Prédica sobre Marcos 8. 31-38 Prezada comunidade amiga! Este é um texto fulminante, afiado, cáustico! Quem diria que um discípulo e Jesus travariam um diálogo tão tenso? A gente pensa que era só graça e paz entre eles. Mas não! Eles se xingam! Isso mesmo! Se acusam mutuamente, entram em conflito! São humanos, como nós! Vejamos se conseguimos entender mais profundamente este texto, que muitas vezes é usado para disseminar que o seguir a Jesus é um processo de abrir mão de muitas coisas, mas em prol de alegrias e sucesso. Floresce hoje em dia entre as igrejas esta idéia de que seguir a Cristo consiste em experimentar uma vitória atrás da outra, resolução mágica de problemas. Para muitos, tomar a decisão de seguir a Jesus é o início de uma jornada sem tropeços, passa a ser como uma espiral em direção ao céu, sem interrupções, rumo à santidade e por que não dizer: do sucesso. . É a teologia da glória, com sua postura triunfalista, que somente menciona os atos de poder, vitória e milagres de Deus. Promete uma vida sempre nos bancos da frente, para admirar bem os milagres. Em termos de AT, é uma teologia que lembram somente o Êxodo, e esquece o exílio. Justamente isso, não é seguir a Jesus. O que vai acontecer com quem segue a Jesus, ele mesmo mostra através da sua vida: rejeição e sofrimento, zigzag pelos picos e vales da vida. No entanto, dá para entender Pedro e sua vontade de repreender Jesus, afinal, ele estava vivendo um período de glória ao lado de Jesus: estava valendo a pena ter abandonado a pesca para seguir este homem. Jesus já tinha chamado os doze, pregado, curado. Os discípulos mesmo já tinham alimentado duas vezes as multidões, já tinham curado muitos doentes. Jesus colocou os fariseus no seu lugar, quando estes o confrontaram e tentaram detê-lo. Estava bom demais e fácil até ser discípulo, eles estavam se tornando conhecidos e cheios de autoridade e poder por andarem com Jesus e estavam indo para Jerusalém! Quem não queria isso? Infelizmente, depois que Pedro confessa que Jesus é o Cristo, Jesus mesmo começa a predizer sua morte de cruz para o choque de seus discípulos que esperavam por um salvador que banisse o império romano. Nós sabemos: Jesus, em muitos momentos fala coisas que parecem perversas e contrárias ao senso comum. E agora, ele vem e diz essa insanidade? Que ele vai sofrer muito, ser rejeitado e morto? Isso parece um absurdo para Pedro, pois parece que Jesus está desmoronando seu próprio projeto por antecipação e ainda na frente de todo mundo? Qual é? Pedro deve ter pensado: -“Nós falamos e mostramos sinais de esperança e o próprio Jesus vem e anuncia o fim de tudo isso?” Não é prá menos que Pedro chama Jesus para um canto e o repreende. E Jesus, por sua vez, repreende Pedro, mas na frente dos discípulos e depois se vira para a multidão e diz: quem quiser segui-lo deve renunciar sua própria vida e pegar sua cruz. Ah não, aí é demais! Jesus tocou num assunto terrível e nevrálgico: a cruz! A cultura romana que dominava a Palestina na época, era conhecida por sua engenharia, construíam coisas muito simples e até ingênuas, usavam de formas naturais e simples com resultados enormes, como aquedutos, por exemplo. Mas talvez a maior marca da engenharia deles foi a cruz. Colocavam postes pesados ao longo das estradas e dos cruzamentos mais movimentados, atravessavam outro pilar horizontalmente e amarravam ou pregavam as mãos dos homens ali e assim, tinham uma forma excruciante, lenta e dolorosa de tortura e morte que necessitava pouco empreendimento e esforço para montar, era barato, mas que levava vários dias até terminar com o sofrimento da pessoa amarrada, em público. Pôncio Pilatos não hesitava em usar este método de baixo custo, diabolicamente simples, um show ao vivo, que também era ao mesmo tempo, uma indireta aos oponentes de seu poder. Big Brother Calvário. A pessoa lá pregada morria após longo sofrimento, por asfixia, quando seus joelhos se dobrassem, as costelas comprimindo os pulmões. Em poucas palavras, a crucificação era subsidiada pelo governo para manter a população na linha. Até aqui minha pregação parece o filme A Paixão de Cristo de Mel Gibson que nunca assisti. Jesus fala três vezes seguidas sobre seu fim, em Marcos 8.31., 9.31, e 10.33. Então, nesta primeira de três anunciações sobre seu fim, Jesus gera desconforto total e Pedro se sente compelido a interferir. Como me sinto igual a Pedro, apesar de ser mulher. É um sentimento humano este, de querer que as coisas andem bem, de querer certo status, de querer não ver as inglórias e ameaças, de não querer ver ruir, um projeto em que se investiu tanto e abriu mão de tantas coisas. Pedro não entendeu nada! Nem crucificação, nem ressurreição! Ambas não poderiam ser verdade, para um homem que já fora reconhecido como filho de Deus, aquele que resolveria todos os problemas de injustiça! Pedro ainda percebe Jesus como o Messias vitorioso e não um líder fraco, por isso o repreende. Até o fato de repreender Jesus, mostra que Pedro não o entendeu por inteiro. Pedro não entende Jesus para além da sua humanidade. Será que para nós a cruz tem o mesmo significado? Será que o do símbolo da cruz tem o mesmo impacto que teve sobre Pedro? Para os contemporâneos de Jesus, que viviam numa Palestina ocupada pelo império romano, cruz era o sinal de uma ferida aberta no sonho de Deus para a humanidade e para nós. A cruz porém, se transformou-se no símbolo de nossa liberdade, nossa cura, símbolo de reconciliação para toda criação, uns com os outros, com a natureza e com o próprio Deus. Como esse símbolo se transformou tanto? Unicamente através de Jesus, não pela sua morte na cruz, pois se ele tivesse morrido na cruz como outras centenas de pessoas morreram isso seria comum, mas pelo jeito que ele viveu ANTES de ir parar na cruz. Sua maneira misericordiosa de reunir homens, mulheres e crianças torna sua morte cheia de sentido. A cruz para nós, lembra como Jesus viveu! Vendo como Jesus viveu, temos a coragem de acreditar na sua ressurreição. Cruz para nós então tem o significado justamente contrário do que Pedro entendeu: não morte, mas sim vida! Pegar nossa cruz então, não significa um chamado ao martírio, pois o sacrifício de Jesus foi o suficiente, Deus não quer mais sangue! Deus quer que sejamos o corpo de Cristo, que ora, que luta por um reino de justiça através da educação, melhor atendimento de saúde para todos, não como caridade, mas como Jesus o fez, ele nos chama a ser honestos sobre o poder que cada um de nós aqui tem, no dia a dia, por causa de nossa cor, nossa sexualidade ou gênero, nossa classe social, nossa educação, nosso “berço”. Nós somos chamados não somente para dar um lugar à mesa para as pessoas menos favorecidas, mas também reconhecer a quem esta mesa pertence. Esta mesa deve pertencer a Jesus Cristo que viu, como Pedro não viu, que verdadeiro poder vem de amar, e por isso leva à cruz, nossa, não a dos romanos. Tomar a cruz e seguir a Jesus é entender-se como Lutero descreveu o ser cristão: “O cristão é um senhor libérrimo sobre tudo, a ninguém sujeito. O cristão é um servo oficiosíssimo de tudo, a todos sujeito. Pegar nossa cruz é simplesmente servir o exemplo e modelo de Jesus, contando com as conseqüências disso. Como Lutero bem coloca: “ segue um outro ponto: que tomes Jesus como exemplo e também te ofereças para servir o teu próximo, assim como vês que ele se ofereceu a ti. Cristo é teu e te foi dado como presente, importa que tomes isso como exemplo e também ajudes ao teu próximo e procedas do mesmo modo com ele, isso é que sejas também para ele um presente e um exemplo. amém