a própria concessão dos méritos –
condecorações ou conceitos pessoais – seja permeada pelas relações pessoais. Tal dinâmica
estimula o distanciamento da universalização de procedimentos, contribuindo para a formação de
11
círculos de amizade e influência que incentivam a construção de currículos ocultos diferenciados
entre as três Forças Singulares.
Um desses conceitos é o de currículo oculto. Esse conceito, criado para se referir
àqueles aspectos da experiência educacional não explicitados no currículo oficial,
formal, tem sido central na teorização curricular crítica. Apesar de certa
banalização decorrente de sua utilização freqüente e fácil, ele continua importante
na tarefa de compreender o papel do currículo na produção de determinados tipos
de personalidade.11
A principal diferença do currículo formal e o currículo oculto no âmbito militar é que o
formal se restringe aos centros de ensino, enquanto o segundo afeta o indivíduo ao longo de sua
carreira, tendo seus superiores hierárquicos como tutores dessa aprendizagem continuada dos
valores da caserna. Além disso, um oficial, para alcançar o círculo dos oficiais-generais12 é
necessário passar por uma das três escolas de aperfeiçoamento – EGN, ECEME ou ECEMA –
cujo acesso já está pré-determinado a alguns quadros de oficiais, em detrimento de outros,
servindo como um filtro institucional, ao invés de um instrumento que selecionasse as melhores
opções de recursos humanos baseadas no mérito de desempenho profissional.
[...] a democracia política, em nível governamental, exerce influências positivas no
âmbito das instituições militares, particularmente nas escolas destinadas ao preparo
de oficiais que compõem os respectivos quadros da Marinha, Exército e
Aeronáutica.13
O atual sistema acaba determinando a formação de uma seleta “cúpula” de oficiais de onde
serão escolhidos os futuros oficiais-generais. Por isso, as atividades nas escolas de formação e de
aperfeiçoamento de oficiais devem proporcionar condições efetivas para a padronização de
procedimentos e unidade de doutrina, razão pela qual os PCM deverão adequar-se para atuar
como instrumento catalisador, visando à pesquisa, produção e difusão dos currículos de
formação e de aperfeiçoamento.
11
MOREIRA & SILVA, 2000, p. 31.
Postos de General no Exército, Almirante, na Marinha e Brigadeiro na Aeronáutica.
13
LUDWIG, 1998, p. 105.
12
12
A administração participativa, essencialmente democrática, tem o mérito de
diminuir sensivelmente os níveis de frustração e agressividade, reações
incompatíveis com o espírito de camaradagem, cooperação e esforço conjunto,
essenciais à manutenção do elevado moral de uma tropa. Quanto a isso, já ficou
demonstrado que os grupos democráticos são os que revelam melhor moral de
grupo em relação aos autoritários.14
Os PCM não devem ser interpretados somente como referenciais de qualidade para a
formação do perfil militar básico e administrativo dos diferentes profissionais militares, mas
como um importante instrumento no processo de integração das três Forças Singulares,
fornecendo-lhes os subsídios necessários para a construção coletiva de uma identidade cultural
propriamente militar. Com a criação da Comissão Permanente de Interação de Estudos Militares
(CPIEM), da Secretaria de Estudos e Cooperação do Ministério da Defesa, que estabelece dentre
suas finalidades, “I – propor diretrizes gerais para a interação ou harmonização de atividades
acadêmico-militares, observadas as peculiaridades de cada Força; II – propor medidas que
permitam o estabelecimento de equivalência entre cursos de mesma natureza”, percebe-se a
condução das decisões e a organização de instrumentos que possibilitem maior integração e
ações combinadas entre as Forças Singulares. Além disso, define também a busca de cooperação
com setores civis no enriquecimento dessa harmonização. Assim, comunidade brasileira tende a
perceber como o MD elabora proposta em que coloca com clareza as expectativas sobre o perfil
básico do militar. Isso permite o aumento do diálogo entre a caserna e a sociedade civil, pois a
sua publicidade permitirá a abertura à crítica e ao debate democrático, legitimando o processo de
formação do militar brasileiro.
Os PCM estimularão e renovarão as propostas curriculares dos diferentes centros de ensino
militares, reforçando a importância das singularidades de sua própria formação, para que a
melhoria dessa formação se reflita em um militar mais apto ao serviço da nação. Ou seja, ao
elaborar e oferecer PCM mínimos para o sistema de ensino militar, levando em consideração,
obviamente, os níveis de escolaridade, e tendo como referência as regras do sistema de ensino
civil, o MD permitiria que os centros de ensino militares complementassem esses PCM de
acordo com suas peculiaridades bélicas, diminuindo a dicotomia entre os dois sistemas de ensino
e solucionando o problema das equivalências de cursos.
Algumas estratégias poderiam ser consideradas pelo MD, através da sua Secretaria de
Estudos e Cooperação, para a implementação dos PCM. A unificação e centralização dos
14
Idem, p. 80.
13
processos de auto-avaliação curriculares, que já existem nos centros de ensino militares,
proporcionaria aos analistas do MD a visão do discente em relação aos cursos por onde
passaram. O desenvolvimento de um processo de análise comparativa dos currículos similares
das três Forças provocaria mudanças imediatas de padronização curriculares. A incorporação da
formação integral como elemento fundamental dos planos curriculares se justificam pela
remuneração que os discentes militares recebem desde a entrada no curso de formação. A criação
de encontros de debate entre educadores e dirigentes das áreas de atuação dos oficiais facilitaria
a definição dos objetivos curriculares que interessam aos diversos setores da caserna, seja o
administrativo ou o operacional. A implementação de um sistema no âmbito do MD, análogo ao
Currículo Lattes do CNPq, permitiria o acompanhamento da capacitação dos recursos humanos
militares e facilitaria o processo de indicação e seleção, através do mérito profissional e
acadêmico de militares para diversos cargos que exigem qualificações especiais, como no
exterior e no próprio MD.
A Estratégia Nacional de Defesa (END), aprovada pelo Decreto no 6.703, de 18 de
dezembro de 2008, aponta a ampliação dos currículos das escolas militares pela inclusão de
disciplinas relativas ao Direito Constitucional e Direitos Humanos. A descentralização da
elaboração dos currículos básicos das escolas militares permite a despadronização e o
desnivelamento de conteúdo, provocando disparidades do perfil profissional básico dos militares
formados por diferentes escolas. A Política de Ensino de Defesa (PEnsD), estabelecida pelo
Decreto no 7.274, de 25 de agosto de 2010, determina que o MD, em coordenação MEC, seja o
responsável pela execução dessa política, cujo teor fornece todas as ferramentas necessárias para
o surgimento dos Parâmetros Curriculares Militares, principalmente ao analisar os objetivos
expressos no art. 4o, dessa PEnsD. Os incisos V, VI e VII, desse artigo, citam a equivalência de
cursos nos sistemas de ensino civil e militar, a capacitação do pessoal civil e militar na área de
defesa, e intercâmbio entre instituições de ensino civis e militares, respectivamente. Levando-se
em consideração que o Brasil já dispõe de todo um aparato burocrático de reconhecimento de
cursos técnicos, superiores e de pós-graduação no âmbito do MEC, a PEnsD estimula o caminho
razoável de que o MD submeta currículos e cursos à apreciação dos mecanismos legais e
regulares do MEC para o reconhecimento apropriado em Áreas do Conhecimento do sistema de
ensino civil, o que não teria nada de inédito.
Apesar da legislação em vigor permitir que diversas organizações militares de ensino
conduzam seus programas de pós-graduação de forma diferenciada, duas delas destacam-se pelo
seu tradicional grau de excelência acadêmica. Quando o militar se propõe a seguir as regras do
MEC, estão fadados a alcançar sucessos acadêmicos como o Instituto Militar de Engenharia
14
(IME) e o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), sendo este detentor de conceito 6 (1 a 7)
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES/MEC) para o seu
programa de pós-graduação (mestrado e doutorado) em Engenharia Aeronáutica. Além disso, o
MEC, por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), divulga o
Índice Geral de Cursos (IGC), que se caracteriza como um instrumento de medida do
desempenho das instituições de ensino superior do país. No IGC de 2009, o ITA encontrava-se
como o segundo melhor índice, atrás apenas da Escola de Administração da Fundação Getúlio
Vargas, do Rio de Janeiro, enquanto o IME conquistou o décimo melhor índice entre as
instituições de ensino superior do país. Ou seja, modelos de formação acadêmica e profissionalmilitar que já funcionam dentro da estrutura de subordinação do Ministério da Defesa. Apesar de
ter requisitos mais difíceis de implantação e manutenção, do que os exigidos pelo sistema
militar, o modelo do CAPES/MEC tem o reconhecimento das comunidades de ensino e pesquisa
do país e do exterior.
Além disso, a matrícula nos cursos de graduação do ITA implica na sua também matrícula
no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR) da Aeronáutica de São José dos
Campos. Ao término do curso do ITA, o indivíduo tem a chance de continuar a carreira na Força
Aérea Brasileira como Primeiro-Tenente do Quadro de Oficiais Engenheiros da Aeronáutica.
Processo similar ocorre no IME, onde os formandos tornam-se oficiais engenheiros do Exército.
Ou seja, não há necessidade dos formandos do ITA ou do IME preocuparem-se com
equivalência de estudos, visto que seus cursos já são regularmente reconhecidos pelo MEC.
Apesar da LDB proporcionar a autonomia do sistema de ensino militar, essas instituições
submeteram-se às regras do MEC, evitando que seus formandos se preocupassem com a validade
de seus diplomas no sistema de ensino civil.
Partindo desses dois estudos de caso, pode-se concluir que um dos caminhos viáveis para a
reestruturação da formação dos recursos humanos nas Forças Armadas é a subordinação de parte
dos currículos dos vários centros de ensino militares às normas do sistema de ensino civil 15, pelo
menos, nas Áreas de Conhecimento comuns aos dois sistemas. E o órgão mais indicado para
centralizar a elaboração desses currículos comuns é o Ministério da Defesa, construindo o corpo
dos Parâmetros Curriculares Militares. A END estabelece como interesse estratégico do Estado,
a formação de especialistas civis em assuntos de defesa. Para tanto, o Governo Federal deve
apoiar o desenvolvimento de programas e cursos sobre defesa no âmbito das universidades,
sendo a Escola Superior de Guerra como um dos principais instrumentos de tal formação.
15
A Polícia Militar do Estado de Minas Gerais reestruturou seu modelo curricular de formação de soldados,
caracterizando o curso como técnico de segurança pública, atendendo às especificações do MEC, previstas na LDB.
15
Contudo, o caminho inverso também pode ocorrer, ou seja, nas escolas militares onde os
assuntos de defesa já são estudados, redesenhar sua estrutura de modo que atenda às
especificações do MEC, e com isso, tornem-se instituições de ensino superior, tanto para o
sistema de ensino militar, quanto para o civil.
O ensino militar deve ser um fator de aceleração da modernização e do progresso de seus
recursos humanos, contribuindo para condução de uma instituição mais democrática.
Considerando que a atualização de currículos implica reconhecer as mudanças e os avanços
ocorridos em uma sociedade e vislumbrar os desafios futuros dos diversos ramos de
conhecimento, a proposição dos PCM tem como objetivo unificar critérios para a avaliação e
atualização permanente dos currículos das diferentes habilitações e conseqüentemente, a criação
de futuras carreiras profissionais. Os PCM também diminuirão sensivelmente a autonomia
existente nos Comandos Militares na tomada de decisões concernentes às diretrizes pedagógicas
e à organização das disciplinas de formação de seus centros de ensino, fortalecendo os setores do
MD vinculados à formação acadêmica. Além disso, a participação de segmentos da sociedade na
formulação dos PCM contribuiria para a consolidação da Política de Defesa do país como
política pública, ou seja, multidisciplinar e multidimensional. A condução política e avaliação
efetuada por civis, ao contrário do que muitos militares pensam, contribuiriam para o
fortalecimento político da instituição militar por meio do reconhecimento moral de diversos
setores sociais.
A preparação de recursos humanos no campo da segurança e defesa não pode ser ajustada
num curto espaço de tempo, assim a estruturação e a doutrina militar devem ser o resultado de
estudos e debates promovidos pelo órgão acadêmico, forjado nos mesmos moldes de uma
universidade, mas sob a tutela do Ministério da Defesa. As novas realidades internacionais
exigem que haja uma reformulação do papel e da estrutura das Forças Armadas, cuja articulação
com a política externa refletirá o grau de projeção estratégica do Brasil no sistema internacional.
No atual sistema internacional anárquico e complexo, onde os principais países que
direcionam a política mundial, também são detentores de força militar considerável, não é
coerente ou lógico que um intelectual possa sugerir a supressão das Forças Armadas brasileiras.
Isso não significa que possamos prescindir de uma capacidade militar de dissuasão,
como também de repulsão e preparo para defesa e resistência contra ameaças
externas. Cabe ao planejamento estratégico, naturalmente, avaliar a extensão e o
16
grau de atenção a ser dado às ameaças concretas e hipotéticas, presentes e
futuras.16
Mas a história mostra, e o governo é o primeiro a saber que o exercício militar, sem uma
condução fiscalizadora do poder civil pode conduzir a abusos de poder. Experiências
internacionais bem-sucedidas, onde setores da sociedade civil participam ativamente da
formulação das políticas de defesa de seus países, demonstram evoluções na postura e atitudes
dos militares na ruptura com alguns paradigmas, que no Brasil ainda são muito consistentes. É
bem verdade que a mera importação de modelos estrangeiros sem a devida adaptação à realidade
brasileira pode criar mais problemas do que aquele que pretende resolver. Mas, sob um ponto de
vista comparativo, é possível conjeturar que quanto mais bem sucedido o processo de controle
civil sobre os militares, mas espaço se apresenta para a discussão das temáticas de Defesa e, por
conseguinte, torna-se mais acessível à discussão sobre paradigmas histórica e socialmente
ultrapassados.
A reestruturação das Forças Armadas brasileiras está ligada diretamente à ruptura com
paradigmas dominantes, resultantes, em grande parte, do sistema de ensino militar estabelecido.
Lidamos,
hoje,
com
conceitos
novos
como
“segurança
humana”
e
“responsabilidade de proteger”. Concordamos que devem ter um lugar adequado
em nosso sistema. Mas é ilusório pensar que podemos combater os desvios políticos
que estão na origem de violações graves de direitos humanos por meios
exclusivamente militares, ou mesmo por sanções econômicas, em prejuízo da
diplomacia e da persuasão.17
Enquanto uma almirante feminina assume o comando de porta-aviões norte-americanos18,
ou generais femininas assumem postos estratégicos no exército de Israel e no dos Estados
Unidos19, o ensino militar brasileiro está associado a um plano de carreiras que impede que
oficiais oriundos das universidades não tenham acesso aos postos de oficiais-generais. O
primeiro exemplo da inserção das mulheres nas Forças Armadas brasileiras, não derivou de
firme decisão quanto ao igual desempenho das mesmas em funções correlatas a dos homens
16
AMORIM, 2011, p. 239.
Idem, p. 70.
18
Em 2010, a almirante Nora W. Tyson assumiu o comando de uma Força Marítima dos Estados Unidos composta
por um porta-aviões, cruzadores, entre outros navios de guerra.
19
Em 2008, a general norte-americana Ann Dunwoody foi a primeira mulher a ser nomeada general de quatro
estrelas, e a general Orna Barbival foi a primeira mulher a ser promovida a este posto no exército de Israel.
17
17
militares, mas representou uma situação de oportunismo imediato a fim de suprir falta de pessoal
e melhorar a imagem institucional. É importante destacar que quando incorporadas, as mulheres
passaram a integrar os quadros administrativos e mesmo quando se tornaram parte dos quadros
permanentes, ficaram limitadas ao exercício de atividades não ligadas diretamente à habilitação
bélica, por isso de menor prestígio, o que não lhes permite acesso aos postos de oficial-general.
Ficam impedidas de alcançar os níveis mais altos da carreira militar e dessa maneira,
permanecem limitadas a postos nos quais detinham uma condição de dependência em relação aos
seus superiores.
A quebra de paradigmas reflete a mudança de uma mentalidade bélica de confronto,
perpetuadora de uma relação centrada na autoridade e no conflito permanente, por posturas mais
conciliatórias, focada na diplomacia e soluções integradas dos problemas regionais de defesa. A
inexistência de pesquisas acadêmicas com estas perspectivas e a pouca presença de servidores
civis e acadêmicos, especialistas em defesa, no MD, não permite que haja uma valorização
destes aspectos no ambiente da caserna. Competência, democracia e integração devem constituir
quesitos essenciais na formação atual dos militares, portanto, devem ser considerados como os
principais pilares para a gestação de uma nova Força de Defesa brasileira.
É necessário compreender que currículos diferenciados formarão mentes diferenciadas,
mas não de forma individual, mas compondo uma diferença social ligada à classe. Ou seja, a
autonomia curricular de cada Força contribui para a potencialização de suas próprias
características, aumentando as barreiras conceituais entre os militares. Contudo, esse processo é
amenizado, a cada instante que novos documentos doutrinários são formulados pelo MD, criando
um ponto focal de articulação entre as Forças Armadas brasileiras no final do processo, enquanto
os Parâmetros Curriculares Militares estimulariam esse ponto focal no início do processo. Os
debates envolvendo esses temas devem ser estimulados, de modo a definir melhor o que se
entende por competências no meio militar e como isso pode ser aproveitado na construção de
currículos integrados e orientados por valores democráticos e integracionistas.
18
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMORIM, Celso. Discursos, palestras e artigos do Chanceler Celso Amorim: 2003-2010.
Brasília: Ministério das Relações Exteriores, Depto de Comunicações e Documentação,
Coordenação-Geral de Documentação Diplomática, 2011. Volume 1.
AVILA, Rafael, RANGEL, Leandro de Alencar. A guerra e o direito internacional. Belo
Horizonte: Del Rey, 2009.
BRASIL. Decreto no 5.484, de 30 de junho de 2005. Aprova a Política de Defesa Nacional, e dá
outras providências.
_______. Decreto no 6.703, de 18 de dezembro de 2008. Aprova a Estratégia Nacional de
Defesa, e dá outras providências.
FLORES, Mário Cesar. Bases para uma política militar. Campinas. Editora UNICAMP, 1992.
LUDWIG, Antonio Carlos Will. Democracia e ensino militar. São Paulo: Cortez, 1998.
MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa, SILVA, Tomaz Tadeu da. Currículo, cultura e sociedade.
4a edição. São Paulo: Cortez, 2000.
SAUL, Ana Maria. Avaliação emancipatória: desafios à teoria e à prática de avaliação e
reformulação de currículo. 5a edição. São Paulo: Cortez, 2000.
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Artigo Jose Carlos de Araujo