Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ensino de Ciências Campus Nilópolis Fábio de Macêdo Souza ENSINO DE QUÍMICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: um estudo dos currículos propostos por professores de escolas estaduais do município de Belford Roxo Nilópolis - RJ 2012 Fábio de Macêdo Souza ENSINO DE QUÍMICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: um estudo dos currículos propostos por professores de escolas estaduais do município de Belford Roxo Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Ensino de Ciências do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro como parte dos requisitos para obtenção do Título de Mestre em Ensino de Ciências. Orientadora: Profª Drª Flávia Monteiro de Barros Araújo Nilópolis – RJ 2012 S729e Souza, Fábio de Macêdo Ensino de Química na Educação de Jovens e Adultos: um estudo dos currículos propostos por professores de escolas estaduais do município de Belford Roxo / Fábio de Macêdo Souza; Orientadora Flávia Monteiro de Barros de Araújo. -- Nilópolis, RJ, 2012. 138 f.; 30 cm Dissertação (Mestrado Profissional em Ensino de Ciências) Programa de Pós - graduação em Ensino de Ciências, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro. PROPEC, 2012. 1. Educação de jovens e adultos – Estudo e ensino. 2. Química – Ensino médio. 3. Currículo – Educação I. Araujo, Flávia Monteiro de. Orient. II. IFRJ. PROPEC. III. Título. CDU 37.01(076.5) Fábio de Macêdo Souza ENSINO DE QUÍMICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: um estudo dos currículos propostos por professores de escolas estaduais do município de Belford Roxo Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Ensino de Ciências do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro como parte dos requisitos para obtenção do Título de Mestre em Ensino de Ciências. Aprovado em ______, de ____________ de 20___. Banca Examinadora _________________________________________________ Profª Drª Flávia Monteiro de Barros Araújo – Presidente da Banca Universidade Federal Fluminense. _________________________________________________ Profª Drª Maylta Brandão dos Anjos – Membro interno Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro. ________________________________________________ Prof Dr Jorge Nassim Vieira Najjar – Membro externo Universidade Federal Fluminense. Nilópolis – RJ 2012 Aos professores de Química da Educação de Jovens e Adultos. AGRADECIMENTOS A Deus, por iluminar os meus caminhos e me conduzir a “lugares altos”. Aos meus pais Maria José de Macêdo Souza e Samuel de Souza, pessoas importantes na minha vida, por me ensinarem os valores e os princípios de uma pessoa de bem. Juntos, nós conquistamos mais uma vitória. Ao meu irmão Vitor de Macêdo Souza, pelo companheirismo e disponibilidade. À Profª Drª Flávia Monteiro de Barros Araújo, pela excelente orientação, incentivo constante e apoio inestimável. À banca examinadora, Profª Drª Maylta Brandão dos Anjos e Prof. Dr. Jorge Nassim Vieira Najjar por aceitarem o convite e participarem dessa conquista. Aos professores do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências, pelas contribuições ao longo do curso. Aos meus amigos da turma 2010, especialmente à Márcia Mascarenha dos Reis, pelo companheirismo e incentivo nos momentos difíceis. Ao amigo Adelmo Pinheiro de Oliveira, pelo otimismo, contribuições e valioso apoio. Às amigas Jociene e Juliene pelo empenho e valioso auxílio na etapa final deste trabalho. À Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro, por ter autorizado a realização das entrevistas nas unidades escolares. Aos professores da rede estadual, lotados no município de Belford Roxo, pela gentileza e contribuições preciosas nessa pesquisa. E a todos que participaram direta ou indiretamente no processo de elaboração desse trabalho de dissertação. O meu muito obrigado! (...) quando estamos lidando com o saber e o aprender, o que se vive é um cuidadoso e lento trabalho de lidar com momentos inesperados da experiência de vida de cada pessoa educanda. De olhar nos olhos uma gente que não raro precisou esperar mais da metade da vida para ser aceita em um banco de escola. Brandão SOUZA, Fábio de Macêdo. Ensino de Química na Educação de Jovens e Adultos: um estudo dos currículos propostos por professores de escolas estaduais do município de Belford Roxo. 132 f. Trabalho de conclusão em Ensino de Ciências/Dissertação. Programa de Pós-graduação Stricto Sensu, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), Campus Nilópolis, Nilópolis, RJ, 2012. RESUMO A Educação de Jovens e Adultos (EJA) ganhou maior reconhecimento a partir da Constituição Federal de 1988 e da Lei n° 9.394 de Diretrizes e Bases da Educação, quando foi formalizado o dever de oferta obrigatória pelo Estado Brasileiro. Com a aprovação do Parecer CEB/CNE de 11 de maio de 2000, foram estabelecidas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA. No estado do Rio de Janeiro, em 2006, foi elaborada a Reorientação Curricular da Secretaria de Estado de Educação (SEEDUC/RJ) para este segmento. Contudo, os educadores que atuam nessa modalidade reconhecem a escassez de recursos para auxiliá-los em sua tarefa anual que envolve a definição de conteúdos e a elaboração de um planejamento. Diante dessa problemática, esse trabalho objetivou estudar quais seriam os fundamentos que orientam os docentes de Química no processo de construção de um programa de curso. E mais, especificamente, debater as concepções desses educadores sobre os conteúdos mais significativos e, também, analisar as diretrizes que eles utilizam. Ressalta-se que a pesquisa foi realizada com os professores do Ensino Médio da rede estadual, situada no município de Belford Roxo. Para tal, foi desenvolvida uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório que envolveu a revisão da literatura, o exame dos documentos oficiais, a aplicação de questionários e a realização de entrevista semi-estruturada gravada em áudio. A análise das informações, obtidas através das respostas dos professores, evidenciou que uma proposta curricular de Química, voltada para EJA, precisa considerar as particularidades desse públicoalvo e o tempo reduzido para trabalhar os conteúdos. Além disso, a literatura especializada em Ensino de Ciências considera importante a proposição de uma educação em Química comprometida com a formação da cidadania. Com base nestas considerações, elaborou-se um produto educacional – caderno de atividades – no intuito de cooperar com os professores da Educação de Jovens e Adultos em relação às metodologias, que eles podem lançar mão, para o desenvolvimento dos conteúdos planejados. Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Ensino de Química. Currículo. Ensino Médio. Concepção dos professores. SOUZA, Fábio de Macêdo. Chemical Teaching in the Education of Youth and Adults: a study of curriculums proposed by teachers of public schools in the city of Belford Roxo. 132 f. Science Education (end of course work / thesis). Graduate Program Professional Master in Science Teaching. Federal Institute of Education, Science and Technology of Rio de Janeiro (IFRJ) Nilópolis, Campus, Rio de Janeiro, 2012. ABSTRACT The Education of Youth and Adults (EJA) gained greater recognition thanks to the Federal Constitution of 1988 and Law No. 9394 of Guidelines and Bases of Education, which formalized the obligation proposals in Brazil. With the approval of the CEB / CNE‟s Legal Opinion of May 11, 2000, the National Curriculum for EJA was established. In the state of Rio de Janeiro, in 2006, the Curricular Reorientation of the Department of Education (SEEDUC / RJ) was elaborated for this segment. However, educators working in this modality recognize the scarcity of resources to assist them in their annual task that involves the definition of contents and the preparation of a planning. Faced with this problem, this study intends to investigate the fundamentals that guide the chemistry teachers in the process of building a course program. More specifically, to discuss the conceptions of these teachers about the most significant contents and also to analyse the guidelines that they use. I would like to emphasize that the survey was conducted with public school teachers in the city of Belford Roxo. To this end, a qualitative and exploratory research involving a literature review, the examination of the official documents, questionnaires and semi-structured audiorecorded interviews, was developed. The analysis of the information obtained through the teachers' answers showed that a curriculum of Chemistry for the EJA needs to consider the particularities of the aimed public and the reduced time to develop contents. Furthermore, the literature specialized in Science Teaching considers important the proposition of a chemistry education committed to the development of citizenship. Based on these considerations, we elaborated a product of education - notebook of activities - in order to cooperate with teachers of Youth and Adults about the methods they may resort to the development of content planned. Keywords: Youth and Adult Education. Chemistry Teaching. Curriculum. Secondary School. Conception of the teachers. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11 1 DA TRAJETÓRIA DE UM DIREITO.............................................................................. 23 1.1 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS AO LONGO DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA ................................................................................................... 23 1.2 CONFIGURAÇÕES DA EJA A PARTIR DA DÉCADA DE 1990 ................................. 27 1.3 ÚLTIMOS NÚMEROS DA EDUCAÇÃO ........................................................................ 29 1.4 O MUNICÍPIO DE BELFORD ROXO: CARACTERÍSTICAS APONTADAS PELO IBGE ......................................................................................................................................... 31 2 O CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: AS ORIENTAÇÕES LEGAIS ................................................................................................................................... 33 2.1 AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ............................................................................................................................... 33 2.2 AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO: A ÊNFASE NA INTERDISCIPLINARIDADE E NA CONTEXTUALIZAÇÃO ..................... 40 2.3 A organização do currículo de Química: o que dizem as DCN do ensino médio? E a Reorientação Curricular da SEEDUC/RJ? ............................................................................... 45 2.4 APRESENTAÇÃO DA VERSÃO PRELIMINAR DO CURRÍCULO MÍNIMO DE QUÍMICA PARA A EJA. ........................................................................................................ 49 3 ENSINO DE QUÍMICA E OS CONTEÚDOS DO CURRÍCULO ................................. 54 3.1 O ENSINO DE CIÊNCIAS E A TEORIA CRÍTICA DO CURRÍCULO: UM BREVE HISTÓRICO ............................................................................................................................. 54 3.2 O CURRÍCULO DE QUÍMICA E A IMERSÃO DO PÚBLICO DA EJA NO CONHECIMENTO CIENTÍFICO ........................................................................................... 57 3.2.1 Os conteúdos atitudinais ............................................................................................... 59 3.2.2 Os conteúdos procedimentais ....................................................................................... 61 3.2.3 Conteúdos conceituais ................................................................................................... 64 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................................................ 66 4.1 PERFIL DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA ........................................................... 66 4.2 A CONCEPÇÃO DOS PROFESSORES SOBRE A EJA ................................................. 68 4.3 CONCEPÇÕES DOS PROFESSORES DE QUÍMICA AO ELABORAR O PLANO DE CURSO PARA EJA ................................................................................................................. 72 5 APRESENTAÇÃO DO PRODUTO EDUCACIONAL ................................................... 83 5.1. ELABORAÇÃO DO PRODUTO EDUCACIONAL ....................................................... 83 5.2 DESCRIÇÃO DO PRODUTO EDUCACIONAL ............................................................. 84 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 85 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 90 APÊNDICE ............................................................................................................................. 96 ANEXOS ................................................................................................................................. 97 INTRODUÇÃO No Brasil, muitos homens e mulheres adultos não completaram a educação básica na idade própria. Esse grupo, constituído em parte por negros, índios, migrantes e muitos outros indivíduos desassistidos por políticas sociais sólidas, embora não usufruísse de uma formação acadêmica, ajudou a construir com seu esforço e trabalho este país. Não se pode afirmar que esses brasileiros não almejaram obter uma formação escolar. Muitos até persistiram, mas por condições adversas acabaram abandonando a escola e dela se evadindo. Alguns fatores destacados pela literatura auxiliam a entender os motivos que levaram esses educandos a desistir do longo ciclo escolar. Dentre eles, citam-se: as sucessivas repetências que desmotivam e contribuem para a autoestima baixa do estudante; práticas pedagógicas de professores desmotivados e mal pagos; um ensino que não contempla à especificidade do jovem e adulto, além da entrada precoce no mercado de trabalho em decorrência das precárias condições socioeconômicas (CURY, 2004). Na condição de excluídos, esses sujeitos ganharam certa invisibilidade junto às políticas educacionais, não participando da formulação de propostas que envolviam seus próprios interesses (CARBONELL, 2010). Ao longo do último século, entretanto, começou a ganhar força o entendimento de que o Estado brasileiro possuía uma dívida com esse público em particular, e que esta precisaria ser sanada (BRASIL, 2000). Esta preocupação motivou, por parte das autoridades educacionais, a implementação de diversas ações para a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Nesta direção, assistiu-se, sobretudo, à realização de campanhas de alfabetização, da expansão do atendimento à modalidade e de outras estratégias que objetivaram promover e resgatar a escolaridade destes sujeitos sociais. Entretanto, é somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases n° 9394/96 (LDBEN) que a educação dos jovens e adultos se tornou um direito reconhecido e dever do estado. Esta obrigação legal colocou tarefas para o poder público que deve assegurar a formação destes sujeitos. Neste contexto, considerando as normas estabelecidas pela LDBEN, o Conselho Nacional de Educação (CNE) formulou as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação de Jovens e Adultos (Parecer CEB/CNE no. 11/2000). Este documento, que reafirmou a especificidade da EJA, tendo em vista as condições socioculturais dessa clientela, destacou 11 princípios e funções1 que devem orientar a oferta dessa modalidade. As discussões propostas na legislação apontam para o papel emancipador da EJA. Contudo, observa-se que a escola reservada a esses cidadãos – geralmente a pública –, sofre com uma série de problemas decorrente do descaso com a educação popular. O aumento da violência no ambiente escolar, o sucateamento das unidades e o desenvolvimento de um currículo que não prioriza conteúdos relevantes e significativos são consequências deste descaso. É preciso aprimorar o ensino destinado a esse público em especial, que necessita de melhor assistência e educação de qualidade. Nesta direção, Santos (2005) ressalta a importância dos conhecimentos ministrados: (...) o dominado não se liberta se ele não vier a dominar aquilo que os dominantes dominam. Então, dominar o que os dominantes dominam é condição de libertação (idem, ibidem, p.6). Santos (2005) explica que para instrumentalizar as camadas populares oprimidas de conhecimento, também é preciso um ensino que favoreça a reflexão dos educandos e os capacitem a atuar por si mesmos, de forma autônoma e crítica na sociedade. Considerando esta ideia, verifica-se que ao longo da história, a escola se organizou de forma dual, oferecendo formações distintas para os grupos dominantes e dominados. Nesta perspectiva, como garantir a democratização do conhecimento? Como viabilizar a escolaridade dos jovens e adultos que retornam à escola? O Parecer CEB/CNE n° 11/2000 nos oferece algumas direções, defendendo a organização do currículo como estratégia para reversão deste quadro. Segundo Moreira & Silva (2005), o currículo pode ser considerado um artefato sociocultural e não um simples elemento neutro e inocente de transmissão desinteressada de conhecimento. Nele estão implicadas relações de poder, visto que o currículo opera uma seleção, privilegiando e validando conhecimentos de um grupo, ao mesmo tempo em que não reconhece e deslegitima concepções, visões de mundo e a cultura dos outros. Além disso, não pode ser entendido como um documento transcendental e atemporal, pois “ele tem uma história, vinculada a formas específicas e contingentes de organização da sociedade e da educação” (idem,ibidem, p.8). Giroux (apud SILVA, 2000) atribui ao currículo a tarefa de promover habilidades fundamentais para o exercício da democracia, tais como a participação e o questionamento 1 As funções da reparadora, qualificadora e equalizadora, propostas no Parecer CEB/CNE n o. 11/2000 para Educação de Jovens e Adultos serão abordadas no próximo capítulo. 12 dos pressupostos do senso comum da vida. Além dos currículos propostos, o autor considera que o currículo ensinado pelos professores também é extremamente importante. Segundo ele, estes profissionais não podem “ser vistos como técnicos ou burocratas, mas como pessoas ativamente envolvidas nas atividades da crítica e do questionamento, ao processo de emancipação e libertação” (SILVA, 2000, p.55). Nesta perspectiva, os docentes podem contribuir para construção de um currículo pautado e comprometido com a cultura das camadas populares. Com base nas contribuições destes pesquisadores, assinala-se a importância da realização de estudos que focalize as relações entre o currículo proposto pelas autoridades educacionais, que expressa orientações e diretrizes oficiais dos sistemas, e o currículo construído, moldado e ensinado pelos professores no contexto da Educação de Jovens e Adultos. Ressalta-se que, de acordo com as Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio (Parecer CNE/CEB n° 15/98), o currículo proposto é o de maior abrangência e interfere nos planejamentos em nível nacional, estadual e municipal. O currículo em ação consiste no desenvolvimento do currículo proposto através de projetos ou propostas pedagógicas, e o currículo ensinado refere-se ao trabalho do professor em sala de aula (BRASIL, 1998). Sacristán (2000) também elabora uma distinção entre os diversos níveis de currículos, e busca delimitar o significado de cada um deles. Essas formulações são valiosas para nossas reflexões que tentam compreender os processos que envolvem as definições do currículo na Educação de Jovens e Adultos. Com base neste autor, destaca-se que o currículo prescrito são orientações e prescrições educacionais, regidas por lei, que atuam como referência para a ordenação do sistema escolar e conduzem a elaboração de materiais, o controle do sistema, as práticas avaliativas e etc. Este documento não é universal, pois atende às necessidades políticas de cada país. O currículo apresentado aos professores é elaborado por diferentes instâncias e procura traduzir o significado e os conteúdos do currículo prescrito, que frequentemente é muito geral, a fim de orientar a sistematização das atividades educativas propostas pelo educador. Há também o currículo moldado pelos professores. Ele é o currículo prescrito e/ou apresentado moldado a partir da cultura profissional dos educadores. Neste nível, o docente é o principal tradutor da configuração das propostas curriculares. O Currículo em ação é a “prática real, guiada pelos esquemas teóricos e práticos do professor, que se concretiza nas tarefas acadêmicas” (idem, ibidem, p. 105). Também é chamado de ensino interativo. Já o currículo realizado consiste nos efeitos obtidos através dos métodos 13 pedagógicos. Eles estão relacionados com os aspectos cognitivos, afetivos, sociais, morais e etc., que podem afetar tanto a aprendizagem dos alunos quanto a dos professores no que diz respeito a sua socialização. E o currículo avaliado pode ser entendido como o “controle do saber” (idem, ibidem, p. 106) inerente ao que é estabelecido pelos órgãos competentes, que se projeta na escolarização obrigatória. As contribuições de Sacristán (2000) orientam, ao lado de outros autores, esse estudo. Assim, ao longo do texto, utiliza-se: currículo prescrito para se referir aos documentos oficiais e currículo moldado para se referir às propostas e planejamentos escolares elaborados pelos professores. No currículo moldado destaca-se a influência do professor que consiste num agente ativo muito decisivo na concretização dos conteúdos e significados dos currículos, moldando a partir de sua cultura profissional qualquer proposta que lhe é feita, seja através da prescrição administrativa, seja do currículo elaborado pelos materiais, guias, livros-texto, etc. (SACRISTAN, 1998, p.105) O contato com a literatura suscitou questionamentos sobre como o currículo é concebido pelos docentes e se este contribui ou não para a libertação e emancipação dos jovens e adultos. Assinala-se que nas escolas de EJA, frequentemente, há poucas orientações e, por vezes, o professor se sente sozinho e inseguro para selecionar os conhecimentos que irá focalizar. Assim, questiona-se: como os docentes definem conhecimentos que ministram? Com base em quais critérios e fundamentos são selecionados os conteúdos curriculares? Será que o currículo moldado pelos professores atende às especificidades e necessidades dos jovens e adultos? Essas indagações surgiram a partir das experiências vividas em sala de aula, como professor de química da Educação de Jovens e Adultos de escolas da Rede Pública de Ensino do Estado do Rio de Janeiro. Em minha trajetória profissional, pude constatar que o currículo que se propõe para EJA não atendia às especificidades dessa modalidade e necessitava ser reorientado. Essa percepção, entretanto, nem sempre era partilhada pelos professores. Os docentes, por sua vez, talvez não apresentassem conhecimento sobre as características particulares desses educandos. Assim, continuavam elaborando propostas que consistiam em adaptações do ensino regular, considerando o tempo reduzido para desenvolver na EJA os conteúdos que achavam relevantes. A seleção curricular, nesta perspectiva, parecia estar relacionada ao fator tempo e não à especificidade da clientela. Em outro lado da sala de aula, contudo, estavam os sujeitos que retornavam à escola com seus objetivos pessoais. Em conversas informais que tive com estes educandos, eles 14 deixaram transparecer os motivos que os levaram a optar entre a escola e o trabalho. Também enumeraram seus objetivos que quase sempre eram os mesmos como, por exemplo, promoção no trabalho, cursar a universidade e realizar um sonho de vida: a conclusão da educação básica. Ou seja, retornar à escola para vencer na vida. Porém, as dificuldades antigas logo eram rememoradas. Lá estava o mesmo ensino sem significado, incoerente com a sua realidade e acabava emergindo o desestímulo de outrora. Esta situação era sempre mais visível nas disciplinas da área de ciências, incluindo a química, tradicionalmente vista como difícil, complexa e com um alto índice de reprovação. A respeito dessas questões, a literatura destaca que a EJA possui suas especificidades e um histórico de exclusão. As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação de Jovens e Adultos endossam essas ideias e elencam princípios para a modalidade, ressaltando a necessidade de um currículo que, orientado pelo contexto de vida desta clientela, resgate e valorize os saberes desses discentes. Mas como transformar essa realidade? Esses questionamentos motivaram a realização desta pesquisa que objetiva investigar o ensino de Química, ministrado na modalidade de Educação de Jovens e Adultos, em nível médio, nas escolas da Rede Pública de ensino do Estado do Rio de Janeiro. O foco do estudo recaiu sobre o currículo da disciplina, buscandose elucidar como o professor o modela, isto é, como ele seleciona conteúdos, organiza seu programa e suas atividades. A opção em estudar o ensino dessa área da ciência está relacionada ao que ela pode contribuir para a vida do educando. Acredita-se que a abordagem adequada dessa matéria pode ser relevante para o indivíduo no que tange a sua participação ativa na sociedade, para a necessária compreensão do mundo físico e social. Santos & Schnetzler (2003) consideram a participação uma característica básica da cidadania. Eles afirmam que os indivíduos só podem participar efetivamente da sociedade municiados de conhecimentos, inclusive os relacionados à Química, pois ela: (...) tornou-se um dos componentes do destino do gênero humano. Entretanto, quantas pessoas, entre o público em geral, sabem um pouco que seja a respeito da relevância da química para o bem estar humano? Infelizmente, muito poucos, conforme parece... Certamente, é essencial que se faça com que cada cidadão ao menos tome consciência de algumas das enormes contribuições da química à vida moderna (NEWBOLD apud SANTOS & SCHNETZLER, 2003, p. 48). 15 O estudo desta ciência auxilia os indivíduos a compreenderem as transformações naturais presentes em sua vida cotidiana, a toxidade das substâncias, e como interpretar as informações das ciências difundidas pela mídia, a fim de que sejam capazes de tomar decisões frente aos problemas socioambientais relativos à química (SANTOS & SCHNETZLER, 2003). Perante isso, Gonçalves (apud Pavão & Freitas, 2008) defende um ensino de Ciências estruturado nos quatro pilares da educação propostos por Delors et al. (2006, apud Pavão & Freitas, 2008): aprender a aprender; aprender a fazer; aprender a conviver; e aprender a ser. A elaboração de propostas de ensino que considera tais pilares pode favorecer a construção de competências e habilidades relacionadas ao exercício da cidadania plena. Vale a pena ressaltar que os cadernos temáticos -“Trabalhando com a Educação de Jovens e Adultos”2 – elaborados pelo governo federal, além de apresentarem alguns aspectos importantes que já foram discutidos, tais como especificidade da EJA e o tipo de conteúdo a ser trabalhado, reforçam o papel do professor como mediador no processo de ensinoaprendizagem, que deve atuar para diminuir a distância entre o que os alunos almejam e o que a escola oferece (BRASIL, 2006). Muitas vezes essa distância está relacionada à linguagem utilizada em sala de aula que, por vezes, infantiliza e não contempla a experiência de vida desses educandos. Os conteúdos ministrados devem ser “descontextualizados da idade escolar própria da infância e adolescência para, apreendendo e mantendo seus significados básicos, recontextualizá-los na EJA” (BRASIL, 2000, p. 284). Talvez, as estratégias e as abordagens feitas durante as aulas de Química, baseadas em materiais didáticos voltados para o público regular, não sejam eficazes para o público de jovens e adultos. Dessa forma, além de planejar é preciso que o educador avalie e reavalie as suas propostas e os resultados obtidos de modo a melhorar a suprática docente. Para o (a) professor(a) comprometido(a) com seu trabalho, o planejamento faz parte do processo de tomada de decisão sobre sua forma de agir, no diaa-dia da sua prática pedagógica. Nele estão envolvidas ações e situações que se dão de forma continuada entre professor (a) e alunos e alunos entre si (BRASIL, 2006, p.32). 2 A coleção Trabalhando com a Educação de Jovens e Adultos consiste em cinco cadernos temáticos, elaborados pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), através de sua Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), criada em 2004. O objetivo desta coleção é dar suporte aos educadores que atuam na EJA, considerando a carência de orientações para os docentes nesta modalidade de ensino. 16 É perceptível, nos parágrafos anteriores, a relevância de uma abordagem adequada da disciplina Química, tanto nos currículos prescritos, quanto nos moldados pelos professores, sabido que o conhecimento científico é um bem cultural, que deve ser acessível a todos os cidadãos. Entretanto, considerando que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e, mesmo os livros de química no ensino médio, não foram formulados para os jovens e adultos, como o professor seleciona e define os conteúdos que ministra em sala de aula? Baseados em que? Esses profissionais conhecem e utilizam as Diretrizes Curriculares Nacionais, e ainda, a Reorientação Curricular para a EJA da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC)? Neste processo, eles consideram as especificidades do público de jovens e adultos? Os conhecimentos selecionados pelos professores de química propiciam aos educandos a compreensão e o posicionamento mais ativo diante da vida política, econômica e social? Esses questionamentos, e outros formulados ao longo desse texto, inspiraram o desenvolvimento desse estudo que busca enfatizar a contribuição da educação escolar para a transformação das relações sociais. Nesta direção, este estudo tem como objetivo geral: Analisar o currículo elaborado pelos docentes da disciplina química, do ensino médio, na Educação de Jovens e adultos ministrada em escolas da rede estadual do município de Belford Roxo, na tensão com as diretrizes oficiais propostas para a modalidade. E, mais especificamente: Analisar se no processo de definição de planos de curso os professores consideram as funções e os princípios da EJA, debatidos nas Diretrizes Curriculares Nacionais para essa modalidade de ensino, incorporando-os como eixos importantes do currículo; Debater as concepções dos professores sobre o ensino de química que orientam as seleções de conteúdos, tendo como objetivo a formulação de um programa de curso para a Química na EJA; Recuperar a trajetória da educação de jovens e adultos, considerando as políticas propostas para a modalidade; Discutir as propostas, para o ensino de Química, veiculadas em documentos oficiais que estabelecem diretrizes para o currículo na EJA. 17 Levando em conta esses objetivos, buscou-se definir os possíveis percursos metodológicos. O estudo empreendido é qualitativo, de caráter exploratório e procura compreender os processos de construção e definição dos currículos de Química na EJA. Com base em Lüdke & André (2012), assinala-se que a opção pela pesquisa qualitativa está relacionada às características do nosso objeto que é dinâmico, relacional e complexo, e sofre as influências do contexto histórico no qual está inserido. De acordo com as autoras, a abordagem qualitativa possibilita capturar e compreender a perspectiva dos participantes. O foco são os professores de Química das escolas estaduais, que oferecem ensino médio na modalidade EJA no município de Belford Roxo, considerando a minha inserção profissional. Neste trabalho, buscou-se realizar um estudo de caso. De acordo com Lüdke & André (2012) O estudo de caso é o estudo de um caso, seja ele simples e específico, como o de uma professora competente de uma escola pública, ou complexo e abstrato, como o das classes de alfabetização (CA) ou o do ensino noturno. O caso é sempre bem delimitado, devendo ter seus contornos claramente definidos no desenrolar dos estudos (p. 17). Yin (2010) acrescenta que este método permite que os pesquisadores retenham as características holísticas e significativas de eventos da vida real – como os ciclos individuais da vida, o comportamento dos pequenos grupos, os processos organizacionais e administrativos, a mudança de vizinhança, o desempenho escolar, as relações internacionais e a maturação das indústrias (p. 24). A respeito dessa metodologia, o autor afirma que ela deve ser utilizada quando: as questões da pesquisa se concentram nas perguntas “como” e “por que”; o controle exercido pelo pesquisador sobre o objeto de estudo é muito reduzido e quando o foco temporal está inserido em aspectos contemporâneos relacionados ao contexto da vida real (YIN, 2010). Em suma, o autor considera que o estudo de caso pode contribuir para clarear uma decisão ou um conjunto delas, além de tentar compreender o porquê de elas serem tomadas, como elas são implementadas e com que resultado. As evidências podem vir de várias fontes, entre elas: documentação, registros de campo, entrevistas, observação direta, observação participante e artefatos físicos (YIN, 2010). Ciente dessas questões é válido reiterar que o estudo de caso desse trabalho de dissertação é um desdobramento das indagações do pesquisador/educador sobre sua prática pedagógica na formação dos jovens e adultos, no que se trata da proposição de um plano de 18 curso para EJA, diante da escassez de materiais de apoio. Buscou-se compreender como os currículos são moldados pelos docentes. Assim como, quais os critérios e recursos didáticos por eles utilizados, o porquê da escolha de determinados conteúdos em detrimento de outros e, somado a isso, se para os docentes estes planos contribuem para a formação da cidadania e para o mundo do trabalho, tal qual como prevê a legislação educacional e as diretrizes curriculares. Após o delineamento do objeto, procedeu-se a coleta de informações junto a 12 professores regentes de turma que lecionam ou lecionaram Química ao público de jovens e adultos3. Foram aplicados questionários (Anexo 1) e realizadas entrevistas semi-estruturadas (Anexo 2) com estes docentes. Para elaborar as perguntas de ambas as ferramentas, recorreram-se às orientações das DCN para EJA e as Reorientações Curriculares da SEEDUC/RJ, além das contribuições de Santos & Schnetzler (2003) sobre o ensino de química. A aplicação do questionário antecedeu a entrevista. A intenção era detectar sucintamente as concepções dos entrevistados, posteriormente aprofundadas nas entrevistas. Brandão (2002) explica que a utilização desses dois instrumentos pode permitir uma interpretação mais consistente das informações obtidas. Com esse escopo, foram elaboradas 24 questões divididas em duas categorias: o perfil do entrevistado (formação acadêmica e experiência profissional); e as concepções sobre o ensino de Química proposto ao EJA. Sobre a entrevista, Yin (2010) a considera uma fonte importante de informação para o estudo de caso. Segundo Lüdke & André (2012), ela permite a captação imediata das evidências e, também, admite a observação do pesquisador à gesticulação, ao olhar e à entonação de voz do entrevistado. Essa linguagem corporal pode contribuir no momento de análise. O formato semi-estruturado foi avaliado como o mais indicado por entender que permite a flexibilidade e a fluidez das questões apresentadas. Deste modo, foi elaborado um roteiro prévio com sete perguntas. As questões foram organizadas em uma sequência lógica, aumentando gradativamente a densidade dos conceitos abordados. Além disso, os assuntos tratados foram familiares aos entrevistados, a fim de que pudessem discorrer com segurança, contribuindo para a pesquisa. 3 É valido ressaltar que para essa a realizar essa pesquisa foi solicitada autorização junto ao Comitê de Ética em Pesquisa do CEP/IFRJ, aos órgãos responsáveis – SEEDUC e Coordenadoria Regional Metropolitana VII –, as diretoras das unidades escolares e aos docentes. 19 As entrevistas foram gravadas em áudio com o consentimento de cada professor, para possibilitar uma análise mais acurada. A cultura e os valores de cada indivíduo foram respeitados, bem como a disponibilidade de horário e limitações. As informações foram coletadas em sete unidades escolares, localizadas em bairros distintos do município de Belford Roxo e limítrofes à unidade escolar na qual o pesquisador está lotado. Estas unidades são as únicas que oferecem a modalidade no município. Os docentes, ao serem convidados a responder o questionário e a entrevista, tomaram ciência do objetivo da pesquisa, de que podiam retirar o seu consentimento a qualquer momento e da garantia do sigilo das informações pessoais. Em seguida, as informações foram analisadas, com base nas reflexões construídas no contato com a literatura e com os documentos oficiais, entre eles as Diretrizes Curriculares Nacionais para EJA e a Reorientação Curricular da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC/RJ)4. A contribuição de autores como Sérgio Haddad, Attico Chassot, Wildson Luiz Pereira dos Santos, J. Gimeno Sacristán, Juan Ignacio Pozo & Miguel Ángelo Gómez Crespo, Rita Vilanova & Isabel Martins e Márcia Friedrich auxiliaram a fundamentar a discussão sobre a EJA e o ensino de Química. Salienta-se que este estudo visa a compartilhar as perspectivas dos professores entrevistados e as inferências dos pesquisadores aos seus pares – outros docentes e pesquisadores –, e outros indivíduos que se interessam ou se identificam com esta problemática, de modo que possam refletir sobre sua prática ou até mesmo motivar a realização de novos estudos. Depois das inferências obtidas através da revisão da literatura e da pesquisa de campo, foi elaborado um produto educacional (Apêndice). Esse material didático consistiu em um caderno de atividades para os professores de química, que atuam no ensino médio EJA. Ele apresenta algumas sugestões metodológicas para o desenvolvimento de atividades significativas, experimentais e relacionados à vida cotidiana do educando. O produto buscará atender os objetivos operacionais descritos na Reorientação Curricular da SEEDUC/RJ, de modo a ser um recurso pedagógico utilizado pelos docentes no processo de alfabetização científica e elaboração do Procedimento Operacional Padrão (POP)5. 4 A Reorientação Curricular constitui um documento com orientações para o desenvolvimento do currículo nas escolas que integram a Rede Pública de Ensino do Estado do Rio de Janeiro. 5 O Procedimento Operacional Padrão (POP) é um mecanismo adotado pela SEEDUC/RJ, que visa catalogar as aulas atrativas realizadas na unidade escolar, de modo a socializá-las com os demais professores. 20 Assim, este trabalho foi estruturado da seguinte forma: O primeiro capítulo, nomeado „Da trajetória de um direito: as bases legais da Educação de Jovens e Adultos‟, objetiva recuperar a trajetória histórica da modalidade. Ele foi dividido em duas seções, a primeira abordou o papel da EJA ao longo da história da educação brasileira e, na segunda, discutiram-se as funções e os princípios expressos pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para EJA; O segundo capítulo, intitulado „Currículo: bases legais‟, focou no currículo proposto pelos documentos oficiais. Em sua primeira seção explicou os conceitos de interdisciplinaridade, de contextualização, de trabalho e de cidadania além da importância de cada um deles para a EJA. Já nas outras três seções foram apresentadas, respectivamente, os objetivos do Currículo Proposto de Química pelas DCNEM e pela Reorientação Curricular da SEEDUC/RJ e a versão preliminar do Currículo Mínimo de Química para EJA; No terceiro capítulo, intitulado „O Ensino de Química frente aos conteúdos do currículo‟, dividido em duas seções, discutiu-se a mudança ocorrida nas últimas décadas do ensino de ciência e da teoria de currículo. Também, abordou a relevância dos conteúdos atitudinais, procedimentais e conceituais para aprendizagem das ciências; No quarto capítulo são expostos os resultados da pesquisa de campo que envolveu a aplicação de questionários e a realização de entrevistas com os docentes que lecionam ou lecionaram química na modalidade EJA, e a análise desta, considerando-se os referenciais teóricos estudados; No quinto capítulo são expostas as conclusões deste estudo que apontam para a importância de um ensino de Química que atenda às especificidades da EJA; Por último, no sexto capítulo é apresentado o produto educacional que consiste em um caderno de atividades para os professores de química da educação de jovens e adultos. 21 Espera-se que o estudo contribua para gerar novas reflexões e questionamentos acerca do ensino de Química na EJA, tradicionalmente conhecida como uma disciplina inalcançável pelos estudantes jovens e adultos. 22 1 DA TRAJETÓRIA DE UM DIREITO 1.1 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS AO LONGO DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA A trajetória da EJA no Brasil, segundo Paiva (apud FRIEDRICH et al., 2010), se iniciou na Colônia, com a catequização dos indígenas e a alfabetização e transmissão da língua portuguesa como meio de aculturação dos nativos. Essa doutrinação objetivava melhorar o diálogo entre os colonos e os colonizados. Séculos depois, em 1808, com a vinda da família real para o Brasil surgiram outras necessidades e uma educação, com novos objetivos, foi proposta. Esta consistiu na implantação de um processo de escolarização dos adultos, cuja finalidade era formar trabalhadores, que atendessem às necessidades da aristocracia portuguesa, ou seja, a formação de serviçais da corte para cumprir as tarefas exigidas pelo Estado (idem, ibidem, 2010). Ainda no século XIX, passados alguns anos, a Constituição Imperial de 1824 determinou que todos os cidadãos teriam acesso à educação primária gratuita, mas a titularidade da cidadania era restrita apenas aos livres e aos libertos. Neste período, a educação escolar não era prioridade e nem objeto de expansão sistemática, sobretudo a educação de adolescentes e adultos. A educação era voltada para a elite, que poderia ocupar funções burocráticas, políticas ou intelectuais. Para os escravos e indígenas bastaria uma formação aprendida na oralidade e a obediência obtida mediante a violência física (BRASIL, 2000). Nesse contexto em que se encontrava o país, a primeira escola noturna surgiu apenas em 1854. Vinte anos depois existiam 117 unidades distribuídas pelo território nacional. Estas visavam atender a diversos fins e não havia entre essas instituições uma homogeneidade no que se diz respeito aos objetivos educacionais; enquanto no Pará a preocupação era alfabetizar os indígenas, no Maranhão a finalidade era esclarecer os direitos e deveres dos colonos (PAIVA apud FRIEDRICH et al., 2010). No ano de 1881, o Decreto nº 3029 conhecido como “Lei Saraiva”, condicionou o direito ao voto. Somente os alfabetizados poderiam gozar desse direito. Acreditava-se que os analfabetos não tinham capacidade para exercer esse tipo de cidadania (idem, ibidem). Dez anos depois, a Constituição de 1891 também condicionou o exercício do voto à alfabetização 23 e, além disso, retirou do seu texto a gratuidade da instrução antes existente na Constituição Imperial de 1824 (BRASIL, 2000). Nesta fase de transição entre o Império e a República (1887-1897), a educação foi vista como redentora dos problemas nacionais. No início do século XX, em 1910, surgiram as “ligas” sociais que tinham como objetivo suprimir o analfabetismo e garantir o acesso ao direito de voto. Nesse período, ocorreram mobilizações e debates acerca da expansão do ensino e da educação como dever do Estado, que se intensificaram entre as décadas de 1920 e 1930 (PAIVA apud FRIEDRICH et al., 2010). Na República, a Constituição de 1934 (art.149) afirmou que a educação era direito de todos, devendo ser ministrada pela família e pelos poderes públicos. Mas o que esse documento queria dizer com „todos‟? A Constituição no artigo 150, referindo-se ao Plano Nacional de Educação6, deixou claro que ele deveria obedecer ao seguinte princípio: ensino primário integral, gratuito e de frequência obrigatória, extensiva aos adultos. Entende-se que o „todos‟ presente no artigo n° 149 remete aos adultos do artigo n° 150 (BRASIL, 2000; HADDAD, 1998). Contudo, segundo Di Pierro et al. (2001), foi somente a partir da década seguinte que a preocupação em oferecer uma educação popular começou a ganhar corpo, através de iniciativas concretas. Essa tendência se expressou em várias ações e programas governamentais, nos anos 40 e 50. Além de iniciativas nos níveis estadual e local, merecem ser citadas, em razão de sua amplitude nacional: a criação do Fundo Nacional de Ensino Primário em 1942, do Serviço de Educação de Adultos e da Campanha de Educação de Adultos, da Campanha de Educação Rural iniciada em 1952 e da Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo em 1958 (DI PIERRO et al., 2001, p. 59). Em 1942, criou-se o Serviço de Educação de Adultos ligado ao Departamento Nacional de Educação, do Ministério da Saúde, que a partir do ano de 1945 passou a contar com 25% dos recursos do Fundo Nacional do Ensino Primário7. Este Serviço, que era 6 Vale a pena ressaltar, que o Plano Nacional de Educação foi elaborado entre os anos de 1936 e 1937 e possuía todo título III da segunda parte voltado para o supletivo. Este Plano não chegou a ser votado devido ao golpe que instituiu o Estado Novo e outorgou a Constituição Federal de 1937. Esta seção era destinada aos adolescentes, aos adultos analfabetos, aos silvícolas e aos que não pretendiam a instrução profissional. O ensino supletivo, segundo este documento, deveria ter disciplinas obrigatórias e ser ministrado em estabelecimentos industriais ou naqueles que tinham finalidades correlacionadas (BRASIL, 2000). 7 O Fundo Nacional de Ensino Primário foi instituído pelo Decreto nº 4958 de 14 de novembro de 1942. Este Fundo era constituído de tributos federais criados para esse fim e visava à ampliação e melhoria do sistema escolar primário (BRASIL, 2000). 24 responsável em coordenar ações na educação de adultos, em 1947 se consolidou na Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA)8 (HADDAD, 1998). A CEAA trouxe a primeira proposta oficial para a educação de adultos, que embora abrangesse ações mais amplas para este tipo de educação, as suas propostas eram ainda voltadas apenas para a alfabetização e a educação sanitária, cujos objetivos eram focados na qualificação mínima para o trabalho e nas condições que favorecessem o plano de desenvolvimento do país. A CEEA foi extinta no final da década de 1950 (FÁVERO apud VILANOVA & MARTINS, 2008). No segundo mandato do presidente Vargas (1951-1954), a educação de jovens e adultos passou a ser entendida como peça fundamental na elevação dos níveis de escolarização e da cultura da população (BEISEIGEL apud FRIEDRICH et al., 2010). Assim, foi instituído o movimento conhecido como Educação Várzea, que consistiu na organização de escolas em diversos locais no Brasil. A proposta era o estabelecimento de um currículo básico que também contribuísse para a expansão agrícola. Contudo, essa ação, como apresenta Di Pierro et al. (2001), ficou restrita apenas à alfabetização. A partir da expansão das escolas para o interior do Brasil por Lourenço Filho, a fim de refazer as bases eleitorais, foi diagnosticado que era preciso ir além da alfabetização, era necessária uma ação mais ampla junto às comunidades. No ano de 1958, Juscelino Kubitscheck de Oliveira, promoveu o Congresso de Educação de Adultos, no qual os grupos de diversos estados puderam relatar suas experiências. O grupo de Pernambuco liderado por Paulo Freire ganhou destaque. Eles levantaram críticas importantes sobre a inadequação do material didático para esse público, a precariedade dos prédios escolares e a má qualificação do professor. Também foi discutida a necessidade de inovações pedagógicas que favorecesse uma educação com o homem e não para o homem (PAIVA apud FRIEDRICH et al., 2010). O início da década de 1960, como aborda Haddad (1998), foi um momento importante para a construção da identidade da EJA. Neste período, foi reconhecida a necessidade de pensar a educação de adultos dentro de parâmetros próprios, a importância de uma metodologia adequada ao ensino de adultos, a necessidade de uma reflexão social e política na prática educacional. Nestes anos, que antecederam o golpe militar, o pensamento de Paulo 8 É importante ressaltar, que antes da consubstancialização da CEAA, foi instituída a uma nova Constituição em 1946. Esta reconheceu o direito a educação e o ensino primário oficial gratuito (HADDAD, 1998). 25 Freire, o Movimento de Cultura Popular, os Centros Populares de Cultura e outras ações foram significativos para o desenvolvimento de uma educação para jovens e adultos. No ano de 1964, o Ministério da Educação organizou o Programa Nacional de Alfabetização de Adultos, que incorporou as orientações de Paulo Freire (DI PIERRO et al., 2001). Porém, com o golpe militar de 1964, a educação de adultos deixou o teor progressista e novos programas nacionais foram criados, entre eles a Cruzada ABC (Ação Básica Cristã) e o MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização) (VILANOVA & MARTINS, 2008). Nesse mesmo período, o ensino supletivo ampliou suas ações educativas através do rádio (Projeto Minerva), televisão (Telecursos), correspondências, e módulos instrucionais (Centros de Educação Supletiva) (HADDAD, 1998). Em suma, a criação desses programas visava a preencher as lacunas deixadas pela repressão aos movimentos populares antes vigentes. O MOBRAL foi organizado pela união a partir de 1969, ele incidia em um programa de dimensão nacional, cujo objetivo era oferecer alfabetização a grande parcela de analfabetos no país. Era concebido como uma ação que se extinguiria, assim que resolvesse a questão do analfabetismo. O Governo investiu recursos significativos na montagem desse movimento em âmbito nacional e de forma autônoma - independente - das secretarias estaduais e municipais e do próprio Ministério da Educação. Esse programa também visava a favorecer a manutenção da ideologia vigorante e atender às orientações das agências internacionais da Organização das Nações Unidas, tal como a UNESCO, que zelava pelo combate ao analfabetismo e universalização de uma educação elementar. Este programa instituiu comissões em cada município, responsabilizando-as pela sistematização das atividades, enquanto ficava encarregado do controle, supervisão e produção de materiais didáticos (DI PIERRO et al., 2001). Contudo, mesmo passando por diversas mudanças ao longo da década de 1970, segundo o autor, o programa não atendeu à demanda. Assim, surgiram duras críticas ao MOBRAL. Com a redemocratização do país em 1985, o MOBRAL foi extinto e cedeu lugar para a Fundação Nacional de Jovens e Adultos (Fundação EDUCAR). Embora esta ação tenha herdado algumas características do movimento anterior – professores, estruturas burocráticas e práticas –, também abriu mão do controle político-pedagógico. A Educar ficou responsável em aperfeiçoar professores, produzir materiais didáticos, supervisionar e avaliar as atividades (HADDAD & DI PIERRO, 2000). No ano de 1988, a Constituição Brasileira avançou ao estabelecer em seu artigo 208 (inciso I), o dever do Estado em garantir “o ensino fundamental, obrigatório e gratuito, 26 inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria” (HORTA, 1998). Neste contexto, os cursos supletivos foram fortalecidos pela Fundação Educar até a sua extinção em 1990. Nos anos seguintes, os programas de alfabetização e pós-alfabetização dos jovens e adultos passaram a ser responsabilidade dos estados e municípios (HADDAD & DI PIERRO, 2000). 1.2 CONFIGURAÇÕES DA EJA A PARTIR DA DÉCADA DE 1990 Em 1990, a UNESCO promoveu o ano Internacional da Alfabetização, marcado significativamente, pela realização da Conferência Mundial de Educação Para Todos, em Jonthien, na Tailândia. Neste evento, foi aprovada a Declaração Mundial sobre Educação, que propunha uma abordagem global para os problemas da educação no mundo e a ampliação dos conceitos da educação básica, com ações coordenadas em vários níveis. A educação de jovens e adultos foi destacada na Declaração de Jonthien, incluindo metas para redução do analfabetismo, expansão da educação básica e capacitação dos jovens e adultos (DI PIERRO et al., 2001). A partir deste ano, vários debates promovidos por órgãos governamentais e não governamentais buscaram encontrar estratégias que possibilitassem a erradicação do analfabetismo no Brasil (FRIEDRICH et al., 2010). Nesta perspectiva, o governo Collor de Mello lançou o Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania (PNAC), cujo objetivo era reduzir em 70% o número de analfabetos no país em um período de cinco anos. Porém, tal programa foi extinto devido ao repasse dos recursos numa porcentagem inferior ao acordado com o governo federal (MACHADO apud FRIEDRICH et al., 2010). De acordo com Di Pierro (2001), a falta de incentivo político e financeiro motivou a municipalização de programas educacionais, muitos voltados para os jovens e adultos e conveniados com a Fundação Educar. Muitos municípios, entretanto, não apresentavam o preparo gerencial e técnico necessário para assumir essa responsabilidade, resultando em uma má assistência. Haddad et al. (apud DI PIERRO et al., 2001) considerou esse processo uma omissão das esferas federais e estaduais e não uma descentralização. Esse período crítico para o ensino de jovens e adultos se acentuou na gerência do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Em 1996, através de uma emenda constitucional, a obrigatoriedade desse tipo de ensino foi suprimida. O texto manteve apenas a garantia de sua oferta gratuita. Essa formulação desobrigou o estado a aplicar verbas no 27 ensino fundamental para jovens e adultos. Tal fato pode ser observado na legislação que criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Professor (FUNDEF), quando excluiu no computo as matrículas no ensino supletivo para o repasse das verbas (DI PIERRO et al., 2001). Em 1996, com a aprovação da Lei no. 9.394 de Diretrizes e Bases da Educação9, o Ensino Supletivo passou a se chamar Educação de Jovens e Adultos (EJA). Soares (apud RUMMERT & VENTURA, 2007) explica o motivo na mudança da nomenclatura: “o termo “ensino” se restringe à mera instrução, o termo “educação” é muito mais amplo, compreendendo os diversos processos de formação” (p. 31). Mas, o corpo do texto continuou a se referir a cursos e exames supletivos, perpetuando a concepção de suplência, correção de fluxo escolar e de compensação. A respeito da falta de uma política sólida para a EJA, na década de 1990, Torres (apud PIERRO, 2001) lamenta: Deixar de lado a educação de adultos é ignorar mais uma vez o ponto de vista da demanda educativa, a importância da família como suporte fundamental para o bem estar e a aprendizagem infantil, e, em última instância, como fator relevante nas condições de aprendizagem no meio escolar. Educar os adultos-pais e mães de família e os adultos-comunidade é indispensável para o alcance da própria Educação Básica para Todas as Crianças, e educar os adultos-professores é condição sine qua nom para expandir e melhorar as condições de ensino (p. 69). No âmbito internacional, em 1997, ocorreu em Hamburgo na Alemanha a V Conferência de Educação de Adultos (V CONFITEA), onde foi firmada a Declaração de Hamburgo e a Agenda para o Futuro. Esse documento trouxe uma grande contribuição para a EJA e chega a ser citada nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e adultos, ao falar de sua função reparadora. A partir da V CONFITEA, surgiram no Brasil movimentos em prol da EJA. Os fóruns estaduais e os encontros anuais, todos foram contribuintes para o estabelecimento e a consolidação dessa modalidade no país (PAIVA, 2004). Soares (apud Vilanova & Martins, 2008) explica que a interferência desses fóruns nas políticas do MEC concorreu para a formulação final do Parecer CEB/CNE de 11 de maio de 2000, que estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para EJA, definindo-a como 9 Em 2009, o artigo 4 da LDB ganhou um novo inciso dado pela Lei nº 12.061 tratando da universalização do ensino médio (inciso II) (BRASIL, 2009). 28 modalidade de educação básica e como direito de todos os cidadãos (FRIEDRICH et al., 2010). Este parecer pode ser considerado o principal documento regulamentador e normatizador para a Educação de Jovens e Adultos na atualidade (BRASIL, 2000). 1.3 ÚLTIMOS NÚMEROS DA EDUCAÇÃO Segundo informações do setor de Comunicação Social do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o último Censo revela um avanço em relação ao nível de escolaridade nas Grandes Regiões, entre os anos 2000 e 2010. Além disso, os dados mostram que, em nível nacional, o número de pessoas na faixa etária de 10 anos ou mais sem instrução, ou possuindo ensino fundamental incompleto, caiu de 65,1% para 50,2% e também, um aumento de 4,4% para 7,9% de indivíduos com o nível superior. Na região sudeste, o número de pessoas „sem instrução e ensino fundamental incompleto‟ caiu de 58,5% para 44,8%. Entre os 996 mil jovens de 6 a 14 anos de idade no Brasil (3,3% da população) que não frequentaram a escola em 2010, uma parcela de 2,8% é do sudeste. E considerando os que se encontravam entre as idades de 15 a 17 anos e não frequentavam a escola neste mesmo ano, cabe ao sudeste 15,0%. Nesta faixa etária houve a redução de 5,1% comparada ao ano 2000 (IBGE, 2012). Contudo, de acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD/IBGE) em 2009, o Brasil possui cerca de 57,7 milhões de pessoas maiores de 18 anos, que não frequentam a escola e não têm o ensino fundamental completo. Diante disso, é fato que, mesmo identificando um avanço, há um número significativo de pessoas sem instrução que provavelmente deve ser atendido pela Educação de Jovens e Adultos no país (INEP, 2012). Em relação à EJA, o Resumo Técnico do Censo Escolar da Educação Básica 2011 – publicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) – apresenta números importantes. De acordo com os dados obtidos (Tabela 1.1), o número de matrículas na EJA caiu 6% em nível nacional, totalizando 3.980.203 matrículas – distribuídas 67% no Ensino Fundamental e 33% no Ensino Médio (INEP, 2012). Tabela 1.1 Números de matrículas na EJA por etapa de ensino – Brasil (2007-2011) Matrículas na Educação de Jovens e Adultos por Etapa de Ensino Ano Ensino Fundamental Ensino 29 Total Geral Total Anos Anos Finais Médio Iniciais 2007 4.975.591 3.367.032 1.160.879 2.206.153 1.608.559 2008 4.926.509 3.291.264 1.127.077 2.164.187 1.635.245 2009 4.638.171 3.090.896 1.035.610 2.055.286 1.547.275 2010 4.234.956 2.846.104 923.197 1.922.907 1.388.852 2011 3.980.203 2.657.781 935.084 1.722.697 1.322.422 ∆% 2010/2011 -6,0 -6,6 1,3 -10,4 -4,8 Fonte: MEC/INEP/DEED. Notas: Não inclui matrículas em turmas de atendimento complementar e atendimento educacional especializado; O mesmo aluno pode ter mais de uma matrícula; Educação de jovens e adultos: inclui matrículas de EJA presencial e semipresencial e não inclui matrículas de EJA integrada à educação profissional de nível fundamental e médio (INEP, 2012). O estado do Rio de Janeiro, em relação aos seus indivíduos com 10 anos ou mais de idade, possui aproximadamente 41,5% deles „sem instrução e o Ensino Fundamental incompleto‟ e 18,9% com „Ensino Fundamental completo e Ensino Médio incompleto‟ (Tabela 1.2). Esses valores representam um total de 60,4% de jovens que perderam e/ou perderão o direito de cursar o Ensino Médio regular. Tabela 1.2 Pessoas de 10 anos ou mais de idade, por nível de instrução, segundo as Grandes Regiões e as Unidades da Federação. Pessoas de 10 anos ou mais de idade Grandes Nível de instrução Regiões e Unidades Total Federativas Sem Fundamental Médio instrução e completo e fundamental médio superior incompleto incompleto incompleto Superior Não completo e completo determinado Sudeste 69528259 31138332 12742116 17883715 7280843 483253 Minas 16890981 8901146 2884122 3663701 1342285 99727 3005851 516573 734310 250877 16029 2636316 3908693 1516460 71583 Gerais Espírito 1488062 Santo Rio de 13908173 5775120 Janeiro 30 São Paulo 35723254 14974003 6705105 9577012 4171221 295914 Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. Resultados gerais da amostra. 1.4 O MUNICÍPIO DE BELFORD ROXO: CARACTERÍSTICAS APONTADAS PELO IBGE No município de Belford Roxo, região onde foi realizada a pesquisa, os números são consideráveis (Tabela 1.3). Entre as pessoas que possuem 10 anos ou mais de idade, há 51,46% (205.519) delas „sem instrução e Ensino Fundamental incompleto‟, e 21,79% (86.844) com o „Ensino Fundamental e o Ensino Médio incompleto‟. Apenas 23,37% (93.134) possuem ensino médio completo e 2,59% indivíduos possuem Ensino Superior completo. Esse quadro evidencia o baixo nível de escolaridade da região e aponta para um total de 72,79% de pessoas de 10 anos ou mais de idade sem o ensino médio, ou seja, de não concluintes da educação básica. Esse público provavelmente poderá buscar nos próximos anos a Educação de Jovens e Adultos, para aumentar o nível de escolaridade e, até mesmo, alcançar a conclusão do ensino médio, exigência cada vez mais acentuada do mercado de trabalho. Tabela 1.3 Pessoas de 10 anos ou mais de idade, por nível de instrução, em Belford Roxo. Pessoas de 10 anos ou mais de idade Nível de instrução Município Belford Total 398 519 Sem Fundamental instrução e completo e fundamental médio superior incompleto incompleto incompleto 205 102 86 844 Médio Superior Não completo e completo determinado 93 134 10 345 3 094 Roxo Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. Resultados gerais da amostra. Além do quadro preocupante da educação, o município apresenta outros problemas. Entre eles a sua densidade demográfica que é de 6.031,38 hab/km2, colocando a região na situação de terceira mais povoada do estado do Rio de Janeiro. Além disso, a condição salarial dos seus sujeitos de 10 anos ou mais de idade (Gráfico 1.1), é configurada em 31 aproximadamente 38% (152.573) sem rendimento10 e 25% (98.193) ganhando até 1 salário mínimo – entre esse público há 89,8% de indivíduos economicamente ativo e 10,2% de inativos – (IBGE, 2010). Esses aspectos somados demonstram a importância de uma educação de qualidade para a melhoria de vida dos sujeitos que, nesta região, carecem de muita assistência. O aumento da escolaridade pode possibilitar uma melhor colocação destas pessoas no mercado de trabalho e mesmo resgatar os que se encontram à margem da sociedade. Outro ponto a considerar é o oferecimento de um ensino para jovens e adultos, que permita equalizar o desequilíbrio existente entre faixa etária e nível escolar. Contudo, essa educação também deve instrumentalizar esses educandos jovens e adultos para a vida. Gráfico 1.1 Pessoas de 10 anos ou mais de idade, por classes de rendimento nominal mensal: Condição salarial dos moradores do município de Belford Roxo. Fonte: Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. Resultados gerais da amostra. Diante desses aspectos socioeconômicos, é que se faz relevante o estudo com professores de Química de escolas estaduais, no município de Belford Roxo (Metropolitana VII) – região de atuação profissional do professor-pesquisador - de modo a analisar as concepções dos educadores quanto ao plano de curso direcionado ao público de jovens e adultos. 10 Vale a pena ressaltar, que entre os indivíduos sem rendimento se encontram menores de idade que não ingressaram no mercado de trabalho. 32 2 O CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: AS ORIENTAÇÕES LEGAIS 2.1 AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Como já foi mencionado, a Constituição de 1988 e a Lei das Diretrizes e Bases da Educação no 9394/96 desempenharam um importante papel na consolidação do direito à educação dos jovens e adultos. No que se trata da Constituição Federal, o seu artigo 208 apresenta o dever do Estado em garantir o ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada a sua oferta para aqueles que não o acessaram na idade própria (inciso I), além de afirmar a necessidade de progressiva universalização do ensino médio gratuito (inciso II) (BRASIL, 1988). Na mesma direção, a LDBEN, em seu artigo 4, apresenta como dever do Estado a garantia do ensino fundamental, obrigatório e gratuito inclusive para os que não tiveram acesso na idade prevista (inciso I) e afirma a progressiva universalização do ensino médio (inciso II) (BRASIL, 1996). No campo curricular, a Educação de Jovens e Adultos conta com suas Diretrizes Curriculares Nacionais (Parecer CNE/CEB n° 11/2000), formuladas pelo Conselho Nacional de Educação. No Rio de Janeiro, existe ainda o documento denominado de Reorientação Curricular que foi proposto pela Secretaria de Estado de Educação (SEEDUC/RJ) no ano de 2006 para sua rede. Neste ano de 2012, está sendo elaborado o Currículo Mínimo para essa modalidade, que entrará em vigor no ano de 2013. Esses documentos têm como finalidade orientar o desenvolvimento do currículo da EJA nas escolas estaduais. E, portanto, deveriam ser bem conhecidos pelos professores que atuam nessa modalidade de ensino, para que possam desenvolver seus planejamentos e ações, tendo por fim o universo em que operam. Com o intuito de fundamentar a pesquisa, delimitando alguns conceitos importantes para nosso trabalho, os próximos parágrafos discutirão sinteticamente as funções e os princípios da EJA, arrolados no Parecer CNE/CEB n° 11/2000 e sua respectiva Resolução CNE/CEB n° 1/2000, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA. Estas Diretrizes, como já fora explicado, constituem um dos principais documentos para o oferecimento dessa modalidade de ensino. De acordo com o Parecer: 33 Elas são obrigatórias, pois, além de significarem a garantia da base comum nacional, serão a referência exigível nos exames para efeito de aferição de resultados e do reconhecimento de certificados de conclusão (BRASIL, 2000, p. 251). Mas de que forma a EJA é concebida pelo Parecer CNE n° 11/2000? Este documento destaca em seu capítulo II, a existência de um Brasil dual, no qual coexistem os alfabetizados/analfabetos e os letrados/iletrados. Este diagnóstico do país, no que diz respeito ao sistema educacional, é fruto da associação das condições sociais adversas, das sequelas deixadas pelo passado, de fatores administrativos de planejamento inadequados e das dimensões qualitativas internas à escolarização, que condicionam o sucesso dos educandos no ciclo escolar. Esta associação promove direta ou indiretamente a distorção entre a idade/ano e/ou até mesmo a evasão escolar, por vezes favorecida por vezes favorecida pelas inúmeras repetências e reprovações, levando os sujeitos a evadirem depois de muito insucesso. Como assinala este mesmo documento, embora existam milhões de crianças no ensino fundamental, o sistema continua a reproduzir excluídos na educação básica, colaborando para o aumento de adolescentes e jovens sem a escolaridade obrigatória completa. Também, segundo pesquisa estatística oficial realizada no país e apresentada nesse Parecer, o maior número de analfabetos é constituído por indivíduos mais velhos, moradores de regiões pobres e dos interiores e provenientes de grupos afro-brasileiros (BRASIL, 2000). Ainda sobre a exclusão discutida no parágrafo anterior, Cury (2006) corrobora, atribuindo-a também a escola, que nem sempre conseguiu acolher os diferentes perfis de alunos, confundindo igualdade com uniformidade e diferença com inferioridade (para muitos) e superioridade (para poucos). Esse fato pode ser identificado na história através do não acesso das mulheres, negros, indígenas e outros à educação escolar. Frente a esse quadro histórico-social, A Educação de Jovens e Adultos (EJA) representa uma dívida social não reparada para com os que não tiveram acesso a e nem domínio da escrita e leitura como bens sociais, na escola ou fora dela, e tenham sido a força do trabalho empregada na constituição de riquezas e na elevação de obras públicas. Ser privado deste acesso é, de fato, a perda de um instrumento imprescindível para uma presença significativa na convivência social contemporânea (BRASIL, 2000, p. 221). Com o objetivo de justificar essa modalidade de ensino, Paiva (2004) confirma o texto do Parecer ao explicar que a forma de pensar hegemônica, somada ao quadro de pobreza e à perda dos direitos conquistados historicamente, se constitui no marco principal com os quais 34 se exige propor a Educação de Jovens e Adultos. Cury (2006) também discute essas desigualdades e acrescenta que, ainda hoje, elas se estendem para a educação escolar. Além disso, o autor considera o acesso aos conhecimentos provenientes da escola uma das ferramentas valiosas para se ler o mundo ao redor e participar ativamente da sociedade. Por isso, reserva-se a EJA um direito tão importante, que chega a ser uma condição prévia a muitas outras coisas. Trata-se do desenvolvimento das capacidades de cada um e o usufruto prazeroso delas. Ainda sobre Paiva (2004) e Cury (2006), observa-se a coerência de ambos ao discutir o grande valor do domínio das linguagens pelos jovens e adultos. Isto pode ser identificado de forma similar no Parecer CNE Nº 11/2000, quando ele diz: O não estar em pé de igualdade no interior de uma sociedade predominantemente grafocêntrica, onde o código escrito ocupa posição privilegiada revela-se como problemática a ser enfrentada. Sendo leitura e escrita bens relevantes, de valor prático e simbólico, o não acesso a graus elevados de letramento é particular danoso para conquista de uma cidadania plena (BRASIL, 2000, p. 222). Levando em consideração o que foi discutido, o Parecer CNE Nº 11/2000 reconhece que o Estado tem uma dívida social e histórica com a parcela da sociedade que não gozou da educação escolar. Então, na intenção de repará-la, esse documento estabelece fins para a EJA: as funções reparadora, equalizadora e permanente. A função reparadora da EJA significa reconhecer a igualdade ontológica entre todo ser humano e não apenas o acesso a um direto civil através da reparação de um direito negado. Ao longo da história da educação brasileira, os mais pobres não puderam usufruir de uma escola de qualidade e com isso foram privados de um bem real, social e simbolicamente importante, que deve ser reparado. Vale a pena ressaltar, que o conceito de reparação não pode ser confundido com o de suprimento (BRASIL, 2000). A justificativa para esta função está ancorada na Declaração de Hamburgo que destaca a alfabetização: (...) como um conhecimento básico, necessário a todos, num mundo em transformação, é um direito fundamental. Em toda a sociedade, a alfabetização é uma habilidade primordial em si mesma e um dos pilares para o desenvolvimento de outras habilidades (...). O desafio é oferecer-lhes esse direito... A alfabetização tem também o papel de promover a participação em atividades sociais, econômicas, políticas e culturais, além de ser um requisito básico para a educação continuada por toda vida (BRASIL, 2000, p. 223). 35 O Parecer explicita a importância de um bem, a linguagem. Ela é considerada um meio e instrumento de poder, e a privação desse direito pode levar a novas formas de estratificação social (BRASIL, 2000). Assim, há o entendimento de que o domínio da leitura e da escrita pode ajudar a eliminar tal estratificação (CHILANTE & NOMA, 2009). Além da relevância do domínio da linguagem, as unidades escolares exercem um papel significativo na reparação do direito à educação, pois elas são vistas como locais que contribuem para a formação de uma sociedade mais igualitária, pois permitem o estabelecimento de espaços mais “democráticos de conhecimento e de postura tendente a assinalar um projeto de sociedade menos desigual” (BRASIL, 2000, p. 224). Contudo, o parecer atenta para o fato de que as escolas são parte integrante de um sistema social maior, portanto a origem e a eliminação das desigualdades não cabem única e exclusivamente a elas. Já a função equalizadora da EJA visa a suprir as lacunas dos sujeitos que não puderam dar prosseguimento aos seus estudos por algum motivo: interrupção forçada pela repetência ou pela evasão, pelas desigualdades de oportunidades de permanência ou outras condições adversas. Essa cobertura pode ser entendida como a possibilidade de reentrada de tais cidadãos no sistema educacional, de modo que este possa proporcionar inserções no mundo do trabalho, na vida social, nos espaços da estética e na abertura dos canais de participação. Contudo, para atingir esse objetivo é preciso oferecer mais vagas para esses novos educandos, demandantes de uma oportunidade de equalização (BRASIL, 2000). Em suma, segundo o entendimento de Paiva (2004), a função equalizadora consiste em pensar politicamente a necessidade de oferta maior para aqueles que são considerados mais desiguais no ponto de vista da escolarização. E a função permanente, também chamada de função qualificadora, é considerada pelo Parecer CNE nº 11/2000 o próprio sentido da EJA, pois compreende que a atualização dos seres humanos pode ocorrer por toda vida em espaços escolares ou não escolares. Assim, essa função preconiza a descoberta do potencial de cada indivíduo durante o processo de qualificação e requalificação. Além de conhecer as funções da EJA, os educadores precisam levar em consideração o que diz o artigo 5° da Resolução CNE/CEB n° 1/2000. Art. 5° Os componentes curriculares, consequentes ao modelo pedagógico próprio da educação de jovens e adultos, e expressos nas propostas pedagógicas das unidades educacionais, obedecerão aos princípios, aos objetivos e às diretrizes curriculares tais como formulados no Parecer CNE/CEB n° 11/2000, que acompanha a presente Resolução, nos 36 Pareceres11 CNE/CEB n° 4/98, CNE/CEB n° 15/98 e CNE/CEB n° 16/99, suas respectivas resoluções e as orientações próprias dos sistemas de ensino. Parágrafo único. Como modalidade destas etapas da Educação Básica, a identidade própria da Educação de Jovens e Adultos considerará as situações, os perfis dos estudantes, as faixas etárias e se pautará pelos princípios de equidade, diferença e proporcionalidade na apropriação e contextualização das diretrizes curriculares nacionais e na proposição de um modelo pedagógico próprio, de modo a assegurar: I – quanto à equidade, a distribuição específica dos componentes curriculares a fim de propiciar um patamar igualitário de formação e restabelecer a igualdade de direitos e oportunidades face ao direito à educação; II – quanto à diferença, a identificação e o reconhecimento da alteridade própria e inseparável dos jovens e adultos em seu processo formativo, da valorização do mérito de cada qual e do desenvolvimento de seus conhecimentos e valores; III – quanto à proporcionalidade, a disposição e alocação adequadas dos componentes curriculares face às necessidades próprias da Educação de Jovens e adultos com espaços e tempos nos quais as práticas pedagógicas assegurem aos seus estudantes identidade formativa comum aos demais participantes da escolarização básica (BRASIL, 2000, p. 293). A palavra equidade encontrada no inciso I, segundo o dicionário Aurélio, “significa disposição de reconhecer igualmente o direito de cada um; justiça”. Levesque (apud HADDAD, 2007) discute que embora os conceitos de equidade e igualdade sejam distintos, ainda persiste uma confusão de entendimento. Para explicar, o autor apresenta o discurso filosófico que tende a vincular ao primeiro termo as diferenças existentes entre os indivíduos e ao segundo o reconhecimento da igualdade da condição humana. Uma pesquisa sobre Equidade Educativa e Desigualdade Social realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), pela UNESCO e pelo Instituto Internacional de Planejamento de Educação (IIPE), descreve que os mecanismos comprometidos com a promoção da igualdade precisam estar abalizados em quatro princípios (LOPES apud HADDAD, 2007): igualdade de acesso – um sistema educativo é equitativo se todas as pessoas têm as mesmas oportunidades de entrada; igualdade de condições ou meios de oportunidades – todos os alunos chegam com as mesmas condições e recursos para participar das práticas educativas; igualdade de resultados – os sistemas educativos são igualitários na formação de sujeitos; e igualdade de realização social – o impacto social da educação é o mesmo em cada um dos cenários sociais (ibidem, p. 8, grifo nosso). 11 Os Pareceres CNE/CEB n° 4/98, CNE/CEB n° 15/98 e CNE/CEB n° 16/99 tratam, respectivamente, das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Ensino Técnico. 37 No Brasil, o Parecer CNE/CEB n° 11/2000 discute o princípio de equidade em vários momentos. Por exemplo, quando ele diz que o poder público deve se esforçar constantemente para tornar a função reparadora da EJA “cada vez mais uma coisa do passado” (BRASIL, 2000, p. 288), ou seja, tornar todos os cidadãos iguais no que diz respeito à educação. E também, quando este mesmo Parecer afirma que “a base nacional comum dos componentes curriculares deverá estar compreendida nos cursos da EJA” (idem, p. 288). Esta é uma forma dos jovens e adultos tomarem posse do conhecimento básico e, dessa forma, serem aptos a prosseguir seus estudos em caráter regular. Assim, fica evidente que tanto a igualdade de acesso à educação quanto à sujeição desta modalidade às Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação Profissional são maneiras de atender o principio da equidade (BRASIL, 2000). Quanto ao princípio da diferença, expresso no inciso II, o Parecer CNE/CEB n° 11/2000 faz apontamentos significativos. Um deles se refere à sua sujeição aos Pareceres CNE/CEB 04/98 e 15/98 e às respectivas resoluções, porém tal condicionamento não significa “uma reprodução descontextualizada face ao caráter específico da EJA” (p. 284). Diante do fato de os alunos da EJA da EJA serem provenientes de um quadro de desfavorecimento social e suas experiências de vida, por vezes, divergirem das vivências e conhecimentos que os docentes possuem, é fundamental reconhecer as identidades pessoais, as diversidades coletivas desses estudantes e promover a contextualização dos conteúdos curriculares (BRASIL, 2000). Desse modo, os projetos pedagógicos devem considerar a conveniência de haver na constituição dos grupos de alunos momentos de homogeneidade ou heterogeneidade para atender com flexibilidade criativa esta distinção. Não perceber o perfil distinto destes estudantes e tratar pedagogicamente os mesmos conteúdos, como se tais alunos fossem crianças ou adolescentes, seria contrariar mais do que um imperativo legal. Seria contrariar um imperativo ético (idem, p. 287). O princípio da proporcionalidade, na história, foi desenvolvido no período de passagem do Estado Absolutista para o Estado de Direito. Ele defende os direitos fundamentais do homem, tais como dignidade, cidadania, pluralismo político, participação popular entre outros. Há o entendimento de que este princípio não está explícito na Constituição Federal Brasileira (CF), mas pode ser identificado em vários preceitos da Carta Magna (HODNIK & GUERRA, 2005). Segundo o entendimento de Barros (apud idem, 38 ibidem), o princípio de proporcionalidade pode derivar, por exemplo, dos preceitos dos artigos 1º, 3º e 5º da CF. A Resolução da CNE/CEB nº 1/2000 explicita, no inciso III do artigo 5º, a necessidade de se assegurar a proporcionalidade. Neste caso, o texto associa a este princípio a necessidade de se estabelecer uma identidade formativa da EJA comum aos demais participantes da escolarização básica (BRASIL, 2000). E o Parecer CNE/CEB n° 11/2000 discute ainda questões como a contextualização e a diversidade escolar. Sobre a diversidade, há o entendimento de que o texto do Parecer CNE/CEB n° 15/98 se estende para a EJA, de maneira a garantir o prosseguimento dos estudos em caráter regular. A diversidade da escola média é necessária para contemplar as desigualdades nos pontos de partida de seu alunado, que requerem diferenças de tratamento como forma mais eficaz de garantir a todos um patamar comum nos pontos de chegada (p. 284). O documento considera que tanto o horário em que é oferecida a EJA quanto à flexibilidade curricular são formas de diversidade. Sobre a primeira forma, entende-se que ela se expressa no horário de oferecimento da EJA, geralmente o terceiro turno, que favorece o seu acesso. E a respeito da segunda, considera-se importante o aproveitamento das diversas experiências, que os jovens e adultos trazem consigo para o espaço escolar. Além disso, a flexibilidade poderá atender as especificações do tempo mediante a oferta de módulos, combinação entre cursos semipresenciais e presenciais (BRASIL, 2000). Sobre a proporcionalidade educacional, atribui-se à EJA a preservação e a consumação dos direitos dos seus educandos no que se refere a uma educação de qualidade, com conteúdos curriculares semelhantes ao ensino regular, de modo que possam contribuir para a inclusão social e participação popular. O tratamento dos conteúdos curriculares não podem se ausentar desta premissa fundamental, prévia e concomitante à presença em bancos escolares: a vivência do trabalho e a expectativa de melhoria de vida (idem, p. 285). Diante desse contexto, o Parecer reconhece que a valorização destas funções e princípios na elaboração dos projetos pedagógicos e na seleção dos conteúdos curriculares para os jovens e adultos, significa produzir soluções justas, equânimes e eficazes (BRASIL, 2000). 39 A respeito dos saberes referentes ao Ensino Médio na modalidade EJA, a Resolução CNE/CEB n° 1/2000 em seu artigo 19 diz que elas devem obedecer em seus componentes curriculares aos artigos da LDBEN (n° 26, 27, 28, 35 e 36) e às Diretrizes Curriculares nacionais para o Ensino Médio (DCNEM). Estas normas serão debatidas na próxima seção. 2.2 AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO: A ÊNFASE NA INTERDISCIPLINARIDADE E NA CONTEXTUALIZAÇÃO Nesta seção serão debatidos os artigos da LDBEN no 9.394/96 que expressam as finalidades e as orientações para o currículo do Ensino Médio. Será focalizado também o Parecer CNE/CEB n° 15/98 que estabelece diretrizes curriculares para esta etapa escolar. Nas DCN, buscamos debater os conceitos de interdisciplinaridade, contextualização, trabalho e cidadania, assinalando a relevância destes para organização do currículo do ensino médio na Educação de Jovens e Adultos. De acordo com a LDBEN no 9.394/96, o Ensino Médio (Artigo 35) tem como finalidade: consolidar e aprofundar os conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental, de modo a permitir o prosseguimento dos estudos; a preparação básica para o trabalho e exercício da cidadania; o aprimoramento do educando como pessoa humana, a sua formação ética, o seu desenvolvimento intelectual, a sua autonomia, o estabelecimento do seu pensamento crítico; e a compreensão dos fundamentos científicos-tecnológicos dos meios de produção, relacionando a teoria com a prática na abordagem das disciplinas (BRASIL, 1996). A organização dos componentes curriculares do Ensino Médio (Artigo 36) deverá obedecer às seguintes diretrizes: destaque da educação tecnológica básica, compreensão do significado das ciências, abordagem histórica da transformação da sociedade e da cultura, acesso ao conhecimento e o exercício da cidadania. A adoção de metodologias de ensino e a avaliação devem favorecer a iniciativa dos educandos e, também, no currículo no ensino médio serão incluídas duas línguas modernas, sendo a segunda de caráter optativo. Ainda sobre esse artigo, o seu parágrafo 1° (inciso 1) expressa que os conteúdos, as metodologias e as avaliações serão sistematizados de tal forma que, ao concluir o Ensino Médio, os estudantes demonstrem o domínio dos princípios científicos e tecnológicos da produção moderna (BRASIL, 1996). 40 Estas diretrizes, expressas na LDBEN nos artigos citados acima, são identificadas no Parecer CNE/CEB n° 15/98, na área das Ciências da Natureza e Matemática, ao incluir as competências relacionadas: (...) à apropriação de conhecimentos da Física, da Química, da Biologia e suas interações ou desdobramentos como formas indispensáveis de entender e significar o mundo de modo organizado e racional, e também de participar do encantamento que os mistérios da natureza exercem sobre o espírito que aprende a ser curioso, a indagar e descobrir. O agrupamento das Ciências da Natureza tem ainda o objetivo de contribuir para a compreensão do significado da ciência e da tecnologia na vida humana e social, de modo a gerar protagonismo diante das inúmeras questões políticas e sociais para cujo entendimento e solução as Ciências da Natureza são uma referência relevante (BRASIL, 1998, p. 92) Considerando este debate, fica evidente a necessidade da interdisciplinaridade e da contextualização na Educação Básica. Mas qual é o entendimento do Parecer CNE/CEB n° 15/98 sobre estes conceitos? A interdisciplinaridade é compreendida de forma mais clara como o estabelecimento do diálogo permanente entre as disciplinas, que pode ser no sentido de complementação, de ampliação, de questionamento, de negação e de iluminação de aspectos não evidenciados. Pode-se percebê-la facilmente quando os sujeitos que conhecem, ensinam e/ou aprendem necessitam de procedimentos heterodoxos, para dar conta de temas mais complexos (BRASIL, 1998). Maldaner (apud ZANON & MALDANER, 2010) também defende a ideia de que a organização interdisciplinar do currículo deva romper com a linearidade do conhecimento escolar e estabelecer uma relação dialética entre os saberes específicos de cada área/ciência e os contextos cotidianos, a fim de contribuir para uma formação escolar socialmente relevante. Nesta multiplicidade de interações e negações recíprocas, a relação entre as disciplinas tradicionais pode ir da simples comunicação de ideias até a integração mútua de conceitos diretores da epistemologia, da terminologia, da metodologia e dos procedimentos de coleta, análise de dados. Ou pode efetuar-se, mais singularmente, pela constatação de como são diversas as várias formas de conhecer (BRASIL, 1998, p. 75). Contudo, o Parecer atenta para o fato de que a interdisciplinaridade deve ser entendida para além de uma simples composição de disciplinas distintas e/ou a diluição delas em generalidades. Ela pode ser considerada uma prática pedagógica ou didática, principalmente, 41 quando ocorrer o relacionamento entre as diferentes áreas do conhecimento em projetos de estudo, atividades, pesquisa e ação (BRASIL, 1998). Assim, a interdisciplinaridade presume um eixo integrador, que pode ser um objeto de conhecimento, um projeto de investigação e/ou um plano de intervenção. Levando isto em consideração, ela deve partir dos desejos do sujeito de desvelar, de intervir e de mudar algo que desafia uma simples disciplina e o faz lançar mão de várias perspectivas para tal (BRASIL, 1998). Então, diante do entendimento que a organização por áreas de conhecimento de forma linear, fechada e definitiva, não seja o mais interessante. E, do mesmo modo, a submissão de uma área interdisciplinar “ao mesmo amordaçamento estanque a que estão sujeitas as disciplinas tradicionais isoladamente” (idem, p.78) não seja o ideal, o Parecer atribui à contextualização um papel fundamental: a ampliação da interação entre os diferentes campos do conhecimento (BRASIL, 1998). Mas o que seria „contextualizar‟ segundo o Parecer CEB/CNE 15/98? Contextualizar seria estabelecer uma relação entre o conhecimento a ser aprendido e o sujeito que se apropriará dele. Ou seja, aproximar os conceitos do cotidiano do aluno considerando suas experiências de vida. Neste sentido, as práticas de contextualização são muito relevantes, pois favorecem a participação ativa do educando durante o processo de ensino-aprendizagem tornando-o mais significativo (BRASIL, 1998). Demo (apud SANTOS & SCHNETZLER, 2003) comunga desse mesmo pensamento. E, segundo o autor, considerar as ideias dos alunos e propor condições que os desafiem a buscar soluções para determinados problemas, são métodos que propiciam a participação ativa durante o processo educacional. Maldaner (apud ZANON & MALDANER, 2010) assinalou a importância de um ensino contextualizado. Segundo o autor, promover estudos sobre situações concretas e contextualizadas, pode despertar o interesse do aluno, a sua participação e o seu empenho em buscar explicações plausíveis para os fatos, através de múltiplas dimensões, permitindo a estruturação dos conhecimentos científicos escolares. A respeito da contextualização como método didático-pedagógico, a LDBEN esclarece que o trabalho e a cidadania são as dimensões da vida que devem ser explicitamente valorizados no currículo escolar (BRASIL, 1998). Neste sentido, os próximos parágrafos farão uma breve abordagem desses dois conceitos. 42 A LDBEN faz referências ao trabalho em vários momentos: o artigo 1° (§ 2) diz que a educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social; o artigo 35 (inciso II), já apresentado nesta seção, visa à preparação básica para o trabalho e a cidadania; e o artigo 39 (parágrafo único) mostra a possibilidade de acesso dos alunos dos ensinos fundamental, médio e superior, dos trabalhadores e dos jovens e adultos à educação profissional (BRASIL, 1996). O Parecer CNE/CEB n° 15/98 considera a contextualização, via trabalho, o princípio organizador do currículo devido a sua relevância na sociedade contemporânea, nos meios de produção, por reconhecê-lo como uma das principais atividades humanas e por ser um espaço de exercício da cidadania (BRASIL, 1998). Todas as áreas do conhecimento podem utilizar o trabalho como eixo e contexto. Nas Ciências Sociais e Humanas ele é imprescindível para compreensão da riqueza e da interação entre homem, sociedade e meio ambiente. A Biologia e a Física podem ser contextualizadas pela respectiva abordagem dos serviços de saúde e da produção de bens ligados à área de mecânica e eletricidade. Igualmente, nas áreas de linguagem as competências podem ter como contexto a produção de serviços sociais ou de comunicação: tradução, turismo, produção de vídeos, relações públicas, administração e outros (BRASIL, 1998). O contexto de trabalho é também imprescindível para a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos a que se refere o Artigo 35 da LDB. Por sua própria natureza de conhecimento aplicado, as tecnologias, sejam ela das linguagens e comunicação, da informação, do planejamento e gestão, ou as mais tradicionais, nascidas no âmbito das Ciências da Natureza, só podem ser entendidas de forma significativa se contextualizadas no trabalho (idem, p. 80). Contudo, o Parecer CNE/CEB n° 11/2000 reconhece que estas referências ao trabalho presentes na LDBEN possuem um significado particular para os indivíduos que já são trabalhadores. Esse é o caso de muitos alunos da EJA, eles levam para sala de aula uma vasta experiência relacionada ao mundo trabalho, que deve ser considerada e utilizada durante as aulas sempre que possível. Em suma, não se pode deixar de considerar a especificidade dessa modalidade de ensino. Outro contexto relevante, na LDBEN, é o exercício da cidadania (BRASIL, 1998). Ele possibilita aos jovens e adultos “retornar seu potencial, desenvolver suas habilidades, confirmar competências adquiridas na educação extraescolar e na própria vida” (BRASIL, 2000, p. 227). 43 Entretanto, o que é ser cidadão? Segundo Aristóteles (apud SANTOS & SCHNETZLER, 2003), Um cidadão12 no sentido absoluto não se define por nenhum outro caráter mais adequado senão pela participação nas funções judiciárias e nas funções públicas em geral (idem, ibidem, p. 23). Na definição de cidadão deste autor, percebe-se a existência de uma relação entre os conceitos de cidadania e de participação. De modo, que esta seria uma característica fundamental daquela (CANIVEZ, 1991; DEMO, 1998; MARSHALL, 1967 apud SANTOS & SCHNETZLER, 2003). Também, existe o entendimento de que a participação pode ser considerada um processo de autopromoção, que se desenvolve ao longo da vivência de cada indivíduo. Esta autopromoção não pode ser simplesmente transmitida ou concedida, mas deve ser conquistada (COVRE, 1986; DEMO, 1998 apud SANTOS & SCHNETZLER, 2003). Demo (apud SANTOS & SCHNETZLER, 2003), a respeito da participação social, diz que é importante discuti-la em nível comunitário. Ele considera que um indivíduo se sente motivado a participar de ações comunitárias à medida que se identifique culturalmente com os projetos daquele grupo ou sociedade. A comunidade somente reconhecerá como seu aquele projeto que, mesmo tendo vindo de fora, é capaz de revestir-se de traços culturais do grupo. É preciso encontrar o eco reconhecido de algo que é seu, de algo que se encaixa na história vivida, de algo que aparece nas determinações do di-adia. Não levar em conta a cultura comunitária é produzir iniciativas imperialistas, que não supõem jamais que possam existir potencialidade e criatividade (idem, ibidem, p. 24-25). Além dessas concepções, Gadotti (2010) diz que a “cidadania é essencialmente consciência de direitos e deveres e exercício de democracia” (p. 68). Entretanto, o autor discute que o conceito de cidadania é ambíguo, por exemplo: em 1789, a Declaração de dos Direitos do Homem e do Cidadão proporcionava um caráter mais liberal à cidadania. Hoje, com a amplitude do direito dos homens, esse conceito se torna mais amplo, assumindo de um lado uma concepção mais consumista13 e de outro uma concepção mais plena. Esta última se manifesta na mobilização da sociedade para garantir e conquistar novos direitos e na participação direta da população nas decisões tomadas nas gestões públicas. Ainda, segundo 12 O conceito de cidadão depende de cada forma de Constituição, Aristóteles o define dentre da democracia, na qual o Estado é governado pela multidão (SANTOS & SCHNETZLER, 2003, p.26-27). 13 O autor se refere aos direitos de defesa do consumidor. 44 Adela Cortina (apud GADOTTI, 2010), são dimensões complementares exigidas na cidadania plena: Cidadania política: direito de participação numa comunidade política; cidadania social: que compreende a justiça como exigência ética da sociedade de bem viver; cidadania econômica: participação na gestão e nos lucros da empresa, transformação produtiva com equidade; cidadania civil: afirmação de valores cívicos como liberdade, igualdade, respeito ativo, solidariedade, diálogo; cidadania intercultural: afirmação da interculturalidade como projeto ético e político frente ao etnocentrismo (idem, ibidem, p. 69) Assim, a educação precisa assumir uma postura crítica para a formação da cidadania. Segundo Arroyo (apud SANTOS & SCNETZLER, 2003), a função do sistema educacional não pode ser vista de maneira ingênua, tal qual é pregada pela pedagogia liberal, que se limita a instrução. E, também, não é conveniente manter uma visão neutra da educação, pois dessa forma há o favorecimento da desvinculação da cidadania das relações de poder existentes na sociedade, que passa para o educando uma concepção da convivência harmônica entre os indivíduos na sociedade, escondendo o real conflito de interesse de classe. Da mesma forma, a abordagem de cidadania não poderá se restringir apenas a uma área curricular específica e, tão pouco, a um determinado projeto. Pois, partindo do princípio que esses valores se iniciam nas convivências cotidianas, eles deverão fazer parte de toda organização curricular, considerando não apenas as práticas sociais, políticas, culturais e de comunicação como parte integrante do exercício da cidadania, mas também a vida pessoal, o cotidiano, a convivência e as questões ligadas ao corpo, saúde e meio ambiente (BRASIL, 1998). Estas questões devem nortear a elaboração dos currículos da EJA. 2.3 A ORGANIZAÇÃO DO CURRÍCULO DE QUÍMICA: O QUE DIZEM AS DCN DO ENSINO MÉDIO? E A REORIENTAÇÃO CURRICULAR DA SEEDUC/RJ? A respeito dos saberes referentes ao Ensino Médio na modalidade EJA, a Resolução CNE/CEB n° 1/2000 (art. 19) afirma que eles devem ser propostos de acordo com o que estabelece a LDBEN (artigos n° 26, 27, 28, 35 e 36) e às Diretrizes Curriculares nacionais para o Ensino Médio (DCNEM), ou seja, o Parecer CNE/CEB n° 15/98 e a sua Resolução CNE/CEB n° 3/98. 45 Os parágrafos a seguir têm a finalidade de discutir as orientações para a área de Ciências da Natureza e matemática, veiculadas no Parecer CNE/CEB n° 15/98, tendo em vista que estas devem constituir um referencial para o trabalho dos professores de química na modalidade de educação de jovens e adultos. Assim, esta seção aborda de forma sintética as orientações para o desenvolvimento da Base Nacional Comum, expostas no parecer em questão. E em seguida, a luz dos princípios axiológicos e das competências por ele assinaladas, será analisada a Reorientação Curricular de Química da SEEDUC/RJ. O Parecer CNE/CEB n° 15/98 considera que as Bases Curriculares Nacionais devem ter como essência os saberes integrados à área de ciências e tecnologia, criados pela inteligência humana. Contudo, algumas considerações são feitas: não se pode destruir ou cristalizar os saberes já instituídos em detrimento dos novos saberes. Neste caso, a relação com o tempo passado deve ser cultivada, não como algo linear e sequencial, mas sim dinâmico; não é o mais adequado ocultar a natureza coletiva do conhecimento, pois a cultura não existiria sem a socialização das conquistas humanas; e não se pode reduzir a construção do conhecimento no processo de aprendizagem à dimensão de uma razão objetiva. O Parecer também propõe princípios axiológicos que devem inspirar os currículos, tais como: o fortalecimento dos laços de solidariedade e de tolerância; a formação de valores; o aprimoramento da pessoa humana; a formação da ética e exercício da cidadania. Além desses princípios, estabelece as competências: preparar para o mundo do trabalho; exercer a cidadania; compreender os significados; capacitar o indivíduo a aprender por toda vida; possibilitar a autonomia intelectual; pensar criticamente; adaptar-se a novas condições de ocupação; compreender os fundamentos científicos e tecnológicos dos processos produtivos; e relacionar teoria com a prática (BRASIL, 1998). Esses princípios e competências devem ser contemplados pelos currículos elaborados pelos entes federativos. Vale a pena ressaltar que sobre a organização curricular, a legislação permite uma relativa flexibilidade das instâncias normativas e executivas estaduais, que formulam as políticas educacionais em seus respectivos âmbitos, de estabelecer o consenso sobre o que deve ser ensinado desde que considere a essência das Bases Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998). Com essa permissão legal, o Estado do Rio de Janeiro – através da Secretaria de Estado de Educação em convênio com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) –, elaborou a Reorientação Curricular. Este documento foi desenvolvido para as seguintes áreas: Ensino Médio e Fundamental (2° segmento), Educação de Jovens e Adultos no nível Médio e 46 Fundamental (2° segmento) e Ensino Normal. Entretanto, neste trabalho o foco é o currículo de Química prescrito pela Reorientação para a EJA no nível Médio, exposto na seção das Ciências da Natureza e Matemática. Nesta perspectiva, acreditando que o currículo de Química, no Estado do Rio de Janeiro, considera os princípios axiológicos e as habilidades das Bases Curriculares nacionais defendidos pelo Parecer CNE/CEB n° 15/98 em consonância com a Resolução CNE/CEB nº 01/2000, questiona-se: como eles são contemplados nos temas estruturadores da Reorientação Curricular da SEEDUC? A fim de responder estas perguntas, elaborou-se um quadro ilustrativo (Quadro 2.1) relacionando os objetivos dos temas estruturadores14 com os princípios axiológicos e as competências das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM). Quadro 2.1 Relação entre temas estruturadores, princípios axiológicos e as competências relacionadas na Reorientação Curricular. Temas estruturadores do Princípios axiológicos Competências Ensino de Química O mundo macroscópico Levantamento de questões Compreender as propriedades de relevância socioambi - dos materiais e o seu respecentais relacionadas às tivo uso. Para tal, sugere-se questões comunitárias, co - uma abordagem fenômenolómo por exemplo, trata- gica. mento de água, lixo, preservação das condições ambientais e de vida. Intervir na realidade utilizando os conhecimentos da química. O mundo microscópico Não se percebe de forma Utilizar os modelos, as linexplicita os axiológicos, princípios guagens e os códigos para visto que explicar e prever as proprie- nesta temática o objetivo dades e os comportamentos 14 Os temas consistem em uma forma de organizar os conteúdos propostos pela Reorientação, com a finalidade de facilitar e favorecer a abordagem de assuntos de relevância social, política, econômica e ambiental. Não houve a organização dos assuntos por séries e bimestres (SEEDUC/RJ, 2006). 47 consiste em instrumentali- dos diversos materiais. Entenzar o educando com a der os modelos e o conhecilinguagem e códigos da mento científico, respectivaciência. mente, como transitórios e dinâmicos. As transformações Compreensão do meio De posse dos aspectos ambiente e das responsabi- microscópicos, entender as lidades socioeconômicas transformações químicas da que o indivíduo precisa matéria e a utilização delas no assumir. Sugere-se a abor- dia-a-dia e nos meios de dagem de conceitos tais produção; Evidenciar os pericomo preservação ambien- gos e os benefícios das substal, saúde, agricultura e tâncias desenvolvimento químicas para a qualidade de vida. sustentável. Recursos tecnológicos energéticos e Tomada de decisão com Compreender mais amplarespeito à participação mente o mundo físico dando individual e coletiva na maior significação aos probusca de soluções para os cessos naturais e aos tecnoproblemas de poluição. lógicos. No quadro 2.1, percebe-se que os princípios axiológicos, embora permeiem por todas as seções temáticas, eles estão mais explícitos nas unidades „o mundo macroscópico‟, „As transformações‟ e „recursos energéticos e tecnológicos‟, ao tratar dos valores relacionados a questões socioambientais. Sobre esse aspecto do currículo proposto pela SEEDUC – lançando mão dos argumentos de Jacobi (2003) sobre educação ambiental, sustentabilidade e cidadania –, considera-se que ele é relevante para a formação do educando. O autor discute a necessidade de se aumentar a consciência e a participação efetiva dos indivíduos nos processos decisórios relacionados à degradação ambiental. Para tal, ele afirma ser preciso incrementar o acesso às informações e o papel indutivo do poder público nos conteúdos educacionais, como possíveis caminhos para se modificar os problemas socioambientais. 48 As demais unidades por tratarem do mundo microscópico e das transformações da matéria, deixam mais evidentes as competências, que são fundamentais para o entendimento do mundo natural e a participação nas decisões públicas. Estas atribuem determinada importância ao domínio dos modelos, dos conceitos, das linguagens e das habilidades relacionadas à interpretação das propriedades e do comportamento da matéria. Porém, Santos & Schnetzler (2003) advertem a ingênua concepção de que apenas o ensino dos conceitos químicos pode formar cidadãos. Segundo os autores, esta visão deve ser eliminada, pois a questão da cidadania vai além e perpassa pelo âmbito político, social e econômico. Diante disso, não há como formar cidadãos sem trabalhar, nas salas de aula, “valores de solidariedade, de fraternidade, de consciência, de respeito ao próximo e de generosidade” (idem, p. 40). A Reorientação também apresenta algumas preocupações com o ensino dos conhecimentos científicos, quando trata de sua articulação com o meio social, o seu caráter transitório, dinâmico e não neutro. Estas considerações são muito relevantes, pois evitaria a construção de imagens deformadas da ciência15. Gil Pérez et al. (2001) discute as abordagens dogmáticas e neutras como contribuintes desse tipo de visão. Sobre a primeira, o autor considera que ela apresenta os conceitos científicos já elaborados sem possibilitar a discussão dos problemas que lhe deram origem, da sua evolução e das suas limitações. A segunda, por não favorecer uma reflexão sobre a influência que a ciência, a tecnologia e a sociedade exercem uma sobre a outra. 2.4 APRESENTAÇÃO DA VERSÃO PRELIMINAR DO CURRÍCULO MÍNIMO DE QUÍMICA PARA A EJA. No estado do Rio de Janeiro, os professores de rede estadual de ensino até este ano de 2012 dispuseram da Reorientação Curricular de 2006, para elaborar seus programas de curso. Contudo, neste mesmo ano, a SEEDUC abriu um processo seletivo – através da Fundação CECIERJ – com objetivo de elaborar o Currículo Mínimo (CM) de todas as disciplinas e auxiliar os professores da EJA. Foi disponibilizada uma versão preliminar do CM na internet, para consultas e contribuições dos docentes no que diz respeito a sua sistematização. Depois de analisado os pareceres dos educadores, a equipe responsável confeccionará uma versão 15 Sobre imagens deformadas da ciência, ler o artigo: GIL PÉREZ, D. et al., 2001. 49 final deste documento, que entrará em vigor a partir de 2013. As orientações contidas neste documento deverão ser trabalhadas em sala de aula e a elas poderão incluir outros conteúdos, quando o professor de cada disciplina achar pertinente. Considerando este fato, nessa seção, será realizada uma breve discussão da versão preliminar do Currículo Mínimo de Química, por considerá-la relevante para este estudo. O CM da EJA tem uma estrutura definida. Ele sugere habilidades e competências para as três fases do ensino médio. A organização dos temas por série e bimestres é vinculada a eixos temáticos, de modo que a versão preliminar apresentada tem a seguinte estrutura (SEEDUC/RJ, 2012): 1ª fase: Química e Sociedade, Atomística e Reações Químicas; 2ª fase: Comportamento Químico das Substâncias, Misturas multicomponentes e Cinética Química; 3ª fase: Química Orgânica – Hidrocarbonetos, Combustíveis e Calor de Reações, Química Orgânica – Funções Oxigenadas e Alimentos. Nos bimestres, houve o desdobramento desses temas orientadores em habilidades e competências apresentadas sucintamente no Quadro 2.2, que também tece uma discussão sobre seus princípios axiológicos. Quadro 2.2 Relação entre temas, princípios axiológicos e competências da versão preliminar do Currículo Mínimo para o Ensino Médio EJA. Fases Bimestre Tema Princípios axiológicos Competências 1° 1° Química e Sociedade Abordagem de temas que possibilitam discussões tais como: conhecimento científico como um bem cultural; a transformação da sociedade através o avanço da ciência; e o caráter dinâmico e transitório da Química. Em suma, apresenta uma relação da ciência e as condições de vida humana. Compreender a evolução da Química ao longo da história das sociedades; Conhecer tecnologias que proporcionam a melhoria de vida do homem; Identificar os fenômenos; Diferenciar os sistemas; Propor técnicas de separação para cada tipo de mistura; Entender as propriedades da matéria, seus estados físicos e as transformações. 50 2° Atomística e Reações Químicas Neste eixo percebe-se a abordagem de temas relacionados à história da ciência, que possibilitam o reforço do caráter transitório e dinâmico da Química e os conceitos que permitam o apropriamento da linguagem científica pelo educando. A apropriação dessa linguagem permite uma educação propedêutica. Conceituar elemento químico; Diferenciar as substâncias; Compreender a construção dos modelos atômicos e da tabela periódica; Entender a estrutura do átomo; Caracterizar os elementos na tabela periódica. 1° Comportamento Químico das Substâncias Neste bimestre, a maior parte do conteúdo aborda à linguagem da química – nomenclatura, fórmulas das substâncias e equações químicas –. Mas, propõe reflexões sobre a exploração dos recursos naturais pelo homem e a sua degradação. Identificar e nomear os principais ácidos, bases, sais e óxidos; Estudar as propriedades dessas substâncias inorgânicas, tais como acidez e basicidade e escala de pH; Ler as equações químicas e equilibrá-las; Discutir reação de neutralização; Estudar o impacto causado pela emissão de óxidos livremente no meio ambiente. 2° Misturas Multicomponentes e Cinética Química Instrumentalizar o educando com os conceitos relacionados a soluções e cinética, além de apresentar aplicações deles no cotidiano. Talvez, para que eles identifiquem esses fenômenos na natureza e possam fazer suas inferências. Não se percebe explicitamente os princípios axiológicos. Diferenciar soluções, coloides, suspensões, soluto e solvente; Calcular as concentrações; Estudar o conceito de solubilidade; Entender a possibilidade de diluição das soluções; Construir e interpretar gráficos relacionados à solubilidade e velocidade das reações; Compreender as variáveis 2° 51 que influenciam na velocidade de uma reação; Conceituar cinética química. 1° Química Orgânica: Hidrocarbonetos, Combustíveis e Calor de Reação A questão energética é discutida e ocorre o fomento de discussões sobre a importância da energia para a sociedade, bem como a combustão. Contudo, neste tema, são feitos apontamentos sobre a poluição ambiental. Reforçando os valores relacionados à preservação do meio ambiente. Reconhecer as características das cadeias carbônicas; Estudar as frações do petróleo; Entender o amadurecimento prematuro das frutas através da utilização de etino; Diferenciar reações exotérmicas de endotérmicas e identificá-las na natureza; Compreender o fenômeno de combustão, a geração de energia e a poluição ambiental; Relacionar o tamanho das moléculas orgânicas e a quantidade de energia gerada. 2° Química Orgânica: Funções oxigenadas e Alimentos Esse eixo temático aponta para a necessidade de trabalhar aspectos relacionados à saúde, permitindo ao indivíduo refletir sobre seus hábitos e cuidar do seu corpo. Aborda a utilização de polímeros (plásticos), que são bem presente no cotidiano e envolve questões de comportamento e poluição ambiental. Identificar as principais funções oxigenadas; Entender a importância dos alimentos para a geração de energia para o corpo e relacionar com as atividades físicas; Estudar os processos bioquímicos; Compreender e conceituar polímeros. 3° Neste quadro, percebe-se que a versão preliminar do CM para a disciplina Química possui os assuntos estruturados de forma semelhante à Reorientação Curricular. Contudo, 52 houve a preocupação em organizá-los em séries e bimestres. Além disso, o CM parece explicitar de forma menos enfática os temas relacionados à vida cotidiana, que permitem a aproximação do estudante ao conhecimento científico. Em relação aos princípios axiológicos na versão para 2013, eles estão mais diluídos nos conteúdos conceituais e são mais contemplados na 1ª e na 3ª fases do Ensino Médio. Já na 2ª fase, parece que as competências visam em maior grau a compreensão e a conceituação dos saberes específicos da Química. Não se percebe uma abordagem explicita de temas que possibilitem uma reflexão do educando sobre a interferência do homem no mundo natural. Percebe-se, também, a supressão de alguns conteúdos de uma proposta curricular para outra. O documento preliminar não prescreve ligações químicas, propriedades das substâncias, pilhas, baterias e radioatividade. Outras matérias também não foram explicitadas, como por exemplo, íons, distribuição eletrônica e contaminação por metais pesados; contudo, o professor pode entender que eles estão implícitos em outros temas. Estas observações foram construídas a partir de um documento provisório. Ressalta-se que este pode sofrer alterações antes da sua versão final. Embora isso possa acontecer, nesta parte não há o intento de fazer uma análise profunda do formato preliminar do Currículo Mínimo, mas sim apresentá-lo. De posse dessas informações, o leitor poderá fazer suas próprias inferências e propor outros estudos. 53 3 ENSINO DE QUÍMICA E OS CONTEÚDOS DO CURRÍCULO Nas páginas anteriores, foi traçada a história da EJA nas políticas educacionais brasileiras e foram apresentadas as diretrizes oficiais e as propostas curriculares para esta modalidade de ensino. A discussão tecida evidenciou as grandes dificuldades encontradas para o ensino de jovens e adultos no país. Neste capítulo, outro assunto importante será exposto: o ensino de Química através de uma perspectiva crítica. Para tal, a primeira seção discutirá a trajetória do ensino de ciências nas últimas décadas, de modo que se possa entender a sua configuração atual e a sua confluência com a renovação da teorização sobre currículo16. A seção posterior abordará a importância dos conteúdos procedimentais, atitudinais e conceituais nos currículos. Segundo Pozo & Crezpo (2009), eles devem ser considerados, a fim de favorecer a aprendizagem dos conhecimentos químicos. 3.1 O ENSINO DE CIÊNCIAS E A TEORIA CRÍTICA DO CURRÍCULO: UM BREVE HISTÓRICO Nos anos de 1960, o mundo presenciou algumas guerras. Dentre elas a Guerra Fria, a Guerra dos Seis Dias e a Guerra do Vietnã. Os países almejavam suas conquistas através de imposição da força. As nações melhor equipadas, que possuíam armamentos eficazes, tinham grandes probabilidades de saírem vitoriosas dessas lutas. Nesse contexto, algumas delas, participantes dos conflitos, sentiram necessidade de promover o ensino de ciência, visando a preparação de cientistas capazes de desenvolver armas e tecnologias para a guerra, de modo a garantir a realização de seus objetivos (KRASILCHICK et al., 2007). Nesse mesmo período, algumas sociedades viviam em meio a revoluções. Ocorriam movimentos de independência das antigas colônias europeias, protestos estudantis na França, continuação dos movimentos dos direitos civis nos Estados Unidos, movimento feminista, a libertação sexual e as lutas contra a ditadura militar no Brasil (SILVA, 2000). Neste contexto, surgiram livros, ensaios e teorias questionadores do pensamento e da estrutura educacional tradicional vigente, que se concentrava nas formas de organização e 16 Essa renovação da teoria curricular foi chamada nos Estados Unidos de “movimento de reconceptualização” e na Inglaterra, “nova sociologia do currículo” (SILVA, 2000). 54 elaboração dos currículos. Tais reflexões e produções impulsionaram a renovação da teorização curricular, inverteram os fundamentos da teoria tradicional e estabeleceram um foco diferente, possibilitando relacionar os arranjos educacionais existentes às formas dominantes de conhecimento. Como assinala Silva (2000) Os modelos tradicionais de currículo restringiam-se à atividade técnica de como fazer o currículo. As teorias críticas sobre o currículo, em contraste, começam a pôr em questão precisamente os pressupostos dos presentes arranjos sociais e educacionais. As teorias críticas desconfiam do status quo, responsabilizando-o pelas desigualdades e injustiças sociais. As teorias tradicionais eram teorias de aceitação, ajuste e adaptação. As teorias críticas são teorias de desconfiança, questionamento e transformação radical. Para as teorias críticas o importante não é desenvolver técnicas de como fazer o currículo, mas desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que o currículo faz (p. 27). Baseado em Bourdieu e Passeron, Silva (2000) acrescenta que, nesta fase, a crítica ao currículo não se limitou apenas a aspectos de reprodução das teorias tradicionais. Existia um questionamento da cultura e da educação sob a perspectiva do capital cultural. O processo de exclusão estaria ligado também à reprodução da cultura dominante. Ou seja, o que se propunha era uma educação capaz de emergir os indivíduos dominados à mesma cultura das classes dominantes. De modo que eles pudessem usufruir de uma mesma formação e serem capazes de participar igualitariamente nas decisões tomadas na sociedade. Na área de ciências, o ensino também foi questionado frente ao legado da guerra: muitas mortes, degradação dos recursos naturais e desestruturação de cidades e de países. Os indivíduos passaram a examinar os valores realmente implícitos naquela formação científica, que apresentava um teor mais tecnicista – formação de mão de obra qualificada – para produzir armamentos e alavancar as nações guerrilheiras. Dessa forma, a partir da década de 1970, o prestígio dado a esse campo de conhecimento começou a declinar e surgiram críticas pesadas ao papel exercido pelo ensino de ciências e pela divulgação científica. Assim, despontaram movimentos em prol de uma educação em ciências comprometida com a coletividade e a preservação da natureza (KRASILCHICK et al., 2007). Como se observa, os questionamentos sobre o ensino de ciências e as teorias críticas do currículo se originaram na mesma época e foram progredindo nos anos seguintes. Essas formas de pensamento descritas influenciaram vários países, inclusive o Brasil. 55 Dentro da perspectiva crítica de currículo o país tem em Paulo Freire uma das figuras mais emblemáticas, que em 1970 lançou o livro A Pedagogia do Oprimido (SILVA, 2000). Fiori (apud FREIRE, 1987) explica que nesta obra o autor defende entre outras coisas a utilização da “pedagogia do oprimido” para desenvolver uma educação com prática de liberdade. Silva (2000) discute que no livro estão implícitas análises mais focadas na dinâmica do processo de dominação e menos focadas na dominação como reflexo das relações econômicas. Também, há crítica à escola tradicional e demonstra uma preocupação relacionada ao desenvolvimento da educação de adultos nos países subdesenvolvidos. Já relacionada ao currículo, existe uma crítica a “educação bancária”. No final dos anos 70, a área de ensino de ciências também ganha representações significativas. Um grupo de brasileiros – constituído por professores de química – se uniu em defesa de uma “educação em química para um país melhor”. Esse movimento foi cunhado em 1978 com a sistematização da 1ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química (1ª RASBQ), na qual foi realizada a 1ª Sessão Coordenada de trabalhos de pesquisa em Ensino de Química. Essa ação contribuiu para a criação de encontros regionais e nacionais de Ensino de Química, proporcionando o desenvolvimento dessa área no país (ZANON & MALDANER, 2010). Em âmbito nacional e internacional, a década de 1980, foi marcada por políticas empenhadas em instaurar um ensino de ciências em prol da sociedade (KRASILCHICK et al., 2007). De acordo com Zanon & Maldaner (2010), no Brasil, essas políticas puderam ser observadas através de propostas alternativas17 de ensino de Química para a educação básica, que mantinha uma preocupação com as concepções de currículo e com a natureza da Ciência. Elas consistiam em materiais didáticos com diferentes organizações, elencando temáticas próprias da área, que podiam ser aplicadas em sala de aula e acompanhadas por meio de pesquisas. O ano de 1988 foi marcado pela a instituição e oficialização da Divisão de Ensino da Sociedade Brasileira de Química (ED – SBQ) durante a 11ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química (RASBQ). A criação da ED-SBQ catalisou e ainda catalisa diversas ações relacionadas ao ensino de Química no país, desde fomentar pesquisas, buscar avanços na área curricular, formar 17 O autor cita como exemplo dessas propostas alternativas: Projeto de Ensino de Química para o Segundo Grau; Unidades Modulares de Química; Cotidiano e Educação em Química: os aditivos em alimentos como proposta para o ensino de Química no 2° Grau; Interação e Transformação: Química para o 2° Grau; e outras (ZANON & MALDANER, 2010). 56 professores, preparar materiais didáticos e até promover a transposição do conhecimento científico em conhecimento escolar. Ressalta-se, ainda, que a Divisão de Ensino foi responsável pela avaliação dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, na área de Química e a consecutiva elaboração do capítulo referente aos Conhecimentos Químicos, das Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Além disso, a ED-SBQ também é a responsável pela organização bianual do Encontro Nacional de Ensino de Química (ENEQ), que pode ser considerado mais uma ação para o fortalecimento da comunidade de pesquisadores da área. Esse encontro tem como objetivo: congregar professores, pesquisadores, estudantes e demais interessados na área de Educação Química, envolvidos na educação básica e no nível superior, com o ensino e com a formação em Química, promovendo interações, ações e construções para participar de debates em torno dos avanços e dilemas vivenciados na Área; socializar e discutir ideias e produções, na perspectiva da explicitação e da reflexão crítica sobre atuais tendências, concepções e práticas, na área, com vistas a contribuir na construção de uma nova inserção da formação em Química na sociedade e na tecnologia contemporâneas; intensificar a interlocução de grupos de pesquisa e desenvolvimento atuantes em linhas temáticas da área da Educação Química, inter-relacionando e alimentando conhecimentos, ações e mudanças junto a comunidades, em âmbitos local, regional e nacional, incrementando e articulando contatos diversificados concernentes a produções científicas socialmente relevantes (XIV ENEQ, 2010). Essas propostas favoreceram a construção de uma comunidade de educadores químicos empenhados com a formação e com a educação em Química. Através dessa representação junto à academia científica, o ensino de Química tem evoluído a cada dia no Brasil e permitido a produção de diversos materiais que podem ser utilizados pelos docentes na melhoria de suas práticas pedagógicas. 3.2 O CURRÍCULO DE QUÍMICA E A IMERSÃO DO PÚBLICO DA EJA NO CONHECIMENTO CIENTÍFICO Nas outras seções, discutiu-se a subalternidade da EJA nas políticas educacionais e a escassez de materiais didáticos e de propostas curriculares para a modalidade. Também é perceptível a problemática relacionada aos conteúdos trabalhados em sala de aula, que muitas vezes são ministrados num percentual menor do que o esperado, em comparação ao ensino 57 regular. Mas perante a condição desse público no sistema educacional brasileiro, é essencial a sistematização de um currículo que permita a imersão e a apropriação dos conhecimentos químicos pelos estudantes jovens e adultos. Levando isso em consideração, os próximos parágrafos discutirão os critérios e os conteúdos que devem ser ponderados ao elaborar um programa de curso para o público EJA, além dos já descritos nos princípios e nas funções do Parecer CNE/CEB n° 11/2000. Pensar uma estratégia de ensino capaz de promover a educação de um indivíduo não é uma tarefa muito fácil, sobretudo ao se tratar das disciplinas ligadas à ciência. Muitas concepções emergem a partir da experiência e da formação de cada educador. Segundo Pozo & Crespo (2009), alguns professores de Ciências compartilham a ideia de que o ensino de Química deve possuir metas fixas e imutáveis. Essa concepção pode ser proveniente da exatidão intrínseca da área científica. Contudo, esse entendimento pode estar fadado ao equívoco. A ciência está cada vez mais afastada daquele teor de certeza absoluta, que lhe era atribuído. Hoje são cada vez mais evidentes as incertezas nesse campo do conhecimento. Os currículos também se modificam. Eles se transformam de acordo com a sociedade e com a época na qual foram inseridos, estabelecendo novas metas. Isso pôde ser percebido na década de 70, como já fora discutido na seção anterior. Se a ciência e os currículos são passiveis a modificações, igualmente ocorre com o ensino de ciências. Apropriando-se das contribuições desses autores, fica clara a proposição de uma educação em Química desarraigadas da prática equivocada de transmitir verdades absolutas. A expectativa versa em permitir ao educando a construção de seu próprio ponto de vista, a partir das verdades parciais que lhes são apresentadas. Para o desenvolvimento destas aptidões, o ensino de Química precisa possuir finalidades bem definidas. Os autores consideram fundamentais, para a formação do educando, a sistematização de um currículo disciplinar que agregue a aprendizagem dos conceitos da ciência, a elaboração de modelos científicos, o desenvolvimento das habilidades cognitivas e do raciocínio científico, o estabelecimento de habilidades experimentais, a capacidade para resolução de problemas e a afirmação de atitudes e valores. Essas metas podem ser traduzidas em três tipos de conteúdos: os atitudinais, os procedimentais e os conceituais (POZO & CRESPO, 2009). 58 3.2.1 Os conteúdos atitudinais Os chamados conteúdos atitudinais, que versam sobre a mudança de comportamento e de valores, são os mais gerais e transversais do currículo. Embora permeiem entre todas as disciplinas não estão explícitos em nenhuma delas e tampouco são suas responsabilidades. Além disso, eles podem fluir dentro de cada disciplina. Devido a essa volatilidade, são conteúdos difíceis de serem sequenciados e fragmentados como os demais. Sobre a inserção deles no currículo, Pozo & Crespo (2009) explicam: Sua inclusão no currículo deve ser baseada em um tratamento continuado, em ter presente em todo momento, como objetivo educacional, a necessidade de desenvolver certos valores, mais do que a realização de atividades pontuais de “ensinar” certas atitudes, embora estas possam ser necessárias (p. 31). No ensino de Química, a promoção dos conteúdos atitudinais pode auxiliar o educando em três esferas (Quadro 3.1): a primeira com repeito à ciência, a segunda em relação à aprendizagem e a terceira se refere ao posicionamento frente às implicações sociais das ciências. Quadro 3.1 Dois tipos de atitudes que devem ser promovidas entre os alunos com o ensino de ciências. Atitudes com respeito à ciência Interesse por aprendê-la - Motivação intrínseca - Motivação extrínseca Atitudes específicas (conteúdos) - Gosto pelo rigor e precisão no trabalho - Respeito pelo meio ambiente - Sensibilidade pela ordem e limpeza do material de trabalho - Atitude crítica frente aos problemas apresentados pelo desenvolvimento da ciência Atitudes com respeito à aprendizagem da ciência Relacionadas com o aprendizado - Enfoque superficial (repetitivo) - Enfoque profundo (busca de significados) Relacionadas com o autoconceito - Conduta - Intelectual 59 - Social Relacionadas com os colegas - Cooperativa em oposição à competitiva - Solidariedade em oposição ao individualismo Relacionadas com o professor - Modelo de atitude Atitudes com respeito às implicações sociais da ciência Na sala de aula e fora dela - Valorização crítica dos usos e abusos das ciências - Desenvolvimento de hábitos de conduta e consumo - Reconhecimento da relação entre o desenvolvimento da ciência e a mudança social - Reconhecimento e aceitação de diferentes pautas de conduta nos seres humanos Fonte: Pozo & Crespo (2009, p. 38). As atitudes relacionadas à ciência precisam ir além da visão positivista e estática presente nos currículos tradicionais. É fundamental a criação de hábitos nos alunos referentes à reflexão, à crítica e à análise. O educando precisa se aproximar do conhecimento científico e entendê-lo como um bem sociocultural. Como aborda Pozo & Crespo (2009), é ver “as ciências mais como uma forma de fazer perguntas do que como uma resposta já dada” (p.37). Na esfera alusiva à aprendizagem da ciência, os autores explicam que o acesso aos conteúdos atitudinais permite ao aluno adotar uma postura construtiva mais profunda, buscar por si próprio significado e sentido para os fenômenos – sair da posição de meros repetidores dos conceitos disseminados. Além disso, em relação ao seu próprio potencial, eles podem quebrar a imagem inalcançável da ciência, perceber que embora esse tipo de conhecimento requeira um esforço, é possível apreendê-la, ou seja, gerar um autoconceito positivo – acreditar que são capazes. Também, há possibilidade de gerar melhores relações entre os indivíduos, através de atividades que zelam pelo trabalho em equipe e respeitar ao próximo. A postura do professor também serve como um modelo de atitudes e é lida diariamente pelos alunos / A postura do professor também serve como um modelo de atitudes lido diariamente pelos alunos. As atitudes referentes às implicações sociais da ciência são relevantes para a apuração do senso crítico dos educandos. Vivendo em um mundo de inter-relação entre ciências, tecnologia e sociedade, os indivíduos precisam ponderar até que nível os avanços científicotecnológicos são benéficos. Avaliar as consequências de uma vida consumista, com alto nível 60 de produção, recaindo na geração descontrolada de lixos. E, também, serem agentes na supressão de maus costumes e na transformação de sociedades, provocados pelo avanço tecnológico. 3.2.2 Os conteúdos procedimentais Pozo & Crespo (2009) consideram que o conhecimento e as demandas formativas são passíveis a mudanças na sociedade globalizada dos dias atuais, na qual a informação de hoje pode ser considerada antiquada amanhã. Dessa forma, os educandos precisam assumir uma postura flexível para alcançar as novas informações que são disseminadas a cada dia. Segundo os autores, o desenvolvimento dessa característica é favorecido pela abordagem de conteúdos que superam o simples desenvolvimento de habilidades gerais e descontextualizadas. O ensino de ciências precisa adotar como um de seus objetivos prioritários a prática de ajudar os alunos a aprender e a fazer ciências, ou, em outras palavras, ensinar aos alunos procedimentos para a aprendizagem de ciências (p. 47). Ou seja, diferentemente dos conteúdos atitudinais e conceituais, os procedimentais requerem a prática e o fazer do aluno, para a sua sedimentação. Esse “fazer” pode estar compreendido entre o desenvolvimento de técnicas e ou de estratégia. A primeira relacionada a uma rotina automatizada por meio de uma prática repetitiva e a segunda pautada no planejamento de passos a serem seguidos para uma futura tomada de decisão. Porém, ao contrário do que se pensa, os autores avaliam que esses dois tipos de procedimentos não são isolados um do outro. De fato, o uso eficaz de uma estratégia depende, em grande medida, do domínio das técnicas que dela fazem parte. (...) O ensino de ciências não só não é contraposto a um bom domínio de técnicas ou rotina automatizadas pelos alunos senão que, pelo contrário, deve apoiar-se nisso (p.49). A aquisição de procedimentos requer o estabelecimento crescente da técnica e culmina no uso estratégico delas. O Quadro 3.2 apresenta quatro etapas para conduzir o educando a aquisição de conteúdos procedimentais. 61 Quadro 3.2 Fases no treinamento procedimental: da técnica à estratégia Treinamento Fase Consiste em Técnico Declarativa ou de instrução Proporcionar instruções detalhadas da sequência de ações que deve ser realizada. Automatização ou consoli- Propor a prática repetitiva necessária para que o dação aluno automotize a sequência de ações que deve realizar, supervisionando sua execução. Estratégico Generalização ou transfe- Colocar o aluno para enfrentar situações cada rência do conhecimento vez mais novas e abertas, de maneira que ele seja obrigado a tomar cada vez mais decisões. Transferência do controle Promover no aluno a autonomia no planejamento, na supervisão e na avaliação da aplicação de seus procedimentos. Fonte: Pozo & Crespo (2009, p. 54). No quadro apresentado, as duas primeiras etapas estão relacionadas à aquisição de técnicas e as duas últimas ao estabelecimento de estratégias. Embora as fases estejam sequenciadas, elas não podem ser vistas de forma linear. É preciso possibilitar sempre a interrelação delas, de modo que as possíveis deficiências detectadas no currículo, quanto aos conteúdos procedimentais, sejam superadas. Os autores esclarecem que este método possibilita a inserção do educando em situações cada vez mais abertas, de modo que ele sozinho possa traçar suas próprias estratégias. Ou seja, o educador será uma figura essencial no início do processo – apresentando as técnicas e estabelecendo as primeiras estratégias – e gradativamente vai deliberando essa função ao aluno. Quanto à abordagem desses conteúdos no currículo de ciências, parece um consenso das administrações atribuir aos procedimentais um papel secundário, que acompanha e facilita o desenvolvimento dos conceitos. Além disso, nas disciplinas científicas (Química, Física e Biologia) é comum a estruturação bem definida dos conceitos, mas o mesmo não se observa em relação aos procedimentos, que não possuem critérios claros para a sua organização. Pozo & Crespo (2009) ainda ressaltam que frequentemente ocorre uma confusão em torno das atribuições dos conteúdos procedimentais. Muitos o identificam como processos para elaboração do conhecimento científico e não como procedimentos para a aprendizagem das ciências. No ensino de ciências, os procedimentos podem estar dispostos no currículo de acordo com a proposta organizacional do Quadro 3.3, que classifica esses conteúdos em categorias aquisição da informação, interpretação da informação, análise da informação e realização de 62 inferências, compreensão e organização conceitual da informação e comunicação da informação – e explicita suas atribuições. Quadro 3.3 Classificação dos conteúdos procedimentais 1. Aquisição da informação a) Observação b) Seleção da informação c) Busca e captação da informação d) Revisão e memorização da informação 2. Interpretação da informação a) Decodificação ou tradução da informação b) Uso de modelos para interpretar situações 3. Análise da informação e realização de a) Análise e comparação da informação inferências b) Estratégia de raciocínio c) Atividades de investigação ou solução de problemas 4. Compreensão e organização conceitual da a) Compreensão do discurso (escrito/oral) informação b) estabelecimento de relações conceituais c) organização de conceitos 5. Comunicação da informação a) Expressão oral b) Expressão escrita c) Outros tipos de expressão Fonte: Pozo & Postigo (apud POZO & CRESPO, 2009, p. 59). Em relação à relevância dada a cada uma dessas categorias (Quadro 3.3), os autores fizeram uma análise dos conteúdos de ciências dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio, tendo como suporte o programa estabelecido pelo Desenho Curricular Base para a Área de Ciências da Natureza em Educação Secundária do MEC18. Neste exame (Gráfico 3.1), eles inferiram que há uma abordagem mais significativa das categorias 2 e 3, indiciando a valorização dos processos relacionados ao “fazer ciências” – mais próximos do trabalho do cientista. E os processos relacionados ao “aprender ciências” – buscar informações, selecioná-las, compreender textos, organizar os conhecimentos e saber expressálos – possuem um menos enfoque. 18 Real Decreto 1345/1991 de 6 de setembro de 1991, anexo, p. 39. 63 Gráfico 3.1 Procedimentos nos conteúdos de ciências da natureza nos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio Fonte: Pozo & Crespo (2009, p. 60). Ramírez et al. (apud POZO & CRESPO, 2009) atenta para o perigo da escassa referência, nos currículos, dos processos metacognitivos relacionados à reflexão e à autoavaliação, por parte dos educandos. De acordo com os autores, os problemas podem ser reduzidos a exercícios e as estratégias a técnicas. Outro agravante seria a forma na qual os educadores concebem a solução dos problemas em ciências. 3.2.3 Conteúdos conceituais Embora os conteúdos atitudinais e procedimentais estejam conquistando um espaço cada vez mais significativo nos currículos, ainda são os conceituais o seu eixo estruturador. Estes últimos podem ser entendidos como dados, conceitos e princípios (POZO & CRESPO, 2009). Os dados, segundo os autores, são as informações que os indivíduos se apropriam através de sua interação cotidiana com o mundo ou na sala de aula auxiliados pelo professor. Eles consistem em informações e fatos acumulados pelo indivíduo, fáceis de serem esquecidos por não estarem atrelados a significados. Não é preciso ensinar às crianças que os objetos que não têm apoio caem: é um fato que elas conhecem desde uma idade surpreendentemente precoce, desde o berço (CAREY & SPELKE apud POZO & CRESPO, 2009, p. 78). Os dados e os fatos são aprendidos de modo reprodutivo, sem a premissa de compreendê-los. No caso das crianças, como ilustrado pelos autores, apesar de elas os 64 conhecerem, não necessariamente lhes atribuem significados. Porém, Pozo & Crespo (2009) atentam para uma questão relevante, esses tipos conceitos “não se justificam em si mesmo se não promovem condutas ou conhecimentos significativos” (p. 81). Na educação científica, que tratamos neste trabalho, a transmissão dos dados também não pode ser considerada finalidade principal, mas sim a abordagem de conceitos específicos e dos princípios, que contribuem para o desenvolvimento de capacidades mais relevantes – atribuir significado às coisas e compreender o mundo natural. Os conceitos são recursos utilizados para a interpretação dos dados dentro de uma rede de significados. Eles são mais específicos, a sua aprendizagem requer mais disponibilidade cognitiva e se estabelece de forma gradual. De acordo com os autores, a abordagem dos conteúdos conceituais nos currículos tende mais para a compreensão do que para a acumulação de dados. O Quadro 6 apresenta as principais diferenças entre esses dois tipos de conceitos. Quadro 3.4 Diferença entre fatos e conceitos como conteúdos de aprendizagem Fato Conceito Consiste em Cópia literal Relação com conhecimentos anteriores É aprendido Por revisão (repetição) Por compreensão (significado) É adquirido De uma vez Gradualmente É esquecido Rapidamente sem revisão Lenta e gradualmente Fonte: Pozo & Crespo (2009, p. 83) Os autores entendem os princípios na forma de conceitos mais gerais, que exigem um alto grau de abstração e permeiam entre os conceitos específicos, de modo que são essenciais para o entendimento deles. Esses três tipos de conteúdos conceituais, embora deem conta de atribuições distintas no currículo, são complementares. Não é possível compreender os conceitos mais abstratos sem acionar os dados e os conceitos específicos. De igual modo, o alcance do significado dos dados e dos conceitos específicos requer o entendimento dos princípios (POZO & CRESPO, 2009). 65 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO O educador, nos atributos de suas funções, é um sujeito importante para o sucesso ou o fracasso da implantação dos currículos prescritos pelas administrações, pois segundo Mellado (1996): o professor não é um técnico que aplica instruções, e sim um construtivista que processa a informação, toma decisões, gera rotinas e conhecimento prático, e possui crenças que influem em sua atividade profissional (p.289). Dessa forma, destaca-se a importância desta pesquisa que busca compreender como os docentes traduzem e modelam as diretrizes oficiais construindo o currículo de Química para a EJA. Sobretudo, ao se tratar de uma modalidade de ensino que carece de recursos norteadores e, consequentemente, cabe ao professor avaliar, com base na sua experiência, quais seriam os conteúdos mais significativos. A seleção efetuada pelos docentes incide diretamente na formação dos educandos jovens e adultos, que possuem em documentos oficiais princípios e funções definidas que deveriam ser contempladas no processo educativo. Questiona-se, entretanto, se os docentes consideram estes princípios e funções delimitados nos textos oficiais. Neste sentido, esta seção visa a apresentar as concepções destes profissionais regentes de turma e responsáveis pela disciplina Química no ensino médio, modalidade EJA, assim como os critérios, os tipos de conteúdos priorizados e os recursos utilizados se tratando do currículo moldado para EJA. Para tal, os resultados e discussão serão apresentados em três seções. Na primeira, busca-se caracterizar o perfil dos entrevistados, destacando-se a sua formação, experiência profissional e tempo de magistério. Na segunda, debate-se a concepção dos professores sobre o currículo para o público da EJA e, na terceira as expectativas dos docentes ao elaborar um plano de curso para esta modalidade. 4.1 PERFIL DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA Nesta pesquisa, foram entrevistados 12 professores da rede estadual de ensino, lotados na Metropolitana VII – município de Belford Roxo. Dentre esses docentes, 11 deles apresentavam licenciatura plena em Química e apenas um era formado em Biologia, mas com 66 habilitação para lecionar a disciplina Química, inclusive, este último lecionava Química na unidade escolar. A faixa etária dos participantes variou entre 25 e 47 anos de idade, sendo 6 (seis) deles do sexo feminino e 6 (seis) do masculino. Quanto ao item especialização, foi identificado que 7 (sete) eram pós-graduados (6 em lato-sensu e um em stricto-sensu). Os cursos relacionados foram: Química ambiental, Planejamento em Educação Ambiental, Ensino de Ciências, Ciências Ambientais, Conservação de Energia em Indústria Química e mestrado em Biologia. Sobre a experiência profissional, considerando o exercício simultâneo nas redes particular e pública de ensino, 2 (dois) lecionavam há menos de 5 anos, 6 (seis) entre 6 (seis) há 10 anos e 4 (quatro) com mais de 10 anos de atuação. Considerando apenas a rede pública estadual, a Tabela 4.1 apresenta a relação número de professores por ano de exercício. Tabela 4.1 Relação entre o número de professores e anos de experiência na rede estadual de ensino. Número de professores Ano de exercício 1 professor 21 anos 1 professor 12 anos 6 professores 10 anos 1 professor 6 anos 1 professor 5 anos 1 professor 2 anos 1 professor 1 ano Esses números apontam para mais da metade dos professores, 8 (oito), com uma experiência significativa, ao considerar que atuavam por 10 anos ou mais no papel de regentes de turmas em escolas estaduais. Ponderando a bagagem de tais educadores, pode-se dizer que a contribuição deles foi essencial para este estudo. Identificou-se que apenas 2 (dois) dos entrevistados eram novos na rede, contabilizando menos de 5 anos de exercício. E um deles, inclusive, tinha apenas um ano de formado. Outro fato a considerar foi que 3 (três) dos docentes também trabalhavam no meio industrial, exercendo a função de Químico. 67 Observou-se, que entre os 12 (doze) docentes, apenas um trabalhava exclusivamente com a Educação de Jovens e Adultos. Quanto ao item „fases da EJA que havia lecionado‟, identificou-se que 7 (sete) atuavam em todas as séries, 3 (três) apenas na primeira fase e 2 (duas) em duas delas. Nas outras seções, a fim de garantir o sigilo dos participantes da pesquisa, cada professor será diferenciado através de códigos enumerados de P1 até P12. 4.2 A CONCEPÇÃO DOS PROFESSORES SOBRE A EJA Haddad (1998) considera que os conteúdos selecionados para a EJA, devem ser coerentes com as características próprias desse tipo de educando; que “fundamentalmente, é um trabalhador que busca a escola como complemento à sua atividade básica que é o trabalho” (p. 43). Sobre essas particularidades dos alunos jovens e adultos, os professores apontaram no questionário como fator mais relevante que consideram para elaboração de um programa curricular, o fator tempo. O tempo que esse público se encontra afastado da sala de aula e, ainda, o tempo reduzido para desenvolver os conteúdos. Segundo os docentes entrevistados (P11), o longo tempo fora da escola acarreta dificuldades para os alunos que não teriam o necessário embasamento para o estudo de Química. Na perspectiva dos docentes, o aluno necessita de conceitos básicos para poder progredir na disciplina. Assim, seria preciso primeiro “nivelar” os discentes, para depois desenvolver os conteúdos que precisam de maior fundamentação. P11: É... É... Diferenças em termos de aprendizado. A dificuldade é maior devido à idade, devido ao muito tempo sem estudar. Muitos alunos assim. Pessoas mais de idade, pessoas que vem direto do trabalho. Então encontram dificuldade e você, às vezes, não pode avançar tanto. Você tem que recuar um pouco, você tem que dar mais o básico e depois gradativamente melhorando e... como vou dizer? Ir nivelando a turma para depois você avançar mais um pouco. Já o regular são jovens, tem tempo. Ainda mais na parte da manhã, tem tempo de estudar. Mas tem outro lado também, os alunos do EJA são mais interessados. As expectativas, a cultura e os valores dos educandos foram estimados como fatores secundários, de acordo com as respostas do questionário. A faixa etária e a heterogeneidade do público da EJA foram pouco consideradas pelos participantes da pesquisa. De acordo com 68 o Parecer CNE/CEB n° 11/2000, todas essas características devem ser apreciadas pelas autoridades administrativas e pelos professores para a composição dos programas curriculares de modo a atender as finalidades dessa modalidade de ensino. A respeito da função exercida pela EJA no sistema educacional e na sociedade (Gráfico 4.1), foram identificadas como as mais emblemáticas para esta modalidade de ensino: a promoção da igualdade dos indivíduos (função reparadora), a atualização dos conhecimentos por toda a vida (função permanente), concretização do desenvolvimento de todas as pessoas e de todas as idades (função permanente) e suprir o conhecimento não adquirido na idade própria. Esta última atribuição não é expressa no Parecer como finalidade da EJA. Este documento, inclusive, explica que não se deve confundir reparação com suprimento, como destacam alguns dos professores em suas repostas nos questionários. Com relação a esta questão, Friedrich et al. (2010) esclarece que há muitas confusões acerca da nomenclatura da EJA na literatura, isso talvez tenha influenciado a concepção dos professores. Observa-se que durante muito tempo a modalidade era designada com Ensino Supletivo. A associação do termo suplemento com reparação é frequente e possui um fundamento. Segundo a autora Pela própria história da evolução da EJA no Brasil e no mundo nas diferentes faces do desenvolvimento histórico da sociedade, o tratamento dos termos associados foi-se confundindo e se configurando como complementação e suplementação de escolarização (2010, p. 392). Gráfico 4.1 Funções da EJA, de acordo com os professores entrevistados. 69 Quanto ao reparo do direito negado a uma escola de qualidade, que é a essência da função reparadora, previstas no Parecer CNE/CEB n° 11/2000, não houve um reconhecimento significativo por parte dos educadores. A reparação de acordo com as DCN tem uma dimensão ontológica, pois envolve reparar um direito que foi negado historicamente e que contribuiu para colocar estes sujeitos à margem da sociedade. Semelhantemente ocorreu com o quesito realização pessoal e o reconhecimento do outro como sujeito. A diminuição da distorção entre idade-série, relacionada à função equalizadora da EJA, obteve um percentual de apenas 8%. Destaca-se que, de acordo com Friedrich et al. ( 2010), as propostas para EJA deveriam ser orientados por quatro pilares, que estão correlacionados às finalidades dessa modalidade de ensino, são eles: a conclusão de um nível escolar, a inserção no mercado de trabalho, o reconhecimento social e afirmação da autoestima. Para a concretização desses pilares, os professores precisam elaborar propostas curriculares que tenham objetivos aderentes às funções da Educação de Jovens e Adultos. Na pesquisa os participantes tiveram que identificar entre as opções sugeridas pelo questionário, quais os objetivos utilizados por eles durante a sistematização do programa de curso. Os dados obtidos estão expressos no Gráfico 4.2. Gráfico 4.2 Objetivos considerados pelos docentes na elaboração do programa curricular. As informações obtidas parecem confirmar as concepções que alguns professores possuem da EJA. De fato, eles acreditam que objetivo da modalidade é promover a 70 apropriação dos saberes que os educandos não tiveram na idade própria. Além disso, entre os principais objetivos, encontram-se a valorização das experiências de vida trazidas para sala de aula, pelos estudantes adultos – considerada a mais importante pelos participantes – e a garantia de igualdade de direito e de oportunidades na educação. Esses dois objetivos e mais os outros apresentados no gráfico (a contribuição da formação igualitária dos educandos, o desenvolvimento dos valores e conhecimento de cada um e o prosseguimento dos estudos em caráter regular) estão previstos no artigo 5º (incisos I, II e III) da Resolução CNE/CEB n° 1/2000. Em outra pergunta, acerca do resgate da vivência dos alunos nos conteúdos curriculares, a maioria dos professores (75%) assinalou que este procedimento é relevante e que contribui para o processo de ensino-aprendizagem. Alguns deles explicaram que essa prática podia ser desenvolvida a partir da inter-relação dos diferentes tipos de conhecimento, de experiências químicas, da exemplificação dos fenômenos ocorridos na natureza, do conhecimento culinário e da promoção de debates, de estudos dirigidos e de dinâmicas de grupo. Destaca-se o esforço dos professores em exemplificar os conteúdos e não em contextualizá-los. Foram identificados também, neste primeiro momento da pesquisa, quais os currículos prescritos pelas autoridades que os professores conheciam e utilizavam em seus planejamentos e em suas salas de aula (Gráfico 4.3). Gráfico 4.3 Diretrizes curriculares conhecidas e utilizadas pelos professores na elaboração do programa curricular. Identificou-se que os Parâmetros Curriculares para o Ensino Médio consistiam nos documentos mais conhecidos pelos docentes, seguidos respectivamente pelas Diretrizes 71 Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, pela Reorientação Curricular da SEEDUC/RJ e pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para EJA. No entanto, a respeito da utilização de tais documentos no processo de elaboração do programa de curso, observou-se uma pequena apropriação dos participantes. Vale a pena ressaltar que apenas 25% dos entrevistados conheciam e utilizavam as porcentagens relacionadas às Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA. Esses dados explicam algumas das concepções dos professores descritas nos parágrafos anteriores como, por exemplo, a confusão entre os conceitos de reparação e suprimento também em relação aos objetivos relevantes na construção de um plano de curso. Do mesmo modo (só para evitar a repetição e a proximidade) foi observado que uma parte significativa dos docentes (58,3%) utiliza o livro didático como um dos principais recursos, para a elaboração do planejamento para a EJA. Sabe-se, porém, que o Ensino Médio desta modalidade não conta com um livro didático oficial. Dessa forma, subtende-se que os livros utilizados são os voltados para o ensino regular. 4.3 CONCEPÇÕES DOS PROFESSORES DE QUÍMICA AO ELABORAR O PLANO DE CURSO PARA EJA Segundo Vilanova & Martins (2008), O ensino de ciências passa, portanto, a ser marcado por objetivos de ensino voltados para a formação do cidadão, e pelo desenvolvimento de atividades com implicação social, por meio de recomendações que valorizam a contextualização e a integração das disciplinas (p.336). Essas considerações mostram que o ensino de ciências possui objetivos definidos. Porém, como discute Schwille (apud SACRISTÁN, 2000), O professor é quem, em última instância, decide os aspectos a serem desenvolvidos na classe, especificando quanto tempo dedicará a uma determinada matéria, que tópico vai ensinar, a quem os ensina, quando e quanto tempo conceder-lhes-á e com que qualidade serão aprendidos (p. 117). Na EJA, o poder de decisão do docente parece ser ainda maior, diante das limitações de recursos e de orientações para a modalidade. Muitas vezes a concepção do professor sobre o ensino de ciências – provenientes da formação acadêmica, da experiência profissional e da 72 história de vida escolar – é que norteia a construção dos planos de curso e o desenvolvimento dos conteúdos em sala de aula. Diante disso, os professores foram questionados quanto ao significado de ensinar Química. Tal pergunta visava a apreender quais eram os objetivos concebidos pelos entrevistados. Algumas das respostas foram: P5:“Pra mim, ensinar Química é fundamental para o desenvolvimento dos meus alunos, porque como a Química está presente na nossa vida, em tudo; eu costumo dizer para os meus alunos que tudo é Química. E a gente sabe isso, né? A gente respira Química, a gente trabalha num ambiente onde tem móveis que tem Química; na parede, na tinta tem Química. Então pra mim, assim, eu acho importantíssimo ensinar Química para que os meus alunos tenham esse conhecimento, que é fundamental para eles”. P7:“Ensinar um monte. As reações que ocorrem dentro do nosso organismo, as reações que a gente pode trabalhar; que a gente pode lhe dar no cotidiano, em relação ao que se refere ao ensino de Química. E que seja uma coisa, que seja voltada a realidade do aluno. Porque quando a gente faz assim; você monta uma aula e você desvincula aquilo do que é real daquilo que a gente pratica no dia-a-dia, aí o que acontece? Aquilo entra e sai ou fica meio perdido. Ele não consegue vincular aquilo ao que ele vive”. P8: “Bom, ensinar Química é principalmente ensinar como transformar, né? Assim, a transformação da vida, das reações. Você explicar o conceito, né? Como você pode chegar a uma determinada substância, determinado composto e como aquilo ali passou a existir, a aparecer ou então a ser transformado. Então é um conceito bem interessante para ser explorado, principalmente pra algumas das explicações da vida. Tem muitos alunos que perguntam: pra que isso serve pra minha vida?Então a Química pode dar algumas dessas respostas”. P9: “Ensinar Química pra mim é trazer para dentro da escola a ciência da vida. Sei que a ciência da vida é conhecida como Biologia, mas a Química explica tudo – explica o que vestimos, o que nós comemos, o ar que respiramos, sabe?”. Em síntese, para esses professores, ensinar química possui significado e objetivo implicitamente pré-estabelecido: possibilitar o desenvolvimento de habilidades relacionadas à leitura e à interpretação dos fenômenos que ocorrem no mundo e na vida. Santos & Schnetzler (2003), da mesma forma que Vilanova & Martins (2008), acreditam que uma educação em Química deve buscar a contextualização dos conceitos científicos. Na fala dos professores sobressai a importância da Química para a compreensão do mundo, ou seja, como explica P5, essa ciência está muito presente na vida e dominar essa linguagem é fundamental para viver na sociedade. Contudo, os autores fazem uma ressalva: os educadores precisam ser cautelosos ao desenvolver essa forma de abordagem e não 73 confundir essa prática com uma simples inclusão de componentes sociais, através de uma abordagem unilateral. Sem esse cuidado, o desenvolvimento do educando pode ser comprometido. Considerando esses apontamentos, achou-se relevante averiguar as atribuições dadas pelos educadores ao ensino de Química oferecido exclusivamente para a EJA e a importância delas no processo de construção do currículo escolar. A discussão sobre essa concepção dos professores será desenvolvida nos próximos parágrafos. Uma das primeiras questões investigada tratava da necessidade de trabalhar a Química com os jovens e adultos. Por unanimidade, os entrevistados concordaram que esta disciplina é muito importante da mesma forma que nos cursos regulares. Mas, as respostas dadas a essa pergunta revelaram outras evidências significativas. A maior parte dos professores apontou para questões relevantes a respeito da Educação de Jovens e Adultos: a relação entre tempo/conteúdo ministrado, a especificidade da EJA e o tipo de metodologia aplicada. Para o melhor esclarecimento de tais pontos, perguntou-se se havia diferenças entre o ensino regular e a EJA, e quais os critérios utilizados para montar um planejamento para o público jovem e adulto. Em relação às desigualdades entre esses dois tipos de educação, os professores enfatizaram: os alunos da EJA apresentam dificuldades de aprendizagem maiores; e o tempo reduzido para trabalhar os conteúdos faz com que a disciplina seja sintetizada. As falas de P4, P7, P8, P9 e P10 traduzem bem esse aspecto: P4: “Você tem exatamente a metade do tempo para trabalhar com EJA e o dobro do tempo para se trabalhar com o regular (...) teoricamente um aluno regular é um pouco mais preparado do que um aluno da EJA”. P7: “É tudo muito assim, muito, muito, muito minimizado (...). E o aluno já vem com aquelas deficiências todas; então quando você vai inserir aquele contexto é... Você vai trabalhar as questões que envolvam muitos cálculos, a questão contextualizada que o aluno tem problema, tem dificuldade na hora de interpretação; então a gente tem uma dificuldade muito grande de o aluno acompanhar. Fora a defasagem que os alunos têm né... Quando eles observam que eles não conseguem acompanhar exatamente aquelas ideias que a gente propõe, aí a gente tem o sumiço do aluno total”. P8: “Eu acredito que exista principalmente por causa do tempo que eles dispõem (...). Os alunos do EJA têm uma dificuldade um pouco maior de compreender os temas. Então, realmente, tem uma diferença. Você tem que ter uma abordagem diferente no ensino, pra que você possa adequar o ensino pra eles, que seria uma coisa pra alcançá-los melhor, pra poder desenvolver melhor, pra poder chegar ao objetivo que a gente deseja”. 74 P9: “Bom, a diferença tá no tempo que é muito corrido. O tempo que a gente tem pra dar a matéria. E ainda envolvendo... Tratando-se de alunos que trabalham, vêem correndo do trabalho e tem problemas familiares, é filho, é “n” coisas né? É... A diferença tá no público, na cultura do público que a gente tem como aluno. Mas existe um grande diferencial que a gente ganha muito aí entre dar aula para o ensino regular e o ensino EJA, é o interesse das pessoas, é maior”. P10: “Porque os alunos que participam do EJA, são alunos que tem uma pressa maior de se formar e são de uma idade mais elevada também. Então se você vir exatamente com o conteúdo só do ensino regular, talvez, fique um pouco mais difícil para que ele assimile. Então é importante que seja diferenciado esse trabalho”. O Parecer da CEB/CNE 11/2000 afirma que o reconhecimento das identidades desses indivíduos, e da diversidade desse alunado, deve ser considerado pelos docentes na construção do currículo. Ao perceber as peculiaridades do público da EJA, os docentes podem sistematizar uma proposta que seja coerente com a modalidade, contemplando os seus princípios e as suas funções; culminando em uma educação de qualidade. Muitos alunos da EJA têm origens em quadro de desfavorecimento social e suas experiências familiares e sociais divergem, por vezes, das expectativas, conhecimentos e aptidões que muitos docentes possuem com relação a estes estudantes. Identificar, conhecer, distinguir e valorizar tal quadro é princípio metodológico a fim de se produzir uma atuação pedagógica capaz de produzir soluções justas, equânimes e eficazes (BRASIL, 2000, p. 284). Loch et al. (2009) considerando a existência das características particulares dos alunos jovens e adultos, propõe caminhos para a produção de um planejamento aderente ao curso de EJA. Essas orientações, apresentadas pela autora, podem ser utilizadas por todos os professores, especialmente os de Química, para sistematizar seus programas. Segundo ela, Pensar o planejamento e a avaliação em EJA é pensar com os educandos a sua vida, suas necessidades, desejos e aspirações articulados com a realidade social e cultural em que vivem e redesenhá-la num processo conjunto em que o ver, o ouvir e o agir estão interligados (p. 18). Sendo o planejamento “uma proposta geral das aprendizagens que serão desenvolvidas” (p.30), para o seu funcionamento real, o professor precisa construí-lo através das perguntas: “para que ensinar?” referente aos objetivos, “O que ensinar?” relacionado aos 75 conteúdos curriculares e “como ensinar?” tratando dos métodos que serão utilizados para alcançar os fins (BRASIL, 2006). A respeito dos objetivos do currículo elaborado para a disciplina Química, os professores entrevistados enumeraram quais seriam os principais. A Tabela 4.2 descreve a ordem e o percentual atribuídos a cada um deles. Tabela 4.2 Objetivos do ensino de Química para a formação do público jovem e adulto N° Proposições % 1 A compreensão do impacto das tecnologias da química na vida pessoal 83 2 A formação da cidadania 67 3 A compreensão do mundo natural 58 4 A preparação para o trabalho 42 5 A formação de futuros cientistas 0 Para estes docentes, a educação em Química teria como meta principal o desenvolvimento de atitudes relacionadas às implicações sociais da ciência. Entre elas, a compreensão do impacto das tecnologias na sociedade foi considerada a mais importante. A compreensão do mundo natural, fundamento necessário para o entendimento dos efeitos da interação entre ciência, tecnologia e sociedade, também foi entendida como importante por mais da metade dos entrevistados. Para P6, esse seria um critério significativo durante a elaboração de um plano de curso. Segundo ele, a apropriação de conceitos básicos da Química possibilitaria o entendimento do mundo. P6: “Quais os critérios eu utilizaria? (...) Conceitos básicos da educação, do ensino de Química, do currículo da disciplina Química. Eu acho que é importante que o aluno tenha esses conceitos básicos e associar, fazer uma associação entre esses conceitos básicos e a vida cotidiana desse alunado da EJA, como um curso reduzido, um curso de jovens e adultos, uma coisa que ele possa utilizar na sua vida. Não só na sua vida acadêmica, mas na sua vida como um todo. Entender um pouco melhor esse conceito de mundo, esse universo que a gente vive”. Essas duas concepções – a „compreensão do impacto das tecnologias‟ e a „compreensão do mundo natural‟ – se, de fato, forem inseridas no currículo elaborado pelo professor, podem favorecer o estabelecimento de habilidades necessárias para a vida, visto que 76 As atitudes com respeito às implicações sociais da ciência, habitualmente canalizadas pelas relações entre ciências, tecnologia e sociedade, exigem que o aluno adote posições com respeito aos usos sociais da ciência e suas consequências, valorizando problemas como a relação entre ciências e mudança social (POZO & CRESPO, 2009, p.39). A formação da cidadania e a qualificação para o trabalho, princípios previstos no artigo 5º da Constituição Federal Brasileira e afirmados pela Lei n° 9.394 de Diretrizes e Bases da Educação, não foram os principais objetivos selecionados. Porém, a respeito da cidadania, elas foram enfatizadas por um dos docentes na entrevista. P8: “Os critérios que eu utilizaria para montar um programa curricular para essa modalidade de ensino seriam... Eu acredito que seja pra formar o cidadão, acho que pra formar uma pessoa que seja capaz de criticar algumas coisas no mundo, ter capacidade de critica, senso crítico, conseguir desenvolver isso na vida deles. Eu acredito que se a gente conseguir dar esse embasamento pra eles, eu acho que a gente vai tá dando um passo muito importante”. Quanto à formação de futuros cientistas, nenhum professor acredita que esse seja um dos objetivos da EJA. Santos & Schnetzler (2003) acrescentam que a Química não pode ser ensinada como fim em si mesma e nem com o intuito de formar cientistas. O que pode acontecer é um aluno se identificar com as atribuições desta ciência e buscar um aprofundamento, para sua profissionalização. Os autores defendem a prioridade no oferecimento de um ensino capaz de preparar o indivíduo para o exercício consciente da cidadania, através de um ensino contextualizado e interdisciplinar. Porém, mediante a escassez de propostas curriculares e de materiais de apoio, sistematizar uma proposta que dê conta da formação do cidadão se torna uma tarefa muito difícil. Diante disso, na intenção de elucidar alguns questionamentos, os professores foram convidados a classificar alguns dos conteúdos de Química em: muito comprometido, pouco comprometido e não comprometido na formação de jovens cientificamente alfabetizados e capazes de atuar significativamente na sociedade. Ressalta-se que esses conteúdos foram retirados da Reorientação Curricular da SEEDUC/2006. Os dados desta investigação estão representados no Gráfico 4.4. Gráfico 4.4 Comprometimento dos conteúdos de Química para a formação de jovens e adultos cientificamente alfabetizados 77 A partir dessa classificação, considerando as maiores porcentagens, foi possível construir a Tabela 4.2, que evidencia os conteúdos mais utilizados pelos docentes, a fim de formarem indivíduos alfabetizados cientificamente. Tabela 4.2 Organização dos conteúdos curriculares de acordo com seu comprometimento para a formação de jovens e adultos cientificamente alfabetizados Classificação Proposições % Comprometidos Pouco comprometidos Poluição 83% Substâncias orgânicas de uso diário 83% Química verde 75% As partículas fundamentais da matéria 75% Funções inorgânicas e orgânicas 67% Aplicações medicinais da radioatividade 50% Combustíveis 50% Distribuição eletrônica 50% Ligações Químicas 50% Oxidação e Redução 50% 78 Não comprometido História e Filosofia da Ciência 50% Shen (apud VILANOVA & MARTINS, 2008) descreve três tipos de alfabetização científica, que diferem entre si pelos objetivos, públicos e meios de disseminação. O primeiro tipo, denominado alfabetização científica prática, serve aos propósitos de contribuir para a superação de problemas práticos do cotidiano, especialmente àqueles presentes em populações pobres. O segundo tipo, chamado de alfabetização científica cívica, relaciona-se à informação dos sujeitos sobre as questões relativas à ciência, o que permitiria uma participação mais efetiva da população e seus representantes na tomada de decisões que envolvessem questões relacionadas à ciência e à tecnologia. Já a alfabetização científica cultural relaciona-se com um desejo de um pequeno grupo de não especialistas de buscar o entendimento da produção científica enquanto empreendimento humano (p. 336). Segundo Chassot (2010) os professores de ciências (Química), nos atributos de suas funções – que consiste na alfabetização científica –, não apenas devem possibilitar o conhecimento e a leitura dos fenômenos, mas ir além; ou seja, transformar os alunos em homens e mulheres mais críticos, capazes de interpretar os conceitos científicos no mundo e suas implicações na vida. E serão responsabilidades desses cidadãos alfabetizados promover a transformação, para melhor, do mundo onde vivem. Nesta pesquisa, investigou-se o segundo tipo de alfabetização científica, mais coerente com as descrições de Chassot. Considerando essa perspectiva, a seleção dos conteúdos para a composição de um programa de curso e o seu desenvolvimento em sala de aula são tarefas que requerem muita prudência por parte do educador, que vão além do simples ato mecânico de escolher as matérias. A respeito dos conteúdos „partículas fundamentais da matéria‟ e „funções inorgânicas e orgânicas‟, elencados pelos participantes, como comprometidos com a alfabetização científica (Tabela 4.2), Santos & Schnetzler (2003) discutem que, dependendo da abordagem dada, o docente pode estar desfavorecendo a formação de cidadãos críticos. Nessa direção, é fundamental ir além da simples memorização de fórmulas, de nomenclaturas e particularidades dos átomos. A linguagem química “deve” ser vista de maneira simplificada, mas de modo a permitir ao aluno compreender a sua importância para o conhecimento químico, bem como os seus princípios gerais, a fim de que ele possa interpretar o significado correspondente da simbologia química, tão 79 frequentemente empregada nos meios de comunicação (idem, ibidem, 2003, p. 106). Os conteúdos „pouco comprometidos‟ selecionados tenderam para os conceituais, que envolvem um maior grau de abstração do educando: distribuição eletrônica, ligações químicas e oxidação e redução. Santos & Schnetzler (2003) enfatizam que a exploração desses conceitos não deve ser de forma exaustiva e exagerada. A importância dada a esses conteúdos nas respostas dadas no questionário, também pôde ser detectada na entrevista no discurso de vários entrevistados. Entretanto, o professor P6 sintetizou em sua fala, de forma clara, a concepção dos outros docentes. P6:“(...) na primeira série eu acho que é interessante ele... Que ele tenha o conhecimento do que é o núcleo atômico, do que é a estrutura do átomo, pra ele poder ter uma ideia do que vem a ser a matéria. Mesmo sendo algo muito teórico, eu acho importante que ele tenha pelo menos uma noção do que seja isso; eu acho isso super importante na primeira fase. A questão da tabela periódica como uma ferramenta, porque eu vejo a tabela periódica como uma ferramenta pro ensino e pra a aplicação da Química em qualquer quesito e, também, eu acho válido que ele tenha uma. Assim... aí a gente perpassa pela questão das substâncias, como é que elas são formadas. Uma ideia de ligação química nada muito profundo, mas eu acho que também vale a pena a gente fazer um apanhado em relação a isso. É... Normalmente o tempo é muito reduzido não dá pra gente ampliar muita coisa. Tá, em linhas gerais trabalhar com substâncias, principalmente as substâncias que a gente utiliza no dia-a-dia: ácidos, substâncias ácidas, básicas. Não ficar muito preso à questão da nomenclatura, dá uma ideia. Assim, mas ampliar um pouco o horizonte no sentido de „aonde‟ isso é trabalhado, qual o objetivo, qual a função disso, „aonde‟ ele encontra essas substâncias, eu acho isso importante. Aí nesse momento, talvez, você possa fazer um link com a questão da poluição – acho que é válido você falar –. Ecossistema também dá pra você fazer esse link com relação... Relacionar com as substâncias que a gente tem hoje em dia, independente de substâncias orgânicas ou substâncias inorgânicas. Eu acho que dá pra você fazer esse link. Hum... O que mais? Eu acho também que vale a pena você mostrar pra ele o que vem a ser uma reação química, como se processa essa reação química, que é uma coisa cotidiana, é usual, tá no teu dia-a-dia e isso pode te abrir leques pra você falar muitas coisas. Dentro da Química Orgânica os compostos que a gente utiliza ou assim... Utiliza é muito vago, é muito amplo. Mas assim, os compostos mais presentes no dia-a-dia, no cotidiano. Eu gosto sempre de “linkar” o conteúdo ao que o aluno percebe desse cotidiano dele. Então, em termos, eu acho que de Química Orgânica dá pra você trabalhar bastante isso, não ficar muito preso a nomenclaturas e tal. A questão de soluções, em Físico-química, também eu acho que vale a pena você comentar, vale a pena você falar. Também é legal. E em termoquímica, no caso você tendo tempo, você ampliar para importância da energia – a energia dos compostos. Em linhas gerais, eu trabalharia com esses tópicos”. 80 A „História e a Filosofia da Ciência‟ foi considerada pela metade dos professores um tipo de conteúdo que não contribui para a formação de sujeitos alfabetizados cientificamente e, também, não foi lembrada por eles durante a entrevista. Sobre esse dado, os autores desenvolveram uma discussão – baseada em pesquisa realizada com professores – a respeito da importância concedida ao desenvolvimento dos aspectos históricos do conhecimento químico em sala de aula. Os educadores entrevistados concebiam a ciência como uma atividade humana em construção e, por isso, era entendida como um conteúdo essencial para a educação científica dos educandos. Sobre a metodologia, os professores parecem considerar mais frequentemente nos planejamentos os debates, os experimentos, os projetos interdisciplinares, a utilização de textos científicos e de modelos. E, em menor grau, a exibição de vídeos e visitações a espaços científicos. As perspectivas dos entrevistados, quanto à interdisciplinaridade e à contextualização dos conteúdos da disciplina Química, convergem com as orientações do Parecer CNE n° 11/2000 e sua respectiva Resolução. Todos os professores responderam que tal abordagem se faz necessária e deve ser parte integrante dos planejamentos. Porém, quando indagados de que forma poderiam estabelecer esta interdisciplinaridade, alguns professores não responderam e outros deram respostas evasivas. Apenas um parecia conhecer a fundo esta prática pedagógica e acrescentou dizendo que “o tempo é curto e isso (a interdisciplinaridade) pode ser difícil de acontecer”. Em relação à contextualização, os docentes demonstravam entender essa metodologia sob a forma de trabalhar o cotidiano do aluno dentro dos conceitos da Química. Essa concepção se enquadra com o método chamado “enxerto CTS19”. Por fim, os professores foram questionados a respeito do seu preparo e da sua segurança ao elaborar um planejamento de Química para a Educação de Jovens e adultos. A maioria afirmou se sentir seguro. Porém no desenvolvimento do discurso, os entrevistados deixaram transparecer que a capacidade estava relacionada à experiência conquistada através do exercício da profissão. P8:“Pra preparar um plano de curso para EJA, talvez, pela minha experiência. Eu não me sinta ainda plenamente seguro, preparado. Porque também não tive esse preparo na minha formação, né? É uma realidade que estou enfrentando agora, que eu tô refletindo bastante quanto à realmente 19 Enxerto CTS consiste em introduzir temas que fomentem o senso crítico dos educando nos currículos e conteúdos de ciência (BAZZO et al., 2003). 81 compreender; realmente entender o que seria principal pra eles; o que seria razoável para passar pra eles”. Aqueles que se sentiam despreparados evidenciaram a falta de uma abordagem mais consistente sobre a EJA nas disciplinas pedagógicas durante a graduação. Os professores P1, P4 e P11 discutiram com propriedade de causa esse fato. P1:“Não. Eu não tive essa preparação na graduação, essa parte pedagógica não foi trabalhada comigo”. P4:“Bem, se você partir da licenciatura na faculdade, eles nem mencionam isso pra gente. Então, você começa a trabalhar em cima da sua própria bagagem, que você traz da sua carreira e conversando mesmo com outros colegas e vendo a necessidade daquilo que seus alunos precisam. Mas dizer que há um plano estratégico pra isso e que nós somos efetivamente preparados pra isso, eu não acredito”. P11: “Não, não. Pelo menos na universidade onde eu estudei, tratava é... A didática de maneira geral, não direcionada ao EJA, mas sim de maneira geral. Isso tudo a gente vê, esse suporte na verdade pela prática. Pela prática e os alunados”. Os professores acharam pertinente acrescentar ao trabalho, a necessidade de desenvolver a temática EJA mais enfaticamente nas matérias pedagógicas, dos cursos de graduação. Ainda consideraram relevante a possibilidade de se oferecer uma matéria que discuta apenas essa modalidade de ensino. Esses procedimentos, segundo eles, podem contribuir com a prática dos docentes recém-formados, no momento que entram em contato com o público de jovens e adultos e descobrem diversas dificuldades e barreiras a serem superadas, a fim de oferecerem uma educação de qualidade como objetiva as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. 82 5 APRESENTAÇÃO DO PRODUTO EDUCACIONAL 5.1. ELABORAÇÃO DO PRODUTO EDUCACIONAL Como foi mencionado, a Educação de Jovens e Adultos necessita de materiais didáticos e pedagógicos que apoiem os professores na construção de seus planos de curso. Diante disso, estabelecer objetivos, selecionar conteúdos, buscar métodos e avaliar pode representar uma tarefa difícil para esses educadores. Sobretudo, tratando-se do ensino médio na modalidade, onde a escassez desses tipos recursos é ainda maior. Diante dessa questão, sistematizou-se um produto educacional prático, flexível e funcional: um caderno de atividades com sugestões metodológicas, que pudesse ajudar os educadores na realização de suas atividades cotidianas. Para a elaboração do caderno, disponibilizado no apêndice, foram levadas em consideração as metodologias comuns citadas nas prescrições da Reorientação Curricular da SEEDUC/RJ e nas respostas do questionário e da entrevista. A Reorientação Curricular apresenta como sugestões metodológicas a leitura de artigos e notícia de jornais, uso de modelos, experimentação com materiais caseiros e debates. As respostas dadas ao questionário evidenciaram a preferência dos professores em utilizar debates, experimentação e projetos interdisciplinares. A prioridade desses métodos também foi detectada na entrevista, através das falas dos professores P1 e P2: P1: “Eu utilizaria de recursos como vídeos, palestras, debates. Tudo que eu pudesse para ajudá-los, para fixar esses conceitos, né”. P12: “(...) seria interessante, que dentro desse programa curricular, existisse a possibilidade de se inserir aulas práticas, onde o aluno pudesse praticar, ver, acontecer e mexer. Ter contato realmente com a Química. E não ficar só no quadro ouvindo suposições, ouvindo leis, situações que ele não vê, ele só ouve. Então, basicamente seria isso. O critério principal seria esse”. Assim, com base no parâmetro adotado, inferiu-se que o produto educacional deveria contemplar a promoção de debates e o uso de experimentos práticos e de baixo custo. Nesta direção, foi elaborado um caderno de atividades para o uso dos professores de Química, quando acharem pertinente. 83 5.2 DESCRIÇÃO DO PRODUTO EDUCACIONAL O produto educacional foi intitulado „Caderno de Atividades para Professores na Educação de Jovens e Adultos‟. Ele possui nove atividades no total, que estão divididas em dois blocos. O primeiro bloco é constituído por cinco atividades, que envolvem os conteúdos atitudinais. Os métodos sugeridos nele visam a desenvolver nos educandos a motivação, o respeito ao meio ambiente, o senso crítico, a solidariedade e o espírito de cooperação. Já o segundo, apresenta quatro propostas de experimentos relacionados com alguns dos conteúdos presentes na Reorientação Curricular da SEEDUC/RJ. Esse material foi elaborado com o intuito de auxiliar os professores entrevistados em sua prática profissional, no que trata das metodologias que eles podem lançar mão, para o desenvolvimento dos conteúdos planejados. Vale a pena ressaltar, que tais atividades são apenas sugestões e podem ser utilizadas ou não, pelos educadores, no formato como foram escritas. Cada uma das atividades foi desenvolvida com alunos da EJA (Ensino Médio), na escola onde o professor-pesquisador atua. A realização delas teve êxito e contribuiu para o desenvolvimento dos conteúdos de forma atraente e significativa. Diante disso, elas podem ser ferramentas úteis para os docentes elaborarem seus Procedimentos de Operação Padrão (POP). Deseja-se que esse produto educacional, de fato, seja um instrumento útil na tarefa que os professores de Química possuem: formar cidadãos críticos. 84 CONSIDERAÇÕES FINAIS A trajetória da Educação de Jovens e Adultos evidencia que para o maior reconhecimento deste tipo de instrução como uma modalidade de ensino, foi preciso uma “luta” frequente por parte dos educadores e pesquisadores desde as primeiras décadas do século XX. Ressalta-se como personalidade emblemática nesse processo o educador Paulo Freire que, através da proposição de seus novos métodos pedagógicos, disseminou um ensino diferenciado para aqueles sujeitos adultos até então carentes dos saberes escolares, mas cheios de vivências. Entretanto, somente nas últimas décadas do século XX, mais especificamente em 1998, a EJA ganhou um reconhecimento junto a Constituição Federal Brasileira. Em 1996, a LDB reafirmou o texto da Constituição e, em 2000, foram instituídas as DCN para o Ensino Médio EJA. Estes documentos permitiram uma nova configuração para os Jovens e Adultos no sistema educacional – a EJA passou a ser considerada uma modalidade de ensino. A instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio para EJA visava a orientar a União e seus entes federativos a respeito da função da modalidade, seus princípios, seus objetivos e os tipos de conteúdos que deviam constituir o seu currículo escolar. Este documento deliberou aos estados autonomia para sistematizar seus programas, desde que mantivessem as prescrições oficiais. Dessa forma, o estado do Rio de Janeiro apresentou, em 2006, a Reorientação Curricular para a EJA, contemplando todas as disciplinas. Este documento está em vigor até este ano de 2012 e deve ser utilizado pelos educadores como recurso estruturador de seu planejamento escolar. Contudo, a Reorientação não disponibiliza os conteúdos, os objetivos e as metodologias separadas por fases de ensino. Esta organização é feita pelo docente, considerando o seu conhecimento e bom senso mediante as prescrições dos documentos oficiais. Porém, ao considerar as evidências encontradas neste estudo, de acordo com os limites dos instrumentos de pesquisa, pode-se constatar que as DCN para EJA foram lidas por menos da metade dos entrevistados. Esse fato mostrou que a maioria deles desconhecia a fundo a função da EJA, seus princípios e suas finalidades. A contribuição deles neste estudo, acerca destes fatores, foi baseada em suas concepções pessoais provenientes da experiência profissional. Isto considerando o fato que na graduação, segundo eles, os cursos pedagógicos 85 não trabalharam a Educação de Jovens e Adultos e, talvez, por isso eles nunca sentiram a necessidade de se apropriar das prescrições desse documento oficial, que tem como função direcionar o ensino desta modalidade em todo o país. Já as Reorientações Curriculares da SEEDUC/RJ eram conhecidas pela maioria dos docentes, mas utilizadas como recurso estruturador no delineamento do currículo escolar de Química por apenas um terço dos professores entrevistados. Dessa forma, os objetivos educacionais para a modalidade estabelecidos pelo estado do Rio de Janeiro, talvez, não estivessem sendo atingidos completamente em algumas escolas, ao considerar o não cumprimento de uma base curricular. Esse aspecto apareceu inclusive na fala de um dos entrevistados. P7 ressaltou, por exemplo, que a diferença de concepções entre professores de Química dentro de uma mesma escola, pode acarretar uma formação distinta das turmas de uma mesma fase, diante do fato de cada um elencar conteúdos diferentes e estabelecer objetivos baseados em suas experiências pessoais. Essa questão pode ter uma proporção ainda maior ao considerar todas as escolas que ofereçam EJA dentro de um município e/ou estado. De acordo com o entrevistado: P7: “Se existe mais de um professor, cada um vai trabalhar de um jeito. Cada um vai dar uma importância a um determinado conteúdo e vai puxar a sua linha ali para aquele conteúdo”. Estes resultados levantaram uma questão mais séria: a formação dos futuros professores. Os cursos pedagógicos precisam discutir essa temática com mais propriedade, perante a dimensão das finalidades expressas nas Diretrizes. Salienta-se que há um compromisso do país em reparar essa dívida educacional com o público da EJA e isso só será feito através do oferecimento de uma educação de qualidade. E é premissa que a formação acadêmica do educador é “divisora de águas” considerando a questão: ensino comprometido com a formação de cidadãos. Essa instrução nos cursos superiores será bastante útil, principalmente nos primeiros anos de atuação profissional do docente (TARDIF, 2002). Com relação à apropriação das orientações das DCN e da Reorientação Curricular da SEEDUC/RJ para EJA, quase dois terços dos professores apresentaram algumas concepções confusas em relação aos termos reparação e suplementação da Educação de Jovens e Adultos. Esse equívoco talvez seja legado do termo „Supletivo‟ muito usado antes da Lei n° 9.394 de Diretrizes e Bases. Além disso, eles parecem não distinguir a essência dessas duas palavras. Esse pode ser outro problema, pois suplementar é apenas complementar e não necessariamente possui o compromisso de instrumentalizar o educando para participar efetivamente das decisões tomadas na sociedade. 86 Ainda assim, foi possível detectar na pesquisa que os educadores, mesmo sem conhecer as DCN para EJA, consideravam importante algumas funções desta modalidade de ensino, tais como a reparadora – ao entender que este tipo de educação visa promover a igualdade entre os indivíduos – e a permanente – ao considerar a atualização dos saberes por toda vida –. Contudo, a função equalizadora só foi considerada por um quarto dos entrevistados. A detecção dessas informações permitiu inferir que os professores, baseados em seu bom senso e na sua experiência profissional, conseguiam estabelecer um vínculo com as determinações curriculares para EJA. O tempo que os estudantes se encontravam afastados da sala de aula, somado às dificuldades de aprendizagem que possuíam, foram considerados os grandes problemas enfrentados pelos professores com esse público em especial. Diante dessas características, foi sugerido trabalhar conceitos básicos, resgatando os valores já construídos pelos estudantes e coerentes com as expectativas que eles possuem. Eles ressaltaram que o público da EJA é bem heterogêneo, constituído por educandos de diferentes idades e perspectivas, e por isso requer uma maior flexibilidade do professor, a fim de aproveitar as particularidades de cada indivíduo. De fato, essas peculiaridades dos alunos jovens e adultos devem ser um dos principais critérios a serem considerados na construção do plano curricular. Isto é defendido tanto pelas DCN quanto pela Reorientação Curricular. Sobre esses aspectos, os professores que declararam lançar mão do livro didático de Química do curso regular, devem ter cuidados. Segundo o Parecer da CEB/CNE n° 11/2000, os docentes devem descontextualizar os conteúdos da idade própria do público adolescente e contextualizá-los com o público jovem e adulto. Quanto ao ensino de Química para a EJA, ao longo do desenvolvimento deste trabalho, foi constatada a sua importância no que tange ao direito desse grupo de estudantes de compreender as implicações da inter-relação entre ciência, tecnologia e sociedade na sua vida e no meio ambiente. Essa apropriação é ontológica a qualquer cidadão que viva em um mundo onde a evolução da ciência promove a transformação das civilizações. Essa perspectiva foi detectada na fala de todos os participantes. Dessa forma, os professores apresentaram coerência com os objetivos do ensino de ciências disseminado nas últimas décadas: uma educação comprometida com a coletividade e com o meio ambiente. Até mesmo o professor que atua em indústria Química e possui 87 especialização na área tecnológica – que poderia conceber uma educação em ciências na forma tradicional e tecnicista – possui essa concepção desenvolvida. Contudo, alguns professores revelaram não se sentirem preparados e seguros no processo de elaboração do plano de curso para a disciplina Química. Entre as principais dificuldades foi detectado o critério para a escolha dos conteúdos. Segundo os docentes, essa prática esbarra no fator tempo e na extensão do número de matérias no currículo. Para eles, as fases da EJA seriam muito reduzidas em comparação ao Ensino Regular. Por outro lado, o programa previsto para a Educação básica seria extenso. Dessa forma, surgem dúvidas frequentes sobre o que priorizar. Na tensão com o currículo prescrito, a problemática de selecionar os principais conteúdos em detrimento ao tempo reduzido seria atender o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 5º (inciso III) da Resolução CEB/CNE n° 1/2000. Ele prevê o asseguramento da identidade formativa da EJA comum aos demais participantes da educação básica. Segundo o professor P12 o “enxugamento” do conteúdo programático, muito comum na modalidade, pode prejudicar a formação do educando. P12: “Então os conteúdos são muito resumidos, são reduzidos o máximo possível; e essa redução, às vezes, acaba prejudicando o próprio conteúdo para os alunos do EJA. E aí acaba ficando assuntos pendentes, que não são vistos por falta de tempo. E isso acaba, às vezes, prejudicando esses alunos”. Essa questão, portanto, consiste em outra demanda que o professor deve contornar, a fim de garantir a equidade da educação concedida aos indivíduos da EJA e, consequentemente a formação da cidadania. Para este assunto, diante da importância deste princípio, sugere-se um estudo mais específico. Considerando as dificuldades apresentadas, na concepção dos professores o currículo de Química deveria ser constituído por matérias básicas, que permitissem o resgate do cotidiano do educando. Este cuidado possibilitaria o favorecimento de uma aprendizagem significativa. Além disso, os conteúdos precisariam permitir o desenvolvimento do senso crítico do aluno da EJA. Sobre a formação da cidadania, ficou evidente a priorização dos conteúdos relacionados à promoção da alfabetização científica cívica: o desenvolvimento de atitudes com respeito às implicações sociais das ciências e, também, os que possibilitavam a interpretação da informação científica disseminada pela mídia e presente na vida cotidiana. 88 Entre as principais metodologias utilizadas para o desenvolvimento dos conteúdos planejados foram citados os debates e as atividades experimentais. Inclusive, essa informação serviu como um dos referenciais para a elaboração do produto educacional: caderno de atividades para os professores da rede estadual, contendo dez propostas, que podem ser desenvolvidas com o público de jovens e adultos nas três fases do ensino médio. Por fim, diante de todas as inferências aqui apresentadas, posso dizer que a realização dessa pesquisa permitiu a mudança da minha prática docente com o público da EJA. Antes enfatizava apenas a resolução de algoritmos, o treinamento excessivo e tentava trabalhar o maior número de matérias possíveis. Os alunos liam os problemas, calculavam e chegavam a uma resposta. Porém eles não atribuíam nenhum significado ao resultado obtido. Comecei a sentir necessidade de oferecer um ensino de Química para além de cálculos, fórmulas e nomenclaturas. Então, busquei as respostas através desse estudo. A partir da leitura dos documentos prescritos e das conversas com meus pares por meio da entrevista, cheguei à conclusão de que devo tentar formar leitores de mundo, que se posicionem diante do uso da ciência e de suas tecnologias na sociedade. Para tal, é preciso sistematizar um plano de curso que contemple as particularidades dos estudantes jovens e adultos, resgate suas vivências e suas culturas particulares e ofereça um ensino de Química de qualidade, contextualizado, interdisciplinar e significativo. 89 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAZZO, W. A.; LINSINGEN, I. V.; PEREIRA, L. T. V. Introdução aos estudos CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade). Madri: OEI, 2003. BRANDÃO, C. R. A Educação popular na escola cidadã. Petrópolis: Vozes, 2002. BRANDÃO, Z. Pesquisa em educação: conversas com pós-graduandos. Rio de de Janeiro: PUC-Rio, 2002. BRASIL. Avaliação e Planejamento. Cadernos Trabalhando com a Educação de Jovens e Adultos, v.04, 2006. 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Contamos com sua colaboração para respondê-lo, pois suas informações são importantes para o andamento desse trabalho. Não é necessária a sua identificação. 1) Sexo: ( ) masculino ( ) feminino ( ) Biologia ( ) Física 2) Idade: _____________ ( ) Matemática ( ) Outra. 3) Você possui licenciatura plena em Especificar:________________________ Química? ( ) Sim 5) Fez/faz curso de pós-graduação? ( ) Não ( ) Sim, especialização ( ) Sim, mestrado 4) Se a resposta do item anterior foi „não‟, ( ) Sim, doutorado indique a licenciatura plena que você ( ) Não cursou: Qual é o curso?_____________________ 98 6) O curso de pós-graduação está 12) Você faz/fez GLP em alguma dessas relacionado com a área de ensino de turmas? Quais? ciências? __________________________________ ( ) Sim __________________________________ ( ) Não 7) Em que ano você ingressou na rede Nas perguntas 13, 14 e 15 poderão ser pública estadual de ensino? marcadas mais de uma opção. __________________________________ 13) Em sua opinião, qual(is) item(s) é(são) 8) Você também leciona em turmas do relevante(s) na elaboração do currículo Ensino Médio regular? escolar, para o público de jovens e adultos, ( ) Sim nível médio? ( ) Não ( ) a faixa etária ( ) a heterogeneidade do público 9) Há quantos anos você leciona? ( ) as práticas culturais e valores já cons- ( ) menos de 5 anos tituídos ( ) entre 6 a 10 anos ( ) as expectativas dos educandos ( ) mais de 10 anos ( ) o tempo que este público se encontra afastado da sala de aula 10) Você atua/atou com a Educação de Jovens e Adultos? 14) Qual(is) função(ões) você atribuiria a ( ) Sim Educação de Jovens e Adultos? ( ) Não ( ) suprir o conhecimento não adquirido na idade prevista Na pergunta 11 poderão ser marcadas ( ) reparar o direito negado de acesso a mais de uma opção. uma escola de qualidade ( ) promover a igualdade entre os indi- 11) Com quais séries você trabalha/traba- víduos de uma sociedade lhou na EJA? ( ) diminuir a distorção entre a faixa etária ( ) 1º série do ensino médio, e série escolar ( ) 2º série do ensino médio, ( ) efetivar um caminho de desenvolvi- ( ) 3º série do ensino médio mento de todas as pessoas e de todas as idades 99 ( ) propiciar a todos a atualização de co- 17) Na EJA é relevante resgatar o nhecimentos por toda a vida cotidiano ( ) conduzir o indivíduo à realização pes- desenvolvimento dos conteúdos? soal e ao reconhecimento do outro como ( ) Sim sujeito ( ) Não do educando durante o De que forma? 15) Qual(is) é(são) seu(s) objetivo(s) ao __________________________________ elaborar o programa curricular para a EJA? __________________________________ ( ) promover o acesso dos jovens e adultos ao conhecimento não adquirido na idade Nas perguntas 18, 19 e 20 poderão ser prevista marcadas mais de uma opção. ( ) contribuir para a formação igualitária dos educandos 18) Em sua concepção, qual(is) é(são) o(s) ( ) garantir a igualdade de direitos e de objetivo(s) do ensino de Química para a oportunidades, no que se trata da educa- EJA? ção ( ) A formação de futuros cientistas ( ) valorizar os conhecimentos adquiridos a ( ) A preparação para o trabalho partir das experiências vividas ( ) A compreensão do mundo natural ( ) desenvolver os valores e o conhecimen- ( ) A formação da cidadania to de cada um ( ) A compreensão do impacto das tecno- ( ) permitir o prosseguimento dos estudos logias da química na vida pessoal em caráter regular 19) Assinale os documentos que você 16) No seu plano de curso são inseridos conhece? temas que permitam o diálogo entre a ( ) Diretrizes Curriculares Nacionais para o Química e outras áreas do conhecimento? Ensino Médio (CNE) ( ) Sim ( ) Diretrizes Curriculares Nacionais para a ( ) Não Educação de Jovens e Adultos (CNE) De que forma esses temas podem ser ( ) Reorientação Curricular (SEEDUC) inseridos? ( ) Parâmetros Curriculares para o Ensino __________________________________ Médio (MEC) __________________________________ ( ) Livro didático __________________________________ ( ) Outros. Cite:____________________ 100 20) Para a elaboração do planejamento da formação de jovens e adultos disciplina química na educação de Jovens e cientificamente alfabetizados, utilize os Adultos, o que você geralmente utiliza? números (1) para indicar o conteúdo muito ( ) Diretrizes Curriculares Nacionais para o comprometido, o (2) para indicar o Ensino Médio conteúdo pouco comprometido e o (3) para ( ) Diretrizes Curriculares Nacionais para a indicar o conteúdo não comprometido. Educação de Jovens e Adultos ( ) História e Filosofia da Ciência ( ) Reorientação Curricular ( ) As partículas fundamentais da matéria ( ) Parâmetros Curriculares para o Ensino ( ) Funções inorgânicas e orgânicas Médio ( ) Distribuição eletrônica ( ) Parâmetros Curriculares para o Ensino ( ) Substâncias orgânicas de uso diário Médio ( ) Ligações químicas ( ) Livro didático ( ) Oxidação e redução ( ) Outros ( ) Poluição Cite: ( ) Aplicações medicinais da radioativi - _________________________________ dade ( ) Combustíveis 21) Qual(is) métodos(s) você lança mão para o desenvolvimento dos conteúdos 23) Você considera que os cursos de planejados? licenciatura contribuem significativamen- ( ) experimentação te para formação de professores na EJA? ( ) projetos interdisciplinares Explique. ( ) utilização de artigos científicos, textos __________________________________ de revistas e de jornais __________________________________ ( ) utilização de modelos __________________________________ ( ) debates __________________________________ ( ) Vídeos ( ) Visitas a museus e a centro de ciências 24) Você gostaria de acrescentar alguma outra informação que julgue pertinente 22) Levando em consideração o currículo com relação ao seu planejamento de escolar de Química mais apropriado para a Química para EJA? EJA, o __________________________________ comprometimento do conteúdo com a __________________________________ no que diz respeito 101 ANEXO B - Entrevista 1. O que é ensinar Química para você? 2. É importante ensinar Química para a EJA? Para que? 3. Na sua concepção existe alguma diferença entre o ensino de Química para EJA e para as séries regulares? 4. Você se sente preparado e seguro para elaborar um planejamento de Química na EJA? 5. Quais são os critérios que você utiliza para montar um plano de curso para EJA? 6. Quais os conteúdos de Química, você considera importante para a EJA? 7. A graduação deu algum suporte para você trabalhar com a EJA? 102 ANEXO C - Transcrição de duas entrevistas PROFESSOR 9 (P9) E: O que é ensinar Química para você? É importante ensinar Química para a EJA? P9: Ensinar Química pra mim é trazer para dentro da escola a ciência da vida. Sei que a ciência da vida é conhecida como Biologia, mas a Química explica tudo – explica o que vestimos, o que nós comemos , o ar que respiramos, sabe? É... Eu acho que tem tudo a ver. E é exatamente aí que tá a importância da Química pro EJA, que a gente lida com jovens e adultos, pessoas já com experiência de vida e que talvez, talvez não, com certeza comem, bebem e vestem; e não sabem o que comem e não sabem o que vestem, cientificamente falando. E a importância é trazer de forma brilhante, eu costumo até explicar muito para eles, assim, dentro da sala e dizer assim: é mágica? Não é Química e que pra gente muitas vezes parece que é de forma mágica, mas a Química explica no dia a dia. E: Na sua concepção existe alguma diferença entre o ensino da Química para EJA e o ensino proposto para as séries regulares? P9: Bom, a diferença tá no tempo que é muito corrido. O tempo que a gente tem pra dar a matéria. E ainda envolvendo... Tratando-se de alunos que trabalham, vêm correndo do trabalho e tem problemas familiares, é filho, é “n” coisas né? É... A diferença tá no público, na cultura do público que a gente tem como aluno. Mas existe um grande diferencial que a gente ganha muito aí entre dar aula para o ensino regular e o ensino EJA, é o interesse das pessoas, é maior. Hoje a gente tem na turma regular alunos assim... Totalmente fora da realidade do mundo. Estuda porque é obrigado, porque o pai manda, né? Se você pegar... Viver isso numa turma durante o dia, de ensino regular, você vê clara essa diferença. Pra mim a diferença é o tempo, que a gente não consegue dar todo o conteúdo, mas em contrapartida a gente ganha muito no interesse dos alunos. Não adianta você ter muito tempo e não ter interesse. E: Você se sente preparado e seguro para elaborar um plano de curso para a EJA? P9: Não. Eu vivo até procurar e buscar isso. Inclusive, hoje, a gente tem no estado o plano pra Matemática, pra Português, “n” disciplinas e de Química, de Física e Matemática. Quer dizer Matemática tem, mas de Química e Física não tem, né? 103 Principalmente para o EJA. Eu acho que falta muito isso aí e não me sinto preparada para elaborar esse plano. E: Quais os conteúdos de Química, você considera importante para a EJA? P9: Química geral, né? Estudar a matéria, o princípio de tudo, os estados físicos da matéria, explicar as transformações. É a Química no geral, já que a gente não consegue entender para as outras áreas. Mas explicando... É tudo envolvendo dentro do cotidiano. Eu acredito que é uma linguagem bem envolvida no cotidiano deles, que trás até um interesse e despertar maior deles pela matéria e pela disciplina, que eles acabam aplicando ao que eles vivem. É... Química Orgânica que é muito difícil conseguir chegar lá, mas separar um tempinho no terceiro ano, pra falar um pouquinho sobre petróleo e polímeros, que envolvem muito o nosso dia a dia também. E: E quais critérios você utilizaria para montar um programa curricular para esta modalidade de curso? P8: O critério é único, o cotidiano. A ciência ligada ao cotidiano. E: Você acha que a graduação dá suporte para o futuro professor trabalhar com a EJA? P9: Não dá, não dá. Não dá nem para trabalhar com o ensino regular ainda mais... É, eu acho que é a prática, aplicação, a vivência, o dia-a-dia é muito importante na graduação, sabe? É... O estágio, que muitas vezes é feito de forma corrida. Acho que é isso. E: Você tem dificuldade para trabalhar com a EJA em relação à aprendizagem? P9: Não. Desde que eu leciono, eu leciono no EJA, tá?É... Mas ao ouvir, comparar com meus amigos, ver; eu estou muito feliz assim. Até o meu esposo hoje ele tá se formando em professor de Biologia, tá fazendo estágio. Ele deixou bem claro pra mim que eu não tenho a noção da diferença, que eu tenho sorte de trabalhar com a EJA. Eu acredito que todos vão concordar comigo. PROFESSOR 12 (P12) E: O que é ensinar Química para você? 104 P12: No caso, ensinar Química seria algo interessante, pelo fato da Química ser matéria de transformação, ser um... mostrar as reações que ocorrem, tanto no dia a dia com as pessoas nas suas casas, na vida, dentro da própria pessoa. Então ensinar Química é algo novo, é algo... Para as pessoas é algo interessante e que trás todo esse conhecimento de vida, de realidade para eles. Então, ensinar Química basicamente seria isso. E: É importante ensinar Química para EJA? Por quê? P12: Ensinar Química, no caso, é importante para qualquer tipo de ensino. Seja EJA ou regular, em qualquer situação. Porque, são os motivos já relatados na situação acima, que seria mostrar tudo que a Química pode trazer de explicação para ele. Mostrar essa realidade que eles têm aí das reações e da vida, né? Porque é importante, é fundamental, não tem porque não deixar de ser. E o EJA não poderia ficar de fora disso. E: Na sua concepção existe alguma diferença entre o ensino da Química para EJA e o ensino proposto para as séries regulares? P12: Sim, existem muitas diferenças, porque o EJA é um curso rápido e o conteúdo de Química é muito extenso, seja ele para o regular ou não. Então, trazer todo esse conteúdo para o EJA seria, é extremamente difícil. Porém, a gente faz o possível para poder mostrar os principais tópicos. Mas, é extremamente diferente, né, o ensino do EJA para o ensino das séries regulares. E: Sobretudo em relação a que? As características? P12: „É‟ os conteúdos. Os conteúdos são muito extensos, longos. O curso regular leva três anos e o ensino do EJA leva um ano e meio. O fato de você tentar trabalhar todo o conteúdo em três anos já é difícil. Imagina trabalhar em um ano e meio. Então, os conteúdos são muito resumidos, são reduzidos o máximo possível e essa redução, às vezes, acaba prejudicando o próprio conteúdo para os alunos do EJA. E aí acaba ficando assuntos pendentes, que não são vistos por falta de tempo. E isso acaba, às vezes, prejudicando esses alunos. E: Você se sente preparado e seguro para elaborar um plano de curso para a EJA? 105 P12: Sim, já tô no caso no magistério há mais de 15 anos. Então, acredito que isso já me deu alguma bagagem, para esse tipo de preparação. Tanto é que, nem existe ainda um plano oficial de EJA, existem algumas propostas. E isso não é muito legal, porque a gente fica tentando buscar o assunto que é mais importante, o assunto que não é. E isso leva a algum tipo de... Como é que eu posso dizer?É... Perdi a palavra agora. É... A gente sem opção. E aí acaba fazendo mais do que... O que a necessidade nos permite. Mas em questão de me sentir seguro e preparado para elaborar um plano, isso é sem sombra de dúvidas, estou. E: Você acha que precisa de um plano de curso para EJA no estado do Rio de Janeiro, de forma a orienta o professor? P12: Com certeza. Existe uma proposta, existe uma ideia, mas não existe nada oficial. Nada assim: tem que ser assim, desse jeito. Não é nem que tenha que ser assim, mas pelo menos algo mais sucinto, que você pudesse trabalhar a Química de uma maneira mais prática, mais rápida; e que pudesse abordar de uma forma mais interessante para o aluno dentro do prazo que nós temos. São duas aulas semanais em um ano e meio. Tirando as dificuldades que a gente encontra no meio do caminho, fica reduzido bastante. Então, torna-se muito difícil trabalhar nesse sentido. E: Quais os conteúdos de Química que você considera importante para a EJA? P12: Bom, aí é complicado a gente tentar adotar isso aí. Mas os conteúdos de Química importantes para o EJA, de uma primeira visão, eu acredito que seria mostrar a parte atômica, que é a base de tudo – para poder mostrar ao aluno como é que a Química funciona –,uma pincelada de Química inorgânica e um pouquinho de Química Orgânica. Não tem muito tempo para mostrar mais do que isso. Seriam as três partes mais interessantes. E: Físico-química não entraria? P12: Sem chance, não tem nem como entrar físico-química no ensino do EJA pelo tempo. Até porque os alunos não teriam bases (pausa) anteriores para esse tipo de conteúdo. Já é difícil trabalhar físico-química no ensino regular, imagina no EJA. Então, eu acho que no ensino do EJA, eu não acredito que seja interessante trabalhar físico-química e sim atomística que é uma parte inicial, aquilo que vai dar origem a toda parte estrutural da Química e mostrar também a parte de inorgânica, das funções 106 inorgânicas que é muita coisa do dia a dia. Eles vão trabalhar, eles vão ver ácidos, sais, bases, óxidos. É básico do dia a dia deles. E um pouquinho da Química Orgânica, que também não dá para trabalhar muito, porque a Química Orgânica por ser tão extensa, daria apenas poucas situações que daria para trabalhar. As principais funções orgânicas, compostos orgânicos. E: E quais critérios você utilizaria para montar um programa curricular para esta modalidade de ensino? P12: É... critérios... O que seriam esses critérios? Eu não entendi muito bem. E: Em relação ao público da EJA em si. Em relação ao material que está disponível. Os critérios que você utilizaria para montar um plano curricular para EJA. P12: Isso é bem difícil. Até porque as escolas não têm muitos recursos práticos pra isso. Não existem laboratórios, não existe espaço físico para isso. Então, o critério seria basicamente a parte teórica. Não teria muito. Se tivéssemos, um espaço, um laboratório teria bastante conteúdo, mais do que a parte de sala de aula nos permite fazer. Mas pelos recursos que nós temos, fica difícil de tentar montar isso. E: Repete a pergunta. P12: Bem, seria interessante ter, se é pra fazer uma situação hipotética, a gente poderia trabalhar em cima de aulas práticas. Trabalhar em cima de, pegar toda essa parte da Química que nos permite trabalhar prática, trabalhar o visual e o que o aluno pode ver acontecendo. Então, isso seria interessante, não só para esse público, para essa modalidade de ensino, mas também pra toda clientela, seja regular ou não. EJA, regular seja o que for. Então, seria interessante, que dentro desse programa curricular, existisse a possibilidade de se inserir aulas práticas, onde o aluno pudesse praticar, ver, acontecer e mexer. Ter contato realmente com a Química. E não ficar só no quadro ouvindo suposições, ouvindo leis, situações que ele não vê, ele só ouve. Então, basicamente seria isso. O critério principal seria esse. E: Você acha que a graduação dá suporte para o futuro professor trabalhar com a EJA? P12: Basicamente a graduação dá apenas um pequeno suporte seja para EJA ou para regular. O suporte total você vai ter que conseguir no dia a dia dentro de sala de aula, buscando, pesquisando. É... Aprendendo, vendo. Ainda mais a Química que tá em 107 eterna mudança, cada dia mudanças ocorrem. A gente tem que se reci... Reciclando não seria o termo, mas se aperfeiçoar, mudar de forma de pensar, de agir em relação às definições. A Química não tá fechada, ela tá totalmente aberta. Então, o curso de graduação ele vai te dar suporte para você ir buscar essas soluções. Buscar esses caminhos. Mas trabalhar com EJA é uma situação a parte. O EJA, como eu já disse anteriormente, o pouco tempo que a gente tem pra trabalhar com ele, é... É difícil de trabalhar qualquer tipo de assunto e não há curso de graduação que ainda, acho que, prepare esse tipo de situação e sim o dia a dia. Estar na sala de aula, estar vendo as necessidades, estar vendo a realidade do aluno, do local onde o aluno está. Porque aí você vai ver o que você pode fazer e como fazer e aí se adaptar a essa realidade. 108