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Folha de S.Paulo - Mundo - Mercosul estancou e por isso não atrai mais interessados - 29/01/2012
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São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 2012
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ENTREVISTA JOSÉ MUJICA
Mercosul estancou e por isso não
atrai mais interessados
Presidente uruguaio diz que bloco não tem a 'fluidez de
uma relação natural' e funciona movido a telefonemas
para gestão de crises
ISABEL FLECK
DE SÃO PAULO
O presidente uruguaio, José "Pepe" Mujica, não tem meias
palavras. Para ele, o Mercosul "estancou", parou de crescer
porque outros países não reconhecem como um bom negócio
entrar no bloco. "Se ninguém bate à porta para entrar, é o
melhor sinal de que estamos estancados", disse à Folha, em
entrevista em São Paulo, no último dia 17.
Para ele, é importante que o Uruguai acompanhe o
crescimento da "grande potência emergente" que é o Brasil,
sendo "complementar" ao país. Mas também aproveitando o
alto poder aquisitivo de uma estrita parcela dos consumidores
brasileiros.
Folha - Em entrevista recente, o sr. disse que o Uruguai
tinha que "pegar carona" com o Brasil. Como isso se
daria?
José Mujica - O Brasil é uma grande potência emergente e nós
temos que procurar, em todo o possível, sermos
complementares e úteis nesse crescimento do Brasil. Temos
que acomodar nossa infraestrutura, comunicação, energia e
indústrias para que sejam complementares. Temos que nos
apoiar na diversificação mundial, nos distintos cenários que o
Brasil tem. "Pegar carona" não é andar de graça, mas, sim, ser
útil.
O comércio entre os dois países foi de US$ 4 bilhões em
2011. Mas apenas as exportações brasileiras cresceram
desde 2010. Como o Uruguai pretende aumentar as suas
exportações?
Tem que ter um trabalho deliberado, porque não se fará de
forma espontânea. Se deixamos a economia levar-se sozinha,
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forma espontânea. Se deixamos a economia levar-se sozinha,
só vamos oferecer matéria-prima para o Brasil.
O Uruguai produz laticínios muito bons, por exemplo. O
Brasil está melhorando a sua produção. Então o Uruguai tem
que produzir laticínios de qualidade ainda melhor para o
mercado caro do Brasil.
Como o sr. avalia o desempenho do Mercosul, como
bloco?
O Mercosul, em questão de intercâmbio, está muito bem.
Apesar das dificuldades, cresceu, mas não tem garantia
institucional. Funciona meio que movido a telefonemas, à
gestão das chancelarias quando se tem uma dificuldade aqui
ou lá.
Deste ponto de vista, não tem a fluidez de uma relação
natural. Não cresce porque, para crescer, tinha que ser muito
tangível a visão lá fora de que é um bom negócio entrar no
Mercosul. Se ninguém bate à porta para entrar [no bloco], esse
é o melhor sinal de que estamos estancados.
O Uruguai está julgando crimes da ditadura e acabou
com a anistia para os crimes contra a humanidade. Esse
pode ser um exemplo para o Brasil?
Eu não me aventuro tanto, porque o Brasil é um continente, e
não é igual [ao Uruguai]. Nós não tivemos outra alternativa a
não ser rever esse processo, que foi muito duro para a história
do Uruguai.
Mas não ache que é simples ou fácil. Enquanto um quer julgar
qual é o princípio e o fim, outro quer superar o que passou.
Todavia, é uma medida muita forte. Há certas memórias que
perduram no tempo. E o pior é correr o risco de formar uma
nova geração com as paixões e as inclinações da velha
geração.
O sr. defende que repressores da ditadura com mais de 70
anos sejam libertados. Esta posição não é contraditória
com a decisão de julgar e punir os crimes do período?
Essa é uma posição filosófica, não sobre a ditadura. Não sou
partidário de ter gente de 80, 90 anos presa. Acho que,
humanamente, não é correto. Quando ficamos mais velhos,
estamos cada vez mais perto da morte, e, durante esse
fenômeno natural, é melhor que se esteja ao lado da família.
Prefiro a prisão domiciliar, se assim quiserem. Mas esta é a
minha visão, não a da sociedade uruguaia. É como o aborto, é
um problema de consciência.
E qual a sua posição sobre a legalização do aborto, já
aprovada pela Câmara?
Sou partidário de legalizá-lo. Acho que temos de apoiar a
mulher nesse momento, e, com esse apoio, em muitos casos se
salva uma vida, porque a mulher retrocede. Mas, se deixamos
que seja um ato clandestino, elas continuam fazendo aborto e
ninguém as apoia.
O sr. veio ao Brasil apenas para visitar o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, de quem nunca escondeu a
admiração. O sr. segue seu exemplo para governar?
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admiração. O sr. segue seu exemplo para governar?
O governo Lula sempre foi um modelo, ajudou a tirar muita
gente da miséria. Porém, entre a esquerda e a direita, não pode
haver muita conciliação, em um sentido duradouro.
É como uma permanente disputa, mas essa disputa não deve
se transformar em uma confrontação que fossiliza a sociedade.
Essa é a principal experiência que nos deixou o governo Lula.
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