Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Direito
Trabalho de Conclusão de Curso
ADPF 153: INSTITUCIONALIZAÇÃO DA IMPUNIDADE
Autor: Marcelo Alonso de Jesus Silva
Orientador: MsC. Prof. Daniel Scott
Brasília – DF
2011
MARCELO ALONSO DE JESUS SILVA
ADPF 153: INSTITUCIONALIZAÇÃO DA IMPUNIDADE
Monografia apresentada ao curso de graduação
em Direito da Universidade Católica de
Brasília, como requisito parcial para obtenção
do título de Bacharel em Direito.
Orientador: MsC. Prof. Daniel Scott
Brasília
2011
Monografia de autoria de Marcelo Alonso de Jesus Silva, intitulada “ADPF n. 153:
INSTITUCIONALIZAÇÃO DA IMPUNIDADE”, apresentada como requisito parcial para
obtenção do certificado do grau de Bacharel em Direito pela Universidade Católica de
Brasília, em ____/____/______, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo
examinada:
_____________________________________________
Prof. MsC. Daniel Scott
Bacharelado em Direito - UCB
_____________________________________________
Prof. de Direito
Bacharelado em Direito - UCB
_____________________________________________
Prof. de Direito
Bacharelado em Direito - UCB
Brasília
2011
AGRADECIMENTO
Agradecer é um ato de reconhecimento por tudo aquilo que aconteceu de bom em sua
vida. Por todos aqueles que te ajudaram no decorrer de uma determinada caminhada.
Agradecer por tudo e por todos é uma tarefa difícil, pois muitas pessoas nos auxiliam no curso
de nossas vidas, ainda que de forma mínima, no entanto, com diferentes intensidades. De
outro lado, muitas coisas gostaríamos de viver de novo e outras gostaríamos apenas de
lembrar, pois foram lições árduas, mas, necessárias.
Assim, agradeço aos meus professores que nesta longa caminhada de nossas vidas se
empenharam por nos transmitir o conhecimento da melhor maneira possível, sempre se
esforçando para que fôssemos profissionais de grande excelência.
Agradeço também o auxílio do professor Paulo Abrão que, inicialmente, direcionou
algumas das construções acerca desta pesquisa.
Agradeço aos colegas de sala de aula que estiveram juntos nos núcleos de prática
jurídica, nos intervalos, nos corredores, trocando experiências, compartilhando tristezas e
alegrias. E acrescento dois amigos especiais: Francisco Ferreira do Carmo e Rossbem Betuel,
dois camaradas que sempre estão por perto nos encorajando para vencer os desafios desta
vida.
Agradeço aos professores do núcleo de prática jurídica de Samambaia. Alcio Sinott,
Gleyce Belarmino, Quézia Fabrício, Ricardo Barbosa e Raquel Moreira. Esses professores
possuem um significado especial. Sempre exigiram o máximo do nosso conhecimento e de
nossa prestação enquanto auxiliares do NPJ – Samambaia. Desejavam sempre que
dominássemos o conhecimento para que a frustração no mercado de trabalho não nos
alcançasse. A esses e demais professores, o meu muito obrigado.
Agradeço aos colegas de estágio do Ministério Público de Ceilândia, em especial, a
Promotora de Justiça Dra. Clara Paim Diaz, que com graciosa paciência me recepcionou
naquele lugar. Promotor de Justiça Dr. Marcelo Tannus, simplicidade em pessoa. Promotor de
Justiça Dr. Amaury Damasceno e Vasconcelos que com seu humor alegrava nossas tardes de
trabalho.
Agradeço a minha família. Essa estrutura é a base da minha vida. Meu porto seguro
que Deus me presenteou com lindas meninas. Caroline a irmã família. A primogênita que toda
casa deveria ter. Nosso exemplo de vida. Camila. A caçulinha com cara de irmã mais velha. A
pequena Sofia. Minha sobrinha de 1 ano e alguns meses. Que com aquela voz rouca e dócil
alegrava os dias de cansaço da monografia. E a minha princesa Suerilda. Minha mãe. Que
com sua coragem sempre me deu força para prosseguir e ser o melhor na vida. Obrigado a
todas vocês que me inspiram no dia-a-dia. E, não muito longe, in memorian, ao papai José
Maria da Silva. Em relação ao papai, prefiro não falar muito. Saudades dele.
Por fim. Agradeço a Deus pelo dom da vida, por me permitir gozar de uma vida
saudável e tão rica de pessoas e circunstâncias agradáveis que me rodeiam.
...prefiro deslocar a questão e falar do amor,
para falar dos direitos humanos. Eles não são
práticas e discursos de resistência à morte.
Trata-se de mostrar que os direitos humanos,
como problemática, precisam gerar práticas e
discursos de preservação do amor, discursos
que precisem falar de instâncias liberatórias,
que permitam ao homem reencontrar seus
vínculos perdidos com a vida.
Luís Alberto Warat
RESUMO
Referência: DE JESUS SILVA, Marcelo Alonso. Título: ADPF n. 153: Institucionalização da
impunidade. 89 folhas. Trabalho de Conclusão de Curso de Direito – Universidade Católica
de Brasília, Brasília, 2011.
O objetivo desta pesquisa é avaliar a decisão do STF, a respeito do alcance da lei de anistia, o
qual entendeu que não é possível a responsabilização dos agentes estatais brasileiros que
praticaram crimes de tortura e desaparecimento forçado no período ditatorial,
institucionalizando, assim, a impunidade, uma vez que o próprio Estado – Poder Executivo
(Comissão de Anistia e Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos) – já
reconheceu a manifesta violação dos direitos fundamentais e das liberdades públicas
impetradas contra o povo brasileiro. Além disso, as medidas de justiça de transição
aconselhadas aos países emergentes do regime de exceção serão objeto de estudo,
considerando os efeitos produzidos por cada uma dessas alternativas, de acordo com a
tipologia autoritária caracterizada no caso brasileiro. Atualmente, os sistemas de justiça de
transição têm sido implantados em diversas regiões do mundo, como América Latina, Europa,
África, Ásia e o Árabe, mais novo sistema a ser criado para supervisão das práticas que
atentam contra os direitos da pessoa humana. Acredita-se que a instituição do Estado de
Direito é o caminho para pacificação social, redução das desigualdades sociais, distribuição
equitativa da renda e crescimento gradativo das nações. Ademais, os tratados internacionais,
convenções e tribunais internacionais, ratificados pelos diferentes países, são instrumentos de
significativa importância nesse contexto, pois, diante da própria ação ou omissão estatal que
atue violando a natureza do homem, esses tribunais e os correspondentes preceitos legais
constituem parâmetros de proteção às pessoas vítimas de violação em massa. Nessa esteira,
este estudo vem demonstrar o retrocesso jurídico da Suprema Corte Brasileira ao interpretar a
lei da anistia conforme a constituição, institucionalizando, assim, no que se trata da anistia
política, a impunidade no Brasil.
Palavras-chave: Justiça de transição. Anistia. Impunidade. Estado Democrático de Direito.
Tratados internacionais. Trabalho acadêmico. Referência. Citação.
ABSTRACT
Reference: DE JESUS SILVA, Marcelo Alonso. Title: ADPF n. 153: Institutionalization of
impunity. 89 pages. Completion of Work Law Course – Catholic University of Brasilia,
Brasília, 2011.
The objective of this research is to evaluate the decision of the Supreme Court, regarding the
scope of the amnesty law, which can not be understood that the responsibility of the Brazilian
state officials who committed crimes of torture and forced disappearance during the
dictatorship, institutionalized, thus, impunity, since the state itself - Executive (Amnesty
Commission and the Special Commission of Political Dead and Disappeared) - has already
recognized the blatant violation of fundamental rights and civil liberties filed against the
brazilian people. In addition, measures of transitional justice advised to countries emerging
from authoritarian regime will be the object of study, considering the effects produced by
each of these alternatives, according to the authoritative typology characterized in the
brazilian case. Currently, the transitional justice systems have been deployed in various
regions of the world such as Latin America, Europe, Africa, Asia and the Arab newest system
to be created to oversee the practices that violate the rights of the individual. It is believed that
the establishment of the rule of law is the path to social peace, reduction of social inequalities,
equitable distribution of income and gradual growth of nations. Moreover, international
treaties, conventions and international courts, ratified by individual countries, are instruments
of significant importance in this context, because before his own act or omission to act in
violation of state the nature of man, these courts and the relevant legal principles are
parameters protection to victims of mass rape. On this track, this study demonstrates the legal
setback to the Brazilian Supreme Court to interpret the law as the constitution of the amnesty,
institutionalized, so in that it is a political amnesty, impunity in Brazil.
Keywords: Transitional justice. Amnesty. Impunity. Democratic Rule of Law. International
Treaties.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8
1.
JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO ...................................................................................... 11
1.1 CONCEITUAÇÃO ................................................................................................. 11
1.2 DIREITO E POLÍTICA .......................................................................................... 16
1.3 FUNDAMENTOS DO ESTADO DE DIREITO ................................................... 22
1.4 A TRANSIÇÃO NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988: ARTIGO 8º
ADCT ........................................................................................................................... 27
1.5 A IMPORTÂNCIA DA JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO PARA A
RECONCILIAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA ............................... 33
2.
OS DIREITOS DA TRANSIÇÃO ............................................................................. 39
2.1 DIREITO À REPARAÇÃO ................................................................................... 41
2.2 DIREITO À VERDADE ........................................................................................ 46
2.3 DIREITO À MEMÓRIA ........................................................................................ 53
2.4 DIREITO À JUSTIÇA ........................................................................................... 58
3.
CONFLITO DE INTERPRETAÇÕES NA APLICAÇÃO DA JUSTIÇA NO
CASO BRASILEIRO ............................................................................................................. 64
3.1 ADPF Nº153. ALCANCE DA LEI DE ANISTIA ................................................. 66
3.2 CONDENAÇÃO DO BRASIL PELA CORTE INTERAMERICANA DE
DIREITOS HUMANOS PELOS PAÍSES DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS
AMERICANOS (OEA): CASO ARAGUAIA ............................................................. 70
3.3 A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS COMO
INSTÂNCIA MÁXIMA JUDICIAL NO BRASIL PARA MATÉRIA DE DIREITOS
HUMANOS .................................................................................................................. 75
CONCLUSÃO......................................................................................................................... 82
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ...................................................................................... 86
8
INTRODUÇÃO
Atualmente, em diversas nações do mundo a análise do regime político tem sido tema
de debate e até mesmo de guerrilhas. Os recentes e diversos fenômenos de insurgência da
democracia nos países ditos ditatoriais tem sido marcantes nos países orientais. Cite-se, o caso
da Líbia, Síria e muitos outros países da América Latina que tem se estruturado para o
estabelecimento sólido e verdadeiro das bases institucionais democráticas.
A necessidade de estudo e análise da solidificação do Estado Democrático de Direito é
tema de supremacia inconteste nos diferentes lugares do mundo. Enquanto países do oriente
lutam pelo reconhecimento de um governo democrático e o rompimento de um sistema de
exceção, países emergentes do regime ditatorial planificam e estruturam alternativas e
projetos para a edificação de um sistema de governo democrático. Esse processo de transição
é chamado de justiça de transição: o encontro da política com o mundo do Direito.
Em alguns países esse fenômeno sequer existe como acima foi citado. Em outros, esse
estado de passagem começa a acontecer com pequenas ações, mas, que, constituem-se de
extrema importância para a construção de um legado de direitos e deveres de ambas as partes:
Estado e cidadãos.
E sob esse prisma que este estudo vem inclinar sua atenção para o processo de transição
dos países emergentes do sistema ditatorial, dirigindo seus apontamentos para tais fatos
históricos os quais não são inéditos, mas, ao revés, tem se mostrado recorrentes. E a partir
disso, primar pelo incentivo de reparação à memória, à verdade, à justiça e às pessoas
perseguidas, torturadas e mortas que lutaram pela instituição de um sistema democrático que,
nos dias atuais, vigora sob o ranço do autoritarismo beligerante.
A questão inédita nessa pesquisa científica é tratar da amplitude do conceito de
reparação no que se diz respeito à extensão da anistia concedida pela Suprema Corte
Brasileira aos perseguidores políticos, os quais, manifestamente, praticaram crimes de
homicídio, tortura e desaparecimento forçado. A partir deste contexto, demonstrar que o
conceito de reparação não se limita apenas ao campo econômico ou moral, mas também,
viabilizar o julgamento de seus algozes, iniciando, outrossim, um enfrentamento das inúmeras
situações de impunidade no seio das instituições ditas democráticas e da comunidade
brasileira.
Compartilhando desse mesmo pensamento, oportunas são as considerações realizadas
por Kathryn Sikkin e Carrie Walling, as quais analisaram cem países que passaram pela
9
transição de regimes autoritários para democráticos e concluíram que os países que julgaram
crimes cometidos contra os direitos humanos tiveram uma redução significativa nos índices
de violência dos agentes de segurança hoje.
Por todo o exposto, a escolha do tema objeto de pesquisa originou-se da participação do
II Seminário Latino-americano de Justiça de Transição, realizado nos dias 7 e 8 de julho de
2011, em Brasília. Logo, após a explanação de diversos atores internacionais detalhando a
magnitude do tema que vem sendo instituído em países como Peru, Argentina, Chile,
Guatemala, El Salvador e muitos outros – os quais vêm se submetendo ao mesmo processo de
transição – o interesse em examinar o conteúdo tornou-se latente, mormente, em razão dos
diversos eventos ocorridos na sociedade oriental, cujas situações não são de perplexidade para
a comunidade internacional face à recorrência dos acontecimentos.
Além disso, a matéria cerne de discussão, estudo e implantação em muitos países é de
urgente relevância, pois, além de batalhar pelo fim da impunidade característica das
instituições democráticas brasileiras, visa reformar o sistema de forma que impeça o
fortalecimento de ações autoritárias e despojadas de dignidade humana.
O julgamento pelo STF da ADPF 153, a respeito do alcance e da constitucionalidade da
lei de anistia aos crimes cometidos no período de exceção, a condenação do Brasil pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos e o mais recente caso do menino Juan são fatos que
reforçam a necessidade de reformulação das bases institucionais para que se propicie a
solidificação da democracia no Estado brasileiro. Ademais, esse intervalo de transição
recomenda a restituição do passado histórico brasileiro, reparação das vidas que foram
ceifadas e torturadas e julgamento dos perseguidores políticos.
Portanto, a matéria em questão requer observação, com o intuito de se evitar que esse
fenômeno que tem sido marcante na humanidade não opere as conseqüências vistas e revistas
no mundo oriental. Face ao exposto, reitera-se a importância de vivência da justiça de
transição brasileira a qual se afigura tímida, prematura e muito distante dos objetivos e ações
necessárias à sua implantação. Ressalte-se que esse passo já foi dado pelos trabalhos
realizados pela Comissão de Anistia, porém, é evidente a necessidade de desvendar contextos
por ora intocáveis.
Por derradeiro, a finalidade dessa pesquisa é “enfrentar esta questão, postergada por
tanto tempo, visando consolidar de uma vez por todas os valores democráticos e
humanitários no seio da sociedade brasileira, e explicitar que a reconciliação nacional e a
10
pacificação política não podem justificar o olvido, o esquecimento daqueles atos praticados
para reprimir quem ousava discordar da ideologia oficial.” 1
BOTTINI, Pierpaolo Cruz e et. al. Lei da anistia: com a palavra, O STF. Boletim IBDCRIM, ano nº 17, nº 225,
dez./2009. p.4.
1
11
1.
JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO
1.1
CONCEITUAÇÃO
Segundo Genro e Pires Júnior, as práticas arbitrárias cometidas pelo Estado brasileiro,
durante o regime militar, contra todos aqueles que foram perseguidos politicamente, exigem
reparação. Nesse contexto, a Justiça de Transição mostra-se como instrumento tempestivo, de
viabilização para reconstrução do passado e para consolidação da democracia, inclusive no
sentido de conceder a condição de anistiado político e o direito às reparações econômicas,
como forma de reparação pelas ações despóticas estatais.2
O cenário de reiterados confrontos nos países orientais é o mais recente exemplo e
prova da necessidade de tratamento e atenção ao processo de transição dos regimes ditatoriais
ao estado ou implantação da democracia. Além disso, diversos outros exemplos podem ser
citados no Brasil ou em outros países da América Latina como Argentina, Chile, Peru, El
Salvador e Guatemala, os quais se submeteram a regimes ditatoriais e, atualmente, passam por
um processo de reestruturação de seu sistema de governo.
Nesse sentido, o reflexo do autoritarismo reproduz atrocidades e atos de impunidade
como acima delineado. E é nesse pensar que o presente estudo vem demonstrar a justiça de
transição como elemento necessário e fundamental na construção ou reconstrução do Estado
Democrático de Direito. Segundo Pinheiro, “é extremamente difícil consolidar uma
democracia política sem que se constitua um sistema sólido de responsabilidade, de
responsabilização pública como política do Estado no presente, sem que também valha em
relação ao passado.” 3
Compartilhando do mesmo pensamento, pode-se observar a lição do professor Jorge
Capizo:
La democracia es fenómeno dinámico y expansivo. Las sociedades
actuales se desarrollan a velocidad nunca antes vista, los avances
científicos y tecnológicos benefician grandemente y presentan nuevos
peligros a las libertades. Problemas que realmente no lo eran unas
cuantas décadas o años atrás, ahora hay que enfrentarlos y resolverlos,
GENRO, Tarso; PIRES JUNIOR, Paulo Abrão. Anistia Política no Brasil: caminhos para efetivação da Justiça
de Transição. In: Relatório Anual da Comissão de Anistia, Brasília, dez., 2007. p.5.
3 SOARES, Inês Virgínia Prado e KISHI, Sandra Akemi Shimada. Memória e verdade: a justiça de transição
no Estado democrático brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p.15.
2
12
cuidando el respeto a los derechos de las personas. Los sistemas
democráticos, para hacer frente a nuevas realidades, tienen que
legislar y precisar cuestiones novedosas, o que no presentaban
mayores dificultades con anterioridad, pero que se convirtieron en
peligros potenciales para la propia democracia y las libertades de las
personas. 4
Portanto, a justiça de transição é um elemento que precisa ser compreendido pelos
países emergentes do regime ditatorial como fundamental à solidificação do Estado
democrático de direito e à implantação de instituições democráticas regidas pela dignidade do
ser humano, a fim de que se evite a reprodução do autoritarismo no período de estruturação
das bases institucionais.
A justiça de transição, segundo o Conselho de Segurança da Organização das Nações
Unidas (ONU), é o conjunto de abordagens, mecanismos (judiciais e mão judiciais) e
estratégias para enfrentar o legado de violência em massa do passado, para atribuir
responsabilidades, para exigir a efetividade do direito à memória e à verdade, para fortalecer
as instituições com valores democráticos e garantir a não repetição das atrocidades. 5
Para Alexander L. Borraine, o conceito de justiça de transição concretiza-se a partir da
análise dos seguintes termos: transição e justiça. Transição é literalmente compreendida como
a morte da velha ordem e o nascimento de uma nova ordem. Já justiça seria o encontro de
desafios do futuro mais controvertidos face aos diversos tipos de justiça existentes. Em
resumo, o autor define justiça de transição como um conveniente caminho de descrever a
procura por uma sociedade justa na esteira antidemocrática, frequentemente opressiva e
violenta. Portanto, ao invés de diminuir a justiça criminal, a justiça de transição oferece uma
visão profunda, rica e ampla de justiça que procura confrontar perpetradores, localizando as
necessidades das vítimas e auxiliando o começo de um processo de reconciliação e
transformação.6
O Conselho de Segurança das Nações Unidas define justiça de transição da seguinte
forma:
O conjunto de processos e mecanismos associados às tentativas da sociedade em
chegar a um acordo quanto ao grande legado de abusos cometidos no passado, a fim
de assegurar que os responsáveis prestem contas de seus atos, que seja feita a justiça
e se conquiste a reconciliação. Tais mecanismos podem ser judiciais ou
extrajudiciais, com diferentes níveis de envolvimento internacional (ou nenhum),
CARPIZO, Jorge. El contenido material de La democracia: tendencias actuales Del constitucionalismo
latinoamericano. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p.3.
5
PRADO
SOARES,
Inês
Virginia.
Justiça
de
transição.
Disponível
em:
<http://www.esmpu.gov.br/dicionario/tikiindex.php?page=Justi%C3%A7a+de+transi%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 03 de agosto de 2011.
6 Sou responsável por esta tradução. BORAINE, Alexander L. Transitional justice: a holistic interpretation.
Disponível em: <http://jia.sipa.columbia.edu/files/jia/17-27_boraine.pdf>. Acesso em: 08 de agosto de
2011.
4
13
bem como abarcar o juízo de processos individuais, reparações, busca da verdade,
reforma individual, investigação de antecedentes, a destituição de um cargo ou a
combinação de todos esses procedimentos. 7
A idéia central de justiça de transição, segundo Ferreira Bastos, visa restabelecer as
relações entre as vítimas e os perpetradores dos direitos humanos.8
Castro Emígio9 leciona que a justiça de transição consiste em uma figura de justiça
que busca reconciliar o Estado com o seu passado, implantando medidas alternativas eficazes
de reparação, cometidas em um momento de arbitrariedade e violência. Essas alternativas têm
por objetivo recuperar a memória, clarificando a verdade, responsabilizar os violadores dos
direitos humanos e reformular as instituições estatais, com vistas à efetivação do processo de
conscientização política social, apta a impedir a repetição de atos contrários aos direitos do
homem.
Nessa condição, a justiça transicional aponta como um norteador, “uma mediadora
entre demandas insurgentes nos planos ético, político e jurídico, com vistas a fomentar
capacidade operacional de geração de mudanças nos contextos sociais concretos, de modo que
a consolidação democrática se entrelace ao estabelecimento de uma forma de organização do
Estado que, a um só tempo, seja democrática e de Direito.”10
Silva Filho observa que a justiça de transição é indispensável à solidificação, de fato,
da democracia, sobretudo em um contexto de passado arbitrário e de repressão política, em
que o diferencial marcante deste histórico sombrio e as novas perspectivas de reparação estão
voltados para o respeito aos direitos humanos e às liberdades públicas.11
A justiça de transição, segundo o Centro Internacional para a Justiça de Transição
(ICTJ)12, refere-se a um conjunto de abordagens e mecanismos designados para identificar a
NAÇÕES UNIDAS – Conselho de Segurança. O Estado de Direito e a justiça de transição em sociedades em
conflito ou pós-conflito. Relatório do Secretário Geral S/2004/616. In: Revista Anistia Política e Justiça
de Transição, Brasília, n.1, p.320-351, jan-jun. 2009. p.325.
8 FERREIRA BASTOS, Lucia Helena Arantes. As reparações por violações de direitos humanos em regimes de
transição. In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n.1, p.228-249, jan-jun. 2009.
p.240.
9 CASTRO EMÍGIO, Rodrigo Ferraz de. Democracia e anistia política: rompendo com a cultura do silêncio,
possibilitando uma justiça de transição. In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n.1,
p.178-202, jan-jun. 2009. p.195.
10 Repressão e Memória Política no Contexto Ibero-Brasileiro: estudos sobre Brasil, Guatemala,
Moçambique, Peru e Portugal. – Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal:
Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, 2010.
11 SILVA FILHO, José Carlos da. O julgamento da ADPF 153 pelo Supremo Tribunal Federal e a Inacabada
Transição Democrática Brasileira. Disponível em: http://idejust.wordpress.com/biblioteca/artigosacademicos/>. Acesso em: 16 de setembro de 2011.
12 O ICTJ foi concebido em uma reunião estratégica propiciada pela Fundação Ford em abril do ano 2000.
Os participantes, entre os quais especialistas na área jurídica, defensores de direitos humanos e
funcionários, se reuniram para discutir maneiras de contribuir para a efetividade no campo da justiça
transicional em conjunto crescimento no mundo. Como conseqüência, a Fundação pediu a três consultores
7
14
massiva situação de violações de direitos humanos na esteira de regras repressivas ou
conflitosas. A escala e o impacto de tantas violações requerem soluções que não apenas
forneçam medidas significativas de justiça para um grande número de vítimas, mas também,
que ajude a reconstruir os elementos básicos de confiança entre cidadãos e instituições
governamentais que são necessárias para o funcionamento efetivo da lei. Determinar se
mecanismos e abordagens deveriam ser adotados requer conhecimentos técnicos e
comparativos sobre os próprios métodos, bem como uma compreensão detalhada do contexto
em que estão sendo aplicados.13
Portanto, o objetivo desse estudo é demonstrar o atraso da implantação adequada dos
mecanismos de justiça de transição e, principalmente, à luz dos princípios constitucionais, dos
elementos de interpretação hermenêutica, dos preceitos legais constitucionais e internacionais,
fazer conhecida a decisão da Suprema Corte Brasileira que de forma manifesta ignorou a
validade dos direitos humanos, institucionalizando, assim, de forma “legal” a impunidade na
sociedade brasileira, ao considerar que os crimes de tortura praticados no período militar
foram crimes políticos.
Genro e Pires Júnior lecionam, claramente, que a justiça de transição é um instrumento
de reparação imprescindível aos países que, deliberadamente, praticaram atos de violência
contra os seus próprios cidadãos. Assim, esta ferramenta de reconstrução não tem por objeto a
restituição, pois pessoas mortas não são restituídas e atos de tortura não são apagados, nem
físico ou psicologicamente. Ela visa à restauração da própria sociedade que foi usurpada em
suas liberdades públicas. Tem por finalidade precípua a instituição de medidas que propiciem
o reconhecimento das vítimas e a promoção de possibilidades de reconciliação e consolidação
democrática.14
A partir das concepções acima delineadas, raciocínio a contrário senso seria a
concessão de uma anistia considerada irrestrita, englobando inclusive os agentes
governamentais. É sabido que a finalidade de criação da lei de anistia estava voltada
exclusivamente para aqueles que praticaram crimes políticos. Todavia, essa anistia foi
– Alex Boraine, Priscilla Hayner, e Paul van Zyl – que desenvolvessem um plano para uma organização com
tal objetivo. A proposta inicial foi a de realizar um trabalho em conjunto com diversos países durante
cinco anos e obteve apoio da Fundação Ford, da Fundação Catherine T. e John D. MacArthur, a
Coorporação Carnegie de Nova York, o Fundo dos Irmãos Rockefeller e o Fundo da Família Andrus. ICTJ
Brasil. Julho 2011. Disponível em: <http://www.ictj.org
13 ICTJ Briefing. International Policy Relations. Transitional Justice in the United Nations Human Rights
Council. Disponível em: <http://ictj.org/sites/default/files/ICTJ-Global-TJ-In-HRC-2011-English.pdf>.
Acesso em: 17 de setembro de 2011.
14 Repressão e Memória Política no Contexto Ibero-Brasileiro: estudos sobre Brasil, Guatemala,
Moçambique, Peru e Portugal. – Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal:
Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, 2010. p.23.
15
sistematicamente estendida aos agentes públicos, perpetradores dos direitos humanos, quando
do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 153.
Nesse particular, Lenio Streck 15 explicita, de forma clara e evidente, aquilo que a
Suprema Corte Brasileira entendeu de maneira diversa:
[...] nenhuma lei pode proteger de forma deficiente ou insuficiente os direitos
humanos fundamentais. Como tortura não é crime político, explica, não pode ser
alcançada por qualquer lei ou Constituição. O problema da Lei de Anistia está em
sua interpretação, que deu azo a que se considerassem, indevidamente, anistiadas
todas as pessoas que participaram das ações contra e a favor do regime. Se o Brasil
se comprometeu a punir com rigor a tortura, seria incoerente que aprovasse uma lei
“inocentando” aqueles que praticam esse tipo de crime. O Estado Democrático de
Direito tem o dever de proteger os direitos dos cidadãos, tanto contra os ataques do
Estado como dos demais cidadãos. 16
Segundo Flávia Piovesan 17 , “a inexistência de uma justiça de transição é fator a
justificar o quadro de graves violações dos direitos humanos no Brasil, sobretudo no que se
refere à prática da tortura e à impunidade que a fomenta.” 18 Por todo o exposto, Piovesan
reitera a necessidade de implantação dos mecanismos de justiça de transição a qual se afigura
como medida inexorável, mormente em um contexto que as relações entre Direito e Política
são interdependentes para a consolidação do Estado Democrático de Direito, face o seu
caráter de condicionalidade e de complementariedade. Portanto, o contexto fático apresentado
requer a ruptura da permanência autoritária no ambiente democrático.
Tamanha é sua importância que a verificação da justiça de transição é perfeitamente
possível, principalmente, em diversos países da América Latina, tais como, Argentina, Chile,
Peru, El Salvador e outros, os quais de forma diferenciada, estabeleceram o tratamento da
justiça de transição, por meio da instrumentalização de diversas medidas, a saber, o
Mestre e Doutor pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pós-doutor pela Universidade
Lisboa. O professor de Graduação e Pós-Graduação (mestrado e doutorado) do Centro de Ciências
Jurídicas da Unisinos Lenio Streck é também membro da Comissão Permanente de Direito Constitucional
do Instituto dos Advogados Brasileiros e presidente de honra do Instituto de Hermenêutica Jurídica.
16 STRECK, Lenio. A Lei de Anistia, a Constituição e os direitos humanos no Brasil: Lenio Streck responde. In:
Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n.2, p.24-30, jul-dez. 2009. p.24.
17 Professor Doutora em Direito Constitucional e Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, Professora de Direitos Humanos dos Programas de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e da Universidade Pablo Olavide
(Sevilha, Espanha); visiting fellow do Human Rights Program da Harvard Law School (1995 e 2000),
visiting fellow do Centre for Brazilian Studies da Universidade of Oxford (2005), visiting fellow do Max
Planck Institute for Comparative Public Law and International Law (Heidelberg – 2007 e 2008), sendo
atualmente Humboldt Foundation Georg Forster Research Fellow no Max Plank Institute (Heidelberg 2009 -2011). Procuradora do Estado de São Paulo, membro do Clamdem (Comitê Latino-Americano e do
Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher), membro do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da
Pessoa Humana, e da SUR – Human Rights University Network.
18 PIOVESAN, Flávia. Direito Internacional dos direitos humanos e Lei de Anistia: o caso brasileiro. In:
Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 2, jul.-dez., 2009. p.186.
15
16
julgamento dos perseguidores políticos, a reparação econômica, o direito à memória e à
verdade dos fatos cometidos pelo Estado.
Em síntese, Paul Van Zyl assegura que “pode se definir a justiça transicional como o
esforço para a construção da paz sustentável após um período de conflito, violência em massa
ou violação sistemática dos direitos humanos.” 19
1.2
DIREITO E POLÍTICA
A conjugação do Direito e da Política ocorre de forma tão intrínseca que ao discorrer a
respeito da temática acima abordada, faz-se necessário observar os apontamentos elencados
por Dalmo de Abreu Dallari:
A política sem o direito ou contra ele é o caminho certo para a corrupção e a
ditadura, assim como o direito sem a política é a base para o estabelecimento de
formalidades injustas, expressadas em atos normativos, ações de governo ou
decisões judiciais e administrativas, ou então para a fixação de regras sem
autenticidade e, por isso mesmo, desprovidas de eficácia. 20
Nessa esteira, a segunda subseção deste capítulo tem por objetivo demonstrar a
interdependência desses dois institutos e a influência que ambos operam em suas atividades
típicas e atípicas no estabelecimento do Estado Democrático de Direito, o qual se constitui
elemento essencial para consolidação da democracia e o consequente exercício dos direitos
fundamentais.
Segundo Dallari a primazia na seleção de ações sociais e dos meios de consecução são
atividades incumbidas à política, as quais quando desenvolvidas de forma legal exigem a
observância simultânea de regras, que expressem os interesses da coletividade e que permitam
ser cogente a toda uma comunidade, preservando, sobretudo, a dignidade humana. O
estabelecimento dessas regras, sem a violação das liberdades e dos meios de garantia, é ação
da seara do direito. Portanto, direito e política devem primar, incessantemente, pela busca de
uma sociedade justa.21
Dallari reitera que, “de fato, não é possível estabelecer-se a nítida separação entre o
jurídico e o político.” Desse modo, é inconcebível a concepção do Estado sem os institutos da
ZYL, Paul Van. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós-conflito. In: Revista Anistia Política
e Justiça de Transição, Brasília, n. 1, p.32-55, jan.-jun., 2009. p 32.
20 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. – 24. ed. – São Paulo: Saraiva, 2003.
p.15.
21 Ibid., p.15-16.
19
17
política e do direito, uma vez que toda delimitação de regras de comportamento se baseia em
fundamentos e finalidades, enquanto que a existência dos meios para os respectivos fins
depende de sua materialização jurídica.22
Dada a imbricada relação de interdisciplinariedade entre direito e política, que a
decisão do Supremo Tribunal Federal revela-se controversa, uma vez que o Brasil, enquanto
sujeito de deveres e direitos no cenário internacional orienta-se como defensor dos direitos
humanos. Ora, tal opção política é manifestamente clara pelo Estado brasileiro, vez que,
segundo Lenio Streck, ao regular a necessidade do uso de algemas, na edição da súmula
vinculante nº 11, fez uso das regras da Organização das Nações Unidas para tratamento dos
prisioneiros.23 Assim, a decisão jurídica tomada frente ao caso concreto – interpretação da Lei
de Anistia – mostra-se plenamente incoerente com os preceitos políticos do Estado
democrático brasileiro.
A relação entre o direito e a política desvela-se de maneira estreita, posto que Antonio
Carlos Wolkmer vivifica a complementariedade desses dois desígnios:
O Estado configura-se como uma organização de caráter político que visa não só a
manutenção e coesão, mas a regulamentação da força em uma formação social
determinada. Esta força está alicerçada, por sua vez, em uma ordem coercitiva,
tipificada pela incidência jurídica. O Estado legitima seu poder pela segurança e
pela validade oferecida pelo Direito, que, por sua vez, adquire força no respaldo
proporcionado pelo Estado. (grifo nosso). 24
Portanto, oportuno é o raciocínio do ilustres pensadores jurídicos Tarso Genro e Paulo
Abrão o qual expressam a primazia do desenvolvimento de uma política de justiça de
transição nos países que se submeteram à égide do sistema totalitário:
A sucessão de regimes repressivos e autoritários, ditatoriais e/ou totalitários que
avassalaram a América Latina, entre meados dos anos 60 e 80, ainda não foi
tratada de forma sistemática por nenhum regime democrático em processo de
afirmação do continente. Isso se justifica, de uma parte porque todas as transições
políticas para a democracia foram feitas sob compromisso. De outra porque a
democracia expandiu-se mais como “forma” do que como “substância”. Na verdade,
nenhum dos regimes de fato foi derrotado ou derrubado por movimentos
revolucionários de caráter popular; logo, os valores que sustentaram as ditaduras
ainda são aceitos como “razoáveis” para a época da guerra fria, e também face às
“barbáries também cometidas pelos resistentes de esquerda.” 25 (grifo nosso)
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. – 24. ed. – São Paulo: Saraiva, 2003.
p.128.
23 STRECK, Lenio. A Lei de Anistia, a Constituição e os direitos humanos no Brasil: Lenio Streck responde. In:
Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 2, jul.-dez., 2009. p.26.
24 WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. – 2. ed. rev. E ampl. – São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 1995. p.73.
25 GENRO, Tarso; ABRÃO, Paulo. Memória Histórica, Justiça de Transição e Democracia sem fim. In:
Repressão e Memória Política no Contexto Íbero-Brasileiro: estudos sobre Brasil, Guatemala,
Moçambique, Peru e Portugal. Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal:
Universidade Coimbra, Centro de Estudos Sociais, p. 16-24, 2010. p.18.
22
18
Nesse sentido, é manifesta a necessidade de fomento à construção de um Estado de
direito que esteja interligado por intermédio das políticas públicas ao jurídico, ao direito. Ora,
o Estado de direito é senão a titularidade de ser sujeito de direitos e deveres que lhe foram
outorgados e reconhecidos pela Magna Carta. Desta feita, não se admite a sujeição de
políticas ou leis que não se adéquem ao texto constitucional.
Corroborando desse raciocínio, oportunas são as palavras do professor Marcelo Neves
ao relatar que o Estado de Direito sistematicamente compreendido não se alude a uma forma
de relação espúria entre o jurídico e o político. Nas formas anteriores ao período moderno de
dominação, bem como no absolutismo do princípio da era moderna e nas autocracias atuais, é
representada a relação de submissão entre o jurídico e o político.26
Norberto Bobbio ressalta a relação entre política e direito como um processo
complexo de interdependência mútua, de forma que o direito consiste no ordenamento
jurídico composto pelas diversas normas legais ao qual uma sociedade se submete. Já a
política se perfaz por meio do direito que regulará os limites da atuação política.27
Outro elemento destacado por Bobbio para compreensão entre direito e política está
situado na legitimidade do poder, situação em que “não é mais o poder político que reproduz
o direito, mas o direito que justifica o poder político.”
28
Além disso, considera que a
legitimidade e a legalidade do poder constituem pilares para o esclarecimento do
envolvimento entre política e direito, vez que dessa intersecção nasce o Estado de Direito,
subordinando o poder político ao direito, como destinação final do grupo social.
Em que pese os argumentos sustentados a respeito da legitimidade, pertinente é a
colocação de Melo a respeito da legitimidade do poder:
É com referência ao poder, que se manifesta, com mais rigor e clareza, o princípio
da legitimidade, como relação de confronto entre a percepção que a sociedade tem
quanto aos fundamentos e fins daquele e o sistema de crenças e valores
prevalecentes. Por isso é interessante verificar que o fenômeno do consenso, como
instrumento de legitimação, depende dessas crenças e desses valores, cujas
mudanças bruscas podem levar a rupturas e à retirada da adesão existente. 29
Ora, ao tratarmos do assunto de ditadura ou sistema de ditatorial ou período de
exceção no Brasil, a impressão que se detecta, principalmente, pelos órgãos de representação
governamental, é que esta matéria já foi cuidada e o melhor procedimento a ser tomado é
NEVES, Marcelo. El contenido material de La democracia: tendencias actuales Del constitucionalismo
latinoamericano. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
27 BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. – 20ª Reimpressão
– organizado por Michelangelo Bovero; tradução Daniela Beccacia Versiani. – Rio de Janeiro: Elsevier,
2000. p.232.
28 Ibid., p.238-9.
29 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas Atuais de Política do Direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 1998. p.83.
26
19
prosseguirmos para o futuro sem tratarmos de um passado que se faz perfeitamente presente
até os dias atuais, contudo, com novas máscaras.
A mesma idéia de que houve um consenso na elaboração do texto da Lei de Anistia,
sob os auspícios do regime ditatorial, se dá pela influência que o governo brasileiro busca
transferir para as gerações de hoje. No entanto, é reticente em diversos estudos e pesquisas a
importância e a necessidade dos países emergentes do regime ditatorial enfrentarem o passado
político totalitário, por meio não de revoluções ou guerrilhas, mas, sim, pelo fortalecimento da
democracia e da redução das desigualdades sociais.
A partir dos fundamentos de Melo acima consignado, é evidente a necessidade de
imbuir esforços no sentido de explicitarmos os acontecimentos ocorridos sob a égide do
regime de exceção. Muitas das decisões e ações praticadas naquele período refletem a
realidade brasileira do século XXI.
Portanto, ao analisarmos os tratados internacionais dos quais o Brasil era, foi e é
signatário, é clarividente que a política brasileira sempre primou pela proteção dos
direitos humanos. Assim, seria ilógico senão irracional dar sentido diverso daquele
delimitador da política da proteção universal dos direitos do homem, sem a estrita observância
dos valores e crenças pelo qual o Estado brasileiro despendeu esforços pela sua
preservação.(grifo nosso)
Nesse particular, sob o prisma da política e do direito, torna-se tênue a necessidade de
fomento aos espaços de humanização jurídica, mormente, quando se está diante do grave
fenômeno de judicialização da política dos direitos humanos. Destarte, o ilustre professor Dr.
Paulo Abrão reitera: “as tensões entre política e direito são recorrentes na vida pública e o
debate da lei de anistia é um exemplo privilegiado para se perceber essas tensões.” 30
Nessa mesma linha, Eduardo C. B. Bittar sintetiza:
O que pode concluir desse relacionamento entre Direito e Política, no plano do
ordenamento jurídico nacional, é que deve a Política (Estado e democracia)
conformar-se às regras de Direito (Direito e legalidade), sendo isto importante e
marcante para a definição dos limites entre a arbitrariedade e a juridicidade com a
qual se governa o Estado.31
Segundo Melo os preceitos legais estão vinculados à sua história, pois o surgimento de
uma norma legal decorre da necessidade de satisfação de uma realidade social. Nesse sentido,
ABRÃO, Paulo. O alcance da Lei de Anistia: o último passo. Disponível em:
<http://portal.mj.gov.br/main.asp?Team={2AD759EF-DCFB-46EB-A16C-73502B9C09EF}>. Acesso em:
28 de setembro de 2011.
31 BITTAR, Eduardo C. B. Curso de filosofia política. – 3. ed. – 2. reimpr. – São Paulo: Atlas, 2008. p.26.
30
20
“o Direito é fenômeno cultural, contingenciado pela experiência social e pelos juízos de valor.
E por isso nada que se passa no mundo jurídico é sem história.” 32
Caminhando nesse pensar, a Lei de Anistia foi criada a partir da necessidade de
justificar os atos de violação dos direitos humanos praticados pelo governo ditatorial
brasileiro. Com isso, a votação do texto orientou-se na concessão de anistia àqueles que se
insurgiram contra o regime político da época. Por óbvio, que a massificação da política
brasileira orienta-se no sentido de sepultar e prolongar esse discurso, visto os avanços
desenfreados propiciados pelas revoluções democráticas no mundo oriental. Todavia, o texto
votado, ainda que expressamente claro, por interesses políticos de governantes que
permanecem no poder, permite a discussão sobre a amplitude da anistia propugnada.
Com efeito, as lições de Osvaldo Ferreira de Melo retratam o prestígio delineado pelas
interações entre a política e o direito como instrumento de regulação da sociedade:
[...] a Política Jurídica se interessa pela norma desde a sua forma embrionária no
útero social. Os valores, fundamentos e consequências sociais da norma são suas
principais preocupações. Para ela, dentro dessa dimensão prática e imediata,
importante é alcançar a norma que responda tão bem quanto possível às
necessidades gerais, garantindo o bem estar social pelo justo, pelo verdadeiro e pelo
útil, sem descurar da necessária segurança jurídica e sem por em risco o Estado
de Direito. 33 (grifo nosso)
A política em si busca representar os anseios e interesses de toda uma sociedade, de
todo um povo. Nesse diapasão, a ausência de interesse pela política torna-se cada vez maior
no cenário brasileiro face aos elevados índices de corrupção e, sobretudo, aos inúmeros casos
de impunidade.
Bittar, em análise ao Índice de Participação Social (IPS), criado pela Rede
Interamericana para a Democracia, destaca o manifesto desinteresse pela sociedade brasileira
aos temas de cunho político. Tamanho é o desinteresse que numa escala de 0 a 20, o Brasil
apresenta um índice de 1,7 ponto IPS, enquanto países como República Dominica 3,4 pontos,
Chile 3,1 pontos, Peru 2,6 e a Argentina 2,2 pontos. Em síntese, o retrato da política e do
direito no contexto brasileiro é assim representado:
A ojeriza da opinião comum à política decorre do histórico mau uso do poder,
sobretudo na experiência política brasileira, cenário onde sempre se confundiram os
interesses privados e os interesses públicos, numa espécie de exercício de
alternância de dominância de elites econômicas e circunstancialmente favorecidas.34
MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas Atuais de Política do Direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 1998. p.20.
33 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas Atuais de Política do Direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 1998. p.19.
34 BITTAR, Eduardo C. B. Curso de filosofia política. – 3. ed. – 2. reimpr. – São Paulo: Atlas, 2008. p.14.
32
21
Por conseguinte, Dieter Grimm relata a interdependência do direito e a política e o viés
de subordinação inerente a esses institutos:
Em sua forma atual, a relação entre direito e política encontra-se decisivamente
cunhada pela positivação do direito. Por positivação entenda-se o processo histórico
no qual o direito passou de validade tradicional ou transcendente para validade
decisionista. O resultado desse processo, o direito positivo, é caracterizado por sua
realização por meio de uma legislação humana consciente e sua validade por força
de decisão. Essa decisão não ocorre no sistema jurídico, mas, sim, no político. O
que vale juridicamente é determinado politicamente. Nesse caso, a política está
subordinada ao direito. Um conteúdo próprio, politicamente independente do
direito, não existe.35 (grifo nosso)
Desse modo, as políticas de transição devem pautar-se pela confrontação e
enfrentamento das questões pelas quais o Estado busca imprimir a noção de superação da
ditadura. Deve-se ater que as políticas estatais pós-ditadura pressupõem mudanças estruturais.
Portanto, o Estado deve manifestar o seu legítimo interesse em resgatar o passado sombrio da
ditadura para edificação de um Estado novo, livre das amarras arbitrárias que são
características ainda presentes nas instituições atuais.
Paul Van Zyl frisa que é necessário atentar-se para as políticas que o Estado propõe
desenvolver, pois muitas delas são destituídas de qualquer força de transformação,
constituindo, tão somente, ativismo político como forma de demonstração à sociedade de
implantação de medidas de reparação. A partir disso, confira-se:
Hoje é muito mais factível que os governos antecipem ou respondam à pressão e
adotem medidas pela metade (tais como tribunais politizados ou comissões da
verdade frágeis) que podem parecer legítimas na superfície, mas que são na
realidade tentativas cínicas de evadir a responsabilidade de confrontar o
passado. Isso significa que os ativistas, os governos, assim como os doadores,
devem fazer uma análise minuciosa dos esforços e empreender refinadas defesas de
seus projetos a fim de garantir que somente respaldem ou promovam as tentativas
genuínas.36
Logo, Osvaldo Ferreira de Melo ensina: “mais além da questão da eficácia, há o fato da
prestação social, quando uma norma gera expectativas não passíveis de realização. 37 Tal
sentimento difuso é revelado como forma de injustiça emanada do Poder.” Assim, as políticas
de esquecimento imbuídas pelo Estado devem ser repugnadas, pois, conforme afirma Paulo
Abrão e Marcelo Torelly,
a ideia de amnésia social imposta potencializa a ofensa moral ao perseguido,
ampliando ainda mais a negação ao direito de ser humano e de ter idéias políticas
divergentes que a perseguição original gerou, prolongando no tempo a perseguição
política sofrida, uma vez que nesta visão o final da ditadura e a abertura democrática
GRIMM, Dieter. Constituição e Política. Tradução de Geraldo de Carvalho; coordenação e supervisão Luiz
Moreira. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p.3.
36 ZYL, Paul Van. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós-conflito. In: Revista Anistia Política
e Justiça de Transição, Brasília, n. 1, p.32-55, jan.-jun., 2009. p 54.
37 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas Atuais de Política do Direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 1998. p.56.
35
22
não tem força de, prontamente, re-legitimar as lutas e defesas políticas que foram
interrompidas pelo regime autoritário. 38
1.3
FUNDAMENTOS DO ESTADO DE DIREITO
Este tópico tem por fundamento demonstrar as obrigações do Estado de Direito,
ressaltando sua estrutura e formação básica. Todavia, não tem por objetivo a delineação detida
e específica do processo histórico de formação e, sim, a partir das precípuas obrigações
estatais, estabelecer um paralelo com os atos praticados pelo Estado brasileiro no período de
exceção.
Conforme Soares, “no sentido etimológico, Estado deriva do latim status – estar firme –
ou condição social. Significa também constituição e ordem, equivalendo ao status republicae
dos romanos.” Assim, para se entender o sentido do Estado faz-se necessário entender as
diversas mudanças de modelos no processo histórico e, a partir dos direitos fundamentais,
diagnosticar os elementos fundadores do Estado de Direito.39
Santos leciona que a ideia inicial é subentendida da expressão Estado de Direito, como
sendo aquele Estado fundamentado pelo Direito, que observa as normas do Direito.
Entretanto, a superficialidade de tal raciocínio conduziria a interpretação de que todo Estado
dotado de organização jurídica é Estado de Direito.40
Para Streck et. al, “este Estado que se juridiciza/legaliza é, todavia, mais e não apenas
um Estado jurídico/legal. Não basta, para ele, assumir-se e apresentar-se sob uma roupagem
institucional normativa.”41 Salienta, ainda, que por detrás da legalidade do Estado de Direito,
este possui intrinsecamente em sua forma uma característica além da sua forma jurídica.
Maluf consigna que o conceito de Estado não encontra uma definição exata de seu
sentido e sim que, cada autor de acordo com seu entendimento, conceitua a amplitude este
instituto. Portanto, reitera que, em observação a um dos tratadistas de direito público de maior
ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição no Brasil: a dimensão da reparação. In:
Repressão e Memória Política no Contexto Íbero-Brasileiro: estudos sobre Brasil, Guatemala,
Moçambique, Peru e Portugal. Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal:
Universidade Coimbra, Centro de Estudos Sociais, p. 26-59, 2010. p.50.
39 SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do estado: o substrato clássico e os novos paradigmas como précompreensão para o DireitoConstitucional. – Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p.120.
40 SANTOS, Marcelo Fausto Figueiredo. Teoria Geral do Estado. – 2. ed. – São Paulo: Atlas, 2001. p.89.
41 STRECK, Lenio Luiz; DE MORAIS, José Luis Bolzan. Ciência política e teoria geral do estado. 4. ed. – Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p.87.
38
23
destaque – Bluntschi – relata a impossibilidade de definição do conceito de Estado inerente ao
sentido de Estado enquanto entidade histórica, real, empírica.42
Soares entende que para formulação do conceito de Estado, é necessária a observância
às mudanças dos modelos no período histórico, realizando, com base nos direitos
fundamentais, uma meditação a despeito de suas transformações, seus elementos básicos e
evolução de seus conceitos clássicos.43
Portanto, Streck repisa que o ideal do Estado de Direito surge quando o Estado, a partir
das transformações da sociedade humana ao longo de determinado período, sujeita-se a um
regime de direito no desenvolvimento da atividade estatal, assim como esse mesmo conjunto
de regras e normas delimitadoras do exercício da ação governamental promove proteção aos
seus cidadãos.44
Por derradeiro, as palavras de Celso Ribeiro de Bastos expressam de forma clara as
nuances do Estado de Direito:
Portanto para que haja um Estado de Direito faz-se necessária a presença de dois
requisitos básicos, quais sejam, a proteção às garantias individuais e a limitação do
arbítrio do poder estatal. Em suma, o Estado de Direito nada mais é do que o Estado
limitado pelo Direito, sendo que este último passa a ser o parâmetro do próprio
Estado, com vistas a evitar qualquer tipo de arbitrariedade. O Estado sempre deve
buscar o máximo de juridicidade possível. 45
Por todo o exposto, a partir dos argumentos supracitados sobre o Estado de Direito e
tendo como pressuposto que o Estado brasileiro é um Estado Democrático de Direito, passase a breves considerações e obrigações decorrentes dessa simbiose. Nesse caminhar, faz-se
essencial a análise do Estado liberal – fixador de limites – e do Estado Social – welfare state –
consubstanciando, destarte, no Estado Democrático de direito.
Segundo Streck, a gênese do Estado liberal de Direito surge ligado aos ideais do
liberalismo, alinhando-se dessa maneira aos contornos jurídicos do Estado em relação ao
princípio da igualdade – subordinação estatal aos ditames legais – à separação dos poderes e,
como tema central, à garantia dos direitos fundamentais.46
Nessa esteira, Streck relaciona, resumidamente, as características do Estado de direito:
a) separação entre Estado e Sociedade civil mediada pelo Direito; b) garantia das liberdades
MALUF, Sahid, 1914 – 1975. Teoria geral do Estado. 25. ed. atual./ pelo Prof. Miguel Alfredo Malufe Neto.
- São Paulo: Saraiva, 1999. p.20.
43 SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado: introdução. – 2. ed. rev. Atual. – Belo Horizonte: Del Rey,
2004. p.79.
44 STRECK, Lenio Luiz; DE MORAIS, José Luis Bolzan. Ciência política e teoria geral do estado. 4. ed. – Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p.86-87.
45 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. – 5ª edição atualizada e ampliada.São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002. p.163.
46 STRECK, Lenio Luiz; DE MORAIS, José Luis Bolzan. Ciência política e teoria geral do estado. 4. ed. – Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p.89.
42
24
individuais; c) surgimento da democracia como ideário da soberania da nação; d) redução do
papel do Estado como Estado mínimo.47
Nessa ótica, Streck sintetiza o cerne do Estado de Direito, em sua concepção originária,
entrelaçando-se com os fundamentos do liberalismo e resguardando, sobretudo, a autêntica
funcionalidade que carrega em si, tal qual:
[...] o Estado liberal de Direito apresenta-se como uma limitação jurídico-legal
negativa, ou seja, como garantia dos indivíduos-cidadãos frente à eventual atuação
do Estado, impeditiva ou constrangedora de sua atuação cotidiana. Ou seja: a este
cabia o estabelecimento de instrumentos jurídicos que assegurassem o livre
desenvolvimento das pretensões individuais, ao lado das restrições impostas à sua
atuação positiva. Em razão disso é que o Direito, próprio a este Estado, terá como
característica central e como metodologia eficacial a coerção das atitudes, tendo
como mecanismo fundamental a sanção. 48
Noutro norte, Silva ensina que o Estado social de direito representou a escusa do
Estado liberal, revelando, nesse diálogo, as incapacidades das liberdades burguesas,
permitindo o conhecimento da necessidade da justiça social. Assim, Silva assevera que “ainda
é insuficiente a concepção do Estado Social de Direito, ainda que, como Estado Material de
Direito, revele um tipo de Estado que tende a criar uma situação de bem-estar geral que
garanta o desenvolvimento da pessoa humana.” 49 Streck (2004) afirma que o Estado Social
de Direito inclina-se à correção do individualismo liberal, por meio de medidas coletivas
saneadoras, as quais por intermédio do capitalismo buscam proporcionar o welfare state
(bem-estar social). 50
Assim, o Estado Democrático de Direito vem a surgir da conjugação de abstenção do
Estado frente às liberdades negativas e da necessidade de promoção de medidas sociais que
efetivassem os direitos sociais ao mínimo existencial. Canotilho prescreve que “o Estado
constitucional de direito procura estabelecer uma conexão interna entre democracia e Estado
de Direito.”51
Desse modo, Silva aduzindo as concepções do Estado Democrático de Direito salienta:
No Estado Democrático de Direito, a lei não deve ficar numa esfera puramente
normativa, não pode ser apenas lei de arbitragem, pois precisa influir na realidade
social. E se a Constituição se abre para as transformações políticas, econômicas e
sociais que a sociedade brasileira requer, a lei se elevará de importância, na medida
em que, sendo fundamental expressão do direito positivo, caracteriza-se como
desdobramento necessário do conteúdo da Constituição e aí exerce função
transformadora da sociedade, impondo mudanças sociais democráticas, ainda que
STRECK, Lenio Luiz; DE MORAIS, José Luis Bolzan. Ciência política e teoria geral do estado. 4. ed. – Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p.89.
48 Ibid., p.91.
49 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2007. p.115.
50 STRECK, op. cit., p.91.
51 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Portugal: Edições Almedina,
2007. p.93.
47
25
possa continuar a desempenhar uma função conservadora, garantindo a
sobrevivência de valores socialmente aceitos. 52
A novidade do Estado Democrático de Direito para Lenio Streck “não está em uma
revolução das estruturas sociais, mas deve-se perceber que esta nova conjugação incorpora
características novas ao modelo tradicional.” 53 Assim, afirma que o Estado Liberal ao lado do
Estado Social surge como real efetivador da igualdade apregoada pelo Estado Democrático de
Direito, ainda que em busca de sua materialização contida no texto constitucional, a qual
prima pela promoção das necessidades básicas aos seus cidadãos.
Quanto à estrutura do Estado, prevalece um discurso quase que unânime entre os
diversos doutrinadores a respeito dos elementos constitutivos do Estado, encontrando-se
quem defenda como elemento constitutivo do Estado o governo-soberano. Malgrado os vários
entendimentos, entende-se que tais elementos restringem-se em: povo, território e soberania.
Segundo Soares, o povo na constituição brasileira de 1988 constitui “como titular do
poder soberano, através de seus representantes ou diretamente, estabelecendo o substrato do
aparelho ideológico do Estado democrático.”
54
Para Menezes, o elemento humano povo
possui sentido político que não se deve confundir com nação55 ou até mesmo população56,
pois aqueles são os que verdadeiramente participam de forma direta da vida nacional.57
O território, segundo Sahid Maluf se constitui como a delimitação física-geográfica do
país em que determinado povo o habita.58 Lenio Streck considera como o locus sobre o qual
será fixado o elemento humano e terá lugar o exercício do poder e aplicação do ordenamento
jurídico-positivo estatal.59
A soberania, na lição de Ricardo Rodrigues Gama, deve ser compreendida como as
prerrogativas do poder do Estado exercido de forma inexorável e sem limites sobre todo o
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2007. p.121-122.
STRECK, Lenio Luiz; DE MORAIS, José Luis Bolzan. Ciência política e teoria geral do estado. 4. ed. – Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p.97.
54 SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado: introdução. – 2. ed. rev. Atual. – Belo Horizonte: Del Rey,
2004. p.176.
55 Nação: para a existência de nação, devem comparecer motivos de ordem social, moral e histórica, por
via dos quais os indivíduos humanos, devidamente agrupados, apresentam aquilo que se convencionou
chamar parentesco espiritual.
56 População: massa de indivíduos que, em dado momento, vivem dentro da jurisdição de certo Estado.
Não se leva em conta entre eles,consequentemente,íntimas e demoradas relações sociais, de base éticohistórica, ou nem mesmo rigorosas relações jurídicas, nem afins relações políticas.
57 MENEZES, Aderson de. Teoria Geral do Estado. – atualização por José Lindoso – e atual. – Rio de Janeiro:
Ed. Forense, 2009. p.137-8.
58 MALUF, Sahid, 1914 – 1975. Teoria geral do Estado. 25. ed. atual./ pelo Prof. Miguel Alfredo Malufe Neto.
- São Paulo: Saraiva, 1999. p.25.
59 STRECK, Lenio Luiz; DE MORAIS, José Luis Bolzan. Ciência política e teoria geral do estado. 4. ed. – Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 152.
52
53
26
território nacional.60 Brancato assevera que soberania é “o poder subordinado a uma disciplina
jurídica e que o torna impessoal. Sem essa disciplina o poder nada mais é que do que a
configuração do arbítrio pessoal que irá depender do prestígio de quem o exerce. Daí os
regimes ditatoriais.” 61(grifo nosso)
Isso posto, é possível detectar as violações praticadas pelo Estado Democrático de
Direito no período ditatorial, uma vez que, desconsiderando o golpe de Estado, o Brasil era
um país que, de acordo com a Constituição de 1946, constituía-se em Estado de Direito.
Portanto, face às variáveis que giram em torno do Estado Liberal até a sua evolução em
Estado democrático, o Brasil tem por obrigação a proteção de seus cidadãos, não se
permitindo a prática de atos arbitrários que afrontem os direitos fundamentais e as garantias
das liberdades públicas do ser humano.
Impende expor que os fundamentos do Estado Democrático de Direito tem por primazia
a viabilização e a concretização dos direitos fundamentais dos brasileiros e estrangeiros que
estejam em seu território. Partindo desse pressuposto, incontestes são as violações praticadas
pelo Estado brasileiro no período ditatorial, o qual de forma manifesta praticou crimes de
tortura e desaparecimento forçado neste intervalo, sabedor de que a escolha de um regime
político por seus governantes não seria argumento capaz de violar as liberdades públicas de
seus cidadãos.
Além disso, como se não bastassem as diversas violações e escusas do Estado brasileiro
no sentido de apurar e reparar as violações praticas no regime de exceção, após 22 anos da
promulgação da Magna Carta de 1988, novamente se perfaz a violação dos direitos
fundamentais, por meio do reconhecimento da extensão de anistia aos crimes de tortura e
desaparecimento forçado praticado naquele momento de totalitarismo.
É cediço que crimes políticos não são crimes comuns e muito menos de tortura. Além
disso, a Carta Magna em diversos dispositivos vela pela proteção à vida e integridade física e
moral de seus cidadãos. Portanto, não seria permitido conceder tamanha anistia aos
perseguidores políticos que mataram e torturam brasileiros por motivos de ordem política.
No atual cenário mundial em que se discute a efetivação dos direitos fundamentais
humanos, é desprovida de qualquer força jurídica, moral ou legal a decisão da Suprema Corte
Brasileira que ignorou os parâmetros jurídicos ao proferir referida decisão. Assim, convém
GAMA, Ricardo Rodrigues. Ciência Política. Campinas: LZN Editora, 2005. p.114.
BRANCATO, Ricardo Teixeira. Instituições de direito público e de direito privado. – 11. ed. rev. – São
Paulo: Saraiva: 1998. p.59.
60
61
27
relembrar o viés propugnado pela Política e pelo Direito, o qual, no caso em análise, foram
veemente dissociados.
1.4
A TRANSIÇÃO NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988: ARTIGO 8º ADCT
O processo de abertura política ou tão conhecido como transição democrática teve,
inegavelmente, como grande marco regulatório a promulgação da Magna Carta, no dia 5 de
outubro de 1988, a qual, sob a direção de uma “Comissão de Notáveis”, nomeada pelo então
Presidente da República José Sarney, teria os seus trabalhos presididos pelo eminente
professor Afonso Arinos de Melo Fraco que detinha a incumbência de elaborar um projeto de
Constituição e regulamentar as leis advindas do período autoritário.62
Nesse contexto, não se pode olvidar que inequivocamente a Constituição Federal de
1988 foi fruto de um processo autoritário ao qual o povo não mais concordava com o regime
político imposto pelo governo. Assim, segundo Bonavides,
pedia-se o fim daquela ruptura prolongada que fora a chamada “revolução
permanente” do golpe de Estado de 1964, cuja derradeira tempestade, ainda em
plena vigência do AI-5, se concretizou com o célebre “pacote” de 29 de abril de
1977, do presidente Geisel. Não se pode dizer que esse processo foi dádiva do
Estado. Tanto não foi que o mais bem-intencionado governante da época, a que já
nos referimos, fechou temporariamente o Congresso. Sem a fadiga da Nação, a
descrença do povo, a erosão completa do princípio da legitimidade, nada poderia
contrariar a vocação perpetuísta que animava os bolsões radicais do movimento de
64, indiferentes e hostis, como sempre, à democracia e ao exercício das franquias
liberais.63
Paulo Bonavides descreve que “o período de transição da ditadura militar instalada em
1964 para a Nova República foi, certamente, o mais doloroso de todos quantos a história
marcou em nosso País.” 64
Assevera, ainda, Bonavides que, desde o período da Monarquia até República, não
houve um período marcado pela prática recorrente de atos arbitrários liderado pelo poder
estatal, tais como, pessoas presas, por razão política, sem culpa formada, torturas e
assassínios.65 Tudo isso, se valendo de uma doutrina de segurança nacional que representava,
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo a Tancredo. – tradução Mariano Salviano Silva. – Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1988. p.495-6.
63 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes. História Constitucional do Brasil. Brasília: OAB Editora, 2008.
p.455.
64 Ibid., p.448.
65 Ibid., p.448.
62
28
senão, o poder arbitrário “apelidado de democracia, que envidava esforços em manter pela
violência aquilo que não tem condições de viver pelo debate e pela aceitação livre.” 66
Santos e Filho retratam com precisão o período de transição democrática brasileiro:
O período compreendido entre 1964 e 1985 no Brasil foi marcado por uma ditadura
militar que violou uma série de direitos fundamentais de nacionais e não nacionais
por meio da organização pelo Estado de um aparelho repressivo brutal que
institucionalizou a prisão, a tortura, o desaparecimento forçado e o assassinato de
setores da população civil, em virtude de intolerância ideológica, pois eram
considerados como opositores do regime67.68
A ruptura desse período autoritário à instauração da República se aperfeiçoou, em 15
de janeiro de 1985, com a eleição do Presidente Tancredo Neves, cuja morte foi fator
impeditivo para sua posse. Logo, o vice-presidente, José Sarney, não obstante as diversas
discussões a respeito da sua legitimidade enquanto tal, tomou posse como Presidente.
Desse modo, em um contexto histórico de profundas revoluções e um ambiente de
severas discussões, o texto constitucional de 1988 teve seu nascedouro influenciado por todas
essas questões. É cediço que a Constituição Federal de 1988 não foi fruto de um desligamento
das instituições anteriores. Contudo, é de bom alvitre ponderar que a Constituição de 88,
segundo Bonavides “operou-se na alma da Nação, profundamente rebelada contra o mais
longo eclipse das liberdades públicas: aquela noite de 20 anos sem parlamento livre e
soberano, debaixo da tutela e violência dos atos institucionais cuja remoção a Constituinte se
propunha a fazê-lo.” 69
Nesse passo, a transição democrática teve o seu início mesmo, marcado pela Lei n.
6.683/1979, a qual é considerada um marco jurídico-fundante para a democracia, segundo o
Professor Dr. Paulo Abrão, pois a referida lei trouxe em seus próprios dispositivos, dimensões
reparatórias, tais como, a readmissão do serviço público dos trabalhadores que haviam sido
SODRÉ, Nelson Werneck. Vida e morte da ditadura: 20 anos de autoritarismo no Brasil. Petrópolis:
Editora Vozes, 1984. p.8.
67 Os regimes políticos repressivos se generalizaram pelos países do Cone Sul: Brasil (1964), Argentina
(1996 e 1976), Uruguai (1973), Chile(1973), enquanto que a ditadura de Stroessner, no Paraguai, remonta
à década anterior, 1954. O Brasil e diversos outros países da região, que lutaram como aliados dos Estados
Unidos na Segunda Guerra, ficaram sob a influência norte americana, começando a partir daí o embrião de
uma cooperação estratégia militar que se estendeu sob as décadas posteriores, caracterizada pela
uniformidade de doutrinas, treinamento conjunto de quadros e estreita identidade ideológica. Essa
influência sobre a nova concepção de “Defesa Nacional”, que visava a contenção do comunismo, ficou
conhecida como “doutrina da segurança nacional”, que procurava fortalecer o “Poder Nacional” não contra
um ataque externo, mas contra um “inimigo interno” que teoricamente tentava solapar as instituições,
num suposto contexto de “guerra interna”.
68 SANTOS, Roberto Lima; FILHO, Vladimir Brega. Os reflexos da “judicialização” da repressão política no
Brasil no seu engajamento com os postulados da justiça de transição. In: Revista Anistia Política e Justiça
de Transição, Brasília, n.1, p.152-177, jan-jun. 2009. p.152.
69 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes. História Constitucional do Brasil. Brasília: OAB Editora, 2008.
p.455.
66
29
afastados arbitrariamente dos seus postos de trabalho, restituição dos direitos políticos aos
cidadãos que foram afastados da vida democrática pelos atos institucionais.70
De outro lado, o tema da anistia foi recepcionado pela Magna Carta no artigo 8º do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o qual concedeu anistia a todos aqueles que
foram atingidos por atos exclusivamente políticos e seus efetivos desdobramentos regulados
no caput do artigo.
Outro marco regulatório foi a emenda constitucional nº 26/1985 que trouxe a
possibilidade reparatória para alguns trabalhadores da iniciativa privada e aos estudantes
expulsos dos bancos escolares, em razão da militância, grêmios escolares ou diretórios
acadêmicos. Daí em diante, o artigo 8º do ADCT da Carta de 1988 reconheceu o direito de
reparação que somente recebeu regulamentação com a medida provisória nº 2.151, de 31 de
maio de 2001, a qual teve por bem reconhecer como anistiados políticos aqueles que entre o
período de 18 de setembro de 1946 até 5 de outubro de 1988 foram perseguidos, por motivos
exclusivamente políticos. A medida provisória foi convertida na Lei nº 10.559/2002, a qual
instituiu um órgão para promover a reparação administrativa.71
O referido diploma legal – 10559/2002 – possui um preceito legal de larga perspicácia,
pois conseguiu englobar todos aqueles que foram atingidos por atos de exceção como tortura,
perseguição política latu senso, expurgos estudantis, demissões arbitrárias, compelimento à
vida clandestina e ao exílio, banimento e extinção do país, processamentos administrativos e
judiciais ilegais, prisões arbitrárias, monitoramento ilícito da vida das pessoas, etc. Assim, a
sociedade brasileira do período pós-88 teve a possibilidade de identificar se foram violadas
em alguma área de suas vidas, bem como pleitear a respectiva reparação.72
Ocorre que o artigo 1º da Lei 6.683/1979 tratou inicialmente e expressamente da
concessão de anistia aos perseguidos políticos. Todavia, a referida lei, editada sob o agouro do
governo ditatorial, teve por pressão governamental a concessão de uma anistia “ampla, geral e
irrestrita”, visto que os atos de arbitrariedade eram de intensa magnitude e, considerando, as
diversas pessoas que foram submetidas a atos de tortura e desaparecimento forçado, que a
pressão política orientou-se no sentido de imbuir um sentido de anistia que abarcasse tanto a
classe daqueles que se insurgiram contra o regime político, assim como os perseguidores
políticos que praticaram crimes de lesa-humanidade.
TV JUSTIÇA. Programa Fórum. Anistia Política. Acesso em 13 de outubro de 2011. Vide nota 91.
TV JUSTIÇA. Programa Fórum. Anistia Política. Acesso em 13 de outubro de 2011. Vide nota 91.
72 TV JUSTIÇA. Programa Fórum. Anistia Política. Acesso em 13 de outubro de 2011. Vide nota 91.
70
71
30
Tamanha era a pressão em elaborar um texto que conjugasse a concessão de anistia
aos perseguidos políticos e, também, aos perseguidores políticos que o excerto abaixo
delineado por Paulo Abrão, da peça do Amicus Curiae da Associação Democrática
Nacionalista de Militares junto ao STF, reflete os interesses governamentais na escusa de suas
responsabilidades pelas violações praticadas:
A votação da Lei de Anistia dá-se em 1979, com os senadores biônicos e em um
ambiente de abertura democrática apenas nominal. Não há um pré-compromisso,
pois não há liberdade para o dissenso e, portanto, para a discussão. Não há um
grande debate nacional, não há debate parlamentar: prevalece o texto enviado pelo
Poder Executivo com poucas variações, vitorioso por curta margem em um
Congresso manietado. É rejeitada a proposta de convocação das entidades
representativas como a Ordem dos Advogados do Brasil, a Associação Brasileira de
Imprensa e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil. O partido do governo
sistematicamente esvazia as reuniões na Comissão Mista. As entidades
representativas posicionam-se contra o projeto. [...] Essa “regra-mordaça” 5,
ilegítima de origem, não pode, no entanto, tornar a sociedade refém de um
passado autoritário. Sem condições de exercício da oposição, sem liberdade de
imprensa, sem legitimação democrática de todos os parlamentares, não há espaço
para acordos ou compromissos. [...] O que se tem, portanto, é uma situação de
auto-anistia, por meio da qual os próprios perpetradores de violações aos direitos
humanos asseguraram a seus agentes que, com emergência inevitável do retorno à
democracia, não seriam responsabilizados pelos crimes cometidos durante a
ditadura. 73 (grifo nosso)
Conforme se pode verificar, Rodrigues, claramente, acentua que
a anistia foi uma das bandeiras de luta das oposições ao regime militar instaurado no
Brasil em 1964. Entretanto, se a Lei nº. 6.683, de 28 de agosto de 1979, concedeu a
anistia para os seus opositores, foi, também, uma “autoanistia” do regime militar,
particularmente dos seus agentes de repressão. E, como veremos a seguir, o texto
aprovado no Congresso Nacional e promulgado pelo então presidente João Batista
Figueiredo não foi objeto de consenso, mesmo entre os que lutaram pela
anistia.74(grifo nosso)
Desenvolvendo raciocínio similar, Paulo Abrão certifica que “pela clareza dispositiva
da Constituição de 1988 que, ao recepcionar e promover a compreensão democrática da lei de
anistia de 79, em seu artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, é
explícita em anistiar os perseguidos e não aos perseguidores” 75 (grifo nosso)
ABRÃO, Paulo. O alcance da lei de anistia: o último passo. Texto fruto da palestra proferida durante o
Seminário Internacional sobre Justiça Internacional Penal, promovido pelo Instituto de Relações
Internacionais da USP, em São Paulo, em 13 de abril de 2010. p.3-4. Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/main.asp?Team={2AD759EF-DCFB-46EB-A16C-73502B9C09EF}>.
Acesso
em: 7 de outubro de 2010.
74RODRIGUES, Georgete Medleg. Arquivos, anistia política e justiça de transição no Brasil: onde os nexos?. In:
Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n.1, p.136-151, jan-jun. 2009. p.140.
75 ABRÃO, Paulo. O alcance da lei de anistia: o último passo. Texto fruto da palestra proferida durante o
Seminário Internacional sobre Justiça Internacional Penal, promovido pelo Instituto de Relações
Internacionais da USP, em São Paulo, em 13 de abril de 2010. p.5. Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/main.asp?Team={2AD759EF-DCFB-46EB-A16C-73502B9C09EF}>.
Acesso
em: 7 de outubro de 2010.
73
31
Daí, alinhando-se às lições de Santos e Filho, após o interregno de imposição política
instaurado no Brasil e a consequente passagem para a construção de uma democracia que
protegesse os direitos dos cidadãos, o povo brasileiro se sentiu incomodado com esse passado
obscuro de manifestas violações aos direitos humanos, levantando-se, assim, questionamentos
a respeito de quais medidas poderiam ser aplicadas ao caso brasileiro.76
O sentido de reparação é dos mais diversos, de acordo com o momento histórico e
político de cada nação. Visualizando as formas de reparação dos países latino-americanos
emergentes do regime ditatorial, averigua-se a aplicação de determinações desde o
estabelecimento de reparações econômicas até a possibilidade de julgamento dos
perseguidores políticos.
No que tange ao processo de transição de justiça brasileira, estas medidas têm sido
executadas pela Comissão de Anistia, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, criado por
meio de Projeto de Medida Provisória no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso,
o qual tem por competência promover reparações administrativas e/ou econômicas, a
depender do caso, bem como determinar o julgamento daqueles que ainda não foram
considerados anistiados políticos oficialmente pelo Estado brasileiro.
Nesse sentido, a Lei nº 9.140/95 trazida no projeto de Medida Provisória teve por
objeto o reconhecimento como mortas das pessoas desaparecidas em razão de participação ou
acusação de participação em atividade política. O projeto de medida provisória foi convertido
na Medida provisória nº 65/02 e, posteriormente, tornou-se na Lei nº 10.559/02, a qual passou
a regular a condição de anistiado político.
A partir disso, três dispositivos legais – Lei nº 6.683/79, 9.140/95 e 10.559/02 –
tornaram-se de extrema relevância para o entendimento do ideal de anistia promovido pelo
regime de exceção e suas posteriores modificações. Logo, se fazem oportunas as
considerações elencadas por Santos e Filho:
A Lei nº 9.140/95 marcou o reconhecimento pelo Estado brasileiro na sua
responsabilidade histórica e administrativa ao admitir como mortas pessoas
desaparecidas em razão da participação, ou acusação de participação, em atividades
políticas, no período de 02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979. No entanto,
com relação à revelação da verdade, quase trinta anos após a Lei de Anistia (Lei nº
6.683, de 28 de agosto de 1979), ainda impera o silêncio e nega-se o acesso aos
arquivos, mantendo-se o segredo quanto aos fatos relacionados à repressão política,
muitas vezes até destruindo os documentos do período. Com efeito, o Estado
brasileiro apenas priorizou o pagamento de reparações pecuniárias (Leis 9.140/95 e
10.559/02) às vítimas e a seus familiares e, por força do silêncio que impera sobre o
SANTOS, Roberto Lima; FILHO, Vladimir Brega. Os reflexos da “judicialização” da repressão política no
Brasil no seu engajamento com os postulados da justiça de transição. In: Revista Anistia Política e Justiça
de Transição, Brasília, n.1, p.152-177, jan-jun. 2009. p.154.
76
32
assunto, grande parte da sociedade não consegue entender o porquê das vítimas
estarem recebendo essa indenização, pois acham que nada aconteceu a elas. 77
A partir das ponderações afirmadas, conclui-se, que, o artigo 8º do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias constitui-se em ato de pleno reconhecimento
estatal destinado à reparação daqueles que foram perseguidos por motivação de ordem
política. Assim, é indubitável que a Constituição Federal ao recepcionar a Lei nº 6.683/79
tinha por objetivo proporcionar anistia e reparação a esta classe de cidadãos – insurgentes do
regime político – tanto na vigência do regime de exceção, assim como sob a vigência da
Magna Carta, que mesmo orientada pelos valores de proteção dos direitos humanos, não teve
por condão a interpretação da Suprema Corte, a qual entendeu que referida anistia também
alcança os perseguidores políticos. (grifo nosso)
Além disso, Paulo Abrão e Marcelo Torelly salientam que o artigo 8º do ADCT “ao
recepcionar e promover a compreensão democrática da lei de anistia de 1979 rejeita
frontalmente a pretensão da existência de uma anistia bilateral e recíproca, que abrangeria
inclusive crimes que o próprio regime negava à época.” 78Posto isso, convém consignar que a
intenção do legislador ordinário encontra-se consubstanciada no texto legal e independente de
qualquer rumor que pretendia a ordem política à época, não se mostrando pertinente o
alvitramento de um “acordo político” à luz da Lei de Anistia.
Portanto, nefasta foi a decisão do STF, uma vez que a suprema corte primando pela
defesa dos direitos do homem restringiu a prisão do depositário infiel, fazendo uso, inclusive,
do Pacto de San José da Costa Rica para fundamentar sua decisão, elevando, assim, esse tipo
de norma aos status de norma supra-legal, enquanto essas normas não forem ratificadas pelo
quorum qualificado. Portanto, é plenamente visível que o Brasil sempre se posicionou pela
defesa dos direitos humanos no cenário internacional e controversa seria a mudança de seu
posicionamento ao compactuar com a prática de atos de tortura ou desaparecimento forçado.
Ainda nesse contexto, o dispositivo constitucional transitório possibilita o direito de
resistência aos atos cometidos pelo Estado contra o seu povo, como sustentado por Abrão e
Torelly. Portanto, aqueles que se insurgiram contra o regime político ditatorial, na palavra dos
autores, estavam “exercendo legítimo direito de resistência a uma ordem ilegítima. Assim,
SANTOS, Roberto Lima; FILHO, Vladimir Brega. Os reflexos da “judicialização” da repressão política no
Brasil no seu engajamento com os postulados da justiça de transição. In: Revista Anistia Política e Justiça
de Transição, Brasília, n.1, p.152-177, jan-jun. 2009. p.160-161.
78 ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição no Brasil: a dimensão da reparação. In:
Repressão e Memória Política no Contexto Íbero-Brasileiro: Estudos sobre Brasil Guatemala,
Moçambique, Peru e Portugal, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal:
Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, p. 26-59, 2010. p.45.
77
33
antes de serem vítimas, portanto, são resistentes,” vez que lutaram pela consolidação de um
Estado democrático de Direito que garantisse a estabilidade dos direitos fundamentais.79
Por todo o exposto, as palavras dos professores Paulo Abrão e Marcelo D. Torelly são
fundamentais para compreensão do artigo 8º do ADCT, visto que “a filtragem constitucional
das leis anteriores à sua constituição impõe que a nova Constituição não pode ser lida com os
olhos do ambiente político do velho regime”. 80
Assim, o preceito normativo (Lei de Anistia) legitima o reconhecimento estatal dos
atos cometidos por seus agentes e a necessidade manifesta de tratamento de transição da
ordem democrática, a qual enseja a aplicação de medidas que visem o enfrentamento dos atos
de tortura e desaparecimento forçado e a construção de um legado capaz de solidificar a
democracia e construir uma sociedade que reprima a violência e rejeite a impunidade como
elemento integrante de seu sistema.
1.5
A IMPORTÂNCIA DA JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO PARA A RECONCILIAÇÃO E
CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA
Como cediço, a Constituição Federal de 1988 teve por bem institucionalizar a
concretização do Estado Democrático de Direito que visa não apenas pela proteção dos
direitos fundamentais, mas também, pela defesa das liberdade públicas, as quais requerem,
por vezes, um dever de abstenção estatal. Noutro norte, esse mesmo Estado democrático de
direito busca a efetivação dos direitos sociais de forma a subsidiar a manutenção daquilo que
constitua o mínimo necessário à sobrevivência de cada cidadão brasileiro.
A partir desses conceitos, a justiça de transição apresenta-se como instrumento de
mediação entre a ordem política vigente no Brasil no período de 1964 a 1985 e a consequente
instituição da ordem democrática, por intermédio da Magna Carta de 1988.
A justiça de transição como claramente discorrida no decorrer deste estudo possui
como finalidade o enfrentamento das violações perpetradas pelos agentes estatais em
decorrência do regime político instaurado no Brasil.
ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição no Brasil: a dimensão da reparação. In:
Repressão e Memória Política no Contexto Íbero-Brasileiro: Estudos sobre Brasil Guatemala,
Moçambique, Peru e Portugal, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal:
Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, p. 26-59, 2010. p.46.
80 Ibid., p.45.
79
34
Assim, quando se trata da importância da justiça de transição, insta destacar que não
há uma fórmula pré-determinada, mas, levando-se em consideração as diversas experiências
de países como Portugal, Alemanha, Espanha, Moçambique, Argentina, Peru, Chile,
Guatemala e outros, percebe-se que a justiça de transição é elemento imprescindível para
solidificação das bases do Estado Democrático de Direito, uma vez que, a partir da
implementação da justiça de transição, valores e obrigações serão construídos com vistas à
valorização dos direitos humanos e fundamentais e à edificação de um Estado que esteja
compromissado com a probidade e boa-fé das instituições democráticas.
Portanto, a justiça de transição afigura-se de forma relevante como medida apta a
enfrentar os déficits sociais, reflexos das ações arbitrárias praticadas pelo Estado brasileiro.
Nesse particular, em vistas de se compreender a profundidade e dimensão das vicissitudes
proporcionadas por esse instrumento de transição, apresentam-se adequadas as palavras da
Comissão de Anistia do Ministério da Justiça:
A Justiça Transicional é um ramo altamente complexo de estudo, que reúne
profissionais das mais variadas áreas, passando pelo Direito, Ciência Política,
Sociologia e História, entre outras, com vistas a verificar quais processos de Justiça
foram levados a cabo pelo conjunto dos poderes dos Estados nacionais, pela
sociedade civil e por organismos internacionais para que, após o Estado de Exceção,
a normalidade democrática pudesse se consolidar. Mais importante, porém, é a
dimensão prospectiva desses estudos, cuja aplicação em política públicas de
educação e justiça serve para trabalhar socialmente os valores democráticos, com
vistas à incorporação pedagógica da experiência de rompimento da ordem
constitucional legítima de forma positiva na cultura nacional, transformando o
sofrimento do período autoritário em um aprendizado para a não-repetição.81
A implantação dos mecanismos de justiça de transição nos diversos países tem como
fator marcante sua variabilidade de caso a caso, pois o estabelecimento de determinadas
medidas irá depender especificamente do contexto ditatorial vigente nas diferentes realidades.
Por exemplo, os regimes de exceção vigentes em alguns países da Europa e/ou América
Latina diferenciam-se em larga escala ou, por vezes, possuem semelhanças, pois essas
variações encontram-se ligadas às ações operacionais e políticas executadas por cada governo.
O caso brasileiro possui uma especificidade elementar, pois depara-se com um povo
que não é omisso em reivindicar medidas de reparação, no entanto, também, não detém uma
parte da população que seja envolvida e possua uma cultura de efetivação dos direitos
fundamentais. A professora Alexandra Barahona de Brito retrata as peculiaridades de tal
abordagem:
ABRÃO, Paulo; ALVARENGA, Roberta Vieira; BELLATO, Suelli Aparecida; TORELLY, Marcelo D.Justiça de
Transição no Brasil: O papel da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. In: Revista Anistia Política e
Justiça de Transição, Brasília, n.1, p.12-21, jan-jun., 2009. p.12.
81
35
Se, por outro lado, se tenha herdado do período autoritário uma sociedade civil fraca
ou apática ou, se além de um imediato desejo de “vingança”, a sociedade seja
indiferente à questão da verdade e justiça, pode não haver qualquer política de
responsabilização, como foi o caso na transição na Espanha, ou a questão da verdade
e da justiça transicional pode se tornar uma arma na luta de poder entre grupos ou
partidos, como no caso de Portugal e em alguns países da Europa do leste. 82
Logo, o estudo dos legados construídos pela ditadura é de fundamental importância
para se delimitar a esfera de propagação das medidas a serem implantadas e o nível de
reformas institucionais e políticas a serem estruturadas. O problema desse estudo localiza-se
justamente nas estruturas construídas no período ditatorial e que vigem sob a ordem
democrática.
Os reflexos das ações estatais de impunidade constituem as marcas de uma sociedade
que não se submeteu às formas de tratamento ou restauração de suas estruturas. A professora
Alexandra Barahona de Brito coloca a questão de forma muito clara, salientando que “a
persistência de „enclaves autoritários‟ pode se tornar um obstáculo para a busca da verdade
e da justiça, especialmente quando localizados no poder judicial.” 83(grifo nosso)
A consideração da respectiva professora retrata tão somente o cerne da problemática
deste estudo, uma vez que as instituições brasileiras, sejam elas institucionais ou jurídicas,
estão permeadas em sua composição, por agentes estatais, remanescentes do período militar.
Portanto, a justiça de transição, quanto aos legados da ditadura, revela-se
indispensável para a consolidação da ordem democrática brasileira. Veja-se:
A duração e a penetração institucional de um regime autoritário também devem ser
levadas em conta. Nenhuma ditadura pode se sustentar por um longo período de
tempo sem ganhar alguma forma de apoio popular e algum nível de
institucionalização. Quanto mais durável e bem sucedida é a ordem autoritária, mais
ela permeará a burocracia do Estado e o sistema judicial, socializando uma classe
de funcionários públicos nos valores da ditadura, e criando novas elites
favorecidas pelas políticas do regime. Quanto mais prolongada e institucionalizada
uma ditadura for, mais difícil será estigmatizar os grupos sociais e as instituições
que participaram da ordem antiga. Uma ditadura durável e bem institucionalizada
normalmente apresenta um nível maior de legitimidade residual, havendo mais
pessoas que se identificam com a ideologia e a justificação ideológica do regime e
da repressão. [...] Na falta de saneamentos profundos, as políticas de justiça
transicional terão que ser implementadas por funcionários públicos da ‘velha
ordem,’ e estes podem muito bem resistir a essas políticas, porque estas podem por
em causa suas ações no passado e várias práticas sociais entrincheiradas.(grifo
nosso)84
Segundo Brito as diversas experiências de enfrentamento das ditaduras materializadas
no mundo permitiram identificar os problemas sociais propalados em cada região. Tal
BRITO, Alexandra Barahona de. Justiça transicional e a Política da memória: uma visão global. In:
Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 1, p.56-83, jan.-jun., 2009. p 66.
83 Ibid., p.67.
84 BRITO, Alexandra Barahona de. Justiça transicional e a Política da memória: uma visão global. In:
Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 1, p.56-83, jan.-jun., 2009. p 67.
82
36
identificação ressalta a importância da justiça transicional, pois as diferentes experiências
auxiliam na importação de políticas ou medidas que se adéqüem à realidade de cada nação. A
experiência sul-americana verifica a presença de impunidade e de estabilidade democrática
como demandas a serem tratadas; na África, essas questões são resultados de sociedades
divididas etnicamente e com estados fracos; e no Leste Europeu os problemas situaram-se nas
violações do devido processo legal e do uso abusivo da “justiça transicional”.85
Desta feita, a análise das medidas que sejam, deveras, necessárias à reparação das
ações violadoras dos direitos humanos é determinante para orientar a execução dos órgãos
governamentais, uma vez que as diferentes realidades em que o autoritarismo vigeu, como
acima demonstrado, requerem a atuação do Estado de maneira diversificada e de acordo com
o contexto em que os atos estatais foram direcionados no impacto da dignidade do ser
humano. Assim, é perfeitamente possível a identificação de medidas que estejam sendo
implementadas em determinado país e em outros países as medidas estarem sendo
direcionadas para uma realidade diferenciada.
Paul Van Zyl acredita que “a justiça transicional implica em processar os
perpetradores, revelar a verdade sobre crimes passados, conceder reparações às vítimas,
reformar as instituições perpetradoras de abuso e promover a reconciliação.” 86
Assim, as estratégias de justiça transicional são de fundamental importância para
confrontação de um passado histórico marcado por violações dos direitos humanos. A adoção
dessas medidas visa ao fortalecimento do Estado democrático de direito e à consolidação da
democracia, instrumento de transformação política essencial para tratamento dos resquícios
ditatoriais presentes na sociedade e nas instituições democráticas.
Portanto, a persecução penal dos agentes estatais precisa ser compreendida como
alternativa de reparação e como forma de demonstrar que o próprio Estado encontra-se sob o
crivo da Lei. Segundo Zyl, o julgamento dos perseguidores políticos não pode ser entendido
como uma medida de retribuição, mas, sim como forma de restaurar a relação de confiança
entre o Estado de Direito e os cidadãos, enfatizando, sobretudo, que a existência das
instituições democráticas tem por finalidade a proteção de seus cidadãos.87
Convém consignar que os mecanismos de justiça de transição não são auto-aplicáveis
em todos os países, pois o contexto político e social de cada país exigirá a aplicação de formas
BRITO, Alexandra Barahona de. Justiça transicional e a Política da memória: uma visão global. In:
Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 1, p.56-83, jan.-jun., 2009.p.58.
86 ZYL, Paul Van. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós-conflito. In: Revista Anistia Política
e Justiça de Transição, Brasília, n. 1, p.32-55, jan.-jun., 2009. p 34.
87 Ibid., p.35.
85
37
diferenciadas de saneamento das arbitrariedades estatais praticadas. Isso posto, as alternativas
de reparação selecionadas por Paul Van Zyl constituem meios básicos de atribuir às vítimas e
à sociedade uma resposta pelos atos efetuados no regime de exceção brasileiro.
Seguindo a linha de raciocínio de Paul Van Zyl a respeito das medidas indispensáveis
à solidificação da ordem democrática, outro elemento relevante é o esclarecimento da
verdade. O Estado precisa assumir a responsabilidade das ações praticadas:
É importante não somente dar amplo conhecimento ao fato de que ocorreram
violações dos direitos humanos, mas também que os governos, os cidadãos e os
perpetradores reconheçam a injustiça de tais abusos. O estabelecimento de uma
verdade oficial sobre um passado brutal pode ajudar a sensibilizar as futuras
gerações contra o revisionismo e dar poder aos cidadãos para que reconheçam e
oponham resistência a um retorno às práticas abusivas.88
Além disso, a dimensão dos sentidos de reparação precisa ser ampliada em
conformidade com as demandas existentes nos diversos contextos. A transição brasileira
reconheceu a necessidade da reparação econômica. De outro lado, a Comissão de Anistia,
órgão responsável em promover essas providências, acredita que outras obrigações – moral,
histórica, jurídica, assistência psicológica, pedagógica e outros – decorrentes dessa relação
são cabíveis na recuperação das vítimas do autoritarismo estatal e na reforma das instituições
governamentais que tem por dever a proteção de seus indivíduos.
Kathryn Sikkink & Carrie Booth Walling anotam que “deve-se dar mais atenção as
mudanças dos mecanismos com a passagem do tempo. Enquanto algumas medidas eram
consideradas impossíveis em muitos países imediatamente após as transições, essas medidas
tornaram-se não apenas possíveis, mas prováveis.” 89
Desse modo, não se pode dar azo a cultura do esquecimento, como o governo
brasileiro procurou estabelecer no período de transição. É certo que as memórias dos porões
da ditadura é uma lembrança rejeitada por diversos atores, mormente, aqueles que foram
submetidos à tortura, exílio ou desaparecimento forçado.
Contudo, o respeito aos direitos fundamentais e às liberdades públicas são conceitos
que devem ser primados pelo Estado Democrático brasileiro e perseguido por cada cidadão
brasileiro com vistas à consolidação das estruturas democráticas.
Por derradeiro, ressalte-se o direito à reconciliação, pois ao analisar o período
ditatorial brasileiro é possível visualizar a frontal violação aos direitos fundamentais humanos
ZYL, Paul Van. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós-conflito. In: Revista Anistia Política
e Justiça de Transição, Brasília, n. 1, p.32-55, jan.-jun., 2009. p.35.
89 Sou responsável por esta tradução. SIKKIN, Kathryn; WALLING, Carrie Booth. The impact of Human
Rights Trials in Latin America. Disponível em:<htt://jpr.sagepub.com/content/44/4/427>. Acesso em: 11
de outubro de 2011.
88
38
pelo qual o Estado brasileiro comprometeu-se a proteger. Destarte, é inconcebível que após 30
anos da passagem do regime de exceção brasileiro, a Suprema Corte Brasileira desenvolva
uma interpretação de maneira exacerbadamente retrógada, quando os tratados e organismos
internacionais posicionam-se em favor da proteção dos direitos humanos e pelo
fortalecimento do Estado de Direito.
Nesse sentido, é manifesto o retrocesso jurídico frente aos clamores de reparação do
Estado brasileiro. É sabido e consabido que o julgamento dos perseguidores políticos não terá
caráter de restituição às famílias brasileiras. Porém, é preciso resguardar a validade do
ordenamento jurídico e velar pela segurança jurídica da sociedade.
A reconciliação é um dos fatores de maior amplitude do sistema de reparação, pois
tem como escopo o retorno ao passado para construção do futuro. A geração nascida dos anos
80 e 90 são gerações alienadas no sentido de desconhecerem a história de seu país, pois foi
fruto da própria política estatal não cuidar da transição democrática. No entanto, Paul Van Zyl
observa com precisa clareza e sapiência:
Em geral, o fortalecimento das obrigações legais internacionais e o crescente
consenso normativo segundo o qual as violações graves dos direitos humanos devem
se resolver têm feito com que não se dê ênfase à questão de confrontar ou não o
passado, mas sim sobre como confrontá-lo. Isso cria possibilidades extraordinárias
para examinar a intersecção entre a justiça transicional e a construção da paz pósconflito em uma série de contextos diferentes, assim como para estabelecer boas
práticas com base em uma análise comparativa de políticas. Esse processo não pode
limitar-se a transplantar um modelo bem sucedido de um entorno a outro, mas deve
explorar os fatores que fizeram com que o modelo funcionasse e verificar se eles se
aplicam em outras situações.90
Face o exposto, a justiça de transição, inobstante todos os empecilhos e a limitada
vontade política para o cuidado com a lacuna da concretização democrática, representa o
horizonte a ser investido de estudos e projetos políticos voltados não somente às vítimas da
ditadura, mas também, à construção de uma nação que tenha por fundamento o respeito aos
direitos humanos e a proteção à vida e à liberdade de seus compatriotas. Por conseguinte, a
sedimentação deste instrumento é vital para reconciliação e consolidação da democracia.
ZYL, Paul Van. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós-conflito. In: Revista Anistia Política
e Justiça de Transição, Brasília, n. 1, p.32-55, jan.-jun., 2009. p 54.
90
39
2.
OS DIREITOS DA TRANSIÇÃO
Quando se depara com a matéria das medidas ou alternativas de reparação no contexto
da justiça transicional, é importante observar que tais estratégias variam de acordo com os
meios de repressão que foram impostos à época do regime ditatorial.
O professor Dr. Paulo Abrão, em entrevista sobre a anistia política, no programa
Fórum, transmitido na TV Justiça, no dia 12 de outubro de 2011,91 salientou que, de acordo
com a topologia autoritária – ações de partidos políticos de esquerda ou de direita –,
identificada em cada zona territorial, diferentes estratégias serão implementadas para se
adequar àquela realidade social. Destacou, ainda, que as medidas de justiça transicional
adotadas no Brasil são de natureza peculiar, visto que as ações de arbitrariedade
concentraram-se em atos de tortura, desaparecimento forçado e, principalmente, limitando a
capacidade laboral daqueles que se insurgiram contra o regime político, colocando o nome
dessas pessoas em listas, de forma que não pudessem ser novamente inseridos no mercado de
trabalho.
Além disso, destacou que o programa de reparações brasileiro fundamenta-se na
reparação econômica dos servidores públicos que foram exonerados de ofício, sejam estes
empregados ou servidores públicos. Asseverou, também, que muitos dos militares que não
aquiesciam com a doutrina nacional de segurança também se utilizam dos serviços prestados
pela Comissão de Anistia para pleitear indenizações e reintegrações aos cargos anteriormente
ocupados.
Nesse sentido, relatou que, no caso brasileiro, outras medidas também são
implementadas no sentido de resguardar a memória dos atos cometidos, para que não mais
sejam cometidos, e daqueles que combateram o autoritarismo, como maneira de honrar essas
pessoas que doaram as próprias vidas pela implantação do Estado de Direito e pelo exercício
livre da cidadania e da democracia.
TV JUSTIÇA. Programa Fórum. Anistia Política. Disponível em: Parte
1:<http://www.youtube.com/watch?v=oBJVOA_B5s0&feature=results_video&playnext=1&list=PL9C5D7
465FCD58C04>; Parte 2:
<http://www.youtube.com/watch?v=M3MiY6edBaA&feature=BFa&list=PL9C5D7465FCD58C04&lf=resul
ts_video>; Parte 3:
<http://www.youtube.com/watch?v=aBKTUtdPI6I&feature=BFa&list=PL9C5D7465FCD58C04&lf=results
_video>; Parte 4:
<http://www.youtube.com/watch?v=zBCqkbI5SfI&feature=BFa&list=PL9C5D7465FCD58C04&lf=results_
video>. Acesso em 13 de outubro de 2011.
91
40
Ponderou que a peculiaridade do sistema de transição brasileiro é de tamanha força
que as medidas implantadas no Brasil têm sido instrumentos de orientação na construção dos
países do norte da África. Asseverou nesse pensar que nada impede a adoção de outras
medidas que não aquelas aqui utilizadas, pois, como dito, as ações autoritárias variam de
acordo com o regime político instaurado em cada país. Citou, como exemplo, os casos
emblemáticos da Argentina e do Chile em que o número de pessoas mortas foi elevadíssimo,
sendo utilizado como medidas de reparação até mesmo o julgamento dos algozes políticos.
Nessa ótica, evidenciou que, em conformidade com os tratados internacionais que o
Brasil é signatário, que os crimes de tortura e desparecimento forçado são imprescritíveis, não
havendo, portanto, prazo determinado para apuração das violações perpetradas, assim como
para concessão dos meios de reparação. Informou que para apuração desses atos cometidos e
consulta dos documentos dos quais o Ministério da Justiça tem acesso, que o programa de
reparação ou de ação depende do trabalho de duas comissões, atualmente existentes: a
Comissão de Anistia e a Comissão Especial para Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMP).
Informou, ademais, que encontra-se em trâmite no Congresso Nacional a criação da Comissão
da Verdade, a qual terá poder de investigação e de requisitar servidores e testemunhas para
elucidação de fatos ocorridos no regime de exceção.
Não obstante, as últimas declarações de determinados setores governamentais, cite-se,
o posicionamento92 do Senado Federal, proferido por seu Presidente José Sarney, quanto à
impossibilidade de cumprimento da sentença prolatada pela Corte Interamericana dos Direitos
Humanos em desfavor do Estado Brasileiro, invocando como fundamentos jurídicos,
primeiramente, que o crime de seqüestro e desaparecimento forçado é crime continuado e
permanente, logo houve a perda do bem jurídico tutelado, vez que as vítimas seqüestradas
foram mortas e, ademais, o crime de desaparecimento forçado é um tipo penal que carece de
reserva legal no ordenamento jurídico brasileiro.
Diante do exposto e face à problemática da institucionalização da impunidade da
Suprema Corte Brasileira, a partir da concessão de anistia aos perseguidores políticos,
acredita-se, inicialmente, que, o objetivo desse estudo não é de desvelar uma solução por meio
do julgamento daqueles que praticaram as atrocidades em nome do Estado brasileiro, vez que
em conformidade com Pierpaolo et. al, “não se acredita que a incidência do direito penal terá
o condão de reparar o sofrimento das vítimas, seus familiares, amigos, e de toda a
92
Correio Braziliense de 15/10/2011.
41
comunidade que acompanhou tais atrocidades.”
93
Mas, sim, analisar o caráter dessas
condutas praticadas e a interpretação desprendida pela Suprema Corte acerca do alcance da
Lei de Anistia aos perseguidores políticos, uma vez que a política jurídica internacional
brasileira sempre se posicionou a favor da defesa dos direitos humanos.
A partir das considerações acima elencadas, o estudo desta pesquisa delimitou quatro
formas de reparação para análise, as quais são as comumente executadas no Brasil, efetuando,
por vezes, comparações com sistemas executados em outros países na América Latina, uma
vez que os estudos de justiça transicional brasileiro têm servido de parâmetro para os demais
países do mundo.
2.1
DIREITO À REPARAÇÃO
As medidas de reparação que gravitam em torno da justiça de transição são
diversificadas, de acordo com o contexto político impetrado naquele país ou região e em
observação às práticas de repressão praticadas contra os seus concidadãos. Benedetti e
Nahoum lecionam que “as particularidades de cada país podem influenciar a extensão das
medidas de justiça transicional aplicadas, explicando a preferência pelo foco a determinada
dimensões em detrimento de outras.” 94
Remígio relata que a promulgação de uma Constituição democrática não pode
representar a total extração das raízes ditatoriais, pois o exercício da democracia pela
sociedade é uma prerrogativa inerente à estruturação do Estado, tornando-se imperiosa sua
participação popular na construção desse novo processo político.95
A professora Roberta Camineiro Baggio afirma que os dispositivos normativos nº
9.140/95, 10.536/02 e 10.559/02 representam uma evolução no processo de transição político
brasileiro 96 , não obstante, o caso brasileiro, nas palavras do professores Paulo Abrão e
BOTTINI, Pierpaolo Cruz; TAMASAUSKAS, Igor; CAMARGO BARROS VIDAL, Luis Fernando de; FELIPPE,
Kenarik Boujikian; MARTINS DE MORAIS, Dora Aparecida. Lei da Anistia: com a palavra, O STF. In:
Instituto Brasileiro de Ciência Criminais, São Paulo , ano 17, nº 205, dez., 2009. p.4.
94 BENEDETTI, Juliana Cardoso; NAHOUM, André Vereta. Justiça de transição e integração regional: o
direito à memória e à verdade no Mercosul. In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n.
1, p.296-317, 2009. p.301.
95 REMÍGIO, Rodrigo Ferraz de Castro. Democracia e anistia política: rompendo com a cultura do silêncio,
possibilitando uma justiça de transição. In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 1,
jan.-jun., p. 178-202, 2009. p.187.
96 BAGGIO, Roberta Camineiro. Justiça de Transição como Reconhecimento: limites e possibilidades do
proceso brasileiro. In: Repressão e Memória Política no Contexto Íbero-Brasileiro: Estudos sobre
93
42
Marcelo Torelly, inequivocamente estar situado em um “nível tardio de desenvolvimento de
políticas de reparação, se comparado com outros países da América Latina, Grécia, Alemanha
ou, até mesmo, o mais recente caso da Lei Espanhola, a qual editou em 2007 uma lei para
tratar dos crimes da Guerra Civil e do regime franquista.” 97
Nesse sentido, Baggio observa que a noção de reparação imbuída na sociedade
brasileira possui um significado distorcido, pois ao reconhecer o direito de reparação aos
mortos e desaparecidos políticos e dos perseguidos políticos foi instalado um entendimento de
esquecimento, tendo em vista que o pagamento de quantia pecuniária não mais ensejaria a
necessidade de tocar nas feridas do passado, vez que o referido pagamento já teria sido
implementado, operando, portanto, a devida reparação/ restituição ou restauração.98
Remígio reitera que “a anistia política tratada pela Lei nº 6.683/79 representou um
acordo político de esquecimento, à semelhança do pacto de paz celebrado entre Esparta e
Atenas em 403 a.C. Ela foi, assim, uma forma de esquecimento, e não propriamente de
perdão.”
99
Corroborando desse ideal manifesta-se Baggio discursando que “a transição
brasileira, portanto, buscou inicialmente o padrão do esquecimento”, de tal maneira que as
práticas autoritárias efetuadas no passado estariam perdoadas.100
Com efeito, Baggio assevera que
a consequência imediata dessa característica é a manutenção de uma situação de
reificação dos partícipes da resistência, ou ainda, de amnésia do reconhecimento da
importância do papel dos perseguidos políticos na história e o consequente
enfraquecimento da defesa dos direitos humanos.101
Malgrado a ideologia configurada na Lei 6.683/79, a Carta Federal de 1988 trouxe no
artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias uma nova técnica legislativa,
passando a produzir novo efeito jurídico de reparação, pois não reforça o esquecimento, mas,
sim, em um ato de reconhecimento de que o Estado violou os direitos de seus cidadãos. Nessa
perspectiva desenvolvida por Remígio, averigua-se a possibilidade de ser reparado
Brasil Guatemala, Moçambique, Peru e Portugal, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia;
Portugal: Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, p. 260-286, 2010. p.272.
97 ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição no Brasil: a dimensão da reparação. In:
Repressão e Memória Política no Contexto Íbero-Brasileiro: Estudos sobre Brasil Guatemala,
Moçambique, Peru e Portugal, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal:
Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, p. 26-59, 2010. p. 40.
98 BAGGIO, Roberta Camineiro. Justiça de Transição como Reconhecimento: limites e possibilidades do
proceso brasileiro. In: Repressão e Memória Política no Contexto Íbero-Brasileiro: Estudos sobre
Brasil Guatemala, Moçambique, Peru e Portugal, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia;
Portugal: Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, p. 260-286, 2010. p.272.
99 REMÍGIO, Rodrigo Ferraz de Castro. Democracia e anistia política: rompendo com a cultura do silêncio,
possibilitando uma justiça de transição. In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 1,
jan.-jun., p. 178-202, 2009. p.188.
100 BAGGIO, op. cit., p. 274.
101 Ibid., p.272.
43
economicamente tanto pelos atos arbitrários pelo Estado, bem como pelos atos de
desaparecimento forçado.102
André Marcos Tavares e Walber de Moura Agra destacam que a Lei nº 10.559/2002
foi responsável por regularizar as indenizações para os brasileiros que sofreram alguma forma
de perseguição política. Os autores salientam que “o objetivo explícito dessa lei foi
providenciar uma reparação econômica aos atingidos pelo arbítrio, sem que houvesse
possibilidade de punição ou qualquer outro tipo de sanção penal ou de natureza cível.” 103
Ratificando referido raciocínio, Baggio aduz que
A lei 10.559/02, que institui a reparação aos atingidos por atos de exceção, tem uma
forte presença de características distributivas, uma vez que indeniza aqueles que, por
terem sido vítimas de atos autoritários do Estado, não puderam manter o curso
normal de suas vidas, tendo sido prejudicados nos seu desenvolvimento profissional
e pessoal, consequentemente excluídos do acesso aos bens materiais e sociais
produzidos à época.104
A partir dessas considerações, Baggio desenvolve um pensamento crítico no sentido
de que a concessão da medida de reparação pecuniária tornou-se um meio de “amnésia do
esquecimento”, porquanto o pagamento das indenizações aos perseguidos políticos
transformou-se em instrumento de depreciação.105
Paulo Abrão e Marcelo Torelly ressaltam que “apenas uma hermenêutica rasa pode
limitar a reparação promovida pela lei 10.559/2002, por meio da Comissão de Anistia, a um
simples processo de reparação econômica.” 106 Contudo, a lição de Baggio ao discorrer sobre
o efeito de amnésia oportunizado por meio da concessão pecuniária alinha-se aos ideais de
valorização da justiça de transição e ao mesmo tempo contrapondo-se à falsa transição
democrática pactuada pelos organismos governamentais:
Diante desse quadro, torna-se extremamente difícil vislumbrar a retomada de um
processo de reconciliação que impulsione a integração social no Brasil. A ausência
de estratégias de integração aos moldes do debate do reconhecimento enfraquece
a busca por uma justiça de transição completa. Isto porque a redução do debate a
uma perspectiva meramente economicista sobre as indenizações e a difusão a partir
de um viés negativo da condição de vitimização dos perseguidos políticos, unidos à
REMÍGIO, Rodrigo Ferraz de Castro. Democracia e anistia política: rompendo com a cultura do silêncio,
possibilitando uma justiça de transição. In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 1,
jan.-jun., p. 178-202, 2009. p.189.
103 TAVARES, André Ramos; AGRA, Walber de Moura. Justiça reparadora no Brasil. In: Memória e
verdade: a justiça de transição no Estado Democrático brasileiro, Belo Horizonte, p.69-91, 2009. p.86.
104 BAGGIO, Roberta Camineiro. Justiça de Transição como Reconhecimento: limites e possibilidades do
proceso brasileiro. In: Repressão e Memória Política no Contexto Íbero-Brasileiro: Estudos sobre
Brasil Guatemala, Moçambique, Peru e Portugal, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia;
Portugal: Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, p. 260-286, 2010. p.275.
105 Ibid., p.276.
106 ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição no Brasi: a dimensão da reparação. In:
Repressão e Memória Política no Contexto Íbero-Brasileiro: Estudos sobre Brasil Guatemala,
Moçambique, Peru e Portugal, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal:
Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, p. 26-59, 2010. p.44.
102
44
ausência de um aprofundamento democrático de algumas instituições do Estado e
outros tantos segmentos da sociedade, como a imprensa, acabaram por reproduzir
um senso comum depreciativo sobre os perseguidos políticos, que impede o país
de crescer como uma nação livre, justa e fraterna, que protege incondicionalmente
os direitos de seus cidadãos.107 (grifo nosso)
Sintetizando a importância do direito à reparação e seus desdobramentos negativos,
por força de que não houve uma transição política efetiva em decorrência da permanência no
poder daqueles que serviam ao regime ditatorial, Baggio desenvolve a seguinte conclusão:
A redução a uma dimensão pecuniária da reparação não permitiu que o ato de
indenizar os perseguidos políticos fosse concebido como uma iniciativa de
integração social, como uma oportunidade dessas pessoas poderem reconstruir suas
vidas, sem a necessidade de lamentarem suas escolhas políticas, já que uma
sociedade justa possui lugar para todas as opções de vida, crença e pensamento. 108
Assim, as problemáticas existentes em torno do direito à reparação, principalmente,
após as considerações efetuadas pela professora Roberta Baggio, é capaz de demonstrar que a
justiça de transição teve sua gênese materializada, no entanto, encontra obstáculos, de ordem
política governamental, os quais inviabilizam o aperfeiçoamento e a promoção de novas
políticas que ensejem na solidificação do Estado Democrático de direito.
Destarte, a fim de aprimorar a dimensão do conceito de reparação, faz-se necessária a
observação da dimensão da reparação no plano material e moral desenvolvida pelos
professores Paulo Abrão e Marcelo Torelly.
Abrão e Torelly consignam que,
em uma leitura economicista, a anistia não pode – para fazer sentido como ato de um
Estado fundado nos valores em que se funda o Estado brasileiro – ser vista como a
imposição da amnésia ou como ato de esquecimento, ou de suposto e ilógico perdão
do Estado a quem ele mesmo perseguiu e estigmatizou como subversivo ou
criminoso.109
De outro lado, os autores sustentam que o direito à reparação econômica decorre de
uma violação do desempenho da atividade laboral primeiramente.
Partindo desse pressuposto, o direito à reparação moral tem por fundamento “no
direito de resistência e na violação da dignidade humana ofendida que, por sua vez, teve
BAGGIO, Roberta Camineiro. Justiça de Transição como Reconhecimento: limites e possibilidades do
proceso brasileiro. In: Repressão e Memória Política no Contexto Íbero-Brasileiro: Estudos sobre
Brasil Guatemala, Moçambique, Peru e Portugal, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia;
Portugal: Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, p. 260-286, 2010. p.277.
108 BAGGIO, Roberta Camineiro. Justiça de Transição como Reconhecimento: limites e possibilidades do
proceso brasileiro. In: Repressão e Memória Política no Contexto Íbero-Brasileiro: Estudos sobre
Brasil Guatemala, Moçambique, Peru e Portugal, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia;
Portugal: Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, p. 260-286, 2010. p.276.
109 ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo D. Justiça de transição no Brasil: a dimensão da reparação. In:
Repressão e Memória Política no Contexto Íbero-Brasileiro: Estudos sobre Brasil Guatemala,
Moçambique, Peru e Portugal, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal:
Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, p. 26-59, 2010. p.46.
107
45
extirpado o direito de manifestação do pensamento político,”
110
divergente daquele que
imperava à época, impedindo-o, portanto, de partilhar seus pensamentos políticos e de
expressar-se enquanto cidadão detentor no gozo das liberdades públicas e dos direitos
fundamentais.
Logo, o direito à reparação não pode limitar-se a concessão de indenização pecuniária,
nem tampouco propiciar senso de depreciação em relação àqueles que fizeram força para o
império do poder democrático, posto que o Estado soberano tem por obrigação inerente à sua
própria instituição a proteção de seus cidadãos.
Por essas razões, que o estabelecimento do direito à reparação deve primar em
reparar não apenas o dano de direito comum, mas sim dignidade violada seja pelo
projeto de vida interrompido seja pela violação contra a humanidade que o regime
autoritário tantas vezes perpetrou no corpo de alguns dos perseguidos
individualmente.111
Aprimorando esse sentido de reparação moral, há dois mecanismos que compõem esse
sistema, tal qual, as Caravanas da Anistia que, como instrumento de reparação individual com
efeitos coletivos, tem por objetivo resgatar a dignidade das vítimas, trazendo à memória as
violações do passado, permitindo-lhe o direito do exercício de manifestação.
Ao lado das Caravanas da Anistia, há também o Memorial da Anistia que,
apresentando-se como instrumento de reparação coletiva de efeitos individuais, tem por
escopo retomar as vivências estabelecidas pela amnésia do esquecimento, restaurando o
significado original da anistia que foi deteriorado pelos resquícios remanescentes do poder
estatal.
Por derradeiro, o direito à reparação direciona suas ações à reparação econômica, mas,
sobretudo, envidando esforços para que os “perseguidos políticos voltem a se sentirem
plenamente reintegrados ao país que lhes deu as costas, tendo sua identidade
recomposta.”112(grifo nosso)
ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo D. Justiça de transição no Brasil: a dimensão da reparação. In:
Repressão e Memória Política no Contexto Íbero-Brasileiro: Estudos sobre Brasil Guatemala,
Moçambique, Peru e Portugal, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal:
Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, p. 26-59, 2010. p.49.
111 Ibid., p.49.
112 Ibid., p.55.
110
46
2.2
DIREITO À VERDADE
Trazer um tempo vivido intensa e ativamente, de forma um tanto frenética, pois tudo
nos parecia urgente de ser realizado, sem cair em espécie de saudosismo
conservador, é um desafio. Desafio que aceitamos ao tentar trazer alguns fragmentos
de uma história que será não somente minha, mas de uma geração que
generosamente sonhou, ousou, correu riscos e, como a peste, foi marcada,
massacrada e exterminada: uma geração que, apaixonadamente, nos anos 60 e 70,
caracterizou-se não pela “mesmice”, pelo instituído, pelo conformismo, mas, ao
contrário, pela denúncia, pela desmitificação, pela criação de novos espaços. 113
A finalidade da subseção deste estudo não é de relatar os fatos históricos marcados em
uma geração que sacrificou a própria vida pela instalação da democracia no Brasil. É sabido
que muitas pessoas foram presas ilegalmente, torturadas por agentes do Estado e outras
encontram-se desaparecidas até o dia de hoje. Assim, a importância desta subseção é ressaltar
que o exercício das liberdades públicas e dos direitos fundamentais foi assegurado por um
período de luta o qual resultou na conquista dos direitos que atualmente são gozados pela
sociedade brasileira. E, por conseguinte, a elucidação desses fatos constitui direito
fundamental de toda comunidade brasileira como guia na construção da identidade política da
nação.
José Adércio Leite Sampaio e Alex Luciano Valadares de Almeida ensinam que a
melhor forma de construção da identidade de determinada sociedade é garantindo o
conhecimento da verdade, a respeito de seu processo histórico de formação, aos presentes e
futuros descendentes, prezando pela autonomia privada – leia-se direitos individuais clássicos
– em conformidade com a autonomia pública – leia-se manifestação dos anseios do povo.114
Desvelar a verdade é ato de demonstração democrática, pois permite a interação das
diversidades filosóficas e políticas dos diferentes grupos sociais em busca da edificação de
uma sociedade em comunhão. Portanto,
o respeito à livre formação dessas identidades, individual e coletiva, é capaz de
agregar os indivíduos em torno do respeito aos diferentes projetos de vida de cada
cidadão, respeitando-se a pluralidade da sociedade, para então viabilizar, no
reconhecimento da diferença do outro, a construção de um projeto de sociedade que
envolva a participação de todos os cidadãos. Garantir o conhecimento da verdade
é fomentar o desenvolvimento da democracia e reforçar o princípio
republicano.115 (grifo nosso)
COIMBRA, Cecília; QUEIROZ, Leoncio de; JAPA, Mario; OSAVA, Chizuo; MAESTRI, Mario. Panorama
Histórico. In: 68 a geração que queria mudar o mundo: relatos, Brasília, p.38-63, 2011. p.39.
114 SAMPAIO, José Adércio Leite; ALMEIDA, Alex Luciano Valadares de. Verdade e história: por um direito
fundamental à verdade. In: Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático
brasileiro, Belo Horizonte, p.249-267, 2009. p.251.
115 Ibid., p.251.
113
47
Além disso, a verdade constitui, por imperativo lógico, resultado da existência do
Estado constitucional e republicano, nas palavras de Sampaio e Almeida. Segundo os autores,
“o direito à verdade se articula ao direito à informação notadamente em face do poder
público. Logo, o direito fundamental à verdade decorre do regime constitucional democrático
e dos princípios constitucionais”, não suportando a inviabilização de informações que digam
respeito ao interesse social. 116 Tal desdobramento é perfeitamente visível, na visão de
Barbosa, ao lecionar que
a opção política em favor dos princípios republicanos e democráticos devem nortear
a conduta do poder público da República Federativa do Brasil, o que supõe um
compromisso incondicional com a verdade, em virtude de o direito à verdade
decorrer do princípio fundamental e constitucional da dignidade da pessoa
humana.117
Segundo o Ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da
República e o Presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos,
Marco Antônio Rodrigues Barbosa e Paulo Vannuchi, “a democracia, para que efetivamente
se consolide necessita, portanto, que os povos conheçam toda a verdade sobre o seu passado,
como forma de aprendizado para modificar o presente e gerar um futuro de paz.” 118
Glenda Mezarobba afirma que conhecer a verdade a respeito de crimes do passado
perpetrados pelo Estado contra os seus cidadãos “é um direito inalienável” 119 , ou seja,
segundo Diane Orentlicher120, “cada povo tem o direito inalienável de conhecer a verdade a
respeito dos acontecimentos ocorridos no passado com relação a perpetração de crimes
abomináveis e das circunstâncias e os motivos que levaram, mediante violações maciças ou
sistemáticas, à perpetração desses crimes.”121
Assim, em consonância com os ensinamentos de Paul Van Zyl, “o estabelecimento de
uma verdade oficial sobre um passado brutal pode ajudar as futuras gerações contra o
SAMPAIO, José Adércio Leite; ALMEIDA, Alex Luciano Valadares de. Verdade e história: por um direito
fundamental à verdade. In: Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático
brasileiro, Belo Horizonte, p.249-267, 2009. p.264.
117 BARBOSA, Marco Antônio Rodrigues. Direito à memória e à verdade. In: Revista Direitos Humanos,
Brasília, n. 1, p.26-33, dez., 2008.p. 32.
118 BARBOSA, Marco Antônio Rodrigues; PAULO, Vannuchi. Resgate da memória e da verdade: um direito de
todos. In: Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático brasileiro, Belo
Horizonte, p.55-67, 2009. p.55.
119 MEZAROBBA, Glenda. Afinal, o que é uma Comissão da Verdade? In: Revista Direitos Humanos,
Brasília, n.5, p.32-34, abr., 2010. p.32.
120 Perita independente encarregada de atualizar o conjunto de princípios para a luta contra a impunidade.
121 Conselho Econômico e Social das Nações Unidas. Promoção e proteção dos direitos humanos. In: Revista
Anistia Política e Justiça de transição, n.3, p.426-463, jan.-jun., 2010. p.432.Comissão de Direitos
Humanos, 61º período de sessões, Tema 17 do programa provisório, distribuição geral
E/CN.4/2005/102/Add.1.
8
de
fevereiro
de
2005.
Original:
Inglês.
Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={72590C4A-B0ED-4605-A9D8-5247054336A6}>. Acesso em
21 de outubro de 2011.
116
48
revisionismo e dar poder aos cidadãos para que reconheçam e oponham resistência a um
retorno às práticas abusivas.” 122
Barbosa afirma que o direito à verdade auxilia a esclarecer e revelar que o Estado foi o
verdadeiro perpetrador das violações estatais impetradas contra o povo brasileiro,
desmistificando a prática de crimes pelos perseguidos políticos. Ora, ter convicções políticas
divergentes daquelas manifestadas pelo Estado constituem, senão, a materialização de uma
sociedade politicamente pluralista.123
Assim, o prestígio da verdade somente é capaz de se concretizar, segundo Sampaio e
Almeida, quando, por meio da interação popular no cenário político, os indivíduos estiverem
esclarecidos acerca das informações mistificadas pelo Estado, após o regime de exceção. O
direito à verdade é, sobretudo, a obrigação estatal em propiciar condições materiais mínimas
que permitam aos seus cidadãos formar suas opiniões e interagir no contexto em que estejam
inseridas, pois “se o fluxo de informações estiver comprometido, ou pela mentira
propositadamente plantada ou pelo descaso na apuração da verdade, os indivíduos terão sua
participação ativa impossibilitada pelo Estado.” 124
Sampaio e Almeida enfatizam que a diversas nações emergentes do sistema ditatorial
que se propuseram livremente a efetuar uma discussão em relação às atrocidades praticadas
obtiveram resultados positivos no diálogo estabelecido com seus cidadãos e na execução das
medidas de reparação. Desse modo,
toda democracia que se alicerça na incerteza sobre os compromissos e projetos que a
ela deram as fundações conviverá sempre com o fantasma do passado a assombrarlhe a existência. Será sempre um regime frágil e imaturo, porque duvidará da sua
própria dignidade e correção ou estará sempre refém do sobressalto de algo
inesperado que revele o engodo de seus laços. A conciliação não se torna definitiva,
se há feridas não saradas e conflitos não resolvidos. 125
Sampaio e Almeida, ainda, prescrevem que a conveniência do esquecimento não
detém compromisso com a abertura democrática, pois o autoritarismo, ainda que de forma
camuflada, encontra-se presente no percurso da redemocratização, criando um retrato de
impunidade que comprometerá o processo de pacificação social.126
ZYL, Paul Van. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós-conflito. In: Revista Anistia
Política e Justiça de Transição, Brasília, n.1, jan.-jun., p.32-55, 2009. p.35.
123 BARBOSA, Marco Antônio Rodrigues. Direito à memória e à verdade. In: Revista Direitos Humanos,
Brasília, n. 1, p.26-33, dez., 2008.p. 31.
124 SAMPAIO, José Adércio Leite; ALMEIDA, Alex Luciano Valadares de. Verdade e história: por um direito
fundamental à verdade. In: Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático
brasileiro, Belo Horizonte, p.249-267, 2009. p.252.
125 Ibid., p.253.
126 Ibid., p.254.
122
49
Barbosa e Vannuchi certificam que o Estado não possui a prerrogativa de dissimular a
verdade dos fatos. A inviabilidade de acesso aos arquivos de interesse da coletividade
configura manifesta violação a direitos fundamentais, cerceando o próprio dever de
publicidade e transparência estatal inerente ao exercício da cidadania. Em suma, os autores
anotam que “a reconstituição da memória, fundada na verdade, é, consequentemente, um
passo histórico necessário e imprescindível à consolidação democrática.” 127
Nesse contexto, Sampaio e Almeida salientam que “os sistemas constitucionais de
proteção dos direitos lhes garantem a transparência dos poderes constituídos, o que abarca o
direito de receberem informações verdadeiras do Estado.” 128 Ademais, reiteram que
o direito à informação, ou liberdade informacional (Informationelle
Selbstbestimmung), tem como premissa o fato de que o poder público não detém
informação em seu próprio interesse, mas o faz em benefício de todos os
membros da coletividade. Em um Estado republicano e democrático o acesso à
informação manipulada pelo Poder Público é, portando, regra.129 (grifo nosso)
Corroborando deste raciocínio, Barbosa destaca a obrigação estatal em fornecer
informações de interesse público, sob pena de censura, prática que não se coaduna com o
Estado Democrático de Direito:
A negativa de comunicação ou informação, ao revés, em estrita consonância com a
verdade, importa em censura, que, se cometida por funcionários do governo ou por
outras instâncias do Estado, nega o princípio democrático do poder transparente e a
democracia não medra em terreno onde sua existência é condicional. 130
Realçando a primazia da verdade num contexto de consolidação da democracia,
Barbosa avalia que a reconstituição da verdade é um marco histórico para unificação da
memória, pois cidadãos de uma nação doaram suas vidas em prol de um regime político que
negava o império da democracia. A ponderação do autor se manifesta de maneira ampla com
vistas à reflexão do passado para que se conheça o presente e se projete o futuro de um país
que vela pela proteção dos direitos fundamentais e das liberdades públicas. Ademais, notifica:
“somente o conhecimento pleno do que efetivamente ocorreu nos chamados anos de chumbo
BARBOSA, Marco Antônio Rodrigues; PAULO, Vannuchi. Resgate da memória e da verdade: um direito de
todos. In: Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático brasileiro, Belo
Horizonte, p.55-67, 2009. p.59-60.
128 SAMPAIO, José Adércio Leite; ALMEIDA, Alex Luciano Valadares de. Verdade e história: por um direito
fundamental à verdade. In: Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático
brasileiro, Belo Horizonte, p.249-267, 2009. p.254.
129 Ibid., p.263.
130 BARBOSA, Marco Antônio Rodrigues. Direito à memória e à verdade. In: Revista Direitos Humanos,
Brasília, n.1, p.26-33, dez., 2008. p.31.
127
50
será capaz de promover a verdadeira reconciliação nacional, que só pode se fundar na
verdade.” 131(grifo nosso)
De outro lado, Sampaio e Almeida mencionam que “os eventos sociais são tão
traumáticos que podem gerar uma grave ruptura interna ou desagregação social, demandando
ambiente próprio para apurar os acontecimentos de forma imparcial.”
132
Nessas
circunstâncias, os autores descrevem a necessidade dos trabalhos desenvolvidos pelas
Comissões de verdade e reconciliação.
Segundo o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, as Comissões da
verdade referem-se “a órgãos oficiais, temporários e de constatação de feitos, que não têm
caráter judicial e se ocupam de investigar abusos contra os direitos humanos ou o direito
humanitário que foram cometidos ao longo de vários anos.”133 Além do mais, as Comissões
da verdade, segundo Paul Van Zyl “estão habilitadas para fazer sugestões em seus relatórios
finais a respeito das medidas legais, administrativas e institucionais que devem ser tomadas
para evitar o ressurgimento dos crimes sistemáticos do passado.” 134
Priscilla Hayner135 ensina que as Comissões da verdade são tipicamente encarregadas
de alguns ou todos os seguintes objetivos: para descobrir, esclarecer e reconhecer
formalmente os abusos do passado, para atender às necessidades das vítimas, "contra a
impunidade" e à antecedência de responsabilização individual; para delinear a
BARBOSA, Marco Antônio Rodrigues. Direito à memória e à verdade. In: Revista Direitos Humanos,
Brasília, n.1, p.26-33, dez., 2008. p.32.
132 SAMPAIO, José Adércio Leite; ALMEIDA, Alex Luciano Valadares de. Verdade e história: por um direito
fundamental à verdade. In: Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático
brasileiro, Belo Horizonte, p.249-267, 2009. p.254.
133 Conselho Econômico e Social das Nações Unidas. Promoção e proteção dos direitos humanos. In: Revista
Anistia Política e Justiça de transição, n.3, p.426-463, jan.-jun., 2010. p.431.Comissão de Direitos
Humanos, 61º período de sessões, Tema 17 do programa provisório, distribuição geral
E/CN.4/2005/102/Add.1.
8
de
fevereiro
de
2005.
Original:
Inglês.
Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={72590C4A-B0ED-4605-A9D8-5247054336A6}>. Acesso em
21 de outubro de 2011.
134 ZYL, Paul Van. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós-conflitos. In: Revista Anistia
Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 1, p.32-55, jan.-jun., 2010. p.37.
135 Sou responsável por esta tradução. Priscilla Hayner é uma co-fundadora do Centro Internacional para
Justiça Transicional e dirige seu trabalho sobre a Serra Leoa, Peru, Gana e uma série de outros países. Uma
especialista em comissões de verdade e iniciativas de justiça transicional em todo o mundo, ela tem
escrito extensamente sobre o tema da busca da verdade oficial em transições políticas. Ela é a autora de
Unspeakable Truths (Routledge, 2001), que explora o trabalho de mais de 20 comissões de verdade em
todo o mundo. Antes de ingressar na ICTJ, ela era uma consultora da Fundação Ford, o Alto Comissariado
da ONU para os Direitos Humanos, e inúmeras outras organizações. Priscilla Hayner antigamente era uma
oficial do programa em direitos humanos internacionais e de segurança para a Fundação Joyce MertzGilmore em Nova York. Ela é formada na Earlham College e na School of International and Public Affairs at
Columbia University. Disponível em:<http://www.idea.int/rrn/individual/p_hayner.cfm>. Acesso em 21
de outubro de 2011.
131
51
responsabilidade institucional e recomendar reformas e promover reconciliação e reduzir os
conflitos ao longo dos anos.136
Brito informa que a designação do termo „Comissões da Verdade‟ teve origem na
América Latina, por meio das comissões realizadas para apuração das atrocidades efetuadas
na Argentina e no Chile inicialmente. Em outros países como, Bolívia, Uruguai e Paraguai
foram instaladas comissões parlamentares de investigação, diferente dos relatórios realizados
por organização não-governamentais no Brasil, Uruguai, Paraguai, Bolívia e Peru.137
Brito esclarece que os efeitos proporcionados pelos relatórios produzidos pelas
Comissões de verdade nem sempre produzirão mudanças de imediato em função do
„equilíbrio do poder‟. Alguns tipos de transição irão optar pela instauração de anistia ou
adotarão julgamentos como resposta às práticas de violação dos direitos humanos. Importante
lembrar que o „equilíbrio do poder‟ não permanecerá intangível, visto que sua reação poderá
direcionar-se em favor daqueles que buscam a justiça ou a favor dos que se protegem de
qualquer responsabilização. Ou até mesmo, a política transicional poderá ser colocada de lado
e, posteriormente, por acordos internacionais ou deslocamento do poder, vir a serem
implementadas novas medidas de reparação.138
A funcionalidade das Comissões de verdade é perfeitamente visível no relatório do
Secretário-Geral do Conselho de Segurança das Nações Unidas:
As Comissões da Verdade podem prestar um auxílio muito valioso às sociedades
pós-conflitos aos constatar fatos relacionados com violações dos direitos humanos
no passado, incentivar a responsabilização, preservar as provas, identificar os
perpetradores e recomendar reparação e reformas institucionais. Também podem
servir de plataforma pública para que as vítimas contem diretamente à nação suas
histórias pessoais e podem facilitar o debate público sobre como chegar a um acordo
com o passado.139
No que diz respeito ao Brasil, este no período autoritário, ao dirigir-se para abertura
democrática, optou pela aplicação do instituto da anistia. Apesar de todas as discussões,
quanto à criação de uma Comissão da verdade, que apurasse a responsabilidade dos atos de
atrocidade praticados pelos agentes estatais, a implementação deste recurso encontra-se em
votação no Congresso Nacional. No dia 19/10/2011, foi aprovado o texto que autoriza a
criação da Comissão da Verdade brasileira, para apuração dos fatos relacionados ao período
Texto fornecido no II Seminário Latino-americano de Justiça de Transição realizado, no Superior
Tribunal de Justiça, nos dias 7 e 8 de julho de 2011. HAYNER, Priscilla. Unspeakable Truth: transitional
justice and the challenge of truth commissions. 2 edition. New York: Routledge, 2011. p.20.
137 BRITO, Alexandra Barahona de. Justiça transicional e a política da memória: uma visão global. In:
Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n.1, p.56-83, jan.-jun., 2009. p.61.
138 Ibid., p.64.
139 Conselho de Segurança das Nações Unidas. O Estado de Direito e a justiça de transição em sociedades em
conflito ou pós-conflito. In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n.1, p.320-351, jan.jun., 2009.p.343.
136
52
de exceção. Existem diversas críticas quanto à elaboração do texto político de sua criação.
Contudo, conforme observa Ruti Teitel, em entrevista concedida à Revista Anistia Política e
Justiça de Transição, “o fato de o Brasil estar hoje debatendo a criação de uma comissão da
verdade ou a possibilidade punir certos delitos do regime é, em si, fantástico, uma vez que
demonstra esse amadurecimento do debate público sobre o tema.” 140
Nesse contexto, os professores Paulo Abrão e Marcelo Torelly acreditam que a
consolidação do direito à verdade, de forma plena, por meio da Comissão da Verdade, seja
possível, pois, a partir da consulta dos arquivos exclusivos dos centros de investigação e
repressão dos comandos militares, será elucidada a maneira como o Estado procedia na
imposição dos atos de arbitrariedade.141
Além disso, o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas ressalta a relevância
do papel da Comissão da Verdade em cenários que foram palcos de violações em massa dos
direitos humanos. Para isso, examine o excerto a seguir:
As sociedades que experimentaram crimes odiosos perpetrados em série ou
sistematicamente podem beneficiar-se particularmente com a criação de uma
comissão da verdade ou de outra comissão de investigação com o objetivo de
estabelecer os fatos relativos a essas violações de maneira a certificar-se da verdade
e impedir o desparecimento das provas.142 (grifo nosso)
O acesso aos arquivos públicos é outra questão polêmica enfrentada pela política
brasileira, a qual produz efeitos reflexos na elucidação do direito à verdade, resguardada pelos
arquivos públicos, a respeito da versão do Estado, quanto aos atos arbitrários praticados
durante o regime de exceção.
Diferentemente da transição democrática argentina, a qual “retirou a classificação de
segurança de todos os documentos e informações relacionados às Forças Armadas no período
entre 1976 e 1983” 143, o acesso aos arquivos públicos brasileiros é regulado pelas Leis nº
8.159/1991 e 11.111/2005, as quais, na visão de Pacheco, “restringem o acesso aos
TEITEL, Ruti. Entrevista. In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n.3, p.27-40,
jan.-jun., 2010. p.37. Disponível em:<http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={72590C4A-B0ED-4605A9D8-5247054336A6}>. Acesso em: 21 de outubro de 2011.
141 ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo. Justiça de Transição no Brasil: a dimensão da reparação. In: Revista
Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n.3, p.108-139, jan.-jun., 2010. p.119. Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={72590C4A-B0ED-4605-A9D8-5247054336A6}>.
Acesso
em: 21 de outubro de 2011.
142 Conselho Econômico e Social das Nações Unidas. Promoção e proteção dos direitos humanos. In: Revista
Anistia Política e Justiça de transição, n.3, p.426-463, jan.-jun., 2010. p.433.Comissão de Direitos
Humanos, 61º período de sessões, Tema 17 do programa provisório, distribuição geral
E/CN.4/2005/102/Add.1.
8
de
fevereiro
de
2005.
Original:
Inglês.
Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={72590C4A-B0ED-4605-A9D8-5247054336A6}>. Acesso em
21 de outubro de 2011.
143 Decreto 04/2010. Retira a classificação de segurança de todos os documentos e informações
relacionados às ações das Forças Armadas no período compreendido entre 1976 e 1983.
140
53
documentos públicos classificados como sigilosos e que têm contribuído para práticas
políticas que levam ao recalque e ao esquecimento.”144 (grifo nosso)
A conjugação desses dois elementos – criação da Comissão da verdade e alteração da
lei de acesso a arquivos públicos – é temática que se encontra em grande debate no cenário
político e que propiciará um novo olhar sob as questões que apresentam-se pendentes pela
ausência de regulamentação desses mecanismos de atuação social.
Por todo o exposto, o direito à elucidação dos atos praticados no período ditatorial é
essencial na construção de uma democracia que se alinhe aos princípios democráticos do
Estado de Direito, mormente, quando as ações arbitrárias praticadas encontram-se protegidas
pelo sigilo da suposta segurança pública. Assim, confira o excerto abaixo transcrito do livrorelatório, Direito à memória e à verdade, elaborado pela Comissão Especial de Mortos e
Desaparecidos Políticos (CEMDP):
Só conhecendo profundamente os porões e as atrocidades daquele lamentável
período de nossa vida republicana, o País saberá construir instrumentos eficazes para
garantir que semelhantes violações dos Direitos Humanos não se repitam nunca
mais.145
2.3
DIREITO À MEMÓRIA
Segundo Marco Antônio Rodrigues Barbosa e Paulo Vannuchi, os atos de
arbitrariedade estatal praticados na América latina possuem como obrigação precípua um
olhar sobre os fatos do passado, como instrumento de promoção e de respeito aos direitos
humanos. 146 Os autores sustentam, de maneira clara, a importância sobre as ações de
preservação da história política brasileira, com a finalidade de se aprimorar os esforços
voltados para a construção de um Estado livre das arbitrariedades. Averigúe-se sua
essencialidade:
O direito à memória com verdade, se desrespeitado, afeta a todos os cidadãos;
influi no cotidiano de suas vidas. A preservação da memória, como registro de fato
ou acontecimento histórico e psicológico, individual e coletivo, exerce função
PACHECO, Mariana Pimentel Fischer. Direito à memória como exigência ética – uma investigação a
partir da hermenêutica filosófica de Hans-Georg Gadamer. In: Revista Anistia Política e Justiça de
Transição, Brasília, n. 1, p.250-271, jan.-jun., 2009. p.265.
145 Brasil. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos
Políticos.
Brasília,
Secretaria
Especial
dos
Direitos
Humanos,
2007.
Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/sedh/biblioteca/livro_direito_memoria_verdade/livro_direito_memoria_verd
ade_sem_a_marca.pdf>. Acesso em 21 de outubro de 2011.
146 SOARES, Inês Virgínia Prado; KISHI, Sandra Akemi Shimada. Memória e verdade: a justiça de transição
no Estado Democrático brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p.55.
144
54
primordial na evolução das relações humanas: trata-se de um ato político que
constitui a base sobre a qual a sociedade pode afirmar, redefinir e transformar os
seus valores e as suas ações. Ao contrário do esquecimento, que, para os gregos,
constitui a mais dolorosa das experiências, a memória individual e a memória
coletiva são os eixos primordiais e os meios de se aplicarem, na prática, os
fundamentos dos direitos humanos. 147 (grifo nosso)
O caso brasileiro é emblemático, pois as atitudes implantadas no período pós-ditadura
alinharam-se no sentido de esquecer os atos no passado praticados. Não se pautou em uma
política de esclarecimento das práticas violentas exercidas pelos órgãos governamentais. Ao
revés, o Estado, principal responsável em instituir ações que o conduzisse a uma prática de
confissão, limitou-se a seguir em frente e não mais tocar naquele conteúdo, em razão das
inúmeras práticas de prisões ilegais, torturas e desparecimento forçado contra os seus
cidadãos, ou até mesmo sob o temor de ter que se submeter à égide totalitária. Entretanto e
infelizmente
[...] a repressão atroz e os crimes produzidos na ditadura foram atos não desejados,
mas necessários, repartindo, assim, a culpa pelo regime autoritário entre os dois
lados combatentes: a repressão e a resistência. O centro do discurso está na ideia de
que esta história não pode ser contada, senão exclusivamente desta maneira: a de
que o regime ditatorial foi uma etapa de paz civil e avanços econômicos onde se
localiza as bases da ordem e da democracia atual. Em virtude disso, em nome da
governabilidade, tenta fixar-se um pacto de silêncio, onde não se deve olhar mais
para o passado, sob pena de abrir-se as suas feridas. Nestes termos, contata-se um
uso político da memória para coincidi-la com a hermenêutica dos dominadores de
então, e isto em verdade, constitui-se em uma não-memória.148
Marco Antônio e Paulo Vannuchi ao discorrerem a respeito da valorização da
memória frisa sua essencialidade, eis que tal elemento constitui-se instrumento de reaquisição
do sentimento de justiça. O resgate da verdadeira memória autoriza o esclarecimento daquilo
que se tornou camuflado na vida da sociedade, de forma que se vivifiquem os fatos e ações do
passado para um caminho de reconciliação.149
Malgrado a Magna Carta de 1988 representar um marco da abertura democrática, ela,
também, significa a perda da memória do país. Consubstanciando tal raciocínio, a lição de
Marco Antonio e Paulo Vannuchi defende que “a estratégia da ditadura é conhecida: produzir
a supressão da memória por meio de pactos de silêncio e de concessões mútuas que
acomodam, precariamente, os sobreviventes do conflito e mantêm intocadas a possibilidade
SOARES, Inês Virgínia Prado; KISHI, Sandra Akemi Shimada. Memória e verdade: a justiça de transição
no Estado Democrático brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p.57-58.
148 ABRÃO, Paulo; GENRO, Tarso. Memória Histórica, Justiça de Transição e Democracia sem Fim. In:
Repressão e Memória Política no Contexto Íbero-Brasileiro: Estudos sobre Brasil Guatemala,
Moçambique, Peru e Portugal, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal:
Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, p. 16-24, 2010. p.19.
149 SOARES, Inês Virgínia Prado; KISHI, Sandra Akemi Shimada. Memória e verdade: a justiça de transição
no Estado Democrático brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p.58.
147
55
de ajuste de contas com o passado e a ignorância dos fatos pretéritos, sobretudo entre os
jovens.”150
A memória é um dos pilares de sustentação do Estado Democrático de Direito, pois, a
partir de sua análise, é possível identificar os valores que vigeram no regime repressivo,
conforme ensina Tarso Genro e Paulo Abrão. O poder da memória possui papel de
transformação das culturas impostas em um cenário de repressão, de autoritarismo.151
Segundo Félix Reátegui Carrillo, “o papel da memória nos processos de transição está
associado à compreensão da cultura como uma dimensão central na constituição de todo
regime político em longo prazo.” 152 A influência da cultura será guiada pela diversidade de
valores em uma determinada sociedade. Assim,
é relevante perceber, não obstante, que em muitos países que experimentam
transições para a democracia a partir de situações de autoritarismo ou de violência,
este último fator – o da trama cultural e o das relações sociais que tal trama
sustenta – é sumamente débil. Isso é certo, sobretudo, em sociedades pluriétnicas e
onde a diversidade é o reflexo, para não dizer o resultado, de uma história
colonial. A constelação de valores e representações coletivas subjacentes ao
funcionamento institucional de uma democracia – e que podem subsistir sintetizadas
na noção de reconhecimento e no valor da igualdade – disputa e resulta
frequentemente superada por outra constelação: idéias organizadas, valores, atitudes,
imagens do mundo que contradizem e solapam os esforços de ordenamento
democrático da sociedade.153
Destarte, a valorização da democracia, orientada pela memória e pelas formas
culturais sobressai, na concepção de Carrillo, a dimensão estritamente institucional, alçando a
cultura como fator preponderante nas transições políticas, pois o exercício democrático da
cidadania, por exemplo, dependerá do processo de colonização e dos valores de formação
daquele Estado.154
Portanto, Carrillo salienta que a memória constitui-se instrumento simbólico de
representação política, apto não apenas à substituição de atores sociais, mas também, à
SOARES, Inês Virgínia Prado; KISHI, Sandra Akemi Shimada. Memória e verdade: a justiça de transição
no Estado Democrático brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p.58.
151 ABRÃO, Paulo; GENRO, Tarso. Memória Histórica, Justiça de Transição e Democracia sem Fim. In:
Repressão e Memória Política no Contexto Íbero-Brasileiro: Estudos sobre Brasil Guatemala,
Moçambique, Peru e Portugal, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal:
Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, p. 16-24, 2010. p.20.
152 CARRILLO, Félix Reátegui. Memória Histórica: o papel da cultura nas transições. In: Revista Anistia
Política e Justiça de transição, Brasília, n.2, p. 32-49, jul.-dez., 2009, p.32. Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={72590C4A-B0ED-4605-A9D8-5247054336A6}>.
Acesso
em: 17 de outubro de 2011.
153 Ibid., p.33.
154 CARRILLO, Félix Reátegui. Memória Histórica: o papel da cultura nas transições. In: Revista Anistia
Política e Justiça de transição, Brasília, n.2, p. 32-49, jul.-dez., 2009, p.32. Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={72590C4A-B0ED-4605-A9D8-5247054336A6}>.
Acesso
em: 17 de outubro de 2011. p.33.
150
56
elaboração de resultados políticos de longo prazo. Assevera, por fim, a cultura como
ferramenta de democratização:
Em uma sociedade em que o exercício dos direitos fundamentais é precário, a
consolidação de uma democracia em longo prazo depende, entre outras coisas, das
representações sociais e da adequação destas a um regime de vida cidadão. Se a
cultura é um dos espaços mais importantes da reprodução social, a mobilização dos
recursos simbólicos que compõem essa cultura sempre gravitará sobre o tipo de
ordem política produzido e reproduzido. 155
Exemplo singular da demonstração das práticas culturais brasileiras é perfeitamente
visível na obra – 68 a geração que queria mudar o mundo: relatos – o poder de
transformação gerado pelas forças sociais no período militar:
Foi a época do Centro Popular da UNE, dos Cadernos do Povo Brasileiro, de filmes
como Cinco Vezes Favela e do, então, inacabado Cabra Marcado para Morrer. A
finalidade era “educar o povão” por meio da arte. No nordeste, Francisco Julião e as
Ligas Camponesas incendiavam com sonhos de liberdade e de reforma agrária os
pequenos camponeses da Zona da Mata. Diferentes experiências com alfabetização
de adultos eram realizadas, desde Com Pés Descalços Também se Aprende a Ler, no
Rio Grande do Norte, passando pelo movimento de Cultura Popular, em
Pernambuco, até o Programa Nacional de Alfabetização de Paulo Freire, em
Pernambuco e Rio de Janeiro.156
Esse mesmo poder de transformação, energizado pelo direito à memória, é capaz de
orientar e implantar as ações do Estado na solidificação da democracia, sobretudo, da garantia
de respeito às liberdades públicas e aos direitos fundamentais.
Nesse sentido, o trabalho da memória nas sociedades pós-autoritárias é fundamental
não apenas para rememorar o trabalho daqueles que lutaram pela instituição do Estado de
Direito, mas também, em função da necessidade inerente da própria sociedade, de por meio
deste exercício, iniciar a criação de sua própria identidade.157
Nesse particular, Tarso Genro e Paulo Abrão nos ensinam que o exercício efetivo da
democracia por meio da participação popular ainda é ferramenta primordial para diferenciar
as verdadeiras leituras construídas em nossa história.158
CARRILLO, Félix Reátegui. Memória Histórica: o papel da cultura nas transições. In: Revista Anistia
Política e Justiça de transição, Brasília, n.2, p. 32-49, jul.-dez., 2009, p.32. Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={72590C4A-B0ED-4605-A9D8-5247054336A6}>. Acesso
em: 17 de outubro de 2011. p.35.
156 COIMBRA, Cecília; QUEIROZ, Leoncio de; JAPA, Mario; OSAVA, Chizuo; MAESTRI, Mario. Panorama
histórico. In: 68 a geração que queria mudar o mundo: relatos, Brasília, p. 38-63, 2011. p. 41.
157 ABRÃO, Paulo; GENRO, Tarso. Memória Histórica, Justiça de Transição e Democracia sem Fim. In:
Repressão e Memória Política no Contexto Íbero-Brasileiro: Estudos sobre Brasil Guatemala,
Moçambique, Peru e Portugal, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal:
Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, p. 16-24, 2010. p.21.
158 ABRÃO, Paulo; GENRO, Tarso. Memória Histórica, Justiça de Transição e Democracia sem Fim. In:
Repressão e Memória Política no Contexto Íbero-Brasileiro: Estudos sobre Brasil Guatemala,
Moçambique, Peru e Portugal, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal:
Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, p. 16-24, 2010.
155
57
Daí surgem as transformações permeadas pela instituição do Estado ao longo de sua
história. As influências externas. Os anseios, os valores, a cultura, todos são elementos que
determinam a formação da história do Estado Brasileiro. Dessa estreita relação, os professores
nos ensinam que “a história é um dos elementos de legitimação constitucional” e que “deve-se
convencer de que na interpretação do passado joga-se o futuro dos Estados democráticos.” 159
Na apresentação da 2ª edição da Revista Anistia Política e Justiça de Transição é
desenvolvida uma perspectiva salutar a despeito dos 30 anos após o regime de exceção:
A retrospectiva desses 30 anos nos faz ver como a democracia tornou o Brasil um
país melhor, e como os conceitos mudam com o tempo. Se na década de 1970 falar
em democracia era causa suficiente para ir à prisão, hoje falar contra a democracia
soa, no mínimo, anacrônico. [...] Olhar esses 30 anos em retrospectiva, por uma
perspectiva otimista, mostra-nos quanto se avançou: hoje temos eleições regulares,
os poderes funcionam de forma independente e as crises políticas são resolvidas
institucionalmente.160
O direito à memória, entendido como princípio da memória ou princípio da nãorepetição, segundo Rodrigo Ferraz de Castro Remígio, “não se trata de fomentar nas pessoas
um sentimento de estarrecimento, muito menos proporcionar imagens mentais de tortura. Ao
contrário, o direito à memória é entendido como obrigação do Estado de criar espaços
públicos, rendendo homenagens a quem efetivamente deva ser lembrado.” 161
Marco Antônio Rodrigues Barbosa e Paulo Vannuchi concluem da seguinte maneira:
Nem os algozes nem as vítimas da trágica história vivida pelo Brasil no período
ditatorial têm o direito de ocultar os fatos, entorpecendo a memória. A proibição de
restaurar a memória, com verdade, consiste em retrocesso social e configura conduta
ilícita do agente público que assim proceder. Trata-se – a proibição – de negação dos
acontecimentos históricos e de arbitrariedade, por trás da qual se escondem a
mediocridade e os obstáculos para vencer a força idéias. 162
Compartilhando desse mesmo pensar, clara é a necessidade de valorização da memória
e de resguardar os muros construídos:
Por essa razão, se costuma falar de uma batalha pela memória como um processo
contencioso que se desenvolve durante e depois da elaboração de uma narrativa da
verdade. Uma vez existente o texto, a tarefa mais árdua é conquistar para ele certa
ABRÃO, Paulo; GENRO, Tarso. Memória Histórica, Justiça de Transição e Democracia sem Fim. In:
Repressão e Memória Política no Contexto Íbero-Brasileiro: Estudos sobre Brasil Guatemala,
Moçambique, Peru e Portugal, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal:
Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, p. 16-24, 2010. p. 22.
160 ABRÃO, Paulo; GENRO, Tarso; BELLATO, Sueli Aparecida. Apresentação. In: Revista Anistia Política e
Justiça de Transição, Brasília, n. 2, p.8-15, jul.-dez., 2009. p 9. Disponível em:
<http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={72590C4A-B0ED-4605-A9D8-5247054336A6}>. Acesso em: 15
de outubro de 2011.
161 REMÍGIO, Rodrigo Ferraz de Castro. Democracia e Anistia Política: Rompendo com a cultura do silêncio,
possibilitando uma justiça de transição. In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n.1,
jan. –jun., p.178 – 201, 2009. p. 178.
162 BARBOSA, Marco Antônio Rodrigues; VANNUCHI, Paulo. Resgate da memória e da verdade: um direito
de todos. In: Memória e verdade: a justiça de transição no estado Democrático brasileiro, Belo
Horizonte, p.55-67, 2009. p.58-59.
159
58
eficácia social, isto é, convertê-lo em memória: representação social compartilhada
que não é somente um conjunto de conteúdos – de enunciados com pretensões de
verdade sobre o passado violento ou repressivo –, senão também, e
fundamentalmente, uma fonte de crítica e deslegitimação de certas práticas
sociais precedentes – certo tipo de relações entre Estado e sociedade; certa forma de
encarar a luta política; certos hábitos e retóricas que determinam a relação entre as
diversas classes sociais e os conglomerados étnicos da nação – e, naturalmente, uma
demanda de transformação de tais políticas.163
Paulo Endo expressa, de maneira contundente, que, mesmo tendo nascido em período
de repressão, “o futuro é incerto e gera temor.” O que demonstra veemente a necessidade de
reavivar as memórias, relatos e fatos desse período, não apenas em documentos, mas,
inclusive, por meio de depoimentos vivos como exemplo de expressão da cidadania e da
participação popular.164
Por todo o exposto, Antônio Leal de Oliveira ressalta a finalidade da primazia da
memória, uma vez que as dívidas herdadas do período de exceção se multiplicam em razão da
sua presencial ínsita no Estado Democrático de Direito Brasileiro. Aqui, o direito à memória
encontra o seu maior foco: “a construção de um conceito de história (da história da realidade
sociopolítica brasileira) que dê conta da realidade dos oprimidos, que acabam vivenciando um
verdadeiro „estado de exceção‟, um „estado de exceção‟ que é a regra nas periferias, nos
morros, nas cadeias.” 165
2.4
DIREITO À JUSTIÇA
Esta subseção representa em larga medida a importância do desenvolvimento desta
pesquisa, pois, analisando as medidas adotadas pelos países da América Latina e os tratados
internacionais de direitos humanos do qual o Brasil é signatário, é claramente visível a
inobservância da Suprema Corte Brasileira aos tratados internacionais e de direitos humanos.
CARRILLO, Félix Reátegui. Memória Histórica: o papel da cultura nas transições. In: Revista Anistia
Política e Justiça de transição, Brasília, n.2, p. 32-49, jul. – dez., 2009, p.32. Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={72590C4A-B0ED-4605-A9D8-5247054336A6}>.
Acesso
em: 18 de outubro de 2011.
164 ENDO, Paulo. A dor dos recomeços: luta pelo reconhecimento e pelo devir histórico no Brasil . In: Revista
Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 2, jul. – dez., p.50 – 63, 2009. p. 51. Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={72590C4A-B0ED-4605-A9D8-5247054336A6}>.
Acesso
em: 18 de outubro de 2011.
165 OLIVEIRA, Antônio Leal de. O perdão e a reconciliação com o passado em Hannah Arendt e Jacques
Derrida. In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 1, p.203-227, jan. – jul., 2009.
p.208-209.
163
59
Ainda, que, inicialmente, convém consignar que esta pesquisa não possui qualquer
manifestação de natureza ideológica, mas, tão somente busca avaliar os mecanismos de
transição democrática brasileira adotados para a consolidação de um Estado de direito, ante a
decisão prolatada pela Suprema Corte Brasileira, vez que não somente no plano internacional,
mas também no interno, o Brasil assumiu o compromisso de proteção dos direitos
fundamentais humanos, segundo o artigo 5º, §§ 1º e 2º da Constituição Federal.
Inúmeros países latino-americanos na execução dos instrumentos da justiça
transicional fizeram uso do julgamento dos agentes estatais que praticaram crimes de lesahumanidade, ressaltando que tal medida é importante para o combate da impunidade e
também para demonstrar que o próprio Estado de Direito se submete ao ordenamento jurídico
do qual faz parte.
Insta lembrar que o julgamento dos agentes estatais que praticaram crimes de tortura e
desaparecimento forçado no período de exceção não constitui uma forma de revanchismo ou
uma maneira de retribuição pelos atos praticados, mas, sim, uma maneira de se contrapor à
impunidade, a qual é característica reticente na sociedade brasileira.
A ideia da promoção da responsabilização dos perpetradores políticos é combater o
senso de impunidade característico da sociedade brasileira. Brito destaca que “a justiça é vista
como uma arma contra o esquecimento, que pode combater a „amnésia social‟, a negação, o
encobrimento, e várias formas perniciosas de revisionismo que negam ou justificam as
atrocidades do passado.”166
Paul Van Zyl assevera que “os julgamentos não devem ser vistos como um anseio
social de retribuição, dado que também desempenham uma função vital quando reafirmam
publicamente normas e valores essenciais cuja violação implica em sanções.”
167
O autor
considera que a adoção de julgamentos das práticas autoritárias é um mecanismo de restaurar
ação da confiança entre o cidadão e o Estado, uma vez que este possui o dever de proteger os
seus cidadãos e não infringir os direitos fundamentais da pessoa humana.
Nesse sentido, Pistori e Moreira da Silva Filho apud Katryn Sikkink e Carrie Booth
Walling destaca os resultados produzidos nos países em que houve a responsabilização dos
perpetradores políticos:
Mediante coleta e análise de dados relacionados aos países latino-americanos, ambas
constataram que, nos países onde ocorreram julgamentos por violações de direitos
humanos cometidas por agentes públicos que atuavam no período autoritário, o
BRITO, Alexandra Barahona de. Justiça transicional e a política da memória: uma visão globral. IN:
Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n.1, p.56-83, jan.-jun., 2009. p.77.
167 ZYL, Paul Van. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós-conflitos. In: Revista Anistia
Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 1, p. 32-55, jan.-jun., 2009. p.35.
166
60
índice de respeito aos direitos humanos é sensivelmente maior do que nos países
onde tais julgamentos não ocorreram. 168 (grifo nosso).
Sendo assim, Pistori e Moreira da Silva Filho afirmam que “no Brasil, o
reconhecimento da barbárie que a tortura representa continua ainda pendente. Não houve o
necessário reconhecimento da perda, da dor e da violência ocorrida nos anos de
chumbo.”169(grifo nosso)
Portanto, a possibilidade de julgamento dos algozes que cometeram crimes de lesahumanidade, considerados imprescritíveis, torna-se premente no sentido de que a
responsabilização estatal pelos atos de violação de direitos humanos deve ser apurada. A
morosidade do Judiciário brasileiro e sua omissão não podem ser justificativas para a escusa
estatal frente ao dever legal de investigação e de promoção da justiça.170
Marcelo Torelly observa, claramente, que “o fato das violações de direitos humanos
cometidas em nome do Estado durante o regime militar jamais terem sido apuradas e, ainda,
ter-se buscado impor esquecimento daqueles fatos, certamente guarda relação com esta
conjuntura” 171 – leia-se baixa credibilidade nos órgãos governamentais e elevado nível de
violência.
Assim, é importante reforçar que a adoção da justiça como estratégia no processo de
abertura democrática não é uma retribuição da violação proporcionada pelo Estado. Ao revés,
a opção por essa medida possui como escopo o combate ao esquecimento pela omissão do
Estado em apurar a responsabilidade dos agentes estatais. Por isso, confira-se:
Nesse sentido, aceitar as regras do Estado de Direito não é apenas se colocar em
oposição à ilegalidade e à violência ditatorial, mas também fazer algo a mais; pois o
grande temor para a justiça e a memória é que o crime caia no esquecimento, que a
passagem do tempo, tal como um solvente natural, liberte o perpetrador e
enfraqueça a justiça. O julgamento seria assim um espaço que resiste a esse temor.
Julgamentos contra os perpetradores podem servir como um alerta. Os
julgamentos determinam como a sociedade tornar-se-á a partir daquele fato, pois
podem contribuir para a construção da memória coletiva de uma comunidade e para
fomentar a identidade política logo após um trauma ou um rompimento das
estruturas.172
PISTORI, Edson Claudio; MOREIRA DA SILVA FILHO, José Carlos. Memorial da anistia política do Brasil.
In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 1, p.114-133, jan.-jun., 2009. p.122.
169 Ibid., p.122.
170 Ibid., p.130.
171 TORELLY, Marcelo D. Justiça transicional, memória social e senso comum democrático: notas conceituais
e contextualização do caso brasileiro. In: Repressão e Memória Política no contexto ibero-brasileiro:
estudos sobre Brasil, Guatemala, Moçambique, Peru e Portugal, Brasília: Ministério da Justiça,
Comissão de Anistia; Portugal: Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, p.104-123, 2010.
p.113.
172 SOARES, Inês Virgínia Prado; BASTOS, Lucia Elena Arantes Ferreira. Direito à verdade na Corte
Interamericana de direitos humanos: as perspectivas no julgamento do Brasil (caso Araguaia). In: Revista
Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 3, p. 288-307, jan.-jun., 2010. p.299-300.
168
61
De outro lado, o Conselho de Segurança das Nações Unidas considera o sistema penal
como uma alternativa relevante, hábil a descrever uma história oficial a respeito das
atrocidades praticadas, além de ser uma via de responsabilização dos agentes estatais e de
promoção da justiça. Além disso, pode ser um meio de fortalecer a credibilidade das
instituições democráticas, uma vez que o próprio Estado estará se submetendo ao crivo da
lei.173
Os julgamentos dos violadores de direitos humanos atingiram tamanha acuidade na
América-Latina que, atualmente, a região serve de paradigma para as demais regiões do
mundo. Veja:
A América Latina possui uma notável história de julgamentos por violações dos
direitos humanos. O “julgamento do século” pelo governo democrático da Argentina
condenou e encarcerou integrantes da antiga junta militar por violações dos direitos
humanos. O ex-ditador chileno Augusto Pinochet morreu em prisão domiciliar
aguardando julgamento por abusos contra os direitos humanos. Em 1995, a Bolívia
conseguiu extraditar do Brasil e, em seguida, julgar, condenar e sentenciar a 30 anos
o ex-ditador Luis García Meza. Em 2009, os tribunais peruanos condenaram o expresidente Alberto Fujimori a 25 anos de prisão por abuso dos direitos humanos. A
promotoria pública pediu pena de 45 anos de prisão para o ex-presidente uruguaio
Juan María Bordaberry pela sua conexão com mortes durante a Operação Condor.
Esses casos, agora conhecido de todos, criaram uma imagem da região como
precursora e líder dos processos judiciais bem sucedidos na área dos direitos
humanos.174
Nesse particular, Ruti Teitel destaca que o uso dos julgamentos pela justiça
transicional não visão tão somente a punição, mas sim, a mudança do futuro político da nação,
valorizando, acima de qualquer circunstância, a supremacia da democracia. Assegura,
também, que a justiça transicional brasileira afigura-se de maneira especial, pois, ainda que
não adote o julgamento dos perseguidores políticos, estabelece um conjunto de medidas que
busquem a construção da memória e a elucidação da verdade, a fim de que o Estado
democrático de direito seja consolidado livre do ranço autoritário da ditadura.175
Ademais, Moreira da Silva Filho apud Kathryn Sikkink e Carrie Booth Walling afirma
que “em nenhum dos países nos quais ocorreram julgamentos por violações de direitos
humanos houve um retrocesso democrático.” Assim, o autor certifica que a adoção de
julgamentos por transgressões dos direitos humanos é instrumento hábil ao fortalecimento da
Conselho de Segurança das Nações Unidas. O Estado de Direito e a justiça de transição em sociedades em
conflito ou pós-conflito. In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n.1, p.320-351, jan.jun., 2009.p.338.
174 OLSEN, Tricia D. ; PAYNE, Leigh A. ; REITER, Andrew G. Equilibrando julgamentos e anistias na América
Latina: perspectivas comparativa e teórica. In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília,
n.2,
p.152-175,
jul.-dez.,
2009.
p.152-153.
Disponível
em:
<http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={72590C4A-B0ED-4605-A9D8-5247054336A6}>. Acesso em: 21
de outubro de 2011.
175 TEITEL, Ruti. Entrevista. In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição, n. 3, p.28-39, jan.-jun.,
2010. p.33.
173
62
cultura de respeito aos direitos humanos, vez que a omissão do Estado incentiva a nãoobservação dos agentes e órgãos governamentais aos preceitos de respeito aos direitos
fundamentais.176
Tavares e Agra apontam as dificuldades de promoção dos julgamentos, quando é
perfeitamente possível verificar que não houve uma ruptura do sistema democrático da Magna
Carta de 1988 com o regime ditatorial entre 1964 e 1985:
A concretização da justiça reparadora não é tarefa simplória porque presume o dever
de punir todas as pessoas que tiveram participação em atos atentatórios à dignidade
da pessoa humana, e dentre essas pessoas figuram personalidades que ocuparam
cargos importantes no governo arbitrário. Essa tarefa se mostra muito mais difícil
quando não existe uma ruptura governamental, ou seja, quando o poder
político não sofre uma translação em seus detentores.177 (grifo nosso)
Segundo Tavares e Agra enfatizam que, não obstante as dificuldades impostas para
realização dos julgamentos, utilizar-se desta medida não significa na criação de um tribunal
de exceção, pois caracterizaria um retrocesso do Estado de direito. Porém, os julgamentos
constituem em um modo de superar o aspecto “democrático” imposto naquele período e
repugnar as formas de controle manifestadas no regime de exceção, primando pela
valorização e consolidação da democracia.178
Nesse norte, Tavares e Agra com extrema ousadia afirmam que “não pode existir um
Estado de Direito completo se a impunidade dos crimes praticados envolvendo os direitos
mais fundamentais configura-se como regra, no qual a exceção, infelizmente, é a garantia dos
direitos fundamentais.” 179 Com base nos autores, pode-se afirmar que enquanto não houver
um reconhecimento oficial pelo Estado, a respeito das violações de direitos humanos
praticadas no regime de exceção, a democracia, como elemento primordial da sociedade,
restará inviável à solidificação do Estado democrático de Direito, ao qual a República
Federativa do Brasil comprometeu-se em sua inauguração.180
Quando esta pesquisa inclinou seu objeto de investigação para a institucionalização da
impunidade, por meio da análise do controle concentrado de constitucionalidade da ADPF
153, foi no sentido de que a responsabilização dos perpetradores políticos tornou-se
MOREIRA DA SILVA FILHO, José Carlos. Dever de memória e a construção da história viva: a atuação da
Comissão de Anistia do Brasil na concretização do direito à memória e à verdade. In: Repressão e Memória
Política no contexto ibero-brasileiro: estudos sobre Brasil, Guatemala, Moçambique, Peru e
Portugal, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal: Universidade de Coimbra, Centro
de Estudos Sociais, p.186-227, 2010. p.205-207.
177 TAVARES, André Ramos; AGRA, Walber de Moura. Justiça reparadora no Brasil. In: Memória e
verdade: a justiça de transição no estado Democrático brasileiro, Belo Horizonte, p.69-91, 2009. p.72.
178 Ibid., p.72.
179 Ibid., p.73.
180 TAVARES, André Ramos; AGRA, Walber de Moura. Justiça reparadora no Brasil. In: Memória e
verdade: a justiça de transição no estado Democrático brasileiro, Belo Horizonte, p.69-91, 2009. p.89.
176
63
sensivelmente hermética, estanque no cenário brasileiro, inviabilizando, assim, o julgamento
de seus algozes.
Em síntese, o julgamento da ADPF nº 153 conforme à Constituição estabeleceu o
sentido da interpretação do §1º do artigo 1º da Lei 6.683/79, fixando que o alcance da anistia
abrangeria tanto os perseguidos como aos perseguidores políticos, tornando, assim,
inexeqüível a responsabilização dos agentes estatais, ressaltando, inclusive, de maneira
majoritária, que o normativo legal em discussão foi fruto de um acordo político que resultou
em uma lei de autoanistia.
A interpretação da Lei de Anistia foi efetuada invocando-se diferentes métodos de
interpretação. Todavia, a fim de contextualizar os limites em que o intérprete encontra-se
inserido, o trecho abaixo retrata com clareza a liberdade de interpretação dos dispositivos
legais:
Mas o que fica claro é que sempre existiu uma gama de diretrizes interpretativas que
possibilitariam ao intérprete confrontar a Lei de Anistia brasileira, seja em face da
Constituição Federal (controle de constitucionalidade), seja à luz da Convenção dos
Direitos Humanos (controle de convencionalidade), ou até mesmo pelo critério
cronológico de resolução de antinomias de leis de mesma hierarquia. Em todo caso,
há uma tremenda margem de liberdade ao intérprete, cujos limites são sua
consciência e vontade jurídica, que, no entanto, é restringida pela opacidade
gerada por força da “normalização” e repressão. 181 (grifo nosso)
Nessa ótica, Tavares e Agra afirmam que “a dedução que pode ser formulada é que,
historicamente, há uma impunidade na prática de tais atos, servindo de estímulo para que
condutas iguais possam ser repetidas no futuro.” 182
Portanto, aquiescendo do entendimento de Rui Aurélio de Lacerda Bardaró, se conclui
que
[...] os direitos à verdade e à justiça constituem pilares democráticos da igualdade
dos cidadãos, exigindo-se que não haja tratamento diferenciado para aqueles que
cometeram crimes de lesa-humanidade e, também, as vítimas devem ter seus direitos
protegidos e suas reparações efetivadas. Frise-se que verdade e justiça são medidas
imprescindíveis para a garantia de que, nos dias atuais e no futuro, a impunidade e
as desculpas frente a atrocidades não sirvam de base para exercícios abusivos de
poder por parte das forças de segurança. 183 (grifo nosso)
Nesse passo, insta a análise das ações decorrentes dos tratados internacionais de
direitos humanos firmados pelo Brasil e as repercussões decorrentes deste descumprimento de
norma cogente no plano internacional.
SANTOS, Roberto Lima; FILHO, Vladimir Brega. Os reflexos da “judicialização” da repressão política no
Brasil no seu engajamento com os postulados da justiça de transição. In: Revista Anistia Política e Justiça
de Transição, Brasília, n.1, p.152-177, jan.-jun., 2009. p.172.
182 TAVARES, André Ramos; AGRA, Walber de Moura. Justiça reparadora no Brasil. In: Memória e
verdade: a justiça de transição no estado Democrático brasileiro, Belo Horizonte, p.69-91, 2009. p.89.
183 DE LACERDA BARDARÓ, Rui Aurélio. Crimes contra a humanidade nas Américas: uma dívida pendente
de reparação. In: Revista Jurídica Consulex, Brasília, ano XIV, nº 322, 15 de junho de 2010.p.42.
181
64
3.
CONFLITO DE INTERPRETAÇÕES NA APLICAÇÃO DA JUSTIÇA NO
CASO BRASILEIRO
Após as considerações acima delineadas, o foco central da pesquisa torna-se cada vez
mais restrito o seu conteúdo e de maior profundidade a sua análise.
Nesse contexto dos conflitos de interpretações relativo à aplicação da justiça, Abrão e
Torelly narram que “o principal obstáculo à consecução da regularização das funções da
justiça pós-autoritarismo é produto da persistência histórica de uma interpretação dada pela
própria ditadura à Lei de Anistia de 1979, pretensamente vista como uma “anistia bilateral,
que camufla uma autoanistia (...)” 184
Não obstante, Santos e Filho enfatizam que
Analisando-se a atuação do Poder Judiciário no Brasil durante e após o período de
ditadura militar, verifica-se no primeiro momento um maior ativismo judicial em
virtude da necessidade de se apostar nas lacunas e brechas da lei a fim de driblar a
185
arbitrariedade e o autoritarismo do sistema político-jurídico de então.
Por outro lado, destacam Santos e Filho que com a promulgação da Carta de 1988, no
que dizia respeito à violação dos direitos humanos, o Judiciário mostrou-se tímido e,
contraditoriamente à maneira que vinha atuando no período ditatorial, seu desempenho na
defesa dos direitos fundamentais contraiu.186
No entanto, faz-se imprescindível registrar que a ambigüidade da Lei de Anistia de
1979 para compreender a tortura efetuada pelos agentes estatais não foi pleiteado pela
sociedade brasileira, uma vez que a prática da tortura não foi reconhecida como de fato pelos
órgãos governamentais.187
A partir desses conflitos de interpretação e do desenvolvimento de políticas na
América-latina que passaram a reconhecer a possibilidade de julgamento dos perseguidores
políticos, instaurou-se um conflito de interpretação das leis nos países emergentes do regime
de exceção, principalmente, naqueles que haviam promulgado leis de anistia à época, pois
diversas dessas nações como Argentina, Peru e Uruguai destituíram de qualquer eficácia as
leis que impediam o julgamento dos algozes políticos e numa súbita orientação jurídica,
ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo D. Justiça de transição no Brasil: a dimensão da reparação. In: revista
Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n.3, p.108-139, jan.-jun., 2010. p.117.
185 SANTOS, Roberto Lima; FILHO, Vladimir Brega. Os reflexos da “judicialização” da repressão política no
Brasil no seu engajamento com os postulados da justiça de transição. In: Revista Anistia Política e Justiça
de Transição, Brasília, n.2, p.152-177, jul.-dez., 2009. p.172.
186 Ibid.,p.174.
187 ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo D. Justiça de transição no Brasil: a dimensão da reparação. In: revista
Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n.3, p.108-139, jan.-jun., 2010. p.113.
184
65
submeteram-se às diretrizes da Corte Internacional dos Direitos Humanos para a
responsabilização daqueles que praticaram crimes de lesa-humanidade no período de ditadura.
Assim, como bem esclarecido pela professora Leigh Payne et. al “a Suprema Corte
Brasileira, por sete votos a dois, decidiu, em 29 de abril de 2010, declarar válida a anistia para
todos os crimes cometidos por agentes de Estado no Brasil durante a Ditadura”188, ao realizar
interpretação conforme à Constituição em controle de constitucionalidade concentrado na
análise da ADPF nº 153.
Essa decisão propiciou a condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos da Organização dos Estados Americanos, em dezembro de 2010, ao apreciar o
ajuizamento do caso da Guerrilha do Araguaia perante a respectiva Corte. Na análise da ação,
a sentença prolatada pela Corte entendeu que
a lei de 1979 configura-se como uma autoanistia para os agentes do regime e,
mais ainda, funciona como mecanismo de impunidade frente a graves violações
de direitos humanos não passíveis de anistia segundo a Convenção de San José da
Costa Rica. Em seu acórdão, a Corte não apenas considerou ilegal e nula de
qualquer efeito a Lei de Anistia para o caso em análise – Guerrilha do Araguaia –
como estabeleceu que a mesma lei não poderia obliterar a investigação e o
processamento de qualquer outro crime de Estado.189 (grifo nosso)
Por derradeiro, Leigh Payne et. al observa que em um contexto em que diversas
nações no mundo tem se utilizado dos mecanismos de transição democrática, submetendo-se
inclusive a Tribunais Internacionais e pautando seus interesses pela eficácia da norma global
de responsabilização individual,190 o Brasil, diante da decisão recentemente prolatada pelo
STF, encontra-se, paradoxalmente, apontando suas decisões internas para um horizonte
diverso daquele anteriormente posicionado pela República Federativa do Brasil, ao se
posicionar como nação protetora dos direitos humanos e signatária do Pacto de San José da
Costa Rica.
Assim, este capítulo passa a observar as nuances dos conflitos de interpretação da lei
de anistia do caso brasileiro e os demais posicionamentos destacados no ambiente
internacional de defesa dos direitos humanos.
PAYNE, Leigh A.; ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo D. A Anistia na Era da Responsabilização: contexto
global, comparativo e introdução ao caso brasileiro. In: A Anistia na Era da Responsabilização: o Brasil
em perspectiva Internacional e Comparada, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Oxford:
Oxford
University,
Latin
American
Centre,
p.18-31,
2011.
p.23.
Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD59503A9ITEMID8F4D8A167F8D4E20ACEF9F0981BA8B55
PTBRNN.htm>. Acesso em 24 de outubro de 2011.
189 Ibid., p.23.
190 Ibid., p.22.
188
66
3.1
ADPF Nº153. ALCANCE DA LEI DE ANISTIA
O julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental nº 153 tinha
por objetivo efetuar uma interpretação conforme à Constituição do § 1º do artigo 1º da Lei
6.683/1979, uma vez que a referida norma era considerada e ainda continua sendo como
impeditiva à responsabilização dos agentes estatais pelas atrocidades praticadas durante o
período de 1964 a 1985 no Brasil.
O interessante nessa perspectiva é que, conforme salienta a professora Leigh Payne et.
al, o STF ao meditar sobre o alcance da lei de anistia
construiu um saída política para a não aplicação de princípios jurídicos previstos na
Constituição e no Direito Internacional, sustentando um modelo de responsabilidade
abstrata e impessoal do Estado, como a tida nos crimes de guerra anteriores às
Convenções de Haia.191(grifo nosso).
Todavia, olvidou-se das obrigações as quais o Estado de Direito por sua própria
natureza reclama, pois, segundo Leigh Payne et. al, acima de qualquer relação de
confiabilidade estabelecida entre o seu cidadão e o Estado do qual se faz parte, este, Estado,
possui uma obrigação moral para com seus cidadãos que foram violados em suas liberdades e
garantias fundamentais, as quais constituem o pilar do Estado compromissado como de
Direito.192
Nesse sentido, o relatório do Secretário-Geral do Conselho de Segurança das Nações
Unidas retrata com clareza as funções do Estado de Direito:
O “Estado de Direito” é um conceito que está no centro da missão da Organização.
Refere-se a um princípio de governança segundo o qual todas as pessoas,
instituições e entidades, públicas e privadas, incluindo o próprio Estado, estão
submetidas às leis que se promulgam publicamente, sendo igualmente impostas e
independentemente aplicadas, e que são compatíveis com as normas e princípios
internacionais de direitos humanos. Isso também requer medidas para assegurar o
respeito aos princípios de supremacia da lei, igualdade diante da lei,
responsabilidade para com a lei, equidade na aplicação da lei, separação de poderes,
participação na tomada de decisões, legalidade, não arbitrariedade, transparência
legal e processual.193
PAYNE, Leigh A.; ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo D. A Anistia na Era da Responsabilização: contexto
global, comparativo e introdução ao caso brasileiro. In: A Anistia na Era da Responsabilização: o Brasil
em perspectiva Internacional e Comparada, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Oxford:
Oxford
University,
Latin
American
Centre,
p.18-31,
2011.
p.29.
Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD59503A9ITEMID8F4D8A167F8D4E20ACEF9F0981BA8B55
PTBRNN.htm>. Acesso em 24 de outubro de 2011.
192 Ibid., p.25.
193 CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS. O Estado de Direito e a justiça de transição em
sociedades em conflito ou pós-conflito. In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 1, p.
320-351, jan.-jun., 2009. p.324.
191
67
O professor Paulo Abrão, em Seminário Internacional sobre Justiça Internacional
Penal realizado no dia 13 de abril de 2010,194 véspera do julgamento da ADPF nº 153, tratou a
respeito do alcance da lei de anistia. Nesta oportunidade, destacou que não é possível o
reconhecimento da anistia aos crimes de tortura praticados durante o regime de exceção
brasileiro, por uma simples compreensão do texto da Lei 6.683/79 e, principalmente, pelo fato
do Estado não ter reconhecido, em momento algum, a prática de tal ilicitude. Acrescentou,
ainda, que não há cabimento em considerar o crime de tortura como um delito conexo ao
crime político, pois seria ilógico ou irracional fundamentar tal inferência perante bens
jurídicos distintos os quais a lei pretende proteger.
O sentido da anistia propugnada pelo governo ditatorial prevaleceu durante muito
tempo como um perdão concedido tanto aos perseguidos assim como aos perseguidores
políticos. Assim, é imprescindível explanar que o verdadeiro significado da anistia consiste
“na possibilidade de um perdão concedido pela vítima em relação ao ato criminoso do
Estado.” 195
No entanto, no julgamento da ADPF nº 153 a Suprema Corte Brasileira reconheceu a
legitimidade da Lei nº 6.683/79, fundamentando, para tanto, que anistia foi um acordo político
que beneficiasse ambas às partes (perseguidos e perseguidores políticos), bem como relatou,
também, nas palavras de Paulo Abrão e Marcelo Torelly, que o respectivo preceito legal
constituiu coluna de sustentação do Estado de Direito. 196 Os autores sustentam que,
atualmente, a validade da referida lei reconhecida pelo STF é o grande obstáculo para o
desenvolvimento da justiça de transição, uma vez que o reconhecimento formal da norma
legal representa empecilho máximo para apuração dos ilícitos penais no período de exceção.
Nesse norte, os trabalhos realizados pela Comissão Especial de Mortos e
Desaparecidos Políticos (CEMDP) com o intuito de apurar as violações em massa perpetradas
contra os cidadãos não possuem o condão de viabilizar o julgamento de seus algozes, mas,
reforça a responsabilidade maior da Comissão em investigar os atos autoritários, com vistas à
ABRÃO, Paulo. O alcance da lei de anistia: o último passo. Disponível em:
<http://portal.mj.gov.br/main.asp?Team={2AD759EF-DCFB-46EB-A16C-73502B9C09EF}>. Acesso em 24
de outubro de 2011.
195 PISTORI, Edson Claudio; MOREIRA DA SILVA FILHO, José Carlos. Memorial da Anistia Política do Brasil.
In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n.1, p.114-133, jan.-jun., 2009.p.124.
196 ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo D. As dimensões da justiça de transição no Brasil, a eficácia da Lei de
Anistia e as alternativas para a verdade e a justiça. In: A Anistia na Era da Responsabilização: o Brasil
em perspectiva Internacional e Comparada, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Oxford:
Oxford
University,
Latin
American
Centre,
p.212-248,
2011.
p.241.
Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD59503A9ITEMID8F4D8A167F8D4E20ACEF9F0981BA8B55
PTBRNN.htm>. Acesso em 24 de outubro de 2011.
194
68
valorização da memória e à publicidade da verdade oficial, camuflada por aqueles que
apoiaram a ditadura e permanecem no poder.
Moreira da Silva Filho destaca o reconhecimento da lei de anistia pelo STF como um
ato de conservadorismo, pois, assim como o Poder Judiciário anistiou formalmente
perseguidos e agentes públicos pela prática de crimes de lesa-humanidade, até os dias de hoje,
remanescem práticas de tortura para investigação criminal. Nesse diapasão, o autor assinala
que “o Estado tem se revelado o principal autor dos crimes contra a humanidade.” 197
Moreira da Silva Filho ressalta ademais que
[...] o julgamento da ADPF 153 no STF é a grande prova do quanto ainda estamos
longe no Brasil de uma verdadeira ruptura com o passado autoritário. A ditadura no
Brasil teve uma característica muito particular. Ela se preocupou em maquiar seus
desmandos e suas práticas ditatoriais com um manto ou simulacro de legalidade.
Esse fato causou a sensação, entre muitos dos juristas brasileiros, de que a
Constituição de 1988 foi o fruto de um processo “natural” e de continuidade com a
“legalidade” aqui instituída à base de Atos Institucionais. 198 (grifo nosso)
Em que pese as discussões a respeito do alcance da Lei de Anistia pela Suprema Corte
brasileira e a condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, criando
um conflito manifesto de posicionamentos, inafastáveis são as considerações da professora
Deisy Ventura:
[...] no que concerne à segurança jurídica da qual os princípios da legalidade e da
prescrição seriam garantes, questiono: qual interpretação da Lei de Anistia causa
maior insegurança jurídica, a que torna possível o julgamento de um agente
público por graves violações de Direitos Humanos cometidas durante um estado de
exceção ou a que garante a impunidade das graves violações de Direitos
humanos? A tolerância da prática de crimes contra a humanidade parece-me
vertiginosamente mais ameaçadora à segurança jurídica de um Estado de Direito
do que o postulado da imprescritibilidade desses crimes. Sim, a imprescritibilidade
confronta os agentes da repressão à possibilidade de reversão de “fatos
consumados”, gerando “insegurança” para determinado número de pessoas
(supondo que o devido processo legal possa ser chamado de insegurança).
Entretanto, quando a vítima é a humanidade e o algoz permanece impune, é o
Estado de Direito que se esvai como promessa, gerando a pior das inseguranças
coletivas.199 (grifo nosso)
197MOREIRA
DA SILVA FILHO, José Carlos. Memória e reconciliação nacional: o impasse da anistia na
inacabada transição democrática brasileira. In: A Anistia na Era da Responsabilização: o Brasil em
perspectiva Internacional e Comparada, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Oxford:
Oxford
University,
Latin
American
Centre,
p.278-307,
2011.
p.283-287.
Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD59503A9ITEMID8F4D8A167F8D4E20ACEF9F0981BA8B55
PTBRNN.htm>. Acesso em 24 de outubro de 2011.
198 Ibid., p.305.
199 VENTURA, Deisy. A interpretação judicial da Lei de Anistia brasileira e o Direito Internacional. In: A
Anistia na Era da Responsabilização: o Brasil em perspectiva Internacional e Comparada, Brasília:
Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Oxford: Oxford University, Latin American Centre, p.308-343,
2011.
p.335.
Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD59503A9ITEMID8F4D8A167F8D4E20ACEF9F0981BA8B55
PTBRNN.htm>. Acesso em 24 de outubro de 2011.
69
Por todo o exposto, Ventura sintetiza que o alcance permeado pelo STF relativo à Lei
de Anistia significa que “a impunidade das graves violações de direitos humanos cometidas
por agentes públicos durante o regime militar estaria assegurada pela própria ordem
constitucional.” 200
Ventura assevera, de forma complementar, que
Os regimes que dão guarida a violadores de Direitos Humanos tendem a instalar,
quando de sua ascensão ao poder, simulacros de Direito – o que, no caso brasileiro,
chamamos de “Direito da ditadura” ou “entulho autoritário”, de árdua remoção
quando do restabelecimento da democracia. 201
Destarte, Ventura ressalta a importância do Direito Internacional dos Direitos
Humanos quando os próprios cidadãos de um determinado Estado não encontram proteção ou
reconhecimento de seus direitos por parte de seu país. Clarifica a autora que a atuação
subsidiária da “jurisdição internacional” ou “jurisdição universal penal” se materializa quando
(i) não há mais Estado, ou (ii) quando o Direito ainda não veio ao Estado ou (iii) ou ainda
quando veio mas não trouxe a remoção deste entulho.202 (grifo nosso).
Ventura realça a autoridade do Direito Internacional no ordenamento jurídico
brasileiro, delineando que, “o Brasil de hoje reconhece formalmente a imprescritibilidade dos
crimes contra a humanidade, como Direito convencional, por força da incorporação do
Estatuto de Roma.” 203
A grande crítica que se constrói, doravante pelo autor da pesquisa, em torno da decisão
do STF em relação ao julgamento da ADPF nº 153 é em relação à inobservância dos acordos,
tratados e convenções internacionais de que o Brasil já manifestava sua adesão, desde 1926,
quando aderiu à Convenção sobre a escravatura.204
Portanto, afigura-se anacrônico o posicionamento da Suprema Corte ao afirmar que o
referido reconhecimento somente se opera a partir do tratado, sendo inaplicável aos fatos
anteriormente praticados, quando a busca pela pacificação social se manifesta de forma global
e a jurisprudência do Sistema Interamericano de Direitos Humanos é uníssona quanto à
ineficácia das leis de autoanistia.
VENTURA, Deisy. A interpretação judicial da Lei de Anistia brasileira e o Direito Internacional. In: A
Anistia na Era da Responsabilização: o Brasil em perspectiva Internacional e Comparada, Brasília:
Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Oxford: Oxford University, Latin American Centre, p.308-343,
2011.
p.331-332.
Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD59503A9ITEMID8F4D8A167F8D4E20ACEF9F0981BA8B55
PTBRNN.htm>. Acesso em 24 de outubro de 2011.
201 Ibid., p. 332.
202 Ibid., p.332.
203 Ibid., p.332.
204 Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/dai/Home.htm>. Acesso em 25 de outubro de 2011.
200
70
Por último, o STF na análise da ADPF nº 153 firmou entendimento de que a Lei
6.683/79 foi fruto de um acordo político à época que não poderia ser revisto sob pena de
oscilação das instituições democráticas, devendo ser interpretada como uma anistia ampla,
geral e irrestrita, capaz de alcançar inclusive os agentes públicos, segundo lição da professora
Baggio.205
3.2
CONDENAÇÃO DO BRASIL PELA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS PELOS PAÍSES DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS
(OEA): CASO ARAGUAIA
A Guerrilha do Araguaia, ocorrida entre 1972 a 1975, foi um movimento armado
desenvolvido pelo Partido Comunista do Brasil, PCdoB, formado por dissidentes do
Partido Comunista Brasileiro, na região da tríplice fronteira entre os estados do Pará,
Maranhão e Goiás (hoje Tocantins), tendo como objetivo central a derrubada do
regime militar, para, com isso, desencadear a Revolução Socialista no Brasil,
partindo do campo para a conquista das cidades.
A Guerrilha era formada por 69 militantes do PCdoB e por cerca de 20 moradores
que aderiram ao movimento, distribuídos em três destacamentos.
As Forças Armadas realizaram três campanhas militares, mobilizando cerca de 10
mil homens. No ano de 1972, foram feitos prisioneiros, mas, depois, a ordem do
comando era matar todos os envolvidos. Há registros de que guerrilheiros foram
levados vivos para as bases militares de Marabá, conhecida como casa Azul, ou
Xambioá.
Assim, o saldo final dos confrontos das operações militares foi de cerca de 70
pessoas desaparecidas entre militantes do PCdoB e moradores da região. Registra-se
que 17 militantes do PCdoB sobreviveram: alguns conseguiram sair da região,
outros abandonaram o movimento e, por fim, alguns guerrilheiros foram presos e
não executados. 206 (Fonte: Memórias Reveladas. Arquivo Nacional. Com
adaptações)
O ajuizamento de ação perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos foi
resultado da omissão estatal em responsabilizar a prática de detenção arbitrária, tortura e
desaparecimento forçado de 70 pessoas, entre membros do Partido Comunista do Brasil e
camponeses da região, assim como pela não abertura dos arquivos públicos e não revelação
do paradeiro dos desaparecidos políticos da Guerrilha do Araguaia. Esta ação foi identificada
BAGGIO, Roberta Camineiro. Anistia e reconhecimento: o processo de (dês)integração social da transição
política brasileira. In: A Anistia na Era da Responsabilização: o Brasil em perspectiva Internacional e
Comparada, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Oxford: Oxford University, Latin
American
Centre,
p.250-277,
2011.
p.253.
Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD59503A9ITEMID8F4D8A167F8D4E20ACEF9F0981BA8B55
PTBRNN.htm>. Acesso em 25 de outubro de 2011.
206
Disponível
em:
<http://www.memoriasreveladas.arquivonacional.gov.br/multimidia/araguaia/araguaia.htm>.
Acesso
em 25 de outubro de 2011.
205
71
como o caso nº 11.552, conhecida como Julia Gomes Lund e outros versus República
Federativa do Brasil em que pretenderam a responsabilização de operações do Exército
brasileiro empreendidas entre 1972 e 1975 com o objetivo de erradicar a Guerrilha do
Araguaia, no período do regime de exceção entre 1964 e 1985.207
No dia 24 de novembro de 2010, o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de
Direitos humanos sob os seguintes fundamentos: (i) pelo desparecimento forçado e pela
violação dos direitos à personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade
pessoal, às garantias judiciais e proteção judicial em combinação com a obrigação de respeitar
os direitos previstos e o dever de adotar disposições de direito interno; (ii) pela aplicação da
Lei de Anistia como empecilho à investigação, julgamento e punição dos crimes; (iii) pela
ineficácia das ações judiciais não penais; (iv) pela falta de acesso à informação sobre o
ocorrido com as vítimas desparecidas e executada; e (v) pela falta de acesso à justiça, à
verdade e à informação.208
As considerações abaixo estão relacionadas, em síntese, com o pronunciamento da
sentença prolatada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos condenando a República
Federativa do Brasil pela inobservância das normas de defesa dos direitos humanos.209
Em análise da sentença proferida, o Brasil em sua peça contestatória sustenta a
incompetência da Corte Interamericana para averiguar supostas violações que teriam ocorrido
em momento anterior ao reconhecimento da competência do Tribunal. Rechaçando as
alegações brasileiras, a Corte fundamentou sua competência, lecionando que, não obstante o
Brasil ter ratificado a Convenção em 10 de dezembro de 1998, os fatos que requerem
investigação são de caráter contínuo ou permanente, pois, entre a restrição de liberdade da
vítima e até a presente falta de informação, não há informações a respeito de seu paradeiro ou
destino. Portanto, a Corte é sim competente para analisar tais casos, mormente, em face da
jurisprudência sedimentada por esse Tribunal.
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Demanda perante a Corte Interamericana de
Direitos Humanos: caso 11.552 – Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) contra a República
Federativa do Brasil. In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 2, jul.-dez., p.372484, 2009. p.373. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={72590C4A-B0ED-4605-A9D85247054336A6}>. Acesso em 25 de outubro de 2011.
208 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do
Araguaia”) VS. Brasil – Sentença de 24 de novembro de 2010. Disponível em:
<http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf>. Acesso em 25 de outubro de
2011.
209 Considerações efetuadas utilizando-se a fonte de pesquisa a seguir. CORTE INTERAMERICANA DE
DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) VS. Brasil – Sentença de 24 de
novembro
de
2010.
Disponível
em:
<http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf>. Acesso em 26 de outubro de
2011.
207
72
Em sua resposta, o Estado brasileiro alegou ainda falta de interesse processual da
Comissão para que se proceda ao exame do mérito. A Comissão rebateu as alegações,
sustentando que o país não adotou os procedimentos necessários para solucionar as
intempéries, confirmando, assim, sua autonomia para denunciar o caso a Corte
Interamericana. A Comissão defende também que o interesse brasileiro relativo à preliminar
de falta de interesse direciona-se no sentido de as medidas adotadas pelo Brasil não serem
suficientes para elucidação das violações.
A Corte, entretanto, salientou que não averigua-se no caso a prática de erro grave ou
de desequilíbrio processual, o que não autoriza o reconhecimento da preliminar. Observou,
também, que, mesmo após prorrogações dos prazos para apresentação do relatório nº 91/08
sobre as recomendações efetuadas pela Comissão, o Estado brasileiro não observou o prazo
determinado e tampouco efetivou as medidas recomendadas. Ressaltou, ainda, que a proteção
internacional de natureza convencional é complementar àquelas ofertadas pelo direito interno
de cada país.
O Brasil sustentou, também, em sede de preliminares, que não houve o esgotamento
dos recursos internos brasileiros. Refutando tal alegação preliminar, a Corte destacou que
somente reconhece o esgotamento dos recursos internos referentes à ação ordinária, pois, em
que se cuida da ADPF, da ação civil pública e do recurso penal, todos esses ultrapassaram
prazo considerado razoável para um posicionamento do Estado quanto aos anseios das
vítimas.
A regra da quarta instância e a falta de esgotamento da ADPF foi rejeitada salientando
que a ADPF não é instrumento adequado para propiciar as devidas reparações, esclarecer os
fatos, definir as respectivas responsabilidades individuais e esclarecer o paradeiro das vítimas.
Além disso, aduziu que a pretensão da Corte não é efetuar uma revisão a respeito do
posicionamento do STF frente à Lei de Anistia, mesmo porque tal pedido não foi entabulado.
Todavia, a competência dessa corte decorre de avaliar as obrigações internacionais inerentes a
cada caso e neste particular, o juízo de convencionalidade emitido por esta Corte com as
obrigações internacionais do Brasil contidas na Convenção.
No mérito, foi considerado que a posição do STF esbarrou em jurisprudência clara da
Corte, assim como em norma de direito internacional, tal qual, jus cogens, norma de natureza
obrigatória, contida na Convenção, para observação dos países. Evidenciou que, no que diz
respeito aos direitos humanos, o controle de convencionalidade apresenta-se como uma
Constituição supranacional. Realçou a importância de a Constituição Federal estar em
harmonia com a Convenção de Direitos Humanos ou até mesmo serem elaborados projetos de
73
emenda constitucional que se alinhem nesse entendimento, citando, o exemplo do Chile.
Registrou-se que o reconhecimento da responsabilidade estatal mostra-se limitada, requerendo
maior aprofundamento e esclarecimento das demais violações. Acrescentou, ainda, que a
Corte possui, sim, competência para apreciação dos crimes de lesa-humanidade em razão das
obrigações internacionais inerentes à sua instituição e que o ato de ratificação não depende de
sua confirmação, segundo o costume internacional. Asseverou, além disso, que não dispõe de
competência para julgar os crimes praticados naquele contexto, mas, de outro lado, deve
apreciá-los classificando-os como crimes de lesa-humanidade ou como graves para os direitos
humanos. Ponderou a complementariedade dos direitos humanos, humanitário e penal
internacional. Assegurou que as normas de direito interno não podem ser impeditivos para a
execução de suas obrigações inalienáveis. Por fim, anotou que é preciso superar o positivismo
exacerbado para que haja o reconhecimento dos direitos da pessoa humana, colaborando para
redução da impunidade.
Por todo o exposto, resta claro que os posicionamentos do Supremo Tribunal Federal e
da Corte Interamericana de Direitos Humanos manifestam-se de maneira divergentes, não
obstante, as restritas medidas de reparação implementadas pelo Estado brasileiro com a
finalidade de compensar as violações executadas pelos agentes públicos. A Corte, por outro
lado, pugna pela execução de estratégias de justiça transicional que se afastem das
peculiaridades autoritárias, primando pela obrigação estatal em se pronunciar a respeito do
paradeiro dos familiares das vítimas, uma vez que o próprio Estado, pelas poucas ações de
investigação, reconhece as atrocidades praticadas contra aqueles que se insurgiram contra o
regime político instaurado no Brasil.
Atualmente, a abertura dos arquivos públicos, a criação de uma Comissão da Verdade,
estruturada e capaz de investigar os fatos ocorridos no regime de exceção, e o alcance da lei
de anistia abrangendo agentes públicos e perseguidos políticos são os maiores obstáculos para
a consolidação do Estado de Direito e para a supremacia da democracia aliada ao exercício
pleno e efetivo da cidadania.
Não se mostra tardio enfatizar que este trabalho não possui caráter ideológico, mas
visa analisar a evolução da interpretação jurídica dos direitos humanos em face do
posicionamento do STF e dos demais acordos, tratados e convenções internacionais da qual o
Brasil faz parte.
Desse modo, o direito à verdade e ao destino das vítimas brasileiras apresenta-se
inexorável, uma vez que, segundo Deisy Ventura, os atos investidos pelo Estado mostram-se
com extrema barbárie:
74
Uma vez que o exército descobriu a existência do foco guerrilheiro, iniciou suas
investidas na região. Em uma sequência de operações secretas que se desenrolaram
por cerca de dois anos (1972 a 1974), o exército brasileiro envolveu o maior
contingente até hoje mobilizado entre as suas fileiras após a Segunda Guerra
Mundial. Foram de 3 mil a 10 mil homens, com aviões, helicópteros, carros de
combate, embarcações de guerra, paraquedistas, e demais equipamentos para
combater 75 guerrilheiros. As ordens dadas pelos presidente Emílio Garrastazu
Médici era a de não deixar sobreviventes. Os corpos dos guerrilheiros e
guerrilheiras até hoje não foram encontrados e as Forças Armadas se negam a
abrir os seus arquivos. Os oficiais que atuaram na época e que ainda vivem
também se negam a dar informações. Além dos guerrilheiros, muitos lavradores e
lavradoras humildes foram torturados e tiveram suas casas e seus parcos bens
destruídos. A Guerrilha do Araguaia é uma verdadeira ferida aberta na história
do Brasil, visto que, de todas as histórias da ditadura militar, é a que está envolta em
maior segredo e mistério, e que tem voltado à cena pública nos últimos anos [...] 210
(grifo nosso)
Nesse contexto, a decisão da Suprema Corte Brasileira mostra-se incoerente com os
fundamentos e princípios norteadores do Estado Democrático de Direito ao qual o Brasil se
comprometeu a cumprir. De outro lado, a sentença da Corte Interamericana de Direitos
Humanos vela pelo respeito e defesa dos direitos humanos, quando estes deixaram de ser
observados pelo próprio Estado, tendo em vista que, até mesmo “na história da humanidade,
os povos mais sanguinários interrompiam suas batalhas em curtas tréguas para troca de
cadáveres, possibilitando a cada exército, tribo ou nação prantear seus mortos, fazendo o
funeral o encerramento simbólico do ciclo da vida.” 211
Malgrado a transição democrática brasileira deveras ser lenta e gradual, essas
discussões no cenário político e jurídico brasileiro são extremamente pertinentes, pois,
conforme ensina o professor Antônio Leal de Oliveira,
é essa dívida que se pretende pagar, a dívida assumida com as vítimas do regime
militar que pagaram com suas vidas pela derrubada desse regime, que sofreram nas
celas as violências mais vis, que viram seus filhos saírem por uma porta que não
mais foi aberta para que entrassem. Essa dívida acumula juros quando, a despeito de
sofrimento passado, ainda vivencia-se um Estado violento, que vale das masmorras
(cadeias) como depósito de pessoas, que ainda faz uso da tortura para obter
confissões e informações que deseja, que extermina nossos filhos quando lhe
convêm.212
VENTURA, Deisy. A interpretação judicial da Lei de Anistia brasileira e o Direito Internacional. In: A
Anistia na Era da Responsabilização: o Brasil em perspectiva Internacional e Comparada, Brasília:
Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Oxford: Oxford University, Latin American Centre, p.308-343,
2011.
p.306.
Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD59503A9ITEMID8F4D8A167F8D4E20ACEF9F0981BA8B55
PTBRNN.htm>. Acesso em 25 de outubro de 2011.
211 Brasil. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Comissão Especial sobre mortos e desaparecidos.
Direito à memória e à verdade. In: Apresentação, Brasília, Secretaria Especial dos Direitos Humanos,
2007.
Disponível
em:<http://portal.mj.gov.brsedhbibliotecalivro_direito_memoria_verdadelivro_direito_memoria_verdade_
sem_a_marca.pdf>. Acesso em: 25 de outubro de 2011.
212 OLIVEIRA, Antônio Leal de. O perdão e a reconciliação com o passado em Hannah Arendt e Jacques
Derrida. In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n.1, p.203-227, jan.-jun.,
2009.p.208-9.
210
75
Ademais, a condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos é
mais uma dentre muitas outras ações que demonstram a violação dos direitos fundamentais
perpetrada pelo próprio Estado. Nesse sentido, insta consignar, por fim, a lição de Viviana
Krsticevic e Beatriz Affonso:
Se hoje o Estado brasileiro reconhece na democracia a brutalidade e a magnitude da
repressão da ditadura militar que assolou o país, e tem avançado nas indenizações
aos familiares mortos, torturados, perseguidos e desparecidos políticos, existe uma
dívida pendente no acesso à verdade, à justiça e à reparação desde uma perspectiva
integral, que transcende o tempo e se consolida perversamente em práticas
violatórias e inabalável impunidade garantida aos agentes do Estado.213
3.3
A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS COMO INSTÂNCIA
MÁXIMA JUDICIAL NO BRASIL PARA MATÉRIA DE DIREITOS HUMANOS
No que tange à competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e a
aplicação de sua jurisprudência no ordenamento jurídico brasileiro, nota-se a lição de Deisy
Ventura:
Logo, para entender o problema do alcance da jurisprudência interamericana no
Direito brasileiro, deixando de lado a questão da difícil permeabilidade da cultura
internacionalista na autarquia intelectual do Judiciário brasileiro, questiono: a já
mencionada reserva feita pelo Brasil, quando de sua submissão à jurisdição da
CIDH, teria sentido em relação ao acervo jurisprudencial da Corte? Um marco
temporal, quando figura numa reserva, pode atingir fatos e atos específicos? Ora,
parece-me insustentável fatiar a submissão de um Estado a uma jurisdição, ao
menos no que diz respeito aos princípios fundamentais que ela edificou. Em
qualquer caso, de modo mais bem singelo, admitamos – eis que até o STF já o
reconheceu, embora não no seio da ADPF 153 – que estamos diante de crimes
continuados.214 (grifo nosso)
Corroborando de igual raciocínio, pertinente é a lição do eminente jurista Antônio
Augusto Cançado Trindade ao lecionar que o requisito do formalismo não pode constituir
213KRSTICEVIC,
Viviana; AFFONSO, Beatriz. A dívida histórica e o Caso Guerrilha do Araguaia na Corte
Interamericana de Direitos Humanos impulsionando o direito à verdade e à justiça no BRasil. In: A Anistia
na Era da Responsabilização: o Brasil em perspectiva Internacional e Comparada, Brasília:
Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Oxford: Oxford University, Latin American Centre, p.344-390,
2011.
p.355.
Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD59503A9ITEMID8F4D8A167F8D4E20ACEF9F0981BA8B55
PTBRNN.htm>. Acesso em 25 de outubro de 2011.
214 VENTURA, Deisy. A interpretação judicial da Lei de Anistia brasileira e o Direito Internacional. In: A
Anistia na Era da Responsabilização: o Brasil em perspectiva Internacional e Comparada, Brasília:
Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Oxford: Oxford University, Latin American Centre, p.308-343,
2011.
p.337-8.
Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD59503A9ITEMID8F4D8A167F8D4E20ACEF9F0981BA8B55
PTBRNN.htm>. Acesso em 27 de outubro de 2011.
76
motivo impeditivo para a validade das normas internacionais em detrimento do direito
interno.215
Nesse particular, o caso brasileiro assemelha-se ao caso chileno em que a Suprema
Corte Chilena negou aplicabilidade do Pacto de Direitos Civis e Políticos pela ausência de
publicação no diário oficial.216 No mesmo sentido, pautou-se o Brasil em sua contestação da
APDF 153 relatando que aderiu à Convenção Americana de Direitos Humanos, no entanto,
sua ratificação somente se operou em 10 de dezembro de 1998, razão pela qual encontra-se
destituída de qualquer eficácia para produzir efeitos a fatos anteriores à sua ratificação.
Conforme ensina a professora Flávia Piovesan, a assinatura do tratado, após seu
processo de formação, por intermédio do Poder Executivo, corresponde apenas a
autenticidade e definitividade do tratado, uma vez que o aceite possui natureza precária e
provisória. Malgrado a assinatura tenha se operado, somente o ato de ratificação constitui ato
hábil e capaz de produção de efeitos. Segundo a autora,
a ratificação é ato jurídico que irradia necessariamente efeitos no plano
internacional, posto que os tratados não podem criar obrigações para os Estados que
neles não consentiram, ao menos que preceitos constantes do tratado não tenham
sido incorporados pelo costume internacional.217 (grifo nosso)
Portanto, conforme as exposições destacadas pelos autores Flávia Piovesan e Cançado
Trindade, o ato de aceitação do tratado e sua posterior ratificação representa a titularidade de
direitos e deveres por parte daquele Estado. Assim, a argumentação do STF alegando a
impossibilidade de observação dos preceitos relativos à Convenção Americana de Direitos
Humanos, no que diz respeito aos fatos praticados no período de 1964 a 1985, é
improcedente, vez que, conforme acima delineado, o ato de ratificação autoriza a produção –
irradiação – de efeitos no plano internacional.
Ainda mais, conforme Piovesan, quando a própria Carta de 1967 já previa em seu
artigo 153, § 36 o respeito a outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios
que ela adota. Portanto, a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, § 2º “assume
expressamente o conteúdo constitucional dos direitos constantes dos tratados internacionais
dos quais o Brasil é parte.” 218
Ao tratar da inclusão de novos direitos decorrentes de tratados internacionais de que o
Brasil é signatário, Flávia Piovesan destaca que
CANÇADO TRINDADE, Augusto Antônio. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997 (1a. ed.), 2003 (2a.ed.), volume I. p.546.
216 Ibid., p.546.
217 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. – 12. ed. rev. e atual. –São
Paulo: Saraiva, 2011. p.99.
218 Ibid., p.104-7.
215
77
esse elenco de direitos enunciados em tratados internacionais de que o Brasil é parte
inova e amplia o universo de direitos nacionalmente assegurados, na medida em que
não se encontram previstos no Direito interno. Desse modo, percebe-se como o
Direito Internacional dos Direitos Humanos inova, estende e amplia o universo dos
direitos constitucionalmente assegurados. 219
Nesse norte, Cançado Trindade observa que
atitudes como esta, reveladoras de um dualismo fictício e descabido, atentam
contra a unidade de solução jurídica e esvaziam o Direito de todo o sentido. Não há
como reconhecer ou admitir as obrigações convencionais contraídas por um Estado
no plano internacional e ao mesmo tempo negar-lhes vigência no plano do direito
interno.220 (grifo nosso)
Cançado Trindade salienta que o direito internacional e o direito interno não
comportam tratamento de maneira dissociada, pois as obrigações internacionais decorrentes
dos direitos humanos não se aplicam somente aos Estados que aderiram ao Pacto ou
Convenção, mas também, àqueles que se submetem ao ordenamento jurídico interno daquele
país.221
Mazzuoli denomina esse movimento como sendo o controle de convencionalidade
efetuado pelo Poder Judiciário ao efetuar a validade das normas internas, visto que estas
devem observar (i) a Constituição Federal, (ii) os tratados internacionais ratificados pelo
Brasil e (iii) também os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo país.222
Especificamente, Mazzuoli designa esse controle das normas como sendo uma dupla
compatibilidade vertical material, em que a vigência e a validade das normas jurídicas
internas para que tenham validade jurídica devem observar a Constituição e os tratados de
direitos humanos ratificados pelo Brasil. Acrescenta o autor que “o controle de
convencionalidade tem por finalidade compatibilizar verticalmente as normas domésticas (as
espécies de leis, lato sensu, vigentes no país) com os tratados internacionais de direitos
humanos ratificados pelo Estado e em vigor no território nacional.” 223
Em síntese, Mazzuoli afirma que
doravante, não somente os tribunais internos devem realizar o controle de
convencionalidade (para além do clássico controle de constitucionalidade), mas
também os tribunais internacionais (ou supranacionais) criados por convenções entre
Estados, em que estes (os Estados) se comprometem, no pleno e livre exercício de
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. – 12. ed. rev. e atual. –São
Paulo: Saraiva, 2011. p.152-3.
220 CANÇADO TRINDADE, Augusto Antônio. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997 (1a. ed.), 2003 (2a.ed.), volume I. p.536.
221 CANÇADO TRINDADE, Augusto Antônio. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997 (1a. ed.), 2003 (2a.ed.), volume I. p.547-8.
222 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Teoria geral do controle de convencionalidade no direito brasileiro. In:
Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 181, p.113-139, jan.-mar., 2009. p.128. Disponível em:
<http://www2.senado.gov.br.bdsf.bitstream.id.194897.1.000861730.pdf.>. Acesso em: 26 de outubro de
2010.
223 Ibid., p.125.
219
78
sua soberania, a cumprir tudo o que ali fora decidido e a dar sequência, no plano do
seu direito interno, ao cumprimento de suas obrigações estabelecidas na sentença,
sob pena de responsabilidade internacional. 224
Em suma, Mazzuoli conclui que ao STF realizar o controle de constitucionalidade
deve observar a Constituição e os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil. 225 No
entanto, conforme destaca Deisy Ventura, “este Direito Internacional não foi empregado, em
momento algum, no julgamento da ADPF 153.” 226
Nesse particular, a posição manifestada acima é perfeitamente condizente e razoável
com as obrigações inerentes ao Estado em seu dever de defesa e garantia dos direitos
fundamentais internas, assim como aquelas decorrentes de tratado internacional do qual o país
se comprometeu a cumprir, vez que seria senão controverso o Estado efetuar adesão à
determinado Pacto ou Tratado e, por conseguinte, ser inobservado pelos Tribunais internos ao
reconhecer a produção de seus efeitos.
Enriquecendo as lições de Mazzuoli, relevantes são as colocações de Flávia Piovesan
ao destacar a influência do Direito Internacional pelo direito português, ao tratar da
incorporação automática dos tratados de direitos humanos à Magna Carta, visto que o regime
jurídico reconhecido aos tratados de direitos humanos possui status constitucional e aplicação
imediata, por imperativo lógico do artigo 5º, §§ 1º e 2º da Magna Carta. Enquanto, os demais
tratados possuem status infra-constitucional e aplicação não imediata, vez que o artigo 102,
III, b da Constituição Federal não permite sua aplicação imediata.227
Nesse passo, apresentam-se oportunos os artigos 27 e 46 da Convenção de Viena,
adotados em 26 de maio de 1969 e que passaram a produzir efeitos em âmbito internacional
em 27 de janeiro de 1980.228
Artigo 27. Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para
justificar o inadimplemento de um tratado. Esta regra não prejudica o artigo 46. 229
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Teoria geral do controle de convencionalidade no direito brasileiro. In:
Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 181, p.113-139, jan.-mar., 2009. p.129. Disponível em:
<http://www2.senado.gov.br.bdsf.bitstream.id.194897.1.000861730.pdf.>. Acesso em: 26 de outubro de
2010.
225 Ibid., p.129-0.
226 VENTURA, Deisy. A interpretação judicial da Lei de Anistia brasileira e o Direito Internacional. In: A
Anistia na Era da Responsabilização: o Brasil em perspectiva Internacional e Comparada, Brasília:
Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Oxford: Oxford University, Latin American Centre, p.308-343,
2011.
p.322.
Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD59503A9ITEMID8F4D8A167F8D4E20ACEF9F0981BA8B55
PTBRNN.htm>. Acesso em 27 de outubro de 2011.
227 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. – 12. ed. rev. e atual. –São
Paulo: Saraiva, 2011. p.146-7.
228 Brasil. Ministério das Relações Exteriores. Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm>.
Acesso em 31 de outubro de 2011.
229 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7030.htm>.
Acesso em 31 de outubro de 2011.
224
79
Artigo 46.
1. Um Estado não pode invocar o fato de que seu consentimento em obrigar-se por
um tratado foi expresso em violação de uma disposição de seu direito interno sobre
competência para concluir tratados, a não ser que essa violação fosse manifesta e
dissesse respeito a uma norma de seu direito interno de importância fundamental.
2. Uma violação é manifesta se for objetivamente evidente para qualquer Estado que
proceda, na matéria, de conformidade com a prática normal e de boa fé. 230
Portanto, a inobservância da Suprema Corte Brasileira aos tratados internacionais dos
quais o Brasil é signatário é inconteste, vez que, ao analisar a constitucionalidade da Lei de
Anistia, os ministros deste Tribunal Constitucional alegaram a impossibilidade de revisar o
texto jurídico, pois este teria sido fruto de um acordo político firmado entre o Estado e a
sociedade. Constata-se, portanto, que o STF ao apreciar o alcance da lei de anistia invocou o
próprio direito interno, desconsiderando os tratados internacionais firmados pelo Brasil e o
entendimento pacificado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos quanto às leis de
autoanistia.
Não obstante, a inobservância dessas normas internacionais incorporadas ao direito
interno brasileiro e os tratados internacionais de que o Brasil faz parte, é mister enfatizar a
competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos para apreciar as violações
decorrentes das ações ou omissões do Estado brasileiro em seu dever de defesa dos direitos
humanos de seus cidadãos.
Viviana Krsticevic e Beatriz Affonso ensinam que “o Sistema Interamericano de
Proteção dos Direitos Humanos é o mecanismo regional estabelecido pela Organização dos
Estados Americanos (OEA) para promover e defender os direitos humanos.” 231 As autoras
destacam que esse sistema é formado pela Comissão Americana de Direitos Humanos, mais
conhecida como o Pacto de San José da Costa Rica, aprovada no Brasil pelo Decreto
Legislativo 27, de 25 de setembro de 1992, e promulgada pelo Decreto presidencial 678, de 6
de novembro de 1992. Além da Comissão, integra esse sistema a Corte Interamericana de
Direitos humanos, a qual foi estabelecida pela Convenção Americana de Direitos Humanos
em 1978.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7030.htm>.
Acesso em 31 de outubro de 2011.
231 KRSTICEVIC, Viviana; AFFONSO, Beatriz. A dívida histórica e o Caso Guerrilha do Araguaia na Corte
Interamericana de Direitos Humanos impulsionando o direito à verdade e à justiça no Brasil. In: A Anistia
na Era da Responsabilização: o Brasil em perspectiva Internacional e Comparada, Brasília:
Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Oxford: Oxford University, Latin American Centre, p.344-390,
2011.
p.356.
Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD59503A9ITEMID8F4D8A167F8D4E20ACEF9F0981BA8B55
PTBRNN.htm>. Acesso em 27 de outubro de 2011.
230
80
Dentre as competências da Comissão as autoras Viviana Krsticevic e Beatriz Affonso
ressaltam a realização de visitas e estudos dos direitos humanos na região, adoção de posições
pública e processamento de denúncias individuais de violações de direitos humanos.
Diferentemente, a Corte tem por finalidade o processamento da responsabilidade estatal por
violações dos direitos humanos. Assim, as autoras destacam a essencialidade dos órgãos do
Sistema Interamericano de Direitos humanos no sentido de que,
durante as últimas décadas, a Comissão e a Corte Interamericana têm contribuído
para o restabelecimento do direito das vítimas e das sociedades devastadas por
graves e sistemáticas violações aos direitos humanos ocorridas durante as
infelizmente notórias ditaduras da América Latina e os conflitos internos na
região.232
Por todo o exposto, referente à incorporação das normas internacionais ao direito
interno brasileiro e seu consequente controle de convencionalidade somado à competência da
Corte Interamericana de Direitos humanos como instância máxima no Brasil em matéria de
direitos humanos, confira-se o ensino do eminente juiz Antônio Augusto Cançado Trindade:
Cabe, pois, naturalmente aos tribunais internos interpretar e aplicar as leis dos
países respectivos, exercendo os órgãos internacionais especificamente a função de
supervisão, nos termos e parâmetros dos mandatos que lhes foram atribuídos pelos
tratados e instrumentos de direitos humanos respectivos. Mas cabe, ademais, aos
tribunais internos, e outros órgãos dos Estados, assegurar a implementação em
nível nacional das normas internacionais de proteção, o que realça a importância
de seu papel em um sistema integrado como o da proteção dos direitos humanos, no
qual as obrigações convencionais abrigam um interesse comum superior de
todos os Estados partes, o da proteção do ser humano. Os órgãos de supervisão
internacionais, por sua vez, controlam a compatibilidade da interpretação e
aplicação do direito interno com as obrigações convencionais, para determinação
dos elementos factuais a serem avaliados para o propósito da aplicação das
disposições pertinentes dos tratados de direitos humanos. 233 (grifo nosso)
Por fim, resta claro, pois, a competência da Corte Interamericana para a
responsabilização do Estado brasileiro perante as violações de direitos humanos
consubstanciadas por meio da ação ou omissão estatal, eis que os tratados internacionais
firmados pelo Brasil e os preceitos constitucionais autorizam o exame da matéria por esta
Corte.
É certo, porém, a inobservância dos direitos humanos pelos tribunais brasileiros na
aplicação da norma legal, assim como ocorreu no julgamento da ADPF 153. No entanto, é
KRSTICEVIC, Viviana; AFFONSO, Beatriz. A dívida histórica e o Caso Guerrilha do Araguaia na Corte
Interamericana de Direitos Humanos impulsionando o direito à verdade e à justiça no Brasil. In: A Anistia
na Era da Responsabilização: o Brasil em perspectiva Internacional e Comparada, Brasília:
Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Oxford: Oxford University, Latin American Centre, p.344-390,
2011.
p.356.
Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD59503A9ITEMID8F4D8A167F8D4E20ACEF9F0981BA8B55
PTBRNN.htm>. Acesso em 27 de outubro de 2011.
233 CANÇADO TRINDADE, Augusto Antônio. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997 (1a. ed.), 2003 (2a.ed.), volume I. p.521-2.
232
81
forçoso pautar-se por esse entendimento, posto que a proteção dos direitos humanos e das
liberdades públicas são direitos indisponíveis e inalienáveis, não comportando, portanto,
qualquer espécie de transação, em um contexto mundial que caminha para consolidação da
pacificação social.
82
CONCLUSÃO
A discussão desta pesquisa teve por escopo demonstrar os efeitos que se irradiam, a
partir da concepção de Estado de direito, e sua dependência aos institutos da política e do
direito, principalmente, analisando as violações de direitos humanos em um Estado que se diz
democrático de direito como o Brasil, o qual autorizou o alcance da anistia aos torturadores
políticos. Além disso, detalhamos as medidas aconselhadas pela justiça transicional para
condução da pacificação social. Ademais, ressaltamos a relevância dos tratados de direitos
internacionais de direitos humanos, sua influência no direito interno brasileiro e, por
conseguinte, a competência da CIDH como instância máxima judicial brasileira no que tange
aos direitos humanos.
A partir disso, depreende-se, inicialmente, que é manifesta a inobservância dos
tratados internacionais de direitos humanos pela Suprema Corte Brasileira. Ao revés, a sua
observância ocorre de acordo com o entendimento de seus ilustres ministros, pois ao estipular
precedente sobre a impossibilidade da restrição de liberdade do depositário infiel, utilizou-se
do Pacto de San José da Costa Rica. Ao elaborar a súmula vinculante a respeito do uso de
algemas, invocou as regras das Organizações das Nações Unidas para tratamento de
prisioneiros, segundo observa Lenio Streck.234 No entanto, ao apreciar o alcance da lei de
anistia escusou-se do uso desta fonte de direito reconhecida pela própria Constituição Federal.
Nesse norte, revela-se uma profunda insegurança jurídica ao cuidar de normas de caráter
internacional que produzem efeitos no ordenamento jurídico brasileiro, mormente, quando se
verifica que não há um posicionamento consolidado pelo STF.
Em que pese as considerações acima delineadas, acredito que a insegurança jurídica
visualizada no alcance da anistia se coaduna com uma questão desenvolvida pelo professor
Lenio Streck, a saber, a discricionariedade da decisão judicial.
Quando se expressa uma versão crítica e contrária à decisão daquela apontada pelo
julgamento da ADPF 153 não se está a dizer que a discricionariedade da decisão judicial é
um ato de proibição de interpretar. Ao revés, conforme salienta Streck, esta impossibilidade
reside nas hipóteses em que os juízes, no exercício da atividade judicial, revestem-se do poder
legislador. E nesse particular, Streck observa:
[...] esse “poder discricionário” propicia a “criação” do próprio objeto de
“conhecimento”, típica manifestação do positivismo. Ou seja, a razão humana
STRECK, Lenio. A Lei de Anistia, a Constituição e os direitos humanos no Brasil: Lenio Streck responde. In:
Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 2, jul.-dez., 2009. p.26.
234
83
passa a ser a “fonte iluminadora” do significado de tudo que possa ser enunciado
sobre a realidade. As coisas são reduzidas aos nossos conceitos e às nossas
concepções de mundo, ficando à dis-posição de um protagonista (intérprete lato
sensu). Consequências disso? Inúmeras.235 (grifo nosso)
Portanto, conforme leciona Streck existe uma grande diferença entre o que é uma
escolha e o que é uma decisão, uma vez que a carga de pré-compreensão a respeito daquela
matéria não pode ser o fio condutor para solução de determinada controvérsia. 236 Se o
Tribunal Constitucional posicionou-se anteriormente pelos efeitos produzidos pelas normas
de caráter internacional, seria, no mínimo, lógico que seu parecer se orientasse como os
demais casos apreciados pela Corte.
Noutro olhar, é possível perceber diante do retrocesso jurídico prolatado pela Suprema
Corte diante da ADPF 153 que tal decisão constitui, senão, aquilo que Castor Ruiz denomina
de o estado de exceção como paradigma de governo:
Nos regimes absolutistas, como nos autoritarismos, a exceção é a norma, já que a
norma emana da vontade soberana que vigora com pleno arbítrio. O Estado de
direito foi instituído para abolir a arbitrariedade da vontade soberana e em seu lugar
instituir a lei de forma isonômica. Porém, o que a tese de Agamben desvela é que o
Estado de direito não conseguiu abolir plenamente a vontade soberana, senão
que ela persiste oculta como potência do Estado para ser utilizada quando
necessário.237 (grifo nosso)
Um dos maiores clamores da justiça transicional é a necessidade de reforma das
instituições democráticas. Nessa esteira, são clarividentes as raízes da ditadura ainda presentes
nos órgãos de cúpula, exercendo influência e produzindo efeitos de forma que se oculte a
responsabilidade estatal pelas atrocidades praticadas no regime de exceção. Daí, a necessidade
de implantação das medidas de justiça transicional a fim de que se reconstrua a estrutura do
Estado democrático de Direito e não haja a supremacia da vontade soberana do Estado, ainda
que camuflada, mas, sim, a supremacia da democracia livre e o pleno exercício da cidadania
em suas diversas manifestações.
Além disso, a República Federativa do Brasil assumiu o compromisso de Estado
Democrático e de Direito. Portanto, fazer uso da exceção como técnica de governo constitui
uma verdadeira afronta ao Estado democrático de direto insculpido na Magna Carta de 88.
Lembremos, pois, os compromissos inerentes à sua instituição, que tem por obrigação
STRECK, Lenio. O que é isto – decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2010. p.87.
236 Ibid., p.97.
237 RUIZ, Castor. O Estado de exceção como paradigma de governo. In: Revista do Instituto Humanitas
Unisinos: Direito à cidadania. A política social brasileira em debate, Brasília, n. 373, ano XI,
12.09.2011, ISSN 1981-8769. Disponível em: <>. Acesso em 27 de outubro de 2011.
235
84
promover o mínimo existencial para seus cidadãos, assegurando, da mesma forma, a
efetividade dos direitos fundamentais e das liberdades públicas.
Por derradeiro, diante dos inúmeros estudos desenvolvidos no mundo, é nítida a
necessidade de implantação das medidas de justiça transicional para o repúdio da formas que
se assemelham ao totalitarismo ou absolutismo.
A impunidade nesse contexto é uma das características mais marcantes nos países
emergentes do período ditatorial, conforme destaca Kathryn Sikkink & Carrie Booth Walling
e Viviana Krsticevic & Beatriz Affonso. E, no Brasil não é diferente. Conforme destaca
Flávia Piovesan apud Kathryn Sikkink238 & Carrie Booth Walling239
o julgamento de violações de direitos humanos pode também contribuir para
reforçar o Estado de Direito, como ocorreu na Argentina.(...) os cidadãos comuns
passam a perceber o sistema legal como viável e legítimo se a lei é capaz de alcançar
os mais poderosos antigos líderes do país, responsabilizando-os pelas violações de
direitos humanos do passado. O mais relevante componente do Estado de Direito é a
ideia de que ninguém está acima da lei. Desse modo, é difícil construir um
Estado de Direito ignorando graves violações a direitos civis e políticos e
fracassando ao responsabilizar agentes governamentais do passado e do presente
(...).240 (grifo nosso)
Assim, diante do reconhecimento pelo STF da anistia aos torturadores políticos,
constata-se a plena impossibilidade de julgamento de agentes estatais violadores dos direitos
humanos, reconhecido pelo próprio Estado, e que não podem ser julgados, conforme o
entendimento da Suprema Corte Brasileira, a qual caminha em direção contrária a todos os
precedentes consolidados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Portanto, a referida
decisão configura a institucionalização da impunidade, pois inviabilizou o julgamento dos
agentes públicos, aquiescendo, a contrario sensu, com os atos envidados pelo Estado
brasileiro.
Como dito, o desígnio desta pesquisa não possui finalidade ideológica, mas, sim,
examinar os efeitos decorrentes do alcance da lei de anistia. Lenio Streck (2009) apud Gabriel
Garcia Marques considera que assim como “em Mancondo, o mundo era tão recente que
muitas coisas careciam de nome e para mencioná-la precisava-se apontar com o dedo”
241
,
PhD em Ciência Política pela Universidade de Columbia, 1988. Disponível em:
<http://jpr.sagepub.com/content/44/4/427>. Acesso em 4 de novembro de 2011.
239 Candidata a PhD em Ciência Política pela Universidade de Minnesota. Disponível em:
<http://jpr.sagepub.com/content/44/4/427>. Acesso em 4 de novembro de 2011.
240 PIOVESAN, Flávia. Direito Internacional dos Direitos humanos e lei de anistia: o caso brasileiro. In:
Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 2, jul.-dez., p.176-189, 2009. p.185-6.
Disponível
em:
<http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={72590C4A-B0ED-4605-A9D85247054336A6}>. Acesso em: 4 de novembro de 2011.
241 OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni; MACHADO, Felipe Daniel Amorim. Constituição e processo: A
resposta do constitucionalismo à banalização do terror. – Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
238
85
que o exercício da democracia no Brasil é tão incipiente que pode(ria) se apontar com o dedo
a melhor solução jurídica a ser traçada na concessão da anistia aos agentes estatais.
Ademais, reitera-se que aquilo que é Direito não é o apregoado pela Suprema Corte
brasileira, mas, senão, conforme bem observa Lenio Streck, “é uma questão de
democracia.”242
STRECK, Lenio. O que é isto – decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2010. p.87.
242
86
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
1
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dez./2009. p.4.
2
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4
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constitucionalismo latinoamericano. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p.3.
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6
Sou responsável por esta tradução. BORAINE, Alexander L. Transitional justice: a holistic interpretation.
Disponível em: <http://jia.sipa.columbia.edu/files/jia/17-27_boraine.pdf>. Acesso em: 08 de agosto de 2011.
7
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conflito ou pós-conflito. Relatório do Secretário Geral S/2004/616. In: Revista Anistia Política e Justiça de
Transição, Brasília, n.1, p.320-351, jan-jun. 2009. p.325.
8
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transição. In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n.1, p.228-249, jan-jun. 2009. p.240.
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possibilitando uma justiça de transição. In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n.1,
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10
Repressão e Memória Política no Contexto Ibero-Brasileiro: estudos sobre Brasil, Guatemala, Moçambique,
Peru e Portugal. – Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal: Universidade de Coimbra,
Centro de Estudos Sociais, 2010.
11
SILVA FILHO, José Carlos da. O julgamento da ADPF 153 pelo Supremo Tribunal Federal e a Inacabada
Transição Democrática Brasileira. Disponível em: http://idejust.wordpress.com/biblioteca/artigosacademicos/>. Acesso em: 16 de setembro de 2011.
12
O ICTJ foi concebido em uma reunião estratégica propiciada pela Fundação Ford em abril do ano 2000. Os
participantes, entre os quais especialistas na área jurídica, defensores de direitos humanos e funcionários, se
reuniram para discutir maneiras de contribuir para a efetividade no campo da justiça transicional em conjunto
crescimento no mundo. Como conseqüência, a Fundação pediu a três consultores – Alex Boraine, Priscilla
Hayner, e Paul van Zyl – que desenvolvessem um plano para uma organização com tal objetivo. A proposta
inicial foi a de realizar um trabalho em conjunto com diversos países durante cinco anos e obteve apoio da
Fundação Ford, da Fundação Catherine T. e John D. MacArthur, a Coorporação Carnegie de Nova York, o
Fundo dos Irmãos Rockefeller e o Fundo da Família Andrus. ICTJ Brasil. Julho 2011. Disponível em:
<http://www.ictj.org
13
ICTJ Briefing. International Policy Relations. Transitional Justice in the United Nations Human Rights
Council. Disponível em: <http://ictj.org/sites/default/files/ICTJ-Global-TJ-In-HRC-2011-English.pdf>. Acesso
em: 17 de setembro de 2011.
14
Repressão e Memória Política no Contexto Ibero-Brasileiro: estudos sobre Brasil, Guatemala, Moçambique,
Peru e Portugal. – Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal: Universidade de Coimbra,
Centro de Estudos Sociais, 2010. p.23.
15
Mestre e Doutor pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pós-doutor pela Universidade Lisboa.
O professor de Graduação e Pós-Graduação (mestrado e doutorado) do Centro de Ciências Jurídicas da Unisinos
Lenio Streck é também membro da Comissão Permanente de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados
Brasileiros e presidente de honra do Instituto de Hermenêutica Jurídica.
16
STRECK, Lenio. A Lei de Anistia, a Constituição e os direitos humanos no Brasil: Lenio Streck responde. In:
Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n.2, p.24-30, jul-dez. 2009. p.24.
17
Professor Doutora em Direito Constitucional e Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, Professora de Direitos Humanos dos Programas de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e da Universidade Pablo Olavide (Sevilha, Espanha);
visiting fellow do Human Rights Program da Harvard Law School (1995 e 2000), visiting fellow do Centre for
Brazilian Studies da Universidade of Oxford (2005), visiting fellow do Max Planck Institute for Comparative
Public Law and International Law (Heidelberg – 2007 e 2008), sendo atualmente Humboldt Foundation Georg
Forster Research Fellow no Max Plank Institute (Heidelberg -2009 -2011). Procuradora do Estado de São Paulo,
membro do Clamdem (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher), membro do
Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, e da SUR – Human Rights University Network.
18
PIOVESAN, Flávia. Direito Internacional dos direitos humanos e Lei de Anistia: o caso brasileiro. In:
Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 2, jul.-dez., 2009. p.186.
87
19
ZYL, Paul Van. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós-conflito. In: Revista Anistia Política e
Justiça de Transição, Brasília, n. 1, p.32-55, jan.-jun., 2009. p 32.
20
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. – 24. ed. – São Paulo: Saraiva, 2003.p.15.
21
Ibid., p.15-16.
22
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. – 24. ed. – São Paulo: Saraiva, 2003.
p.128.
23
STRECK, Lenio. A Lei de Anistia, a Constituição e os direitos humanos no Brasil: Lenio Streck responde. In:
Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 2, jul.-dez., 2009. p.26.
24
WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. – 2. ed. rev. E ampl. – São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 1995. p.73.
25
ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo D. Memória Histórica, Justiça de Transição e Democracia sem fim. In:
Repressão e Memória Política no Contexto Íbero-Brasileiro: estudos sobre Brasil, Guatemala,
Moçambique, Peru e Portugal. Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal: Universidade
Coimbra, Centro de Estudos Sociais, p. 16-24, 2010. p.18.
26
NEVES, Marcelo. El contenido material de La democracia: tendencias actuales Del constitucionalismo
latinoamericano. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
27
BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. – 20ª Reimpressão –
organizado por Michelangelo Bovero; tradução Daniela Beccacia Versiani. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2000.
p.232.
28
Ibid., p.238-9.
29
MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas Atuais de Política do Direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
1998. p.83.
30
ABRÃO, Paulo. O alcance da Lei de Anistia: o último passo. Disponível em:
<http://portal.mj.gov.br/main.asp?Team={2AD759EF-DCFB-46EB-A16C-73502B9C09EF}>. Acesso em: 28
de setembro de 2011.
31
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de filosofia política. – 3. ed. – 2. reimpr. – São Paulo: Atlas, 2008. p.26.
32
MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas Atuais de Política do Direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
1998. p.20.
33
MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas Atuais de Política do Direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
1998. p.19.
34
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de filosofia política. – 3. ed. – 2. reimpr. – São Paulo: Atlas, 2008. p.14.
35
GRIMM, Dieter. Constituição e Política. Tradução de Geraldo de Carvalho; coordenação e supervisão Luiz
Moreira. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p.3.
36
ZYL, Paul Van. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós-conflito. In: Revista Anistia Política e
Justiça de Transição, Brasília, n. 1, p.32-55, jan.-jun., 2009. p 54.
37
MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas Atuais de Política do Direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
1998. p.56.
38
ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição no Brasil: a dimensão da reparação. In:
Repressão e Memória Política no Contexto Íbero-Brasileiro: estudos sobre Brasil, Guatemala,
Moçambique, Peru e Portugal. Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal: Universidade
Coimbra, Centro de Estudos Sociais, p. 26-59, 2010. p.50.
39
SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do estado: o substrato clássico e os novos paradigmas como précompreensão para o DireitoConstitucional. – Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p.120.
40
SANTOS, Marcelo Fausto Figueiredo. Teoria Geral do Estado. – 2. ed. – São Paulo: Atlas, 2001. p.89.
41
STRECK, Lenio Luiz; DE MORAIS, José Luis Bolzan. Ciência política e teoria geral do estado. 4. ed. –
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p.87.
42
MALUF, Sahid, 1914 – 1975. Teoria geral do Estado. 25. ed. atual./ pelo Prof. Miguel Alfredo Malufe Neto. São Paulo: Saraiva, 1999. p.20.
43
SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado: introdução. – 2. ed. rev. Atual. – Belo Horizonte: Del Rey,
2004. p.79.
44
STRECK, Lenio Luiz; DE MORAIS, José Luis Bolzan. Ciência política e teoria geral do estado. 4. ed. –
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p.86-87.
45
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. – 5ª edição atualizada e ampliada.São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002. p.163.
46
STRECK, Lenio Luiz; DE MORAIS, José Luis Bolzan. Ciência política e teoria geral do estado. 4. ed. –
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p.89.
47
STRECK, Lenio Luiz; DE MORAIS, José Luis Bolzan. Ciência política e teoria geral do estado. 4. ed. –
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p.89.Ibid, p.89.
48
Ibid., p.91.
49
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2007. p.115.
88
50
STRECK, op. cit., p.91.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Portugal: Edições Almedina, 2007.
p.93.
52
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2007. p.121-122.
53
STRECK, Lenio Luiz; DE MORAIS, José Luis Bolzan. Ciência política e teoria geral do estado. 4. ed. –
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p.97.
54
SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado: introdução. – 2. ed. rev. Atual. – Belo Horizonte: Del Rey,
2004. p.176.
55
Nação: para a existência de nação, devem comparecer motivos de ordem social, moral e histórica, por via dos
quais os indivíduos humanos, devidamente agrupados, apresentam aquilo que se convencionou chamar
parentesco espiritual.
56
População: massa de indivíduos que, em dado momento, vivem dentro da jurisdição de certo Estado. Não se
leva em conta entre eles,consequentemente,íntimas e demoradas relações sociais, de base ético-histórica, ou nem
mesmo rigorosas relações jurídicas, nem afins relações políticas.
57
MENEZES, Aderson de. Teoria Geral do Estado. – atualização por José Lindoso – e atual. – Rio de Janeiro:
Ed. Forense, 2009. p.137-8.
58
MALUF, Sahid, 1914 – 1975. Teoria geral do Estado. 25. ed. atual./ pelo Prof. Miguel Alfredo Malufe Neto. São Paulo: Saraiva, 1999. p.25.
59
STRECK, Lenio Luiz; DE MORAIS, José Luis Bolzan. Ciência política e teoria geral do estado. 4. ed. –
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 152.
60
GAMA, Ricardo Rodrigues. Ciência Política. Campinas: LZN Editora, 2005. p.114.
61
BRANCATO, Ricardo Teixeira. Instituições de direito público e de direito privado. – 11. ed. rev. – São Paulo:
Saraiva: 1998. p.59.
62
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo a Tancredo. – tradução Mariano Salviano Silva. – Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1988. p.495-6.
63
BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes. História Constitucional do Brasil. Brasília: OAB Editora, 2008.
p.455.
64
Ibid., p.448.
65
Ibid., p.448.
66
SODRÉ, Nelson Werneck. Vida e morte da ditadura: 20 anos de autoritarismo no Brasil. Petrópolis: Editora
Vozes, 1984. p.8.
67
Os regimes políticos repressivos se generalizaram pelos países do Cone Sul: Brasil (1964), Argentina (1996 e
1976), Uruguai (1973), Chile(1973), enquanto que a ditadura de Stroessner, no Paraguai, remonta à década
anterior, 1954. O Brasil e diversos outros países da região, que lutaram como aliados dos Estados Unidos na
Segunda Guerra, ficaram sob a influência norte americana, começando a partir daí o embrião de uma cooperação
estratégia militar que se estendeu sob as décadas posteriores, caracterizada pela uniformidade de doutrinas,
treinamento conjunto de quadros e estreita identidade ideológica. Essa influência sobre a nova concepção de
“Defesa Nacional”, que visava a contenção do comunismo, ficou conhecida como “doutrina da segurança
nacional”, que procurava fortalecer o “Poder Nacional” não contra um ataque externo, mas contra um “inimigo
interno” que teoricamente tentava solapar as instituições, num suposto contexto de “guerra interna”.
68
SANTOS, Roberto Lima; FILHO, Vladimir Brega. Os reflexos da “judicialização” da repressão política no
Brasil no seu engajamento com os postulados da justiça de transição. In: Revista Anistia Política e Justiça de
Transição, Brasília, n.1, p.152-177, jan-jun. 2009. p.152.
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75
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Seminário Internacional sobre Justiça Internacional Penal, promovido pelo Instituto de Relações Internacionais
da USP, em São Paulo, em 13 de abril de 2010. p.5. Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/main.asp?Team={2AD759EF-DCFB-46EB-A16C-73502B9C09EF}>. Acesso em: 7
de outubro de 2010.
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Brasil no seu engajamento com os postulados da justiça de transição. In: Revista Anistia Política e Justiça de
Transição, Brasília, n.1, p.152-177, jan-jun. 2009. p.154.
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SANTOS, Roberto Lima; FILHO, Vladimir Brega. Os reflexos da “judicialização” da repressão política no
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ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição no Brasil: a dimensão da reparação. In:
Repressão e Memória Política no Contexto Íbero-Brasileiro: Estudos sobre Brasil Guatemala,
Moçambique, Peru e Portugal, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal: Universidade de
Coimbra, Centro de Estudos Sociais, p. 26-59, 2010. p.45.
79
ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição no Brasil: a dimensão da reparação. In:
Repressão e Memória Política no Contexto Íbero-Brasileiro: Estudos sobre Brasil Guatemala,
Moçambique, Peru e Portugal, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal: Universidade de
Coimbra, Centro de Estudos Sociais, p. 26-59, 2010. p.46.
80
Ibid., p.45.
81
ABRÃO, Paulo; ALVARENGA, Roberta Vieira; BELLATO, Suelli Aparecida; TORELLY, Marcelo
D.Justiça de Transição no Brasil: O papel da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. In: Revista Anistia
Política e Justiça de Transição, Brasília, n.1, p.12-21, jan-jun., 2009. p.12.
82
BRITO, Alexandra Barahona de. Justiça transicional e a Política da memória: uma visão global. In: Revista
Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 1, p.56-83, jan.-jun., 2009. p 66.
83
Ibid., p.67.
84
BRITO, Alexandra Barahona de. Justiça transicional e a Política da memória: uma visão global. In: Revista
Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 1, p.56-83, jan.-jun., 2009. p 67.
85
BRITO, Alexandra Barahona de. Justiça transicional e a Política da memória: uma visão global. In: Revista
Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 1, p.56-83, jan.-jun., 2009.p.58.
86
ZYL, Paul Van. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós-conflito. In: Revista Anistia Política e
Justiça de Transição, Brasília, n. 1, p.32-55, jan.-jun., 2009. p 34.
87
Ibid., p.35.
88
ZYL, Paul Van. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós-conflito. In: Revista Anistia Política e
Justiça de Transição, Brasília, n. 1, p.32-55, jan.-jun., 2009. p.35. p.35.
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Sou responsável por esta tradução. SIKKIN, Kathryn; WALLING, Carrie Booth. The impact of Human Rights
Trials in Latin America. Disponível em:<htt://jpr.sagepub.com/content/44/4/427>. Acesso em: 11 de outubro de
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90
ZYL, Paul Van. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós-conflito. In: Revista Anistia Política e
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<http://www.youtube.com/watch?v=M3MiY6edBaA&feature=BFa&list=PL9C5D7465FCD58C04&lf=results_
video>; Parte 3:
<http://www.youtube.com/watch?v=aBKTUtdPI6I&feature=BFa&list=PL9C5D7465FCD58C04&lf=results_vid
eo>; Parte 4:
<http://www.youtube.com/watch?v=zBCqkbI5SfI&feature=BFa&list=PL9C5D7465FCD58C04&lf=results_vid
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possibilitando uma justiça de transição. In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 1, jan.jun., p. 178-202, 2009. p.188.
100
BAGGIO, op. cit., p. 274.
101
Ibid., p.272.
102
REMÍGIO, Rodrigo Ferraz de Castro. Democracia e anistia política: rompendo com a cultura do silêncio,
possibilitando uma justiça de transição. In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 1, jan.jun., p. 178-202, 2009. p.189.
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Guatemala, Moçambique, Peru e Portugal, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal:
Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, p. 260-286, 2010. p.275.
105
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Guatemala, Moçambique, Peru e Portugal, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal:
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proceso brasileiro. In: Repressão e Memória Política no Contexto Íbero-Brasileiro: Estudos sobre Brasil
Guatemala, Moçambique, Peru e Portugal, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal:
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Moçambique, Peru e Portugal, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal: Universidade de
Coimbra, Centro de Estudos Sociais, p. 26-59, 2010. p.46.
110
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Moçambique, Peru e Portugal, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal: Universidade de
Coimbra, Centro de Estudos Sociais, p. 26-59, 2010. p.49.
111
Ibid., p.49.
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Ibid., p.55.
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COIMBRA, Cecília; QUEIROZ, Leoncio de; JAPA, Mario; OSAVA, Chizuo; MAESTRI, Mario. Panorama
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fundamental à verdade. In: Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático brasileiro,
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Perita independente encarregada de atualizar o conjunto de princípios para a luta contra a impunidade.
91
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fundamental à verdade. In: Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático brasileiro,
Belo Horizonte, p.249-267, 2009. p.252.
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todos. In: Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático brasileiro, Belo Horizonte,
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e Justiça de Transição, Brasília, n. 1, p.32-55, jan.-jun., 2010. p.37.
135
Sou responsável por esta tradução. Priscilla Hayner é uma co-fundadora do Centro Internacional para Justiça
Transicional e dirige seu trabalho sobre a Serra Leoa, Peru, Gana e uma série de outros países. Uma especialista
em comissões de verdade e iniciativas de justiça transicional em todo o mundo, ela tem escrito extensamente
sobre o tema da busca da verdade oficial em transições políticas. Ela é a autora de Unspeakable Truths
(Routledge, 2001), que explora o trabalho de mais de 20 comissões de verdade em todo o mundo. Antes de
ingressar na ICTJ, ela era uma consultora da Fundação Ford, o Alto Comissariado da ONU para os Direitos
Humanos, e inúmeras outras organizações. Priscilla Hayner antigamente era uma oficial do programa em direitos
humanos internacionais e de segurança para a Fundação Joyce Mertz-Gilmore em Nova York. Ela é formada na
Earlham College e na School of International and Public Affairs at Columbia University. Disponível
em:<http://www.idea.int/rrn/individual/p_hayner.cfm>. Acesso em 21 de outubro de 2011.
136
Texto fornecido no II Seminário Latino-americano de Justiça de Transição realizado, no Superior Tribunal de
Justiça, nos dias 7 e 8 de julho de 2011. HAYNER, Priscilla. Unspeakable Truth: transitional justice and the
challenge of truth commissions. 2 edition. New York: Routledge, 2011. p.20.
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Anistia Política e Justiça de transição, n.3, p.426-463, jan.-jun., 2010. p.433.Comissão de Direitos Humanos,
61º período de sessões, Tema 17 do programa provisório, distribuição geral E/CN.4/2005/102/Add.1. 8 de
fevereiro de 2005. Original: Inglês. Disponível em:<http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={72590C4A-B0ED4605-A9D8-5247054336A6}>. Acesso em 21 de outubro de 2011.
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ações das Forças Armadas no período compreendido entre 1976 e 1983.
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Moçambique, Peru e Portugal, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Portugal: Universidade de
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revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n.3, p.108-139, jan.-jun., 2010. p.117.
185
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Brasil no seu engajamento com os postulados da justiça de transição. In: Revista Anistia Política e Justiça de
Transição, Brasília, n.2, p.152-177, jul.-dez., 2009. p.172.
186
Ibid.,p.174.
187
ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo D. Justiça de transição no Brasil: a dimensão da reparação. In:
revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n.3, p.108-139, jan.-jun., 2010. p.113.
188
PAYNE, Leigh A.; ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo D. A Anistia na Era da Responsabilização:
contexto global, comparativo e introdução ao caso brasileiro. In: A Anistia na Era da Responsabilização: o
Brasil em perspectiva Internacional e Comparada, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia;
Oxford: Oxford University, Latin American Centre, p.18-31, 2011. p.23. Disponível
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189
Ibid., p.23.
190
Ibid., p.22.
191
PAYNE, Leigh A.; ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo D. A Anistia na Era da Responsabilização:
contexto global, comparativo e introdução ao caso brasileiro. In: A Anistia na Era da Responsabilização: o
Brasil em perspectiva Internacional e Comparada, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia;
Oxford: Oxford University, Latin American Centre, p.18-31, 2011. p.29. Disponível
em:<http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD59503A9ITEMID8F4D8A167F8D4E20ACEF9F0981BA8B55PTB
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192
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sociedades em conflito ou pós-conflito. In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 1, p.
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194
ABRÃO, Paulo. O alcance da lei de anistia: o último passo. Disponível em:
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PISTORI, Edson Claudio; MOREIRA DA SILVA FILHO, José Carlos. Memorial da Anistia Política do
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Anistia e as alternativas para a verdade e a justiça. In: A Anistia na Era da Responsabilização: o Brasil em
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inacabada transição democrática brasileira. In: A Anistia na Era da Responsabilização: o Brasil em
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198
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199
VENTURA, Deisy. A interpretação judicial da Lei de Anistia brasileira e o Direito Internacional. In: A
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200
VENTURA, Deisy. A interpretação judicial da Lei de Anistia brasileira e o Direito Internacional. In: A
Anistia na Era da Responsabilização: o Brasil em perspectiva Internacional e Comparada, Brasília:
Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Oxford: Oxford University, Latin American Centre, p.308-343,
2011. p.331-332. Disponível
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RNN.htm>. Acesso em 24 de outubro de 2011.
95
201
Ibid., p. 332.
Ibid., p.332.
203
Ibid., p.332.
204
Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/dai/Home.htm>. Acesso em 25 de outubro de 2011.
205
BAGGIO, Roberta Camineiro. Anistia e reconhecimento: o processo de (dês)integração social da transição
política brasileira. In: A Anistia na Era da Responsabilização: o Brasil em perspectiva Internacional e
Comparada, Brasília: Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Oxford: Oxford University, Latin American
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206
Disponível em: <http://www.memoriasreveladas.arquivonacional.gov.br/multimidia/araguaia/araguaia.htm>.
Acesso em 25 de outubro de 2011.
207
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de Direitos Humanos: caso 11.552 – Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) contra a República
Federativa do Brasil. In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 2, jul.-dez., p.372-484,
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208
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<http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf>. Acesso em 25 de outubro de 2011.
209
Considerações efetuadas utilizando-se a fonte de pesquisa a seguir. CORTE INTERAMERICANA DE
DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) VS. Brasil – Sentença de 24 de
novembro de 2010. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf>. Acesso
em 26 de outubro de 2011.
210
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Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997 (1a. ed.), 2003 (2a.ed.), volume I. p.546.
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Paulo: Saraiva, 2011. p.99.
218
Ibid., p.104-7.
219
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. – 12. ed. rev. e atual. –São
Paulo: Saraiva, 2011.
220
CANÇADO TRINDADE, Augusto Antônio. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997 (1a. ed.), 2003 (2a.ed.), volume I. p.536.
202
96
221
CANÇADO TRINDADE, Augusto Antônio. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997 (1a. ed.), 2003 (2a.ed.), volume I. p.547-8.
222
MAZZUOLI MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Teoria geral do controle de convencionalidade no direito
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223
Ibid., p.125.
224
Ibid., p.129.
225
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227
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Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7030.htm>. Acesso
em 31 de outubro de 2011.
230
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7030.htm>. Acesso
em 31 de outubro de 2011.
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KRSTICEVIC, Viviana; AFFONSO, Beatriz. A dívida histórica e o Caso Guerrilha do Araguaia na Corte
Interamericana de Direitos Humanos impulsionando o direito à verdade e à justiça no Brasil. In: A Anistia na
Era da Responsabilização: o Brasil em perspectiva Internacional e Comparada, Brasília: Ministério da
Justiça, Comissão de Anistia; Oxford: Oxford University, Latin American Centre, p.344-390, 2011. p.356.
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Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997 (1a. ed.), 2003 (2a.ed.), volume I. p.521-2.
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ISSN 1981-8769. Disponível em: <>. Acesso em 27 de outubro de 2011.
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PhD em Ciência Política pela Universidade de Columbia, 1988. Disponível em:
<http://jpr.sagepub.com/content/44/4/427>. Acesso em 4 de novembro de 2011.
239
Candidata a PhD em Ciência Política pela Universidade de Minnesota. Disponível em:
<http://jpr.sagepub.com/content/44/4/427>. Acesso em 4 de novembro de 2011.
240
PIOVESAN, Flávia. Direito Internacional dos Direitos humanos e lei de anistia: o caso brasileiro. In:
Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 2, jul.-dez., p.176-189, 2009. p.185-6. Disponível
em: <http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={72590C4A-B0ED-4605-A9D8-5247054336A6}>. Acesso em: 4
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241
OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni; MACHADO, Felipe Daniel Amorim. Constituição e processo: A
resposta do constitucionalismo à banalização do terror. – Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
242
STRECK, Lenio. O que é isto – decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2010. p.87.
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Marcelo Alonso de Jesus Silva