Teoria da Auto-Organização Alfredo Pereira Jr. Professor Adjunto – UNESP Instituto de Biociências, Campus de Rubião Jr., Botucatu-SP, [email protected] Características: 1 - Espontaneidade • O conceito de AO se situa no contexto de um desdobramento da Teoria de Sistemas • Expressa a existência de uma espontaneidade dos sistemas naturais, artificiais ou humanos. Ex.: “relógio químico” (Reação de Belousov-Zhabotinsky) • Tal espontaneidade também pode ser entendida como um limite ao controle destes sistemas por parte da razão instrumental 2 – Resposta Construtiva às Perturbações • Os sistemas auto-organizados são complexos semi-abertos (ou semifechados), que derivam seus padrões de organização das relações internas entre seus componentes • Perturbações de origem externa podem ser utilizadas construtivamente, deflagrando processos organizacionais 3 – Presença de Causalidade Circular • Os sistemas AO frequentemente apresentam distintos níveis de organização, os quais travam relações de “feedback” entre si; • Conceito de “Autopoiese” (H. Maturana e F. Varela): inspirado no funcionamento celular; causalidade circular de genoma e metabolismo; • Distinção entre causalidade circular e “autoreferência”; discussão na Epistemologia da Imunologia. 4 – Não-Linearidade • Sistemas AO apresentam aspectos de não linearidade (desproporção entre magnitude de causas e efeitos no sistema; “efeito borboleta”); • Criticalidade Auto-Organizada (Per Bak): ao atingir um tamanho crítico, um monte de areia pode produzir uma avalanche ao sofrer pequena perturbação Teoria da AO de Michel Debrun • AO Primária: Ocorre quando um novo sistema se forma a partir do encontro casual de elementos que pertenciam a outros sistemas. Exs.: origem da vida, origem do Estado • AO Secundária: Ocorre em um sistema já constituído, quando um novo padrão de organização se forma, a partir das interações entre seus componentes e com o ambiente. Exs.: processo terapêutico, jôgo de futebol. Conceitos Centrais da AO-Debrun • A) da interação entre as partes se gera uma forma global nova no sistema; • B) ao longo do processo ocorrem ajustes das e entre as partes; • C) a AO não é absoluta; ela coexiste com a HeteroOrganização, que pode inclusive derivar do controle centralizado de um agente interno ao sistema; • D) os sistemas AO desenvolvem uma “hierarquia acavalada”, em que os níveis “inferiores” não só são controlados pelos “superiores” mas também os controlam (Hegemonia em Gramsci). AO e Política • O conceito de AO tem sido utilizado tanto por correntes pró e anti-capitalistas: a “Mão Invisível” (auto-regulação do mercado transformando vícios privados em virtudes públicas) nas ideologias liberalistas e a organização dos trabalhadores em Conselhos de Fábrica (Sovietes da Revolução Russa); • O conceito de Autonomia tem sido utilizado por correntes de esquerda que recusam o controle dos processos de transformação por um partido de tipo leninista (“centralismo democrático”). AO Ontogenética e Complexidade Biopsicossocial • O indivíduo humano é resultante da interação de diversos fatores biológicos, psicológicos e sociais Psicológico Social Biológico AO Filogenética e Teoria da Evolução • Segundo Sterelny e Griffiths (1999), se os seres vivos são AO então “a organização surge espontaneamente no próprio sistema, ao invés de ser imposta do exterior através do mecanismo de seleção”; • Kauffman (1993) tem proposto a existência de processos filogenéticos auto-organizadores, de modo complementar aos mecanismos de pressão seletiva/adaptativa e reprodução diferencial previstos nas abordagens darwinianas. AO e Co-Evolução • Lewontin (2000) entende o processo evolutivo como uma construção ativa, na qual ambiente e organismos interagem e transformam-se reciprocamente, caracterizando uma co-evolução; • Deacon (1996) alude ao “Efeito Baldwiniano” para explicar a origem de nossa espécie. AO e Homeopatia • O conceito de AO está subjacente à concepção teórico-filosófica que inspira a homeopatia de Samuel Hahnemann, tal como caracterizada por Rebollo (2008, p. 67), em termos de um “vitalismo materialista” ou “organicismo dinâmico”. • Segundo Hahnemann, a força vital, “motor infatigável de todas as funções normais do corpo, não foi criada para servir de auxílio a si mesma nas enfermidades”. Uma AO Terapêutica? • A impotência da força vital frente à enfermidade torna necessário o uso de medicamentos, já concebidos por Hahnemann como uma perturbação (introdução de quantidade infinitesimal de substância de dinamismo semelhante ao do agente morboso) que gera uma resposta do organismo, processo que se assemelha à AO secundária. AO como superação do Mecanicismo e do Vitalismo • Morin (1987) sugeriu que o conceito de AO alcançaria "além do mecanicismo e do vitalismo", possibilitando a superação de limitações daqueles tipos de modelos; • A postulação da força vital constituía uma explicação pela hetero-organização. • Entretanto, tal força seria incapaz de atuar para restaurar seu próprio dinamismo, requerendo para tanto uma ação auto-organizadora do corpo. Referências • Atlan H (1981) L'émergence du nouveau et du sens. Em: Dumouchel P and Dupuy JP (Org.) L'Auto-Organisation: de la Physique a la Politique. Actes du Colloque de Cerisy. Paris: Seuil: 115-138. • Keller EF (2008) Organisms, Machines, and Thunderstorms: A History of Self-Organization, Part One, Historical Studies in the Natural Sciences 38(1):45–75. • Keller EF (2009) Organisms, Machines, and Thunderstorms: A History of Self-Organization, Part Two. Complexity, Emergence, and Stable Attractors Historical Studies in the Natural Sciences 39(1):1–31. • Morin E (1977) O Método I: a Natureza da Natureza. Tradução de Mª Gabriela de Bragança. Lisboa: Publicações Europa-América. • Puttini R e Pereira Jr A (2007) Além do Mecanicismo e do Vitalismo: a Normatividade da Vida em Georges Canguilhem. Physis: Revista de Saúde Coletiva 17, 451-464. • Rebollo RA (2008) Ciência e Metafísica na Homeopatia de Samuel Hahnemann. São Paulo: Associação Filosófica Scientiæ Studia/Parque CienTec.