Regulação Contábil Internacional, Interesse Público Ou Grupos De Interesse? Um Teste Empírico Autoria: Carlos Henrique Silva do Carmo, Alex Mussoi Ribeiro, Luiz Nelson Guedes de Carvalho, Rafael de Campos Sasso Resumo: Este estudo investigou o ambiente normativo do International Accounting Standards Board IASB, buscando identificar qual teoria de regulação, Interesse Público (PIGOU, 1938) ou Grupos de Interesse (BECKER, 1983), seria mais adaptada a explicar sua conduta. Para tanto, analisou-se a possível associação de características dos respondentes das cartas de comentário do processo de elaboração da IFRS 11 e a sua influência na decisão do IASB. Os resultados apresentaram evidências de sucesso no lobbying de participantes de países com sistema jurídico consuetudinário, trazendo indícios de que o processo de regulação contábil internacional seria mais identificado com a Teoria dos Grupos de Interesse. 1 1 INTRODUÇÃO A discussão de regulação no âmbito das normas contábeis inclui o estudo da produção organizada de normas contábeis pelo normatizadores privados tais como FASB e IASB, que no desempenho de suas atividades, definem os elementos da prática contábil, bem como as normas e princípios a serem seguidos nos relatórios financeiros das organizações (KOTHARI; RAMANNA; SKINNER, 2010). Pesquisas realizadas por Watts (1977) e Watts e Zimmerman (1978) buscaram discutir o processo de pressão coorporativa na elaboração de normas contábeis pelo FASB. Utilizando um referencial baseado na teoria econômica, com ênfase na teoria de agência, os trabalhos ressaltam que o processo de normatização contábil é produto do mercado e de processos políticos onde indivíduos e grupos interagem buscando maximizar a sua própria utilidade. Nesta linha, Solomons (1978) já argumentava que o processo de elaboração de normas contábeis pode ser visto como um processo político, não sendo necessariamente guiado por aspectos técnicos ou teóricos, onde existe a possibilidade de conflito, tendo em vista que as partes envolvidas podem buscar exercer pressão para obter ganhos em particular. Watts e Zimmerman (1986), considerando a literatura existente sobre regulação econômica, comentam que esse processo político gera uma competição entre os indivíduos por transferência de riqueza que implica em incentivos para que os mesmos se organizem em grupos a fim de pressionar por seus objetivos. De maneira complementar, Fogarty, Hussein e Ketz (1994), analisando o processo normativo do FASB, admitem que, ao assumir que tal processo é político, se reconhece que existem interesses diferentes e conflitantes entre as partes envolvidas e que eles terão algum impacto na norma a ser elaborada. As pesquisas anteriormente relatadas sugerem que a Teoria de Regulação dos Grupos de Interesse, na forma concebida por Becker (1983), se aplica ao caso do processo normativo contábil. Por essa abordagem, a regulação é considerada uma commodity para qual existe uma demanda e uma oferta, que será alocada para aqueles grupos de interesse que forem mais politicamente efetivos em convencer o regulador a agir em benefício deles (BALDWIN; CAVE, 1999; VISCUSI; HARRINGTON; VERNON, 2005; SCOTT, 2009). Por outro lado, a Teoria de Regulação do Interesse Público, cuja primazia é creditada a Pigou (1938), afirma que a regulação é feita para cobrir falhas identificadas no funcionamento do mercado e proteger o interesse da sociedade de maneira mais ampla (BALDWIN; CAVE, 1999; VISCUSI; HARRINGTON; VERNON, 2005; SCOTT, 2009), o que faz com que o processo de lobby perca o seu sentido, uma vez que o normatizador não iria maximizar o bem estar de um grupo específico, mas de todos. Embora existam diversos trabalhos que investigaram a ação de grupos de interesse (lobbying) sobre as normas contábeis ao redor do mundo, a maioria deles se concentrou em analisar o processo ocorrido nos órgãos reguladores estadunidenses ou britânicos (WATTS; ZIMMERMMAN, 1978; SUTTON, 1984; TANDY; WILBURN, 1992, 1996; FOGARTY; HUSSEIN; KETZ, 1994; GEORGIOU, 2004; 2005; GEORGIOU; ROBERTS, 2004; STENKA; TAYLOR, 2010; ALLEN, RAMANNA, 2010), são poucos os trabalhos empíricos realizados no âmbito do IASB e um número menor ainda compreendendo o período posterior a sua reformulação ocorrida em 2001 (YU, 2006; HANSEN, 2009; GEORGIOU, 2010; CORTESE; IRVINE; KAIDONIS, 2010). O processo de convergência mundial das normas contábeis, que vem ocorrendo nos últimos anos, fez com que o ganho de relevância e abrangência das decisões regulatórias do IASB aumentasse significativamente. As decisões do regulador, anteriormente restritas a poucos países, agora ganham um escopo bem maior, influenciando a forma como diversos países e empresas irão lidar com questões contábeis. Além disso, pesquisadores como Leuz e Wysocki (2008), Bushman e Landsman (2010) e Kothari, Ramana e Skinner (2010) argumentam que existe escassez de pesquisas sobre os fatores de influência na formação dos 2 regulamentos contábeis nos mercados globais e que as forças políticas que afetam o processo regulatório são assuntos importantes e amplamente inexplorados. Ao analisar o processo de normatização contábil, pesquisadores como Leftwich (1980); Watts e Zimmerman (1986), Leuz e Wysocki (2008); Bushman e Landsman (2010); Kothari; Ramana e Skinner (2010) e Büthe e Mattli (2011) consideram que a simples existência de falhas de mercado, relacionada à busca da maximização do bem estar da sociedade é inconsistente para justificar a regulação contábil e que existem indícios da influencia de grupos de interesse no processo de normatização e até casos de captura do regulador contábil. Para os autores, tais evidências vão no sentido contrário a Teoria do Interesse Público, base da função objetivo de normatizadores como Financial Accounting Standards Board - FASB e International Accounting Standards Board - IASB e reforçam as predições da Teoria dos Grupos de Interesse. No entanto, Durocher, Fortin e Coté (2007) apresentam pesquisas realizadas em processos normativos do FASB com indícios que contrariam as previsões resultantes desta última teoria. Tendo em vista a importância do IASB no cenário regulatório da contabilidade e a necessidade de entender quais são as influências que imperam sobre o processo de regulação de tal organismo, constituiu-se como objetivo desta pesquisa investigar qual das duas teorias de regulação seria mais adaptada a explicar a conduta regulatória do órgão. A partir do objetivo proposto buscou-se verificar o possível alinhamento da opinião do IASB com a opinião de alguns grupos de interesse considerados influentes sobre o órgão regulador. As evidências deste trabalho foram obtidas das cartas de comentário referentes ao Exposure Draft que tratou da proposta de substituição da norma sobre investimentos em empreendimentos de controle conjunto e que culminou na IFRS 11 Joint Arragements emitida em maio de 2011. Mais especificamente, foram investigadas as respostas dadas a questão levantada pelo IASB de eliminar ou não o procedimento de consolidação proporcional, decisão considerada polêmica e capaz de dividir a opinião dos respondentes. Com base no objetivo deste trabalho e na Teoria dos Grupos de Interesse, foi desenvolvida a seguinte hipótese testada por esta pesquisa: A opinião regulatória do IASB está mais alinhada com determinados grupos de interesses que predominam sobre outros. Aceitar esta hipótese de pesquisa significa que o processo regulatório do IASB pode ser explicado pela teoria de grupos de interesse. Rejeitá-la indica que a Teoria do Interesse Público é mais adequada para explicar o processo normatizador do IASB. 2 REFERECIAL TEÓRICO 2.1 Conceito de Regulação O conceito de regulação pode ter diversos significados. De acordo com Zerk (2006), para propósitos legais, regulamentação geralmente se refere ao controle sobre atividades privadas exercido por autoridades públicas. Contudo, segundo a autora, esse termo também pode se referir a uma fonte mais diversa de controle social ou influência, incluindo fontes não intencionais e processos não estatais. Nesse sentido, Zerk (2006) ressalta que atualmente as companhias são reguladas por um enorme grupo de atores sociais, incluindo os acionistas, autoridades públicas, grupos inter-governamentais, sindicatos, ONG´s, seguradoras e grupos de consumidores. A autora afirma que a chave para uma regulamentação dar certo é a correta compreensão das influências e das pressões que guiam o comportamento do regulador e como ele pode ser manipulado para atingir determinada meta. Bebbington et al (2003), por sua vez, apresentam duas visões para o termo regulamentação: a do direito e a comum. Sob a ótica da visão comum, regulamentar é uma atividade que envolve aprovar uma lei que determina mecanismos de comando e controle, os quais, se transgredidos, ocasionam a imposição de uma penalidade ou sanção. Na visão do 3 direito, por outro lado, a regulamentação é encarada como uma série contínua, de um lado com tradicionais mecanismos de comando e controle e do outro com mecanismos voluntários, como códigos de conduta e acordos não-obrigatórios com os reguladores. Para ampliar ainda mais o significado de regulação, Baldwin e Cave (1999) afirmam que regulamentação é, com frequência, associada a uma atividade que restringe ou previne a ocorrência de certos comportamentos indesejados, limitando a liberdade dos agentes. Contudo, segundo os autores, esse termo também pode ser utilizado para determinar as influências permissivas ou facilitadoras de comportamento. No que concerne a esta pesquisa, o conceito de regulamentação adotado será o clássico, ou seja, serão considerados como normas os padrões contábeis emitidos pelo IASB que no desempenho de suas atividades definem os elementos da prática contábil e princípios a serem seguidos nos relatórios financeiros, limitando a liberdade das organizações 2.2 Teorias da regulação A literatura em economia política dedicada ao estudo da regulação da atividade econômica se utiliza de princípios da microeconomia para estudar o processo político, buscando explicar quais são as razões e incentivos econômicos que estão por trás do processo regulatório. De acordo com Stigler (1971), as teorias sobre regulação devem explicar e prever quem serão os beneficiários com a adoção de um novo regulamento, quais atividades têm maior probabilidade de serem reguladas e de que forma esta regulação ocorrerá. Viscusi, Harrington e Vernon (2005) afirmam que a teoria da regulação passou por três estágios de evolução. A primeira abordagem, foi de que a regulação existe para resolver falhas de mercado, tais como monopólios, externalidades negativas e assimetria informacional. Essa abordagem para qual foi dada o nome de Teoria do Interesse Público, cuja primazia é creditada a Pigou (1938), admite que o regulador possui sempre o objetivo de maximizar o bem estar da sociedade como um todo e age sempre nos melhores interesses para isso, buscando remediar as falhas onde os mecanismos do próprio mercado não forem suficientes para resolvê-las (BALLEISEN; MOSS, 2010). Sob esta lente a regulação ocorre sempre que os benefícios sociais atribuídos ao regulamento forem maiores do que seus custos. A segunda abordagem que surgiu foi a de que a regulação era sempre criada em benefício das entidades reguladas e que por isso os reguladores eram, de alguma forma, capturados pelas indústrias as quais regulavam. A essa explicação foi dada o nome de Teoria da Captura (OLSON, 1965) e admite um regulador totalmente subserviente e destinado a atender passivamente aos interesses dos regulados. O último estágio da evolução da teoria da regulação surgiu com os trabalhos de Stigler (1971), Posner (1974), Peltzman (1976) e Becker (1983), tendo como inspiração os escritos de Bentley (1908), para quem todo o processo político é consequência não de idéias individuais, ou da sociedade como um todo, mas fruto da ação específica de grupos de interesse existentes na sociedade e que congregam as percepções individuais. Esse último estágio evolutivo deu origem a Teoria Econômica da Regulação, também conhecida como Teoria dos Grupos de Interesse, e é uma sofisticação da Teoria da Captura, que na forma proposta por Becker (1983) assume que a regulação é resultado da competição entre grupos de interesses, e que a mesma será utilizada para aumentar o bem estar do grupo mais influente. Apesar de considerarem a Teoria dos Grupos de Interesse a mais bem formulada, com a geração de várias hipóteses testáveis derivadas de suas conjecturas e da mesma apresentar vantagens para a explicação de algumas das atividades regulatórias em países da Europa e Estados Unidos, Baldwin e Cave (1999) e Viscusi, Harrington e Vernon (2005) acreditam que muitas evidencias ainda são inconsistentes com esta teoria e mais estudos precisam ser realizados sob este paradigma. Tal ponto de vista é compartilhado por Stiglitz (2009) para quem a Teoria do Interesse Público, com a consideração de novos aspectos relacionados às 4 falhas de mercado (irracionalidade do mercado, justiça distributiva) é ainda uma importante abordagem para explicar o processo regulatório. Para esta pesquisa, o foco será na Teoria do Interesse Público e na Teoria dos Grupos de Interesse que serão aprofundadas a seguir. 2.3 Teoria do Interesse Público A Teoria do Interesse Público sugere que a regulação é o resultado de uma demanda pública por correção de alguma falha de mercado. Nesta teoria, a autoridade central, também conhecida como regulador, possui sempre o objetivo de maximizar o bem estar da sociedade como um todo e age sempre nos melhores interesses para isso. Sob esta lente, a regulação ocorre sempre que os benefícios sociais atribuídos ao regulamento forem maiores do que seus custos (SCOTT, 2009). De acordo com Fiani (1998), somente a partir da Teoria do Interesse Público foi possível a teoria econômica tratar de maneira formalizada a intervenção do Estado na economia, uma vez que a análise econômica surgida dos trabalhos de Adam Smith negava, até então, a necessidade desta intervenção. Viscusi, Harrington e Vernon (2005), afirmam que duas principais falhas econômicas relacionadas um processo regulatório explicado pela Teoria do Interesse Público seriam monopólios e externalidades, mas tais falhas possuem pouca relação com o processo contábil e informacional das companhias. Para compreender como a Teoria do Interesse Público pode estar relacionada com o processo regulatório empreendido pelo IASB, primeiramente, é necessário identificar quais falhas existem no processo contábil das empresas que reflitam no mercado e que justifiquem uma intervenção regulatória. O principal produto da contabilidade é a informação. A falta de informação faz com que o mercado não funcione de forma eficiente (AKERLOF, 1970), acarretando em um maior custo de captação e alocação de recursos. Esta falha de mercado é conhecida como assimetria informacional e pode gerar dois problemas: a seleção adversa e o risco moral. Segundo Scott (2009), dentro do paradigma da Teoria do Interesse Público, a principal falha de mercado que os órgãos reguladores da contabilidade tentam combater é a assimetria informacional. Ao combater a assimetria informacional os reguladores garantem que os stakeholders das companhias tenham acesso a mais e melhores informações para seu processo decisório de alocação de seus recursos econômicos. 2.4 Teoria dos Grupos de Interesse Embora tenha vigorado durante muitos anos, a Teoria do Interesse Público possui muitas críticas, principalmente, devido a sua não comprovação empírica (STIGLER, 1971), isso fez com que surgissem outras explicações concorrentes ao processo regulatório. Entre estas explicações concorrentes, uma delas se destaca das demais pela sua maior comprovação empírica, a Teoria dos Grupos de Interesse, também chamada de Teoria Econômica da Regulação. Segundo Viscusi, Harrington e Vernon (2005) o principal trabalho que impulsionou o desenvolvimento da Teoria Econômica da Regulação foi o trabalho do ganhador do prêmio Nobel, George Stigler, intitulado: The Theory of Economic Regulation (STIGLER, 1971). De acordo com os autores, a principal contribuição do trabalho de Stigler não foi tanto pelo poder preditivo de sua teoria, mas pela forma como ele abordou a questão. Stigler buscava responder a pergunta do porque regular e partiu de duas premissas: (1) de que o estado, que possui o poder coercitivo, atua de forma a utilizar tal poder para aumentar o bem estar de grupos de interesses e (2) e que o regulador como todo agente racional, buscar sempre a maximização do seu bem estar, por meio de um maior apoio político. Estas duas assunções resultaram na hipótese principal de sua teoria de que a regulação surge em resposta às 5 demandas de grupos de interesses que agem sempre na busca de maximizar a sua utilidade. Posteriormente ao trabalho de Stigler (1971), surgiram outras abordagens complementares que avançaram um pouco mais na questão da pressão dos grupos de interesse. Entre estes trabalhos está o desenvolvido por Becker (1983). Diferentemente do trabalho de Stigler que explicava a existência de regulação com base na busca do legislador por maximizar o seu suporte político, Becker (1983) afirmava que o processo regulatório era fruto da competição entre diferentes grupos de interesse, onde o mais influente conseguia prevalecer e ganhava a mais valia resultante do processo regulatório. Mas como a Teoria dos Grupos de Interesse está relacionada com a regulação do IASB? Se esta teoria tiver alguma relação com o processo regulatório do IASB, as decisões do órgão em questão devem estar atreladas a algumas características de grupos de interesses, ou seja, a opinião do Board deve estar alinhada com a opinião de algum grupo ou grupos específicos que fazem pressão, lobbying, sobre o processo de normatização internacional. A possível influencia de algumas dessas características será testada nesta pesquisa. 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 3.1 Universo pesquisado A fim de analisar empiricamente a associação de características específicas dos participantes do processo de normatização contábil do IASB e a sua possível influência na elaboração das IFRSs e assim testar a hipótese de alinhamento entre as decisões do órgão e as opiniões manifestadas por grupos específicos, foram utilizadas as cartas de comentários enviadas ao órgão por conta da proposta de elaboração da IFRS 11 Joint Arragements emitida em maio de 2011. O universo investigado foi o total de respondentes ao Exposure Draft 9 Joint Arrangements que tratou da substituição da IAS 31 Interest in Joint Ventures e que culminou na IFRS 11. Foram recebidas 109 cartas de várias partes do mundo entre setembro de 2007 e janeiro de 2008 (IASB 2011b). O Exposure Draft trazia seis questões abrangentes que tratavam das definições, contabilização e evidenciação de acordos conjuntos, para as quais foram solicitados comentários em relação às opiniões prevalecentes no Board, com a manifestação em relação à concordância ou não dos respondentes, bem como os motivos no caso de uma possível discórdia. 3.2 Coleta e classificação dos dados Foi realizada a análise de conteúdo das 109 cartas relativas ao referido Exposure Draft e identificadas as respostas dadas à principal questão sobre a proposta de nova contabilização de empreendimentos controlados em conjunto (joint ventures). As respostas foram confrontadas com a abordagem adotada pelo Board na subseqüente emissão da norma IFRS 11, que após a análise dos comentários recebidos foi publicada pelo IASB em maio de 2011. Foi selecionada a seguinte questão do Exposure Draf (IFRS, 2007, p.6): Questão 3: Você concorda que a consolidação proporcional deveria ser eliminada, levando em consideração que uma das partes reconheceria ativos, passivos, receitas e despesas se tivessem direitos e obrigações contratuais relativas a ativos e passivos individuais relativos a um acordo conjunto? Se não, por quê? A referida questão foi utilizada por permitir revelar a percepção geral sobre a principal mudança sugerida pelo Exposure Draft em relação à contabilização de empreendimentos controlados em conjunto: a eliminação da consolidação proporcional e a sua conseqüente substituição pelo método da equivalência patrimonial como padrão para registrar tais operações. Tal eliminação, que foi posteriormente ratificada pela IFRS 11, gerou bastante polêmica, pois não permite mais às empresas investidoras a apresentação de suas demonstrações financeiras de forma agregada, com a participação de 50% de Ativos, 6 Passivos, Receitas e Despesas das empresas investidas, gerando a redução do Patrimônio e das receitas divulgadas por tais entidades, com implicações na percepção de investidores e credores em relação à sua saúde financeira (VALOR, 2011a; VALOR, 2011b, IFRS, 2011c). A análise do conteúdo das cartas foi realizada a fim de determinar se o respondente concordava ou não com a proposta sugerida no referido documento. As posições foram classificadas em “a favor”; “contra” e “ausente”, procedimento adotado por trabalhos que investigam o tema de lobby (WATTS; ZIMMERMAN, 1978; KENNY; LARSON, 1993; McLEAY; ORDELHEIDE; YOUNG, 2000; GEORGIOU; ROBERTS, 2004; YU, 2006; CARMO; RIBEIRO; CARVALHO, 2011). Com o intuito de evitar possíveis falhas deste tipo de abordagem, o conteúdo de cada carta foi analisado de maneira a identificar as opiniões dos respondentes em relação a outros itens do Exposure Draft relacionados com o assunto tratado pela questão investigada na pesquisa, procedimento de segurança utilizado por Jorissen, Lybaert e Van de Poel (2006), Hansen (2009) e Carmo, Ribeiro e Carvalho (2011). Após a identificação das respostas contidas nas cartas, verificou-se o possível acolhimento das suas opiniões e os seus emitentes foram classificados em diferentes categorias. Isto foi feito a fim de verificar a possível associação de tais características com a decisão tomada posteriormente pelo IASB de eliminar o método de consolidação proporcional. Inicialmente os respondentes foram classificados de acordo com a sua representação, conforme abordagem similar utilizada por Jorissen, Lybaert e Van de Poel (2006) e Tandy e Wilburn (1992), em: (1) Preparadores, que compreendem as organizações e associações de empresas que elaboram demonstrações contábeis; (2) Profissionais Contábeis, que compreendem as entidades e associações profissionais ligadas diretamente às atividades relacionadas a serviços de profissionais da área contábil; (3) Big 7, representando as sete maiores firmas internacionais de auditoria contábil: BDO; Deloitte Touche Tohmatsu; Ernst & Young; Grant Thornton; KPMG; Mazars; PricewaterhouseCoopers. As entidades desta categoria de respondentes também estão contidas na categoria Profissionais definida anteriormente (4) Normatizadores Contábeis Nacionais e Entidades Governamentais, responsáveis pela emissão, aprovação ou fiscalização de normas contábeis e (5) Outros Participantes não compreendidos nas categorias anteriores. Em seguida, com o objetivo de verificar se as opiniões dos respondentes das cartas enviadas de países que possuem membros votantes do IASB se constituem numa característica relevante para as decisões tomadas pelos Board, identificou-se o país de origem de cada um de seus membros, a partir do relatório anual de atividade do IASB publicado em seu website (IFRS, 2011c), conforme demonstrado no Quadro 1. MEMBRO DO BOARD PAÍS DE ORIGEM Robert P Garnett África do Sul Warren M cGregor Austrália MEMBRO DO BOARD Philippe Danjou Gilbert Gélard PAÍS DE ORIGEM França França Amaro Luiz de Oliveira Gomes Brasil Sir David Tweedie (chairman) Reino Unido Zhang Wei-Guo China Stephen Cooper Reino Unido Prabhakar Kalavacherla (‘PK’) Índia Patrick Finnegan EUA Tatsumi Yamada Japão James J Leisenring EUA Jan Engström Suécia Patricia M cConnell EUA Philippe Danjou França John T Smith EUA Quadro 1 - Membros votantes do IASB em 2009 e respectivos países de origem Fonte: Dados da pesquisa O país de emissão de cada carta de comentário foi então identificado e classificado de acordo com o fato de pertencer ou não a alguma das nacionalidades dos membros do IASB. Para as entidades multinacionais foi reconhecido como país de origem o local da emissão da 7 carta e quando este não estava disponível, a sede principal da entidade emitente. Para analisar se as cartas enviadas por entidades que realizam contribuições financeiras diretas ao IASB exerceram alguma influência nas decisões tomadas pelo Board em relação ao seu processo de elaboração de normas, foi identificado no relatório anual de atividades do órgão do ano 2010 (IFRS, 2011c) se a entidade emitente da carta de comentário contribuiu ou não à IFRS Foundation (organização curadora responsável pelo apoio financeiro às atividades exercidas pelo IASB). Adicionalmente, para verificar se o fato das entidades emitentes das cartas de comentário participarem do IFRS Advisory Consuil constitui elemento de influência no processo de aprovação das propostas normativas do IASB, os emitentes das cartas foram classificados como participantes ou não do respectivo conselho. O IFRS Advisory Consuil é o conselho consultivo do IASB, composto por 52 entidades, e responsável por sugerir a agenda de trabalho do board, incluindo necessidades de emissão ou alteração de normas contábeis (IFRS 2011a), a identificação de seus membros e das entidades que os mesmos representam foi realizada a partir do relatório anual de atividades do órgão do ano 2010 (IFRS, 2011c). Outro aspecto analisado foi o fato das IFRSs terem com usuário principal os investidores (BALL, 2006). Por isso buscou-se testar se o tamanho do mercado de capitais dos países dos respondentes influencia a atitude do IASB no processo de elaboração de normas. Para tanto, foi identificado o valor do mercado de capital de cada país no ano de 2010, conforme disponibilizado na base de dados econômicos do Banco Mundial (THE WORLD BANK, 2011), que corresponde ao preço das ações das empresas locais listadas em suas bolsas nacionais, multiplicado pelo número total de ações disponíveis no final do ano. A partir da identificação de tal valor, o mesmo foi classificado para cada carta de comentário, de acordo com o seu país de origem. Por fim, para identificar se características institucionais derivadas do sistema jurídico predominante no país do respondente, e que se relacionam com o seu modelo contábil, influenciam no acolhimento de sua opinião pelo Board, as cartas foram classificadas de acordo a origem legal dos países de sua emissão. Considerando o crescente processo de convergência contábil das normas nacionais em direção às normas internacionais de contabilidade emitidas pelo IASB e admitindo que o Board é um legítimo representante do modelo contábil baseado no sistema jurídico Commom Law (NOBES, 1998; BALL; KOTHARI; ROBIN 2000; BOTZEM; QUACK, 2009), classificou-se as cartas como originárias ou não de países com sistema jurídico predominantemente Commom law , para isto recorreu-se a classificação dos sistemas jurídicos nacionais apresentada por La porta et al (1998) e considerada por Choi e Meek (2002). 3.3 Plano de análise dos dados Para investigar a possível influência de características dos respondentes no processo normativo do IASB e identificar a possibilidade de êxito de grupos de pressão no processo de elaboração de normas empreendido pelo Board, foi desenvolvido o seguinte modelo: Tendo em vista o modelo procurar descrever o comportamento de uma variável dependente nominal dicotômica, a partir de variáveis independentes métricas e não métricas, a técnica estatística utilizada foi a regressão logística (MAROCO, 2007; FÁVERO et al., 2009; HAIR et al., 2009), por meio da qual se buscou identificar a significância dos coeficientes estimados, bem com a razão de chances de cada variável independente do modelo proposto. 8 Os testes estatísticos e análise dos dados foram realizados com o auxílio do software STATA 11®. A descrição das variáveis testadas está no Quadro 2: Variáve l De scrição Re sumida Resul Variável dicotômica. Representa a decisão tomada pelo IASB de eliminar o método de consolidação proporcional, conforme disposto na norma IFRS 11 emitida após a análise realizada pelo Board das cartas de comentários ao Exposure Draft ED 9 Joint Arrangem ents . Assume o valor 1 se a opinião do respondente foi a acolhida pelo IASB e 0 se a mesma não foi. Variável dicotômica. Representa as cartas enviadas por empresas e suas associações. Assume o valor 1 se o respondente estiver classificado no grupo de preparadores e 0 se não estiver. Variável dicotômica. Representa as cartas enviadas por profissionais contábeis. Assume o valor 1 se o respondente estiver classificado no grupo de profissionais e 0 se não estiver. Variável dicotômica. Representa as cartas enviadas pelas sete maiores firmas internacionais de auditoria contábil: BDO; Deloitte T ouche T ohmatsu; Ernst & Young; Grant T hornton; KPMG; Mazars; PricewaterhouseCoopers. Assume o valor 1 se o respondente for umas destas entidades e 0 se não for. Variável dicotômica. Representa as cartas enviadas por normatizadores contábeis e entidades reguladoras nacionais. Assume o valor 1 se o respondente estiver classificado no grupo de Normatizadores e 0 se não estiver Variável dicotômica. Representa as cartas enviadas de países de mesma nacionalidade dos membros votantes do IASB Assume valor 1 se a carta for emitida de um país com representante no Board e 0 caso não for. Variável dicotômica. Representa as cartas enviadas por entidades constituintes do conselho consultivo do IASB . Assume o valor 1 se o respondente fizer parte do IFRS Advisory Consuil e 0 se não estiver. Variável dicotômica. Representa as cartas enviadas por entidades que contribuíram financeiramente para o IASB durante o ano de 2010. Assume o valor 1 se a entidade do respondente contribuiu para o Board e 0 se não contribuiu. β 1 Prepa β 2 Prof β 3 Big7 Β 4 Norm Β 5 Mem B Β 6 Adv Β 7 FinD Β 8 ZMercap Variável numérica. Representa o valor total do mercado de capitais do país do respondente, os valores foram padronizados por meio do método Z score, a fim de reduzir os efeitos das diferenças de magnitude dos valores envolvidos. Β 9 Com law Variável dicotômica. Representa as cartas enviadas de países com sistema jurídico predominantemente consuetudinário. Assume valor 1 se a carta for emitida de um país com sistema jurídico com mon-law e 0 caso não for. Quadro 2 – Descrição das variáveis utilizadas na pesquisa Fonte: Dados da pesquisa 4 ANÁLISE DOS RESULTADOS 4.1 Estatística descritiva Foram recebidas 109 cartas, das quais em apenas duas não foi possível identificar a posição manifestada pelo respondente em relação à questão de análise. Desta maneira a análise foi realizada nas 107 cartas restantes, conforme descrito na Tabela 1. A maioria dos respondentes foi contra a mudança proposta pelo IASB de eliminar a consolidação proporcional como método de contabilização das participações societárias em entidades de controle conjunto, com 61,7% das cartas não apoiando a sugestão do Board, que, apesar disto, resolveu eliminar tal procedimento contábil. Tabela 1 - Opinião Geral dos respondentes do Exposure Draft 9 Joint Arrangements Frequencia Percentual % Válido A favor 41 37,60% Contra 66 60,60% 38,30% 61,70% Total 107 98,20% 100% Ausentes 2 1,80% Total 109 100% Cartas Recebidas Respostas Fonte: Dados da pesquisa A maioria das cartas foi enviada por Preparadores de demonstrações contábeis, que compreendem as empresas e associações de empresas, com 51% cartas incluídas na análise, logo em seguida a categoria dos Profissionais Contábeis enviou 29 cartas, sendo que seis delas foram enviadas pelas empresas internacionais de auditoria que compõem o grupo das Big 7, os Normatizadores enviaram 19 cartas e a categoria de Outros respondentes, que basicamente compreendem pessoas físicas sem maiores identificações, teve apenas 4 cartas 9 incluídas na análise, conforme Tabela 2. A maior participação de preparadores se justifica por ser esta a categoria mais afetada pelas mudanças propostas pelo IASB no Exposure Draft. Tabela 2. Categoria dos Respondentes do Exposure Draft 9 Joint Arrangements Preparador Participação Profissional Big 7 Outros Normatizador Outros TOTAL 109 Cartas Recebidas 56 23 6 19 5 Não Responderam a Questão 1 0 0 0 1 2 Incluídas Na Análise 55 23 6 19 4 107 51,40% 21,50% 5,60% 17,80% 3,70% 100% Percentual Participantes Válidos Fonte: Dados da pesquisa Para as demais características dos respondentes, 40% dos mesmos enviaram cartas de países com representantes no Board, 13% dos respondentes pertencem a entidades participantes do conselho consultivo do IASB e 15% financiaram diretamente as atividades da IFRS Foundation, fundação responsável pelo apoio financeiro às atividades do regulador. O montante de 42% das cartas de comentário foi enviado de países com sistema jurídico, predominantemente, consuetudinário. Uma das razões para isso pode ser justificada pela maior proximidade com o idioma em que as normas são elaboradas, tendo em vista que a maioria dos países de sistema jurídico Common Law é de origem anglo-saxônica. Outro motivo pode ser o fato do IASB ser um legítimo representante do modelo contábil estruturado no sistema jurídico consuetudinário (NOBES, 1998; BALL; KOTHARI; ROBIN 2000; BOTZEM; QUACK, 2009). As características dos respondentes estão descritas na Tabela 3. Tabela 3. Características dos Respondentes do Exposure Draft 9 Joint Arrangements Características dos Respondentes Sim Países com Membros no Board 43 40% Membro do Conselho Consultivo 14 13% Financiadores IFRS Foundation 16 15% Países de Sistema Jurídico Common Law 45 42% Não 64 60% 93 87% 91 85% 62 58% Total 107 100% 107 100% 107 100% 107 100% Fonte : Dados da pesquisa No que diz respeito à opinião dos respondentes de acordo com a categoria, apenas nas categorias de Outros respondentes e as originadas de países com sistema jurídicos consuetudinário é que se verificam maiores índices de aprovação da proposta de IASB. O total de 56% dos respondentes de países de commom law apoiaram a sugestão do IASB de eliminação da alternativa de consolidação proporcional para a contabilização de entidades controladas em conjunto. Nas demais categorias de respondentes não se verificou a aprovação da proposta do IASB, conforme resultados apresentados na Tabela 4. Uma possível explicação para estes resultados, levando-se em conta os altos índices de rejeição da proposta, está na preocupação com os possíveis impactos que a mudança pode trazer para as empresas que utilizam o método de consolidação proporcional. Com a eliminação do método proporcional a tendência é de as companhias que possuem investimentos em conjunto apresentem redução nas receitas e no patrimonio divulgados em suas demonstrações consolidadas, gerando consequências para a percepção da saúde financeira destas entidades. Este fato pode influenciar a concessão de crédito e interferir nas negociações dos contratos de covenants. Por outro lado, a maior aprovação de entidades de países de commom law pode estar ligada a percepção que a eliminação pode gerar uma maior comparabilidade entre as empresas, pela exclusão de procedimentos alternativos de contabilização destas participações conjuntas. 10 Tabela 4 – Opinião por categoria de respondente - Exposure Draft 9 Joint Arrangements RESPONDENTE A FAVOR TOTAL 40 (73%) 15 (27%) 55 (100%) Big 7 4 (67%) 2 (33%) 6 (100%) Outros 12 (52%) 11 (48%) 23 (100%) 10 (53%) 9 (47%) 19 (100%) Preparador Profissional CONTRA Normatizador Outros Respondentes 0 (0%) 4 (100%) 4 (100%) Membro do Conselho Consultivo 8 (57%) 6 (43%) 14 (100%) Paises com Membros no Board 24 (56%) 19 (44%) 43 (100%) Financiadores IFRS Foundation 11 (69%) 5 (31%) 16 (100%) Paises C/Sistema Juríd.Common Law 20 (44%) 25 (56%) 45 (100%) Fonte : Dados da pesquisa 4.2 Análise Multivariada Para avaliar a significância de características dos respondentes no processo de normatização contábil do IASB e atender aos objetivos da pesquisa, recorreu-se a regressão logística, cujos resultados são apresentados na Tabela 5 Tabela 5 – Resultados da Regressão Logística Modelo Completo Logistic regression Number of obs LR chi2(9) Prob > chi2 Pseudo R2 Log likelihood = -59.988207 resul Coef. prepa prof big7 norm adv menb finD zmercap comlaw _cons -16.1276 -15.56372 -.9805928 -15.02942 .1535604 .0170813 -.1143618 .0246087 1.434788 14.54942 Std. Err. 914.0133 914.0133 1.322285 914.0133 .78256 .5108695 .8575711 .2394801 .5142256 914.0132 z -0.02 -0.02 -0.74 -0.02 0.20 0.03 -0.13 0.10 2.79 0.02 P>|z| 0.986 0.986 0.458 0.987 0.844 0.973 0.894 0.918 0.005 0.987 = = = = 107 22.46 0.0075 0.1577 [95% Conf. Interval] -1807.561 -1806.997 -3.572224 -1806.463 -1.380229 -.9842045 -1.79517 -.4447638 .4269241 -1776.884 1775.305 1775.869 1.611038 1776.404 1.68735 1.018367 1.566447 .4939811 2.442651 1805.982 Fonte: Dados da pesquisa O modelo como um todo foi significativo a um p-value < 0,05 e apresenta um pseudo R2 de 0,1577. No entanto, a análise dos coeficientes da regressão revelou que apenas a variável Commom_Law foi estatisticamente significante a um nível de α de 0,05 (Coef 1.4347; Erro Padrão 0,5142; p-value 0,005), com as demais variáveis não apresentando um efeito estatisticamente significativo sobre a probabilidade de tais características influenciarem o resultado do processo de normatização contábil. Tabela 6 -Diagnóstico de Multicolinearidade entre as Variáveis Explicativas do Modelo Variable VIF 1/VIF comlaw big7 menb prof finD prepa adv zmercap norm 2.29 2.16 2.14 2.09 2.09 1.81 1.80 1.41 1.36 0.436656 0.462187 0.467334 0.477400 0.478885 0.551758 0.555402 0.707404 0.737344 Mean VIF 1.91 Fonte: Dados da pesquisa 11 Já com base na Tabela 6 é possível verificar que nenhuma variável apresenta fator de variância - VIF próximo do limite de 10, valor considerado a partir do qual existe uma maior relação linear entre as variáveis explicativas e, portanto, graves problemas de multicolinearidade no modelo (GUJARATI, 2006; HAIR et al., 2009). Este fato indica que existe um pequeno efeito deste aspecto nos resultados da regressão anterior. A fim de confirmar a significância do coeficiente da variável Common_Law e excluir, desta maneira, o efeito das variáveis não significativas apresentadas no modelo completo, uma nova regressão foi gerada com um modelo ajustado com apenas esta variável e o intercepto. Os resultados são apresentados na Tabela 7. Tabela 7 – Resultados da Regressão Logística Modelo Ajustado Logistic regression Number of obs LR chi2(1) Prob > chi2 Pseudo R2 Log likelihood = -66.316679 resul Coef. comlaw _cons 1.279196 -1.056053 resul Odds Ratio comlaw 3.59375 Std. Err. .4174196 .2902398 z 3.06 -3.64 P>|z| 0.002 0.000 = = = = 107 9.80 0.0017 0.0688 [95% Conf. Interval] .4610687 -1.624912 2.097324 -.4871931 Std. Err. z P>|z| [95% Conf. Interval] 1.500102 3.06 0.002 1.585768 8.144343 Fonte: Dados da pesquisa O modelo ajustado apresentou-se como significativo a um p-value < 0,05, o pseudo R2 foi de 0,06 e os resultados relatados anteriormente foram confirmados. A variável Common_law continuou estatisticamente significativa a um α de 0,05 (Coef 1.2791; Erro padrão 0,4174; p-value 0,002). A razão de chances do coeficiente common-law foi de 3,59, ou seja, as cartas enviadas de países com sistema jurídico Commom Law têm aproximadamente 3,6 vezes mais chance de influenciar o resultado do processo normativo do IASB, do que uma carta enviada de um país com sistema jurídico codificado. Uma possível explicação para que esta variável tenha sido significativa pode estar no fato de que o IASB tem claramente adotado uma postura normativa baseada nos sistemas contábeis de países de visão Anglo-Saxônica e, portanto, aderente ao sistema Commom Law conforme observam diversos pesquisadores (NOBES, 1998; BALL; KOTHARI; ROBIN 2000; NOBES, 2006; BOTZEM e QUACK, 2009). Além disto, a maioria dos integrantes do Board é originária de países baseados em sistemas jurídicos consuetudinários (entre os 8 países fundadores do IASB, 5 deles têm sistema jurídico, predominantemente, Commom-law). Tais elementos podem aumentar a chance de aceitação de opiniões destes países, que figuram, ainda, entre os mais ricos. Apesar das demais características dos respondentes do processo normativo do IASB (categoria que o respondente pertence, o fato do mesmo ter a mesma nacionalidade dos membros do IASB, participar ou não do conselho consultivo do Board, contribuir financeiramente ou não para IFRS foundation e ter um maior ou menor mercado de capitais nacional) não terem se constituído em elementos significativos a ponto de influenciarem as decisões tomadas pelo órgão em seu processo normativo e, portanto, demonstrando a não efetividade destes grupos de interesse como agentes críticos no processo regulatório contábil internacional, o fato de cartas de comentários enviadas de países com sistema jurídico consuetudinário apresentarem uma maior chance de terem suas opiniões acatadas do que as enviadas de países com sistema jurídico distinto, reforça as explicações fornecidas pela Teoria Econômica dos Grupos de Interesse a qual afirma que o processo regulatório é fruto de uma 12 competição entre grupos concorrentes, onde o grupo mais influente prevalece e obtém maior benefício do processo regulatório. O fato de o trabalho ter encontrado evidências de um grupo predominante corrobora com a aceitação da hipótese desenvolvida, ou seja, a teoria dos grupos de interesse é mais adequada para explicar o processo regulatório do IASB do que a teoria dos benefícios públicos. Uma limitação do trabalho é que ele trata de um único processo normativo, os resultados obtidos devem ser analisados com cuidado. Neste sentido, apesar da pesquisa ter identificado que a influência da opinião dos respondentes, segundo suas categorias e algumas de suas características, não ser levada em consideração pelo IASB no seu processo normativo, outros trabalhos devem ser realizados para que estes resultados sejam generalizados. Além disso, como observam Sutton (1984), Zeff (2002) e Yu (2006) existem outras maneiras de exercer pressão no processo de normatização contábil, além do envio de cartas. Portanto, apesar da possível correlação entre os diversos métodos de exercício de pressão e o envio de cartas de comentários (GEORGIOU, 2004; KONIGSGRUBER, 2010), as características investigadas na pesquisa e que não foram consideradas estatisticamente significantes, podem exercer influência em etapas anteriores a emissão dos próprios Exposure Drafts. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo investigou o ambiente normativo do IASB a fim de identificar qual teoria de regulação seria mais adequada para explicar a atividade regulatória do órgão. Para tanto, buscou-se analisar empiricamente a possível associação de características específicas dos respondentes das cartas de comentário em relação ao processo de elaboração das IFRS e a sua influência na opinião do órgão regulador. Para capturar as opiniões e avaliar a significância das características dos respondentes no processo de emissão das IFRS, foram utilizadas as cartas de comentários enviadas ao IASB por conta do Exposure Draft denominado ED 9 Joint Arrangements que tratou da proposta de substituição da IAS 31 Interest in Joint Ventures e que culminou na IFRS 11 Joint Arragements emitida em maio de 2011. O arcabouço teórico utilizado procurou relacionar as teorias de regulação com o ambiente normativo contábil internacional, formulando a hipótese de que a Teoria Econômica da Regulação, também chamada de Teoria dos Grupos de Interesse melhor descreveria o processo normativo contábil internacional, implicando que a opinião regulatória do IASB estaria mais alinhada com determinados grupos de interesses que predominam sobre outros. Embora não tenha encontrado uma relação com a maioria das características dos participantes analisadas, a pesquisa demonstrou uma forte associação entre o fato de o respondente pertencer ao grupo de países de sistema jurídico commom_law e a possibilidade de suas opiniões serem prevalecentes no processo de normatização contábil. Os resultados da estatística multivariada empregada na pesquisa, por meio do uso da técnica de regressão logística, apresentaram evidências de que o sucesso no processo de pressão (lobbying) exercido pelos grupos de interesse não está associado ao tipo de stakeholder que ele representa, mas, sim, com o tipo de sistema jurídico predominante no país do respondente e conseqüentemente com o modelo contábil de seu país. As evidências encontradas reforçam o fato da Teoria dos Grupos de Interesse ser mais adaptada para descrever o ambiente contábil normativo internacional do que a Teoria do Interesse Público. Isto ficou ressaltado devido ao fato de que cartas de comentário enviadas de países com sistema jurídico consuetudinário tiveram três vezes mais a chance de suas opiniões serem acatadas se comparadas com as cartas enviadas de países com sistema jurídico distinto. Este aspecto fornece indícios compatíveis com a previsão fornecida pela teoria dos grupos de interesse a qual afirma que o processo regulatório é fruto de uma competição entre grupos distintos, onde o mais influente prevalece e obtém maior benefício do processo 13 regulatório. Por fim, apesar da validade dos resultados encontrados, e da caracterização da influência dos grupos de pressão no processo normativo internacional, a presente pesquisa tratou apenas de uma única norma, o que implica que seus achados devem ser analisados com cautela, indicando a necessidade de realização de trabalhos futuros, incluindo outras normas, a fim de que seus resultados sejam posteriormente confrontados e a assim adquiram maior confiabilidade. 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