PARECER/CONSULTA TC-010/2004
PROCESSO
- TC-2216/2003
INTERESSADO - CÂMARA MUNICIPAL DE SANTA TERESA
ASSUNTO
- CONSULTA
TELEFONIA CELULAR – CONTRATAÇÃO PELO PODER
LEGISLATIVO DE OPERADORA PARA ATENDER AOS
VEREADORES, SERVIDORES E SEUS FAMILIARES, COM
DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO - OFENSA À
MORALIDADE
ADMINISTRATIVA
E
AO
INTERESSE
PÚBLICO - IMPOSSIBILIDADE.
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do Processo TC-2216/2003,
em que o Presidente da Câmara Municipal de Santa Teresa, Sr. Josemar
Antônio Daleprani, formula consulta a este Tribunal, nos seguintes termos:
‘É permitido ao Poder Legislativo firmar convênio com
Operadora de Telefonia Celular para oferecer “Plano
Empresa” a fim de atender aos Vereadores e Servidores,
sendo que estes subscrevam documento autorizando o
desconto em folha de pagamento em eventual ocorrência de
atraso nas contas respectivas. Este benefício poderia ser
estendido aos familiares se os Vereadores/Servidores
assumissem a responsabilidade sobre o uso da linha?”
Considerando que é da competência deste Tribunal decidir sobre consulta que
lhe seja formulada na forma estabelecida pelo Regimento Interno, conforme
artigo 1º, inciso XVII, da Lei Complementar nº 32/93.
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RESOLVEM os Srs. Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Espírito
Santo, em sessão realizada no dia dois de março de dois mil e quatro, por
unanimidade, acolhendo o voto do Relator, Conselheiro Dailson Laranja,
preliminarmente, conhecer da consulta, para, no mérito, respondê-la nos termos
da Instrução Técnica nº 53/04 da 8ª Controladoria Técnica, firmada pela
Controladora de Recursos Públicos, Srª Elisangela Fabres Franco, abaixo
transcrita:
“Tratam os autos de consulta formulada a esta Egrégia Corte
de Contas pelo Ilmo. Sr. Josemar Antônio Daleprani,
Presidente da Câmara Municipal de Santa Teresa.
Ultrapassada a fase do artigo 97, caput, da Resolução TC
182/2002 (Regimento Interno), vieram-nos os autos a fim de
nos pronunciarmos quanto ao mérito da proposição. Indaga o
Ilmo Consulente ‘É permitido ao Poder Legislativo firmar convênio
com Operadora de Telefonia Celular para oferecer Plano Empresa
a fim de atender aos Vereadores e Servidores, sendo que estes
subscrevam documento autorizando o desconto em folha de
pagamento em eventual ocorrência de atraso nas contas
respectivas.’ Este benefício poderia ser estendido aos familiares se
os Vereadores/Servidores assumissem a responsabilidade sobre o
uso da linha?’ É o relatório. Inicialmente, é de se esclarecer
que, tecnicamente, o termo ‘convênio’ não é o apropriado para
o caso mencionado, pois este tem características distintas dos
contratos administrativos que julgamos ser o instrumento
apropriado para o questionamento em tela. Convênios são
acordos firmados por entidades públicas de qualquer espécie,
ou entre estas e organizações particulares, para a realização
de objetivos de interesse comum dos partícipes. Como já fora
dito, o convênio tem como característica a realização de
interesse comum dos partícipes, e no caso de ser firmado
entre a Administração e um particular, deve prevalecer o
interesse público. Tomamos como exemplo um convênio
celebrado entre Estados ou Municípios e entidades
particulares para a prestação de serviços de saúde ou
educação. Daí entendemos que o consulente, quando fala de
convênio, utiliza-se do termo técnico equivocadamente, o que
não é incomum na Administração Pública, uma vez que, no
caso em tela, trata-se de acordo firmado entre a
Administração e um particular, mas com característica de
contrato. Portanto, ao respondermos ao questionamento
formulado utilizaremos o termo adequado. Tanto o contrato
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administrativo, mesmo quando formulado nos moldes dos
contratos de direito privado, quanto os convênios têm por
característica essencial a finalidade pública. No direito
privado, o contrato caracteriza-se pelo acordo de vontades
estabelecido entre as partes, originando-se daí direitos e
obrigações entre ambos. O contrato faz lei entre as partes e
estas não podem alterá-lo unilateralmente. Por sua vez, no
Direito Público, os contratos regem-se por normas
e
princípios peculiares. Neste caso, o direito privado atua
subsidiariamente, prevalecendo as normas impostas pela
Administração Pública. O contrato administrativo tem por
característica principal a participação da Administração com
supremacia de poder, mesmo que estes contratos sejam
celebrados sob normas dominantes de Direito Privado.
Quaisquer contratos da administração devem balizar-se na
finalidade e no interesse públicos. O Princípio da Supremacia
do interesse público sobre o particular é princípio basilar de
direito administrativo. Apresenta-se como princípio do direito
público de um modo geral onde há o interesse da coletividade
sobre o do particular. É o que preceitua o Princípio da
Supremacia do Interesse Público. Segundo Hely Lopes
Meirelles: ‘A primazia do interesse público sobre o privado é
inerente à atuação estatal e domina-a, na medida em que a
existência do Estado justifica-se pela busca do interesse geral.’
(Direito Administrativo Brasileiro, 26ª ed, São Paulo, Malheiros, 2001, p.
95) Celso Antônio Bandeira de Mello nos ensina a esse
respeito: O princípio da supremacia do interesse público sobre o
interesse privado é princípio geral de Direito inerente a qualquer
sociedade. É a própria condição de sua existência. (Curso de Direito
Assim, não
poderá haver a celebração de contrato com a Administração
Pública que não tenha finalidade pública, especialmente
quando houver necessidade da utilização de servidores ou
qualquer outro serviço da Administração para interesses
particulares. Não há legalidade se o agente público agir de
acordo com a sua vontade sem a observância do interesse
público, ainda que obedeça formalmente a letra da lei. E o
interesse que deve ser atendido é o chamado ‘interesse
público primário’, referente ao bem-estar coletivo, da
sociedade como um todo, que nem sempre coincide com o
‘interesse público secundário’, referente a órgãos estatais ou
governantes do momento. O ilustre Hely Lopes Meirelles nos
ensina, mais uma vez, que: ‘Em última análise, os fins da
Administrativo, 11ª ed, São Paulo, Malheiros, 1999, p. 55)
Administração consubstanciam-se na defesa do interesse público,
assim entendidas aquelas aspirações ou vantagens licitamente
almejadas por toda a comunidade administrada, ou por uma parte
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expressiva de seus membros. O ato ou contrato administrativo
realizado sem interesse público configura desvio de finalidade’
(Direito Administrativo Brasileiro, 24ª ed., Malheiros Editores, pg.
81). Maria Sylvia Zanella Di Pietro entende que: ‘O princípio do
interesse público está expressamente previsto no artigo 2º, caput,
da Lei n.º 9.784/99, e especificado no parágrafo único, com a
exigência de “atendimento a fins de interesse geral, vedada a
renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo
autorização em lei” (inciso II). Fica muito claro no dispositivo que o
interesse público é irrenunciável pela autoridade administrativa. (...)
Se a lei dá à Administração os poderes de desapropriar, de
requisitar, de intervir, de policiar, de punir, é porque tem em vista
atender ao interesse geral, que não pode ceder diante do interesse
individual. Em conseqüência, se, ao usar de tais poderes, a
autoridade administrativa objetiva prejudicar um inimigo político,
beneficiar um amigo, conseguir vantagens pessoais para si ou para
terceiros, estará fazendo prevalecer o interesse individual sobre o
interesse público e, em conseqüência, estará se desviando da
finalidade pública prevista na lei. Daí o vício do desvio de poder ou
desvio de finalidade, que torna o ato ilegal’ (Direito Administrativo,
11ª ed., Editora Atlas, pgs. 70/71). Deve ser observado, ainda,
quando da celebração dos contratos administrativos, o
Princípio da Moralidade Pública. Em relação ao princípio da
moralidade, temos que o mesmo refere-se não à moral
comum, mas à moral administrativa, que é composta por
regras de boa administração, ou seja, pelo conjunto das
regras finais e disciplinares suscitadas não só pela distinção
entre o bem e o mal, mas também pela idéia geral de
administração e pela idéia de função administrativa. Para Hely
Lopes Meirelles: ‘A moralidade administrativa constitui, hoje em
dia, pressuposto de validade de todo ato da Administração Pública
(CF, art. 37, Caput). Não se trata – diz Hauriou, o sistematizador de
tal conceito – da moral comum, mas sim de uma moral jurídica,
entendida como o conjunto de regras de conduta tiradas da
disciplina interior da Administração. Desenvolvendo sua doutrina,
explica o mesmo autor que o agente administrativo, como ser
humano dotado da capacidade de atuar, deve, necessariamente,
distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, não
poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá
que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o
conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas
também entre o honesto e o desonesto’ (Direito Administrativo
Brasileiro, 24ª ed., Malheiros Editores, pg. 83). Alexandre de
Moraes aduz que: ‘Pelo princípio da moralidade administrativa,
não bastará ao administrador o estrito cumprimento da estrita
legalidade, devendo ele, no exercício de sua função pública,
respeitar os princípios éticos de razoabilidade e justiça, pois a
moralidade constitui, a partir da Constituição de 1988, pressuposto
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de validade de todo ato da administração pública’ (Direito
Constitucional, 13ª ed., Editora Atlas, pg. 312). O entendimento
de Maria Sylvia Zanella Di Pietro é o seguinte: ‘Em resumo,
sempre que em matéria administrativa se verificar que o
comportamento da Administração ou do administrado que com ela
se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei,
ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração,
os princípios de justiça e de eqüidade, a idéia comum de
honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade
administrativa’ (Direito Administrativo, 11ª ed., Editora Atlas, pg.
79). É sabido que o uso da telefonia celular já está bastante
difundido, não só nas capitais mas também, em todo o interior
dos Estados, porém para sua utilização pela Administração
Pública deve observar vários aspectos, em especial os
Princípios da Moralidade e Interesse Público. Note-se que
para realizar contrato com empresa de telefonia celular,
especialmente com o desconto em folha de pagamento para
Vereadores e seus familiares, como questiona o consulente,
estaríamos infringindo claramente a finalidade e a moralidade
pública. O Parecer em Consulta TC 30/03, trata do uso de
telefone celular por Vereador custeado por verbas públicas
como ofensa à moralidade administrativa e ao interesse
público, restringindo o uso apenas ao Presidente da Câmara,
por ser este o representante oficial do Legislativo e ainda
assim estabelecendo restrições. CONCLUSÃO Deste modo,
considerando o ordenamento pátrio aplicável ao presente
caso e a fundamentação exposta, opinamos para, no mérito,
responder ao questionado nos termos elencados neste feito.
Esse é o nosso entendimento.”
Presentes à sessão plenária da apreciação os Srs. Conselheiros Elcy de Souza,
Vice-Presidente no exercício da Presidência, Dailson Laranja, Relator, Mário
Alves Moreira, Marcos Miranda Madureira e João Luiz Cotta Lovatti. Presente,
ainda, o Dr. Ananias Ribeiro de Oliveira, Procurador-Chefe do Ministério Público
junto a este Tribunal.
Sala das Sessões, 02 de março de 2004.
CONSELHEIRO ELCY DE SOUZA
Vice-Presidente no exercício da Presidência
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CONSELHEIRO DAILSON LARANJA
Relator
CONSELHEIRO MÁRIO ALVES MOREIRA
CONSELHEIRO MARCOS MIRANDA MADUREIRA
CONSELHEIRO JOÃO LUIZ COTTA LOVATTI
DR. ANANIAS RIBEIRO DE OLIVEIRA
Procurador-Chefe
Lido na sessão do dia:
FÁTIMA FERRARI CORTELETTI
Secretária Geral das Sessões
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