DIREITO E PROCESSO DO TRABALHO NA ATUALIDADE Estudos temáticos em homenagem aos 20 anos da AMATRA18 1 2 ARI PEDRO LORENZETTI CLEBER MARTINS SALES PLATON TEIXEIRA DE AZEVEDO NETO Coordenadores DIREITO E PROCESSO DO TRABALHO NA ATUALIDADE Estudos temáticos em homenagem aos 20 anos da AMATRA18 3 R EDITORA LTDA. Todos os direitos reservados Rua Jaguaribe, 571 CEP 01224-001 São Paulo, SP — Brasil Fone (11) 2167-1101 www.ltr.com.br Abril, 2012 Versão impressa - LTr 4621.8 - ISBN 978-85-361-2104-8 Versão digital - LTr 7340.1 - ISBN 978-85-361-2171-0 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Direito e processo do trabalho na atualidade / Ari Pedro Lorenzetti, Cleber Martins Sales, Platon Teixeira de Azevedo Neto, coordenadores. — São Paulo : LTr, 2012. “Estudos temáticos em homenagem aos 20 anos da AMATRA 18” 1. Direito processual do trabalho 2. Direito material do trabalho — Brasil I. Lorenzetti, Ari Pedro . II. Sales, Cleber Martins. III. Azevedo Neto, Platon Teixeira de. 12-04445 Índice para catálogo sistemático: 1. Brasil : Processo trabalhista : Direito do trabalho 347.9:331(81) 1 CDU-347.9:331(81) DIRETORIA DA AMATRA 18 (biênio 2011/2013) Platon Teixeira de Azevedo Neto Presidente Cleber Martins Sales Vice-Presidente Administrativo e para Assuntos Legislativos Ari Pedro Lorenzetti Secretário-geral Eneida Martins Pereira de Souza Alencar Tesoureira Nara Borges Kaadi P. Moreira Diretora Social, de Esportes e de Qualidade de Vida Daniel Branquinho Cardoso Diretor de Comunicação e Informática Mânia Nascimento Borges de Pina Diretora de Prerrogativas CONSELHO FISCAL DA AMATRA 18 João Rodrigues Pereira Júlio César Cardoso de Brito Luciano Santana Crispim Suplente: Cleidimar Castro de Almeida EX-PRESIDENTES DA AMATRA18 Ênio Galarça Lima 1º Presidente (biênio 1991/1993) Dora Maria da Costa 2ª Presidente (biênio 1993/1995) Kathia Maria Bomtempo de Albuquerque 3ª Presidente (abr./jun. 1995) Mário Sérgio Bottazzo 4º Presidente (jun. 1995/abr. 1997) Breno Medeiros 5º Presidente (biênio 1997/1999) Marcelo Nogueira Pedra 6º Presidente (biênio 1999/2001) Daniel Viana Junior 7º Presidente (biênio 2001/2003) Fabiano Coelho de Souza 8º Presidente (biênio 2003/2005) César Silveira 9º Presidente (biênio 2005/2007) Rodrigo Dias da Fonseca 10º Presidente (biênio 2007/2009) Helvan Domingos Prego 11º Presidente (biênio 2009/2011) 5 6 “Este livro é dedicado a todos os associados da AMATRA 18, do passado, do presente e do futuro” 7 8 SUMÁRIO Apresentação .......................................................................................................... 11 Prefácio ................................................................................................................... 13 Processo Judicial Eletrônico — PJE-JT: Efeitos de um futuro que já aconteceu! .......... 15 Alexandre de Azevedo Silva A nova lei do aviso-prévio ....................................................................................... 30 Antônio Álvares da Silva Responsabilidade subsidiária e solidária na terceirização .......................................... 55 Ari Pedro Lorenzetti Legitimidade ativa. Espólio e herdeiros na Justiça do Trabalho ................................. 90 Cleber Martins Sales Assédio moral nas relações de trabalho — noções básicas ....................................... 106 Elvecio Moura dos Santos Imputação objetiva no direito penal ambiental (inclusive no meio ambiente do trabalho) ................................................................................................................. 130 Guilherme Guimarães Feliciano Terceirização: um projeto do capital para liquidar o direito do trabalho ................... 166 Grijalbo Fernandes Coutinho Os princípios jusambientais do desenvolvimento sustentável e do poluidor-pagador: Instrumentos de afirmação da promessa tuitiva do direito do trabalho ......................... 184 João Humberto Cesário Aviso-prévio concedido pelo empregado — indenização indevida: Um exemplo de aplicação do método jurídico trabalhista ................................................................. 216 Jorge Luiz Souto Maior Ranúlio Mendes Moreira As provas e o processo eletrônico ........................................................................... 236 Kleber de Souza Waki A luta pela limitação da jornada de trabalho e o controle de ponto eletrônico ........ 271 Luiz alberto de Vargas Paulo Luiz Schmidt Arbitragem nas relações trabalhistas no Brasil .......................................................... 278 Luiz Antonio Ferreira Pacheco da Costa Competência da justiça do trabalho: Para exorcizar o binômio fantasma empregador-empregador ............................................................................................................ Marcos Neves Fava 9 295 A desconstitucionalização dos direitos trabalhistas e o problema da normatividade da Constituição ....................................................................................................... 303 Noemia Aparecida Garcia Porto Os direitos da personalidade na atualidade e o direito do trabalho contemporâneo .... 323 Platon Teixeira de Azevedo Neto O juiz e a conciliação — competências conciliatórias de A-Z .................................... Ronie Carlos Bento de Sousa 10 359 APRESENTAÇÃO O Direito do Trabalho é produto das lutas coletivas em prol da melhoria das condições de vida da classe trabalhadora e foi a partir deste cenário que as associações profissionais encontraram terreno fértil para semear os novos ideais de uma sociedade mais justa e fraterna. Efetivamente, a busca de melhorias sociais não prescinde — antes pressupõe — a divulgação de ideias e o debate teórico. Não por acaso, a Associação dos Magistrados do Trabalho da 18ª Região contempla, entre seus objetivos específicos, o aprimoramento técnico-científico e cultural de seus associados e dos demais operadores do Direito. E, para marcar duas décadas de sua existência, apresenta à comunidade jurídica esta coletânea de estudos, como contributo para o debate e o aperfeiçoamento do Direito e Processo do Trabalho. O caráter abrangente dos ideais propostos despertou o interesse de diversos juristas em contribuir para esta obra e, assim, os textos a seguir contam com a participação de estudiosos de diferentes regiões do país, revelando debate plural, tanto sob a ótica da diversidade dos temas, como múltiplos enfoques. Nesta senda, foram desenvolvidos assuntos de relevo na contemporaneidade, nas searas material e processual, como a competência da Justiça do Trabalho, os meios de solução judicial e extrajudicial de conflitos, o aviso-prévio proporcional, o assédio moral, a terceirização e a responsabilidade, assim como o processo eletrônico — de acentuada atualidade —, todos examinados a fundo pelos coautores, convidando os leitores a uma profunda reflexão. A interdisciplinariedade desta obra, comunicando-se com outros ramos do direito, como o constitucional, o civil e o penal, também acentua a transcendência dos direitos sociais na vigência da Constituição Federal de 1988, no que as iniciativas acadêmicas e associativas revelam-se imprescindíveis para a conformação dos propósitos constitucionais à realidade social vivente. A jovem Amatra XVIII vê-se, com isto, imbuída no cumprimento deste desiderato, enriquecendo sua curta, porém intensa existência, desejando que sua trajetória seja também marcada por esta obra coletiva em homenagem ao seu vigésimo aniversário. Ari Pedro Lorenzetti Cleber Martins Sales Platon Teixeira de Azevedo Neto 11 12 PREFÁCIO A luta pelo crescente prestígio da Justiça do Trabalho, em defesa dos interesses de prerrogativas dos magistrados, bem como a promoção de uma maior aproximação entre os associados sempre foram princípios buscados pelo movimento associativo da magistratura trabalhista no decorrer das últimas décadas. São bandeiras de luta que perpassam as preocupações da entidade nacional, alcançando todas as Regiões da Justiça do Trabalho, onde a representação é feita por intermédio das Amatras. A Associação dos Magistrados do Trabalho da 18ª Região (AMATRA 18), ao comemorar seus 20 anos de existência, apresenta uma publicação que trata de questões que estão inseridas no dia a dia de todo o juiz do trabalho brasileiro. Recebi a honrosa incumbência de prefaciar esta obra como uma especial deferência da AMATRA 18 à nossa entidade nacional, a ANAMATRA. Deferência que toma maior dimensão no atual momento histórico, quando a AMATRA 18 é presidida por uma nova liderança da magistratura nacional, o colega Platon Teixeira de Azevedo Neto. A obra consiste em trabalhos científicos que retratam temas caros não apenas ao movimento associativo e ao mundo do trabalho, mas a toda a sociedade, destinatária final de nossa atividade judicante. Isso porque entendemos, Anamatra e Amatras, que o movimento associativo deve lutar pela valorização do trabalho humano, pelo respeito à cidadania e pela existência de uma verdadeira justiça social. E isso só poderá acontecer se os princípios democráticos, conquistados por anos de luta, sejam preservados e a moralidade pública seja uma realidade em nosso país. Muitos temas abordados neste livro demonstram que a evolução do homem na cadeia da vida não acompanha a sua valorização enquanto ser humano. Ao contrário, assistimos, diuturnamente, aos princípios sociais mais básicos sendo desrespeitados, dando vazão, cada vez maior, ao domínio do capital sobre o trabalho. Um bom exemplo para ilustrar essa realidade é a tentativa de regulamentar a terceirização, nos moldes como vem sendo discutida no Congresso Nacional. Os juízes do trabalho, representados por suas entidades de classe, não podem se calar frente à tentativa de precarizar os direitos sociais dos trabalhadores, infringindo os direitos mais básicos previstos na Constituição Federal. Em que pesem tentativas meramente fundadas na perspectiva econômica e de eficiência empresarial, é mister lembrar vitórias do movimento associativo, que 13 culminaram em melhores condições de vida para os trabalhadores brasileiros e no fortalecimento do Direito do Trabalho. Aqui trago como exemplo a recente regulamentação do aviso-prévio proporcional, luta que mereceu acompanhamento prioritário da Anamatra e das Amatras, inclusive com apresentação de anteprojeto ao Congresso Nacional. De igual importância foi a adoção da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT), cujo texto que originou a lei também foi apresentado pela nossa entidade. Importante também é reconhecer o papel das Associações de Magistrados do Trabalho em todo o Brasil, aqui incluindo a atuação da AMATRA 18, na luta pelo respeito às prerrogativas da magistratura do Trabalho. Nunca é demais lembrar que a independência dos magistrados é um direito necessário e inquestionável para que possamos oferecer à sociedade uma prestação jurisdicional de qualidade e com respeito. Aqui lembro a importância da unidade de propósito que marca o relacionamento entre a Anamatra e as Amatras em atuações pontuais com órgãos da cúpula dos três Poderes da República. A Anamatra somente é respeitada por representar a união das Amatras. Parabenizo a iniciativa dos colegas da Amatra 18 na publicação deste livro, que mostra a preocupação dos magistrados com temas tão caros a nós juízes. Também gostaria de exaltar a iniciativa dos magistrados fundadores da Amatra 18, que certamente devem se orgulhar do papel que vem sendo desempenhado pela entidade no decorrer dessas duas décadas. A obra deve ser lida não só como um documento histórico que marca o aniversário de uma entidade, mas como mais uma contribuição da Magistratura do Trabalho da 18ª Região para o fortalecimento da Justiça do Trabalho. Parabéns à AMATRA 18 e a todos os colegas da 18ª Região que contribuíram e contribuem para que o movimento associativo da Magistratura do Trabalho seja cada vez mais forte e respeitado em nosso país. Renato Henry Sant’Anna Presidente da Anamatra Gestão 2011/2013 14 PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO — PJE-JT: EFEITOS DE UM FUTURO QUE JÁ ACONTECEU! Alexandre de Azevedo Silva(*) Nada é mais arriscado ou temerário do que tentar predizer o futuro, porquanto, como registra de forma pouco consoladora Peter Drucker, sobre isso apenas podemos afirmar com segurança duas coisas: não se pode saber o que será; se será diferente do que existe agora e do que esperamos(1). Se tudo é movimento, metamorfose, e todos nós estamos condenados a viver em uma onda, aprisionados à inevitável profecia de Lulu Santos(2), toda e qualquer atividade de presságio mostra-se fútil e irracional, pois está lastreada em algo que vai ser diferente e que não pode ser previsto. A teoria cosmológica do Big Bang, aceita pela grande maioria dos físicos modernos, defende que o universo se originou de uma grande explosão de energia, que se espalhou e desdobrou, aglomerando-se progressivamente no tempo, nascendo as partículas, os átomos e as moléculas, evoluindo para formar a matéria e, depois, a vida. A lógica que alimenta essa teoria da evolução do universo possui fortes alicerces nos conceitos edificados de espaço e de tempo, hoje tão caros ao nosso meio científico(3), e demonstra, com muita persuasão, que Mário Moacyr Porto(4) estava absolutamente correto ao afirmar que “Jamais uma civilização percebeu de (*) Juiz do Trabalho Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taguatinga — DF, atualmente auxiliando a Presidência do Tribunal Superior do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho. (1) DRUCKER, Peter Ferdinand. O melhor de Peter Drucker: obra completa/Peter F. Drucker. Tradução de Maria L. Leite Rosa, Arlete Simile Marques e Edite Sciulli. São Paulo: Nobel, 2002. p. 329. (2) Segundo a qual “Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia. Tudo passa. Tudo sempre passará”. (3) Conceitos bem assimilados mas que não estão imunes a sofrer evoluções. O conceito de tempo real, por exemplo, foi relativizado pela inigualável genialidade de EINSTEIN, ao preconizar que se viajarmos à velocidade da luz, aquele simplesmente não fluirá. Estudos hodiernos realizados por uma equipe internacional de cientistas, no entanto, apuraram que um feixe de neutrinos pode ser transportado de um local para outro em velocidade superior à da luz, possibilidade até então rechaçada pela Física Moderna, o que afetará inevitavelmente a teoria da relatividade e criará um novo paradigma em relação ao fator tempo. (4) PORTO, Mário Moacyr. Ação de responsabilidade civil e outros estudos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1966. p. 193. 15 súbito e universalmente as antecipações dos sinais dos tempos. É destino da luz das estrelas o trânsito retardado de sua projeção”. Não há mais dúvida: muitas coisas já aconteceram neste preciso instante, mas seus efeitos apenas serão sentidos ou notados mais adiante. É preciso, portanto, discernimento para distinguir premonição de efeitos futuros de algo que já aconteceu. A implantação do Processo Judicial Eletrônico da Justiça do Trabalho — PJe-JT — não é mais um sonho, um mero objeto de desejo, passível de conjecturas em exercício de cartomancia. É um fato real, concreto e, no dizer do Ministro João Oreste Dalazen, Presidente do Tribunal Superior do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, irreversível! O objetivo do presente artigo doutrinário é despertar reflexões e lançar algumas poucas luzes sobre possíveis efeitos dessa irreversível mudança na forma de prestar o relevante serviço de entrega da prestação jurisdicional, com os meios e recursos tecnológicos de uma sociedade nitidamente informacional. 1. EFEITOS DE UM FUTURO QUE JÁ É PRESENTE A implantação do PJe-JT na Vara do Trabalho de Navegantes — SC, a partir do dia 05 de dezembro de 2011, iniciou uma nova era na Justiça do Trabalho, com o uso de um sistema único e nacional de processo judicial eletrônico. Diversos são os efeitos decorrentes desse novo momento vivenciado pela Justiça do Trabalho, a exigir de todos nós um despertar consciente para tudo o que está acontecendo no âmbito do processo. 1.1. Interoperacional — Um Novo Conceito de Espaço Territorial O espaço sempre foi um aspecto importante no modo de pensar e de organizar o serviço de entrega da prestação jurisdicional. Constitui-se princípio fundamental concernente à jurisdição de que esta “[...] não pode ser exercida fora do território fixado ao juiz”(5). O Processo Judicial Eletrônico — PJe — não rompe, em definitivo, com tal postulado de repartição do serviço judiciário. Mas é inegável que estando ele edificado em um ambiente inteiramente web, com recursos tecnológicos voltados para um contexto de mundo que a cada dia perde e supera os seus próprios (5) FILHO, Gabriel Rezende. Curso de direito processo civil. São Paulo: Saraiva, 1962. V. I, p. 93. 16 limites de fronteiras, o vetusto conceito de espaço territorial há de se fazer relativizado pela exigência inarredável de um novo olhar consentâneo com a realidade da vida social moderna. Dois exemplos clarificam melhor o que há pouco se afirmou. O art. 7º da Lei 11.419/2006 estabelece, de forma expressa, que “[...] todas as comunicações oficiais que transitem entre órgãos do Poder Judiciário, bem como entre os deste e os dos demais Poderes, serão feitas preferentemente por meio eletrônico”. O art. 13, caput, da mesma lei, por sua vez, prevê que “O magistrado poderá determinar que sejam realizados por meio eletrônico a exibição e o envio de dados e de documentos necessários à instrução do processo”. A interoperacionalidade do PJe-JT com diversos outros sistemas de informática utilizados por empresas públicas ou órgãos do Poder Executivo facilitará e agilizará muito essa troca de dados e informações. Sistemas de informática que hoje atuam isolados, autônomos, passarão, doravante, a interagir, a se comunicar, a trocar dados e informações, processando-os em velocidade e capacidade cada vez maiores e com custo cada vez mais reduzido, em um ambiente de conectividade em rede com potencial inimaginável. Dentro dos recursos tecnológicos disponíveis, e face à autorização expressa assegurada pela lei, é plena a possibilidade de um Juiz com jurisdição territorial no Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, enviar por meio eletrônico para uma autoridade pública lotada em Brasília-DF uma determinação de exibição de documentos necessários à instrução de um processo que tramita em sua unidade jurisdicional. A ordem judicial trafegará pela rede mundial de computadores, livremente, cortando as regiões do país até atingir o seu destinatário, com absoluto rompimento dos conceitos antigos e ultrapassados de limites territoriais de exercício de jurisdição. O mesmo já acontece com o uso do sistema de bloqueio eletrônico de valores — BACENJUD —, por meio do qual o magistrado determina o bloqueio e a transferência de valores do devedor disponíveis em instituições financeiras de qualquer lugar do país, sem os entraves burocráticos de uma visão circunscrita aos municípios sujeitos à jurisdição do órgão judicial emissor da ordem. As infovias transcendem os limites territoriais fixados no passado, e a expedição de carta precatória para a efetivação de tais ordens judiciais torna-se providência desnecessária, verdadeiro culto à burocracia desmedida. Aliás, quando o PJe-JT se transformar em um sistema único e comum a todo o Poder Judiciário Trabalhista, o próprio conceito de carta precatória sofrerá uma inteira reformulação. Haverá, quando muito, uma liberação de acesso dentro do 17 sistema, por meio do qual o Juízo tido como deprecado ficará temporariamente autorizado a praticar atos processuais, com pleno e integral acesso aos autos eletrônicos, sem prejuízo do idêntico acesso simultâneo a ser exercido pelo Juízo tido como deprecante. Pode-se pensar até além: a tecnologia de hoje já permite com extrema facilidade e segurança o uso da videoconferência, com transmissão em tempo real de voz e vídeo, de sorte que não se pode qualificar como delírio a possibilidade de o próprio Juiz da causa inquirir à distância testemunhas, utilizando-se apenas da estrutura física e dos equipamentos de transmissão de uma determinada unidade jurisdicional localizada a milhares de quilômetros. A carta precatória para inquirição de testemunhas estará com o seu ciclo de vida concluído e virará notória peça de museu! Não pode ser olvidado, outrossim, que o uso da tecnologia para otimizar atos expropriatórios dentro do processo igualmente viola os interditos territoriais. Leilões virtuais pela internet hoje possibilitam a expropriação de bens de devedores localizados fora da jurisdição do Juízo da Execução, não havendo mais limitação entre quem compra e o local do bem que está sendo alienado em hasta pública(6). É um novo mundo, que está apenas começando, e com potencial de expansão ainda imprevisível. 1.2. Imaterial — Um Novo Conceito de Autos do Processo Para o leigo, o termo “processo” sempre foi associado ao caderno ou álbum processual repleto de folhas, no qual se registram cronologicamente os atos processuais praticados. Na acepção técnico-jurídica, no entanto, esses papéis, documentos, em que se materializam os atos processuais, constituem os chamados “autos do processo”. (6) A fugacidade é uma característica deste novo cenário da sociedade informacional. As funcionalidades possíveis em termos de processo eletrônico têm o condão de tornar obsoletas regras processuais editadas há bem pouco tempo. Assim, e por exemplo, a inovação introduzida no processo civil pela Lei n. 11.232/2005, ao permitir que o exequente, no cumprimento da sentença, opte pelo juízo do local onde se encontram bens sujeitos à expropriação ou pelo do atual domicílio do executado, com remessa dos autos do processo pelo juízo de origem, perde muito do sentido. Em um sistema processual ligado em rede, com possibilidade de transmissão de ordens judiciais por meio eletrônico para qualquer parte do país, o local de domicílio do executado ou o local dos bens não é mais um obstáculo intransponível à sua expropriação, que pode ocorrer até por meio de leilões nacionais. A tecnologia inevitavelmente aperfeiçoará, em breve, também a logística para a entrega dos bens móveis adquiridos pelos arrematantes residentes fora do local de guarda física, e para tanto as experiências de e-commerce haverão de ser muito úteis. 18 No processo judicial eletrônico, os autos físicos simplesmente deixam de existir. Tudo passa a ser digital, e o processo, enquanto relação jurídica ou método de solução, assume a sua verdadeira natureza de ser imaterial. Muitos ainda não atentaram, mas esta nova concepção de autos do processo menos materializado, quase etéreo(7), permitirá a prática de atos processuais sem inúmeras exigências burocratizantes, que hoje só retardam o procedimento e que só fazem sentido em uma realidade de autos em papel. Assim, e por exemplo, não haverá mais autuação, numeração de folhas, inclusão de capas ou etiquetas. Os registros são feitos em banco de dados do próprio sistema e a distribuição para o Juízo competente é uma rotina automática realizada pelo próprio computador, sem necessidade de maior interferência humana. Ao perder a característica material e corpórea do papel, com ampla difusão da informação em uma rede externa de internet, os autos não podem mais ser retidos, apropriados com exclusividade, o que tornam inúteis diversas previsões da lei processual atual(8). Os conceitos de carga e de vista dos autos desaparecem e não fazem mais qualquer sentido. O processo eletrônico fica disponível para acesso na rede mundial de computadores durante vinte e quatro horas por dia, todos os dias da semana e do ano. O envio de intimação pessoal ao Ministério Público do Trabalho ou aos órgãos da Fazenda Pública, acompanhada dos autos físicos, também passa a ser uma prática ultrapassada. A intimação, ainda que eletrônica, é tida por lei como pessoal(9), e o acesso integral aos autos eletrônicos via portal dispensa qualquer outra necessidade de remessa. (7) Não se está aqui a dizer que a mídia eletrônica seja absolutamente imaterial, incorpórea ou etérea. Mas comparada à densidade material dos autos físicos em papel, esse novo meio de registro de atos processuais assume uma feição bem mais sutil, capaz de fluir com uma velocidade e sentido incomparavelmente maiores. (8) No universo digital, fica sem sentido a previsão do art. 778, caput, da CLT, quando diz que “Os autos dos processos da Justiça do Trabalho, não poderão sair dos cartórios ou secretarias, salvo se solicitados por advogado regularmente constituído por qualquer das partes, ou quando tiverem de ser remetidos aos órgãos competentes, em caso de recurso ou requisição”. Da mesma forma, não há razão de ser para os procedimentos cautelares de busca e apreensão de autos (art. 839, CPC) e de restauração de autos (art. 1.063, CPC), bem como os de entregas de autos ao requerente em procedimentos de justificação (art. 866, CPC) ou protesto (art. 872, CPC). (9) O § 6º, do art. 5º, da Lei n. 11.419/2006 estabelece que “As intimações feitas na forma deste artigo, inclusive da Fazenda Pública, serão consideradas pessoais para todos os efeitos legais”. 19