Como os alemães preparam seus professores do nível básico
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Claudio de Moura Castro
A qualidade da mão de obra alemã é atribuída ao sucesso ao seu sistema de formação
profissional, o chamado Sistema Dual, baseado na alternância entre trabalho (orientado
por um “meister”) e cursos complementares em regime de sala de aula.
Não será surpresa que seus professores – nos níveis fundamental, médio e vocacional –
sejam também preparados em um sistema onde há alternância entre a experiência de
trabalho e aulas sobre as artes de dar aula. Portanto, é interessante confrontá-lo com o
nosso, onde raramente há experiência de sala de aula durante o período de formação.
Na Alemanha, todos os professores têm uma formação universitária de quatro anos.
Durante o curso, o futuro professor deverá escolher sua carreira principal e mais uma
segunda. Faz parte da lógica do sistema que os professores devem ter a flexibilidade de
poder ensinar mais de uma matéria.
Os alunos aprendem os assuntos da profissão que vão ensinar nos mesmos cursos onde
estão outros alunos que serão profissionais e não professores. Isso evita o
empobrecimento da formação de professores, como acontece quando a carreira de
professores e de profissionais é separada.
O que diferencia a trajetória da formação docente é que, além dos cursos de formação
em alguma área do conhecimento, os alunos fazem também algumas disciplinas de
pedagogia. Nessa etapa, são cursos convencionais sobre o assunto. Em algumas escolas
de formação de professor, há também alguma experiência prática de dar aula. Ao cabo
de quatro anos, o aluno se submete a um exame muito exigente, nos assuntos de sua
especialização e em pedagogia. Terminando ai a sua preparação básica e seu vínculo
com a universidade.
Em seguida, assina um contrato com alguma escola (praticamente todas são públicas),
recebendo um salário reduzido e um status ocupacional precário, pois é apenas um
aprendiz. Esse programa tem a duração de dois anos.
Começa então um treinamento - assemelhado ao Sistema Dual. Nos três dias de prática,
estará sob a supervisão de um mentor ou tutor. Nos dois dias restantes, participa de
seminários coordenados por professores da própria escola ou de instituições
especializadas nessa segunda fase da sua formação.
Os professores tutores são escolhidos dentre os melhores mestres da escola - que são
dispensados de algumas horas de aula por semana, para que se dediquem aos seus
aprendizes. Mas continuam como professores em sala de aula. Para serem tutores,
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O presente ensaio foi baseado em uma entrevista com o Prof. Dr Georg Spoettl e o professor Ingwer Nommensen,
ambos ligados a “faculdades de educação”. O primeiro tem vínculos com as universidades de Bremmen e Flensburg e
o segundo é atualmente funcionário do Ministério de Educação do Estado de Schlessig Holstein. Obviamente os dois
professores não são responsáveis por interpretações equivocadas do que disseram.
recebem uma formação relativamente sumária, durando cerca de uma semana,
dependendo do estado. Não há um adicional de salário por ser tutor e nem vantagens de
promoção. Mas para quem quer fazer carreira administrativa, haver sido tutor pode
ajudar.
Os professores encarregados dos seminários são especialistas em pedagogia aplicada.
O ensino nesses seminários segue um currículo pré-estabelecido, com leituras e
apresentações. Em princípio, trata-se de uma pedagogia bem mais aplicada, em
comparação com a adotada durante o curso de quatro anos.
Há duas características marcantes no processo. A primeira é que o tutor e os professores
de seminário são sempre da disciplina em que o professor está sendo preparado. Essa é
uma orientação muito forte na tradição alemã. A força da profissão se impõe em todas
as áreas. A própria palavra alemã para a profissão, Beruf, contem uma dimensão
adicional que demarca a ênfase na aquisição dos valores e da ética da profissão.
Portanto, a pedagogia não é genérica, mas específica a cada profissão. Em segundo
lugar e menos importante, há uma tentativa de ligar os seminários ao que está
acontecendo na parte aplicada.
Nos três dias de prática, o aprendiz ministra aulas na escola em que está trabalhando.
Algumas aulas são dadas sem a presença do tutor, mas durante duas horas por semana,
em princípio, dá aulas na presença do tutor. Em outros momentos, assiste às aulas do
tutor. Mas além disso, os professores especialistas também assistem às classes do
aprendiz. Ou seja, o aprendiz dá aulas em presença de dois professores diferentes.
Naturalmente, recebe sempre comentários e críticas acerca do seu desempenho.
Cada tutor tem sob sua orientação dois alunos/aprendizes. Como os alunos têm que se
preparar em duas disciplinas, cada aluno tem dois tutores.
Após os dois anos de aprendiz, o aluno está pronto para se candidatar aos Exames de
Estado. Se passar, será integrado à carreira do serviço público, como professor. Tem
estabilidade no emprego, estará regido por regras detalhadas e tem um salário bastante
razoável. Mas o exame de entrada é rigoroso e difícil.
Para terminar, vale a pena sublinhar três dimensões em que o sistema difere da tradição
brasileira.
Em primeiro lugar, há um forte componente de prática. Na verdade, dois quintos do
tempo de formação é gasto ou dando aula sob supervisão de um tutor ou discutindo
assuntos práticos de como lidar com a sala de aula.
Em segundo lugar, tal como no Sistema Dual, há uma forte valorização daqueles
mestres que têm muita experiência prática. O professor tutor não é alguém que faz
pesquisas ou tem títulos de pós-graduação, mas alguém que sabe exercer o ofício de
ensinar com maestria. Ou seja, ensina a fazer quem melhor sabe fazer e não quem tem
mais diplomas.
Em terceiro lugar, no sistema alemão, a pedagogia que interessa é aquela específica da
disciplina que o futuro professor está aprendendo. A pedagogia “genérica” não
interessa, por ser considerada excessivamente vaga e, portanto, oferecer pouco apoio na
condução da sala de aula.
Essas três características não estão por acaso. Pelo contrário, estão lá espontaneamente,
por expressarem traços profundos da cultura alemã. Mas acontece que são traços muito
importantes e positivos. Discrepam das nossas práticas, justamente, no que temos de
mais frágil que é o pouco caso pela experiência prática e pelas pessoas mais
competentes no desempenho da profissão.
Podemos aprender com os alemães e copiá-los? Não faltam advertências acerca do
perigo e da inocuidade de copiar modelos de outros países. De fato, são mais do que
procedentes. Contudo, os sistemas educacionais que existem pelo mundo afora são
cópias e cópias das cópias. Nossa escola básica tem a marca registrada da França. Nossa
pós-graduação é assinada pela cultura americana. Nosso sistema de formação
profissional não esconde sua origem suíça - alemã.
Os desafios estão em decidir o que copiar e como copiar. Por exemplo, copiamos muita
coisa boa da formação profissional alemã. Mas a alternância entre emprego e escola se
revelou muito pesada administrativamente e difícil de reproduzir.
A guisa de conclusão, parece razoável pensar que os três grandes diferenciais do sistema
de formação de professores na Alemanha são um bom ponto de partida para repensar
nosso sistema.
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