Nome:_______________________________________________ Data:________/______/_______ Redação – Profa. Lorena Cançado Coletânea: Internação compulsória. Você concorda ? -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Texto 01: Isso não é um filme O juiz da internação compulsória não mandou confinar ninguém (por Clara Becker – Revista Piauí – 78) Da janela da sala de Samuel Karasin mal dava para enxergar os cartazes dos manifestantes lá fora. “Uso drogas, mas tenho direitos”, dizia um deles. “Internação compulsória não!”, defendia outro. Naquela manhã no fim de janeiro, os ativistas estavam plantados na frente do Centro de Referência de Álcool, Tabaco e outras Drogas, o Cratod, onde Karasin trabalha. O prédio fica no Centro de São Paulo, a algumas centenas de metros de um notório ponto de venda e consumo de crack. Os manifestantes estavam ali para protestar contra uma medida do governo estadual que estabelecia uma parceria entre profissionais de saúde, Ministério Público e o Tribunal de Justiça de São Paulo para agilizar o processo de internação compulsória ou involuntária de dependentes químicos. O confinamento à revelia do usuário é amparado numa lei federal de 2001, que define a internação involuntária, feita a pedido de familiares, e a compulsória, quando houver determinação judicial mediante laudo médico. Na capital paulista, a decisão de autorizar ou não se um dependente deve ser internado cabe a Samuel Karasin, juiz de direito que faz plantões diários no Cratod das 9 às 13 horas. Karasin é um homem alto de 43 anos que não poderia ser mais distante do estereótipo do juiz implacável dos filmes de tribunal. Afável, dispensa o “Vossa Excelência” e é tratado pelos colegas pelo apelido de Samuca. No Cratod, despacha detrás de uma mesa de fórmica, quase baixa demais para ele, sobre a qual fica uma impressora que não funciona. O juiz recebe uma média de vinte casos por dia, nos quais a situação dos dependentes de drogas é invariavelmente caracterizada com expressões como “saúde em risco”, “agressividade física”, “condições sub-humanas” e “família desesperada”.A maior parte deles é resolvida com um ofício ou um telefonema. Como o estado não está fazendo abordagens na rua, até o fim de fevereiro Karasin só havia examinado pedidos de internação involuntária, feitos por parentes de usuários. Não havia decidido por nenhuma internação compulsória. Karasin olhou com tristeza para as fotos anexadas a um caso. Mostravam uma mulher com o braço quebrado, bolsas roxas embaixo dos olhos e olhar vazado. “Essa é mãe, com certeza”, avaliou. “Só mãe faz essa cara de não saber o que fazer depois de apanhar tanto.” Ele achou por bem decretar urgência no atendimento. Uma ambulância deveria buscar o usuário para uma avaliação psiquiátrica. Em outro caso, um avô desesperado pedia ajuda para encontrar o neto que costumava perambular nas imediações de um terminal rodoviário, mas havia desaparecido. “Um juiz clássico não faria nada. Não tem como sair procurando usuários desaparecidos por aí”, raciocinou o magistrado. “Mas vou fazer uma tentativa”, completou, enquanto escrevia um ofício para uma delegacia tentar localizar o menino. Na maioria dos casos, Karasin intervém para garantir atendimento e transporte aos dependentes químicos. Muitos se recusam a ir ao hospital fazer avaliação psiquiátrica, sem a qual não podem ser internados. O juiz determina que o paciente seja avaliado em casa ou conduzido para a avaliação. “Eu garanto o acesso à saúde. Viu como o problema é muito anterior à internação?”, perguntou enquanto assinava uma ordem com uma Bic azul sem tampa que ele segura feito uma criança aprendendo a escrever, numa letra redondinha. Num determinado caso, Karasin ordenou a um Centro de Atenção Psicossocial (caps) que avaliasse um usuário, sob pena de multa. Desesperada, a mãe levara o filho ao Centro e eles haviam dito que ela voltasse em um mês. O juiz decidiu que o caso deveria ser tratado com mais celeridade. Poucos minutos depois, recebeu queixa relativa a outro caps. Havia três dias que a equipe do Cratod tentava entrar em contato e ninguém atendia ao telefone. O juiz, então, enviou um oficial de Justiça ao local com uma solicitação prosaica: que o diretor fizesse uso da invenção de Graham Bell e atendesse às chamadas . Dentro do Cratod, o ambiente era cordato, em contraste com a hostilidade dos manifestantes. Karasin estava satisfeito com seu papel, convicto de que participava de um momento histórico. “Pela primeira vez o Tribunal de Justiça desloca dois juízes para dar atenção a uma população tão frágil. Estamos priorizando o acesso à Justiça ao lado da Cracolândia”, disse o magistrado. “É lindo isso.” Karasin não se abalou com o estardalhaço do lado de fora – para ele, era parte do jogo democrático. “Não me importa ser demonizado”, disse. “O que é a opinião pública? Eu tomo minhas decisões de acordo com a minha consciência e com pesquisas. Mas é claro que sou humano e posso falhar.” O juiz frisou que não estava ali a serviço de qualquer política higienista. “As pessoas estão projetando seus temores inconscientes. Não vai sair um monte de perua recolhendo gente na rua.” Para o magistrado, faltam fundamentos a quem critica a internação involuntária por não respeitar o livre-arbítrio do dependente. “Aquele que não tem consciência não tem autonomia por definição”, disse. “Se um amigo bebeu demais e está passando mal, você não questiona se ele é livre ou não para ir ao prontosocorro. Você leva.” A eficácia reduzida da internação involuntária no tratamento dos dependentes químicos – ela só funcionaria em 2% a 6% dos casos – é outro argumento comum entre os detratores. “Pergunte para uma mãe nesses dois por cento o que ela acha”, provocou Karasin. Embora declare não ser religioso, o magistrado de ascendência judaica citou o livro sagrado dos rabinos para reforçar seu argumento. “O Talmude diz que cada pessoa é um universo”, afirmou. “Se você salva duas pessoas, já foram dois universos salvos.” -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Texto 02 A polêmica da internação compulsória (Luiz Loccoman – Revista Mente e Cérebro) Medida sugerida como política pública para usuários de crack provoca discussões; defensores da proposta argumentam que “um em cada dois dependentes químicos apresenta transtorno mental”, aqueles que discordam citam abusos e ineficácia do procedimento Drogas como o crack agem de maneira tão agressiva no corpo do usuário que não permitem que ele entenda a gravidade de sua situação e o quanto seu comportamento pode ser nocivo para ele mesmo e para os outros. Foi com base nessa ideia que o deputado federal Eduardo Da Fonte (PP-PE) apresentou em março deste ano uma proposta de política pública que prevê a internação compulsória temporária de dependentes químicos segundo indicação médica após o paciente passar por avaliação com profissionais da saúde. A internação contra a vontade do paciente está prevista no Código Civil desde 2001, pela Lei da Reforma Psiquiátrica 10.216, mas a novidade agora é que o procedimento seja adotado não caso a caso, mas como uma política de saúde pública – o que vem causando polêmica. Aqueles que se colocam a favor do projeto argumentam que um em cada dois dependentes químicos apresenta algum transtorno mental, sendo o mais comum a depressão. A base são estudos americanos como o do Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH, na sigla em inglês), de 2005. Mas vários médicos, psicólogos e instituições como os Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs), contrários à solução, contestam esses dados. Os defensores da internação compulsória afirmam que o consumo de drogas aumentou no país inteiro e são poucos os resultados das ações de prevenção ao uso. A proposta tem o apoio do ministro da Saúde Alexandre Padilha, que acredita que profissionais da saúde poderão avaliar adultos e crianças dependentes químicos para colocá-los em unidades adequadas de tratamento, mesmo contra a vontade dessas pessoas. O ministro acrescenta que a medida já é praticada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O Conselho Federal de Medicina (CFM) também é a favor da medida. Durante a reunião de apresentação do relatório de políticas sociais para dependentes de drogas, o representante do CFM Emmanuel Fortes corroborou a proposta de internação compulsória nos casos em que há risco de morte, ressaltando que a medida já é praticada no país. De fato, de acordo com Relatório da 4a Inspeção Nacional de Direitos Humanos apesar de a lei no 10.216 prever a internação compulsória como medida a ser adotada por um juiz, o que se vê na prática com os usuários de álcool e outras drogas contraria a lei, pois introduz a aplicação de medida fora do processo judicial. Maus-tratos, violência física e humilhações são constantes nessas situações. Há registros de tortura física e psicológica e relatos de casos de internos enterrados até o pescoço, obrigados a beber água de vaso sanitário por haver desobedecido a uma norma ou, ainda, recebendo refeições preparadas com alimentos estragados. DE TRÊS FORMAS Atualmente estão previstos três tipos de internação: voluntária, involuntária e compulsória. A primeira pode ocorrer quando o tratamento intensivo é imprescindível e, nesse caso, a pessoa aceita ser conduzida ao hospital geral por um período de curta duração. A decisão é tomada de acordo com a vontade do paciente. No caso da involuntária, ela é mais frequente em caso de surto ou agressividade exagerada, quando o paciente precisa ser contido, às vezes até com camisa de força. Nas duas situações é obrigatório o laudo médico corroborando a solicitação, que pode ser feita pela família ou por uma instituição. Há ainda a internação compulsória, que tem como diferencial a avaliação de um juiz, usada nos casos em que a pessoa esteja correndo risco de morte devido ao uso de drogas ou de transtornos mentais. Essa ação, usada como último recurso, ocorre mesmo contra a vontade do paciente. CASO A CASO Para a secretária adjunta Paulina do Carmo Duarte, da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), o discurso que circula sobre epidemia do crack não está de acordo com a realidade. “Há no imaginário popular a ideia equivocada de que o Brasil está tomado pelo crack, mas o que existe é o uso em pontos específicos que pode ser combatido com atendimento na rua, não com abordagem higienista, com o mero recolhimento de usuários.” Dados do Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (Obid) revelam que 12% dos paulistanos são dependentes de álcool e apenas 0,05% usa crack. A psicóloga Marília Capponi, conselheira e representante do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP), aponta que, apesar dos dados, o crack tem sido tratado como epidemia em todo o território nacional nos últimos anos, e com isso tem sido disseminada a necessidade de uma resposta emergencial para resolver a questão, o que referenda a internação compulsória. Marília, que também é cordenadora de um Centro de Atenção Psicossocial (Caps), argumenta, porém, que essa é uma propaganda falaciosa. Estudos desenvolvidos em centros de pesquisa de várias partes do mundo mostram que de todas as pessoas que se submetem a tratamento para se livrar das drogas, apenas 30% conseguem deixar a dependência; mas o acompanhamento dos casos mostra que é imprescindível o tratamento específico e muito esforço multiprofissional. O sistema de conselhos de psicologia acredita que a medida fere os direitos humanos e tenta destruir o movimento da reforma psiquiátrica. Defende que não basta reconhecer a insuficiência da rede de saúde na administração das necessidades dos que dependem de drogas, mas estabelecer o compromisso de ampliá-la com o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Os especialistas acreditam que a opção pela internação em instituição terapêutica deve ser considerada e respeitada, mas desde que seja avaliada caso a caso – e jamais adotada como uma política pública. “Trabalhadores, gestores e usuários do SUS mobilizaram-se a favor da defesa dos direitos humanos e do tratamento em serviços abertos e articulados com a Rede Antimanicomial. Fica claro que as comunidades terapêuticas não são aceitas pelos que constroem o SUS. Elas se constituem em serviços que se organizam a partir de pressupostos morais e religiosos que ainda persistem devido à correlação de forças nas diferentes instâncias dos legislativos, executivos e judiciários do nosso país”, afirma Marília Capponi. Outro estudo, feito pelo psiquiatra e coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) Dartiu Xavier da Silveira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mostra que apenas 2% dos pacientes internados contra a vontade têm sucesso no tratamento e 98% deles reincidem. “A porcentagem de fracassos é alta demais para que a medida seja adotada como política pública no enfrentamento do crack”, afirma Marília. Enquanto se discute a questão, dois usuários de crack são internados involuntariamente todos os dias em São Paulo. Entre pessoas dependentes dessa e de outras drogas e a pacientes psiquiátricos, o número de encaminhados para instituições terapêuticas contra a própria vontade nos últimos oito anos passa dos 32 mil, segundo dados do Ministério Público. Marília garante que as experiências relatadas por quem já passou pela internação forçada são desumanas. O Conselho Federal de Psicologia (CFP) tem proposto debates para discutir formas de enfrentamento do uso abusivo de álcool e drogas ilegais, argumentando que o problema tem raízes na desigualdade social e que apenas articulações em rede, da qual participem diversos setores e instituições sociais, podem ser eficazes para resolver a questão. CONFLITOS E DESAFIOS O movimento da reforma psiquiátrica é uma luta pelos direitos de pacientes psiquiátricos que denuncia a violência praticada nos manicômios e que propõe a construção de uma rede de serviços e estratégias comunitárias para o tratamento dessas pessoas. O movimento ganhou força na década de 70 no Brasil com a mobilização de profissionais da saúde mental e familiares de pacientes insatisfeitos com os métodos praticados na época. A nova política de saúde mental visa o tratamento em rede substitutiva, ou seja, em locais que o paciente possa frequentar, sem a necessidade de passar longos períodos internado, longe da convivência familiar e comunitária. O movimento de desconstrução do hospital psiquiátrico implica um processo político e social complexo, composto de diversos atores, instituições e forças de diferentes origens do qual o CRP participou efetivamente; por isso a instituição se posiciona contra as internações compulsórias e contra as comunidades terapêuticas, defendendo o tratamento em locais abertos ligados à rede antimanicomial. Para isso luta pela ampliação dos serviços oferecidos pelos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), que é um trabalho em saúde mental aberto e comunitário do SUS e local de tratamento para pessoas que justifiquem sua permanência num dispositivo de atenção diária; nas unidades de acolhimento transitório, postos que funcionam como uma passagem breve para o dependente, que depois será encaminhado a serviços de reinserção social. Também são considerados necessários consultórios de rua que atendam à população em situação de risco e vulnerabilidade social, principalmente crianças e adolescentes usuários de álcool e outras drogas; bem como a oferta de leitos em hospital geral e equipes de saúde mental básica articuladas com as redes de urgência. Uma contrapartida à internação compulsória é o reforço de políticas públicas de tratamento em rede substitutiva, em convivência familiar e comunitária aos usuários de entorpecentes. “A dependência química é um fenômeno que deve ser discutido da perspectiva biopsicossocial; o tráfico, o desemprego e a violência pedem intervenções mais amplas e recursos de outras áreas como educação, habitação, trabalho, lazer e justiça”, ressalta Marília. http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/a_polemica_da_internacao_compulsoria.html -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Texto 03 ONU: internação compulsória pode ser forma de tortura Portal EBC Os chamados centros de tratamento de drogas ou centros de ‘reeducação através do trabalho’ podem se tornar locais para a prática da tortura e de maus-tratos, além de serem em muitos casos instituições controladas por forças militares ou paramilitares, forças policiais ou de segurança, ou ainda empresas privadas.O alerta foi feito nesta terça-feira (5)pelo Relator Especial da ONU sobre a tortura, Juan. E. Méndez, que apresentou em Genebra um relatório para o Conselho de Direitos Humanos da ONU, que ilustra algumas dessas práticas abusivas de cuidados de saúde e lança luz sobre práticas abusivas muitas vezes não detectadas apoiadas por políticas de saúde. Méndez propôs um debate internacional sobre os abusos em cuidados de saúde, que podem atravessar um limiar de maus-tratos equivalentes à tortura ou a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. “É comum a internação compulsória de usuários de drogas em supostos centros de reabilitação. Em alguns países, há relatos de que uma vasta gama de outros grupos marginalizados, incluindo crianças de rua, pessoas com deficiência psicossocial, profissionais do sexo, pessoas desabrigadas e pacientes com tuberculose, sejam detidos nesses centros”, afirmou. Segundo Méndez cuidados médicos que causam grande sofrimento sem nenhuma razão justificável podem ser considerados um tratamento cruel, desumano ou degradante, e “se há envolvimento do Estado e intenção específica, é tortura”, afirmou. O relatório analisa todas as formas de abuso rotulados como “tratamento de saúde”, que tentam ter como premissa ou justificativa políticas de saúde. Ele também identifica o âmbito das obrigações do Estado de regular, controlar e fiscalizar as práticas de cuidados de saúde, com objetivo de prevenir maus-tratos sob qualquer pretexto, as políticas que promovem essas práticas e as lacunas de proteção existentes. http://www.ebc.com.br/cidadania/2013/03/onu-internacao-compulsoria-pode-ser-forma-de-tortura