aula 07 Funções reais de variável realβLimites e continuidade 7.2 Funções reais Uma noção central na denominada análise real é a noção de real de variável real, ou seja, das funções π βΆ π΄ β β β β. Trata-se de funções cujo domínio é um subconjunto não vazio de β que tomam valores em β. De facto não estaremos interessados na totalidade de tais funções. A noção de função é demasiado geral para poder ser útil no contexto do cálculo. Assim sendo teremos a oportunidade de introduzir certas restrições a esta classe, de modo a tornar possível um estudo efectivo e sistemático dos objectos que satisfazem essas restrições. Entre as restrições que iremos considerar, as mais notáveis são as propriedades de continuidade e de diferenciabilidade. Recordamos que uma função π βΆ π΄ β β β β é um conjunto de pares ordenados (π, π) em que π β π΄ e π β β satisfazendo: 1. (βπ β π΄)(βπ β π΅)(π, π) β π e, 2. (βπ β π΄)(βπ, π β β)[((π, π) β π β§ (π, π) β π) β π = π]. Em geral, escrevemos π(π) = π em vez de escrever (π, π) β π , uma vez que a primeira notação está mais enraízada na prática matemática. Se π(π) = π dizemos que π é a imagem de π através de π . Deste modo, 1 e 2 acima estabelecem que «todo o objecto tem uma imagem» e «cada objecto possui uma única imagem», respectivamente. Relativamente a π como acima dizemos que π΄ é o domínio de π , que se representa por dom(π). O contradomínio de π é o conjunto de todas as imagens, ou seja, é o conjunto que se denota por π(π΄) e é definido por: π(π΄) βΆ= {π β β β£ (βπ β π΄)π(π) = π}. Se π΅ β β então, o conjunto constituído pelos elementos de π΄ que tem imagens em π΅ designaβτΊ½ se de pré-imagem de π΅ por π , denota-se por π (π΅), i.e., βτΊ½ π (π΅) βΆ= {π β π΄ β£ π(π) β π΅}. Uma função π βΆ π΄ β β β β é crescente se satisfaz: (βπ₯, π¦ β π΄)[π₯ β€ π¦ β π(π₯) β€ π(π¦)]; é injectiva se satisfaz: (βπ₯, π¦ β π΄)[π₯ β π¦ β π(π₯) β π(π¦)]; A noção de sobrejectividade requer que consideremos o caso mais geral em que consideramos uma função entre dois subconjuntos de reais, i.e., π βΆ π΄ β β β π΅ β β. (π΅ diz-se o conjunto 1 de chegada.) Assim, dada uma função π βΆ π΄ β β β π΅ β β ela diz-se sobrejectiva de π΄ para π΅ se (βπ¦ β π΅)(βπ₯ β π΄)π(π₯) = π¦. Iremos então concentrar-nos nas propriedades de continuidade e diferenciabilidade que introduziremos ao longo das secções seguintes. Nessa discussão certas propriedades topológicas dos conjuntos de números reais desempenham um papel relevante pelo que iremos iniciar este estudo definindo essas mesmas propriedades. 7.3 Noções topológicas Um conceito central é o de conjunto aberto. Definição 7.1 (conjunto aberto).β Um conjunto π΄ β β diz-se aberto se satisfaz a seguinte condição: dado πΌ β π΄ existe π > τΊΌ tal que ππ (πΌ) β π΄. Definição 7.2 (conjunto fechado).β Um subconjunto π΄ β β é fechado se o seu complementar, i.e., se o conjunto β ⧡ π΄ é aberto. Numa aula anterior, introduzimos o conceito de conjunto fechado, dizendo que se trata de um conjunto que contém todos os seus pontos de acumulação. De facto, essa definição e aquela que agora apresentámos são equivalentes. Aproveitamos para recordar que um real πΌ é um ponto de acumulação de um conjunto π΄ se para qualquer π > τΊΌ se tem que πΜ π (πΌ)β©π΄ β β , onde πΜ π (πΌ) =]πΌ β π, πΌ[βͺ]πΌ, πΌ + π[. Pode mostrar-se que a união de uma família arbitrária de abertos é ainda um aberto e que a intersecção de uma família finita de abertos é aberto. Já quanto aos fechados, é possível mostrar que a intersecção de uma família arbitrária de fechados é um fechado e que a união de uma família finita de fechados é ainda um fechado. De forma equivalente e usando o teorema da recursão, pode demonstrar-se o seguinte: Lema 7.1.β Um real πΌ é ponto de acumulação de π΄ β β se e só se existe uma sucessão (π₯π ) com termos em π΄ ⧡ {πΌ} tal que (π₯π ) β πΌ. A par das noções de aberto e fechado, a noção de conjunto compacto é igualmente importante. Para definir este conceito necessitamos primeiro de introduzir a noção de cobertura aberta de um conjunto. Definição 7.3.β Por cobertura aberta de um conjunto π΄ entendemos uma família de vizinhanças π° = {πππ (πΌπ ) β£ π β πΌ} tal que π΄ β βͺπ° = βͺπβπΌ πππ (πΌπ ). Definição 7.4.β Um conjunto πΎ β β diz-se compacto se dada uma qualquer cobertura aberta de πΎ , digamos π° , existe π² β π° , tal que π² é finito e π² é uma cobertura de πΎ . (Um tal π² diz-se uma subcobertura finita.) Esta definição de conjunto compacto não é muito útil em termos práticos. Felizmente o seguinte teorema fornece uma caracterização desta noção, muito mais fácil de usar em termos práticos. Teorema 7.1 (Heine-Borel).β Um subconjunto πΎ β β é compacto se e só se é fechado e limitado. 2 Exemplos.βOs conjuntos β , β são simultaneamente abertos e fechados; β é compacto mas β não. Os conjuntos β e π não são nem abertos, nem fechados, nem compactos. Um intervalo aberto é também um conjunto aberto e um intervalo fechado é um conjunto fechado. O conjunto β é fechado mas não é compacto. Um intervalo fechado e limitado é compacto. 7.4 Limites de funções reais de variável real Consideremos uma função π βΆ π΄ β β β β e um ponto de acumulação de π΄, digamos πΌ. Admitimos aqui a possibilidade de πΌ poder ser +β ou ββ estendendo a noção de ponto de acumulação de modo a incluir estas duas possibilidades. Essa inclusão ode ser feita considerando que +β é ponto de acumulação de π΄ se π΄ não é limitado superiormente e que ββ é ponto de acumulação de π΄ se π΄ não é limitado inferiormente. Tem-se então, Definição 7.5 (Cauchy).β Se πΌ é ponto de acumulação de π΄ e π βΆ π΄ β β β β é uma função então, dizemos que π½ β β é o limite de π(π₯) quando π₯ tende para πΌ se (βπ > τΊΌ)(βπΏ > τΊΌ)(βπ₯ β π΄)[π(π₯, πΌ) < πΏ β π(π(π₯), π½) < π]. É conveniente considerar uma segunda definição de limiteβa definição segundo Heine. Definição 7.6 (Heine).β Se πΌ é ponto de acumulação de π΄ e π βΆ π΄ β β β β é uma função então, dizemos que π½ β β é o limite de π(π₯) quando π₯ tende para πΌ se, dada uma qualquer sucessão (π₯π ) com termos em π΄ ⧡ {πΌ} tal que (π₯π ) β πΌ, se tem que (π(π₯π )) β π½. Lema 7.2.β As definições de Heine e de Cauchy são equivalentes. Se o limite quando π₯ tende para πΌ de π(π₯) é π½ escrevemos limπ₯βπΌ π(π₯) = π½. A definição de Heine é particularmente interessante pois permite transpor imediatamente certos resultados sobre limites de sucessões para limites de funções. Teorema 7.2.β Consideremos duas funções π, π βΆ π΄ β β β β. Suponhamos que πΌ é ponto de acumulação de π΄. Supondo que limπ₯βπΌ π(π₯) = π½ β β e limπ₯βπΌ π(π₯) = π β β. Nestas condições, 1. limπ₯βπΌ (π(π₯) + π(π₯)) = limπ₯βπΌ π(π₯) + limπ₯βπΌ π(π₯) = π½ + π; 2. limπ₯βπΌ (π(π₯) β π(π₯)) = limπ₯βπΌ π(π₯) β limπ₯βπΌ π(π₯) = π½ β π; 3. limπ₯βπΌ (π(π₯)/π(π₯)) = limπ₯βπΌ π(π₯)/ limπ₯βπΌ π(π₯) = π½/π (se π β τΊΌ); 4. Se π(π₯) é constante em π΄, ou seja se existe π β β tal que π(π₯) = π para qualquer π₯ β π΄ então, limπ₯βπΌ π(π₯) = π. Tal como no caso das sucessões o resultado anterior pode generalizar-se permitindo, em certos casos, que π½ e π sejam infinitos. As «regras» são as seguintes: π + (±β) = ±β (se + β π β β); (±β) + (±β) = ±β; π β (±β) = ±β (se π β β ); π β (±β) = ββ (se π β β ); (±β) β (±β) = +β; (±β) β (ββ) = ββ; finalmente, no caso dos quocientes: (±β)/π = ±β se π β β+ e (±β)/π = ββ se π β ββ ; se π β β então π/(±β) = τΊΌ. Finalmente o caso em que o 3 denominador num quociente de funções tende para zero merece-nos especial atenção. Uma vez que «πΌ/τΊΌ» pode ser visto como «πΌ β (τΊ½/τΊΌ)» basta-nos considerar o caso «τΊ½/τΊΌ». Neste caso, o limite só vai existir (tal como no caso das sucessões) se o denominador, tendendo para zero tem sinal fixo numa vizinhança de πΌ, i.e, se existe π > τΊΌ tal que para qualquer π₯ β π΄ β© ππ (πΌ) o sinal de π(π₯) é constante. (Estamos a usar a notação do teorema anterior.) Assim, se π(π₯) tende para zero por valores positivos quando π₯ tende para πΌ (escrevemos limπ₯βπΌ π(π₯) = τΊΌ+) então, τΊ½/π(π₯) tende, nas mesmas circunstâncias para +β. Abreviamos estas considerações escrevendo τΊ½/τΊΌ+ = +β. Analogamente, τΊ½/τΊΌβ = ββ. 7.4.1 Limites laterais Em muitas circunstâncias úteis, uma função é definida de forma diferente à esquerda e à direita de um ponto. Nestas circunstâncias é interessante dispor da noção de limite lateral que iremos introduzir de seguida. Antes disso, introduzimos a seguinte notação: denotamos por ππ+ (πΌ) o conjunto ]πΌ, πΌ + π[ e por ππβ (πΌ) o intervalo ]πΌ β π, πΌ[. Definição 7.7 (limites laterais [Cauchy]).β Consideremos uma função π βΆ π΄ β β β β e um ponto de acumulação de π΄, que denotamos por πΌ (admitimos apenas πΌ β β). Suponhamos que para qualquer π > τΊΌ se tem que ππ+ (πΌ) β© π΄ β β . Dizemos que π½ β β é o limite à direita de π(π₯) quando π₯ tende para πΌ e escrevemos limπ₯βπΌ+ π(π₯) = π½ se, (βπ > τΊΌ)(βπΏ > τΊΌ)(βπ₯ β π΄)[π(π₯, πΌ) < πΏ β§ π₯ > πΌ β π(π(π₯), π½) < π]. Da mesma forma, se para qualquer π > τΊΌ se tem que ππβ (πΌ) β© π΄ β β . Dizemos que π½ β β é o limite à esquerda de π(π₯) quando π₯ tende para πΌ e escrevemos limπ₯βπΌβ π(π₯) = π½ se, (βπ > τΊΌ)(βπΏ > τΊΌ)(βπ₯ β π΄)[π(π₯, πΌ) < πΏ β§ π₯ < πΌ β π(π(π₯), π½) < π]. Tem-se que o limite de uma função existe sse existem os limites laterais nesse ponto existem e forem iguais. Teorema 7.3.β Suponhamos que πΌ é um ponto de acumulação de π΄ e π βΆ π΄ β β β β é uma função. Tem-se que limπ₯βπΌ π(π₯) = π½ sse existem os limites limπ₯βπΌ+ π(π₯) e limπ₯βπΌβ π(π₯) e são iguais. Existem versões equivalentes das noções de limite lateral ao estilo da definição de limite segundo Heine. Definição 7.8 (limites laterais [Heine]).β Consideremos uma função π βΆ π΄ β β β β e um ponto de acumulação de π΄, que denotamos por πΌ (admitimos apenas πΌ β β). Suponhamos que para qualquer π > τΊΌ se tem que ππ+ (πΌ) β© π΄ β β . Dizemos que π½ β β é o limite à direita de π(π₯) quando π₯ tende para πΌ e escrevemos limπ₯βπΌ+ π(π₯) = π½ se, dada uma qualquer sucessão (π₯π ) com termos em ]πΌ, +β[β©π΄ tal que (π₯π ) β πΌ se tem (π(π₯π )) β π½. Da mesma forma, se para qualquer π > τΊΌ se tem que ππβ (πΌ) β© π΄ β β . Dizemos que π½ β β é o limite à esquerda de π(π₯) quando π₯ tende para πΌ e escrevemos limπ₯βπΌβ π(π₯) = π½ se, dada uma qualquer sucessão (π₯π ) com termos em ] β β, πΌ[β©π΄ tal que (π₯π ) β πΌ se tem (π(π₯π )) β π½. Mais uma vez as definições à Heine e à Cauchy, são equivalentes. 4